Em busca de uma sustentabilidade soioambiental urbana proposição para o bairro serviluz simbolico

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EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA:

PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

Lara Barreira de Vasconcelos Orientadora: Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas

Universidade Federal do Ceará Departamento de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação Fortaleza maio/ 2013

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EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

Lara Barreira de Vasconcelos

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________ Profa. Dr. Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas (orientadora) Universidade Federal do Ceará

________________________________________________ Prof. Dr. Luis Renato Bezerra Pequeno Universidade Federal do Ceará

________________________________________________ Prof. Dr. Maria Águeda Pontes Caminha Muniz Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza

Fortaleza, 16 de maio de 2013

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Agradecimentos Em primeiro lugar, gostaria agradecer a toda a minha família que me apoiou sempre, oferecendo, todos esses anos, as condições necessárias para que eu pudesse me dedicar á minha formação de maneira responsável e engajada com os valores que acredito e que também me foram passadas na convivência do seio familiar. Sou grata também por todo amor que recebi e recebo todos os dias que, sem dúvida, contribuem de forma decisiva para e pessoa que me tornei. Sobretudo merece todos os agradecimentos a minha mãe pela dedicação carinhosa despendida na criação minha e da minha irmã. Também ofereço minha imensa gratidão á Associação Boca do Golfinho, ao Carlos Alexandre e Denise Lima que me acolheram durante vários dias em sua casa, me mostraram o Serviluz e me colocando em contato com outros moradores. Desse contato, nasce uma amizade que desejo que possa permanecer para alem da realização desse trabalho. Gostaria de parabenizar e expressar meu sentimento de admiração a todos àqueles que fazem parte, ou contribuem de alguma forma, com a Associação Boca do Golfinho pelo trabalho social e educativo realizado com os jovens da comunidade através da prática esportiva do surf e capoeira, e dos momentos de formação cidadã e ética através dos filmes e conversas em sala. Agradeço também á meu companheiro Gustavo Fernandes que alem de ter me colocado em contato com a comunidade, pacientemente me passou seus conhecimentos de sociologia através de conversas e literatura indicada para que eu pudesse elaborar a metodologia e realizar as entrevistas com os moradores do Serviluz. Sendo essa etapa essencial para que a proposta projetual pudesse estar o mais próximo possível das reais necessidades e anseios da população. Alem das trocas intelectuais, sou grata também á compreensão e paciência que teve durante todo o tempo que precisei estar ausente durante os últimos meses. Gostaria de registrar o meu imenso muito obrigada a todos os moradores do Serviluz que foram entrevistados, que se disponibilizaram a ceder uma parte do seu tempo corrido para dividir comigo um pouco de suas percepções acerca das questões do “bairro”. Não posso deixar de agradecer também a todos aqueles que se tornaram minha segunda família durante os últimos anos: todos os mestres e colegas do curso de Arquitetura e Urbanismo que com a convivência diária tive a oportunidade de aprender e compartilhar um momento muito especial da minha vida que, sem dúvida, ficará guardado com todo o carinho em minha memória. Agradeço de coração a pessoa que, durante todo o trabalho, me incentivou, encorajou e apontou caminhos para que pudesse seguir em frente com segurança e embasamento em todos os impasses e dúvidas surgidos no percurso. O meu muito obrigada á profa. Clarissa Freitas. Expresso minha gratidão também àquele que me mostrou uma realidade urbana que me fez repensar meus caminhos acadêmicos e com seu exemplo de comprometimento profissional em passar conhecimentos que possam ser capazes de transformar uma realidade urbana posta, despertou em mim a crença de que posso contribuir para essa mudança. Grata ao prof. Renato Pequeno. Sou muito feliz e agradecida por fazer parte da turma que em minha geração ficou conhecida como sendo a mais unida da faculdade e, pelos professores, como uma das mais comprometidas. Aprendi a gostar e admirar todos os meus colegas, cada

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um com sua forma de ser, inclusive aqueles que não eram da turma e foram adotados como sendo parte dessa nuvem de cumplicidade e carinho que nos envolveu nesses anos de convivência. Tive a oportunidade de fazer grandes amizades que ultrapassaram o coleguismo e se tornaram pessoas essenciais na minha vida. Obrigada pelos risos, e aperreios compartilhados. Por todo o aprendizado de nossas longas conversas que permeavam vida pessoal e construção de um mundo melhor através de nossa possível atuação da cidade, na arquitetura e no design. Minha enorme admiração e gratidão a Ana Virgínea, Beatriz Rodrigues, Isabel Cavalcante e Sofia Carvalho. O meu muito obrigado também ao colega e amigo José Otavio que me auxiliou nas ultimas semanas com a edição das perspectivas ilustrativas do projeto. Ás meninas do Pet-arquitetura que tiraram minhas dúvidas de arcGIS para o desenvolvimento dos mapas do diagnostico. E a todos meus outros amigos, professores e familiares que contribuíram direta ou indiretamente com a conclusão desse trabalho.

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Sumário Introdução..............................................................................................................................................11

1.

Referencial Teórico Referencial Teórico....................................................................................13

1.1. E essa tal sustentabilidade? ............................................................................................................15 1.2. A sustentabilidade no debate Urbano .........................................................................................20 1.3. Diversos Sentidos Atribuídos à Cidade Sustentável.....................................................................23 A representação técnico-material das cidades – cidades ecológicas.......................23 Cidade como espaço da qualidade de vida – urbanidade. .......................................26 Cidade como espaço de legitimação das políticas urbanas. ....................................36 Afinal, o que seria então a cidade sustentável? .......................................................39 1.4. A (in)sustentabilidade das Cidades Brasileiras ..........................................................................42 Dinâmica da cidade formal.........................................................................................42 Dinâmica da cidade informal......................................................................................45 1.5. Por Que Estamos Diante de um Momento Histórico Oportuno e Urgente? .............................52 Breve histórico da ocupação irregular e das políticas habitacionais no Brasil.........52 Momento atual............................................................................................................56 1.6. O Caso da Cidade de Fortaleza........................................................................................................61 Pressões imobiliárias...................................................................................................65

2.

Diagnóstico Diagnóstico Participativo Participativo..................................................................67

2.1. O objeto de estudo: O Serviluz......................................................................................................69 2.2. Metodologia do Diagnóstico Participativo..................................................................................72 Pesquisa social Qualitativa. ........................................................................................72 2.3. Contexto Urbano............................................................................................................................79 2.4. História e Pertencimento..............................................................................................................83 2.5. Criminalidade e Violência...............................................................................................................93 2.6. Precariedades da Ocupação..........................................................................................................98 Saneamento básico ineficiente...................................................................................98 Precariedade por tamanho reduzido de lote............................................................99 Precariedade por coabitação....................................................................................100 Precariedade por acesso............................................................................................102 Precariedade por risco de soterramento..................................................................103 2.7. Vitalidade e Mobilidade das Ruas...............................................................................................108

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2.8. Legislação Referente à Área........................................................................................................120 Plano Diretor Participativo de Fortaleza...................................................................120 Patrimônio..................................................................................................................127 2.9. Planejamento para a área em estudo..........................................................................................129 Projeto Orla................................................................................................................129 Descrição do Projeto Aldeia da Praia........................................................................133 Análise do Projeto Aldeia da Praia............................................................................138

3.

Proposta projetual Projetual.................................................................................. 151 Proposta

3.1 . Zoneamento de Aplicação dos Instrumentos dos Instrumentos do Estatuto da Cidade........153 3.2 Plano de Reestruturação Viária...................................................................................................156 3. 3. Plano de Remoções e Reassentamentos...................................................................................178 Remoção por reestruturação viária..........................................................................178 Remoção por proximidade do mar menor que 15 metros......................................179 Remoção por precariedade por tamanho................................................................179 Remoção por obstrução do patrimônio histórico Farol Velho................................180 Remoção em terreno de reassentamento................................................................181 3. 4. Tipologias Habitacionais Propostas para Reassentamento.....................................................183 Tipologia A – Unifamiliar sobrado.............................................................................188 Tipologia B – Unifamiliar térrea acessível..................................................................191 Tipologia C – Apartamento 2 quartos com ampliação.............................................193 Tipologia C – acessível...............................................................................................195 Tipologia D – Kitinete com ampliação......................................................................196 3. 4. Implantação dos reassentamentos............................................................................................198 Blocos Multifamiliares...............................................................................................198 Blocos de unidades Unifamiliares.............................................................................199 Implantação geral nos terrenos................................................................................199 3. 5. Plano de Espaços Livres e de Lazer.............................................................................................213 3. 6. Praça Campo do Paulista..............................................................................................................216 3. 7. Praça do Jangadeiro.....................................................................................................................222

4. 5.

Considerações Considerações Finais Finais......................................................................... 229

Referências Referências Bibliográficas Bibliográficas............................................................. 233

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Introdução Esse trabalho foi dividido em três etapas complementares: Referencial Teórico, Diagnóstico Participativo e Proposta Projetual. Embora na sistematização aqui exposta essas etapas sejam separadas e bem delimitadas, a elaboração real do trabalho foi um processo rizomático, em que as etapas estiveram sobrepostas durante vários momentos. A primeira etapa correspondeu à construção do Referencial Teórico. Essa foi uma fase de muita leitura e amadurecimento conceitual. O tema sustentabilidade urbana já havia sido previamente definido, por uma afinidade pessoal. Embeber-me de vários autores na tentativa de definir, ou pelo menos apontar caminhos, para o que viria a ser a cidade sustentável, havia se tornado uma necessidade pessoal que surgira em meados do curso de arquitetura e urbanismo, em um momento em que, até então, meus interesses acadêmicos haviam se voltado ao estudo da arquitetura sustentável e bioclimática. No momento em que as disciplinas de urbanismo me apresentaram uma realidade brasileira desigual, injusta, e, contraditoriamente, cheia de vida, a bolha da classe média em que eu habitava teve que ser rompida para que eu pudesse ser apresentada ao mundo da cidade informal. Senti-me atraída por aquela realidade espontânea e diversa, ao mesmo passo que entendi que jamais poderia existir sustentabilidade sem justiça social. Esse foi um momento de inquietude e redefinição dos meus interesses acadêmicos. Eu já havia entrado em contato amplamente com conceitos de sustentabilidade no ponto de vista mais tradicional e divulgado, mas agora a questão era: e no Brasil que é um país extremante desigual? Separar o lixo, aproveitar a água da chuva, utilizar energia solar, andar de bicicleta, de que tudo isso adiantaria se grande parte da população urbana brasileira vive sem saneamento básico? Por vezes sem casa, sem lazer? Em outros casos, vivendo em alguma condição de precariedade ou risco? Foi minha necessidade latente de desatar esse nó que motivou a construção do referencial teórico desse trabalho. E essa tal sustentabilidade? É a temática que abre o meu texto. A partir desse mote houve um trabalho de revisão bibliográfica sobre o tema sustentabilidade urbana, dando embasamento ao modo como eu direcionaria o diagnóstico e a proposta projetual. A escolha do objeto de estudo e intervenção – a comunidade do Serviluz –, se deu principalmente por dois motivos. O primeiro se relaciona ao momento em que essa comunidade se encontra como alvo de diversas propostas e transformações. O segundo está relacionado a uma conveniência pessoal, pois essa era uma comunidade em que havia previamente uma possibilidade de aproximação através do conhecimento e acessibilidade a uma associação educativa dentro da comunidade: a Associação Boca do Golfinho. Dessa forma, a segunda fase do trabalho foi o diagnóstico. Nessa etapa foram considerados tanto dados secundários como dados primários coletados in loco. Buscou-se entender a realidade local a partir dos depoimentos EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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de moradores locais comuns, complementado a coleta de dados através de documentos, análise cartográfica e trabalhos acadêmicos referentes à área. O contato com a Associação Boca do Golfinho foi de fundamental importância para viabilidade dessa metodologia que será explicada com detalhes mais adiante, dento do capitulo referente ao diagnóstico. Denominei esse processo de diagnóstico participativo. Como o caráter do trabalho e o tempo disponível para realizá-lo impossibilitavam que a elaboração da proposta projetual acontecesse de forma participativa, tentar chegar perto da comunidade na fase do diagnóstico foi a forma que encontrei de driblar, pelo menos em parte, essa limitação. A proposta projetual buscou levar amplamente em consideração o que foi refletido durante a fase do diagnóstico. Dessa forma, o contato com a comunidade antes e durante a elaboração do projeto foi de extrema importância para que a proposta buscasse ao máximo atender as reais demandas locais, mitigando precariedades e ampliando a qualidade de vida no local, tudo isso em consonância com os anseios da população local. A limitação, já mencionada, referente à realização da proposta de forma participativa, fez-me encarar a proposta projetual como um estudo preliminar. Dessa forma, assumo de antemão, que o que estará aqui exposto não pretende ser uma versão final de projeto. O projeto aqui apresentado se coloca como uma primeira proposta que deveria ser levada a avaliação pela comunidade do Serviluz. A ideia é que a partir de uma primeira proposição possam surgir criticas e sugestões que sejam capazes de lançar uma proposta final construída coletivamente. A importância aqui colocada à participação popular será mais adiante detalhada dentro do referencial teórico, que define o processo participativo como um dos pré-requisitos da construção da cidade sustentável.

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1.

Referencial Teórico

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1.1.

E essa tal Sustentabilidade ?

Esse tema tão discutido, divulgado, criticado e, sobretudo, vendido, já vem fazendo parte do vocabulário da sociedade contemporânea há algumas décadas. O conceito de sustentabilidade surgiu como uma crítica propositiva ao modelo moderno do crescimento sem limites, desconsiderando a capacidade de suporte dos recursos naturais existentes. Atualmente se percebe a ocorrência de uma certa “prostituição” do termo, conforme atesta Leonardo Boff: “A maioria daquilo que vem anunciado por sustentável, geralmente, não é. É uma etiqueta, um discurso que agrega valor.” (BOFF, 2012, p.09) Vale, para começar essa análise, entender o surgimento do conceito, sua crítica e suas novas perspectivas para reflexões atuais e futuras. Quando de sua origem, o conceito de sustentabilidade estava relacionado primordialmente às questões ambientais frente à exploração da sociedade capitalista industrial. Somente em abordagens mais contemporâneas, as questões da justiça social e da equidade ganham espaço de destaque, propondo um conceito mais abrangente denominado “responsabilidade socioambiental”. Esse movimento questionador do modelo de produção e desenvolvimento moderno de caráter fortemente industrial se inicia no final da década e 1960, começo da década de 1970 a partir dos primeiros indícios das mudanças climáticas e da crise do petróleo. Em 1968, um grupo internacional de intelectuais constitui o chamado Clube de Roma, o qual, em 1972, viria a publicar uma forte crítica ao modelo econômico dos países industrializados. Elaborado por uma equipe do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), sob encomenda do referido Clube de Roma, o relatório intitulado “Os limites do crescimento” trouxe à tona a necessidade de associar a natureza ao desenvolvimento econômico. A publicação pioneira vendeu mais de trinta milhões de cópias, em trinta idiomas, tornando-se o livro sobre meio ambiente mais vendido da história. A publicação alarmante colocou a questão no centro das discussões da ONU (Organização das Nações Unidas), que, no mesmo ano de 1972, promoveu a “Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente” em Estocolmo. Na ocasião, foi constatada a necessidade da criação do PNUMA (Programa das nações Unidas para Meio Ambiente). Uma outra conferencia, realizada em 1984, deu origem à CMMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), com objetivo de criar uma agenda global para mudança de postura global em relação ao meio ambiente. Em 1987, um relatório intitulado “Nosso Futuro Comum” foi publicado pela primeira-ministra norueguesa Gro Haarlem Brundland como resultado dos trabalhos dessa comissão. Foi nesse relatório que o termo “desenvolvimento sustentável”, tão difundido até os dias atuais, foi definido pela primeira vez. A Sra. Brundland definiu desenvolvimento sustentável como “aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas necessidades e aspirações”. (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e desenvolvimento, 1988, p.9 apud COMPANS, 2009, p.121) EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Nesse momento inicial, as preocupações e os debates estavam mais diretamente relacionados à questão ambiental e econômica. A constatação da degradação ambiental e das mudanças climáticas provocadas pelo modelo econômico vigente apontava para a necessidade de uma forma de desenvolvimento que minimizasse os danos ambientais. Foi somente na década de 1990 que a questão social passou a ser incluída dentro da noção de desenvolvimento sustentável. Apesar de tal inclusão ter ocorrido há cerca de duas décadas, observamos que, em diversas abordagens da mídia e do senso comum, e até em trabalhos acadêmicos contemporâneos, o termo sustentabilidade ainda é utilizado de modo a remeter apenas – ou primordialmente – a questões ecológicas e econômicas. A difundida noção de desenvolvimento sustentável ligada à preocupação com os três pilares – econômico, social e ambiental – surgiu no ano de 1990, idealizada pelo britânico John Elking, fundador da ONG SustainAbilility. O conceito é chamado de Triple Botton Line ou principio dos três P’s: Profit, People, Planet. (BOOF, p.44, 2012) Outra conferência internacional da ONU de grande relevância histórica ocorreu em 1992, no Rio de Janeiro, tendo ficado conhecida como Eco-92. Esse evento teve grande repercussão nacional e mundial, divulgando e consolidando a necessidade de uma mudança de postura no conceito de desenvolvimento. Um dos produtos mais importantes dessa conferência foi a Agenda 21: um abrangente plano de ação a ser implementado por governos, agências de desenvolvimento, a Organização das Nações Unidas (e suas agências especializadas) e grupos setoriais independentes em cada área. O mencionado documento representa o primeiro esforço de sistematização de um amplo programa de ação para a transição rumo ao alcance do “desenvolvimento sustentável”. A agenda 21 confirmou e consolidou a noção de desenvolvimento sustentável ligado a preocupações tanto ambientais como sociais. Três de seus capítulos foram dedicados a questões eminentemente sociais: Capítulo 3 - Combate a Pobreza, Capítulo 6- Proteção e promoção das condições de saúde humana, Capítulo 7- Promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos. Dessa forma, hoje já existe uma clara diferença conceitual entre a abordagem ecológica, que pretende albergar uma responsabilidade e respeito ao meio ambiente; e a abordagem sustentável, entendida como uma postura que almeja integrar o desenvolvimento econômico a uma responsabilidade socioambiental. Após essa marcante Conferencia (ECO-92), em que parecia haver um consenso mundial das nações quanto à necessidade de uma ética política em que todos devem cooperar em um espírito de parceria global a fim de se alcançar o desenvolvimento sustentável, houve uma progressiva perda desse espírito de cooperação e comprometimento nas conferências a seguir. Em 1997, na Rio+5, constatou-se que muitas das metas e compromissos assumidos pelas nações não estavam sendo cumpridos. Em 2000, em Haia, na Holanda, a conferência sobre mudanças climáticas terminou em fracasso. Houve um impasse sobre a questão da diminuição de emissão dos GEE (Gases Efeito Estufa). O compromisso acordado anteriormente no Protocolo de Kyoto, em 1997, foi questionado pelos Estados Unidos – país mais

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poluente - que argumentaram a possibilidade de os países industrializados concederem ajuda financeira a outros países para que estes reduzissem sua emissão de GEE. A União Europeia insistiu que os próprios países industrializados deveriam reduzir suas emissões e, portanto, não houve acordo. Depois desse ocorrido histórico, em que se acirrou o clima de disputa de poder entre as grandes potências, ficava cada vez mais evidente que os interesses econômicos corporativos se sobrepunham ao sentido de sustentabilidade. O sonho do desenvolvimento sustentável começa, então, a ser colocado em cheque. Para Leonardo Boff (2012, p.45), o próprio termo “desenvolvimento sustentável” é contraditório e incoerente em seu principio, pois, segundo ele, desenvolvimento e sustentabilidade atendem a duas lógicas opostas e incompatíveis. Enquanto o desenvolvimento (capitalista) obedece a uma lógica linear, individualista, da acumulação, da exploração da natureza e do homem, gerando profundas desigualdades – riqueza de um lado, pobreza de outro; a lógica da sustentabilidade é circular, holística, includente, valoriza a cooperação, a coevolução, a interdependência de todos com todos, busca a o equilíbrio dinâmico dos ecossistemas. Nesse sentido, na visão do autor, não é possível alcançar a sustentabilidade dentro do atual paradigma de produção e consumo. Argumenta que o principal defeito de todas as definições dos organismos da ONU é colocar o homem acima da natureza, não como parte dela. Boff reconhece o valor de algumas medidas e posturas que foram tomadas em prol do desenvolvimento sustentável, como produção em níveis de mais baixo carbono, utilização de energias alternativas, reflorestamento de regiões degradadas e criação de melhores sumidouros de dejetos, mas afirma que tudo é realizado desde que não afetem os lucros. No seu ponto de vista, a utilização da expressão desenvolvimento sustentável possui uma significação política importante: representa uma maneira hábil de desviar a atenção para os reais problemas como a injustiça social e o aquecimento global crescente, por exemplo. “Em conclusão, no modelo de desenvolvimento que se quer sustentável, o discurso da sustentabilidade é vazio e retórico.” (BOFF, 2012, p. 47) Leonardo Boff (2012) defende um avanço face à compreensão convencional de sustentabilidade, propõe a reflexão sobre a criação de um novo paradigma que entenda Terra/humanidade/desenvolvimento como um único e grande sistema. Para isso ele menciona a necessidade da criação de um novo “software mental”, um design diferente da nossa forma de pensar e ler a realidade. Não seria o mesmo pensamento que nos trouxe até a situação atual que nos vai tirar dela. Segundo o autor, para além da razão intelectual, é preciso inteligência emocional e cordial que nos faça perceber que fazemos parte de um todo, que estamos conectados com os demais seres. Boff menciona ainda um aspecto subjetivo que, para ele, é essencial para a verdadeira sustentabilidade: o cuidado essencial. (...) Entendemos cuidado não como uma virtude ou uma simples atitude de zelo e de preocupação por aquilo que amamos ou com o qual nos sentimos envolvidos. Cuidado é também isso. Mas fundamentalmente configura um modelo de ser, uma relação nova

