Crescendo 6

É p ro i b i da a v e n da

E d i t o r a :

E u n i c e

M a r g a r i d o

|

E d i ç ã o

N º

6

|

T r i m e s t r a l

Violência contra menores

em Moçambique Pag.13

Dar voz à criança Pag. 4

Muitas vezes ouvimos expressões como “ele precisa apanhar para ser bem educado…” ou mesmo “Você é uma criança e não tem direito a dar opinião…” Enfim, há muitas expressões que se têm usado para legitimar o uso indiscriminado de violência contra menores. O facto é que nada justifica o uso desta contra quem quer que seja. É responsabilidade de todos - família, instituições governamentais e não governamentais - cuidar das crianças, contudo a realidade tem-nos mostrado o contrário, isto é, o abandono a que a criança está relegada.

Eunice Margarido

A violência contra menores será o tema central que vamos procurar explorar na presente edição. Sobre o tema, Adriano Biza traz-nos um artigo sobre a violência contra menores em Moçambique mas do mesmo modo que é necessário ter politicas e leis que proíbam a violência contra menores, é também necessário que haja uma alocação equitativa no Orçamento do Estado, que vá de acordo com as reais necessidades das crianças e, sobre o assunto, Albino Francisco faz-nos reflectir através de um artigo sobre orçamento na óptica da criança.

indice

Traremos ainda a experiência da Associação Horizonte Azul que trabalha com crianças órfãs e vulneráveis e de duas organizações que trabalham para a reinserção da criança na sociedade, nomeadamente a organização não governamental Meninos de Moçambique (MDM) e a Associação Crianças em Risco - ACER do Brasil.

Destaque

Pag. 3 - 5

Perfil

Pag. 6 - 8

Grande Reportagem Introspecção Espaço Infantil

Pag. 9 - 12

Pag. 13-16

Pag. 17 - 20

Crescendo | Boletim Informativo

DESTAQUE

3

Realização da 2ª Conferência Nacional da Rapariga

A Rede da Criança é um fórum nacional de Organizações não Governamentais que trabalham em prol da criança em situação difícil No âmbito do programa conjunto que a Rede da Criança realiza com a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), está a realizar-se uma capacitação dirigida para as organizações membros da Rede, para líderes comunitários e para instituições do Governo (Acção Social da Província e Cidade de Maputo).

O objectivo desta capacitação é de dotá-las de conhecimento para a realização de abordagens sobre os direitos da criança, de forma a melhorar a sua intervenção. O encontro contou com 55 participantes, oriundos de organizações baseadas na cidade e província de Maputo nomeadamente Namaacha, Gaza (Chokwé e Xai-Xai) e líderes comunitários da Vila de Goba.

Segundo Francisco Parruque, o encontro foi bastante participativo pois as pessoas procuraram partilhar experiências, buscando apoio uns nos

FDC e UNICEF capacitam Organizações da Sociedade Civil em matérias de planificação e orçamentação em Moçambique

outros. “Achamos que foi uma oportunidade para fortalecer o debate e para trocar experiências entre as organizações que trabalham com crianças em situação difícil. O seminário ajudou a estreitar relações entre as Organizações não Governamentais e entidades do Governo, na medida em que, quando há um problema específico e não se sabe como tramitar, encontra-se suporte por parte do Governo para se saber como proceder”.

Um aspecto importante, segundo Parruque, é a percepção do que é criança, qual é o seu lugar na sociedade. A questão do conceito é uma questão chave.

Aqui aparecem várias questões ligadas a práticas culturais como está previsto na lei. Parruque pensa ainda que esta experiência deveria ser um exercício contínuo como uma forma de ajudar as pessoas e as organizações a conhecerem-se melhor e a procurar experiências que cada um tem nesta grande batalha de apoio às comunidades.

A Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), em parceria com Unicef, realizou, no dia 12 de Junho, na cidade de Maputo, uma capacitação sobre planificação e orçamentação em Moçambique, envolvendo as Redes parceiras, parceiros do Programa Conjunto G12 e outras organizações interessadas na matéria. O seminário permitiu que as organizações presentes pudessem obter um melhor conhecimento para influenciar o processo de planificação e orçamentação no país, desde o nível distrital até ao nível central.

FICHA TÉCNICA | Foto capa: Unicef Coordenador: Albino Francisco | Editora: Eunice Margarido | Colaboradores: Claúdia Patrícia dos Santos, Adelino Xerinda, Sheila Mangore| Design Layout: ZOWONA - Comunicação e Eventos, SA | Revisão: Teresa Manjate | Tiragem 5000 exemplares Edição: Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) | Endereço: Caixa posta 4206, Maputo, Telefone:21 355300 Fax: 21 355355 www.fdc.org.mz I Apoio: UNICEF / ASDI Parceiros da FDC | FAWEMO | MEPT | SANTAC | REDE CAME | REDE DA CRIANÇA | FDC - SIDA Parceiros do G12 | FDC | FORCOM | ACTION AID | CNJ | ICS | AWEPA| SOCIEDADE ABERTA | GTO | N’WETI | HACI | LDH | MISA

A Conferência Nacional da Rapariga, realizada a 9 e 10 de Abril de 2009, no distrito do Bilene, foi antecedida por conferências distritais e provinciais com os objectivos de fazer o balanço do trabalho que as raparigas realizaram desde a última conferência nacional que teve lugar em 2007, partilhando as suas experiências, e revelar a actual situação do trabalho que foi feito no âmbito das actividades da campanha contra o abuso sexual da rapariga na educação (sensibilização dos diferentes grupos alvo, usando debates, peças de teatro, uso das diferentes oportunidades em termos de eventos de carácter nacional, para divulgar os seus direitos à educação básica e a oportunidades que são as mesmas que as dos rapazes).

A Conferência nacional garantiu espaço de diálogo, reflexão e interacção sobre diferentes temas tais como saúde sexual e reprodutiva, presença da rapariga na escola até a conclusão dos diferentes níveis de ensino, questões culturais que muitas vezes são usadas pelas comunidades para justificar atitudes de abuso e violência quer no meio familiar como na escola, entre as raparigas dos diferentes pontos do país. Demonstrou ainda capacidade de liderança, sobretudo pela apropriação e consolidação da condução da Conferência pelas próprias raparigas desde a sua preparação, moderação e sintetização dos assuntos que lhes preocupam no dia a dia, e relativos ao sucesso dos seus estudos.

Como proposta de plano de acção depois dos debates em grupos, foram definidas as seguintes linhas de acção: 1. Dar prioridade aos estudos e estabelecer a palavra de ordem “ESTUDAR, ESTUDAR SEMPRE”, como a melhor opção; 2. Continuar a promover a criação de clubes da rapariga para se elevar a sua autoestima e autoconfiança e espírito de liderança; 3. Assegurar espaços de diálogo com os pais e, em particular, com as mães; 4. Sensibilizar o Ministério da Educação e Cultura para melhor reflectir sobre as políticas educativas na perspectiva do género.

4

DESTAQUE

Crescendo | Boletim Informativo

Dar voz à criança No âmbito da quinzena da criança que vai de 1 a 16 de Junho, a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, através do seu projecto Promoção dos Direitos da Criança, lançou um concurso de poemas e desenhos alusivos a esta quinzena com o objectivo de colher percepções que as crianças têm dos seus direitos e deveres. O concurso abrangeu as escolas dos bairros de Maxaquene, do Hulene, da Mafalala, de Inhagóia, do Chamanculo, do Bairro Ferroviário, bem como a Associação Horizonte Azul (que é uma associação que trabalha com COV´s) e a Organização Não Governamental Meninos de Moçambique (que trabalha com crianças que vivem na rua).

3

Os desenhos e poemas foram seleccionados por um júri composto por crianças, nomeadamente Januário Adalberto Mamaio, Manuel Mugabe, Ana Casimiro, Cristina Casimiro e Joana Malune. E no dia 16 de Junho de 2009, dia da criança africana, a FDC em parceria com a Associação Horizonte Azul realizaram na Escola Unidade 24 um evento que contou com cerca de 300 crianças.

O evento contou com a premiação dos vencedores do concurso de desenho e poemas, bem como musica, teatro sobre direitos da criança, exibição de números de dança, jogos diversos, etc.

1

4

2

5

Foto 1 | Selecção de poemas e desenhos Foto 2 | Criança lendo uma mensagem na rádio apelando o respeito pelos seus direitos Foto 3 | Criança lendo uma mensagem na televisão apelando o respeito pelos seus direitos Foto 4 | Exibição de um número de dança Foto 5 | Peça teatral sobre os Direitos da Criança, denominada “dar a voz a criança”

Crescendo | Boletim Informativo

Crescendo - Porque ofereceste os quadros a FDC? Januário - Ofereci os quadros a FDC porque sempre gostei da mamã Graça Machel…Recordo-me uma vez que lhe ofereci um desenho num papel dela com um desenho do papá Samora Machel e ela na altura sugeriu à Asha que eu deveria estar numa escola Januário - Ofereciporque os quadros aeu FDC porque sempre gostei da de artes tinha mamã Graça Machel…Recordo-me uma vez que lhe ofereci um um para desenho… desenhodom num papel dela comoum desenho do papá Samora Machel ePassado ela na altura sugeriu à Asha que eu deveria estar numa escola este tempo em de artes porque eu tinha um dom para o desenho…Passado este que jáqueestou tempo em já estou nana EscolaEscola De Artes Visuais estou feliz por lá estar e para explorar melhor este dom, resolvi fazer estes De Artes Visuaismeuestou

Porque ofereceste os quadros à FDC?

quadros para lhe oferecer como forma de agradecimento pelo que ela fez por mim…

Mensagem das crianças por ocasião do dia da criança africana Esta carta foi elaborada pelas crianças para os titios de modo a que possam respeitar os seus direitos…

DESTAQUE

5

6

PERFIL

Crescendo | Boletim Informativo

Associação

Horizonte Azul E n tr e vist a à D alila Macu á cu a Amparar, educar, acarinhar as crianças órfãs e vulneráveis do Bairro da Maxaquene, um bairro periférico da Cidade de Maputo têm sido o trabalho diário da Associação Horizonte Azul. A associação conta com 200 crianças que têm sido apoiadas por esta que embora com poucos meios tem procurado trazer um sorriso a cada criança que acolhe…

Crescendo – O que é a Associação Horizonte Azul?

