Reportagem | Remoções na pandemia | O Povo (CE) | 02.06.21

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QUARTA-FEIRA

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DESPEJOS E REMOÇÕES DE FAMÍLIAS

O drama de quem é posto para fora de casa na pandemia No momento em que autoridades sanitárias recomendam que as pessoas fiquem em casa, pelo menos 1,6 mil famílias foram ameaçadas de remoções ou despejo no Ceará REPORTAGEM, PÁGINAS 6 E 7

POLÍTICA

ESPORTES

CIDADES

ECONOMIA

ESPORTES

Na CPI, Nise Yamaguchi nega mudança na bula da cloroquina PÁGINA 8

Confirmada no Brasil, Copa América tem 4 sedes escolhidas

Ceará inicia neste mês vacinação contra Covid-19 em pessoas de 18 a 59 anos PÁGINA 15

PIB avança 1% no 1º tri e expectativas para 2021 melhoram

Clássico-Rei inédito começa a definir vaga nas oitavas da Copa do Brasil PÁGINAS 25 E 26

PÁGINA 27; EDITORIAL 22

RONALDO CÂMARA/ACERVO INSTITUTO ZUZU ANGEL

VIDA&ARTE

VIDA&ARTE

HÁ 􀢝􀎀 ANOS ESTÚDIO DE ANIMAÇÃO PIXAR LEVA EMOÇÃO E FANTASIA PARA O CINEMA

􀛨􀩚􀩚 ANOS DE ZUZU ANGEL, A ESTILISTA QUE DEU PROTAGONISMO À BRASILIDADE NA MODA

PÁGINA 6

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EDIÇÃO DE HOJE Edição fechada a 0h30 36 páginas

ISSN 1517-6819

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PÁGINA 11; NEILA FONTENELE, PÁGINA 14


6 REPORTAGEM Cidades

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QUARTA-FEIRA FORTALEZA - CEARÁ - 2 DE JUNHO DE 2021

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DESPEJOS NA P O DRAMA DE QUEM É IMPEDIDO DE FICAR EM CASA

| INSEGURANÇA HABITACIONAL | Ao menos 1.668 famílias no Ceará foram alvo de remoções e ameaças de despejo durante a pandemia

LAIS OLIVEIRA ESPECIAL PARA O POVO

lais.silva@opovo.com.br

“Fique em casa” é o consenso entre as recomendações das autoridades sanitárias para conter a propagação da Covid-19. Mas para pelo menos 1.668 famílias no Ceará, a casa é uma incerteza diária. O dado se refere a ocupações que foram alvo de remoções e ameaças de despejo durante a crise sanitária, de março de 2020 a maio deste ano. O levantamento foi realizado pelo O POVO com informações do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), do Escritório de Direitos Humanos Dom Aloísio Lorscheider (EDHAL), da assessoria jurídica do mandato da vereadora Larissa Gaspar (PT) e da campanha Despejo Zero. Na quinta metrópole mais populosa do Brasil, a realidade do déficit habitacional se escancarou com os impactos socioeconômicos da pandemia. No último 17 de março, enquanto a Capital se aproximava dos seis mil óbitos por Covid-19 no começo da segunda onda pandêmica, Joana Darc Nogueira Felipe, 47 anos, via seu barraco ser derrubado na ocupação Pacífica, no bairro Vicente Pinzón. A moradia improvisada servia de abrigo para ela e os dois filhos. Desempregada, Joana não conseguiu mais pagar aluguel na comunidade do Castelo Encantado, onde antes residia. Assim, começou a ocupar o terreno nas proximidades

do residencial Alto da Paz há cerca de cinco meses. O barraco havia sido construído de forma colaborativa com a ajuda de vizinhos. A ocupação Pacífica reúne 200 famílias e foi alvo neste ano de ações de desocupação da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), com apoio da Guarda Municipal. Moradores relatam emprego de força violenta e desproporcional nas ocasiões. As condições na ocupação são precárias. O terreno é íngreme, com muita vegetação e mosquitos. “O poder público tem de olhar para os pobres. Tem uma pandemia matando todo mundo, não tem trabalho. A gente vive de cesta básica, de doação”, reivindica Joana. Karolyne Lima dos Reis, 24 anos, também tinha uma moradia improvisada, mas na ocupação do Jeri, no bairro Luciano Cavalcante. Residiu no local durante dois meses, até ter o barraco derrubado em março passado, nas demolições realizadas pela Agefis. Agora Karolyne vende bolos e dindim para pagar R$ 400 de aluguel da casa onde mora com os dois filhos e o marido, mas as dificuldades são muitas. “Já dormi duas noites com meus filhos na rua. Tinha tempo que eu não tinha condição [de pagar aluguel]. Numa pandemia desta, a gente conseguindo uma moradia já ajuda”, diz. Segundo ela, após a remoção, ainda existem tentativas de ocupação por parte de algumas das 56 famílias que constituíam a ocupação do Jeri. Contudo, as novas investidas do grupo acabam sendo impedidas pela Prefeitura de Fortaleza.