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para com a realidade, a Terra, a natureza e o outro ser humano. Ele comparece como um paradigma que se torna mais compreensível se o compararmos com o paradigma da modernidade. Este se organiza sobre a vontade de poder, poder como dominação, como acumulação, como conquista da natureza e dos outros povos. O cuidado é o oposto do paradigma da conquista. Tem haver como já dizíamos anteriormente, com um gesto amoroso, acolhedor, respeitador do outro, da natureza e da Terra. Quem cuida não se coloca sobre o outro, dominando-o, mas junto dele, convivendo, dando-lhe conforto e paz. (BOFF, 2012, p. 93)

O autor faz um elogio à ética de vida dos povos andinos que vão desde a Patagônia até o norte na América do Sul e do Caribe. O ideal de vida desses povos é o “bem-viver” (sumak kawsay ou suma qamaña). Diferente do nosso do conhecido conceito de ‘qualidade de vida’, o ‘bem viver’ visa à ética da suficiência para toda a comunidade, não apenas do individuo. Busca o caminho de equilíbrio com Pacha (energia universal) que se concentra na Pachamama (Mãe Terra). Pressupõe uma visão Holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrena que inclui, além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais. Não restam dúvidas de que a abordagem de Boff tem sua parcela de idealismo comparado ao modo de vida e organização das sociedades atuais, mas a reflexão sobre os princípios com base nos quais estamos construindo nossa sociedade e sobre de que forma nos relacionamos com o mundo é bastante relevante, sobretudo no contexto em que estamos vivendo atualmente. Momento em que o sonho do desenvolvimento sustentável começa a se mostrar inviável diante da atual lógica do capitalismo-industrial; em que os interesses econômicos se impõem de forma esmagadora diante da tentativa de semear outros valores. Momento também em que (desde 1998) grande parte dos países desenvolvidos e industrializados passam por uma assoladora crise financeira mundial decorrente do próprio sistema capitalista (insustentável). Recentemente, mais uma vez a cidade do Rio de Janeiro, Brasil, foi palco de uma Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS). Também conhecido como Rio+20, o evento ocorreu entre os dias 13 e 22 de junho de 2012. O documento oficial resultante da conferência - O Futuro que Nós Queremos – reafirma os compromissos anteriores, como a Agenda 21, por exemplo; define quais são os próximos desafios; e reconhece o pouco avanço em algumas áreas. É interessante perceber que a ideia dos três pilares (econômico, social e ambiental) apresenta-se muito forte em todo o texto do documento, sendo essa definição de desenvolvimento sustentável a mais aceita atualmente. Outro dado relevante do documento é que as questões sociais estão sendo colocadas com destaque cada vez maior. No tópico “Nossa Visão Comum”, os dois primeiros enunciados demonstram claramente isso: 1. Nós, os chefes de Estado e de Governo e os representantes de alto nível, tendo nos reunido no Rio de Janeiro (Brasil) do dia 20 a 22 de junho de 2012, com a plena participação da sociedade civil, renovamos nosso compromisso em favor do desenvolvimento sustentável e a promoção de um futuro sustentável desde o ponto de vista econômico, social e ambiental

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para nosso planeta e para as gerações presentes e futuras. 2. A erradicação da pobreza é o maior problema que afronta o mundo na atualidade e uma condição indispensável de desenvolvimento sustentável. (CMMAD, 2009, p. 01)

Em trecho do próprio documento - O Futuro que Nós Queremos – é perceptível que foi dada uma grande liberdade aos Estados-Membros, enfatizando que cada um deve buscar o desenvolvimento sustentável dentro de suas possibilidades e objetivos internos. A ênfase dada foi aos conceitos, que por vezes se tornavam vagos por não indicar parâmetros ou metas concretas, havendo, dessa forma, uma menor cobrança de responsabilidades e prazos. Talvez essa tenha sido uma estratégia de promover um evento que voltasse a trazer a esperança da sustentabilidade, sem bater de frente com os interesses opostos de algumas nações, em um contexto de tantos acordos não cumpridos e conflitos de interesses dos últimos anos. Vejamos como essa falta de objetividade se reflete no texto do documento: 247. Também resaltamos que os objetivos do desenvolvimento sustentável devem estar orientados a ação, ser concisos e fáceis de comunicar, limitados em seu número e ambiciosos, ter um caráter global e ser universalmente aplicáveis a todos os países, levando em consideração as diferentes realidades, capacidade e níveis de desenvolvimento nacionais e respeitando as políticas e prioridades nacionais. Também reconhecemos que os objetivos devem guardar relação com ambitos prioritários para alcançar o desenvolvimento sustentável, e focar neles, segundo as orientações do presente documento final. Os governos devem impulsionar trabalhos relacionados, com a participação ativa de todos os interessados, conforme apropriado. (CMMAD, 2009, p. 53) Apesar de toda a crítica, o atual secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou o evento muito bem sucedido por ter conseguido equilibrar a visão de 193 Estados-Membros, reconhecendo a pobreza como principal desafio para o bemestar econômico, social e ambiental; e a necessidade de ir alem do PIB como medida de progresso, identificando a economia verde como um caminho de inclusão social, crescimento econômico e preservação ambiental. (NAÇÕES UNIDAS, 2012) Aparte todos os impasses e criticas acerca do tema desenvolvimento sustentável, ou apenas sustentabilidade, é importante entender que essa é uma discussão contemporânea, simboliza a constatação de que o modelo em que vivemos necessita de mudanças, representa a esperança da construção de algo novo que possa promover um futuro desejável. Em um sentido mais amplo, vale considerar que o conceito de sustentabilidade é uma construção social, passível de evolução, de diferentes interpretações e, também, de apropriações inadequadas do termo. Segundo Henri Acselrad (2009, pp.44-45), sustentabilidade é um principio em evolução, um conceito infinito. “Mas como definir algo que não existe?” (idem) E que ao existir será uma construção social passível de diversas interpretações e praticas que se pretendem legitimas, reivindicando em seu nome? Para o autor, existe uma disputa pela expressão, pois “aquelas práticas que se legitimem como sustentáveis serão entendidas como compatíveis com a qualidade futura postulada como desejável.” (idem) Considerando a abordagem de Herri Acselrad, entendemos que o debate sobre sustentabilidade é válido justamente por representar aquilo que será compreendido como positivo para o futuro de nossa sociedade. Também por entender que a maquina do capital terá interesse sobre esse termo justamente

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por ele legitimar aquilo que a sociedade e as lideranças mundiais consideram como desejável. É preciso colocar em pauta o que será esse “desejável”, buscando uma coerência com o motivo pelo qual todo esse debate se iniciou: a percepção que o modelo atual de desenvolvimento, que visa o crescimento sem limites e que coloca interesses da avassaladora busca pelo lucro acima de todos os outros valores, acaba por gerar um ambiente desarmônico e contraditório com inúmeros impactos ambientais e desigualdades sociais. Avançaremos mais nessa discussão enfocando nosso objeto de estudo, as cidades.

1.2.

A Sustentabilidade no Debate Urbano

Desde que se iniciaram os debates acerca do desenvolvimento sustentável nas convenções e eventos internacionais, em grande parte fomentados pela ONU, vem sendo colocado em pauta também o conceito de “cidades sustentáveis”. Influenciado pelas proposições da Agenda 21, o conceito de cidade sustentável começa a ser elaborado com a perspectiva de dar durabilidade ao desenvolvimento urbano. Assim, de acordo com Sanchez (2009), a imagem de cidade-modelo difundida internacionalmente “própria da virada do século” associa os ingredientes de competitividade e sustentabilidade a um mesmo ideal de cidade globalizada. Essa relação de cidade sustentável associada à cidade global e competitiva está fortemente ligada ao que chamamos de city marketing, ou seja, a sustentabilidade é tida como uma qualidade essencial para as cidades serem bem vistas no mercado internacional, atraindo investimentos e autopromovendo sua imagem. Nesse contexto, o sentido de sustentabilidade está relacionado mais fortemente à modernização ecológica das cidades, neutralizando a crítica ambientalista e deixando de colocar em pauta as contradições sociais das grandes cidades. O professor da UFRJ Henri Acselrad traduz muito bem esse cenário: (...) Uma tendência forte, nesse debate, procura circunscrever a questão de durabilidade das cidades à simples necessidade de um ajuste ecológico dos fluxos urbanos. É visível o esforço de reduzir os grandes desafios urbanos às possibilidades da chamada “modernização ecológica das cidades”, processo pelo qual as instituições políticas procuram conciliar o crescimento urbano com a resolução dos problemas ambientais, dando ênfase à adaptação tecnológica , à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso. Tal abordagem é, em essência, compatível com o chamado “pensamento único urbano” que exige das cidades que se ajustem aos propósitos tidos por inelutáveis na globalização financeira. A chamada “inserção competitiva” é, neste ideário, evocada para pressioná-las a se transformarem em espaços autônomos em disputa – inclusive pela via da afirmação de seus atributos “ambientais” – por investimentos nos mercados internacionalizados. A cidade do “pensamento único” é, consequentemente, a cidade do “ambiente único” – o ambiente dos negócios. (ACSELRAD, 2009, p.38)

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Assim como o conceito de desenvolvimento sustentável vem passando por uma crise ideológica, o termo cidades sustentáveis colocado desta maneira também vem passando por diversos questionamentos. Para Acselrad (2009), o discurso puramente ambiental desconsidera a complexidade social e a dimensão política do espaço urbano. O pensamento do ambiente único propõe uma postura supraclassista: como o meio ambiente é de interesse de todos, devemos dar as mãos para protegê-lo. No entanto, a sociedade é socialmente fragmentada, e será a política de uma classe dominante que ditará as regras. A legitimação de políticas urbanas que utilizam o conceito de “cidade sustentável” como instrumento do marketing city para promover as cidades no mercado mundial, muitas vezes, tende a acentuar a segregação sócio-espacial. Isso acontece em parte porque os benefícios desses investimentos internacionais privilegia predominantemente a classe dominante, as grandes empresas; em parte porque o esforço das cidades para se tornarem atraentes ao capital mundial demanda grandes investimentos, e acabam por reduzir os recursos que deveriam ser direcionados para resolver os seus problemas mais graves: a segregação sócio-espacial, e a falta de infraestrutura da cidade informal. A meu ver, a crítica à “cidade sustentável” possui a mesma raiz do questionamento do “desenvolvimento sustentável” e fazem parte de um mesmo momento histórico de parada para reflexão acerca do sonho da sustentabilidade. A literatura mais recente a respeito do tema - cidade sustentável - reivindica uma abordagem mais abrangente, que envolva não apenas questões ambientais, mas também questões de bem estar e equidade social. Observemos a crítica propositiva de Henrique Rattner. O maior desafio de nossa civilização urbano-industrial é o de como transformar uma estratégia de crescimento econômico direcionada contra a maioria pobre da população em um modelo de sustentabilidade baseado no bem-estar humano. Como, então, podemos substituir o principio da competição por empregos, mercados, riqueza e poder – imposto a populações indefesas como condição de sobrevivência – pela cooperação, como principal pilar de sustentação? (RATTNER, 2009, p.10)

Se analisarmos bem, é possível perceber um diálogo entre a visão de Rattner e o pensamento de Leonardo Boff colocado no item anterior (E essa tal sustentabilidade?- p.06 E 07). Outra critica que coloca em cheque a ambientalização das cidades que desconsidera a dimensão social é a percepção de que, na maioria dos casos, a origem da degradação do meio ambiente está diretamente relacionada a questões sociais. No caso brasileiro, essa relação se apresenta muito claramente. Por falta de alternativa do mercado formal, grande parte da população acaba ocupando irregularmente terrenos urbanos para construir sua moradia. Como em terrenos de proteção ambiental não é permitido haver construções licitamente, esses tornam-se, frequentemente, o alvo das ocupações pelas populações excluídas. Trazendo maior gravame a tal panorama, esses assentamentos demoram, ou nem chegam a ter saneamento básico e coleta de lixo, piorando ainda mais a situação ambiental e de salubridade. Para Acselrad, existe uma inseparabilidade analítica EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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entre justiça e ecologia: “A raiz da degradação do meio ambiente seria a mesma da desigualdade social.” (2009, p.50) Maria Lúcia Relinetti Martins faz uma ótima descrição da situação brasileira colocando em pauta a globalização, e as questões sociais e ambientais nas cidades brasileiras: (...) é preciso reconhecer que o impacto da chamada globalização no processo de empobrecimento das cidades tem suas raízes nos ajustes fiscais, com recuo nas políticas públicas sociais, aumento do desemprego e precarização do trabalho e desregulamentação na ação do Estado priorizando o mercado privado. Ainda que nos últimos anos esse quadro tenha apresentado alguma recuperação, e o acesso a bens de consumo pela população mais pobre tenha significativamente ampliado, a maioria dos brasileiros, principalmente nas grandes cidades, não encontra oferta de solução de moradia adequada, nem pelo mercado, nem pelos programas públicos, acabando banida da condição de cidadania, tanto pela condição econômica, quanto pelas restrições urbanísticas e ambientais. A consequência é que a população se instale em loteamentos irregulares, ocupações informais e favelas, justamente nos lugares ambientalmente frágeis, “protegidos por lei”, portanto desconsiderados pelo mercado imobiliário formal – assim como em edifícios que se tornam obsoletos, perdem valor de locação, terminam abandonados e se transformam em cortiços e ocupações com qualidade precária. (...) É nesse quadro que cabe aprofundar sobre forma da cidade do século XXI, densidade e condições ambientais do assentamento nas grandes concentrações urbanas e desenvolver alternativas de desenho urbano que contemplem objetivos ambientais e sociais. (MARTINS, 2011, p. 144)

Até este ponto, fizemos um breve apanhado sobre quais são os principais questionamentos que o termo cidade sustentável vem sofrendo. Esse conceito pode ter diversas interpretações, e pode ser apropriado por diversos atores que buscam, sob o manto do termo “sustentabilidade”, conferir legitimidade às suas posturas. Porém, ainda não chegamos a definir em que propriamente consiste uma postura sustentável para cidades, que ações e medidas isso envolve. Começamos pela crítica para mostrar o quão disputado é esse termo, para evidenciar que essa questão ultrapassa um conhecimento técnico ou acadêmico. Na realidade, esse é um debate que envolve questões também políticas. Um debate no qual “certo número de atores envolvidos na produção do espaço urbano procura dar legitimidade as suas perspectivas.” (ACSELRAD, 2009, p.53) Percebemos também que o termo sustentabilidade passa por um momento em que se almeja romper com a noção de que a sustentabilidade deve estar a serviço dos interesses econômicos e tenta se implementar uma postura que aprofunde mais a complexa dinâmica da sociedade. Coloca questões como equidade e bem estar social associadas à necessidade de um meio ambiente equilibrado, ousando ainda propor que esses interesses devem estar à frente do ideal de progresso ligado ao desenvolvimento econômico. Aprofundaremos agora quais são as posturas que acredito estarem efetivamente relacionadas à cidade sustentável. Primeiramente, precisamos ter em vista que, como sustentabilidade está relacionado com tudo

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aquilo que representa o que se considera desejável para o espaço urbano, existem diversas abordagens que se apropriam do termo. Para Herri Acselrad (2009, pp.54-64), existem três diferentes sentidos aos quais se associa o conceito de ‘cidade sustentável’: a representação técnica material das cidades (relaciona-se à noção de racionalidade ecoenergética e equilíbrio metabólico das cidades), a cidade como um espaço de qualidade de vida (relaciona-se à noção de urbanidade, cidadania e patrimônio) e a cidade como um espaço de legitimação das políticas urbanas (relacionase á noção de eficiência e promoção da equidade pelo poder público). No próximo item, detalharemos esses conceitos considerando a abordagem de Acselrad e colocando também a visão de outros autores, na tentativa de enriquecer e aprofundar o estudo. Impende ressaltar que em todas essas abordagens existe um esforço técnico-teórico de repensar a cidades em que vivemos na tentativa de torná-las melhores e mais duráveis, contudo, todos eles estão sujeitos a serem utilizados como legitimadores de uma ou outra postura de diferentes atores sociais.

1.3.

Diversos sentidos atribuídos a “cidade sustentável”.

A representação técnico-material das cidades – cidades ecológicas. Esse primeiro sentido atribuído à cidade sustentável está relacionado mais diretamente à base física e material das cidades, em grande parte influenciado pelas primeiras conferencias internacionais sobre clima e mudanças climáticas. Naquele primeiro momento, houve um processo de elaboração de estratégias urbanas com foco predominantemente na racionalidade ecoenergética. Para Henri Acselrad (2009, p. 54), nesse aspecto, “a cidade será vista em sua continuidade material de estoques e fluxos.” É uma articulação que associa a transição para a sustentabilidade urbana com enfoque no ajustamento das bases técnicas das cidades, a partir de modelos de racionalidade ecoenergética ou de metabolismo urbano. Conforme registra Dominique Gauzin-Müller (2006,p.34), um dos primeiros a militar a favor da ecologia urbana foi o professor alemão Ekhart Hahn que, em 1987 – mesmo ano de lançamento do relatório “Nosso Futuro Comum” da Sra. Brundland -, publicou sua obra Ökologische Stadtplanungn (Planejamento Urbano Ecológico). Aprofundou seus estudos através da investigação teórica associada a estudos de caso, lançando, no inicio dos anos 1990, um informe intitulado Ökologischer Stadtumbau (Renovação Urbana Ecológica). Essa obra aponta medidas para o planejamento sustentável das cidades, dividindo-as em três categorias: Concepção urbana e técnicas urbanas; divulgação sobre ecologia e democracia local; e economia com ecologia. Vejamos como se organizavam essas medidas na tabela abaixo.

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Concepção Urbana e técnicas urbanas

Divulgação sobre ecologia e democracia local

 Arquitetura e Ecologia na construção

 Participação e responsabilidade das pessoas envolvidas;

 Fornecimento de calor e de eletricidade;

 Informação e consulta sobre o meio ambiente;

 Gestão da água;  Gestão de deslocamentos;  Redução de resíduos e reciclagem ecológica;  Zonas verdes e proteção da natureza;  Clima urbano e qualidade do ar;  Proteção do solo e da água;  Proteção contra ruído;

 Descentralização de administração e da tomada de decisões;

Economia e ecologia

 Imposto sobre a energia;  Taxa sobre emissões contaminantes;  Cobrança segundo consumo;  Contabilidade ecológica para empresas e instituições;

 Formação sobre o meio ambiente e programas sobre assistência e qualificação;

 Adaptação das ferramentas de planejamento, de normatização de edificação e das normativas sobre construção;

 Novos modelos de cooperativas e de promoção imobiliária

 Posta em marcha de medidas impulsionadoras e de ajuda econômica;

 Criação de ecocentros, centros culturais e de divulgação sobre ecologia descentralizados;

 Estratégias ecológicas para as atividades artesanais, comerciais e industriais;

 Criação de agencias para a energia a água e os resíduos;

 Criação de centros de serviços, comércios e atividades ecológicas;

 Novos modelos de habitação e de convivência.

 Criação de postos de trabalho no setor da ecologia.

 Saúde e alimentação. Tabela 01. Medidas para um planejamento sustentável para a cidade em três ambitos de intervenção. (fonte: HAHN, Ekhart. Ökologischer Stadtumbau: Theorie und Konzept. 1992. appud GauzinMuller, Dominic. Arquitetura Ecologica. 2006.) Tradução da autora.

Hoje esse modelo de intervenção sofre intensas críticas de alguns autores (SANCHEZ, 2009; MOURA, 2009; ACSELRAD,2009) que consideram que essa abordagem supervaloriza a base material das cidades esquecendo a complexidade social urbana. Os projetos de revitalização ou renovação urbana provocam um processo de valorização do espaço urbano aumentando o preço dos terrenos e, em grande parte das vezes, provocando um processo de “gentrificação” ou elitização do espaço. Intencionalmente ou não, esses projetos têm, por vezes, acentuado as desigualdades sociais e territoriais. Fernanda Sanchez faz uma forte critica aos projetos de revitalização justificados pela sustentabilidade, fazendo uma associação direta desses projetos com o city marketing das cidades. Em nome da sustentabilidade e da competitividade, muitos desses projetos “revitalizadores” de regiões da cidade demarcam novas fronteiras urbanas e desencadeiam processos de expulsão social e de gentrificação, de conversão de segmentos da cidade às exigências e aos padrões de uma nova geografia, uma recodificação das relações sociais ao mesmo tempo inclusiva e excludente. Possivelmen-

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te a imagem esplendorosa do renascimento de uma área promovida pelo city marketing não corresponda ao sentimento de espoliação por parte dos cidadãos que veem nas empreitadas “revitalizadoras” um séria ameaça à sua forma de vida social e à sua identidade urbana. Entretanto, os conflitos sociais gerados pela reestruturação e as questões trazidas por qualquer movimento de resistência são rapidamente minimizados pela e esvaziados de seu conteúdo político na linguagem oficial sobre cidades. (SANCHEZ, 2009, p.179-180)

Dominique Gauzin-Müller (2006, p.77) apresenta o projeto para o bairro GWL, Ansterdan – bairro sem carros em uma zona industrial obsoleta – como um bom exemplo de urbanismo sustentável, entretanto, ao final da descrição do projeto, comenta que a ação teve por objetivo também atrair um novo público residente para uma região anteriormente conhecida como uma das mais pobres de Amsterdam e admite que o projeto sofreu algumas criticas justamente por essa mudança de composição social induzida. A cidade de Curitiba no Paraná, famosa como cidade - modelo de sustentabilidade e qualidade de vida, por possuir um sistema de transporte público e de espaços livres conhecido nacional e internacionalmente como exemplares, hoje sofre também diversas críticas. Rosa Moura (2009) denuncia que o modelo é apoiado em uma política excludente e retórica com forte apelo de marketing. Segundo ela, a Curitiba com infraestrutura e serviços modernos de qualidade está restrita a uma população seleta, pois, além de exercer um forte controle sobre o solo urbano dentro da cidade – evitando ocupações irregulares –, não oferece alternativas habitacionais à classe de menor renda e à grande quantidade de migrantes. Dessa forma, essa população acaba afastada para municípios vizinhos da região metropolitana com legislações flexíveis, ocupando muitas vezes áreas de mananciais. Essas cidades-dormitório, não possuem arrecadação suficiente para prover condições de vida mínimas a seus habitantes. (MOURA, 2009, P. 240) (...) Nesse sentido, a sustentabilidade pretendida por Curitiba é praticamente inatingível, pois mesmo que a gestão local demonstre certa agilidade na satisfação das necessidades intramunicipais, a privação do entorno metropolitano aponta as fragilidades nos elos entre as políticas urbanas e o espaço urbanizado sob abrangência direta do polo. (MOURA, 2009, P. 240) Outra critica é a abertura da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) que atraiu empresas de alta tecnologia, não absorvedoras de mão de obra local, em um projeto em que o poder público ofereceu subsídios expressivos relativos à oferta de terreno e isenções tributárias. Moura (2009, p.228) pondera que o projeto segue uma política agressiva de industrialização forjada pelas elites locais para concretização dos interesses do capital industrial local. Assim, “embora fortemente apoiado no discurso internacional, o modelo Curitiba mantém um envolvimento bastante seletivo dos diferentes atores urbanos no processo de planejamento e gestão.” (MOURA, 2009, P. 241)

A acrítica de que o argumento da sustentabilidade não pode legitimar a ampliação da segregação sócio-espacial é bastante coerente neste debate. Porem, nesse momento, faz-se válida uma reflexão. Será que as medidas tomadas por esses projetos tão reconhecidos e elogiados pelas organizações internacionais e por grande parte da população não tem nenhuma validade?

