Melhorando a previsão de vendas da Nike no Brasil

Page 1


Acadêmico

LALT – Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes Faculdade de Engenharia Civil – UNICAMP

Melhorando a previsão de vendas da Nike do Brasil Introdução

No universo de Supply Chain, é conhecimento comum que uma empresa que prevê corretamente a demanda pelos seus produtos conquista importantes diferenciais competitivos. A precisão dessa previsão de vendas permite uma capacidade adequada para atender ao mercado, melhorando o nível de serviço e otimizando a ociosidade da cadeia, minimizando os custos. Porém, diferentes modelos de negócios requerem diferentes métodos de previsão. Algumas empresas obtêm excelentes resultados com modelos puramente estatísticos, enquanto em outros casos é necessária a intervenção de especialistas com análises qualitativas, utilizando conhecimento dos produtos e do mercado para chegar à previsão. O objetivo deste trabalho foi desenvolver um modelo preciso de previsão de vendas para a empresa Nike do Brasil, utilizando o segmento de calçados de corrida como teste inicial, comparando resultados dos testes com o modelo utilizado anteriormente pela empresa.

Francis Dias Graciotto Especialista em Gestão da Cadeia de Suprimentos e Logística pelo LALT / Unicamp. Gerente de Planejamento de Demanda na Nike do Brasil.

32 | RCN

Planejamento de demanda

A necessidade de previsão é comum em todos os tipos de organização e áreas funcionais (Hanke e Wichern, 2009). Apesar da imprecisão inerente a qualquer previsão, aproximações e estimativas sobre o futuro são essenciais para o progresso no cenário atual de mudanças constantes. Segundo Corrêa et al. (2009), essa necessidade é causada pela inércia dos processos decisórios, ou seja, o intervalo de tempo entre uma tomada de decisão e seus efeitos no negócio requer que a decisão seja baseada numa previsão de como a situação estará no futuro, e não no momento em que a ela está sendo tomada. A necessidade de planejamento advém da busca por atender à demanda de forma eficiente e alinhada com os objetivos da empresa (atingindo certo nível de rentabilidade, por exemplo). Segundo Julianelli (2006), o aumento de complexidade interna e externa nas empresas (como o aumento da concorrência e da cobertura geográfica) aumenta a atenção dada ao processo de planejamento de demanda.

Lars Meyer Sanches Mestre em Engenharia de Logística pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e doutor em Engenharia de Transportes pelo LALT / Unicamp. Professor do Insper e professor colaborador da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp

www.cargonews.com.br


Em empresas de bens de consumo, principalmente aquelas com cadeias de suprimento globais e complexas, a necessidade de planejamento é evidente devido aos grandes custos e perdas por estimativas incorretas de venda. Independentemente do método utilizado ou a importância dada à elaboração do planejamento da demanda, essa informação influencia, inevitavelmente, diversas atividades fundamentais dessas empresas e tem um impacto direto em seus diferenciais competitivos. Hanke e Wichern (2009) indicam que por desconfiança ou ignorância quanto aos métodos quantitativos de previsão de demanda, muitas empresas utilizam métodos puramente qualitativos. Essa opção não requer desenvolvimento de metodologia ou sistemas, mas conta com a experiência da pessoa que a opera. Por outro lado, utilizar um método puramente quantitativo para prever as vendas de uma empresa requer pesado processamento de dados e um sistema robusto que faça esse tipo de análise. E mesmo nesse caso, o método quantitativo não teria a sensibilidade de negócios que pode capturar algumas variações não baseadas em históricos. Os mesmos autores ressaltam que a escolha do método deve visar à praticidade para o processo de tomada de decisão, e que os usuários da informação devem confiar no tipo de previsão utilizada (seja ela mais quantitativa ou qualitativa). Segundo os autores, a construção de um modelo de previsão de vendas preciso é tão importante quanto conseguir credibilidade para este sistema frente os tomadores de decisão da empresa. No momento de definição de quão quantitativa ou qualitativa a construção da previsão de vendas será, é importante questionar o quanto a empresa está preparada para suportar a construção dessa previsão e o quanto ela está disposta a investir. Segundo Wanke (1998), a empresa deve identificar o nível de precisão e complexidade esperado do sistema de previsão. Um grande empecilho que pode surgir para a construção da previsão de vendas é a falta de dados. Uma previsão bem elaborada requer diversos dados históricos de diversas áreas, e um processo de previsão de vendas requer que esta informação seja fornecida de forma estruturada. Caso a empresa não esteja preparada para prover esse tipo de informação, são necessários investimentos para a adequação desta estrutura. Outro possível investimento necessário é no software de planejamento de demanda. Dependendo da complexidade das análises realizadas e da precisão esperada da previsão, ferramentas mais simples como o Microsoft Excel podem ser suficientes, mas alguns