Dalila- A Asha surgiu em 2005, quando fazíamos um levantamento a nível do bairro e vimos que havia muitas crianças que não tinham acesso aos serviços básicos.

Na altura, resolvi reunir um grupo de jovens residentes no bairro da Maxaquene “A” e formamos a Associação.

Estávamos então próximos da quinzena da criança e vimos que, através de desenhos, as crianças colocariam para fora os seus problemas. Os problemas eram diferentes: uns tinham problemas de alimentação, outros de abrigo, outros de material escolar e fomos notando que estas, com frequência, faziam desenhos em casa. A medida que íamos conversando com elas, fomos vendo que estas exprimiam os seus problemas através dos desenhos pois estes eram uma espécie de desabafo.

Esta Associação destina-se à reabilitação infantojuvenil, através da promoção e protecção dos direitos da criança em situação difícil, com o intuito de levá-la a atingir o seu horizonte de uma maneira brilhante e pacifica, sem confronto de identidade, tal como o mar, azul calmo, e o céu, azul sem nuvens negras, independentemente dos vários problemas que assolam a criança órfã e vulnerável no bairro da Maxaquene “A”, daí o nome Horizonte Azul.

Crescendo – Quantas crianças a Associação está a cuidar?

Dalila - A associação têm sob a sua responsabilidade 200 crianças e adolescentes com idades compreendidas entre um e os dezoito anos, dos quais 60% são meninas e raparigas e 40% meninos e rapazes, ambos órfãos e vulneráveis, vivendo em situação difícil na comunidade, com os seus encarregados de educação (avós, irmãos, mães viúvas, pais viúvos ou vivendo com HIV/ SIDA ou ainda que não conseguem garantir os serviços básicos para os seus filhos).

Crescendo – Quais são as áreas de actuação da ASHA? Dalila – Estamos na educação (integração e matrícula das crianças e adolescentes nos estabelecimentos de

ensino; distribuição de material escolar; reforço escolar (explicação); Saúde (acompanhamento de crianças e adolescentes aos serviços de saúde; assistência médica e medicamentosa); Segurança alimentar (apoio alimentar e de higiene); Apoio psicossocial (palestras e debates, discussões focalizadas no grupo; teatro, danças tradicionais e de rua, poesia, desenho e futebol); Protecção legal (registo civil, crianças em conflito com a lei); Prevenção (aconselhamento, saúde sexual e reprodutiva, palestras e debates, discussões focalizadas nos grupos, produção de material, IEC (cartazes, brochuras, peças dramáticas, bailados, panfletos, dísticos, etc.); Advocacia e lobby (influenciar políticas da educação e outros serviços básicos a favor da criança e do adolescente órfão e vulnerável) e saneamento (educação sanitária, direitos e deveres do cidadão, construção de latrinas melhoradas, construção de valas secundárias e terciárias).

Crescendo – Quais são os vossos planos e perspectivas?

Dalila – É nossa filosofia trabalhar em parceria, pois acreditamos que só em conjunto poderá haver uma coordenação inteligente, com vista a uma abordagem mais realista, consensual e sustentável, rumo ao combate a pobreza na infância. Nessa linha de pensamento, é nosso propósito manter laços de parceria com o Governo, e com a Sociedade Civil a nível do plano estratégico nacional de combate à Pobreza e ao SIDA. Mas também procuramos outros parceiros não governamentais para apoio técnico e financeiro com vista à execução cabal e eficaz das nossas actividades.

Crescendo - Quais têm sido as principais necessidades da ASHA? Dalila – Nós precisamos de um espaço físico equipado e funcional; pessoal qualificado para responder à demanda das necessidades, um fundo para responder às necessidades básicas da Associação; fundos ou produtos básicos para responder às necessidades básicas das crianças órfãs e vulneráveis (alimentação, produtos de higiene, educação, um pequeno lanche após os ensaios). Um dos serviços que gostaria de garantir é o apoio alimentar, formação vocacional para as próprias crianças. E também sonhamos que devíamos entrar na geração de renda porque não podemos tornar as famílias dependentes e gostaríamos que elas caminhassem por si só.

Em relação à alimentação, muitas crianças não têm bons resultados na escola pois eles, com fome, distraem-se porque não sabem o que comer quando chegar a casa e, por causa disto preferem trabalhar na casa do

vizinho. A alimentação e abrigo têm sido um dos nossos principais problemas.

Nós estamos a trabalhar sem doador; só realizamos actividades pontuais, mas gostaríamos de ter um doador para que as nossas actividades tivessem maior visibilidade. Assim, teríamos mais oportunidades para avaliar o impacto das nossas actividades em relação ao grupo alvo.

Crescendo – Quais os principais problemas que enfrentam no trabalho que vem desenvolvendo?

Dalila – Os principais problemas têm sido ao fazermos as matrículas das crianças pois no registo civil as políticas no notariado e a lei dizem que a criança tem direito a um nome e que, se os pais morreram, é dever do Estado legalizá-las. Mas aquele órfão cujos pais morreram sem o registar, no seu BI não vem o nome dos pais, apenas vem o seu nome. As crianças não gostam, sentem-se tristes porque dizem que aquilo não é registo porque não vem o nome dos pais e quando chega a altura de preencher dados na escola não têm muitos dados a preencher. E eu me pergunto será que essas crianças vão ter como se registar devidamente?

Crescendo – Sentes-te recompensada com o trabalho que tens feito?

Dalila- Sim, eu penso que vale a pena porque hoje estou com crianças de 14, 15 anos, será gratificante ver estas crianças já formadas…muitos falam de educação básica mas o meu sonho é ver estas crianças a progredirem e a ajudarem o país. Ver o Horizonte Azul a crescer, prosperar e as crianças a transformarem-se em pessoas melhores. “Eu sempre sonhei em fazer Direito ou Sociologia, mas não consegui entrar para a universidade.

Eu faço este trabalho porque gosto de ajudar crianças.

Para mim, a criança é um ser que pensa e os adultos precisam apenas de sentar e ouvir para compreendêlas”

PERFIL

Crescendo | Boletim Informativo

Januário Adalberto Mamaio “Meu nome é Januário Mamaio, a minha família é composta por 13 elementos, vivo com o meu pai e mãe e sobrinhos numa casa de 2 quartos, que ainda está em construção. Eu entrei para a ASCHA, graças a convite de uma amiga de nome Martinha. Quando lá cheguei, entrei para a sala onde estavam as outras crianças a desenhar e a tia Donca encaminhou-me para uma carteira e deu-me uma folha e lápis, para eu desenhar o que eu quisesse.

Recordo-me que o primeiro desenho que eu fiz na ASCHA, foi de um “rock” de óculos escuros, tocando a sua magnífica guitarra. Senti-me mais em casa na ASCHA do que na minha própria casa.

Continuei a participar nas actividades e a tia Dalila me incentivou a retratar os direitos da criança e como estes eram satisfeitos nas nossas famílias e na comunidade.

Pouco a pouco, fui desenvolvendo e a ASCHA, esticou a minha bandeira no ar e tive oportunidade de conhecer muitas pessoas, pessoas importantes e especiais, como por exemplo a Tia Dalila, a mamã Graça Machel, pessoas essas que me aconselharam nos momentos mais difíceis.

Foram momentos em que eu tinha muitas coisas em falta, elas me ensinaram a ser feliz, dentro da pobreza.

Deram-me apoio escolar, alimentação e também me aconselharam a olhar sempre em frente e sonhar com o meu futuro.

7

A Crescendo

procurou-o para saber um pouco mais dele...

“Nunca hei-de esquecer na vida o dia 3 de Fevereiro de 2008. Eu estava a voltar de mais um dia de trabalho na ASCHA, pois aproveitamos os finais de semana e feriados para realizar as nossas actividades, quando é período das aulas. Foi quando uma senhora polícia de nome Angélica e a sua irmã, sentadas numa barraca e a consumir bebidas alcoólicas, confundiram-me com uma pessoa que lhe tinha assaltado há duas semanas atrás, juntamente com um amigo sul-africano.

Eu respondi que não tinha sido eu, pois eu não tinha hábitos de andar à noite e o meu amigo se chama Manuel, é membro da ASCHA e não era sul-africano. Por sua vez, a senhora disse que eu tinha que confessar, pois não queria

o amor que a tia “...viDalila, a mana

Yolanda, mana Crescência, Tio Cinho, Mano Decio, Mana Ivete, nutrem por mim,..

”

problemas comigo e nem com a minha família, o que ela queria é que a minha família pagasse a bolsa dela, que está a venda em Moçambique a 2 mil meticais para não me levar para a esquadra.

Eu continuei a dizer que ela estava a confundir-me. Então ela mandou um sobrinho dela ir levar algemas e me algemou e começou a bater-me, juntamente com a sua família e outra pessoas que estavam ali a beber. Mas de um momento para o outro, apareceu a Benigna, uma colega de ASCHA, que fazia parte do grupo de dança, esta não obedeceu a senhora e foi chamar a minha família.

Quando a minha família chegou no local, ela disse que só queria que nós pagássemos as coisas dela, mais como, já estavam pessoas da minha zona, ela levou-me para a esquadra, onde os colegas me interrogaram.

Eu disse que a senhora estava a confundir-me. A senhora disse aos colegas que não iria abrir o processo, mas que eu era maior de idade e levaram-me para a cela. Levei porrada na esquadra, pois queriam que eu assumisse que roubei a bolsa da senhora, para a minha família poder pagar.

Mais uma vez, vi o amor que a tia Dalila, a mana Yolanda, mana Crescência, Tio Cinho, Mano Decio, Mana Ivete, nutrem por mim, pois, logo que eles souberam da minha

8

PERFIL

situação, na mesma noite foram até à esquadra, para se inteirarem do assunto. Estes, mais uma vez, mostraram que me conheciam melhor que a minha própria família, pois quando a tia Dalila, chegou a esquadra, a minha família, estava a tentar fazer dívidas para juntar dinheiro e pagar a senhora, para me poderem libertar.