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A priorização de pedestres, ciclistas e transportes públicos em detrimento do carro; os aprofundados estudos sobre edificações de energia passiva e de baixo impacto; a inserção de áreas verdes de lazer no espaço urbano; nada disso significou nenhum avanço na disciplina do planejamento urbano? A apropriação desse conhecimento por atores sociais no âmbito público ou privado em prol de mecanismos de marketing, atração de investimentos ou inserção em mercados globais, ou ainda a gentrificação do espaço urbano ocasionada por esse processo não significa dizer que os conceitos ecológicos elaborados para as cidades tinham essa finalidade em sua essência quando foram idealizados. Está claro que a mudança da base técnico material das cidades não é suficiente para produzir a “realidade desejável” de Acserald, tampouco podemos desconsiderá-la como avanço. Cidade como espaço da qualidade de vida – urbanidade. “Uma nova matriz técnica das cidades é também pensada por razões de ‘qualidade de vida’ – componentes não mercantis da existência cotidiana e cidadã da população urbana.” (Acserald, 2009, p. 59). Essa abordagem da qualidade de vida resgata sentidos como cidadania, diálogo e patrimônio, tanto material (arquitetônico), como imaterial – fortalecimento do sentimento de pertencimento dos habitantes que se relaciona tanto com a estrutura física como com a composição e dinâmica social dos lugares da cidade. Um conceito que dialoga com esse debate é a noção de urbanidade. Embora na literatura esse conceito não esteja normalmente vinculado ao termo sustentabilidade em si, os princípios de urbanidade se relacionam com a ideia de duração das cidades, manutenção de cidades boas de viver – espaços urbanos vivos, com vitalidade representariam a imagem de ‘urbanidade’; e a destruição das cidades e morte dos espaços públicos representam a imagem de ‘desurbanidade’. “O desurbanismo, não se engane, é uma estratégia de destruição de cidades.” (FIGUEIREDO, 2010, p.21). Aprofundaremos o tema concernente à urbanidade por considerá-lo de grande relevância para o estudo da qualidade de vida nos espaços urbanos. Porém, antes de adentrar conceitualmente em que praticas e formas urbanas consiste a urbanidade, proponho começar esse debate por uma dimensão simbólica acerca o que seria o ‘sentimento de urbanidade’ dos lugares. Andrade (2010) em ensaio “Onde está a urbanidade: num bairro central de Berlim ou em uma favela Carioca” descreve o sentimento que teve ao morar na cidade de Berlim: (...) a minha facilidade de adaptação à cidade foi tal que, antes mesmo de eu conseguir pronunciar frases simples em alemão, já tinha desenvolvido um domínio sobre ela que me permitia vivê-la como se estivesse na minha própria pátria. Este sentimento de cidadania estava relacionado tanto ao espaço físico quanto ao social. Em outras palavras, eu me sentia acolhida por estas duas dimensões do espaço berlinense, que me davam uma liberdade para a vida urbana que eu nunca tinha sentido antes. (Andrade, 2010, p. 3)

Completa seu pensamento afirmando que jamais sentira isso em sua própria cidade natal, o Rio de Janeiro, embora tenha morado lá por maior parte de sua vida. Essa constatação a deixou surpresa. O sentimento de cidadania,

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liberdade e conforto no espaço público de uma cidade se aproxima do que se entende hoje por urbanidade. Conquanto subjetivo, podemos afirmar que esse sentimento se relaciona diretamente com a arquitetura e o desenho urbano das cidades. Em que pese o conceito de urbanidade ter diversas definições, é principalmente nesse ponto que reside o aprofundamento da temática: pensar a cidade para ser boa e confortável para as pessoas. Esse sentimento de urbanidade parece estar principalmente relacionado a algumas relações criadas entre os indivíduos e o espaço: o quão as pessoas se sentem seguras (Jacobs, 2009 ; Andrade, 2010), o quão se sentem acolhidas pela escala dos lugares (Gehl, 2012) , o quão se sentem a vontade e convidadas a interagir socialmente no espaço (Andrade, 2010; Jacobs; 2009) e o quão o espaço público é capaz de promover a convivência passiva ou ativa de pessoas de diversos interesses, idades e origens sociais (Holanda, 2010; Figueiredo, 2010). Alcançar a qualidade dessas relações por sua vez está vinculado a algumas características do espaço urbano. Por exemplo, a constância de pessoas transitando pelas ruas e calçadas; a existência de espaços livres bem estruturados e acolhedores, em lugares movimentados; e a facilidade e conforto da realização de deslocamentos são colocados pela literatura como características que favorecem que esses sentimentos de conforto e bem estar sejam garantidos nas cidades. Mas a questão é: como alcançar esses atributos para que as cidades sejam lugares bons de viver? A mistura de usos é um quesito unânime dentre os estudiosos de urbanidade. A autora Jane Jacobs enfoca com muita propriedade essa questão em sua célebre obra “Morte e Vida de Grandes Cidades”, publicada ainda na década de 1960 foi pioneira ao estudar essas relações da população com o espaço urbano. Embora não se refira ao conceito de urbanidade especificamente, talvez ainda inexistente naquele momento, tem suas ideias com grande aceitação e respaldo pelos atuais estudiosos do tema. Segundo ela (Jacobs, 2009), a presença de pessoas transitando pelas ruas e calçadas em diversas horas do dia é característica fundamental para que os lugares sejam considerados seguros e a população se sinta à vontade de caminhar, interagir e desfrutar do espaço urbano sem medo. Considera essa convivência urbana benéfica para todos, por criar uma atmosfera de confiança e identidade. Afirma que, por mais que os contatos urbanos sejam na maioria das vezes triviais, o resultado não é nada trivial: “resulta na compreensão da identidade pública das pessoas, uma rede de respeito e confiança mútuos”. (Jacobs, 2009, p.60) Para ela, a possibilidade de sempre haver pessoas presentes nas ruas a todas as horas do dia só pode ser alcançada através da diversidade de usos, pois haverá as horas que pessoas estarão saindo ou chegando em casa ou no trabalho, horas que mães estarão levando filhos para tomar sol ou brincar, horas que os boêmios estarão indo para um barzinho, enquanto apreciadores da arte estarão indo ver um bom espetáculo ou exposição, e assim por diante, a mistura de usos (habitacional, comercial, serviços, institucional, etc.) torna os espaços urbanos vivos e diversos. (...) Aparentemente despretensiosos, despropositados e aleatórios,os contatos nas ruas constituem a pequena mudança a partir da qual pode

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florescer a vida pública exuberante da cidade.” (JACOBS, 2009, p.78).

Dessa forma, a autora coloca a mistura de usos como principal qualidade a ser buscada no planejamento urbano: Se tivermos como meta que a mistura de usos seja suficientemente complexa para prover a segurança urbana, o contato do público e a interação de usos, ela precisa de uma quantidade enorme de componentes. Nesse caso, a primeira pergunta sobre planejamento urbano - a qual, acho eu que é, de longe, a mais importante seria essa: como as cidades podem gerar uma mistura suficiente de usos – uma diversidade suficiente -, por uma extensão suficiente de áreas urbanas para preservar a própria civilização? (JACOBS, 2009, p.158)

Lucas Figueiredo (2010) também defende a necessidade do espaço público potencializar encontros, acrescentando ainda a importância do caráter democrático que este deve assumir. Ele adota o conceito de co-presença, ou seja, a presença simultânea de pessoas de classes ou estilos de vida distintos para alcançar a verdadeira urbanidade: Deste modo, urbanidade, numa definição mais restrita, acontece quando o ambiente construído e suas estruturas auxiliares, sistemas de transporte, dentre outros, permitem ou mesmo potencializam encontros e a co-presença entre pessoas de classes ou estilos de vida distintos em espaços legitimamente públicos, dentro de um sistema probabilístico no qual essas pessoas, em suas rotinas, tendem a usar ou passar pelos mesmos lugares. (FIGUEIREDO, 2010, p.09)

Além da mistura de usos e do caráter democrático dos espaços públicos, existem ainda outras características que proporcionam espaços públicos de qualidade. Tais características têm sido denominadas “estruturas facilitadoras de urbanidade. Destacaremos aqui algumas delas como a prioridade ao pedestre, ciclista e transporte público como meio de locomoção; a predominância de quadras curtas; densidade suficiente; fachadas ativas das edificações e promoção de espaços públicos adequados e convidativos. O principio de prioridade ao pedestre, ciclista e transporte público como meio de locomoção vai na direção oposta à histórica postura das cidades brasileiras que têm dado prioridade a políticas e investimentos favorecedores ao transito de carros particulares. Segundo Lucas Figueiredo (2010, p. 11-12) essa postura resulta em espaços urbanos opostos ao que se deseja segundo os princípios de urbanidade. Ao contrário de ruas vibrantes com a presença de muitos pedestres, o uso crescente do automóvel produz ruas engarrafadas, poluídas e barulhentas. Além disso, a presença de muitos automóveis não produz a integração social, pelo contrário, as pessoas tendem a ficar isoladas. Alerta também para o fato de que as adaptações que dão prioridade ao uso do carro, na maioria das vezes, criam restrições à circulação de pedestres. O alargamento de vias muitas vezes significa o estreitamento de calçadas; ao passo que vias de transito rápido funcionam como barreiras físicas aos pedestres. Figueiredo completa seu pensamento afirmando que quanto mais se tente resolver os problemas de trânsito, continuandose a dar prioridade ao carro, o problema só tende a agravar em um ciclo

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vicioso continuo: O principal ciclo de realimentação do automóvel é conhecido: mais automóveis circulando geram mais engarrafamentos, aumentando os tempos de viagem, o que resulta numa queda da qualidade do serviço do transporte público; visto que o principal modal utilizado no Brasil é o ônibus. Por conseguinte, isto força os usuários do transporte público a migrar para o automóvel assim que possível, realimentando o ciclo. Ao mesmo tempo, intervenções como a construção de novas vias ou viadutos têm efeito paliativo. Elas atraem mais tráfego e logo há necessidade de novas intervenções – outro ciclo vicioso. (FIGUEIREDO, 2010, p.12)

O ponto de vista do autor afirma que o transporte público de qualidade, por sua vez, favorece o surgimento de ruas vibrantes, pois, além de distribuir pessoas por vários locais das cidades, o usuário de transporte público também é um pedestre, pois caminha entre sua casa e a parada, e da descida até seu destino, contribuindo com a vida urbana desses pequenos trechos. (FIGUEIREDO, 2010, p.13) A preferência pelo carro com a crença de que é um meio de transporte mais rápido de locomoção é uma armadilha de políticas públicas elitistas, pois os engarrafamentos, que são comuns nas grandes cidades brasileiras, barram a capacidade de velocidade dos automóveis tirando-lhe as vantagens ilusórias da velocidade e praticidade. Ademais, invariavelmente, o automóvel particular é um meio de transporte nada democrático, pois apenas uma minoria da população tem acesso a ele, enquanto a grande maioria fica a mercê de um transporte público sem qualidade. Como no Brasil esse transporte é, na maioria das vezes o ônibus, que concorre com o espaço dos carros particulares nas vias, os tempos de deslocamentos se tornam ainda mais demorados devido ao congestionamento causado principalmente por grande quantidade de carros particulares, na maioria das vezes com um ou dois passageiros. Jan Gehl é um dos maiores defensores de que seja dada prioridade ao pedestre e a um eficiente sistema de ciclovias. Trabalhou durante muito tempo de sua carreira profissional na prefeitura de Copenhague, tendo vindo a ser um dos idealizadores e responsáveis pelas mudanças realizadas no transito, através das quais foi implanto um sistema integrado de ciclovias, e importantes ruas da cidade tornaram-se exclusivas para pedestres. Hoje a cidade de Copenhague é considerada a grande cidade europeia com menos congestionamento. Segundo entrevista dada à revista especializada AU (Gehl, 2012), a convivência com sua esposa psicóloga, Ingrid Gehl, que sempre perguntava por que os arquitetos não pensam nas pessoas somente nos prédios, foi o que fez com que ele direcionasse sua carreira para o estudo de uma arquitetura e um urbanismo focado nas pessoas e na escala humana. Nessa mesma entrevista, fala da importância de um sistema de ciclovias e transporte público eficiente e faz uma crítica às cidades sul americanas: Se todas as cidades desenvolverem um sistema de ciclovias e de transporte público eficiente, se reduzirem a ênfase do transporte privado, conseguirão reduzir o trânsito. É o que tem sido feito em Copenhague. Aqui houve muito sucesso em transformar o trânsito

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de carros em um trânsito de bicicletas. (...) Aqui em Copenhague, há 40 ou 50 anos podemos dizer que o dia seguinte será sempre um pouco melhor do que foi o dia anterior. Porque temos uma boa política de tráfego. Mas em muitas cidades sul-americanas, há mais e mais congestionamentos. Cada dia é um pouco pior do que o dia anterior. Por anos e anos e anos. Para mim, é muito importante alcançar uma situação em que tudo fique melhor a cada dia. Que haja um pouco menos de carros que ontem, e mais pessoas na rua, e mais trens, trams, metrôs. Não é fácil. Mas muitas cidades já fizeram e isso pode ser feito (...) (GEHL, 2012 )

Vamos, então, ao quarto quesito proposto aqui nessa abordagem. A “Urbanidade também parece depender de fachadas ativas, permeáveis e com interfaces diretas entre o público e o privado (...).” (Figueiredo, 2010, p 15). Jacobs (2009, p.35-43) descreve o papel da existência dos olhos da rua, daqueles que estão dentro das edificações com contacto visual direto com as ruas. O que dá a sensação de segurança de uma lugar não é exatamente o número estatístico de ocorrências violentas, mas a sensação de espaço deserto, sem vigilância ou presença de outros olhos. O que caracteriza um espaço que nos sentimos seguros é a presença de movimento de pessoas que por sua vez se sentem seguros somente em espaços que tem a presença dos olhos das ruas presentes nas edificações com fachadas ativas adjacentes. Um claro exemplo dessa relação é o quanto nós nos sentimos inseguros em ruas com fachadas cegas ou muros extensos. É natural que ruas assim sejam abandonadas e consideradas inseguras, pois ao mesmo tempo em que as fachadas cegas não atraem nenhum uso àquele espaço, as pessoas se sentem inseguras por não haver a vigilância natural dos olhos das ruas. A tendência é que realmente espaços assim se tornem inseguros e marginalizados, pois a falta de movimento de pessoas e dos olhos da rua atraem para esses espaço pessoas que têm interesse exatamente em realizar atividades que não devem ser vistas por ninguém, como o uso de drogas, violência e assaltos. Nem sempre esses espaços se tornam concretamente inseguros, mas ainda assim a imagem de insegurança permanece na mente da população. Figueiredo (2010, p 15) considera as tipologias arquitetônicas que favorecem muros altos, torres e condomínios fechados como estruturas espaciais geradoras de desurbanidade. Afirma que o sentimento de insegurança compromete a liberdade das pessoas. “De fato, se o espaço urbano é considerado um lugar hostil, não há possibilidade de haver urbanidade.” (Figueiredo, 2010, p 15) Fachadas cegas, entradas afastadas ou reservadas, sem acesso direto à rua; zoneamento estrito de usos; e escalas e espaços mais apropriados ao veículo do que ao pedestre, dentre outras características, parecem ir de encontro a todas as propriedades mais comuns das cidades tradicionais, produzindo espaços públicos desérticos e desprovidos de vida. (FIGUEIREDO, 2010, p.09)

Outra característica fundamental para o florescimento de ruas vivas e diversas, fundamentais para a urbanidade, é uma alta densidade urbana. É muito simples deduzir que quanto maior o número de pessoas morando ou trabalhando em um lugar, mais provável é que as ruas sejam movimen-

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tadas e que haja demanda para o surgimento de um comércio intenso e diversificado. Durante muito tempo, as altas densidades foram consideradas prejudiciais às cidades, por se ter a crença de que altas densidades significariam insalubridade. Todavia, atualmente sabemos que existe uma infinidade de formas de atingir altas densidades sem comprometer a saúde das pessoas. (...) pessoas reunidas em concentrações de tamanho e densidade típicos de cidades grandes podem ser considerados um bem positivo, na crença de que são desejáveis fontes de imensa vitalidade e por representarem, num espaço geográfico pequeno, uma enorme exuberante riqueza de diferenças e opções, sendo muitas dessas diferenças singulares e imprevisíveis e acima de tudo valiosas por existirem. Dado esse ponto de vista, segue-se que a presença de grande quantidade de pessoas reunidas em cidades deveria não somente ser aceita de braços abertos como um fato concreto. Elas deveriam ser consideradas um trufo, e sua presença, comemorada (...). (JACOBS, 2009, p.244)

Ainda nesse tema, vale salientar o quão os vazios urbanos são prejudiciais à urbanidade. Um vazio urbano dentro de uma área com infraestruturas, além de representar um desperdício dos investimentos públicos, também representa uma forte estrutura de desurbanidade. Ao contrário da densidade, o vazio contribui para a destruição da vitalidade dos espaços, pois além de não agregar nenhum uso ao espaço, o que promoveria o movimento e a atração de pessoas, ainda trata de repeli-las, por representar necessariamente uma fachada não ativa, gerando insegurança e aumentando o percurso dos pedestres. Quadras longas também aumentam os caminhos dos pedestres e bloqueiam o contacto de atividades complementares que podem até estar próximas fisicamente, mas se tornam distantes por conta daquelas, impedindo “a formação de combinação razoavelmente complexas de usos urbanos cruzados” (JACOBS, 2009, p.200). Quadras curtas são vantajosas por multiplicar a possibilidade de caminhos para os pedestres, possibilitando que mais pessoas com interesses diferentes possam passar pelos mesmos lugares; e multiplicando também as esquinas, lugares com grande potencial de pontos de encontro, surgimento de comercio ou de serviços diferenciados.

