Reportagem | Dia do Abraço | O Povo (CE) | 22.05.20

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SEXTA-FEIRA

FORTALEZA - CEARÁ - 22 DE MAIO DE 2020

EDIÇÃO: SÍLVIA BESSA | SILVIABESSA@OPOVO.COM.BR |

DIA DO ABRAÇO, APESAR DA DISTÂNCIA O distanciamento também é uma demostração de amor. A pandemia colocou o amor à prova, mas as formas de manifestar afeto se reinventam, contornando o afastamento imposto pelo vírus LAIS OLIVEIRA

ESPECIAL PARA O POVO

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JÚLIO CAESAR

“O abraço é uma troca de energia muito intensa”, resume o aposentado Dirceu Holanda Pinto Filho, 59. Para ele, abraço só vale se for daqueles que são apertados, “para você sentir a pessoa”, e ainda com um beijo no rosto. Entretanto, a pandemia colocou o amor à prova do distanciamento social e nos obrigou a abdicar do contato físico em prol da saúde de quem mais se quer bem. No Dia do Abraço, lembrado nesta sexta-feira, 22 de maio, as formas de manifestar afeto se reinventam, contornando a distância imposta pelo vírus. Há mais de dois meses, Dirceu espera para poder abraçar os familiares de novo. Confinado na companhia de sua namorada, ele foi surpreendido por um presente planejado pela filha, Camila, em seu aniversário. No último sábado,

16, ela combinou uma videochamada com os parentes e enviou um “Loucuras de Amor” à residência do pai, no bairro São Gerardo, em Fortaleza. Dirceu conta que as músicas e a mensagem cuidadosamente escolhidas por Camila foram como um abraço que aconchegou o coração. “Percebi que na frente do apartamento onde moro tinha uma homenagem para alguém e ouvi meu nome. Foi uma emoção indescritível, como poucas que tive. Eu chorei muito de emoção”, relata. Antes da quarentena, o aposentado era habituado aos encontros familiares semanais na casa da mãe. Para sossegar a saudade em tempos de distanciamento social, Dirceu tem recorrido à tecnologia. “É uma maneira apenas de aliviar a ausência que fica, mas o abraço presencial não tem igual”, aponta. A observação de Dirceu tem uma explicação científica. Conforme a psicóloga clínica Renata Linhares, estudos comprovam que o toque físico é imprescindível para que o desenvolvimento mental e emocional do ser humano seja completo. “A necessidade do toque tem a ver com a necessidade de ser amado, no sentido de criar vínculos com as pessoas”, explica. Segundo Renata, que é mestra em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (Unifor), a falta do contato físico com outros indivíduos tem potencial de abalar a saúde mental, desencadeando processos de ansiedade, por exemplo. A psicóloga orienta a buscar por estratégias que possam compensar a falta do contato físico. Esses mecanismos variam para cada pessoa. Falar sobre como nos sentimos pode ser uma dessas estratégias. Segundo a especialista, é possível, ainda, manter os laços emocionais durante a quarentena por meio de ligações, chamadas de vídeo ou trocas de mensagens.

QUANDO OS ABRAÇOS SERÃO SEGUROS DE NOVO? O infectologista Guilherme Henn adverte que, para o bem de todos, é preciso aguardar um pouco mais até abraçar as pessoas que estão longe. Isso porque, quando as medidas de isolamento social puderem ser relaxadas, esse processo se dará de maneira progressiva. De acordo com Henn, que também é presidente da Sociedade Cearense de Infectologia (SCI), nesse período de afrouxamento parcial ainda será prudente evitar aglomerações e encontros casuais. O médico avalia que só se tornará totalmente seguro retomar o contato físico após uma vacina contra a Covid-19 ser encontrada. “Leva um tempo para uma vacina ser pesquisada, aprovada e desenvolvida do ponto de vista industrial. Até ela chegar a esse ponto, as melhores estimativas que tenho visto falam de um ano e um ano e meio, no melhor dos cenários”, afirma. Outro caminho possível é a chamada imunidade de rebanho. Quando um grande número de pessoas já foram infectadas e curadas, as epidemias tendem a terminar porque é mais difícil o vírus ser transmitido. Entretanto, até o momento, o infectologista reitera que não existe certeza sobre se as pessoas que já tiveram a Covid-19 desenvolvem uma imunidade protetora a longo prazo. Isso significa dizer que, mesmo quando sair às ruas for possível, os abraços ainda devem ser contidos e o distanciamento social permanecerá necessário. Para lidar com mais essa frustração, a psicóloga Renata Linhares recomenda contextualizar o cenário no qual estamos inseridos. Racionalizando essa situação, segundo Renata, é possível enxergar e aceitar melhor o porquê de estarmos tomando essas precauções. “O distanciamento neste momento é uma demonstração de amor. É uma forma de proteção. É uma maneira de preservar e proteger não só quem a gente ama, mas a sociedade como um todo”, ressalta. Sobretudo, a psicóloga lembra que é indispensável mentalizar que este período é temporário e, em algum momento, “isso tudo vai passar e vamos poder deixar desabrochar essa necessidade de abraçar quem a gente ama.” Paciência é o que momento atual mais exige, como reflete o aposentado Dirceu Filho. Ele considera que o ideal é seguir a orientação das autoridades sanitárias sobre o que for mais prudente, sem agir no “ímpeto da emoção”. “Temos que esperar o tempo que for necessário para que o próximo abraço presencial seja seguro. É preciso esse equilíbrio, essa consciência. A gente pode aguardar um pouco mais”, conclui.


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