Mas a tia Dalila pediu para falar comigo para saber da história e se eu tinha algo haver com isso e eu disse que era mentira. Então ela disse que não iríamos pagar nada, pois ela acreditava na minha inocência e depois saiu e foi falar com a senhora. Quando ela voltou, disse que a senhora não mudou a sua posição e que eu iria ficar na esquadra, mais que ela e os manos iriam voltar no dia seguinte logo cedo e de seguida disse a minha família para ir para casa e que quem iria cuidar do caso seria ela.

Mas as cinco horas da manhã, a senhora e um outro polícia magrinho bateram-me para eu poder aceitar que tinha roubado a carteira dela, mas eu não confirmei, pois não correspondia a verdade. A minha mãe e a minha irmã quando chegaram de manhã, eu estava a levar porrada, já imaginaram o desespero, estas, estavam a aconselharme a aceitar que tinha roubado, para poderem pagar e eu poder sair, mas eu não aceitei, pois fui ensinado a ter princípios.

Então, eles começaram a resolver o caso, à minha revelia, o que eles queriam é que eu saísse daquele inferno. Já estavam para entregar o dinheiro, quando a tia Dalila chegou e ordenou, que não pagassem o dinheiro, pois, estaria a assumir um crime que eu não tinha cometido, e pediu para falar com o chefe de operações.

A greve dos chapas eclodiu e tudo ficou em alvoroço naquela esquadra. Naquele dia voltei a dormir na esquadra, mas antes, a tia Dalila exigiu que se abrisse o processo e as coisas começaram a mudar de figura, eu não sei o que ela fez ou disse, mas não me maltrataram mais, o único que incomodava era o chefe da cela que nos obrigava, a

Januário em quatro frases Ocupação: estudante na Escola De Artes Visuais, onde frequenta o 2ºano Áreas de interesse: pintura e de todos os pintores moçambicanos, especialmente de Malangatana e de Naguib; Sonho: “O meu maior sonho é ser conhecido como artista plástico… E um outro sonho que eu tenho é de conhecer Naguib, pois acho que ele faz pinturas novas, que têm muito brilho…”

Um momento difícil: Um dia eu ia ter com o meu pai numa barraca e um senhor veio ter comigo e veio com uma catana. Deu um golpe na minha cabeça. Na altura pensei que ia morrer e que tinha ficado com a cabeça dividida. Mas tive 7 pontos e já passou.

Crescendo | Boletim Informativo

“

...a ASCHA, esticou a minha bandeira no ar e tive oportunidade de conhecer muitas pessoas, pessoas importantes e especiais, como por exemplo a Tia Dalila, a mamã Graça Machel, pessoas essas que me aconselharam nos momentos mais difíceis... fazer-lhe ventoinha.

”

No dia seguinte, levaram-me para o tribunal do Distrito Municipal nº 3, deixaram-me numa cela, com os outros presos, que estavam a espera do julgamento; havia um preso que estava faminto e sem comida, como eu não estava com fome, por solidariedade, cedi a minha comida.

Foi quando chamaram-me, algemaram-me e levaramme à sala do Procurador Distrital, onde estava a senhora e o procurador mandou-me sentar e começou o interrogatório dizendo “Januário, foi você que roubou carteira desta senhora?” Eu respondi que não, que a senhora estava a confundir-me. O procurador disse, Januário, você quer morrer de Sida, você quer ir a BO, você não quer ser livre, livre. Se foi você, abre o jogo, você, ainda é miúdo, quer tornar a sua vida num inferno? Eu disse que não, mas que eu já estava cansado de responder as mesmas perguntas, eu já disse que não fui eu, quem roubou a senhora, só porque ela é polícia, têm de denunciar qualquer pessoa e essa pessoa ser presa.

A senhora interveio, chamando me “meu filho”. Eu disse que não era filho dela e pronto.

O procurador perguntou a senhora, “o que eu faço?”

Depois levaram-me a cela, onde minutos depois, ouvi o tio Cinho a chamar-me e disse para eu ficar calmo. Não sei bem o que aconteceu depois, mas a tia Dalila explicou-me que, quando chegaram ao tribunal, por orientação de alguns amigos que ela foi contactando ao longo do processo, é o caso do tio Carlos Manjate da Rede Came e a Tia Graça Samo do Fórum Mulher. Aconselharam-na a falar com o procurador e, quando conseguiu, disse que estava um menor encarcerado na cela injustamente e explicou a minha história e o meu percurso desde que me conheceu até aquela data.

Foi quando ele aconselhou a tia Dalila a falar com o meu pai para submeter, um requerimento de pedido de li-

berdade e anexar a cópia de cédula autenticada para confirmar que eu sou menor, junto da juíza de instrução.

Foi o que fizeram, naquele dia fatídico, pois não havia transporte para se comunicar com a cidade e também foi muito difícil localizar o meu pai, para ele assinar o requerimento, mais com o espírito de boa vontade de ajudar o próximo, eles conseguiram.

Quando eram 13 horas e 30minutos, chamaram-me na cela e me entregaram à Tia Dalila, ao tio Cinho, à minha mãe, à minha irmã e ao meu amigo Manuel, pois estava livre. Meses depois, aquando da minha volta da Escola, recebi uma intimação do Tribunal de Menores, onde eu tinha que comparecer.

Mais uma vez a tia Dalila contactou primeiro a Tia Graça Samo, que lhe encaminhou a até a tia Graça Júlio, advogada, esta por sua vez, encaminhou-nos a associação das Mulheres de Carreira Jurídica, que nomeou a tia Hermenegilda para nos acompanhar e defender-me. Mas no próprio dia, a senhora nem se deu o trabalho de comparecer ao tribunal, sendo ela a queixosa, depois de me ouvir, o senhor juiz declarou-me inocente, pois a atitude da senhora de não comparecer a uma audiência era a sua sentença de culpa.

Livre, livre...

Com a minha liberdade, continuei a estudar, pois estou a estudar na Escola Nacional de Artes Visuais, onde fui parar por sugestão da mamã Graça Machel, quando viu que eu tinha um talento nato e estava perdido na Escola Secundária do Noroeste 1.

Hoje com 16 anos, estou no segundo ano e a especializarme em gráfica. Por isso, eu sou muito grato a ASCHA e a tia Dalila, pois sou do grupo das Crianças da ASCHA. Quem soube desse episódio tão vergonhoso da minha vida, foi o Manuel, o meu amigo e colega, tanto na ASCHA, e na Escola, a Benigna e a Bebezinha, sobrinha da Tia Dalila e do Tio Cinho e também minha amiga, pois eu sou considerado da casa, nesta família mas agora resolvi partilhar esta historia com o mundo para pedir para que não se repitam este tipo de situações com outras crianças e se vejam respeitados os direitos de todas as crianças

me ensinaram “...elas a ser feliz, dentro

da pobreza. Deram-me apoio escolar, alimentação e também me aconselharam a olhar sempre em frente e sonhar com o meu futuro.

”

GRANDE REPORTAGEM

Crescendo | Boletim Informativo

Meninos de Moçambique

9

Vemos todos os dias meninos de rua , Vemos todos os diasna meninos de rua , crianças a viverem rua, guardando carros, carregancrianças a viverem na rua, guardando carros, carregando sacos, do sacos, nos semáforos a pedir dinheiro,porém muitos nos semáforos a pedir dinheiro,porém muitos desconhecem o desconhecem que os levou a viver na rua. que os levou aoviver na rua.

Expressões como “tioExpressões estou a pedir”, como “tiocom estou a pedir”, “estouna com fome”, são correntes “estou fome”, são correntes cidade de Maputo.

Para nos nadar cidade de Maputo.

Para noscrianças dar a ninguém conhecermelhor sobre a a conhecer sobre a vida destas paradestas falar connosco senão Abdul Faquir, executivo da vida crianças ninguém melhordirector para falar conONG Meninos de Moçambique, uma organização que trabalha nosco senão Abdul Faquir, director executivo da ONG com crianças a viver na rua….

Meninos de Moçambique, uma organização que trabalha com crianças a viver na rua….

Entrevista com | Abdul Faquir, director executivo da MDM Crescendo – Fale-nos um pouco da Meninos de Moçambique?

Faquir - A Organização Meninos de Moçambique é uma instituição que teve início em 1999 e teve apoio da Médecins du Mondi, da França. Logo após a guerra em 1995, a Médecins du Mondi veio a Moçambique, acreditando que no país havia, nas ruas, muitas crianças órfãs cujos pais teriam morrido na guerra. Mas ficaram surpreendidos, pois não encontraram nenhum caso segundo os seus pressupostos, pois o que encontraram foi crianças a viverem na rua, não devido a guerra, mas sim devido a problemas sociais. Este grupo de crianças ficava mais na fortaleza da cidade de Maputo. Mas note-se que não era o primeiro grupo de crianças a viverem nas ruas, pois já em 1984 havia um pequeno grupo de crianças que ficavam nos arredores do Centro comercial Interfranca na altura. Este grupo da fortaleza era o segundo. Então a Médecins du Mundi na impossibilidade de trabalhar com órfãos de guerra, optaram por levar a cabo um projecto de assistência médica a crianças de rua, em 1995.

Crescendo – Mas sendo um período pós guerra o que fez que não houvesse, nas ruas, crianças órfãs que perderam os seus pais?

Faquir – Bem, o que aconteceu foi que não havia as crianças órfãs de pais vítimas da guerra, pois logo após aos acordos de paz houve um projecto com a Unicef, envolvendo também a Cruz Vermelha, para a desmobilização da criança soldado. Eu estava a trabalhar na Cruz Vermelha na altura e nós identificávamos as crianças nas bases, pois havia muitas crianças que tinham sido levadas para as bases e estavam longe de suas famílias; os meninos eram incorporados para serem militares e as meninas eram feitas mulheres dos militares. Então nós procurávamos fazer uma negociação para libertar as meninas e as crianças, íamos para lá e falávamos com as crianças e procurávamos descobrir a proveniência destas e falávamos com a família e negociávamos com a base no sentido de deixarem esta criança partir para o seio da sua família. Mas para não estarmos sempre a entrar nas bases, reunimos todas as crianças num acampamento de trânsito enquanto procurávamos as famílias para as reintegrarmos. Tivemos dois acampamentos: um em

Xigoanhine, na Manhiça, e outro em Maxixe. Nós procurávamos as famílias destas crianças e as reintegrávamos e o Ministério da Acção Social inseria, em famílias substitutas, as que não tinham família.