Figura 1.1 corte esquematico visibilidade da rua por pessoas em edificios altos. Fonte: GEHL, 2012

É importante nos darmos conta de que densidade em grandes cidades pode ser atingida de várias formas. Se olharmos Paris ou Barcelona, as duas têm grande densidade e não são cheias de edifícios altos. O segredo é que, para fazer uma cidade com alta densidade e prédios baixos você precisa ser um bom arquiteto. Se não é um bom arquiteto, você sempre pode fazer um edifício mais alto. Torres altas são a resposta preguiçosa à densidade. Pode-se, sim, ter uma área com grande densidade, e com cuidadoso desenho da cidade e dos edifícios.(GEHL, 2012)

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Figura 1.2 Esquema quadras longas e quadras curtas. Fonte: JACOBS,

2009, p. 198 - 199 A alta densidade defendida anteriormente também tem vantagens quando associada à ideia de quadras curtas, pois, por maior que seja o nível de ocupação do solo, a abertura de mais ruas proporciona clareiras e desobstrução visual. “Quadras longas com alta ocupação do solo são opressivas. Ruas frequentes por serem aberturas na massa edificada, compensam o alto índice de ocupação do solo á volta delas.” (JACOBS, 2009, pp.240) O desenho urbano que prioriza o uso do automóvel naturalmente tende a possuir longas quadras, pois o maior número de cruzamentos não é bem visto por aumentar o tempo de deslocamento. Porém, em lugares que seja realmente possível e desejável que pedestres e ciclistas sejam priorizados em detrimento dos carros, as quadras curtas são ideais para fazer brotar ainda mais vida e urbanidade nos lugares. Um último ponto a ser abordado como crucial para a urbanidade das cidades é a existência de espaços públicos adequados e de qualidade. O termo ‘adequado’ não esta empregado aqui à toa, existem muitos espaços públicos que são inadequados para a urbanidade. As ruas e calçadas, por exemplo, são encaradas na maioria das vezes como espaços estritamente de passagem. Segundo Jacobs (2009) esse é um grande erro. Para ela, os espaços públicos mais vitais de uma cidade são justamente as ruas e calçadas. “Ao pensar em uma cidade, o que lhe vêm à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecem monótonas, a cidade parecerá monótona.” (JACOBS, 2009, p.29) Segundo a autora (JACOBS, 2009), é um erro pensar as ruas e calçadas como meros espaços de circulação de pedestres e veículos. O dimensionamento e desenho urbano das calçadas devem considerar a função social dessas de proporcionar encontros, conversas, jogos etc. As calçadas devem ser também continuação das edificações, permitindo colocação de mesas e cadeiras em frente a barzinhos, restaurantes, ou até a casas, sem

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que a circulação seja necessariamente prejudicada. O ideal seria que todas as calçadas pudessem ter dimensão suficiente para proporcionar diversos outros usos, além dos tradicionais usos de circulação, mas mesmo que não possam ser largas o suficiente para isso, é importante que sejam lugares agradáveis e bem estruturados para favorecer a urbanidade e a qualidade de vida da população. Outro tipo de espaço público muito importante são praças e parques. Esses espaços livres costumam ser sempre buscados e enaltecidos por planejadores urbanos, contudo Jane Jacobs (2009) alerta que existem algumas condições para que esses espaços sejam realmente benéficos para a cidade. Segundo ela, se não houver uma mistura suficiente de usos nas proximidades desses espaços para promover a constante circulação de pessoas, esses tendem a se tornar espaços perigosos, abandonados e degradados, sendo, dessa forma, geradores de desurbanidade. Como a autora Jane Jacobs é norte americana, tendo origem, portanto, em país com clima temperado, alerta também para a importância da localização em relação à massa edificada permitir a incidência solar nos espaços livres, com o escopo de atraiam as pessoas mesmo nos meses de inverno. No nosso caso, tropical, acho de fundamental importância considerar o raciocínio da autora para buscarmos exatamente o oposto. A existência de sombras nos espaços abertos é essencial para a permanência de pessoas em praças e parques, mesmo durante o dia, e nos meses mais quentes. Para essa qualidade, a intensa arborização, tanto de calçadas quanto de praças, melhora o conforto térmico e fortalece o apelo visual e paisagístico, tornando os espaços mais interessantes e aconchegantes. Jacobs também considera inadequados projetos que consistem em imensos espaços livres desproporcionais com edificações soltas, ou quando os espaços livres resultam apenas nas sobras de lotes. Afirma que deve ser clara a diferença entre o espaço público e o privado; e que os espaços livres devem ter um espaço bem delimitado, considerando que a “existência de construções a volta deles é importante nos projetos. Elas os envolvem. Criam uma forma definida de espaço, de modo que ele se destaca como um elemento importante no cenário urbano, em aspecto positivo e não um excedente superfulo” (JACOBS, 2009, p.115). Acrescenta que imensos espaços livres sem delimitação, ao invés de atrair as pessoas, acaba as repelindo, tornando-se espaços de mera contemplação, sem o uso e apropriação da população. Parte dos espaços livres das cidades tende a buscar características de monumentalidade. Federico Holanda (2010, p.09-10) faz uma diferença entre a “monumentalidade formal” e a “monumentalidade urbana”. A formal, embora tenha seu valor por remeter ao sublime, ao magnificente, não promove urbanidade; não são espaços pensados para a convivência das pessoas, mas para contemplação. Eles teriam sua existência justificada apenas para criar grandes símbolos superestruturais da ordem social política ou ideológica. Algumas das características desses espaços são: áreas de grandes dimensões, edifícios soltos lidos como volumes claros na paisagem, e ausência presença rotineira de habitantes. Exemplos desse tipo de monumentalidade são as Pirâmides de Guiza (Egito antigo), o Mall (Washington), a Avenida dos Mortos (Teotihuacán, México pré-Colombo),

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o centro cerimonial de Uxmal (maya, México pré-Colombo), a Cidade Proibida (Pequim, China) e a Esplanada dos Ministérios (Brasília). Já a monumentalidade urbana, é exemplificada por espaços livres como la Piazza San Marco (Veneza), Piazza della Signoria (Florença), Piazza del Campo (Siena), Cinelândia (Rio de Janeiro) e Praça Tiradentes (Ouro Preto). Esses espaços possuem características que permitem a convivência entre monumentalidade e urbanidade. “Essas praças incluem a vida rotineira da cidade, inclusive residências; estão sempre cheias de pessoas, paradas ou em movimento; são pequenas clareiras cercadas pelo denso e secular tecido da cidade.” (HOLANDA, 2010, p.09). Embora existam fortes criticas à monumentalidade formal da Esplanada dos Ministérios de Lúcio Costa por parte da literatura contemporânea, Holanda (2010) a considera legitima por ser um lugar simbólico por excelência. Porém, devemos vislumbrar com clareza a diferença entre essas duas categorias de monumentalidade para não confundi-las, promovendo espaços de monumentalidade formal e esperando que deles brote espontaneamente a urbanidade. Vale observar que a ideia de monumentalidade urbana de Frederico Holanda é condizente com as recomendações de Jane Jacobs para que os parques e praças tenham sucesso. Ambos descrevem espaços bem delimitados, inseridos na malha urbana, funcionado como clareiras cercadas por usos e edificações diversas. Grande parte dos estudiosos a respeito de urbanidade fazem fortes críticas ao movimento moderno. A setorização da cidade separando os usos habitacional, comercial e institucional; o planejamento voltado para ao automóvel; a implantação de tipologias habitacionais soltas no lote e as extensas quadras são alguns exemplos de práticas incentivadas pela teoria da arquitetura e urbanismo modernos que vão de encontro aos princípios de urbanidade já descritos anteriormente. Jan Gehl (2012) afirma que a escala humana foi perdida, isto é, que se consolidou uma maneira de projetar tecnocrata que não produz cidades boas para viver: O que mais me incomoda na arquitetura modernista é o fato de que é uma arquitetura pensada de cima para baixo e não o contrário, como devia ser. O exemplo de Brasília é emblemático – tanto que costumo me referir a “síndrome de Brasília” quando vejo locais muito grandiosos e sem nenhuma conexão com as necessidades de seus habitantes. Brasília até impressiona vista de cima, da janela do avião, mas lá embaixo, no nível do olho humano, ela não cumpre nenhum dos critérios que fazem de uma cidade um lugar bom para viver. Alguns dos espaços em Brasília estão entre os piores que já vi na vida. A cidade é monumental demais, desagradável para caminhar. Nos anos 60, quando esse tipo de traçado se popularizou, ninguém sabia nada sobre a interação das pessoas com o espaço que elas habitavam. O que se sabia era como planejar uma cidade tecnocrática. O viés modernista, que prioriza o prédio e ignora o que está a sua volta, não produziu cidades boas para viver. (GEHL, 2012 In Revista Veja 29/08/2012, p.21)

Jane Jacobs também faz ácidas críticas ao movimento moderno. Afirma

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que o planejamento urbano ortodoxo (moderno) considera as ruas um lugar ruim para as pessoas, afastando as pessoas dos espaços públicos e as colocando voltadas para dentro, para uma área verde cercada. Caracteriza sua obra ‘Morte e Vida de Grandes Cidades’ como um “ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes (...), uma tentativa de introduzir novos princípios no planejamento urbano e na reurbanização, diferentes daqueles que hoje são ensinados em todos os lugares” (JACOBS, 2009, p.01). Considera que Le Corbusier via as cidades como um brinquedo mecânico maravilhoso e que a influência de suas ideias no planejamento urbano das cidades resultou em um impacto negativo: A cidade dos sonhos de Le Corbusier teve enorme impacto em nossas cidades. Foi aclamada deliberadamente por arquitetos e acabou assimilada em inúmeros projetos, de conjuntos habitacionais de baixa renda a edifícios de escritórios. Além de tornar pelo menos os princípios superficiais da Cidade-Jardim superficialmente aplicáveis a cidades densamente povoadas, o sonho de Le Corbisier continha outras maravilhas. Ele procurou fazer do planejamento para automóveis um elemento essencial de seu projeto, e isso era uma ideia nova e empolgante nos anos 20 e inicio dos anos 30. Ele traçou grandes artérias de mão única para transito expresso. Reduziu o número de ruas, porque os cruzamentos são inimigos do tráfego. Propôs ruas subterrâneas para veículos pesados e transportes de mercadoria, e claro, como os planejadores da Cidade-Jardim, manteve os pedestres fora das ruas e dentro dos parques. A cidade dele era como um brinquedo mecânico maravilhoso. (JACOBS, 2009, p.23)

As cidades tradicionais, por sua vez, tendem a apresentar naturalmente as características de urbanidade. A obra de Jane Jacobs é considerada um elogio às estruturas das cidades tradicionais. Seria então o planejamento que promove a desurbanidade? Figueiredo (2010, p. 08-09) discorda dessa ideia. Admite que existe uma tendência a pensar dessa forma, mas considera esta uma falsa ruptura: É comum descrever cidades que cresceram de maneira ‘orgânica’ ou não coordenada como geradoras de urbanidade, algo que as cidades planejadas não conseguiriam replicar. Essa, no entanto, é um falsa ruptura. Os mesmos processos não coordenados que produzem lugares com urbanidade podem produzir desurbanidade. (FIGUEIREDO 2010, p.09)

Complementa seu pensamento afirmando que as cidades brasileiras são exatamente o que deveriam ser de acordo com as decisões políticas e de planejamento. Isto é, se as decisões forem diferentes, priorizando a urbanidade, o planejamento urbano pode sim produzir cidades cheias de vida e de urbanidade. Uma outra abordagem que articula muito bem conceitos de qualidade de vida e eficiência ecoenergética na forma urbana é a ideia de ‘cidades compactas’, que tem como principais atributos a alta densidade associada a usos mistos, argumentando a importância de reduzir distâncias de deslocamentos para aumentar a qualidade de vida e diminuir os gastos de energia e emissão de gases poluentes. (Acserald, 2009, p. 60). Não nos deteremos a essa temática por entendermos que o conceito de urbanidade,

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já explorado, é mais abrangente já tendo sido explorada a importância das altas densidades e usos mistos. Entretanto, nem sempre as ideias relacionadas à qualidade de vida estão vinculadas à abordagem ecológica. Gehl (2012) faz crítica à cidade de Dubai por aparentemente dar prioridade a preocupação com o meio ambiente, porém de forma desvinculada com a preocupação de garantir a qualidade de vida para as pessoas: (...) O fato de uma cidade ter uma preocupação com o meio ambiente não é, absolutamente, garantia de que ela esteja voltada para a necessidade de seus habitantes, que transcendem muito a questão ecológica. Dubai, como já disse, retrata bem isso. Os edifícios de lá foram quase todos erguidos para economizar energia, mas a cidade como um todo, não é nada agradável. No fundo, não é nada verde. Faltam áreas onde as pessoas possam caminhar, se esbarrar e se falar, produzindo aquela efervescência típica dos locais bons para viver. Há, em Dubai, áreas onde nem sequer existem calçadas, o que força as pessoas a usar o carro. Não basta, portanto, adotar uma cartilha de regras ecologicamente corretas e achar que isso fará um lugar mais agradável. É preciso ir muito alem disso ao pensar centros urbanos modernos. Eles devem ser como uma boa festa. (...) Se você fica em uma festa por mais tempo do que planejava, é porque se divertiu. Toda cidade deveria ser como aquela festa que dá certo, em que as pessoas se sentem tão bem e tão a vontade que acabam ficando. (GEHL, 2012, p.21)

Podemos observar que esses dois sentidos atribuídos à sustentabilidade urbana, técnico-material e busca pela qualidade de vida, são abordagens conceitualmente diversas, mas que, na aplicação prática, possuem algumas interseções. A abordagem da cidade compacta é exemplo disso. Entraremos agora no terceiro sentido atribuído a sustentabilidade segundo Acserald, trata-se da concepção de que a cidade é um espaço de legitimação de políticas públicas. Cidade como espaço de legitimação das políticas urbanas. Esse último sentido atribuído à “sustentabilidade urbana” está relacionado com a capacidade dos governos de atender as necessidades de sua população de forma equilibrada. “A insustentabilidade exprime, assim a incapacidade de as políticas urbanas adaptarem a oferta de serviços urbanos a quantidade e a qualidade das demandas sociais”. (ACSELRAD, 2009, p.61) Acredita-se que quando o crescimento urbano não é acompanhado por investimentos em infraestrutura, a oferta de serviços urbanos não acompanha o crescimento da demanda. A falta de investimentos na manutenção dos equipamentos urbanos virá, por sua vez, acentuar o déficit na oferta de serviços, o que se refletirá espacialmente sobre forma de segmentação socioterritorial entre populações atendidas e não atendidas por tais serviços. Esse processo exprime-se sob forma de uma “queda da produtividade política dos investimentos urbanos”, incrementado os graus de conflito e incerteza no processo de reprodução das estruturas urbanas. (...) (ACSELRAD, 2009, p.62) A erosão da legitimidade das políticas urbanas pode fundarse assim, na insuficiente adesão à racionalidade econômica, causa suposta do desperdício da base de recursos, ou,

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alternativamente, na ausência de priorização de mecanismos distributivos do acesso a tais serviços. (...) (ACSELRAD, 2009, p.63)

Dessa forma, esse aspecto da sustentabilidade coloca em pauta a questão da equidade no plano urbano. Entende que é dever de uma boa governança fornecer boas condições de vida para todos, colocando a provisão de serviços e de infraestruturas urbanas de maneira justa e equilibrada como um quesito fundamental para alcançar a situação desejável de “sustentabilidade urbana”. No panorama urbano brasileiro, onde grande parte das grandes cidades é marcada por uma escandalosa segregação sócio-espacial, caracterizada principalmente pelo contraste entre áreas com infraestrutura e acesso a serviços e outras completamente esquecidas pelo poder público, esse debate ganha especial importância. Conceitos de grande relevância para esse tema referente ao papel da equidade social na noção de sustentabilidade são as noções de justiça ambiental e direito à cidade. O movimento de justiça ambiental nascido nos anos 1980, nos Estados Unidos, é uma corrente do ambientalismo diferente do movimento ambiental preservacionista - que pensa na conservação dos ecossistemas virgens, e da ideia da ecoeficiência - que tenta tornar o modo de produzir e utilizar equipamentos humanos menos impactantes ambientalmente. A concepção de justiça ambiental coloca o acesso a um meio ambiente equilibrado e com qualidade como um direito humano que todos devem poder usufruir. Seu debate coloca em pauta a questão de que muitas vezes a produção industrial e as dinâmicas sociais e territoriais do sistema capitalista acabam por privar populações do acesso e usufruto de ambientes físicos saudáveis e seguros de moradia ou de subsistência. As reivindicações por justiça ambiental se fazem pertinentes tanto em ambientes rurais como urbanos. No primeiro, podemos exemplificar a luta de Chico Mendes contra o desmatamento da Floresta Amazônica, em defesa da criação de reservas extrativistas para subsistência e permanência de povos indígenas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco e populações ribeirinhas. Já no debate urbano, foco de nossa abordagem, podemos colocar a situação de precariedade ambiental que se encontram milhares de famílias que, em consequência da segregação socioterritorial e da exclusão do mercado imobiliário formal, vivem sob o risco de vida e doenças em encostas de morros, áreas alagadiças, proximidade de indústrias ou lixões tóxicos, e em locais sem saneamento básico. Alier (2007) apresenta com muita propriedade os princípios desse movimento: O movimento pela justiça ambiental (...) explicitamente incorpora uma noção distributiva da justiça. Poderia ser argumentado que a justiça ambiental potencialmente intui um aspecto existencial, qual seja, o de que todos os seres humanos necessitam de determinados recursos naturais e uma certa qualidade do meio ambiente para asseguraram sua sobrevivência. Nessa perspectiva, o meio ambiente converte-se em um direito humano. (...) (ALIER, 2007, p.275) (...) O eixo principal dessa corrente não é uma reverencia sagrada a natureza, mas, antes, um interesse material pelo meio ambiente como fonte de condição para a subsistência; não em razão de uma preocupação relacionada com os direitos das fu-

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turas gerações de humanos, mas, sim, pelos humanos pobres de hoje. (...) Sua ética nasce por uma demanda de justiça social contemporânea entre os humanos. (...) (ALIER, 2007, p.34)

A grande importância da abordagem da justiça ambiental é justamente unir princípios de inclusão social á lógica ambientalista. Segundo Clarissa Freitas (2004), quando o movimento ambientalista não se preocupa em entender a lógica da produção do espaço, acaba por legitimar processos que beneficiam interesses particulares específicos e acentuam a segregação social. Isso ocorre porque, não raro, o mercado imobiliário e o poder público utilizam o argumento da preservação ambiental para legitimar ações e interesses que vão muito além da mera preocupação ambiental. Exemplos dessa postura é o excesso de cuidado ambiental em áreas nobres, não por preocupações eminentemente ecológicas, mas como forma valorizar ainda mais os terrenos adjacentes, em contraposição com o descaso com a situação de famílias que sofrem todos os anos com enchentes. Este tipo de ambientalismo desconectado com a realidade social da maioria dos moradores está fadado ao fracasso. Na melhor das hipóteses, o movimento vai ser capaz de proteger os recursos naturais em situações que se encaixam na agenda desenvolvimentista, não se tratando, portanto, de uma posição pró-ativa. [...] (...) Esta linha de raciocínio, não diminui a importância das causas ambientais globais, mas sim apresenta a causa dos desfavorecidos urbanos como uma causa de proporções globais, cuja solução pode vir a ser a mais barata de todas. (FREITAS, 2004)

O ‘direito a cidade’ tem um viés semelhante ao da justiça ambiental, mas é focado nas questões urbanas especificamente, colocando a questão de provisão de terra urbana com infraestrutura e acesso a equipamentos de maneira equitativa como essenciais para sustentabilidade das cidades. Esse direito está legitimado no Brasil através da Lei nº 10.257, o Estatuto da Cidade. Esta lei tem por objetivo garantir a função social da propriedade, combater a especulação imobiliária e garantir o direito a cidade para todos os habitantes urbanos. O inciso primeiro do artigo segundo do Estatuto da Cidade enuncia: Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte a aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. (SENADO FEDERAL, 2008, p.15)

De acordo com a noção de direito à Cidade contido na citada, o poder público teria o dever de garantir não apenas a moradia, ou seja, a casa em si, mas o acesso às oportunidades e qualidade ambiental urbana em uma política de real inclusão territorial. Esse direito bate de frente com os interesses imobiliários das elites urbanas brasileiras que só vêem o direito a propriedade privada, retendo grande parte dos terrenos urbanos vazios em áreas com infraestrutura disponível, enquanto milhares de pessoas ocupam áreas sem infraestrutura em péssimas condições de salubridade ambiental e sanitária.

