Logística Humanitária
Divulgação
Autora - Camilla Felício Agostinho Mestre em Engenharia Logística e Supply Chain Management pelo MITZaragoza International Logistics Program, Espanha. Especialização em Gestão da Cadeia de Suprimentos e Logística pelo LALT/UNICAMP. Coordenadora de Desenhos Logísticos pela DHL Supply Chain de 2008 a 2010. Recém-contratada pelos Médicos sem Fronteiras, Espanha.
Logística Humanitária: como ajudar ainda mais?
42 | Revista Cargo News
ser assegurado o aprovisionamento de alimentos, medicamentos, vacinas, cobertores, barracas, utensílios de cozinha, etc. Quando os materiais são provenientes de doações, costumam ser enviadas em grandes quantidades e sem planejamento. Muitas vezes as doações não correspondem ao que realmente é necessário, e fica difícil selecioná-las, armazená-las e distribuí-las. Em paralelo deve-se cuidar do transporte, tarefa complicada pelo grande fluxo de materiais em áreas que em geral já carecem de infraestrutura, e que, devido ao desastre, pode estar danificada. Ainda há atores com objetivos diferentes,
que duplicam esforços: doadores, organizações humanitárias, governos, militares, mídia. É o caos logístico. Em situações de desastres naturais, parte da ajuda humanitária é de caráter emergencial, exigindo respostas rápidas e demandando altos investimentos. A outra ajuda é de caráter on-going (“em curso”), como em secas ou pobreza. Exigem ações de longo prazo, permitindo respostas planejadas e otimizadas. Uma operação emergencial se transforma em on-going quando, após um desastre, a estrutura local carece de saneamento de água, hospitais, profissionais da saúde, etc.
ses e experiências. A Logística Humanitária é exemplar ao setor privado em diversos aspectos. Em geral são operações flexíveis e rápidas, respondendo à incerteza de suprimentos e demanda. Também são operações que atuam até o last mile, que são os beneficiários em áreas de estrutura quase inexistente. Para isso, servem-se de estoques pré-posicionados em áreas estratégicas, capazes de entregar rapidamente suprimentos de emergência. No terremoto do Haiti, graças a estoques de emergência no Panamá, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) levaram rapidamente os primeiros suprimentos ao país. Porém, enquanto no setor privado a logística dispõe de sistemas robustos de TI, especialistas, infraestrutura, padrões e iniciativas de colaboração, as organizações humanitárias
carecem de alguns ou todos esses aspectos (Gustavsson, 2002). Estes são alguns dos desafios da logística humanitária: • Estrutura: a estrutura logística é em geral inadequada, dependendo do país e do nível do desastre, que às vezes ocorrem em áreas de difícil acesso. Portos, aeroportos e estradas inaptas resultam em longos lead times; • Incerteza: organizações humanitárias intervêm em ambientes dinâmicos, nos quais é difícil prever demandas e suprimentos; • Urgência: as intervenções devem ser rápidas, por ser questão de vida ou morte (Wassenhove, 2006); • Mídia: os meios de comunicação exercem papel decisivo na captação de doações, mas dependendo da informação divulgada, podem provocar doações em excesso ou não solicita
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Como profissionais de logística, podemos ajudar as organizações humanitárias a desempenhar melhor o seu trabalho em situações de desastres, epidemias, conflitos armados e ausência de sistema de saúde. Elas recebem atenção e donativos de forma crescente, e a logística humanitária é um elo entre essas doações e a ajuda que prestam. Quanto melhor e mais eficiente for a sua supply chain, mais beneficiários serão alcançados. Mas essas organizações ainda carecem de recursos e ferramentas para prestar uma ajuda eficaz e eficiente. Após um desastre, começa uma corrida contra o relógio. O primeiro passo das organizações humanitárias é enviar uma equipe de “primeira avaliação” para analisar o grau dos danos, as pessoas afetadas, o tipo de ajuda e os materiais necessários. Esta etapa deve ser rápida, e se dá durante as primeiras 12 a 36 horas. Também é preciso acionar os doadores, e a mídia exerce um papel importante para difundir essa carência. Simultaneamente, é preciso montar um time de médicos, enfermeiras, psicólogos, uma equipe de suporte formada por provedores de água e saneamento, construção, energia e supply chain. Deve