Crescendo - De tantas crianças que apoiaram há alguma história que lhe tenha marcado?

Faquir (MDM) – São muitas as historias… mas houve um caso que me marcou bastante. É a história de um menino que vivia no distrito de Inharrime. Uma vez e estava a brincar com seus amigos, apareceram indivíduos armados e mataram todos os seus amigos. Ele conseguiu escondeu-se. Três dias depois apareceram de novo indivíduos armados mas desta vez na sua casa e mataram os seus familiares; ele foi raptado e feito criança soldado, esteve a combater no centro e norte do país. Um tempo depois a caminhar na floresta este pisou uma mina terrestre e perdeu as duas pernas. Passados uns anos e depois da guerra ter terminado, no âmbito do trabalho que vínhamos fazendo do levantamento das crianças desmobilizadas de guerra e reinserção nas suas famílias, encontrei este menino e procurei saber a historia dele e depois o conduzi a família que tinha em Inharrime que já nem acreditava que este estava vivo, ficaram muito mas muito felizes pois pensavam que este havia sido morto há muitos anos….

Crescendo – Quando começou a ter um envolvimento com a Meninos de Moçambique?

Faquir - A Meninos de Moçambique surge em 1999, pois a Medicus Mundi da França, ao constatar que em Moçambique já não existiam crianças soldado, vieram ter comigo porque sabiam que eu estive envolvido na reinserção das crianças soldado e ao fazerem a vasculha constataram que realmente já não existia nenhuma criança soldado mas ao caminharem pelas ruas da cidade viram que existiam muitas crianças a viver na rua em condições muito difíceis, com um particular enfoque para a baixa da cidade…daí a localização da Meninos de Moçambique ser na baixa da cidade, pois é onde estão mais crianças vivendo na rua.

10

GRANDE REPORTAGEM

Crescendo | Boletim Informativo

da tentação…quem não tem tentações? Mas não é que eles tenham uma tendência para a delinquência, pois a criança de rua reage como qualquer pessoa perante uma oportunidade. Não é justo dizermos que a criança de rua é delinquente, estes meninos são muito bons. Vou lhe contar um episódio que aconteceu com um juiz do Malawi que veio a Maputo pois tinha uma audiência no tribunal e acabava de chegar e não tinha nem um Metical. Estava com muita pressa para chegar ao tribunal, estacionou o carro e veio um dos meninos a viver na rua e perguntou se podia guardar o carro ao que ele respondeu que não porque ele não tinha dinheiro… Ao acabar a audiência no final do dia ao se dirigir ao seu carro, veio a correr o menino com muitas moedas nas mãos e disse “ Vim lhe dar o dinheiro que consegui juntar hoje a guardar carros porque o senhor não tem dinheiro e eu quero lhe ajudar” O juiz não se conteve de emoção e pôs-se a chorar…

O nosso trabalho foi crescendo e temos ido a África do Sul dar formação aos educadores de rua “assistentes sociais”.

Em Angola fui convidado a criar uma organização que fosse uma réplica da nossa, fui lá, criei e fui lá fazer a avaliação e fiquei muito impressionado pois já estão muito avançados…

Crescendo - E quais são as organizações com as quais vocês têm trabalhado?

Faquir – Nós fazemos parte da Rede da Criança, trabalhamos também com a Street Child Africa – UK; Egmont Trust; Terre des Homme; CIES-Italia; Embaixada da Finlândia, Ministério da Saúde, Ministério da Mulher e Acção Social, Ministério da Educação, Conselho Municipal da Cidade de Maputo.

Crescendo – Quais os locais onde ficam concentradas as crianças de rua?

Faquir – Nós chamamos de “zonas” aos locais de concentração das crianças a viverem nas ruas… Algumas delas ficam na baixa da cidade, próximo a fortaleza, outra zona é o “escurinho” ao lado do café Scala na avenida 25 de Setembro, outro é na 24 de Julho em frente ao Ministério da Educação e Cultura… Mas ao todo são 34 zonas na província de Maputo.

Crescendo – Quais os principais problemas que enfrentam estas crianças?

Faquir – Os principais problemas que enfrentam estas crianças estão ligados à saúde, subsistência e segurança.

De saúde porque vivem nas ruas e têm uma maior vulnerabilidade a doenças como malária, gripes, doenças infecciosas nas ruas; De Subsistência como comer, trabalhar, lavar… no seu dia a dia tem de pedir dinheiro para terem como se sustentar. E de segurança porque vivem nas ruas, estando sujeitos a serem assaltados, presas pela policia ao fazerem uma vasculha, elas têm de estar num sítio em que se sintam seguras até para não serem assaltadas por outros grupos… Mas com a ajuda que demos felizmente nunca morreu nenhuma criança de malária, etc.

Bem, há também o caso de prostituição que ocorre por parte de algumas raparigas, mas o nível de prostituição não é tão alto embora haja casos de algumas que começam, ganham o vício pelo dinheiro fácil e ai é mais difícil saírem…Este grupo é mais difícil retirar da prostituição mas há alguns casos de sucesso pois muitas fazem isso durante um tempo mas vão mudando e desistem e conseguimos convencê-las a voltar para casa.

Crescendo – Sente que por vezes há uma tendência a relacionar-se os meninos a viverem na rua com delinquência?

Faquir – A delinquência ou pré delinquência não é um problema grave porque a criança a viver na rua não está a procura da delinquência, de um meio de subsistência porque, quando ela rouba um celular, por exemplo, é para comprar comida mas claro que há alguns deles que passam a vida nas prisões. Mas a criança muda completamente quando vai parar as prisões e tem contacto com os verdadeiros criminosos. A delinquência surge como resultado da falta de meios para subsistência, e também

“

...vamos construir um outro centro no bairro da Polana Cimento, mas... enfrentamos dificuldades de âmbito burocrático...

”

Note, a criança quando toma a rua como ultima opção é porque já não aguenta mais… Antes havia uma prática que felizmente conseguimos eliminar, tal acontecia há alguns anos; quando surgia uma menina nova na rua as outras a acolhiam, passado algum tempo estas chamavam 3, 4, 5, 6 ou 7 rapazes e todos estes lhe violavam, chamavam a isso de baptismo… mas é interessante que o normal seria que depois deste trauma a tendência deveria ser esta querer voltar para casa mas estas permaneciam nas ruas mesmo assim….isto para dizer que a violação não atinge os maus tratos que estas encontram em casa. Estes maus-tratos podem ser de diferentes níveis desde a indiferença, violência física, psicológica, etc. as vezes até a indiferença de um pai que entra em casa e ignora a presença da criança pode ser terrível…

Crescendo – Que tipo de serviços vocês oferecem às crianças a viverem na rua?

Faquir – A primeira coisa que nós fazemos quando uma criança vem aqui é dar-lhes banho, registamos a sua história, apresentamos a filosofia de trabalho da Meninos de Moçambique e esta vai sendo acompanhada pelos nossos assistentes sociais. Aqui temos também um psicólogo que as acompanha… Elas passam o dia aqui, brincando, desenhando, fazendo teatro, dançando; também recebem formações…etc. Também têm a possibilidade de terem acesso a saúde gratuita…normalmente estas tinham muitas dificuldades para tal mas através da MDM estas recebem atendimento num posto de saúde.

Crescendo – Para além deste centro há outros nos quais vocês estão?

Faquir – Sim, nós temos 4 creches comunitárias no bairro Luís Cabral, onde as mães solteiras podem deixar seus filhos e vão a procura de trabalho; lá temos babás a cuidar de 60 crianças, pois nós descobrimos que muitas destas estavam com as crianças desempregadas e não podiam ir à procura de emprego com as crianças, era-lhes muito difícil… Umas já conseguiram emprego, a outras proporcionámos auto emprego

Crescendo | Boletim Informativo

GRANDE REPORTAGEM

11

Jonathan Harley

Entrevista com |

da ACER, Brasil A Associação de Apoio à Criança em Risco - ACER - é uma entidade A Associação de Apoiopública à Criança eem Risco - ACER - é uma entidade social,no de social, de utilidade sem fins lucrativos, localizada utilidade pública e sem fins lucrativos, localizada no Município de Diadema, em Município de Diadema, em São Paulo. Esta actua desde 1993 na São Paulo. Esta actua desde 1993 na defesa dos direitos das crianças e adolesdefesa direitosde das crianças e adolescentes em situação de cerca vulcentesdos em situação vulnerabilidade social. Presentemente conta com nerabilidade social.

Presentemente conta com cerca de 400 crianças de 400 crianças e jovens, realizando acções preventivas que visam acautelar a e jovens, realizando acções preventivas visam acautelar a evasão evasão para as ruas, oferecendo alternativasque de vida concreta para estes cidadãosas doruas, futuro.oferecendo alternativas de vida concreta para estes para cidadãos do futuro.

Crescendo - O que é a ACER? Jonathan Harley – A Associação de Apoio à Criança em Risco e foi constituída em Novembro de 1993 com um grande ideal: oferecer um caminho efectivo de recuperação para crianças e jovens que vivem na rua, dando alternativas significativas para uma vida digna para a população infanto-juvenil em situação de risco. Nesse sentido, o início do trabalho foi junto a meninos de rua, da área central de São Paulo, adoptando como proposta, actividades que promovessem o resgate da auto-estima e o apoio de famílias extensivas.

Crescendo - Quais as principais áreas de acção?

J.H. - Para atender a missão, a ACER actua com programas e actividades, fomentando o desenvolvimento humano e a intervenção comunitária. Estas acções estão agrupadas em quatro núcleos: um de Arte/Educação (NA/E), com a da Biblioteca ACER, a Academia ACER Capoeira, o Programa Raízes do Brasil; um Núcleo de Protagonismo Juvenil (NPJ), com o programas Agente Jovem ACER; e um de Acompanhamento Social (NAS) que trabalha com crianças e jovens e as suas famílias em regime de Protecção Especial de média complexidade (conforme o Sistema Único de Assistência Social – SUAS) e um de Fomento (NF), que desenvolve o Projecto Catalisador de desenvolvimento económico comunitário, além de apoiar outras pessoas e grupos da comunidade para realizar eventos e actividades.