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Uma reflexão teórica pertinente a essa questão é que até o principal filosofo fundador das correntes políticas modernas do liberalismo, que idealizou e introduziu a ideia de Estado Liberal e propriedade privada na sociedade, John Locke, se oporia conceitualmente a essa conduta de retenção especulativa de terras. Já em 1714, em “Segundo Tratado Sobre o Governo”, Locke (2005) institui e definiu a ideia de propriedade privada, porém ressaltou que esta deve existir para usufruirmos, de modo que, o que estiver além disso (do usufruto da propriedade), excede a sua parte e pertence a outros. Talvez a isso se objete que, se o ato de colher uma bolota ou outros frutos da terra etc. dá direito a eles, qualquer um poderá açambarcar tanto quanto queira. Ao que eu respondo que não. A mesma lei da natureza que por este meio nos concede a propriedade, também limita essa propriedade. Deus deu-nos de tudo em abundancia é a vossa razão confirmada em revelação. Mas ate que ponto ele nolo deu? Para usufruirmos. Tanto quanto qualquer pessoa possa fazer uso de qualquer vantagem da vida antes que se estrague, disso pode por seu trabalho, fixar a propriedade. O que quer que esteja além disso excede sua parte e pertence aos outros. Nada foi feito por Deus para que o homem estrague ou destrua. E assim, considerando-se a abundancia de provisões naturais que por muito tempo houve no mundo e quão poucos havia para gastá-las, e a que pequena parte dessa provisão o esforço de um único homem poderia estender-se e açambarcá-la para prejuízo dos demais, especialmente mantendo-se nos limites fixados pela razão do que poderia servir para seu uso, pouco espaço poderia haver para querelas ou contendas acerca da propriedade assim estabelecida. (LOCK, 2005)

Transcrevo essa passagem de Locke para enfatizar que a questão aqui posta, da equidade urbana, não fere em nada o principio da propriedade, contanto que se entenda esta com o bom senso que o próprio criador de seu conceito teve. A propriedade é legitima desde que não se coloque acima da satisfação das necessidades de outros. O conceito de função social da propriedade propõe que os terrenos urbanos devem cumprir uma função, não podendo estes ficaram sem uso apenas para valorização especulativa. O Estatuto da Cidade reconhece esse conceito e legitima diversos instrumentos que tem por objetivo conter a especulação imobiliária urbana e fazer cumprir a função social da propriedade. Mais adiante exploraremos melhor esses instrumentos. Afinal, o que seria então a cidade sustentável? Tentamos colocar ate aqui alguns sentidos que a concepção de cidade sustentável possui na atualidade. Não é intenção deste trabalho, todavia, eleger uma concepção que seja a mais correta ou conceber uma definição fechada. A própria imagem de um “modelo de cidade” seria perigoso e suspeito, tendo em vista que a própria cidade é um fenômeno social em constante mudança. Portanto, o debate sobre a cidade desejável deve ser continuo. Nada obstante, alguns princípios podem lhe ser norteadores. As abordagens propostas por Acselrad (2009) - da sustentabilidade técnicoEM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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material, busca por qualidade de vida e legitimação das políticas públicas através da busca pela equidade - foram exploradas e aprofundadas nesse trabalho, por acreditarmos que cada uma delas tem bastante a contribuir com as cidades que desejamos. Considero que a indissolubilidade entre preocupações de cunho ambiental e de inclusão social sejam talvez o principal elo norteador para uma abordagem contemporânea e coerente da sustentabilidade, tanto no âmbito do planejamento urbano, como em qualquer outra disciplina. Já podemos observar alguns avanços nesse sentido nas abordagens oficiais sobre sustentabilidade urbana. Durante muito tempo o PIB (Produto Interno Bruto) e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) foram considerados o principal indicador para fazer referência ao nível de desenvolvimento das cidades. Recentemente, no mês de setembro de 2012 a ONUHabitat (Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos) lançou um novo parâmetro de avaliação das cidades. Este, chamado de “Índice de Prosperidade das Cidades”, considera novos parâmetros, buscando superar a ideia de que o crescimento econômico é o único indicador de prosperidade. Nesse novo índice, são considerados cinco diferentes áreas de avaliação, são eles: produtividade, infraestrutura, igualdade, qualidade de vida e sustentabilidade ambiental. Em um mundo com cidades em que só os negócios importam na maioria das decisões políticas, esse novo índice demonstra um avanço, colocando em cheque cidades que se pretendem prosperas com base na segregação, distribuição desigual de infraestruturas e descaso com as pessoas. De fundamental importância para concluirmos o que seria a “cidade sustentável” é o resgate do conceito de cuidado essencial proposto por Leonardo Boff, referido no inicio desse texto. O cuidado essencial proposto por Boff seria o oposto do paradigma da conquista, “quem cuida não se coloca sobre o outro, dominando-o, mas junto dele, convivendo, dandolhe conforto e paz.” (2012, p.93) Considero que, para uma cidade ser realmente sustentável, deve haver um cuidado essencial da gestão urbana para com seus habitantes citadinos e o meio ambiente urbano; além de um cuidado essencial entre os habitantes e o espaço urbano em si. “Cuidado essencial”, apesar de ser um conceito subjetivo, deve ser considerado também como principio ético fundamental. Por exemplo, um bom juiz, ao interpretar as leis, aplicando-as ao caso concreto, deve fazer a pergunta introspectiva, estou sendo justo em minha decisão? Estou promovendo a justiça entre os envolvidos? Justiça também é um conceito subjetivo. Dessa forma, faço uma analogia em relação à atividade profissional do arquiteto urbanista ou planejador que pretende promover a cidade sustentável. Ao compor uma equipe de projeto ou de planejamento urbano, deve se perguntar internamente: estou garantindo o cuidado essencial com os cidadãos e com o ambiente urbano? Isso em muito contribuiria para uma conduta ética apropriada para promover cidades sustentáveis. Um bom caminho para alcançar o cuidado essencial seria promover a participação e o diálogo ente os diversos atores sociais, sobretudo entre poder público e população. A atitude de escutar e considerar as opiniões e necessidades do outro, em si, já é uma atitude de cuidado. Ao mesmo

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tempo em que o sentimento de cuidado das pessoas em geral para com o espaço urbano é adquirido quando as pessoas se sentem pertencentes a ele e criam uma relação de afeto com o lugar, promover mecanismos de diálogo e democracia direta eleva as possibilidades de satisfação e sentimento de pertencimento, pois, ao possibilitar a participação das pessoas comuns nas decisões, as chances de o espaço urbano realmente refletir prioridades e desejos da população aumentam consideravelmente. A satisfação das pessoas com o espaço de sua cidade promoveria, assim, o cuidado da população com a própria cidade, pois “só se protege aquilo que se ama, e só amando o espaço do seu quotidiano a população será capaz de protegê-lo e de zelar por ele” (NYGAARD, 2010, p. 56). Existe também uma estreita relação entre a possibilidade de participação e a garantia dos sentidos de sustentabilidade colocados aqui. Nygaard (2010) coloca a existência do dialogo entre os diversos grupos sociais e a provisão de infraestrutura e a qualidade ambiental como itens essenciais para a sedimentação da urbanidade e qualidade de vida na cidade: É interessante observar que a interação entre a população e seu espaço se dá de forma espontânea, naturalmente, como que atendendo aos chamados do prazer da vida. E mais, essa interação constrói vínculos afetivos, promove expressões culturais, desenvolve sociabilidades e contribui, de forma decisiva, para sedimentar a urbanidade e vivência da cidadania. A qualidade dessa interação, no entanto, tem muito a ver com a qualidade ambiental do espaço, como infraestruturas, localização, dimensões, mobiliários, elementos naturais, equipamentos, segurança etc., sem os quais essa interação poderá não ocorrer, ou ocorrerá em condições adversas hostis, provocando manifestações predatórias e agressivas, antissociais, com reflexos claramente negativos para a vida urbana. Sendo a qualidade ambiental condição para uma interação positiva entre a população e o espaço da cidade, ela não pode ser estabelecida de qualquer maneira, ou imposta de forma arbitrária por algumas poucas pessoas. Deve ser discutida entre todos os grupos sociais em condições igualitárias, devendo a qualidade de vida urbana, a sedimentação da urbanidade e a vivencia da cidadania constituir propósitos comuns. (NYGAARD, 2010, p. 54)

O Estatuto da Cidade também reconhece a importância da promoção de mecanismos de participação, apontando como uma diretriz geral da política urbana a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (SENADO FEDERAL, 2008, p.15). No próximo item iremos resgatar um pouco da história da urbanização brasileira na tentativa de entender, a partir do ponto de vista dos conceitos de sustentabilidade urbana aqui postos, por que nos sentimos vivendo em cidades cada vez mais caóticas, hostis e segregadas; por que estamos cada vez mais inseguros e menos à vontade no espaço público de nossas cidades; e porque isso tudo tem haver com uma produção insustentável de nossas cidades ao longo do tempo.

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1.4.

A (in)sustentabilidade das Cidades Brasileiras

As cidades brasileiras são fortemente marcadas pelo paradoxo entre duas realidades urbanas completamente diferentes: a cidade legal, e a cidade ilegal. Essa dualidade denuncia a forte estratificação socioespacial de nosso país e um processo de urbanização desordenado e não inclusivo. Essas duas “cidades” obedecem á lógicas de produção do espaço completamente diferentes, embora a dinâmica de uma, invariavelmente, influencie na dinâmica da outra, e essas estejam em constante disputa territorial no lócus da cidade. A cidade formal é a que possui infraestrutura e serviços urbanos, onde regras de uso e ocupação do solo têm de ser obedecidas, pois as construções são legais, aprovadas previamente na prefeitura. É nessa parte bem servida da cidade que habitam as classes sociais mais privilegiadas. É a cidade do mercado imobiliário formal. Porém, uma outra cidade existe em meio a esta, a cidade das ocupações irregulares, da infraestrutura precária, das áreas de risco, das chamadas favelas, lugares esquecidos historicamente pelo poder público durante décadas. Nessas áreas habita a parcela da população que não tem acesso ao mercado formal de habitação, encontrado como alternativa de moradia a autoconstrução em áreas rejeitadas pelo mercado formal de terras e imóveis. “Não se trata de um ‘Estado paralelo’ ou universo partido. A realidade é bem mais complexa. Uma ambiguidade entre o legal e o ilegal perpassa todo o conjunto da sociedade”. (MARICATO, 2001, p.222) Essa forte dualidade é reflexo de uma sociedade e uma maneira de produzir as cidades altamente elitista e desigual. Não é possível entender as cidades brasileiras e suas dinâmicas sem considerar a ambiguidade entre esses dois mundos. Traços de insustentabilidade são encontrados tanto na cidade formal, como na informal, mas é exatamente no ínterim dessa dualidade que mora os maiores nós das cidades brasileiras. “Em suma, o Brasil é um país exacerbadamente elitizado, que precisa urgentemente começar a mudar essa situação. Suas cidades, que são o reflexo no espaço dessa sociedade desequilibrada, também precisam urgentemente mudar.” (FERREIRA, 2011, p.06) Vamos explorar as dinâmicas de produção do espaço nessas duas situações urbanas, analisando-os de acordo com os aspectos de sustentabilidade urbana aqui colocados. Dinâmica da cidade formal. A dinâmica de produção do espaço da cidade formal é guiada principalmente pela lógica do poder econômico e por instrumentos regulatórios (Planos diretores e uso e ocupação do solo) e intervenções e normas urbanísticas que, na maioria das vezes, estão baseados nos princípios do movimento moderno.

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banísticos que, na maioria das vezes, estão baseados nos princípios do movimento moderno. (Planos diretores e uso e ocupação do solo) e intervenções e normas urbanísticas que, na maioria das vezes, estão baseados nos princípios do movimento moderno. Um dos reflexos dessa forma de produzir a cidade é a priorização do automóvel evidenciada tanto na forma do espaço urbano como no volume de investimentos públicos dedicados ao alargamento de vias e construção de viadutos, favorecendo esse tipo de transporte, em detrimento de investimentos em boas calçadas, ciclovias e transporte público de qualidade. Nessas ações, podemos enxergar a visão do movimento moderno do urbanismo que idealizou cidades produzidas para os carros, a exemplo de Brasília, mas é também uma postura elitista, que favorece as classes dominantes, mantendo-as longe do convívio social da parcela da população desfavorecida. Não podemos olvidar também o interesse econômico em manter a produção e venda de automóveis, pois a industrialização brasileira tem na indústria automobilística um de seus pilares. Como já explicitado anteriormente, a priorização do automóvel é um fator de desurbanidade (FIGUEIRERO, 2010), que prejudica a qualidade de vida das cidades. O transito caótico típico das metrópoles brasileiras causa não apenas um grande prejuízo à qualidade de vida, mas também ao meio ambiente, devido emissão de gases e a poluição sonora, tornando o ambiente urbano um lugar extremante desagradável e hostil nas horas de rush. No entanto, o transporte público no Brasil não conta com os incentivos governamentais concedidos ao automóvel particular, apesar de responder por uma parcela importante das viagens em áreas urbanas. O serviço é público, mas funciona em regime de concessão à empresas privadas, com exceção dos sistemas de metrô que são federais ou estaduais. Deste modo, o sistema é organizado muito mais em função de ser economicamente viável, produzindo algum lucro para seus operadores, do que em função da qualidade dos serviços. Além disso, como visto anteriormente, o crescimento do número de automóveis particulares em circulação provoca um aumento considerável nos tempos de viagem, que no transporte público são ainda mais longos por causa do tempo de espera inicial e das constantes paradas para coletar ou distribuir passageiros. (FIGUEIREDO 2010, p.13-14)

Heranças também do movimento moderno, legitimadas nos códigos de uso e ocupação do solo, seriam tipologias arquitetônicas não favorecedoras da urbanidade e a tendência à separação de usos. A exigência de edifícios soltos no lote e a permissividade indiscriminada da verticalização, aliados aos interesses de maximização dos lucros das construtoras, acabam por produzir tipologias arquitetônicas que negam o espaço público, como condomínios habitacionais fechados e shopping centers voltados para dentro de seus micromundos particulares. Essas tipologias resultam em extensas grades ou muros e a forte tendência da separação dos usos induzidos pela forma de ocupação do lote. A forte tendência à supervalorização do espaço privado em detriEM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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mento do espaço público, torna, cada vez mais, as cidades brasileiras desprovidas de urbanidade e afirma a realidade de apartheid social. Ferreira (2011) descreve muito bem essas tipologias arquitetônicas, chamando a atenção também para os fatores de prejuízo ambiental como o alto índice de impermeabilização do solo urbano: A arquitetura que impera é a da extrema verticalização capitaneada pelo mercado imobiliário, a transfigurar sem culpa bairros tradicionais, produzindo prédios isolados no lote, cercados e murados, que renegam a rua e a cidade. A opção desenfreada pelo modelo do automóvel em detrimento de sistemas de transporte coletivos – que a arquitetura endossa alegremente – alimenta a oferta generalizada de unidades habitacionais com às vezes mais de dez vagas de garagem, o que leva à impermeabilização total do solo, afetando sem parcimônia a drenagem urbana e o escoamento de águas. Os apartamentos oferecidos, por trás de algum estilo sedutor, estão cada vez menos generosos, mais apertados, menos ventilados, substituindo preciosos metros quadrados nas unidades habitacionais por espaços coletivos no térreo, bem mais econômicos (para as construtoras), sob o glamour das denominações da moda: espaços gourmets, fitness-centers, etc. A lógica de construir condomínios murados com equipamentos de lazer e até comércio, ao invés de se abrir para a cidade, produz uma malha urbana segmentada, pouco fluida, e que vai aos poucos aniquilando a possibilidade de espaços públicos de qualidade. Praças, jardins e árvores para que, se é possível ter tudo isso de maneira exclusiva, nas mini-cidades, ou cidadelas fortificadas, que se tornaram os condomínios? (FERREIRA, 2011, p. 04)

Além dessas formas urbanas que não favorecem a urbanidade, negam o espaço púbico, e comprometem a mobilidade urbana, há ainda que se chamar a atenção para o fator que talvez seja o mais complexo e crucial para entender como funciona a dinâmica da cidade formal: o mercado de terras. O que determina o preço da terra urbana é a sua localização, a existência de infraestrutura urbana na área e a proximidade de serviços, comércio e possíveis recursos paisagísticos. Sendo assim, os investimentos públicos em determinada área tem relação direta com o preço da terra. É preciso considerar que a dinâmica da cidade formal obedece à lógica do capitalismo, do mercado imobiliário, da força do poder econômico. Em grande parte das vezes o poder público também acata esses interesses. O reinvestimento (público) em infraestrutura nessas áreas privilegiadas já providas de infraestrutura em detrimento de outras áreas muito mais necessitadas; a grande quantidade de vazios urbanos, reflexo da especulação imobiliária; e a crescente verticalização dessas áreas são reflexos diretos dessa dinâmica guiada pelo poder do capital e acatada e respaldada pelo poder público. Pequeno (2012) assevera que a ausência de planejamento e de uma política regulatória durante anos deixou a cidade a mercê das regras do mercado imobiliário, favorecendo a acentuação das disparidades sócio-espaciais: Na ausência de uma política urbana que estabelecesse os procedimentos a serem seguidos na elaboração de processos de planejamento, bem como que regulasse a aplicação dos instrumentos de

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gestão do solo urbano, resulta de forma generalizada, um processo de urbanização recente marcado pela desordem, pela disparidade sócio-espacial, ficando as cidades, salvo algumas exceções, à mercê das ações de especuladores imobiliários, os quais muitas vezes atrelados ao Estado, otimizaram retornos de investimentos, promovendo a deterioração do ambiente urbano.(PEQUENO, 2012)

A existência dessa dicotomia entre áreas bem servidas de infraestrutura e áreas totalmente carentes acentua a disputa por terra urbana servida, sendo a atividade de especulação imobiliária - retenção de terrenos urbanos esperando sua valorização – uma atividade de grande lucratividade típica do mercado imobiliário brasileiro. Essa hipervalorização da terra e a retenção de vazios em áreas urbanas é altamente prejudicial para a cidade e para a população, pois torna a cidade com infraestrutura ainda mais inacessível e impede que o solo urbano cumpra sua função social.

Dinâmica da cidade informal. Paralelamente à dinâmica guiada pelo grande capital do mercado imobiliário e pelas normas urbanísticas, um outro mundo totalmente diverso acontece à margem das regras, fora da lei. A lógica da cidade informal segue a lógica do crescimento espontâneo, da luta diária pela sobrevivência e permanência na cidade, gerando uma maneira de produzir o espaço totalmente diferente, com regras e dinâmicas próprias. Diferente do traçado regular, das vias largas, das edificações soltas no lote e projetadas por profissionais especializados; a cidade informal possui, na maioria das vezes, traçado irregular, labiríntico, com vielas, becos sem saída e edificações autoconstruídas a maneira de cada morador. Construções essas que nunca se concluem, estão em reforma constante, ampliando ou subindo um segundo andar para um parente que chegou do interior ou um filho que vai casar e ainda não tem condições comprar ou construir sua própria casa. Jacques, Paola Berenstein (2011) descreve o processo de construção do abrigo nesse mundo informal desde a fase de barraco, com materiais rústicos, até a fase da construção em alvenaria, que, mesmo aparentemente consolidada, permanece em constante movimento baseado em um processo fragmentário de evolução: Os primeiros barracos das favelas são construídos com fragmentos de materiais heteroclíticos, recolhidos pelo próprio construtor. Esse construtor, no mais das vezes, é o favelado, que recebe ajuda de sua família e de seus vizinhos, e seu objetivo inicial é construir um teto para abrigar os seus. Esse primeiro abrigo, extremamente precário, é a base de uma futura evolução. (...) Nunca há projeto preliminar para a construção de um barraco. Os materiais recolhidos e reagrupados são ponto de partida da construção, que vai depender diretamente do acaso dos achados, da descoberta de sobras interessantes. Os materiais são encontrados em fragmentos heterogêneos; a construção, feita com pedaços encontrados aqui e ali, é forçosamente fragmentada no aspecto formal. Á medida que o abrigo vai evoluindo, os pedaços menores vão sendo substituídos por outros maiores e o aspecto fragmentado da construção vai ficando cada vez menos evidente. O último estagio da evolução de um abrigo preEM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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cário – a casa em alvenaria, sólida – já não é formalmente tão fragmentado, muito embora não deixe de ser fragmentário: a casa continua evoluindo.(...) As construções numa favela – e, consequentemente, a própria favela – jamais ficam de um todo concluídas. (...) A construção é quase cotidiana: é continua, sem término prévio, pois sempre haverá melhorias ou ampliações a fazer. A maneira de construir, ao contrário da maneira convencional, é implicitamente fragmentária, em função desse continuo estágio de incompletude. Uma construção convencional, ou seja, uma arquitetura feita por arquitetos, tem um projeto que determina o fim, o momento de parar, a conclusão da obra. Quando não há projeto, a construção final não tem uma forma final preestabelecida e, por isso, nunca termina. (JACQUES, 2011, p.27-28)

Esse processo de evolução do abrigo relatado de forma tão singular por Jacques, nem sempre é completo. Em ocupações mais antigas, por exemplo, as construções de alvenaria já são preponderantes há algumas décadas. A fase da ocupação inicial, dos abrigos rústicos, foi vivida por gerações anteriores. Os habitantes atuais, muitas vezes, já nasceram em casas de alvenaria e muitas vezes até compram casas dentro da ocupação quando decidem formar sua família, existindo, dessa forma, um mercado imobiliário informal paralelo. Nesse caso o que é vendido é a casa; o terreno, na maioria das vezes, não é próprio. Mas o que é interessante observar é a permanência dessa dinâmica de constante mudança, esse constante estado de reforma. Jacques (2011) define o espaço da favela, tanto habitacional como urbano, como “espaço-movimento”. O que se preserva ao longo do tempo não é a forma, mas a dinâmica de permanente estado de mudança. Jacques pontua que, como resultado desse processo, existe uma estética própria das ocupações irregulares, denominada por ela de “estética da ginga”, e defende que as favelas fazem parte de nosso patrimônio cultural e artístico brasileiro. Além do aspecto estético-formal reconhecido por Jacques (2011), existem ainda outros aspectos positivos que devem ser considerados. Diferente da cidade formal, a população das ocupações irregulares se reconhece como uma comunidade, possuindo nesses lugares informais um sentido de coletividade desafiador da “era do individualismo” em que vivemos nos dias atuais. Talvez sejam exatamente as dificuldades impostas pela exclusão histórica dessa população que há décadas tem de se virar independentemente da provisão e assistência do poder público, que fortaleça esse sentimento de coletividade. A relação com o espaço público também é diferenciada. Como dissemos, que na cidade formal existe uma forte tendência à desvalorização dos espaços públicos, e hipervalorização do privado. A “vida de comunidade” acontece muito fora de casa, embora a qualidade do espaço público geralmente seja duvidosa, salvo os casos que já receberem melhorias por projetos de urbanização. Em contrapartida, os

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cenários das vielas de ocupações irregulares geralmente transmitem uma ideia muito mais forte de urbanidade do que a maioria dos bairros formais: são velhos que jogam dominó nas calçadas, crianças correndo, e um passapassa de gente a todas as horas do dia. Contudo, ainda que aparentemente sejam espaços providos de urbanidade, essa temática causa opiniões diversas entre os autores. É bem verdade que algumas estruturas de urbanidade são normalmente encontradas no espaço informal como as fachadas ativas, a prioridade na circulação de pedestres nas ruas, os usos mistos (geralmente com pequenos comércios locais) e a alta densidade. Andrade, Luciana (2010), considerando que o espaço com urbanidade deve ser acolhedor e permitir o convívio e circulação de pessoas de diversas classes sociais e estilos de vida, questiona a presença de urbanidade na favela. Queixa-se que, em seus trabalhos realizados em favelas, ela tinha que obrigatoriamente contar com um guia morador, não apenas para localiza-la, mas para legitimar sua presença. Nesse ponto o espaço da favela não seria considerado detentor de urbanidade, pois normalmente restringe a presença de pessoas de fora. A autora relativiza também a existência de urbanidade no espaço da favela considerando a má qualidade dos espaços públicos e de lazer, mas, por outro lado, reconhece a intensidade da vida social e o desejo de comunicação interpessoal como atribuição legitima de urbanidade desses espaços. Conclui seu pensamento afirmando que o espaço da favela tem sim seu grande potencial de urbanidade, embora deva ser considerado que essa urbanidade tem características totalmente diferentes da urbanidade ligada à ordem e qualidade urbana das cidades dos países desenvolvidos. Aparte o reconhecimento da estética peculiar e o do grande potencial de urbanidade existente nas favelas, essenciais para entendermos a dinâmica desses lugares e reconhecermos a existência de potenciais positivos nesses espaços, devemos levantar ainda outras questões. Existem problemas intrínsecos relacionados a esse mundo informal, que acompanham a história das ocupações, restringindo o pleno direito a cidade. Ainda quando as ocupações, ao longo do tempo e do esforço pessoal e coletivo nos moradores, conseguem se consolidar com habitações de alvenaria, o espaço permanece com problemas estruturais. Alguns desses problemas são: 1. A carência total ou parcial de infraestrutura urbana - principalmente saneamento básico; 2. A insegurança fundiária; 3. A carência de ventilação e iluminação natural nas construções, comprometendo sua salubridade; 4. A carência ou precariedade de banheiros nas habitações; 5. A coabitação; 6. A precariedade, ou inexistência de áreas livres de lazer; 7. O dano ambiental e social das ocupações em áreas de risco e ambientalmente frágeis; 8. A criminalidade e altos índices de violência, geralmente relacionados com uso e/ou tráfico de drogas; 9. A estigmatização negativa e generalizante dos habitantes favela-