A logística humanitária envolve planejamento, compras, transporte, armazenagem, gerenciamento de inventário, distribuição e satisfação dos atingidos (Wassenhove, 2006). Sua defasagem em relação à logística do setor privado, em termos de performance de supply chain, é estimada em 20 anos (Kopczak and Thomas, 2005). A logística representa grande parte do custo das organizações humanitárias. Isso se deve à urgência do trabalho: a prioridade é atuar o mais rápido possível, não importa como e a que custo (Davidson, 2006). Hoje, as organizações humanitárias sabem que a logística influencia no sucesso de uma missão. Ela define a velocidade e a eficácia da ajuda e representa sua parte mais cara, além de concentrar informações relacionadas às missões, sendo fonte de análi-
Ciclone em Bangladesh e Índia: entregas last mile de artigos de primeiras necessidades, lonas de plástico e mantas
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Autora - Camilla Felício Agostinho Mestre em Engenharia Logística e Supply Chain Management pelo MITZaragoza International Logistics Program, Espanha. Especialização em Gestão da Cadeia de Suprimentos e Logística pelo LALT/UNICAMP. Coordenadora de Desenhos Logísticos pela DHL Supply Chain de 2008 a 2010. Recém-contratada pelos Médicos sem Fronteiras, Espanha.
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ser assegurado o aprovisionamento de alimentos, medicamentos, vacinas, cobertores, barracas, utensílios de cozinha, etc. Quando os materiais são provenientes de doações, costumam ser enviadas em grandes quantidades e sem planejamento. Muitas vezes as doações não correspondem ao que realmente é necessário, e fica difícil selecioná-las, armazená-las e distribuí-las. Em paralelo deve-se cuidar do transporte, tarefa complicada pelo grande fluxo de materiais em áreas que em geral já carecem de infraestrutura, e que, devido ao desastre, pode estar danificada. Ainda há atores com objetivos diferentes,
que duplicam esforços: doadores, organizações humanitárias, governos, militares, mídia. É o caos logístico. Em situações de desastres naturais, parte da ajuda humanitária é de caráter emergencial, exigindo respostas rápidas e demandando altos investimentos. A outra ajuda é de caráter on-going (“em curso”), como em secas ou pobreza. Exigem ações de longo prazo, permitindo respostas planejadas e otimizadas. Uma operação emergencial se transforma em on-going quando, após um desastre, a estrutura local carece de saneamento de água, hospitais, profissionais da saúde, etc.
ses e experiências. A Logística Humanitária é exemplar ao setor privado em diversos aspectos. Em geral são operações flexíveis e rápidas, respondendo à incerteza de suprimentos e demanda. Também são operações que atuam até o last mile, que são os beneficiários em áreas de estrutura quase inexistente. Para isso, servem-se de estoques pré-posicionados em áreas estratégicas, capazes de entregar rapidamente suprimentos de emergência. No terremoto do Haiti, graças a estoques de emergência no Panamá, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) levaram rapidamente os primeiros suprimentos ao país. Porém, enquanto no setor privado a logística dispõe de sistemas robustos de TI, especialistas, infraestrutura, padrões e iniciativas de colaboração, as organizações humanitárias
carecem de alguns ou todos esses aspectos (Gustavsson, 2002). Estes são alguns dos desafios da logística humanitária: • Estrutura: a estrutura logística é em geral inadequada, dependendo do país e do nível do desastre, que às vezes ocorrem em áreas de difícil acesso. Portos, aeroportos e estradas inaptas resultam em longos lead times; • Incerteza: organizações humanitárias intervêm em ambientes dinâmicos, nos quais é difícil prever demandas e suprimentos; • Urgência: as intervenções devem ser rápidas, por ser questão de vida ou morte (Wassenhove, 2006); • Mídia: os meios de comunicação exercem papel decisivo na captação de doações, mas dependendo da informação divulgada, podem provocar doações em excesso ou não solicita