www.cargonews.com.br

modelos podem requerer softwares mais sofisticados. Wanke (1998) expõe graficamente como analisar o trade off entre um modelo mais sofisticado de forecast e um mais simples (Figura 1), e conclui que a decisão depende de onde está o ponto de equilíbrio da seguinte equação: Custo total de prever vendas é igual ao custo do procedimento mais o custo dos erros de previsão.

Figura 1: Custo total de previsão de vendas (Wanke, 1998)

Caso Prático:

Revisão do Processo de Previsão de Vendas Até o desenvolvimento deste trabalho, o processo de previsão de vendas da Nike do Brasil era executado em conjunto entre as áreas de Planejamento de Demanda, Merchandising e Vendas, utilizando histórico de vendas, informações de produtos (inovações, mudanças de preço e diversidade de cores) e de situação de mercado (informações de sell out e feedbacks de alguns clientes), porém sem uma metodologia definida e contando majoritariamente com a expertise dos envolvidos no processo de construção da previsão qualitativa. Os principais problemas gerados pelo processo atual e pela falta de uma ferramenta de previsão de vendas foram: Tabela 1: Principais problemas no formato de planejamento de demanda atual

RCN | 33


Figura 2: Fluxograma do processo de Previsão de Vendas proposto

Considerando estas necessidades do negócio e a complexidade que agregaria ao processo de previsão analisar quantitativamente informações além do histórico de vendas (aplicando modelos de correlação com sell out ou elasticidade de preço, por exemplo), foi proposto um processo híbrido de previsão. O time de Planejamento de Demanda ficou responsável pela construção de uma previsão quantitativa baseada em modelos estatísticos sobre o histórico de vendas, e posteriormente as três áreas envolvidas fariam análises sobre os fatores qualitativos que poderiam impactar esta previsão. Esta previsão híbrida é representada no fluxograma acima.

Modelos de previsão de vendas

Dentre todos os modelos estatísticos pesquisados na bibliografia, foram escolhidos os modelos Naive e Holt Winters’ para aplicação e testes, devido à versatilidade do método Naive (importante para empresas como a Nike, com muitos produtos novos e sem histórico de vendas) e à aplicabilidade do modelo Holt Winters’ nos produtos com histórico mais consistente. • Naive: Modelo de baixa complexidade que aplica uma fórmula simples em até cinco períodos históricos, podendo ser aplicado a produtos mais novos. A fórmula à ser utilizada varia dependendo dos padrões de comportamento da demanda identificados: estacionário, sazonal, tendência e/ou cíclico (Hanke e Wichern, 2009) • Holt Winters’: Modelo de ponderação exponencial com ajuste de tendência e sazonalidade. Segundo

34 | RCN

Hanke e Wichern (2009), a ponderação exponencial consiste em utilizar fatores para definir a influência do histórico mais distante sobre a previsão que está sendo feita. Esta metodologia exige uma base histórica mais consistente para trazer resultados precisos, mas pode ser construída no Microsoft Excel com a ajuda do plug in Solver. TESTE DOS MODELOS DE PREVISÃO DE VENDAS Para testar os modelos Naive e Holt Winters’, foi feito o que é conhecido como “previsão do passado”, ou seja, a previsão de uma coleção que já tinha suas vendas realizadas. Com isso, foi possível comparar a precisão da metodologia escolhida com a precisão da previsão que havia sido feita pelo time da Nike sem essa ferramenta de previsão. Para a realização dos testes, os produtos foram primeiramente classificados de acordo com a qualidade de seus históricos de vendas e a intensidade de fatores qualitativos no seu comportamento. Os modelos com forte influência de fatores qualitativos não se enquadram em nenhum modelo quantitativo. Aqueles com uma boa qualidade do histórico de vendas (ao menos oito períodos de histórico consistentes) se enquadraram no modelo Holt Winters’ e os modelos com um histórico mais curto só puderam ser previstos pelo modelo Naive. Foi construída uma ferramenta de previsão de vendas em Excel, onde foi feita a classificação da qualidade do histórico e a previsão de cada um dos quarenta e quatro grupos de produtos propostos. Após terminada a previsão, foi utilizado o conceito de MAPE www.cargonews.com.br


