Acadêmico
Autor: Dr. Lars Meyer Sanches LALT - Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes Faculdade de Engenharia Civil UNICAMP
O que um profissional da área de transporte de cargas precisa saber sobre Gestão de Estoques? Introdução Para ser um bom profissional no setor de transporte de cargas no Brasil é preciso ter uma série de habilidades e conhecimentos que muitas vezes são adquiridos ao longo da experiência no dia-a-dia. Mas, para ser um excelente profissional, é preciso ir além destes conhecimentos. É necessário entender como as decisões tomadas na área de transportes impactam em outras áreas da Logística e vice-versa. Uma das áreas mais afetadas é a de gestão de estoques. O profissional de transportes de cargas que tiver conhecimentos mínimos sobre gestão de estoques poderá considerar estes impactos no momento de tomar decisões e propor melhorias na operação, seja própria, no caso de um profissional de transportes de um fabricante de produtos, ou seja atuando em empresas que prestam serviços de transportes para outras empresas. Estas propostas trarão um impacto maior para o resultado das empresas e irá ajudar a alavancar a carreira dos mesmos. A seguir irei introduzir alguns conceitos fundamentais da gestão de estoques e mostrar exemplos de como se relacionam com a área de transportes.
Motivos para não ter estoque A primeira coisa que se deve saber sobre estoques é que existem diversos motivos para as empresas não manterem estoques. Entre eles iremos destacar quatro dos principais: 1. Custo de capital: ao manter estoque os donos da empresa estão deixando de aplicar o valor deste estoque em investimentos que iriam render juros. O custo de capital, ou também chamado custo de oportunidade, é uma taxa que as empresas cobram por manter dinheiro parado em estoques. Esta taxa varia muito de acordo com o tamanho da empresa, mas gira entre 15% e 50% ao ano. 2. Custo de armazenagem & movimentação: para armazenar o estoque é preciso ter um local adequado, pessoas, equipamentos e sistemas de informação (ex: WMS). Se a quantidade de estoque fosse menor, a estrutura de armazenagem poderia ser menor, reduzindo seus gastos. 3. Perdas & seguro: grandes quantidades de estoques aumentam o risco de haver avarias nos produtos armazenados. Produtos de alto valor, como por exemplo,
Dr. Lars Meyer Sanches Atua como professor na área de Logística e Operações de cursos de graduação e pós-graduação do Insper (antigo Ibmec SP) e UNICAMP. Bacharel em Ciência Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Master ofEngineering in Logistics pelo Massachusetts Instituteof Technology (MIT) e doutor em Engenharia de Transportes pela UNICAMP. Atuou durante 5 anos em funções gerenciais na área de Supply Chain da Unilever Bestfoods Brasil. Nos últimos anos tem feito projetos de consultoria e treinamento em empresas como Itaú Unibanco, Roche, HP, Toyota, Seara, Bunge, Philips, Unilever Bestfoods, Nestlé, TAM, Cera Johnson, Johnson entre outras. larsms@fec.unicamp.br 40 | RCN
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lâminas de barbear, exigem uma grande estrutura de segurança. Quanto maior for a quantidade de produto armazenado, maiores serão os custos de segurança. Muitas empresas optam por pagar seguro caso ocorram avarias ou roubos. Este seguro depende da quantidade de produtos em estoque e do valor dos mesmos. 4. Obsolescência ou perda de validade: manter estoque de produtos com pequeno prazo de validade pode aumentar a chance do produto perder a validade ou do cliente não aceitá-lo. Empresas gastam milhões ao ano descartando produtos vencidos ou dando descontos para desová-los quando estiverem próximos de vencer. Empresas que atuam em mercados com produtos com alta taxa de inovação (ex: celulares) e empresas cujos produtos seguem mudanças no comportamento do consumidor (roupas de moda) também são obrigadas a descartar produtos ou fazer liquidações para evitar que este produto fique encalhado no estoque. Mas por que um profissional de transportes de carga precisa saber