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Como profissionais de logística, podemos ajudar as organizações humanitárias a desempenhar melhor o seu trabalho em situações de desastres, epidemias, conflitos armados e ausência de sistema de saúde. Elas recebem atenção e donativos de forma crescente, e a logística humanitária é um elo entre essas doações e a ajuda que prestam. Quanto melhor e mais eficiente for a sua supply chain, mais beneficiários serão alcançados. Mas essas organizações ainda carecem de recursos e ferramentas para prestar uma ajuda eficaz e eficiente. Após um desastre, começa uma corrida contra o relógio. O primeiro passo das organizações humanitárias é enviar uma equipe de “primeira avaliação” para analisar o grau dos danos, as pessoas afetadas, o tipo de ajuda e os materiais necessários. Esta etapa deve ser rápida, e se dá durante as primeiras 12 a 36 horas. Também é preciso acionar os doadores, e a mídia exerce um papel importante para difundir essa carência. Simultaneamente, é preciso montar um time de médicos, enfermeiras, psicólogos, uma equipe de suporte formada por provedores de água e saneamento, construção, energia e supply chain. Deve
A logística humanitária envolve planejamento, compras, transporte, armazenagem, gerenciamento de inventário, distribuição e satisfação dos atingidos (Wassenhove, 2006). Sua defasagem em relação à logística do setor privado, em termos de performance de supply chain, é estimada em 20 anos (Kopczak and Thomas, 2005). A logística representa grande parte do custo das organizações humanitárias. Isso se deve à urgência do trabalho: a prioridade é atuar o mais rápido possível, não importa como e a que custo (Davidson, 2006). Hoje, as organizações humanitárias sabem que a logística influencia no sucesso de uma missão. Ela define a velocidade e a eficácia da ajuda e representa sua parte mais cara, além de concentrar informações relacionadas às missões, sendo fonte de análi-
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das, que geram bottlenecks em importação e aduanas; • Burocracia: processos regulatórios e aduaneiros alargam lead times e prejudicam a eficiência da operação; •Pouco incentivo em usar lessons learned: diferente do setor privado, não há o mercado para motivar a melhoria da performance (Wassenhove, 2006); • Pessoas: a mão-de-obra é escassa, com turnover elevado devido às adversidades das missões. A maioria não é treinada, causando dificuldades em reter conhecimento na organização; • Melhorias em segundo plano: a prioridade é levar ajuda, e por isso, a eficiência, os custos e a otimização ficam em segundo plano. Há pouco reconhecimento de que a Logística desempenha papel importante; • Falta de informação: um dos maiores problemas é a falta de previsibilidade. Além disso, os sistemas de TI são muito simples ou inexistentes, sendo difícil rastrear um pedido na cadeia. Assim, a informação não reflete a realidade e os processos de monitoramento de performance, rastreamento e previsão da demanda ficam prejudicados;
• Aspectos culturais: quem trabalha na área humanitária provém de backgrounds diversos, atraídos por desejos de “salvar o mundo” (Kopczak and Thomas, 2005). Os salários não são altos e há pouca cobrança. Isso gera baixo nível de expectativa, e quanto menos se espera, menos se investe; • Processo de melhoria contínua inexistente: normalmente se trabalha “apagando o incêndio”, preocupando-se em “seguir procedimentos”. Mas às vezes os procedimentos não são claros e sem padrões – cada qual faz à sua maneira; • Doações a curto prazo: elas em geral são alocadas por doadores diretos às missões de ajuda, e pouco é alocado para treinamentos e melhorias nos sistemas e processos (Kopczak and Thomas, 2005); • Falta de gerenciamento de transporte: a falta de especialistas, investimentos e reconhecimento da importância da supply chain geram gaps no gerenciamento de transporte (uma das partes mais caras da cadeia de suprimento). O que pode ser mudado Muitos artigos falam sobre o que