(média absoluta do erro percentual, conforme descrito por Hanke e Wichern, 2009) para comparar o erro da previsão proposta com o erro da previsão realizada pela Nike sem a ferramenta. Os resultados foram separados na tabela abaixo entre produtos em que foi aplicada cada uma das metodologias (Naive e Holt Winters’) e aqueles que somente poderiam ser previstos utilizando metodologia qualitativa, sendo que neste caso, foi considerado que o MAPE permaneceria inalterado, pois não haveria mudança no processo.

Conclusão

A viabilidade do projeto de desenvolvimento de uma ferramenta e metodologia de previsão de vendas para a Nike do Brasil dependerá de dois fatores: a operacionalização da ferramenta e ganhos em precisão contra o processo atual. As primeiras impressões da operacionalização da ferramenta foram satisfatórias, pois o tempo investido na construção da previsão foi similar ao processo atual, e os resultados dos testes também foram satisfatórios e indicam que a ferramenta e a metodologia trariam benefícios para a Nike, se implementadas. Os ganhos demonstrados nos produtos que possibilitam implementação do modelo Holt Winters’ são muito importantes, pois estes são modelos de alto impacto financeiro, e os que foram previstos utilizando o modelo Naive tiveram melhora muito significativa do indicador MAPE de precisão, que tem impacto direto em custos de estoque, matérias primas e nível de serviço aos clientes. Mesmo com resultados já promissores, existe o que ser melhorado quanto ao formato da ferramenta e sua automatização para reduzir o tempo de construção

da previsão estatística. Isso será desenvolvido para a segunda etapa de implementação, se for o caso. Outro ponto possível de aprimoramento é a quantificação de alguns fatores que ainda são analisados qualitativamente, como o impacto da variação da quantidade de skus ofertados ao mercado por grupo de produto, elasticidade de preço e segmentação de mercado (número de pontos de venda, por exemplo). Os resultados dos testes deixaram claro que, mesmo para contextos de constante inovação e históricos de vendas instáveis, as metodologias estatísticas agregam qualidade à previsão de vendas, mesmo que para chegar à previsão final seja necessário aprimorá-las com análises qualitativas.

Referências Bibliográficas

BALLOU, Ronald H.. Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos / Logística Empresarial. 5ª ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2009. BROCKWELL, Peter J., Davis, Richard A.. Introduction to Time Series and Forecasting.2ª ed., New York: Editora Springer-Verlag, 2002. CORRÊA, Henrique Luiz, Gianesi, Irineu Gustavo N., Caon, Mauro. Planejamento, programação e controle da produção. 5 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011. FARIA, Ana Cristina de, Costa, Maria de Fatima Gameiro da. Gestão de Custos Logísticos. 1ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010. HANKE, John E., Wichern, Dean W.. Business Forecasting. 9ª ed. Upper Saddle River, New Jersey: Editora Pearson, 2009. JULIANELLI, Leonardo. Motivadores para Implementação de Iniciativas de Colaboração no Processo de Planejamento da Demanda. Rio de Janeiro, Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), 10 de março de 2006. Disponível em: <http://www.ilos.com.br/web/index. php?option=com_contentetask=vieweid=691eItemid=74elang=br>. Acesso em: 24 jun. 14:56. WANKE, Peter. O Processo de Previsão de Vendas nas Empresas: Aspectos Organizacionais e Tecnológicos. Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS),10 de junho de 1998. Disponível em: <http:// www.ilos.com.br/web/index.php?option=com_contentetask=ieweid =1142eItemid=74elang=br>. Acesso em 24 jun. 2013, 14:30.

Figura 3: Comparativo de Erro (MAPE) entre modelo proposto e modelo anterior

www.cargonews.com.br

RCN | 35


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.