Crescendo - Que programas fazem nestas áreas?

J.H. - A ACER trabalha com três focos: Protagonismo Juvenil É uma área do trabalho da ACER onde jovens, de 15 a 18 anos, através de educação e capacitação, desenvolvem e implementam intervenções comunitárias participativas

que contribuem para o desenvolvimento positivo da comunidade de Eldorado.

Agente Jovem - ACER “Cooperbrinque” Com o Cooperbrinque, agentes jovens organizam e realizam sessões de jogos cooperativos para crianças no Espaço Comunitário ACER, nas escolas do bairro, em creches e em eventos especiais como na festa do Dia da Criança. Jogos Cooperativos são jogos não competitivos e que ensinam às crianças o valor do esforço colectivo efectivamente, promovendo uma forma de resolução de conflitos não violenta e outras habilidades de resolver problemas de forma positiva.

Programa de Monitoria Os monitores são jovens seleccionados para actuar em todas as áreas da ACER. Aprendem habilidades práticas, organizacionais, de comunicação e de liderança. Fazem a supervisão e coordenam as actividades dos Agentes Jovens e, sob a supervisão do bibliotecário, estes monitores são responsáveis pela Biblioteca Comunitária ACER. Os monitores também contribuem e aprendem sobre as actividades administrativas e operacionais da ACER. Arte e Educação Os Programas de Arte e Educação são os da Biblioteca Comunitária ACER, o da Capoeira, o das Raízes do Brasil e a Oficina Lúdica.

Biblioteca Comunitária ACER A Biblioteca Comunitária da ACER é a principal biblioteca de empréstimo na região, tem 4,262 usuários de todas as idades registados, empresta livros, DVDs e vídeos, oferece acesso a revistas, jornais, brinquedos e jogos de tabuleiros. Oferece acesso gratuito a computadores e à Internet. Oferece um ambiente adequado e positivo para fazer os trabalhos de casa e estudar. Tem uma programação participativa que inclui a contagem de histórias e um grupo de crianças que fazem teatro de boneco (marionetes) como forma de mediação de leituras com temas tão diversos como higiene, segurança no trânsito e resolução de conflitos de uma forma não violenta.

12

GRANDE REPORTAGEM

Crescendo | Boletim Informativo coopere melhor com a ACER. Crescendo – Quais os principais constrangimentos que a sua organização enfrentou ou tem vindo a enfrentar?

J.H. – Os principais constrangimentos são: Um grande desafio para uma instituição é ter parceiros que acreditem em projectos que é a longo prazo; Estabelecer relações com a comunidade sem entrar com ideias preconceituosas; Ter a capacidade de modificar as coisas num mundo em constante mudança (novos desafios e novas mudanças) adequabilidade; Fomentar a adesão das pessoas, mas para tal necessário que exista um maior intercâmbio com as comunidades; e dificuldades de financiamento das actividades.

Capoeira Capoeira é uma arte marcial e dança tradicional que incorpora música e outras expressões folclóricas como Maculelê. É uma peça central da cultura Afro-Brasileira.

A capoeira promove: a auto-estima, saúde e condicionamento físico, cooperação e auto-disciplina.

Raízes do Brasil Raízes do Brasil são uma actividade que explora as raízes africanas da cultura brasileira através de percussão, narração de histórias e jogos tradicionais.

Oficina Lúdica É um trabalho com o teatro voltado para uma actividade e espaço lúdico que contribui para as crianças e jovens se descobrirem a si mesmas e ao outro, bem como experimentar formas de se relacionarem com as diferentes expressões e linguagens.

Acompanhamento Social O Programa de Acompanhamento Social oferece ajuda e apoio para todos atendidos da ACER e inclui: aconselhamento individual, visitas domiciliárias, escolares, educação e informação para possibilitar o acesso a outros serviços de saúde e assistência social, encaminhamento específico para outros serviços, programas especiais: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), para Grupos de meninas especialmente vulneráveis, grupo de meninos especialmente vulneráveis, arte e educação e acompanhamento social Crescendo – Sente que o projecto teve o impacto esperado inicialmente?

J.H. – Sim, porque reflecte uma mudança muito grande na comunidade que era considerada a comunidade mais violenta do Estado de São Paulo e reduziu a taxa de ho-

micídio em 90% em oito anos, mas a cidade toda reduziu em 75%. Mas a nossa comunidade bem mais que o resto de toda a cidade.

Crescendos – O que leva as pessoas a aderirem a um comportamento desviante?

J.H. – Eu pensa que tal se deve a falta de oportunidades e ao baixo nível do ensino público.

Crescendo – Por tudo que disse acho que a sua organização se pode considerar uma organização de sucesso. E quais são os factores de sucesso?

J.H. – Bem, penso que podemos considerar que temos tido resultados positivos porque definimos as linhas de trabalho que não se desviam pelas ofertas que podem vir para o projecto. Não perdemos o foco. E, sempre temos tido cuidado na selecção das pessoas que vão trabalhar com os jovens e com as crianças e fazemos muito investimento na selecção das mesmas, escolhendo pessoas que possam ter os devidos cuidados com as crianças. E, sobretudo, é importante ter uma capacidade de dialogar com a comunidade para que se sinta mais confortável e

Crescendo – Será possível a réplica da experiência da ACER a outros contextos ou país?

J.H. – Não diria replicar. Primeiro, é necessário definir o que é desenvolvimento de uma comunidade, diagnosticar junto das comunidades quais são as suas necessidades. Mas, antes, tem de se entrar e oferecer um tipo de atendimento. Por exemplo, em Moçambique, seria importante começar com actividades com crianças e jovens. É importante ouvir o jovem para ver o que ele quer, auscultar as suas necessidades. A nossa experiência diz isso: ouvir e agir de acordo com o pensamento deles; Ouvir e desenhar propostas com eles e levá-los a implementar; Identificar quais as lideranças das comunidades. Às vezes, vamos pelas igrejas, etc., pois há outros actores sociais nas comunidades que têm um grande poder de influenciar. Depois propõem-se actividades com crianças (recreativas, etc.) que envolvam mais pessoas o que cria mais confiança. E depois procura-se financiamento, etc.

Crescendo - Passados estes anos todos no Brasil nesta causa sente que valeu a pena?

J.H. – Sim, sempre vale a pena, mudou muito porque vivia de um lado para o outro, USA, etc. mas agora vivo na comunidade do Município de Diadema, São Paulo e foi onde construí a minha família, vivo lá e pretendo viver lá para sempre

Crescendo | Boletim Informativo

INTROSPECÇÃO

13

“ Situação da Violência contra (*) menores em Moçambique” Do reconhecimento do problema Apesar do número limitado de estudos sobre a matéria, em Moçambique, a violência contra indivíduos menores de 18 anos constitui um fenómeno preocupante. A inclusão na agenda política e programática iniciou com a Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças de 1921, rubricada em Genebra, seguida pela Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança. O consenso em torno da necessidade de um instrumento específico que estivesse direccionado à protecção da criança fez com que em 1989 a Assembleia Geral das Nações Unidas promulgasse a Convenção sobre os Direitos da Criança de que Moçambique é signatário desde 1990 e que ratificou em 1994.

Moçambique reconheceu o problema em 1979, através da resolução nº 23/79 de 28 de Dezembro que instituiu a “Declaração dos Direitos da Criança Moçambicana”, uma resposta do governo de então ao facto de 1979 ter sido declarado, pelas Nações Unidas, o Ano Internacional da Criança.

Tendências, ambientes e formas comuns de violência contra menores em Moçambique A violência contra menores ocorre em diferentes meios e ambientes sociais, nomeadamente na família, nas escolas, em instituições como orfanatos e outros locais de acolhimento, nas ruas, no local de trabalho e nas prisões. Ela é geralmente motivada por uma acção conjugada de diferentes factores. Ela pode surgir em consequência de crenças culturais, normas e práticas tradicionais, de factores socioeconómicos e até fruto de causas políticas. A literatura revista indica que as formas mais comuns em Moçambique são: a violência doméstica física e psicológica, a negligência, o abuso sexual, a prostituição infantil, o trabalho infantil, o tráfico e venda de crianças e crianças em conflito com a lei. Estas diferentes formas de violência coexistem e se exercem ora dentro das normas, ora fora delas, na interface entre o socialmente legitimado e reprovado.

Violência doméstica e/ou na família A família é o ambiente de base para o crescimento e bem-estar das crianças e atribui-se maior potencial de proteger crianças e velar pela sua segurança física e emocional, mas ela constitui igualmente o primeiro es-

paço onde ocorre a violência. A violência neste espaço ocorre, protagonizada pelos pais e por outros parentes próximos e assume a forma de violência física, sexual e psicológica, bem como a negligência deliberada. Em Moçambique, a violência doméstica é forma mais comum e várias famílias fazem recurso a ela como uma forma de educar e agridem as crianças. Esta forma de violência agrava-se porque os castigos corporais contra os menores não são proibidos, pelo facto de o recurso ao castigo corporal como forma de disciplinar a criança ser cultural e legalmente aceite e praticado.

Por : A dr iano Mat eus Biz a(**) A violência nas escolas

O abandono de crianças e por consequência a sua exposição a situações de risco constitui uma forma de violência. A decisão de abandonar uma criança pode por vezes ser uma resposta à falta de mecanismos de apoio ou pode ser determinada pelas tradições culturais. É recorrente em Moçambique falar-se de menores que são objecto desta forma de violência. Muitas das crianças “da” ou “na” rua são-no como resultado da prática deste tipo de violência, em que parte significativa dos progenitores e/ou redes de parentes excluem-se das suas responsabilidades em prover necessidades físicas a uma criança ou adolescente. Este tipo de violência ocorre frequentemente quando os pais e adultos não provêm alguns bens materiais aos seus filhos e/ou dependentes como roupa, calçado e outros bens/serviços não materiais como a educação e supervisão adequada.

As escolas, embora desempenhem um papel importante na protecção da criança, constituem outro espaço onde ocorre a violência. Esta, nestes ambientes, é cometida por professores e outros funcionários de escolas e pode incluir castigos corporais, violência sexual, discriminação baseada no género e intimidação.