disto tudo? Como irei mostrar abaixo, as decisões da área de transportes influenciam a quantidade de estoques que a empresa mantém. Um excelente profissional de transportes pode propor mudanças em sua área que permitam que haja redução da quantidade de estoques. Ao saber como a quantidade de estoque impacta os custos da empresa, ele poderá mostrar para os altos executivos o quanto trouxe de ganho para a organização, seja sua ou de seu cliente. Como as decisões de transportes impactam no estoque Existem cinco grandes motivos para as empresas manterem estoques. Decisões da área de transportes impactam em quase todos eles. Iremos destacar os três maiores motivos para se manter estoque que são impactados por transportes. 1. Cobrir incertezas da demanda e do suprimento: as variações da demanda do cliente (caso de um produto acabado) ou da fábrica (caso de peças e materiais) são o primeiro motivo para as empresas manterem estoque. Outro motivo são as variações no tempo de compra ou produção dos produtos. Quanto maior for o tempo de transporte e a variação deste tempo, maior será a necessidade de manter estoque para evitar com que o cliente fique sem produto. 2. Manter a operação rodando: as empresas precisam garantir um fluxo contínuo de produtos chegando, seja de materiais chegando na fábrica, seja de produtos acabados chegando nos clientes. Novamente, quanto maior for o tempo de transporte, maior será a quantidade de produto “em trânsito” e, consequentemente, maior será a quantidade total de estoque.
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3. Obter economias de escala: as empresas procuram ter custos baixos de compra, produção e transportes. Para isto, elas compram, produzem e transportam quantidades grandes de produtos ao mesmo tempo, isto é, lotes. Quanto maior o lote de transporte, menor o custo unitário de transporte, mas maior a quantidade de estoque. Exemplos de aplicações 1. Troca de modal de transporte Os diferentes modais de transporte (rodoviário, marítimo, aéreo, ferroviário e dutoviário) possuem características distintas em relação ao tempo de viagem, a variação deste tempo e tamanhos de lotes de transporte. Um profissional de transporte de cargas que saiba como estas variáveis impactam a quantidade de estoque a ser mantido, e saiba o quanto este estoque impacta no resultado financeiro, é capaz de propor mudanças que irão reduzir os custos logísticos como um todo e não apenas o de transporte. Há situações em que a redução no custo do transporte não compensa o aumento dos custos de estoques como, por exemplo, quando há mudança para um modal mais lento, como é o caso do marítimo em relação ao rodoviário. Em outra situações apesar de um aumento no valor do frete, como por exemplo, quando se utiliza o modal aéreo, a redução no custo de estoque supera o aumento gerando, portanto, uma redução no custo logístico total. A Zara, empresa de roupas de moda, é um excelente exemplo de como utilizar as decisões do modal de transporte para obter um lucro superior a concorrência. As empresas tradicionais do segmento de roupas optavam por transportar seus produtos através de modais mais baratos, como o caso do transporte marítimo para viagens internacionais. Além disto, optavam por mandar grandes lotes de produtos que pudessem encher os containers e, consequentemente, reduzir o custo unitário de transporte. A Zara, por sua vez, opta pelo modal aéreo que, além de reduzir drasticamente o tempo de viagem, permite que sejam transportados lotes menores. Estas duas coisas fazem com que a quantidade de estoque da Zara seja muito menor que a de seus concorrentes. Estoques menores permitem a Zara renovar, com muito mais frequência, suas roupas, o que acaba atraindo um consumidor antenado na moda sem ter que incorrer em gastos com propaganda. Outro benefício, talvez o maior, é que a quantidade de roupas que a Zara tem que colocar em liquidação é muito menor que a dos concorrentes. A Zara incorre em custos maiores de transportes mas ganha muito mais em função dos estoques baixos.