Direito à moradia. Poder público

MPCE APURA DESOCUPAÇÕES FEITAS PELA PREFEITURA O Ministério Público do Ceará (MPCE) recomendou em abril de 2020 a suspensão de remoções administrativas em Fortaleza durante a pandemia. A exceção é para casos de ocupações em área de risco comprovada por documentos técnicos. Ainda nessas situações, se a remoção ocorrer, as famílias devem ser direcionadas para uma nova moradia ou para o aluguel social. A medida vale enquanto durar a situação de emergência em saúde pública na Capital. Remoções administrativas são realizadas quando uma posse é considerada nova. Quando há ocupação consolidada, em terreno público ou privado, é preciso que haja ação de reintegração de posse por vias judiciais para desocupar a área, explica a promotora Giovana Melo, titular da 9ª Promotoria de Justiça do MPCE, especializada em conflitos fundiários e defesa da habitação. “Se for demarcação de terreno não consistindo em moradias, não vejo problema de ser retirado. Agora, se existirem moradias, existe orientação para que o poder público não faça remoção”, completa. O MPCE instaurou procedimentos para apurar as circunstâncias das desocupações nos bairros Vicente Pinzón (ocupação Pacífica) e Luciano Cavalcante (ocupações Jeri e Jaime de Alencar) neste ano. Órgãos municipais, entre eles Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), foram oficiados

para prestar esclarecimentos. Um eventual descumprimento à recomendação do Ministério Público daria abertura para processar o Município por improbidade administrativa. Em nota ao O POVO, a Agefis informa que segue a recomendação do MPCE “e monitora as áreas ambientais e de patrimônio público para que não sejam ocupadas”. A agência diz que atendeu a denúncias de ocupação irregular nos bairros Luciano Cavalcante e Vicente Pinzón. “Foram identificadas construções não habitadas com materiais como madeira e lona, além de demarcações”, afirma. A Guarda Municipal de Fortaleza (GMF) reforça o posicionamento da Agefis sobre as construções encontradas nos locais. Acerca dos relatos de violência, a pasta ainda ressalta que “não é a favor de nenhum tipo de violência e que seus agentes empregam o uso

Se existirem moradias, existe orientação para que o poder público não faça remoção” Giovana Melo, promotora da 9ª Promotoria de Justiça do MPCE

moderado da força ou armamento de baixa letalidade, apenas em casos necessários para garantir a própria integridade ou a da população.” A versão sobre a existência de moradias inabitadas na ocupação Pacífica é contestada pelo advogado Cláudio Silva, coordenador do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Dom Aloísio Lorscheider, que vem acompanhando os moradores do local. “Foi um ato administrativo. A recomendação do MPCE é clara em não haver despejos administrativos. Essas famílias ocupam terrenos por questão urgente de assistência. No caso dessa ocupação, temos relato de pessoas passando fome”, aponta. A advogada Isabelle Maciel, assessora jurídica do mandato da vereadora Larissa Gaspar (PT), tem acompanhado a ocupação do Jeri, no bairro Luciano Cavalcante, e garante que a comunidade tinha pessoas habitando em moradias improvisadas, além de demarcações. Ela também assessora a ocupação Jaime de Alencar, no mesmo bairro, onde as construções iniciadas por 17 famílias foram retiradas também em ação da Prefeitura. “O poder público tem o dever não apenas de proteger seus bens públicos ou uma propriedade particular, mas também tem o dever de efetivar o direito à moradia, que é um direito constitucional”, alerta a promotora.


REPORTAGEM

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QUARTA-FEIRA FORTALEZA - CEARÁ - 2 DE JUNHO DE 2021

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PANDEMIA FCO FONTENELE

Habitação.

AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE NO VICENTE PINZÓN ALTO DAS DUNAS, ocupação no bairro Vicente Pinzón

No bairro Vicente Pinzón, assim como a ocupação Pacífica, a comunidade Alto das Dunas se mobiliza contra ação de reintegração de posse expedida pela 27ª Vara Cível de Fortaleza, no último dia 19 de abril, pela juíza Mirian Porto Mota Randal Pompeu. A Alto das Dunas fica na avenida Douglas Marshall com rua Narcisio Lima e abrange área aproximada de 22 lotes. São 313 barracos assentados onde moram idosos, crianças e mulheres grávidas. Cerca de 40 famílias residentes de quatro lotes do terreno ocupado, em uma área total de

1.290 metros quadrados (m²), estão ameaçadas de remoção. Um eventual despejo traria repercussões para toda a ocupação porque as famílias tentariam se abrigar na própria comunidade. Ângela Maria Alves dos Santos, 37 anos, construiu o barraco dela no local para morar com os dois filhos, de 9 e 15 anos. Com a mudança, foi possível sair do aluguel para desafogar o orçamento familiar, já bastante apertado. A renda mensal vem do auxílio de um salário mínimo recebido pelo filho mais novo que tem autismo. A criança toma dois medicamentos que, às vezes, precisam ser comprados quando estão em falta no sistema público de saúde. “Se acontecer isso [remoção], meu sonho de ter uma casa para criar meus filhos foi por água abaixo. Não tenho pra onde ir. Ou compro alguma coisa pra gente comer, ou ficamos no meio da rua”, lamenta. Dois recursos contra a decisão judicial foram interpostos pelo Escritório de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar (EFTA), mas um deles já foi negado. Assim, as famílias da ocupação Alto das Dunas estão sob risco de despejo. O EFTA e a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) acompanham o caso e questionam os termos de posse que fundamentaram a decisão da Justiça, argumentando que o proprietário não conseguiu comprovar devidamente a posse em audiência realizada. Um ofício enviado à Habitafor em abril, requisitando soluções habitacionais para os moradores, também segue em análise no Núcleo de Locação Social. Após articulações da vereadora Larissa Gaspar (PT), a Polícia Militar do Ceará (PMCE) informou em abril que não tinha sido acionada para cumprir reintegração de posse no bairro Vicente Pinzón. Contudo, em nota mais recente, a PM esclarece que quando requisitada pelo Poder Judiciário, mesmo durante a pandemia de Covid-19, “não se pode negar a prestar apoio a ações que envolvam desapropriação, sob pena de responder por crime de desobediência.”

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