as organizações humanitárias podem aprender do setor privado e vice-versa. Essa análise é relevante, mas antes disso, é essencial cobrir os gaps primários da cadeia de suprimentos das operações humanitárias. Por isso, é importante primeiro identificar e separar o que é ‘característica do setor humanitário’, do que são ‘problemas do setor humanitário’. ‘Características’ são aspectos externos que fogem do seu controle, e não podem mudar; ‘Problemas’ são os da cadeia de suprimentos, passíveis de intervenção e melhoria. A figura 1 expõe uma reorganização dos desafios. Ela traz as características do setor humanitário com mais dificuldades operacionais de logística e suas consequências. Os itens mencionados na figura não são independentes. Eles fazem parte de um ciclo vicioso que se inicia com a falta de atenção, no nível gerencial, à logística. Assim, a alocação de recursos para essa área sempre foi limitada, gerando baixa performance. Como consequência, atividades logísticas sempre foram
emergenciais, e nunca uma prioridade nos níveis mais altos das organizações, iniciando o ciclo novamente (Wassenhove, 2006). Portanto, muito do que se pode melhorar nas operações provém da falta de reconhecimento de que a Logística, e mais especificamente, a Cadeia de Suprimentos, é fator determinante do sucesso ou o fracasso de uma operação de emergência. A primeira coluna mostra os fatores externos sobre os quais as organizações humanitárias não têm controle; as demais são suas consequências: problemas operacionais que podem ser melhorados. As boas práticas do setor privado são relevantes para superá-los. Porém, observa-se que investimentos em melhorias não geram os resultados esperados sem que, previamente, haja investimentos em recursos, ou seja, pessoas e informação. Como exemplo, observemos a implementação de Key Performance Indicators em uma organização humanitária que apresenta elevado turnover, falta de mão de obra especializada e um sistema de TI inapropriado. O resultado serão pessoas frustradas por não saber o que são KPIs, como gerar KPIs, como analisar KPIs e como implementar melhorias a partir de KPIs. As mesmas pessoas, por não usar o sistema de TI corretamente, vão extrair dados e gerar informações que não refletem a realidade. Menezes (2010) menciona que o uso da informação nas missões é deficiente, em grande parte pela falta de conhecimento dos conceitos de supply chain, falta de reconhecimento de que supply chain é essencial na área de suporte para as missões, e pela falta de regras claras sobre regis-
Referências Bibliográficas
Camilla, F. A. (2011) Auditing Models for Humanitarian Supply Chains. Tese de Mestrado, MIT-ZARAGOZA INTERNATIONAL LOGISTICS PROGRAM, Zaragoza. Davidson, A. L. (2011) Key Performance Indicators in Humanitarian Logistics. Tese de Mestrado, MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY, Cambridge. Gustavsson, L. (2002) Humanitarian Logistics: Context and Challenges. Forced Migration Review, Oxford, n. 18, p. 6 - 8. Kopczak, L. R. e Thomas, A. S. (2005) From Logistics to Supply Chain Management: The Path Forward in the Humanita-
Figura 2: Sequência de mudanças na Logística Humanitária
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tro de dados. Ou seja, a informação é comprometida pelo fator humano. Assim, implementar as boas práticas provenientes do setor privado, como medidores de performance e sistemas de previsão de demanda, serão perdidas a longo prazo se antes não investirmos em pessoas e sistemas de informação, na sequência como a Figura 2 propõe. Figura 2: Sequência de mudanças na Logística Humanitária A figura 2 representa uma sequência de implementação de mudanças, começando pelo reconhecimento de que a Logística é importante, e que deve ter maior participação no planejamento e budgeting de uma organização. Como a maioria das organizações humanitárias já começaram a implementar algumas mudanças no setor de supply chain, entende-se que esta etapa já foi alcançada ou está em andamento. Em seguida, pessoas e informações são propostas como a próxima etapa. Indo mais adiante, focar primeiramente em pessoas para depois focar em informação, aumenta as chances de se obter sucesso posteriormente. Por exemplo, mesmo implementando um sistema de TI extremamente eficiente, se as pessoas não estiverem preparadas para usá-lo, haverá grandes atrasados nos resultados esperados. Portanto, investir em treinamento, incentivos, direcionamento, para posteriormente investir em sistemas de TI, procedimentos, padronização, e, por último, KPIs, sistemas de melhoria contínua, sistemas de previsão de demanda, representa uma sequência que pode fornecer resultados a longo prazo, porém consistentes.