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Autor: Dr. Lars Meyer Sanches LALT - Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes Faculdade de Engenharia Civil UNICAMP
O que um profissional da área de transporte de cargas precisa saber sobre Gestão de Estoques? Introdução Para ser um bom profissional no setor de transporte de cargas no Brasil é preciso ter uma série de habilidades e conhecimentos que muitas vezes são adquiridos ao longo da experiência no dia-a-dia. Mas, para ser um excelente profissional, é preciso ir além destes conhecimentos. É necessário entender como as decisões tomadas na área de transportes impactam em outras áreas da Logística e vice-versa. Uma das áreas mais afetadas é a de gestão de estoques. O profissional de transportes de cargas que tiver conhecimentos mínimos sobre gestão de estoques poderá considerar estes impactos no momento de tomar decisões e propor melhorias na operação, seja própria, no caso de um profissional de transportes de um fabricante de produtos, ou seja atuando em empresas que prestam serviços de transportes para outras empresas. Estas propostas trarão um impacto maior para o resultado das empresas e irá ajudar a alavancar a carreira dos mesmos. A seguir irei introduzir alguns conceitos fundamentais da gestão de estoques e mostrar exemplos de como se relacionam com a área de transportes.
Motivos para não ter estoque A primeira coisa que se deve saber sobre estoques é que existem diversos motivos para as empresas não manterem estoques. Entre eles iremos destacar quatro dos principais: 1. Custo de capital: ao manter estoque os donos da empresa estão deixando de aplicar o valor deste estoque em investimentos que iriam render juros. O custo de capital, ou também chamado custo de oportunidade, é uma taxa que as empresas cobram por manter dinheiro parado em estoques. Esta taxa varia muito de acordo com o tamanho da empresa, mas gira entre 15% e 50% ao ano. 2. Custo de armazenagem & movimentação: para armazenar o estoque é preciso ter um local adequado, pessoas, equipamentos e sistemas de informação (ex: WMS). Se a quantidade de estoque fosse menor, a estrutura de armazenagem poderia ser menor, reduzindo seus gastos. 3. Perdas & seguro: grandes quantidades de estoques aumentam o risco de haver avarias nos produtos armazenados. Produtos de alto valor, como por exemplo,
Dr. Lars Meyer Sanches Atua como professor na área de Logística e Operações de cursos de graduação e pós-graduação do Insper (antigo Ibmec SP) e UNICAMP. Bacharel em Ciência Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Master ofEngineering in Logistics pelo Massachusetts Instituteof Technology (MIT) e doutor em Engenharia de Transportes pela UNICAMP. Atuou durante 5 anos em funções gerenciais na área de Supply Chain da Unilever Bestfoods Brasil. Nos últimos anos tem feito projetos de consultoria e treinamento em empresas como Itaú Unibanco, Roche, HP, Toyota, Seara, Bunge, Philips, Unilever Bestfoods, Nestlé, TAM, Cera Johnson, Johnson entre outras. larsms@fec.unicamp.br 40 | RCN
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lâminas de barbear, exigem uma grande estrutura de segurança. Quanto maior for a quantidade de produto armazenado, maiores serão os custos de segurança. Muitas empresas optam por pagar seguro caso ocorram avarias ou roubos. Este seguro depende da quantidade de produtos em estoque e do valor dos mesmos. 4. Obsolescência ou perda de validade: manter estoque de produtos com pequeno prazo de validade pode aumentar a chance do produto perder a validade ou do cliente não aceitá-lo. Empresas gastam milhões ao ano descartando produtos vencidos ou dando descontos para desová-los quando estiverem próximos de vencer. Empresas que atuam em mercados com produtos com alta taxa de inovação (ex: celulares) e empresas cujos produtos seguem mudanças no comportamento do consumidor (roupas de moda) também são obrigadas a descartar produtos ou fazer liquidações para evitar que este produto fique encalhado no estoque. Mas por que um profissional de transportes de carga precisa saber disto tudo? Como irei mostrar abaixo, as decisões da área de transportes influenciam a quantidade de estoques que a empresa mantém. Um excelente profissional de transportes pode propor mudanças em sua área que permitam que haja redução da quantidade de estoques. Ao saber como a quantidade de estoque impacta os custos da empresa, ele poderá mostrar para os altos executivos o quanto trouxe de ganho para a organização, seja sua ou de seu cliente. Como as decisões de transportes impactam no estoque Existem cinco grandes motivos para as empresas manterem estoques. Decisões da área de transportes impactam em quase todos eles. Iremos destacar os três maiores motivos para se manter estoque que são impactados por transportes. 1. Cobrir incertezas da demanda e do suprimento: as variações da demanda do cliente (caso de um produto acabado) ou da fábrica (caso de peças e materiais) são o primeiro motivo para as empresas manterem estoque. Outro motivo são as variações no tempo de compra ou produção dos produtos. Quanto maior for o tempo de transporte e a variação deste tempo, maior será a necessidade de manter estoque para evitar com que o cliente fique sem produto. 2. Manter a operação rodando: as empresas precisam garantir um fluxo contínuo de produtos chegando, seja de materiais chegando na fábrica, seja de produtos acabados chegando nos clientes. Novamente, quanto maior for o tempo de transporte, maior será a quantidade de produto “em trânsito” e, consequentemente, maior será a quantidade total de estoque.