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dos pela sociedade. As ocupações irregulares são lugares historicamente esquecidos pelo poder público. Esse esquecimento, ou rejeição, acaba por desencadear diversos problemas, tanto para os moradores da própria ocupação, como para toda a cidade. A negação de infraestrutura urbana para esses espaços, por exemplo, é um exemplo significativo dessa postura de descaso. Algumas áreas são carentes até de luz elétrica, de água encanada e de coleta de lixo. Porém, atualmente, a maioria delas já conquistou esses serviços, sendo a precariedade mais comum e grave a carência parcial ou total de saneamento básico. É comum a presença esgoto a céu aberto, ligações clandestinas na rede de drenagem, despejo in natura dos dejetos nos recursos hídricos, ou, na melhor das hipóteses, a utilização do sistema fossa sumidouro. Essa situação insustentável e absurda representa não apenas a falta de justiça ambiental, devido à insalubridade ambiental causada, como também um grande prejuízo ao ambiente de toda a cidade, através do risco de contaminação do solo, do lençol freático e dos recursos, sem falar no problema de saúde pública, consequente desse panorama. A questão da insegurança fundiária acontece justamente por conta de se tratarem de ocupações “irregulares”. Entretanto, ainda quando a ocupação é bastante antiga, o poder público e mercado imobiliário utilizam essa “carta na manga” para legitimar a continuidade de exclusão, desterritorialização e periferização da população de menor renda, de acordo com interesses políticos e econômicos, através da desapropriação de comunidades inteiras com o argumento da irregularidade da propriedade dos terrenos. Dessa forma, a população dessas comunidades vivem sob constante ameaça e terror psicológico de serem expulsos de seu local de moradia e vida, onde, com muito trabalho e tempo, conseguiram construir um lar. Todos esses problemas fazem parte da dinâmica e da história das ocupações irregulares no Brasil. A população sem acesso ao mercado formal, mas que ainda assim tem interesse de estar próxima aos serviços urbanos e as oportunidades de trabalho da cidade, acabam por ocupar, muitas vezes, áreas que colocam em risco sua própria integridade física, mas que permitem algum acesso aos benefícios de morar na cidade. Os terrenos ocupados, em grande parte das vezes são ambientalmente frágeis, configurando as áreas de risco com encostas de morros, beiras de rios, proximidade a industrias, lixões, entre outros. Essa realidade brasileira vai de encontro à noção de justiça ambiental e direito à cidade anteriormente apresentados, sendo um forte indicador de insustentabilidade urbana, tanto do ponto de vista ambiental, quanto social. A posição de Maria Lúcia Martins expõe muito bem que a questão da irregularidade da moradia no Brasil faz parte da grande pauta ambiental urbana: O quadro de persistente permanência e ampliação da irregularidade dos assentamentos urbanos particularmente em áreas ambientalmente sensíveis levou á clara identificação de que a questão ambiental urbana – o avanço sobre áreas ambientalmente sensíveis e protegidas – é intrinsecamente associada á questão da moradia, á falta de oportunidades alternativas. Do ponto de vista ambiental, essa é presentemente a grande pauta

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urbana. Pensar o tema ambiental nas grandes cidades brasileiras implica em discutir a questão do modelo de desenvolvimento urbano. É fundamental assumir que, sem forte investimento e prioridade ao desenvolvimento social, será impossível conseguir condições ambientais minimamente razoáveis, ainda que todas as indústrias sejam sujeitas um forte e eficiente controle ambiental (...). (MARTINS, 2011, p. 138)

Um outro sério problema ligado à população que habita ocupações irregulares é a estigmatização do favelado de maneira negativa, criminalizante e generalista. Quer dizer, por haver violência e delinquência dentro da favela, é gerado um preconceito com todos os habitantes que não possuem acesso ao mercado formal de habitação, consequentemente moradores de ocupações irregulares, ampliando as restrições dessa população ao acesso a cidade formal. Fernandes, Fernando Lannes (s/d) alude a esse problema, como sendo uma característica fundamental da destruição da urbanidade na cidade como um todo: A destruição da urbanidade, ao nosso entender, significa a restrição dos espaços de encontro e convívio, em que as diferenças se confrontam. Significa, também, a existência de mecanismos que cerceiam determinados atores sociais de participar da vida urbana em sua plenitude, o que representa sérios danos ao exercício da cidadania. Ao limitar as utilizações e apropriações de determinadas parcelas do espaço urbano pelos pobres da cidade, o projeto conservador de cidade não apenas reforça a distância entre os entes que compõem o cenário urbano – dificultando, com isso, o exercício pleno da democracia e o respeito à alteridade -, como, também, estigmatiza ainda mais os moradores de favelas. Neste sentido, a atribuição de determinadas representações, como aquelas pautadas no discurso criminalizante, contribui para que as favelas e seus moradores tornem-se ainda mais distantes da vida da cidade, num sentido simbólico e mesmo prático, na medida em que possuem dificuldades em encontrar emprego ou, por exemplo, quando são abordados de forma violenta e desrespeitosa pela polícia. (FERNANDES, s/d, 02)

O problema da violência, da criminalidade e do trafico de drogas dentro do espaço da favela, realmente existente, não será tratado aqui como problema primordial. Reconhecemos que a violência urbana, de fato, compromete o sentido de urbanidade dos espaços. Porém, o cenário alarmante de violência nas cidades decorre de um processo muito mais violento de exclusão social refletido em todos os níveis, não apenas territoriais, ligados às questões urbanísticas, mas também relacionado restrição do acesso á educação de qualidade, ao acesso ao lazer e à cultura e às oportunidades de crescimento profissional e intelectual. Portanto, esse trabalho considerará que o esforço para mitigar a violenta segregação socioespacial é, primordialmente, uma alternativa indireta de contribuir para diminuição da violência urbana. Voltando à temática da forma de produção habitacional nas ocupações irregulares, espontânea, autoconstruída, sem projetos arquitetônicos preliminares. A questão da insalubridade da edificação, relacionada à carência de ventilação e iluminação natural e a precariedade ou inexistência de banheiros, é colocada como um dos grandes problemas habitacionais das favelas. De fato, as edificações raramente possuem aberturas em todos

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os cômodos, como foi idealizado pelo movimento moderno e está regulamentado pelas leis de usos e ocupação do solo. Intervenções de grande porte, alterando toda a estrutura urbana da favela, são justificadas pelo discurso sanitarista de ampliar as condições de salubridade das edificações. As condições econômicas restritas dos habitantes, aliadas à falta de infraestrutura de saneamento básico, levam também à precariedade ou inexistência de banheiros nas habitações. Esses dois problemas devem ser levados em consideração, mas de forma coerente com o real tamanho do problema. A Lei da Assistência Técnica n° 11.888, garante às famílias com renda de até três salários mínimos o direito à assistência técnica gratuita para projeto, construção ou reforma de suas moradias. Uma política pública eficiente que, ao mesmo tempo, garantisse o cumprimento dessa lei, concedesse linhas de crédito ou subsidio para realização de reformas e melhorias habitacionais, poderia encarar esse problema de maneira muito mais efetiva e justa do que as intervenções de grande porte. A utilização desses projetos poderia, ao mesmo tempo em que melhorasse as condições de banheiro e saneamento, colocar em prática soluções como fossos de ventilação, claraboias, sheds, lanternins, pequenos recuos, iluminação zenital através de telhas translucidas, pequenos pátios internos, entre outras soluções de domínio de profissionais da arquitetura e da engenharia civil que otimizam, através de pequenas intervenções, a qualidade ambiental das edificações, melhorando a ventilação e iluminação natural. Quanto à questão da coabitação, este sim é um grande problema. A densidade de habitações não obrigatoriamente é um problema de difícil solução, como exemplificamos. No entanto, a densidade de pessoas em uma mesma habitação devido à coexistência de mais de uma família na mesma unidade habitacional é um problema, não apenas de salubridade, mas social. A submissão a essa condição indica que as famílias excedentes não têm acesso à habitação na cidade. Um projeto de cidade que pretenda ser sustentável deve prover acesso à habitação decente não apenas a essas famílias, como também a todas as outras que vivem em condições de precariedade. A partir de então trataremos de maneira mais aprofundada da cidade informal, e a possibilidade de realização de intervenções urbanísticas que promovam a sustentabilidade urbana. A apresentação da dinâmica da cidade formal, e, posteriormente, a dinâmica da cidade informal, pretendeu demonstrar que ambas possuem fatores sustentáveis e insustentáveis, não sendo a cidade formal um modelo a ser seguido cegamente e nem a cidade informal um antro de problemas, onde nada deva ser valorizado e aproveitado. No quesito infraestrutura, e salubridade das edificações, sem dúvida a cidade formal é mais sustentável. Já no quesito vida pública, sentimento de comunidade e vitalidade das ruas, a cidade informal talvez tenha muito o que ensinar para alguns bairros formais repletos de condomínios fechados. Esse é apenas um exemplo simbólico, porem o objetivo desse trabalho não é eleger onde mora a sustentabilidade, mas colocar a importância da urbanização de ocupações irregulares como ação essencial para diminuir a segregação sócio-espacial e a injustiça ambiental tão presentes no

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espaço urbano brasileiro. O apartheid social talvez seja o indicador brasileiro de insustentabilidade urbana mais latente brasileiro e desencadeador de tantos outros fatores de insustentabilidade, como o prejuízo à qualidade de vida, grandes danos ambientais e a ineficiência de políticas públicas que estão longe de promover a equidade social neste cenário. Este trabalho procura defender também que a intervenção em ocupações irregulares, não se trata apenas de implantação de infraestrutura básica quase como uma atitude caridosa. Essas ocupações têm sua própria dinâmica, e esta deve ser considerada para a concepção de intervenções que possam ser, de fato, sustentáveis e respeitosas para com os habitantes ali residentes. Existem potencialidades e riquezas do ponto de vista artístico e urbanístico que devem ser, não apenas preservadas, como exploradas e potencializadas. Jacques (2011) critica a lógica histórica do tratamento das ocupações irregulares, propondo uma nova postura que considere e valorize a complexidade cultural e riqueza formal próprios da favela: Do caso mais extremo em que a favela era removida e seus habitantes relocados em conjuntos habitacionais cartesianos modernistas, até o caso mais brando atual, em que os arquitetos passaram a intervir nas favelas existentes visando transformá-las em bairros, a lógica racional dos arquitetos e urbanistas, ainda prioritária, acaba impondo sua estética, quase sempre a da cidade dita formal. Para que se torne possível a boa integração com o restante da cidade, a favela deve se tornar um bairro formal comum. Mas as favelas não fazem parte da cidade a mais de um século? Será necessária essa integração formal? Não seria uma imposição autoritária de uma estética formalista visando à uniformização do tecido urbano? Por que não assumir de uma vez a estética das favelas sem imposições estéticas, arquitetônicas e urbanísticas dos atuais projetos de urbanização, que acabam provocando a destruição da arquitetura e do tecido urbano original da favela para criar novos espaços sem identidade própria, dos quais, muitas vezes, a população local não se apropria, e que ficam rapidamente deteriorados e abandonados? Por que o modelo do bairro é sempre exemplo a ser seguido em detrimento do inventivo e rico, tanto cultural quanto formalmente, processo espacial da favela? Porque não buscar respeitar a especificidade da favela, tentando aprender com sua complexidade cultural e riqueza formal? (JACQUES, 2011, p.17-18)

Apreendendo a postura de Jacques como válida, e, reconhecendo os enormes problemas existentes no espaço informal, o maior desafio em um projeto de intervenção em uma ocupação irregular é exatamente conciliar a provisão de infraestrutura, melhora na qualidade dos espaços públicos, mitigação dos riscos, garantia da segurança fundiária, sem que a comunidade perca sua identidade com o local; identificar as riquezas e potencialidades preexistentes no espaço, fortalecendo-os, entendendo sua dinâmica e colocando-a a favor da urbanidade, da qualidade ambiental e do fortalecimento do sentido de comunidade.

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Por Que Estamos Diante de um Momento Histórico Oportuno e Urgente? 1.5.

Breve histórico da ocupação irregular e das políticas habitacionais no Brasil. A existência desses espaços informais na cidade se deu a partir de um crescimento urbano desordenado e excludente. O século XX é marcado pelo processo de industrialização brasileiro, havendo um grande fluxo campo - cidade, por uma população que acreditava encontrar na cidade maiores oportunidades. Nesse contexto, o Brasil passa por um processo de inversão espacial, em poucos anos deixa de ser um país rural e passa a ser um país urbano. O gráfico a seguir mostra esse processo de inversão espacial ao longo dos anos:

Gráfico 1.1 População urbana e rural - 1950 a 2000. Fonte: IBGE apud CAIXA ECONOMICA FEDERAL, 2001, p. 16. Fonte ECONOMICA FEDERAL, 2001, p. 16.

Sucede que esse crescimento populacional urbano não foi acompanhado da provisão habitacional e de uma infraestrutura urbana suficiente para atender as novas demandas e tampouco de um planejamento urbano inclusivo. Renato Pequeno (2011) explica muito bem esse contexto: O processo de urbanização brasileira, em especial aquele ocorrido ao longo da segunda metade do século XX, trouxe para as nossas cidades expressivos continentes populacionais. Motivados pela possibilidade de trabalho assalariado na indústria, dentre outras facilidades que a cidade poderia ofertar, milhares de famílias se deslocaram do campo para as sedes dos municípios. A concentração da propriedade da terra, associada a mecanização da agricultura e a ineficaz política de desenvolvimento rural, também contribuiu para que o pais assistisse a um dos mais intensos fluxos migratórios de nossa história. Despreparadas para a chegada dos migrantes, o crescimento de nossas cidades se deu de forma desordenada, marcado pelas descontinuidades físico-territoriais, pelas desigualdades socioespaciais e pelas precariedades urbanas. Em contraposição ao quadro alarmante que ora se apresentava, algumas tentativas foram delineadas com vistas a formulação de uma política de desenvolvimento urbano. Todavia, as mesmas não vieram a lograr êxito, seja pelo caráter tecnocrático de suas estratégias de implementação, seja pelo não enfrentamento dos problemas reais que afligiam as cidades brasileiras. (PEQUENO, 2011, p.15)

Para entender como esse cenário de irregularidades se formou no Brasil, a tabela a seguir faz um apanhado geral, relacionando contexto histórico

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e ações do poder público. Essa tabela foi elaborada a partir de duas referências bibliográficas: Pequeno (2008) e Caixa Econômica Federal (2011). Período histórico

Contexto histórico

Ações do poder Público

virada do século XIX e no inicio do XX

Inicio da industrialização brasileira.

Intervenções urbanas com caráter embelezador nos centros das cidades.

Cortiços nas áreas centrais.

Poder público ainda não se manifesta na provisão habitacional.

sanitarista

e

Produção em série de unidades para locação. Surgimento dos primeiros núcleos de habitação irregular nas franjas periféricas. Déc. 1930, 1940 e 1950 (Estado Novo)

Crescimento e solidificação da industrialização brasileira. Mentalidade que a cidade representa o avanço e o campo o atraso.

IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões) criação das carteiras prediais, reduzindo taxas de juros. Declaração da lei do inquilinato – congelamento dos alugueis (1942-1964) - causa o esfriamento do mercado de imóveis para locação, fazendo a lógica da propriedade privada substituir a moradia de aluguel. Para as populações não vinculadas a organizações trabalhistas, restou a aquisição de lotes em assentamentos periféricos sem infraestrutura e a autoconstrução das habitações. 1946- Criação da Fundação da Casa Popular- Não consegue se firmar.

Déc. 1960 e 1970 (governos militares)

Permanente reestruturação institucional associada à instabilidade da política econômica posterior à fase do milagre brasileiro.

1964- Formação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) com recursos do FGTS (Fundo de Garentia por tempo de Serviço) e SBPA (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo).

Emergência de movimentos sociais organizados que culminaram no surgimento do Movimento Nacional pela Reforma Urbana.

Criação das COHABs (Companhias de Habitação).

Indução do crescimento das cidades através de grandes conjuntos

Criação do BNH (Banco Nacional da Habitação).

Projetos habitacionais sem participação popular. Financiamento habitacional por faixa salarial. Demora no reconhecimento da favela como forma de moradia, sendo a remoção e o reassentamento como única alternativa.

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Período histórico

Contexto histórico

Ações do poder Público

Déc. 1980 e 1990

Crise econômica – inflação, desemprego, queda dos níveis salariais.

1986- BNH foi extinto como medida de controle da inflação e suas atribuições foram transferidas a Caixa Econômica Federal.

Desequilibrio do SFH.

Descontinuidade das ações pela mudança de endereço institucional em diferentes ministérios da competência da política habitacional.

(conhecidas como décadas perdidas)

Setor privado prover habitação apenas para o setor de maior renda. Aceleramento do processo de favelização, ocupações irregulares nas periferias e áreas de risco.

Descentralização perversa – municipalidades desprovidas de um aparato institucional e de recursos financeiros próprios. Planos diretores que não retratavam a realidade e a dimensão dos problemas urbanos. Projetos pioneiros de urbanização de favelas em São Paulo.

Déc. 2000 e 2010

Crescimento econômico e estabilidade política.

2001- Aprovação no Estatuto das Cidades – Lei Federal n 10.257.

(Era Lula: ampliação dos programas sociais)

Cidades marcadas pela forte segregação sócioespacial, com grandes áreas ocupadas irregularmente.

2003- Criação do Ministério das Cidades.

Crescente especulação imobiliária. Reconhecimento da favela como forma de moradia. Projetos de urbanização de Favelas e regularização fundiária. Produção de casas em larga escala com qualidade arquitetônica duvidosa, permanecendo o padrão de periferização (PMCMV).

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2004- aprovação da Política Nacional de Habitação (PNH) que é viabilizado pelo Plano Nacional de Habitação (PLANAB). SNH – divide-se em SNHIS (sistema nacional de habitação de interesse social) que atende a populações de ate 5 salários mínimos, com ações de urbanização de favelas e remoção e realocação de famílias em áreas de risco; e o SNHM (Sistema Nacional de Habitação de Mercado) que atende a população de 5 a 10 salários mínimos. 2007- Lançamento do PAC (programa de aceleração do crescimento) que visa impulsionar o crescimento das cidades, cabendo a Caixa as ações relativas a habitação, saneamento e infra-estrutura urbana. 2008- Foi lançado do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) como medida de manter o crescimento econômico brasileiro em um cenário de crise financeira internacional através do aquecimento da industria da construção civil. O programa propõe a construção de habitações populares em larga escala para as faixa de renda de 0 a 3 SM, de 3 a 6 SM e de 6 a 10 SM.


Como mostra a tabela, já foram realizadas algumas tentativas de implementação de políticas públicas habitacionais, apesar de nenhuma ter sido suficiente para resolver o problema. Merece destaque a Política Nacional de Habitação da década de 1960 e 1970, comandada pelo extinto BNH. Segundo Rolnik e Nakano (2009), a política habitacional do BNH serviu muito mais para dinamizar o mercado imobiliário de médio e alto padrão do que para realmente resolver o problema habitacional da população de zero a três salários mínimos, que realmente representa a maior parte do déficit habitacional brasileiro até os dias de hoje. No tocante às ações destinadas à população de baixa renda, cerca de apenas 30% das moradias produzidas com financiamentos do SFH do BNH, sempre se caracterizavam por conjuntos habitacionais localizados nas periferias urbanas, em locais onde a terra é barata por não possuir acesso a infraestruturas de saneamento básico e transporte coletivo, não ter equipamentos comunitários de educação, saúde, lazer e cultura, não apresentar oferta de empregos, “enfim, por não ser cidade.” ( ROLNIK E NAKANO, 2009) Segundo Pequeno (2008), esse período de políticas públicas habitacionais induziu o crescimento urbano e a periferização através desses conjuntos habitacionais afastados. Afirma também que não havia ainda o reconhecimento da favela como forma de moradia, sendo a remoção e o reassentamento a postura mais frequente. Vale resaltar também que o BNH foi criado durante o governo militar, portanto, essas políticas habitacionais estavam longe de buscar algum diálogo com a população. Com a crise econômica caracterizada pela instabilidade e inflação flutuante das décadas seguintes, 1980 e 1990, o cenário de problemas urbanos no Brasil passa por um considerável agravamento. A própria crise gera desemprego, níveis salariais baixíssimos, impulsionando ainda mais o volume de ocupações irregulares. A política habitacional existente é abandonada, o BNH é extinto como medida de controle da inflação, e a competência é passada para a Caixa Econômica Federal. Entretanto, cada vez menos recursos são destinados a esse setor. A política federal passa a ser fragmentada e descontínua, marcada pela mudança de endereço institucional em diferentes ministérios. Com o enfraquecimento da política federal, há um processo de descentralização. Dessa forma, os municípios passam a ser responsáveis pela política habitacional, porém, sem verba suficiente nem aparato institucional para enfrentar o problema. Apenas municípios da região sudeste promoveram ações significativas. Podemos destacar, nesse contexto, as ações da prefeitura de São Paulo, o Favela Bairro no Rio de Janeiro, e o Programa de Urbanização de Favelas em Belo Horizonte. Essas ações já fazem parte de uma nova postura de políticas públicas. As favelas, ou ocupações irregulares passam a ser vistas como dinâmica característica da produção habitacional da cidade. Dessa forma, as políticas, a partir do inicio da década de 1990, passam a não mais exclusivamente promover a remoção e reassentamento, mas iniciam a atuação através da urbanização dos assentamentos com vistas a promover infraestrutura, regularizar os terrenos e melhorar a qualidade do espaço.