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Conclusão A sequência de investimento em supply chain, focando primeiramente em pessoas e informação, pode resultar em melhorias consistentes e eficazes, mesmo que sejam em longo prazo. Como as organizações humanitárias estão anos atrás quando comparadas ao setor privado, sugere-se primeiro o reconhecimento de que a cadeia de suprimentos é parte essencial da operação de ajuda humanitária. A partir desse reconhecimento, é possível obter fundos internamente, aumentando a participação da área da Logística nas etapas de Planejamento e Budgeting, e externamente, mostrando aos doadores que usar as doações para melhorar processos é uma forma de ajudar indiretamente, resultando em mais pessoas atendidas. Posteriormente, é possível investir em pessoas (treinamento e incentivos) e informação, através de procedimentos claros e sistemas de TI. Posteriormente valerá a pena investir em processos como medidores de performance e sistemas de previsão de demanda. É importante ressaltar que a implementação desses aspectos deve ser seguida por uma mudança na mentalidade da organização, principalmente no que diz respeito a diretrizes e nível de exigência, para que os novos processos sejam estritamente seguidos. A Logística Humanitária envolve operações imensas, responde rapidamente, emprega pessoas extremamente motivadas, e, principalmente, salva vidas. Vale a pena melhorá-la!
rian Sector. Fritz Institute, California. Médicos sin Fronteras (2011) Cómo actuamos en las emergencias. Disponível em: <http://www.msf.es/multimedia/foto-galerias/2010/como-actuamos-en-emergencias>. Acesso em: 01 novembro de 2011. Menezes, M. (2010) Auditing Report on MSF’s Supply Chain in India and Overall Perceptions after visiting India and Zimbabwe’s missions. Zaragoza Logistics Center and MSF. WASSENHOVE, L. V. (2006) Humanitarian aid logistics: supply chain management in high gear. Journal of the Operational Research Society, v. 57, p. 475-89.
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das, que geram bottlenecks em importação e aduanas; • Burocracia: processos regulatórios e aduaneiros alargam lead times e prejudicam a eficiência da operação; •Pouco incentivo em usar lessons learned: diferente do setor privado, não há o mercado para motivar a melhoria da performance (Wassenhove, 2006); • Pessoas: a mão-de-obra é escassa, com turnover elevado devido às adversidades das missões. A maioria não é treinada, causando dificuldades em reter conhecimento na organização; • Melhorias em segundo plano: a prioridade é levar ajuda, e por isso, a eficiência, os custos e a otimização ficam em segundo plano. Há pouco reconhecimento de que a Logística desempenha papel importante; • Falta de informação: um dos maiores problemas é a falta de previsibilidade. Além disso, os sistemas de TI são muito simples ou inexistentes, sendo difícil rastrear um pedido na cadeia. Assim, a informação não reflete a realidade e os processos de monitoramento de performance, rastreamento e previsão da demanda ficam prejudicados;
• Aspectos culturais: quem trabalha na área humanitária provém de backgrounds diversos, atraídos por desejos de “salvar o mundo” (Kopczak and Thomas, 2005). Os salários não são altos e há pouca cobrança. Isso gera baixo nível de expectativa, e quanto menos se espera, menos se investe; • Processo de melhoria contínua inexistente: normalmente se trabalha “apagando o incêndio”, preocupando-se em “seguir procedimentos”. Mas às vezes os procedimentos não são claros e sem padrões – cada qual faz à sua maneira; • Doações a curto prazo: elas em geral são alocadas por doadores diretos às missões de ajuda, e pouco é alocado para treinamentos e melhorias nos sistemas e processos (Kopczak and Thomas, 2005); • Falta de gerenciamento de transporte: a falta de especialistas, investimentos e reconhecimento da importância da supply chain geram gaps no gerenciamento de transporte (uma das partes mais caras da cadeia de suprimento). O que pode ser mudado Muitos artigos falam sobre o que
as organizações humanitárias podem aprender do setor privado e vice-versa. Essa análise é relevante, mas antes disso, é essencial cobrir os gaps primários da cadeia de suprimentos das operações humanitárias. Por isso, é importante primeiro identificar e separar o que é ‘característica do setor humanitário’, do que são ‘problemas do setor humanitário’. ‘Características’ são aspectos externos que fogem do seu controle, e não podem mudar; ‘Problemas’ são os da cadeia de suprimentos, passíveis de intervenção e melhoria. A figura 1 expõe uma reorganização dos desafios. Ela traz as características do setor humanitário com mais dificuldades operacionais de logística e suas consequências. Os itens mencionados na figura não são independentes. Eles fazem parte de um ciclo vicioso que se inicia com a falta de atenção, no nível gerencial, à logística. Assim, a alocação de recursos para essa área sempre foi limitada, gerando baixa performance. Como consequência, atividades logísticas sempre foram