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3. Obter economias de escala: as empresas procuram ter custos baixos de compra, produção e transportes. Para isto, elas compram, produzem e transportam quantidades grandes de produtos ao mesmo tempo, isto é, lotes. Quanto maior o lote de transporte, menor o custo unitário de transporte, mas maior a quantidade de estoque. Exemplos de aplicações 1. Troca de modal de transporte Os diferentes modais de transporte (rodoviário, marítimo, aéreo, ferroviário e dutoviário) possuem características distintas em relação ao tempo de viagem, a variação deste tempo e tamanhos de lotes de transporte. Um profissional de transporte de cargas que saiba como estas variáveis impactam a quantidade de estoque a ser mantido, e saiba o quanto este estoque impacta no resultado financeiro, é capaz de propor mudanças que irão reduzir os custos logísticos como um todo e não apenas o de transporte. Há situações em que a redução no custo do transporte não compensa o aumento dos custos de estoques como, por exemplo, quando há mudança para um modal mais lento, como é o caso do marítimo em relação ao rodoviário. Em outra situações apesar de um aumento no valor do frete, como por exemplo, quando se utiliza o modal aéreo, a redução no custo de estoque supera o aumento gerando, portanto, uma redução no custo logístico total. A Zara, empresa de roupas de moda, é um excelente exemplo de como utilizar as decisões do modal de transporte para obter um lucro superior a concorrência. As empresas tradicionais do segmento de roupas optavam por transportar seus produtos através de modais mais baratos, como o caso do transporte marítimo para viagens internacionais. Além disto, optavam por mandar grandes lotes de produtos que pudessem encher os containers e, consequentemente, reduzir o custo unitário de transporte. A Zara, por sua vez, opta pelo modal aéreo que, além de reduzir drasticamente o tempo de viagem, permite que sejam transportados lotes menores. Estas duas coisas fazem com que a quantidade de estoque da Zara seja muito menor que a de seus concorrentes. Estoques menores permitem a Zara renovar, com muito mais frequência, suas roupas, o que acaba atraindo um consumidor antenado na moda sem ter que incorrer em gastos com propaganda. Outro benefício, talvez o maior, é que a quantidade de roupas que a Zara tem que colocar em liquidação é muito menor que a dos concorrentes. A Zara incorre em custos maiores de transportes mas ganha muito mais em função dos estoques baixos.
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baixassem seu estoque. O nível de satisfação dos clientes subiu e o volume de vendas aumentou.
2. Mudança no perfil dos veículos O perfil do veículo pode ser alterado para permitir o aumento da frequência de entregas de produtos e, consequentemente, reduzir o lote de entrega. As redes de fastfood são um ótimo exemplo disto. Os veículos responsáveis pelo abastecimento das lanchonetes do Mc Donalds são separados em três compartimentos: seco, refrigerado e congelado. Apesar do custo deste veículo ser maior, isto permite que apenas um caminhão faça as entregas para as lojas. O fato de ir apenas um caminhão permite que se aumente a frequência de entregas para as lojas possibilitando que façam pedidos de lotes menores e consequentemente tenham menos estoque. Assim, o espaço para armazenagem nas lojas pode ser menor e, principalmente, ocorre menor perda de produtos vencidos. O caso do Habib´s também é interessante. Grande parte dos produtos vendidos nos restaurantes é feita em cozinhas industriais centralizadas. O transporte da cozinha central para os restaurantes é feito por caminhos com controle de temperatura permitindo que os produtos (ex: esfiha) sejam transportados congelados. O fato do produto estar congelado, aumenta o prazo de validade e reduz a perda.