Tabela 1.2 HISTÓRICO POLITICAS HABITACIONAIS E URBANIZAÇÃO BRASILEIRA. Produzida pela autora a partir das referências bibliográficas: Pequeno (2008) e Caixa Econômica Federal (2011). Fonte : ECONOMICA FEDERAL, 2001, p. 16.

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A opção de urbanizar favelas, tanto tem a ver com a percepção da dimensão gigantesca do problema, reconhecendo-se que seria inviável uma postura de remoção em massa, como também é uma maneira de manter as relações de vizinhança, de amizade e de trabalho e de aproveitar os investimentos que cada família já empreendeu em suas moradias ao longo dos anos. Essa postura também alberga a vantagem de evitar o reassentamento dessas populações em áreas periféricas da cidade, como ocorria nas políticas anteriores. Momento atual. O momento atual brasileiro é bastante peculiar, pois finalmente vivemos um momento de estabilidade política e econômica. Contudo, a dimensão do problema já alcança níveis absurdamente preocupantes. Ao mesmo tempo, ocorre uma crise financeira internacional e o Brasil vem adotando estratégias para que essa crise não abale sua estabilidade. O ambiente urbano, tendo passado décadas sem mecanismos de planejamento inclusivos, encontra-se dominado por fortes interesses econômicos do mercado imobiliário que não está nem um pouco intencionado a tornar o espaço urbano mais democrático. Interesses tais que se encontram ainda mais fortalecidos e respaldados no contexto de prosperidade econômica e realização de megaeventos no país. Porém, devemos considerar alguns significativos avanços. Após um longo processo de luta e debates envolvendo movimentos populares urbanos, universidades, entidades técnico-profissionais e sociedade civil em negociação com órgãos públicos e empreendedores privados, foi aprovado, em julho de 2001, o Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257). Essa lei aponta diretrizes e instrumentos dando condições para a política municipal de cada localidade promover a gestão democrática das cidades, garantindo a função da propriedade e o direito à cidade e à moradia para toda a população. Dentre os instrumentos criados, podemos destacar as ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social. Essas zonas devem ser demarcadas através do Plano Diretor, que deverá ser participativo. Em Fortaleza, existem três tipos de ZEIS. A ZEIS 01 – tipo ocupação - que corresponde a áreas irregularmente ocupadas que devem ter prioridade de urbanização e regularização fundiária. A ZEIS 02 – tipo conjunto - são conjuntos habitacionais ou loteamentos que nunca foram regularizados, e o instrumento ZEIS deve possibilitar sua regularização e melhoria de infraestrutura. A ZEIS 03 – tipo vazio – corresponde a áreas vazias dotadas de infraestrutura, dentro da malha urbana, mas que não cumprem sua função social. Essas áreas devem ser áreas prioritárias para habitação de interesse social. (CEARAH PERIFERIA, 2009) É importante que existam ZEIS tipo vazio, próximas a ZEIS tipo ocupação, pois geralmente em os projetos de urbanização de assentamentos precários é necessário haver espaço de reserva para reassentar famílias que vivem em áreas de risco, que precisam ser removidas para possibilitar obras de infraestrutura, ou que vivam em condição de coabitação. Embora a concepção atual de urbanização de favelas, aponte para o mínimo de

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remoções possível, justamente para que não seja perdido o vinculo com o lugar e com a sua comunidade, existem casos em que a remoção é necessária. Nesses casos, é indicado que o reassentamento seja o mais próximo possível de sua antiga moradia, não apenas situado no mesmo bairro, mas também dentro ou próximo do espaço territorial reconhecido pelos moradores como pertencente a sua comunidade. Além das ZEIS, existem ainda outros instrumentos importantes de serem mencionados. Os instrumentos “do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”, “do IPTU progressivo no tempo” e “da desapropriação com pagamento em títulos” são instrumentos que devem ser utilizados de forma associada e têm por objetivo conter a especulação imobiliária, pressionando os proprietários de imóveis subutilizados a darem um uso a seus terrenos, sob pena de pagarem o valor do imposto IPTU progressivamente mais caro, e, caso continuem sem cumprir a função social da propriedade, poderão até ter o imóvel desapropriado com pagamento simbólico em títulos da dívida pública. O instrumento “do usucapião especial de imóvel urbano” também merece destaque, pois esse permite a regularização fundiária coletiva para comunidades que permanecem por mais de cinco anos ininterruptamente e sem oposição em terrenos de propriedade particular ou pública. O instrumento “do direito de preempção” permite que o poder público municipal tenha preferência para aquisição imóvel urbano. Esse instrumento contribui para que a prefeitura adquira reserva fundiária em locais estratégicos para interesses do bem comum, como a regularização fundiária, projetos habitacionais, equipamentos urbanos comunitários, ordenamento e direcionamento da expansão urbana, criação de espaços públicos e áreas verdes, e proteção de áreas de interessa histórico, cultural ou paisagístico. (SENADO FEDERAL, 2008) Embora ainda não haja uma aplicação sistêmica desses instrumentos, apesar de o Estatuto da Cidade já ter sido aprovado há mais de uma década, devemos comemorar esse avanço institucional. De acordo com Arlete Moisés (2004) apud Pequeno (2008), “explicitar que somos um país desigual, que nossas cidades são fragmentadas e socialmente injustas, foi o principal ganho trazido com o Estatuto da Cidade”, tornando a favela um problema central dos debates urbanos. Dentre os grandes avanços da década de 2000, podemos mencionar também a criação do Ministérios das Cidades em 2003, como importante instituição orientadora do planejamento urbano, que aprovou em 2004, a Política Nacional de Habitação – PNH e o Sistema Nacional de habitação de Interesse Social – SNHIS, assumindo de uma vez a questão como um problema nacional. O PAC – Programa de Aceleração do Crescimento –, lançad0 em 2007, tem o objetivo de “impulsionar o crescimento brasileiro e universalizar os benefícios econômicos e sociais para todas as regiões do país” (CAIXA, 2011), buscando mitigar o déficit de saneamento, da habitação e de urbanização nas favelas, através da destinação de grandes valores monetários para tal fim.

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O PMCMV - Programa Minha Casa Minha Vida também é lançado, em 2008, como programa habitacional, nesse contexto de avanços, porem sob uma circunstância diferente. Não surge apenas com o objetivo de contribuir para a resolução do problema do déficit habitacional, mas também como política anti-cíclica para aquecer a construção civil, mantendo o crescimento econômico nacional, em meio à crise financeira internacional à qual o Brasil teme ser incorporado. O programa propõe dar à população acesso ao mercado habitacional, através da produção habitacional subsidiada e em larga escala. O público alvo se divide em setores por faixa salarial: de zero a três S.M. (salários mínimos), de três a seis S.M. e de seis a dez S.M. . Em meio a tantos avanços, existem também alguns retrocessos. O Programa Minha Casa Minha Vida vem sendo comparado por diversos autores com as ações do extinto BNH. O esforço de manter a construção civil a pleno vapor vem produzindo conjuntos periféricos, monótonos e de baixa qualidade arquitetônica. A política de produção habitacional não se articula com os instrumentos do Estatuto da Cidade que poderia apontar caminhos para viabilizar projetos mais inseridos no tecido urbano. Desse modo, apesar de termos um grande avanço institucional a partir tanto do Estatuto quanto do Ministério das Cidades, a maior produção habitacional continua a ser realizada desconectada com esses avanços, reproduzindo uma política semelhante ao período tão criticado do BNH. Rolnik e Nakano (2009) fazem sérias criticas a esse modelo de produção habitacional, desconectado com o planejamento, e de produção de casas sem cidades: Um pacote Habitacional – ainda em gestação - composto por uma série de medidas destinadas a estimular a produção habitacional e manter o crescimento dos setores imobiliários e da construção civil, tem sido anunciado como um dos elementos da estratégia governamental para impulsionar o crescimento da economia brasileira e enfrentar os efeitos da crise global que se originou nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo. A mobilização de investimentos públicos, notadamente em setores de uso intensivo e mobilização rápida de mão de obra, como é o caso da indústria da construção civil, tem sido uma das clássicas soluções Keynesianas para momentos de crise. Estimular a produção de moradias, neste contexto, parece ser duplamente atraente: estimula-se a indústria, gera-se empregos e enfrenta-se uma questão cadente na sociedade brasileira – a absoluta precariedade que caracteriza a moradia da maior parte da população, combatendo a reprodução das favelas e periferias do país. Será? Podemos afirmar que algumas medidas do pacote habitacional que estão sendo anunciadas ( e a ausência de várias outras) nos fazem antever um impacto urbanístico semelhante ao vivido no período no BNH. (...) (...) O modo de produção de moradias populares sem cidades têm consequências graves que acabam prejudicando a todos. Além de encarecer a extensão de infraestruturas urbanas que precisam alcançar locais cada vez mais distantes, o distanciamento entre os locais de trabalho, os equipamentos urbanos e as áreas de moradia aprofundam as segregações sócio-espaciais e encarecem os custos da mobilidade urbana. [...]

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No momento em que se discute a destinação de grandes montantes de recursos para financiar a produção e comercialização de moradias populares, em que se tem a proposta inédita de um Plano Nacional de Habitação, com metas e vários instrumentos articulados entre si, é preciso aproveitar aqueles esforços e avanços nacionais para fortalecer a capacidade de planejamento e gestão territorial nos municípios de modo a viabilizar a produção habitacional para a população com renda até três salários mínimos em áreas inseridas nas cidades, com urbanidade e condições para o desenvolvimento social. (...) É necessário discutir os impactos dos empreendimentos imobiliários nas condições de vida, na instituição ou destituição de direitos sociais, no ordenamento territorial e no funcionamento das cidades. No Brasil, onde as cidades são marcadas pelas expressões profundas das desigualdades e exclusões sócio-territoriais, o principal sentido dos processos de produção de moradias é engendrar cidades e urbanidades para garantir o bem estar e o desenvolvimento das pessoas. Estamos diante de uma bela oportunidade. Não vamos criar as armadilhas sedutoras dos números: um milhão de moradias? Sim, mas, onde, como e para quem? (RONIK et alli, 2009)

Outro fator essencial para entendermos o momento peculiar em que vivemos é o contexto de mudanças ocasionado pela preparação e chegada de dois megaeventos que o país receberá nos próximos anos. A Copa do Mundo da FIFA em 2014, que ocorrerá em várias metrópoles brasileiras; e as Olimpíadas esportivas, que ocorrerão na cidade do Rio de Janeiro em 2016. Esse contexto impulsiona todo um processo de transformações nas cidades, alterando o andamento das ações e do planejamento. Há uma significativa inversão de prioridades, pela qual a preparação e realização do evento torna-se item de prioridade e mobilização nacional, alterando a dinâmica, principalmente, mas não unicamente, das cidades sede. Segundo Sanchez (2009), as operações de marketing city encontram oportunidades excepcionais em contextos de megaeventos. Essas ações têm por objetivo inserir as cidades no mercado internacional através da construção imagética das cidades. “O importante, segundo o discurso que as sustenta, é que motivem dinâmicas transformadoras, alavancas para o desenvolvimento, ainda que os espaços que eles resultem reiterem a fragmentação social.” (SANCHEZ, 2009, p.182) Essas ações ligadas ao marketing city têm por si só uma forte tendência promover projetos promotores da “gentrificação” de áreas urbanas. Os impactos sociais desse processo são tamanhos que movimentos populares urbanos se organizaram em comissões chamadas: “Comitês Populares da Copa”, com o intuito de denunciar injustiças e reenviar direitos fundamentais que são violados em decorrência das ações impulsionadas pelo contexto dos megaeventos. Dentre os documentos produzidos, cabe ressaltar o “Dossiê Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos”. O referido dossiê chama à atenção principalmente para as remoções de comunidades inteiras e a violação de leis, configurando um “estado da exceção” justificado pela realização do megaevento. Embora as ações de remoções geralmente tenham suas justificativas oficiais relacionadas a EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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obras de infraestrutura viária, de transporte público, construção de equipamentos, ou até mesmo sob o argumento de melhorar a vida da população, ainda que contra sua a vontade e sob protesto; existe relacionado a esse processo um forte interesse higienizante. “Assim, vê-se o poder público mobilizado para “limpar” terras públicas de habitação popular e entregar estas áreas à especulação imobiliária, em nome da viabilização dos eventos.” (ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA, 2012) Se a questão habitacional no Brasil já é grave por si só, a realização da Copa do Mundo 2014 em doze cidades e das Olimpíadas 2016 no Rio de Janeiro agrega um novo elemento: grandes projetos urbanos com extraordinários impactos econômicos, fundiários, urbanísticos, ambientais e sociais. Dentre estes últimos sobressai a remoção forçada, em massa de cerca de 170.000 pessoas. Dentre os inúmeros casos levantados pelos Comitês Populares da Copa, emerge um padrão claro e de abrangência nacional: as ações governamentais são, em sua maioria, comandadas pelo poder público municipal com o apoio das instâncias estaduais e, em alguns casos, federais, tendo como objetivo específico a retirada de moradias utilizadas de maneira mansa e pacífica, ininterruptamente, sem oposição do proprietário e por prazo superior a cinco anos (premissas para a usucapião urbana). Como objetivo mais geral, trata-se de limpar o terreno para grandes projetos imobiliários com fins especulativos e comerciais. Via de regra são comunidades localizadas em regiões cujos imóveis passaram, ao longo do tempo, por processos de valorização, tornando-se objeto da cobiça dos que fazem da especulação com a valorização imobiliária a fonte de fabulosos lucros. Evidentemente, os motivos alegados para a remoção forçada são outros: favorecer a mobilidade urbana, preservar as populações em questão de riscos ambientais e, mesmo, a melhoria de suas condições de vida, ainda que a sua revelia e contra sua vontade. (ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA, 2012, p. 18)

O dossiê nomeia esse processo perverso de “faxina social”, denunciando a tendência de periferização, expulsão das comunidades para longe das redes de inserção econômica e cultural. (ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA, 2012, p. 28). O mais contraditório é que essas ações são em grande parte viabilizadas por verbas federais do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Esse programa, como já foi dito anteriormente, surgiu no ano de 2007 com objetivo de contribuir para melhoria das condições habitacionais, através de projetos de urbanização de favelas, melhorando as condições de saneamento e promovendo o direito a habitações dignas. É bastante incoerente saber que essa verba, que deveria estar sendo aplicada para uma real melhora na qualidade de vida das comunidades, está servindo para legitimar ações que ampliam a exclusão socioterritorial, repetindo a postura higienista de periferização das populações de baixa renda, típica do inicio do século passado. Nesse contexto, afirma-se e agrava-se um processo identificado por Ermínia Maricato (2001) de aplicação seletiva da lei para manutenção de privilégios urbanos, acentuando desigualdades socioterritoriais. O dossiê denomina de “estado da exceção” esse panorama de legitimação de qualquer ação, contrariando leis e instrumentos de planejamento, em nome do estado especifico em que nada pode atrapalhar o andamento das obras e

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reestruturações urbanas em prol dos interesses da copa. Interesses esses totalmente relacionados com as “oportunidades econômicas” geradas a partir da inserção das cidades no mercado global. Segue-se, a partir daí, nos níveis federal, estadual e municipal, uma interminável lista de leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, portarias e atos administrativos de vários tipos que instauram o que vem sendo chamado de “cidade de exceção”. Todas as isenções fiscais e tributárias são oferecidas às entidades organizadoras, mas também a uma infinidade de “cidadãos mais iguais” que não precisam pagar impostos, tributos territoriais e taxas alfandegárias. Planos diretores e outros diplomas, muitos resultantes de longos e ricos debates na sociedade, caducam em ritmo vertiginoso diante do apetite de empreiteiras, especuladores imobiliários, capitais do setor hoteleiro e turístico e, evidentemente, patrocinadores dos megaeventos. (ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA, 2012, p. 12)

É triste constatar que depois de uma década com tantos avanços institucionais (década de 2000), agora que as cidades brasileiras realmente dispõe de recursos financeiros e de ferramentas legislativas e institucionais para realizar uma reformar urbana inclusiva, vivemos outra década (década de 2010) de tantos retrocessos. Voltando ao debate da sustentabilidade aqui apresentado, podemos constatar que as gestões urbanas continuam por não garantir o “cuidado a essencial” para com sua população. Pelo contrário, vêm reproduzindo mecanismos excludentes que acentuam desigualdades, gerando impactos sociais e ambientais. Todas as ferramentas estão postas. Agora é uma questão de fazer prevalecer interesses econômicos em detrimento do bem estar social, como vem sendo constatado; ou favorecer justamente o contrário, o bem estar social coletivo acima dos interesses economicos e particulares.

1.6.

O Caso da Cidade de Fortaleza

A cidade de Fortaleza é um exemplo bastante significativo dos processos anteriormente descritos a nível nacional. Por um lado, tem-se uma cidade fortemente marcada pelas desigualdades socioespaciais, pela informalidade habitacional, pela má distribuição de infraestruturas urbanas e pelas ocupações de áreas ambientalmente frágeis próximas ao acesso aos serviços e oportunidades da cidade, em contraposição a programas habitacionais que historicamente periferizam as populações de menor renda. Por outro, tem-se um mercado formal fortemente marcado pela especulação imobiliária, retenção de terrenos vazios em áreas infraestruturadas; um sistema viário e de transportes que prioriza o uso do automóvel individual e precariza o transporte público; e a ascensão de tipologias habitacionais

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e comerciais que negam a cidade, hipervalorizando os espaços privados. Esse cenário de apartheid social só contribui para a crescente violência urbana, e uma cidade cada vez mais marcada pela desurbanidade. Embora os motivos da insustentabilidade urbana de Fortaleza seja um tema complexo, passando por diversos aspectos, daremos um foco maior à questão das desigualdades socioespaciais, por acreditarmos que esse é um fator crucial dessa equação. As desigualdades socioespaciais estão relacionadas, por sua vez, aos conflitos fundiários e à informalidade habitacional. A cidade de Fortaleza tem seu espaço urbano marcado pela segregação socioespacial remanescente de sua formação e crescimento, tendo seu tecido urbano marcado, como já registrado, pela dualidade entre espaço formal e informal. Assim como nas demais cidades brasileiras, o processo de industrialização contribuiu para o crescimento e adensamento das ocupações irregulares, mas a capital cearense apresenta peculiaridades em sua história, tendo o processo de formação de seu espaço informal, que atualmente possui proporções consideráveis, se inciado ainda antes de todo o mencionado inchaço populacional urbano de meados do século XX. Já na planta da cidade de 1987 foi identificado por Castro (1973) que 30% da população vivia em choupanas de palha nas proximidades da faixa de praia e às margens de riachos, indicando o inicio da favelização. Pequeno (2008) aponta como indicador dessa ocupação precária antiga, a própria malha urbana da cidade de Fortaleza: Seu processo de favelização é histórico, remanescendo na malha urbana da cidade, mesmo em bairros próximos ao centro e à beira mar, lugar turístico e de alto valor imobiliário. Como fragmentos de tecido urbano caracterizam-se pela pequena dimensão dos lotes, pelos caminhos tortuosos e pela intensa ocupação do solo. Na segunda metade do século XX, o crescimento é dos mais intensos, comprometendo de forma predatória os recursos naturais, cuja fragilidade como de rios temporários, riachos, lagoas, dunas e mangues, leva à irreversibilidade dos processos de degradação ambiental. (PEQUENO, 2008, p. 12)

O problemático quadro do clima da região nordestina, relacionado à estiagem, à vastidão da área de influencia e à polarização de investimentos na região metropolitana de Fortaleza, contribuiu para o constante fluxo campo-cidade no estado cearense, processo que se acentua ainda mais no período de consolidação industrial da década de 1970 e 1980. Nesse período, a cidade passou pelas intervenções da política nacional do BNH, através da COHAB-CE, as quais contribuíram para a criação de cidades dormitórios e conurbação com municípios vizinhos, através dos conjuntos habitacionais periféricos, desvinculados da malha urbana existente. Remonta desse período a expansão da cidade a sul e oeste do centro (Maracanaú e Caucaia). Freitas e Pequeno (2011, p.3) indicam que as ações desse período contribuíram para um modelo de segregação centro-periferia, identificam o processo como indutor de uma ‘urbanização em saltos’, com grandes áreas desocupadas entre o centro rico e a periferia pobre. A necessidade de estender as redes de infraestrutura e transportes até esses