emergenciais, e nunca uma prioridade nos níveis mais altos das organizações, iniciando o ciclo novamente (Wassenhove, 2006). Portanto, muito do que se pode melhorar nas operações provém da falta de reconhecimento de que a Logística, e mais especificamente, a Cadeia de Suprimentos, é fator determinante do sucesso ou o fracasso de uma operação de emergência. A primeira coluna mostra os fatores externos sobre os quais as organizações humanitárias não têm controle; as demais são suas consequências: problemas operacionais que podem ser melhorados. As boas práticas do setor privado são relevantes para superá-los. Porém, observa-se que investimentos em melhorias não geram os resultados esperados sem que, previamente, haja investimentos em recursos, ou seja, pessoas e informação. Como exemplo, observemos a implementação de Key Performance Indicators em uma organização humanitária que apresenta elevado turnover, falta de mão de obra especializada e um sistema de TI inapropriado. O resultado serão pessoas frustradas por não saber o que são KPIs, como gerar KPIs, como analisar KPIs e como implementar melhorias a partir de KPIs. As mesmas pessoas, por não usar o sistema de TI corretamente, vão extrair dados e gerar informações que não refletem a realidade. Menezes (2010) menciona que o uso da informação nas missões é deficiente, em grande parte pela falta de conhecimento dos conceitos de supply chain, falta de reconhecimento de que supply chain é essencial na área de suporte para as missões, e pela falta de regras claras sobre regis-
Referências Bibliográficas
Camilla, F. A. (2011) Auditing Models for Humanitarian Supply Chains. Tese de Mestrado, MIT-ZARAGOZA INTERNATIONAL LOGISTICS PROGRAM, Zaragoza. Davidson, A. L. (2011) Key Performance Indicators in Humanitarian Logistics. Tese de Mestrado, MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY, Cambridge. Gustavsson, L. (2002) Humanitarian Logistics: Context and Challenges. Forced Migration Review, Oxford, n. 18, p. 6 - 8. Kopczak, L. R. e Thomas, A. S. (2005) From Logistics to Supply Chain Management: The Path Forward in the Humanita-
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Conclusão A sequência de investimento em supply chain, focando primeiramente em pessoas e informação, pode resultar em melhorias consistentes e eficazes, mesmo que sejam em longo prazo. Como as organizações humanitárias estão anos atrás quando comparadas ao setor privado, sugere-se primeiro o reconhecimento de que a cadeia de suprimentos é parte essencial da operação de ajuda humanitária. A partir desse reconhecimento, é possível obter fundos internamente, aumentando a participação da área da Logística nas etapas de Planejamento e Budgeting, e externamente, mostrando aos doadores que usar as doações para melhorar processos é uma forma de ajudar indiretamente, resultando em mais pessoas atendidas. Posteriormente, é possível investir em pessoas (treinamento e incentivos) e informação, através de procedimentos claros e sistemas de TI. Posteriormente valerá a pena investir em processos como medidores de performance e sistemas de previsão de demanda. É importante ressaltar que a implementação desses aspectos deve ser seguida por uma mudança na mentalidade da organização, principalmente no que diz respeito a diretrizes e nível de exigência, para que os novos processos sejam estritamente seguidos. A Logística Humanitária envolve operações imensas, responde rapidamente, emprega pessoas extremamente motivadas, e, principalmente, salva vidas. Vale a pena melhorá-la!
rian Sector. Fritz Institute, California. Médicos sin Fronteras (2011) Cómo actuamos en las emergencias. Disponível em: <http://www.msf.es/multimedia/foto-galerias/2010/como-actuamos-en-emergencias>. Acesso em: 01 novembro de 2011. Menezes, M. (2010) Auditing Report on MSF’s Supply Chain in India and Overall Perceptions after visiting India and Zimbabwe’s missions. Zaragoza Logistics Center and MSF. WASSENHOVE, L. V. (2006) Humanitarian aid logistics: supply chain management in high gear. Journal of the Operational Research Society, v. 57, p. 475-89.
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