3. Alteração da frequência de entrega Uma das formas de obter economia com os custos de transportes é passar a fazer entregas calendarizadas, isto é, em datas pré-agendadas para clientes de determinada região. Uma empresa de bebidas implementou um calendário de entregas no estado de São Paulo e, com isto, os clientes passaram a saber com exatidão o dia em que receberiam os produtos. Isto fez com que a incerteza da entrega diminuísse, o que permitiu que os clientes
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4. Projetos de mudança na rede de transportes A proposição de melhorias da rede de transportes pode permitir que haja reduções no custo do transporte sem que ocorram reduções no valor do frete pago. Pode ser que as reduções nos custos de estoques sejam grandes o suficiente para evitar que se tenha que entrar em uma complicada negociação do valor do frete. Um exemplo seria a implementação do modelo Milk-Run onde um dos maiores ganhos obtidos é na redução do tamanho dos lotes de entrega, o que permite uma redução na quantidade de estoque. A montadora de automóveis Toyota foi uma das primeiras a implementar o conceito de Milk-Run para a coleta de peças junto aos seus fornecedores. Esta mudança, além de gerar uma redução nos custos de transporte, foi fundamental para que a Toyota reduzisse o tamanho do lote de entrega de peças e aumentasse a frequência de entregas, o que permite que ela atue no modelo de produção JIT (Just in Time). 5. Projetos de malha logística Muitas empresas de transporte de carga precisam, cada vez mais, participar das decisões de malha logística tomada por seus clientes ou parceiros, como é o caso de operadores logísticos. Uma das decisões chaves para a proposição da malha logística é a quantidade de centros de distribuição e se estes centros terão estoque ou não (ex: cross-docking e transit points). Esta decisão, além de impactar os custos de transporte, armazenagem e movimentação, também afeta a quantidade de estoques a ser mantida. Em algumas situações, como é o caso de empresas com produtos de alto valor agregado e alta taxa de inovação, é preferível manter o estoque o mais centralizado possível mesmo que isto gere custos de transporte maiores. Por outro lado, em produtos volumosos e com baixo valor agregado, o ideal é ter uma malha que otimize os custos de transportes mesmo que isto gere estoques maiores.
Figura 1 – Custos de estoque vs custo de transporte
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Quando estava fazendo meu mestrado no MIT (Boston, Estados Unidos) trabalhei em um projeto para uma empresa responsável pela manutenção de super computadores para empresas como FBI, CIA, Solomon Brothers e outros bancos de Wall Street. Esta empresa era responsável por manter os super computadores de seus clientes rodando. Quando havia um problema eles tinham que mandar um técnico e as peças de reposição para consertá-lo. O problema era que muitas peças custavam milhares de dólares e a chance de precisar delas era uma a cada 5 anos. Além disso, caso o cliente trocasse de computador, as peças para o computador antigo se tornavam obsoletas. Por outro lado, vários dos clientes exigiam, por contrato, que seus computadores estivessem funcionando poucas horas depois de apresentarem o problema. Parte da solução que propus foi adotar um modelo matemático para calcular o nível ideal de estoque de cada uma das peças e onde localizar as peças, se nos diversos locais de armazenagem espalhados pelo país ou no centro de distribuição central. No caso das peças que custavam milhares de dólares e tinham chance muito pequena de ser demandada, a proposta foi de manter uma peça no depósito central e usar um serviço utilizado para transporte de órgãos para transplante, para que a peça fosse entregue no prazo. É lógico que o custo deste transporte era muito maior que outras alternativas, mas como a probabilidade de usá-lo era muito pequena e as economias com o custo de estoque grandes, era a melhor alternativa (vide Figura 1). Situações em que pode ser aplicadas Estes exemplos de aplicações podem ser aplicados em diversas situações do dia-a-dia de