Em Moçambique, a forma de violência na escola mais documentada é a violação e/ou abuso sexual. Estudos realizados revelaram que, em grande parte dos casos, o professor é o abusador, recorrendo a diferentes cenários: no primeiro, este oferece à rapariga que está com dificuldades na escola, a oportunidade de ser aprovada em troca de favores sexuais. No segundo, envolve a rapariga a ser chantageada para ter relações sexuais com o professor que a ameaça reprová-la, embora tenha resultados escolares adequados. O terceiro cenário, envolve o professor a forçar e assaltar sexualmente e a violar as estudantes do sexo feminino na própria escola ou em sua casa (SC UK, 2007).

Abuso e violação sexual

Violência na comunidade

O abuso sexual de menores é um dos fenómenos que preocupa cada vez mais as autoridades moçambicanas.

Considera-se o mais comum, na maioria dos contextos e estratos sociais, o abuso sexual na família em forma de incesto, envolvendo menores e um membro da família mais velho de quem depende – pai, mãe, irmão, irmã, tios, avós, padrastos e outros parentes. Este abuso inclui todas as formas de exploração, assédio e sevícias tendentes a satisfação sexual do sujeito activo.

As consequências físicas do abuso sexual podem incluir a gravidez prematura e não desejada, as doenças transmitidas sexualmente e a disfunção sexual. Em Moçambique, o abuso sexual normalmente acontece com as crianças do sexo feminino, o que resulta actualmente no aumento dos casos de DTS’s, HIV e SIDA entre as raparigas menores de 18 anos.

A comunidade constitui uma fonte de protecção e de solidariedade para as crianças, mas é, ao mesmo tempo, um ambiente de violência para menores. A violência na comunidade pode assumir a forma de violência física e sexual, raptos e tráfico. Crianças mais velhas ficam expostas a um risco maior de violência na comunidade e as meninas ficam expostas ao risco da violência sexual e da violência baseada no género. Em contextos de Moçambique as crianças são vulneráveis à violência sexual e exploração por parte de membros da comunidade. A violência sexual é normalmente cometida por alguém que a criança conhece, como familiares ou adultos em cargos de confiança, mas também pode ser cometida por pessoas que a criança não conheça. Ela assume outras práticas como a prostituição infantil, os casamentos e gravidezes precoces.

A Negligência

* In Revisão de Literatura produzida para a FDC ** Antropólogo, Pesquisador Sénior da KULA, Estudos e Pesquisas Aplicadas Ltda.

14

INTROSPECÇÃO

Crescendo | Boletim Informativo

ocorrência não tem como base o livre consentimento.

Moçambique é um país, entre outros, com dados preocupantes sobre o fenómeno. Segundo o IDS de 2003 quase um quarto (23%) das mulheres moçambicanas estavam casadas quando atingiram 15 anos de idade, e mais de metade das mulheres (56%) estavam casadas quando atingiram os 18 anos de idade. Em contrapartida, somente 3% da população masculina era casada com 15 anos de idade, e mesmo com 20 anos de idade, somente 32% possuía esposa.

Com o casamento, espera-se que a menor renuncie a sua infância e, muitas vezes, a escola para assumir o seu papel de mulher e esposa, incluindo manter relações sexuais com um homem mais velho e que pode não ser da sua livre vontade ou escolha. Nesta perspectiva, o casamento prematuro legitima o abuso sexual das crianças. A prática pode constituir uma forma de exploração sexual das crianças num contexto em que pais casam as menores para obter benefícios económicos, sociais ou para poderem sustentar a família.

Tráfico e venda de crianças

Prostituição infantil Geralmente define-se a prostituição infantil como uma actividade em que actos sexuais com menores são realizados em troca de pagamento e pode ocorrer de diversas formas: i) por incentivo ou por coação para que uma criança se dedique a qualquer actividade sexual ilícita; ii) a exploração da criança na prostituição ou outras formas sexuais ilegais; e iii) a exploração da criança em matérias ou espectáculos pornográficos. A prostituição infantil em Moçambique ocorre envolvendo indivíduos de faixas etárias diferentes. Estudos sobre o fenómeno mostraram que a maioria dos clientes envolvidos na prostituição infantil são adultos com estabilidade financeira, comportando-se como sujeitos activos. Do outro lado, encontram-se adolescentes, prostitutas e vítimas, que são agentes passivos e cúmplices no processo e acção. Para estes estudos, a prostituição infantil reflecte o comportamento dos adultos porque as crianças não nascem prostitutas, propondo-se deste modo a designação de crianças prostituídas em vez de crianças abusadas sexualmente ou prostitutas (Tajú & Barros, 1999).

Casamentos prematuros Os casamentos prematuros, forçados ou arranjados constituem outra forma de violência de menores. Estas práticas são consideradas violência porque a sua

Moçambique é, como outros, um país de origem e trânsito de tráfico, incluindo de menores, tendo principalmente para a África do Sul como país de destino.

Existe também evidência de tráfico de pessoas a nível interno, normalmente das zonas rurais para as zonas urbanas. Pesquisas sobre o assunto demonstram que o fenómeno é agravado pela existência de uma dupla vulnerabilidade: social e institucional. A nível social, jogam papel importante as dificuldades quotidianas da maior parte das famílias moçambicanas o que permite que crianças, jovens e seus pais sejam aliciados; a crença de que “órgãos humanos magicamente tratados podem resolver problemas sociais” também contribui para esta prática.

A nível institucional foram considerados quatro aspectos: o fraco controlo sobre as fronteiras nacionais devido a exiguidade de polícias e recursos técnicos; a facilidade com que os agentes policiais se deixam corromper nas fronteiras; a dificuldade de aplicar o código penal e a inexistência de um instituto de adopção para controlar o processo e monitorar o bem-estar da criança adoptada (UNESCO, 2006 & Serra, 2006).

O trabalho infantil O trabalho infantil é outra forma de violência identificada. O problema está associado, embora não esteja restrito, à pobreza, à desigualdade e à exclusão social entre outros factores de natureza cultural, económica e de organização social e de produção das comunidades.

Estudos realizados mostram que o trabalho infantil é uma realidade em Moçambique e envolve crianças dos 7 aos 17 anos de idade. Estas trabalham mais do que 8 horas, podendo atingir um mínimo de 15 horas por dia nas piores formas de trabalho e às vezes, sem nenhuma

remuneração (UNICEF, 2006). O INE revela que 32% de menores com idades compreendidas entre os 7 e os 17 anos desenvolvem algum tipo de actividade económica (sendo 16% nas áreas urbanas e 40% nas áreas rurais). As principais formas de trabalho infantil em Moçambique relacionam-se com o trabalho doméstico, a agricultura, a pesca, o comércio, a prostituição, a mineração de pequena escala, a indústria manufactureira, a limpeza de viaturas e a indústria florestal. Uma das maiores consequências do trabalho infantil é limitação do direito da criança á educação (UNICEF, 2006).

Violência institucional: as crianças em conflito com a lei Esta constitui outra forma de violência exercida pelos Estados ou pelos seus sistemas judiciais, embora pouco assumida como tal. É violência porque encoraja, induz e/ou força a limitação da liberdade, um dos direitos fundamentais da criança. Estudos realizados em Moçambique mostram que a violência contra menores no sistema judicial é recorrente: em 2003, pelo menos 25% dos reclusos entrevistados tinham menos de 18 anos de idade; a maioria das crianças afirmou ter sofrido violência física no processo de detenção por parte dos agentes policiais; mais de metade revelou ter sofrido, inclusive violência física severa. Os menores afirmaram terem sido agredidos, no local da detenção, a caminho da esquadra da polícia e/ou dentro dela. No primeiro dia elas são “baptizadas” (agredidas de diversas maneiras) por reclusos que se encontram há mais tempo na cadeia.

(SC, Norway, 2003 & UNICEF, 2006).

Resposta a violência contra menores Algumas iniciativas têm sido desenvolvidas pelo Estado, pelas OSCs nacionais e internacionais, pelas OCBs e organizações do sistema das Nações Unidas com vista o combate da violência contra menores. As iniciativas cobrem a advocacia, prevenção e mitigação. Estas organizações fazem advocacia para que o governo e a Assembleia da República aprovem leis que reflictam uma protecção real para os menores, assegurando a preservação dos seus direitos consagrados em instrumentos legais nacionais e internacionais. Para além disso, advogam para a existência de políticas e programas que reflictam a protecção dos direitos de menores. Para a prevenção, fazem-se programas de consciencialização com vista a protecção dos direitos das crianças. Na área da mitigação, procura-se a integração social dos menores vítimas da violência, seja nas respectivas famílias ou em famílias substitutas. A nível comunitário, não existe uma resposta comunitária vigorosa para a questão da violência contra menores, inclusive sobre o abuso sexual contra a rapariga. Muitas vezes as comunidades não estão preparadas para lidar com a problemática da violência contra a rapariga na educação, quer sob o ponto de vista de prevenção deste mal, quer sob o ponto de vista de mitigação dos seus efeitos

INTROSPECÇÃO

Crescendo | Boletim Informativo

15

Direitos da Criança

e Orçamento em Moçambique: o papel da Sociedade Civil e outros direitos básicos que devem ser assistidos a toda e qualquer criança moçambicana, estão plasmados nesta Convenção, e os seus quatro princípios básicos vêm incorporados na Constituição da República (2004), num claro reconhecimento pelo Estado de que a sobrevivência, o desenvolvimento e a protecção da criança são uma prioridade na construção de um Moçambique melhor.

Moçambique ratificou, em 1994, a Convenção dos Direitos da Criança (CDC), e a partir desse momento o país “comprometeu-se a garantir os direitos de todas crianças moçambicanas, assegurando um bom início de vida, um crescimento saudável com acesso aos serviços sociais básicos de educação, saúde e abastecimento de água potável, a convivência familiar e comunitária e a participação em questões que lhes dizem respeito” (UNICEF, MMAS 2006)1 . Estes (*) Gestor de cooperação e advocacia FDC. 1 UNICEF e MMAS (2006), Convenção dos Direitos da Criança, Maputo.