um profissional de transportes. Um gerente Comercial de uma empresa de setor de transporte aéreo pode utilizar a aplicação de mudança de modal quando estiver prospectando novos clientes. Clientes onde os benefícios da redução de estoques forem maiores estarão mais propensos a utilizar o modal aéreo. Um gerente Comercial de uma empresa de transporte rodoviário pode ajudar o seu cliente a pensar em mudanças no perfil dos veículos ou na rede de transportes para que, com isto, o cliente possa obter economias no custo da logística. Estas economias podem ser importantes em momentos de negociar uma mudança no valor do frete cobrado. Ganhos no custo de estoque podem ajudar o cliente a aceitar um aumento no valor do frete, uma vez que o custo logístico total não aumentaria. Muitas transportadoras estão partindo para tornar-se um provedor de serviços logísticos integrados. Neste sentido,as empresas passam a gerenciar não só a área de Transportes como diversas outras funções da Logística. Um exemplo disto é o papel da Martin Brower nas operações do Mc Donalds. A Martin Brower é um operador logístico que assume todas as funções da
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Logística, inclusive a gestão dos estoques. Se você for o gerente de Transportes de uma empresa fabricante, ter conhecimentos de gestão de estoques pode permitir a aplicação de estratégias onde o aumento do custo de transporte seja compensado pela redução dos custos de estoques, como foi descrito acima. Além disso, hoje nas grandes empresas é comum haver movimentações laterais antes de ocorrer uma promoção. Você pode de um dia para outro passar a atuar em uma área de Planejamento das Operações ou na área de Compras, onde passa a ser fundamental ter conhecimentos de gestão de estoques. Ainda em uma transportadora, caso você seja responsável pela área de Manutenção da Frota, a gestão de estoque de peças de reposição passa a ser fundamental para garantir o bom funcionamento da frota de veículos com custos sob controle. Como adquirir estes conhecimentos Os exemplos mostrados aqui foram todos qualitativos, isto é, sem mostrar números. Mas para que possa utilizá-los, é preciso não só apontar que existe uma oportunidade, mas também quantificar e avaliar o tamanho desta oportunidade. Para aprender a quantificar é preciso aprender mais a fundo alguns conceitos de gestão de estoques. Como são poucos os profissionais que dominam estes conceitos, e os que dominam muitas vezes não tem disponibilidade para ensiná-los, é preciso recorrer às universidades para aprendê-los. Entretanto, sabemos que o dia-a-dia de um profissional do setor de transportes de cargas é muito puxado, o que dificulta a participação em programas de pós-graduação tradicionais. Pensando nisto, o LALT/ UNICAMP montou um curso de gestão de estoques em um formato mais flexível. No segundo semestre de 2014 será oferecido um curso semi-presencial onde os participantes poderão adquirir os conhecimentos necessários sem comprometer sua agenda profissional. O curso será constituído de duas partes: à distância e presencial. Inicialmente, o aluno terá acesso a uma série de materiais (vídeos, exercícios, simuladores) que podem ser feitos através da internet nos horários que melhor se adequarem aos participantes. Após a realização do curso à distância, os participantes irão se encontrar durante um sábado nas instalações da UNICAMP em Campinas onde os alunos poderão trocar experiências entre si e participar de dinâmicas e apresentações de exemplos de empresas benchmark. Os interessados em conhecer mais sobre o curso podem acessar http://lalt.fec.unicamp.br/ cursoestoques. Referências Bibliográficas CORRÊA, Henrique Luiz, Gianesi, Irineu Gustavo N., Caon, Mauro. Planejamento, programação e controle da produção. 5 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011. | FARIA, Ana Cristina de, Costa, Maria de Fatima Gameiro da.Gestão de Custos Logísticos. 1 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
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baixassem seu estoque. O nível de satisfação dos clientes subiu e o volume de vendas aumentou.
2. Mudança no perfil dos veículos O perfil do veículo pode ser alterado para permitir o aumento da frequência de entregas de produtos e, consequentemente, reduzir o lote de entrega. As redes de fastfood são um ótimo exemplo disto. Os veículos responsáveis pelo abastecimento das lanchonetes do Mc Donalds são separados em três compartimentos: seco, refrigerado e congelado. Apesar do custo deste veículo ser maior, isto permite que apenas um caminhão faça as entregas para as lojas. O fato de ir apenas um caminhão permite que se aumente a frequência de entregas para as lojas possibilitando que façam pedidos de lotes menores e consequentemente tenham menos estoque. Assim, o espaço para armazenagem nas lojas pode ser menor e, principalmente, ocorre menor perda de produtos vencidos. O caso do Habib´s também é interessante. Grande parte dos produtos vendidos nos restaurantes é feita em cozinhas industriais centralizadas. O transporte da cozinha central para os restaurantes é feito por caminhos com controle de temperatura permitindo que os produtos (ex: esfiha) sejam transportados congelados. O fato do produto estar congelado, aumenta o prazo de validade e reduz a perda.
3. Alteração da frequência de entrega Uma das formas de obter economia com os custos de transportes é passar a fazer entregas calendarizadas, isto é, em datas pré-agendadas para clientes de determinada região. Uma empresa de bebidas implementou um calendário de entregas no estado de São Paulo e, com isto, os clientes passaram a saber com exatidão o dia em que receberiam os produtos. Isto fez com que a incerteza da entrega diminuísse, o que permitiu que os clientes
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4. Projetos de mudança na rede de transportes A proposição de melhorias da rede de transportes pode permitir que haja reduções no custo do transporte sem que ocorram reduções no valor do frete pago. Pode ser que as reduções nos custos de estoques sejam grandes o suficiente para evitar que se tenha que entrar em uma complicada negociação do valor do frete. Um exemplo seria a implementação do modelo Milk-Run onde um dos maiores ganhos obtidos é na redução do tamanho dos lotes de entrega, o que permite uma redução na quantidade de estoque. A montadora de automóveis Toyota foi uma das primeiras a implementar o conceito de Milk-Run para a coleta de peças junto aos seus fornecedores. Esta mudança, além de gerar uma redução nos custos de transporte, foi fundamental para que a Toyota reduzisse o tamanho do lote de entrega de peças e aumentasse a frequência de entregas, o que permite que ela atue no modelo de produção JIT (Just in Time). 5. Projetos de malha logística Muitas empresas de transporte de carga precisam, cada vez mais, participar das decisões de malha logística tomada por seus clientes ou parceiros, como é o caso de operadores logísticos. Uma das decisões chaves para a proposição da malha logística é a quantidade de centros de distribuição e se estes centros terão estoque ou não (ex: cross-docking e transit points). Esta decisão, além de impactar os custos de transporte, armazenagem e movimentação, também afeta a quantidade de estoques a ser mantida. Em algumas situações, como é o caso de empresas com produtos de alto valor agregado e alta taxa de inovação, é preferível manter o estoque o mais centralizado possível mesmo que isto gere custos de transporte maiores. Por outro lado, em produtos volumosos e com baixo valor agregado, o ideal é ter uma malha que otimize os custos de transportes mesmo que isto gere estoques maiores.