Segundo os dados preliminares do último Censo Populacional realizado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE)2 , Moçambique tem uma população estimada em cerca de 20.5 milhões de habitantes, dos quais cerca de metade são crianças.3 Estes dados mostram por si só que o futuro do capital humano do país está depositado nas crianças, e é nelas que devemos concentrar as nossas prioridades se pretendemos assegurar que este capital seja sustentável.

Nesta perspectiva, as estratégias e políticas do Governo devem ter em conta este facto. Algumas políticas nacionais como, por exemplo, o Plano Nacional de Acção para a Criança (PNAC) e o Plano de Acção para as Crianças Órfãs e Vulneráveis (PACOV)4, chamam atenção para a necessidade e para a responsabilidade que todos os actores têm na criação de condições para a sobrevivência, desenvolvimento e protecção da criança. Contudo, a criança não aparece ainda, de forma específica e do ponto de vista do orçamento, como prioridade em alguns sectores chave que, pela sua função, tem grande influência no seu desenvolvimento5, o que a torna “marginal” do ponto de vista da atenção e da prioridade que deve merecer destes.

O Relatório sobre a Pobreza na Infância em Moçambi2 INE (2007), Recenseamento Geral da População e Habitação, Maputo.

3 A CDC e a legislação moçambicana consideram Criança todo ser humano com idade inferior a 18 anos.

4 MMAS (2006), Plano Nacional de Acção para a Criança 2006-2010, Maputo. MMAS (2006), Plano de Acção para as Crianças Órfãs e Vulneráveis 2006-2010, Maputo.

5 Neste artigo entenda-se por Sectores Chave para o desenvolvimento da criança, os Sectores da Saúde, Educação, Acção Social e Água e Saneamento.

Por : A l bino Mar ia F r a n c isc o (*)

“

...um dos factores que influencia directamente a pobreza n a infância e o desenvolvimento da criança é a fraca alocação de recursos...

”

16

INTROSPECÇÃO

Crescendo | Boletim Informativo

“

...a necessidade e para a responsabilidade que todos os actores têm na criação de condições para a sobrevivência, desenvolvimento e protecção da criança...

”

que (Nações Unidas, 2006)6 mostra que o país ainda tem níveis elevados de pobreza na infância, que afecta a maior parte das crianças moçambicanas. Esta pobreza tem maior incidência nas províncias mais populosas (Zambézia e Nampula – com cerca de 40% de população) do país e sobretudo nas zonas rurais, onde vive a maioria das nossas crianças e onde a alocação do orçamento per capita é reduzida para sectores fundamentais para o bem estar da criança, como os sectores da Saúde e da Educação, em comparação com outras províncias menos populosas, como a cidade de Maputo e a província de Maputo.

Esta questão da alocação de recursos, do ponto de vista dos sectores chave para a criança e das províncias, é fulcral para a redução dos níveis de incidência da pobreza na infância e consequentemente, para o bem-estar de todas as crianças moçambicanas. É na esteira destas constatações, que algumas Organizações da Sociedade Civil (OSC) moçambicanas têm-se empenhado, nos últimos anos, na realização de advocacia a diversos níveis para que a alocação de recursos, com destaque para os recursos previstos no Orçamento do Estado (OE), sejam cada vez mais e melhor alocados e executados a favor da realização dos direitos da criança.

Em 2008, a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) elaboraram documentos de análise à Proposta do OE 20097, com ênfase para quatro sectores 6 Nações Unidas (2006), “A Pobreza na Infância em Moçambique: uma Análise da Situação e das Tendências”, Maputo.

7 FDC e UNICEF (2008), Parceria para os Direitos da Criança em Mo-

sociais, que pela sua natureza têm um enfoque especial para a criança, nomeadamente: Saúde, Educação, Acção Social, e Água e Saneamento. O objectivo central da elaboração destes documentos de análise ao OE foi verificar e avaliar até que ponto o envelope de recursos previstos na Proposta do OE 2009 poderia influenciar na melhoria da redução da pobreza na infância, e por esta via, influenciar tanto o Governo como o Parlamento, sendo este a instituição que aprova em última instância o OE, para que a tomada de decisão sobre o OE desse prioridade à alocação de recursos para os Sectores Sociais Chave para o desenvolvimento da criança.

Este tipo de análises ao OE já tinha iniciado no ano anterior (2007) com o mesmo objectivo, dada a constatação de que um dos factores que influencia directamente a pobreza na infância e o desenvolvimento da criança é a fraca alocação de recursos do OE para aqueles sectores que, com a sua acção, têm a responsabilidade primária de velar pelo bem estar das crianças.

As OSC que vêm trabalhando na advocacia para alocação do orçamento para a área da criança, em particular, têm um papel chave neste processo, no seu trabalho de trazer as caras e as vozes das crianças através da promoção dos seus direitos, e de influenciar os responsáveis a todos os níveis, para que esses direitos sejam efectivos. Mas fazer advocacia, seja para que assunto for, não é tarefa fácil. Exige capacidade, comprometimento, paciência e acima de tudo, a busca de evidências concretas para que a acção que se pretende influenciar tenha o máximo de sucesso. A experiência e capacidade que algumas destas organizações têm na advocacia orientada para o orçamento deve ser cada vez mais aperfeiçoada e apurada para, com qualidade, conseguirem que, através deste, menos crianças deste país vivam em condições de pobreza a que estão hoje sujeitas. Segundo o Relatório sobre A Pobreza na Infância em Moçambique (Nações Unidas, 2006)8, numa análise dos dados do Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS 2003), cerca de 49% das crianças moçambicanas vive em pobreza absoluta (usando a medida baseada em privações )9, sendo as que vivem nas zonas rurais as mais afectadas. Uma forma de melhorar esta situação é investir cada vez mais recursos em acções que conduzam, de facto, à redução da pobreza e à provisão de serviços, influenciando, deste modo, para a melhoria das condições de vida das crianças.

Quando falamos da promoção dos direitos da criança, estamos a dizer que as crianças devem gozar, na plenitude, de todos os direitos que se lhes assiste. Para o efeito, vários são os actores responsáveis que contriçambique – Análise à Proposta do Orçamento do Estado 2009 para os Sectores Sociais Chave para o Desenvolvimento da Criança, Maputo.

8 Nações Unidas (2006), “A Pobreza na Infância em Moçambique: uma Análise da Situação e das Tendências”, Maputo.

9 A abordagem da pobreza baseada em privações sustenta-se na privação severa do gozo de sete direitos básicos para o desenvolvimento da criança, nomeadamente: nutrição, acesso à água potável, acesso ao saneamento adequado, saúde, abrigo, educação e informação. Foi proposta pela Universidade de Bristol (daí que também são conhecidos como Indicadores de Bristol) num estudo encomendado pelo UNICEF.

buem para que esses direitos sejam garantidos, partindo da família até ao Estado. Para a questão da alocação do orçamento para as crianças, a responsabilidade primária é do Estado, como é também a criação e fortalecimento de um quadro jurídico-legal, incluindo políticas referentes à criança, para que esses direitos sejam efectivos. Contudo, e para o caso específico de Moçambique, o Governo não possui recursos disponíveis para garantir com a mesma importância a realização, na totalidade, de todos os direitos. Analisando por exemplo o OE 200910 , este mostra claramente quais são as prioridades do Governo em relação aos Sectores Sociais Chave para as crianças, priorizando assim uma maior realização de uns direitos do que outros. Esta questão é compreensível numa situação em que temos um OE deficitário. Mas, ao mesmo tempo, é necessário que o Governo garanta efectivamente e de igual forma, a satisfação de todos os direitos que assistem as crianças.

O papel da Sociedade Civil é justamente, exigir que esses direitos não sejam divisíveis, isto é, que sejam tratados com a mesma importância, de forma interdependente e inter-relacionada. É fundamental para as nossas crianças, que o OE olhe para os seus direitos de forma mais integrada, sendo responsabilidade do Governo garantir que assim aconteça.

As análises ao OE permitem assim identificar e monitorar quais são os direitos que estão a ser priorizados pelo Governo, e avaliar qual é o seu impacto em relação aos outros direitos das crianças. Nesta perspectiva, as OSC têm aqui um papel importante na monitoria do OE do ponto de vista da criança, exigindo através das evidências que esta monitoria pode trazer, para que o Governo faça a alocação do orçamento, olhando cada vez mais para os melhores interesses das crianças

“

...Para a questão da alocação do orçamento para as crianças, a responsabilidade primária é do Estado...

”

10 Governo de Moçambique (2008), Lei do Orçamento do Estado 2009, Maputo.

Crescendo | Boletim Informativo

ESPAÇO INFANTIL

17

Idade: 13 anos Brincadeira preferida: Voleibol Bebida preferida: Fanta laranja O que gostarias de fazer: Não ficar na rua e fazer teatro Comida favorita: Feijão Animal favorito: Passarinho Sonho: é de construir uma casa para ajudar e viver com a minha avó que vive em Manhiça; Profissão: gostaria de ser vendedor, ter uma barraca ou banca; O que mais gostas: trabalhar (carregar sacos) e brincar; O que menos gostas: ver pessoas a bater em crianças;

Sabes

?

o que são os direitos da criança sim sei, são brincar,

combater a violência,

ir a escola;

Eu saí de casa com 11 anos, porque a minha madrasta maltratava-me. Estava na 7ª classe, ela batia a mim e aos meus dois irmãos, que também não eram filhos dela. O meu irmão mais velho foi para a África do Sul quando eu tinha 6 anos e só se despediu a mim, disse que ia para a África do Sul e nunca mais soube dele, a seguir foi o meu outro irmão.

Eu era o mais novo e fiquei sozinho, um tempo depois já não aguentava mais os maus tratos que sofria com a minha madrasta e acordei de manhã, não disse nada a ninguém e saí de casa.

Quando sai de casa em Chamanculo, fui até a avenida Eduardo Mondlane, e aí conheci outros meninos, comecei a brincar com eles e acabei por ficar a viver na rua, ali fiz dois grandes amigos.

Um dia encontrei com o Hernano, que é o trabalhador da Organização Meninos de Moçambique (MDM) que me levou para lá. Um tempo depois o meu pai veio a minha procura na Organização Meninos de Moçambique, voltei para casa mas como os maus-tratos por parte da minha madrasta persistiam, resolvi sair de novo e nunca mais voltei. Eu tenho saudades da minha família: não de todos, só do meu pai, dos meus irmãos e da minha avó.