Figura 1 – Custos de estoque vs custo de transporte
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Quando estava fazendo meu mestrado no MIT (Boston, Estados Unidos) trabalhei em um projeto para uma empresa responsável pela manutenção de super computadores para empresas como FBI, CIA, Solomon Brothers e outros bancos de Wall Street. Esta empresa era responsável por manter os super computadores de seus clientes rodando. Quando havia um problema eles tinham que mandar um técnico e as peças de reposição para consertá-lo. O problema era que muitas peças custavam milhares de dólares e a chance de precisar delas era uma a cada 5 anos. Além disso, caso o cliente trocasse de computador, as peças para o computador antigo se tornavam obsoletas. Por outro lado, vários dos clientes exigiam, por contrato, que seus computadores estivessem funcionando poucas horas depois de apresentarem o problema. Parte da solução que propus foi adotar um modelo matemático para calcular o nível ideal de estoque de cada uma das peças e onde localizar as peças, se nos diversos locais de armazenagem espalhados pelo país ou no centro de distribuição central. No caso das peças que custavam milhares de dólares e tinham chance muito pequena de ser demandada, a proposta foi de manter uma peça no depósito central e usar um serviço utilizado para transporte de órgãos para transplante, para que a peça fosse entregue no prazo. É lógico que o custo deste transporte era muito maior que outras alternativas, mas como a probabilidade de usá-lo era muito pequena e as economias com o custo de estoque grandes, era a melhor alternativa (vide Figura 1). Situações em que pode ser aplicadas Estes exemplos de aplicações podem ser aplicados em diversas situações do dia-a-dia de um profissional de transportes. Um gerente Comercial de uma empresa de setor de transporte aéreo pode utilizar a aplicação de mudança de modal quando estiver prospectando novos clientes. Clientes onde os benefícios da redução de estoques forem maiores estarão mais propensos a utilizar o modal aéreo. Um gerente Comercial de uma empresa de transporte rodoviário pode ajudar o seu cliente a pensar em mudanças no perfil dos veículos ou na rede de transportes para que, com isto, o cliente possa obter economias no custo da logística. Estas economias podem ser importantes em momentos de negociar uma mudança no valor do frete cobrado. Ganhos no custo de estoque podem ajudar o cliente a aceitar um aumento no valor do frete, uma vez que o custo logístico total não aumentaria. Muitas transportadoras estão partindo para tornar-se um provedor de serviços logísticos integrados. Neste sentido,as empresas passam a gerenciar não só a área de Transportes como diversas outras funções da Logística. Um exemplo disto é o papel da Martin Brower nas operações do Mc Donalds. A Martin Brower é um operador logístico que assume todas as funções da
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Logística, inclusive a gestão dos estoques. Se você for o gerente de Transportes de uma empresa fabricante, ter conhecimentos de gestão de estoques pode permitir a aplicação de estratégias onde o aumento do custo de transporte seja compensado pela redução dos custos de estoques, como foi descrito acima. Além disso, hoje nas grandes empresas é comum haver movimentações laterais antes de ocorrer uma promoção. Você pode de um dia para outro passar a atuar em uma área de Planejamento das Operações ou na área de Compras, onde passa a ser fundamental ter conhecimentos de gestão de estoques. Ainda em uma transportadora, caso você seja responsável pela área de Manutenção da Frota, a gestão de estoque de peças de reposição passa a ser fundamental para garantir o bom funcionamento da frota de veículos com custos sob controle. Como adquirir estes conhecimentos Os exemplos mostrados aqui foram todos qualitativos, isto é, sem mostrar números. Mas para que possa utilizá-los, é preciso não só apontar que existe uma oportunidade, mas também quantificar e avaliar o tamanho desta oportunidade. Para aprender a quantificar é preciso aprender mais a fundo alguns conceitos de gestão de estoques. Como são poucos os profissionais que dominam estes conceitos, e os que dominam muitas vezes não tem disponibilidade para ensiná-los, é preciso recorrer às universidades para aprendê-los. Entretanto, sabemos que o dia-a-dia de um profissional do setor de transportes de cargas é muito puxado, o que dificulta a participação em programas de pós-graduação tradicionais. Pensando nisto, o LALT/ UNICAMP montou um curso de gestão de estoques em um formato mais flexível. No segundo semestre de 2014 será oferecido um curso semi-presencial onde os participantes poderão adquirir os conhecimentos necessários sem comprometer sua agenda profissional. O curso será constituído de duas partes: à distância e presencial. Inicialmente, o aluno terá acesso a uma série de materiais (vídeos, exercícios, simuladores) que podem ser feitos através da internet nos horários que melhor se adequarem aos participantes. Após a realização do curso à distância, os participantes irão se encontrar durante um sábado nas instalações da UNICAMP em Campinas onde os alunos poderão trocar experiências entre si e participar de dinâmicas e apresentações de exemplos de empresas benchmark. Os interessados em conhecer mais sobre o curso podem acessar http://lalt.fec.unicamp.br/ cursoestoques. Referências Bibliográficas CORRÊA, Henrique Luiz, Gianesi, Irineu Gustavo N., Caon, Mauro. Planejamento, programação e controle da produção. 5 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011. | FARIA, Ana Cristina de, Costa, Maria de Fatima Gameiro da.Gestão de Custos Logísticos. 1 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
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