De dia fico aqui na MDM e a noite fico numa casa perto do MDM, quando não tenho dinheiro de chapa. Quando tenho dinheiro de chapa, vou para a minha casa, em

Boane que alugo com os meus dois amigos. Alugamos com o dinheiro do teatro que fazemos no MDM, a mensalidade é de 200 meticais. No teatro no MDM faço o papel de Doutor, a peça é sobre o HIV/SIDA. A vida na rua não é fácil, temos de dormir nos passeios e enfrentar o frio. As vezes, os mais velhos dão-nos “porrada”, estes vêm ter connosco e levam o nosso dinheiro e se não temos dinheiro também nos batem por não o termos. Conheço uns, outros não. Quando vamos queixar à polícia não acontece nada e quando saem de lá voltam a bater-nos por termos ido queixar.

Há vezes que os polícias também nos batem quando nos encontram.

Um momento em que fui feliz na minha vida foi quando vivia na casa da minha avó (paterna) em Manhiça.

Porque ficava bem, não sofria maus-tratos. Eu gosto de ficar lá, mas sempre que eu vou para lá o meu pai vai me buscar.

Uma mensagem que eu deixo para os outros meninos é que se tiverem uma oportunidade vão para casa. Porque esta vida …esta vida não vale nada

18

ESPAÇO INFANTIL

Crescendo | Boletim Informativo

Sabes

?

o que são os direitos da criança

Nome: Maria Idade: 16 anos O que mais gosta: brincar Brincadeira favorita: brincar com a minha boneca, o nome dela é Anjinha, a minha mãe é que deu esse nome…

O que não gostas: Quando a minha irmã bate-me, ela costuma levar o meu dinheiro e quando não aceito que ela leva bate-me…

Comida favorita: Arroz com feijão Bebida favorita: Fanta Meu sonho: Ser cozinheira

O que sei sobre direitos da criança é que toda a criança tem direito a estudar, a ter uma família e a ter protecção Meu nome é maria, tenho 16 anos, estou a estudar, frequento a 4ªclasse. Não tenho pai, vivo com a minha mãe e meus dois irmãos, o mais velho tem 24 anos e a minha irmã tem 14 anos. O meu irmão estuda na 10ª classe na Mozal, não está a trabalhar, mas ele faz tranças as pessoas para obter dinheiro e a minha irmã apenas estuda.

O meu dia a dia é acordar, ajudar em casa, e depois às 8 horas venho para a rua pedir dinheiro as pessoas, fico das 8 às 11 horas. Eu fico na esquina entre a Avenida Keneth Kaunda e Kim Il Sung, fico aqui porque é uma boa esquina, fico no semáforo e peço dinheiro aos tios que passam. Às 11 horas vou para casa, tomo banho, arranjo-me e vou para a escola, mas apesar de eu vir aqui, consigo ter tempo para estudar.

Peço dinheiro a eles porque vivo com a minha mãe que vende tomate e como esta não tem tantos meios para nos sustentar, eu fico aqui a pedir dinheiro para comprar material escolar.

Eu vim para aqui em 2007 e vim na companhia de uma amiga que me chamou atenção que aqui teria como arranjar dinheiro. Por dia posso fazer 100 meticais e num dia não muito bom faço 30 meticais. Uma das grandes dificuldades que eu enfrento nesta vida de rua é que, quando os outros meninos que ficam na outra esquina a pedir dinheiro levam o meu dinheiro, eles ficam atentos para verem se consegui um bom dinheiro e vêm arrancar.

ESPAÇO INFANTIL

Crescendo | Boletim Informativo

A menina das mensagens de ninguém Era uma vila como outra qualquer, as pessoas viviam o seu dia a dia trabalhando e no final do dia reuniam-se para jogar conversa fora. Naquela vila todos se conheciam bem, os homens jogavam cartas, enquanto que as mulheres segredavam sobre os mistérios da vida e coscuvilhavam acerca da vida uma das outras, as mais jovens ficavam de lado trocando ideias e sonhando com a grande cidade.

Mas havia Nyeleti que pouco comentava e pouco respondia, vezes sem conta a encontravam sozinha vindo da direcção da floresta, e se lhe perguntavam o que lá fazia sozinha simplesmente não respondia.

Nyeleti vivia com a sua avó, pois seus pais haviam desaparecido com a guerra, vivia ela e seu irmão José que era o único que a apoiava quando as pessoas chamavam-lhe nomes, chamando-lhe “estranha”, “esquisita” porque esta não conversava com ninguém e não tinha amigos.

O tempo corria rápido até que começaram a chegar umas cartas para Nyeleti sem o nome do remetente.

Nyeleti assustada não entendia quem lhe enviava as cartas que diziam que ela tinha uma missão na vida. Ao todo foram nove cartas. Nas cartas vinha sempre que ela tinha uma missão “…Nyeleti não te percas e não te deixes abater…tu vieste a terra com uma missão…”

Nyeleti começou a ficar assustada e não sabia o que se passava: a cada noite de lua cheia aparecia uma carta a dizer que ela veio ao mundo com uma missão. Na sua vila era muito comum os mais velhos não respeitarem os direitos das crianças e estes não tinham direito a dar opinião, muitas das vezes ocorriam casos de violência física a meninos e meninas o que revoltava Nyeleti, que começou a amparar todas as crianças que estavam a ser violentadas. Com o tempo na vila, cada adulto que fazia mal a uma criança “o mal virava contra o feiticeiro”, quando alguém batia numa criança, dia seguinte ele acordava com picos…

Nyeleti passou a ser uma referência na sua vila, ela teve de enfrentar muitas dúvidas, dilemas, mas conseguiu fazer passar a sua mensagem…Mas uma dúvida ficava sempre com ela…quem é que mandava as cartas…as cartas já não vinham…

Num dia de eclipse (junção da lua e sol), o dia estava

19

Segue o caminho do amor e guia-te pelos teus instintos… ela leu na carta e assim o fez…Passados 9 dias e 216 horas ela chegou a uma floresta grande e assustadora com tigres, leões, elefantes… ela sentiu um frio na barriga mas seguiu em frente…

Depois encontrou uma luz forte que a deixou tonta e a atirou para o chão…desmaiou e quando abriu os olhos estava num lugar muito bonito no meio da floresta e aí soube que já tinha chegado a floresta dos encantos …

“

...A voz disse cada um de vocês têm uma missão nesta vida…. Vocês nasceram com uma missão …a missão de defender os direitos das crianças.

Em cada canto do mundo em que vocês vivem vocês tem uma missão...

”

De repente ouviu o barulho de tambores, música mas ela não via ninguém então ela reparou que de diferentes cantos apareciam outros meninos com roupa branca que nem ela e tudo fazia um círculo, havia cadeiras de bambu e eles sentaram-se em círculo e ficaram mudos e intrigados a olharem uns para os outros.

Foi então que brilhou uma luz muito forte e apenas ouviram uma voz muito poderosa que lhes disse para não se assustarem e os laços começaram a cair e foram reparando que estavam sentados cada um em baixo de um dizer. Nyeley notou que estava sentada sobre a cadeira que vinha escrito lutemos contra a violência da criança, outros sobre direito a educação, informação, família, etc…cada um estava sentado sobre um direito da criança…

A voz disse cada um de vocês têm uma missão nesta vida…. Vocês nasceram com uma missão …a missão de defender os direitos das crianças. Em cada canto do mundo em que vocês vivem vocês tem uma missão.

Vocês nasceram para liderar e serem pioneiros na defesa dos direitos…e saibam que vocês estão em cada parte do mundo, mas para que essa luta seja mais efectiva cada um terá de lutar do seu jeito no seu canto…e todos juntos poderão contribuir para um mundo melhor…De repente a voz e a claridade foram-se embora e todos ficaram sozinhos…eles conversaram sobre os seus problemas…fizeram o juramento que iam lutar para tal e nunca fraquejaram e lutaram sempre pelos direitos das crianças Por: Eunice Margarido

escuro e mal se diferenciava se era dia ou noite e veio uma carta para Nyeleti a dizer que havia chegado o grande dia e que ela não poderia contar nada a ninguém mas teria de fazer uma grande viagem a terra dos encantos… diziam na carta que ela devia levar a mochila e nela apenas leva amor e carinho… e assim foi. No caminho quando sentia fome surgiam-lhe frutas, pão de mel, leite, tudo que a Nyeleti gostava e lá ela foi se alimentando e não sentiu nunca nenhum tipo de dificuldade…

Queridos amigos!

Caso tenham uma história, conto, crónica ou poema sobre Direitos da Criança de vossa autoria e queiram partilhar connosco mandem para o nosso e-mail criança@fdc.org.mz ou mesmo para o seguinte endereço:

Avenida 25 de Setembro, edifício Times Square, bloco 2, 2ºandar.

20

ESPAÇO INFANTIL

Crescendo | Boletim Informativo

C iênc a JJú únior i ênc iia

Quase um queijo Vais precisar de:

Filtro Café

Frasco de vidro

Leite

Vinagre

Parece culinária, mas não é só isso!

Experimenta esta reacção química e aprende um pouco sobre a ciência do queijo.

1 .Despeja 1/4 de chávena de leite para dentro do frasco.

2 .Junta uma colher de sopa de vinagre.

3 .Tapa bem o frasco e agita-o para misturar.

4 .Coloca um filtro de café na boca de outro recipiente, segurando-o para que não caia lá dentro.

5 .Despeja a mistura dentro do filtro e espera que filtre. Pode demorar um pouco, por isso tens de ter alguma paciência.

6 .Fecha o filtro com cuidado e espreme o resto do líquido.

7 .Abre agora o filtro e observa o resultado. Mas não comas! Não ias gostar. Isto foi só uma demonstração.

Obtiveste o que se chama coalhada (o liquido filtrado é o soro). Qual é a textura da coalhada?

Sabias que outro nome do vinagre é ácido acético?

O ácido reage com a caseína (uma proteína do leite) e faz com que esta agregue formando um gel. Dizse que o leite coagulou.

Em vez de adicionar ácido directamente ao leite, muitos fabricantes de queijo adicionam bactérias que ao crescerem produzem ácido