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conjuntos habitacionais significava valorizar os terrenos intermediários, beneficiando, assim, seus proprietários. O cenário de crise nacional das décadas 80 e 90 continuou agravando o processo de ocupações irregulares na cidade, agora também nas proximidades e espaços livres próximos aos conjuntos do BNH na periferia, e em áreas ambientalmente frágeis mais próximas ao núcleo urbano central. Datam do inicio da década de 90 as primeiras ações de urbanização de favelas pela Cohab-CE através do Promorar com recursos da Caixa Econômica. Essas intervenções se concentraram em setores estratégicos da cidade, onde havia interesse de tornar destinos turísticos, em áreas situadas em setores de renda média-alta; e se caracterizaram pela abertura de eixos viários, adequação de usos nas margens de recursos hídricos, provisão de infraestrutura, e construção de casas em mutirão para as famílias que seriam removidas, e pelo adequamento viário ou densidade excessiva. A regularização fundiária ainda não fazia parte das ações de urbanização. Porém, ainda na década de 90, houve o desmonte da Cohab-CE e a descentralização perversa, transferindo ao poder municipal a competência da política habitacional. Data desse período práticas clientelistas e assistencialistas e a construção de alguns conjuntos em regime de mutirão, mas com precária provisão de infraestrutura e concessão para fins de moradia a curto prazo. Pequeno (2008) assenta que o Programa Habitar Brasil financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) foi uma boa oportunidade para a cidade de Fortaleza. No entanto, considera que foi uma chance pouco aproveitada, pois, apesar de ter viabilizado algumas obras de infraestrutura, os recursos destinados ao desenvolvimento institucional remanesceram sem utilização por vários anos, evidenciando a pouca vontade política da gestão da cidade de enfrentar o problema habitacional de Fortaleza entre os anos 1988 e 2004. Além disso, evidencia que a maioria das ações relacionadas ao tema se restringiu à atuação em áreas de risco. Não se encarou o problema em sua dimensão real, diminuindo-se intencionalmente a escala do problema habitacional em Fortaleza. Em 2004, houve um avanço institucional através da criação da HABITAFOR (Fundação de Habitação Social de Fortaleza), entretanto mentem-se o atendimento prioritário às áreas de risco, notando-se, ainda, a escassez de dialogo entre o trabalho físico e social. Fato é que, a despeito de se ter ampliado as possibilidades de atuação, a ação da HABITAFOR ainda não foi suficiente para reverter a situação de não atendimento do direito a habitação digna e ao direito à cidade para grande parte da população. O prosseguimento dessa postura adotada pelas gestões de Fortaleza, que parecem considerar apenas as áreas de risco, legitimou intervenções nas quais a desapropriação e o reassentamento acabam por se mostrarem a forma mais comum de atuação. Aliada à restrita abrangência das políticas habitacionais, a crescente especulação imobiliária geradora de uma supervalorização dos terrenos, restringia ainda mais o acesso ao solo urbano. Esse período de fins da década de noventa e início dos anos 2000 é marcado pela revindicação e politização de movimentos sociais urbanos junto a ONG’s e associações classistas

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acerca do direito à cidade proposto no Estatuto da Cidade (Lei 10.257), que foi aprovado em 2001. Após a aprovação da aludida lei, reconhece-se a necessidade de uma adequação do plano Diretor de Fortaleza (PDDU). Porém, até a aprovação do novo plano, o processo de elaboração e aprovação coloca em evidencia diversas disputas de interesses e a cadente fragilidade institucional da prefeitura. A falta de corpo técnico competente na prefeitura, somada aos conflitos entre os interesses populares de democratização da cidade e os interesses conservadores da elite fundiária, fizeram com que a conclusão da elaboração do plano durasse oito anos, tendo sido incitada por três vezes. Da primeira vez, a equipe terceirizada era composta por membros da universidade que, posteriormente, se retiraram do processo ao ficarem sabendo que o plano de uso e ocupação estava sendo elaborado de maneira desvinculada do plano diretor e legitimando benefícios à soberania do mercado imobiliário. Da segunda, o plano foi elaborado, novamente através da terceirização, por um escritório que manteve pouco contato com a sociedade durante a elaboração e aplicou os instrumentos do Estatuto da Cidade apenas de forma superficial, sem nenhuma espacialização. A sociedade entrou com pedido de anulação do plano junto ao Ministério Público devido à falta de participação popular prevista no Estatuto da Cidade. Somente quando da terceira tentativa o processo pôde ser concluído, ainda com auxilio de consultorias externas, mas sob o comando da Secretaria de Planejamento. Ainda com participação restrita da sociedade civil, mas graças ao ativismo dos movimentos populares, o processo não ocorreu de forma tão avassaladora e excludente. Enfim, em 2009 o processo é concluído. Dessa forma, apesar das dificuldades ainda latentes para a construção de uma cidade mais democrática, Fortaleza já se encontra com uma regulamentação favorável. O instrumento das Zonas Especiais de Interesse Social propostos pelo Estatuto da Cidade e já especializados e legitimados pelo atual Plano Diretor, podem ser uma importante ferramenta para conter a especulação imobiliária e viabilizar a permanência e regularização fundiária de comunidades de baixa renda em áreas dentro da cidade. Apesar de ainda não existir de forma mais sistematizada a aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade na cidade de Fortaleza, havendo diversos entraves políticos e institucionais a serem vencidos, podemos identificar algumas intervenções em comunidades que trataram a questão da habitação não apenas através da remoção e reassentamento, como historicamente havia sendo feito, mas consideram a necessidade de melhorias habitacionais e regularização fundiária das casas remanescentes e de infraestrutura para o espaço público. Na atuação do poder público de Fortaleza, tem sido rara a implementação de projetos que integrem melhoria de infraestrutura viária, saneamento ambiental, regularização fundiária, construção de espaços públicos de qualidade, melhorias habitacionais, isto é, que tratem o Direito à moradia e à Cidade de uma forma mais ampla e legitimadora da permanência da população no espaço da cidade. Já em cidades como Rio de Janeiro e São

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Paulo, essas ações têm sido mais frequentes, sendo reconhecidas atualmente como parte importante da política pública urbana. Em Fortaleza, algumas ações vêm sendo implantadas com esse discurso de intervenção integrada. Exemplos dessas ações são o projeto Vila do Mar na comunidade do Pirambu, em vias de conclusão; e o Projeto Aldeia da Praia na comunidade do Serviluz, ainda não iniciado, mas já com recursos aprovados. Ambos os projetos são na Ola marítima da cidade e envolvem comunidades muito antigas. No projeto Vila do Mar, com obras em grande parte já executadas, é possível identificar alguns avanços em relação a projetos anteriores. Houve uma real melhora dos espaços públicos, a população removida foi reassentada em lugar próximo, e, nas habitações que permaneceram, estão sendo realizados projetos de melhoria habitacional. Contudo, apesar da área de intervenção ser demarcada no plano diretor como ZEIS, não existiu um esforço para regulamentação desse instrumento na área. Se não houver mecanismos que garantam a permanecia da população, existe o receio que ao longo dos anos haja um processo de gentrificação. O interesse hoje velado de expansão da elite para essa parte da faixa de praia não é recente. O antigo projeto Costa-Oeste ostentava a clara a intenção se expandir o mercado imobiliário de alto padrão para essa área. A resistência da comunidade, somada aos novos conceitos de direito à cidade, lançados com força em todo o Brasil, e aos avanços institucionais já mencionados, possibilitaram que o projeto Costa-Oeste não fosse posto em prática. Porém, a atual regularização fundiária, sem a regulamentação do instrumento ZEIS, que busca garantir que a área seja prioritariamente de habitação de interesse social, pode vir a legitimar a venda dos terrenos. A escolha de áreas justamente na orla para intervenção não necessariamente é uma decisão associada à maior precariedade da ocupação, que implicaria em maior urgência das intervenções; talvez esteja relacionada com a maior visibilidade das intervenções, ou, assumindo uma postura mais crítica e desconfiada, com o intuito de legitimar veladamente futuros processos de gentrificação. Faço a ressalva que este trabalho não tem como objetivo avaliar o projeto Vila do Mar, e que, devido ao momento histórico em que estamos, de recém-conclusão do projeto, não é possível afirmar com certeza que consequências diretas ou indiretas terá esse projeto. Podemos apenas avaliar os fatos a partir do conhecimento da histórica pressão sofrida pela área e dinâmica de exclusão social da cidade de Fortaleza. O projeto Aldeia da Praia, que é semelhante ao do Vila do Mar, localizado na ocupação do Serviluz, será objeto de análise neste trabalho mais adiante. Pressões imobiliárias. Para entender a escala das fortes pressões imobiliárias na orla, é preciso considerar a posição de importância que o Estado do Ceará e a Cidade de Fortaleza vêm conferindo ao setor de turismo nas últimas décadas. A possibilidade de atrair investimentos para o setor turístico vem sendo um

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objetivo mais intensamente buscado que propriamente tornar a cidade um lugar bom de morar para sua população. Nos últimos anos, as praias e dunas, mangues e rios do litoral nordestino passaram a ser comentadas e valorizadas não apenas como recursos turísticos, mas também como atrativos imobiliários, comercializados nacional e internacionalmente, no estreio da reestruturação do mercado imobiliário brasileiro. (SILVA apud REIS, 2011,p.23)

A tendência à valorização planejada de áreas com potencial paisagístico (orlas) pelos governos se insere em uma ideia chamada de ‘urbanismo de resultados’, exemplificada por Henri pela expressão: “explorar a economia da beleza em nome das belezas da economia” (ACSELRAD, 2009, pp.27-28). Atualmente, a cidade de Fortaleza, assim como as principais capitais brasileiras, está passando por um momento em que todas essas pressões imobiliárias, associadas à tendência de valorização turística das áreas bem localizadas e com vantagens cênicas, tendem a se agravar. A notícia e preparação das cidades para receber os megaeventos esportivos nos anos de 2014 e 2016 acirram ainda mais essas pressões, em um contexto em que as gestões urbanas pautadas no ideal de urbanismo de resultados veem esses eventos como grandes oportunidades de se inserirem ainda mais no mercado turístico mundial. Nesse contexto, vivemos na cidade uma situação ambígua e oportuna. Ao mesmo tempo em que temos em mãos grandes avanços como a aprovação do Plano Diretor de Fortaleza, incluindo instrumentos do Estatuto das Cidades, temos também a euforia do mercado imobiliário com as oportunidades que os mega eventos podem trazer. Em geral, o discurso das gestões ao incentivar e criar ambiente oportuno para os negócios do turismo está atrelado à ideia de geração de emprego e renda para população, justificando a postura como sendo promotora de justiça social. E, então, onde está a ambiguidade? Não cabe neste trabalho avaliar o custo-beneficio dessa postura sob o ponto de vista de criação de empregos. A questão que colocaremos em pauta está mais relacionada com as questões fundiárias e de organização espacial da cidade. A ambiguidade que mencionei no texto consiste no fato de que, no momento em que finalmente temos um aparato legal para lutar contra a especulação imobiliária e promover cidades mais justas através da exigência de que o solo urbano cumpra sua função social, temos também interesses imobiliários fortalecidos pela ocasião dos megaeventos, acirrando todos os conflitos fundiários, principalmente em áreas bem localizadas das cidades. O trabalho em questão propõe estudar uma dessas áreas bem localizadas da Cidade Fortaleza, ocupada por uma comunidade.

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2.

Diagnóstico Participativo

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2. 1.

O objeto de estudo: O Serviluz

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A área delimitada para estudo compreende o que considerei o bairro Serviluz Simbólico. Embora o Serviluz não seja oficialmente reconhecido como bairro pela atual divisão político-administrativa da Cidade de Fortaleza, as pessoas que ali vivem se referem ao bairro Serviluz como com muita naturalidade e segurança. Além disso, a maioria da população residente de outros bairros também reconhecer a localidade como tal. Na verdade, o Bairro Serviluz Simbólico, está dentro do bairro oficial Cais do Porto, embora algumas pessoas confundam também como o bairro adjacente Vicente Pizon. É delimitado pelas ruas Ismael Pordeus, Av. José Saboia, Av. Vicente de Castro e pelo mar. A identificação dessa área como Serviluz não se deu de maneira aleatória, mas a partir do contato com a comunidade e da realização de entrevistas

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mapa 2.1. Delimitação Serviluz Simbólico fonte mapa desenvolvido pela autora

escala: 1/20.000

Legenda

1:20000

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Delimitação Serviluz Simbolico

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com diversos moradores e lideranças, havendo a percepção do reconhecimento comum desse polígono como bairro Serviluz. O sentimento de identidade e pertencimento da comunidade com esse local foi entendido como legítimo e, dessa forma, significou o principal fator para definição dessa área para estudo e realização deste trabalho. Assim, considerou-se mais coerente definir o polígono de intervenção a partir desse senso comum do sentimento de pertença do que propriamente a divisão oficial de bairros. Teve-se como ponto de partida o valor de que a população e a sua relação com a cidade pode e deve ser protagonista dos processos de intervenção e planejamento urbano. Esse nome Serviluz se deve à antiga Autarquia Municipal de Serviço de Luz (SERVILUZ), que ficava localizada nas imediações do farol, construída em 1954. Dessa forma, a instituição de iluminação pública naquela localidade não existe há mito tempo, mas o lugar já estava consolidado por esse nome. Compreendendo melhor as peculiaridades desse local da cidade, é importante ressaltar sua magnífica localização geográfica. O local está cercado pelo mar a oeste, norte e leste, sendo uma ponta que avança sobre o mar, ligado ao continente apenas por sua porção sul. Dessa forma, a presença do mar é fator marcante tanto nas belas paisagens decorrentes dessa peculiar localização como na vida e historia da comunidade. A paisagem do Serviluz também é fortemente marcada pelas intervenções do homem sobre o mar. Essas modificações estão diretamente relacionadas com a presença do porto na localidade. Foram construídos dois molhes de pedras adentrando o mar com o intuito de adequar os movimentos das marés ao tráfego de navios. Esses molhes de pedra são a Praia Mansa e o molhe do Titanzinho. A construção dessas entradas de pedras tiveram consequências inicialmente prejudiciais à comunidade. A alteração do movimento das marés teve por consequência o processo de assoreamento da praia Boca do Golfinho, localizada a leste do molhe do Titanzinho sendo o constante deposito de areia sobre as casas da comunidade um problema latente. Atualmente, essa área é considerada área de risco pela Defesa Civil por conta desse processo de assoreamento constante. Outra consequência foi a formação da Praia Mansa também por um processo assoreamento no primeiro molhe de pedras. Com a formação dessa nova porção de terra ligada ao continente, algumas famílias foram residir lá no início da década de 1970, grande parte provenientes do interior do Ceará justamente nessa década histórica do êxodo rural e inchaço das cidades. Essa população foi removida da área pela marinha e pela Companhia das Docas em meados 1974. Hoje, esse efeito de formação da Praia Mansa não afeta diretamente o cotidiano da comunidade. A construção desses dois molhes de pedras também resultou em algumas consequências positivas para a comunidade. Uma delas é a magnífica vista que se tem ao caminhar por eles, a outra consequência boa foi a formação da praia localizada entre os dois molhes conhecida como Praia do Titanzinho ou Praia do Farol. Nessa praia, há formação de grandes ondas ideais para a prática do surf. Dessa forma, a praia do Titanzinho tornou-se um polo dessa prática esportiva tanto para as pessoas da comunidade como para visitantes provenientes de outros bairros e, em uma menor quantida-

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de, de outras cidades e ate outros países. É verdade que o local possui imensas precariedades. Trata-se de uma ocupação irregular, esquecida pelo poder público por vários anos. Embora já tenham sido realizadas algumas tímidas intervenções no local, parte da população ainda vive sem saneamento básico; a proximidade de algumas casas e pequena largura de vielas e becos comprometem a salubridade de algumas habitações; a carência de espaços livres qualificados; uso e trafico de drogas e a eminente violência representam alguns dos principais problemas da área. Em contrapartida a essa situação, ao conhecer o bairro mais de perto, percebemos que é um local de diversas potencialidades. A preservação de algumas tradições e valores ao longo dos anos como é o caso da pesca artesanal e incrível e pulsante vida esportiva (futebol, surf, mergulho, artes marciais) faz-nos acreditar que já existe uma semente de autorrenovação dentro das características entranhadas no bairro.

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2. 2.

Metodologia do Diagnóstico Participativo

Com o objetivo de entender o local não apenas do ponto de vista técnico, mas também considerando seu contexto social, esse diagnóstico se propõe a estudar a área de intervenção a partir de um processo de coleta de dados composto por dois processos simultâneos e complementares. Tanto foi considerada a coleta de dados primários, como secundários. No que tange aos dados secundários, mais comumente utilizados nesse tipo de diagnostico urbanístico, foram considerados documentos como o Plano Diretor da cidade, o censo populacional de 2010 conduzido pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estudos de legislação pertinente, análises de projetos de intervenção previstos para a área, considerações de características físico-ambientais, análises de banco de dados da prefeitura da cidade, e leitura de trabalhos acadêmicos referentes à área. A coleta de dados primários também foi priorizada neste trabalho, realizadas a partir da visitação do local, registro fotográfico, interação social e realização de pesquisa social qualitativa através de entrevistas semiestruturadas com moradores do local. Pesquisa social qualitativa Propondo, dessa forma, uma postura menos tecnocrática, característica do urbanismo moderno; e mais participativa e descentralizada. Buscou-se assim, entender a dinâmica do bairro, a forma como as pessoas entendem e interagem e se apropriam do espaço onde moram, e o que, no ponto de vista delas, representaria uma legitima melhoria para o espaço. Nesse sentido as observações de Paola Berenstein Jacques: Quando, ao urbanizar favelas, se deseja preservar sua identidade própria, sua especificidade estética, é preciso se pensar em conservar a noção de participação e ao mesmo tempo, conservar os espaços movimento. A ideia é paradoxal: como é possível conservar o que se move, patrimonializar o movimento? (...) Isso nos leva a pensar na noção de patrimônio de outra forma que não a da consolidação cultural dentro de uma lógica conservadora de museificação. O próprio movimento pode ser proposto como patrimônio a ser conservado. Mesmo que essa ideia pareça extremamente contraditória em relação às favelas, fica claro que, se existe algum tipo de interação patrimonial – no sentido de preservar a identidade cultural e estética desses espaços –, quando da urbanização, o importante a se preservar não deveria ser nem sua arquitetura, nem seu urbanismo, mas o próprio movimento da favela através de seus atores. Ou seja, o que deveria pretender preservar é a participação ativa do habitante/cidadão na construção de seu próprio espaço/cidade, como ocorre em diferentes níveis nos espaços movimento. [...] (...) A intervenção seguiria as linhas de fuga, as desterritorializações, com a participação já existente dos habitantes, que passariam a ser orientados por um outro tipo de arquiteto, o arquiteto-urbano. O arquiteto-urbano seria aquele que passaria a intervir nas diferentes urbanidades extremas já existentes, nessas novas situações ur-

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banas já construídas com identidade própria, ou seja, aquele que se ocuparia dos espaços-movimento. Seu papel seria o de organizar os fluxos. (...) Não se trata simplesmente de trocar um tipo de arquiteto por outro, que continuaria manter o controle total sobre a construção da cidade, mas sim de mudar o modo de atuar na cidade, do próprio papel dos arquitetos. Isso não quer dizer que a população não precisa mais de arquitetos. Ao contrário, significa que os arquitetos também precisam da participação da população para que a cidade seja, de fato, uma construção coletiva. (...) (JACQUES, 2011, p.154-155)

Nesse sentido de buscar uma maior aproximação com os atores locais, além de visitas ao local, propus uma pesquisa social qualitativa por meio de onze entrevistas semiestruturadas com moradores locais. Complementarmente a esse contato direto com a população, realizou-se também uma entrevista com uma estagiária, estudante de Serviço Social que atuou na área acompanhando a coleta de dados previstas pelo projeto Aldeia da Praia. Em termos de estruturação do roteiro de entrevistas, foram propostas dezesseis perguntas abertas que tinham a intenção de despertar temas, deixando os entrevistados a vontade para responder com a maior liberdade possível, considerando-se às possibilidades metodológicas da entrevista semiestruturada como forma privilegiada de interação social durante a pesquisa, tal como preconiza Maria Cecília Minayo (MINAYO, 2008, p. 65) . Além da interação oral, também foi levada a campo uma foto aérea do local para que a conversa se desenrolasse sendo possível a identificação no mapa do que estava sendo descrito pelos entrevistados. O objetivo foi de poder alcançar uma melhor espacialização das informações. A cada entrevista foi colocado um papel vegetal encima da foto aérea para que o interlocutor se sentisse a vontade para riscar ou escrever sobre mapa, expressando graficamente as representações oralmente descritas. Nesse sentido, a pesquisa qualitativa adotada foi orientada pelas reflexões de autores como Linda Gondim, Cecília Minayo, Maria Isaura Pereira de Queiroz e Mirian Goldemberg que destacam a importância do contato do pesquisador com os sujeitos observados e com o contexto em que estão inseridos. Essas abordagens salientam a necessidade de romper o olhar naturalizado do pesquisador, convidando-o a (re)aprender a olhar, nos dizeres de Mirian Goldenberg (GOLDENBERG, 2001, p. 13) . Da mesma forma, palmilhar toda a área, conversando informalmente com moradores transitando nas ruas ou sentados à porta de casa permitiu obter um retrato mais fiel do indizível, parafraseando Maria Isaura Pereira de Queiroz (1988, p. 15) . Por sua vez a utilização do mapa com o papel vegetal, permitindo a participação do entrevistado com o produto da pesquisa foi pensado no sentido do artesanato intelectual de que fala Wright Mills (1965) e tão bem salientado por Gondim e Lima (GONDIM; LIMA, 2010, p. 14) . Dessa forma, a análise final desses dados qualitativos se deu a partir da escuta das entrevistas e análise dos mapas produzidos, ressaltando-se as categorias de análise pertinentes à pesquisa e à elaboração do projeto final. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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figura 2.1. Mosaico Entrevistas fonte arquivo pessoal

A seleção dos entrevistados levou em conta os seguintes critérios: diversidade espacial, de gênero, geracional, ocupacional e de representatividade no bairro. Procurou-se selecionar pessoas de gênero e faixa etária variada, que estivessem envolvidos com as diferentes atividades que dão vida ao bairro. Buscou-se também entrevistar tanto pessoas que assumem uma postura de liderança dentro do bairro, como moradores comuns. Contemplar as diversas áreas do bairro também foi uma prerrogativa, escolhendo pessoas que morassem em pontos diferentes para que fosse possível ter uma visão geral da apreensão do espaço pela população residente. Embora se tenha que fazer a resalva de que nem todas as lideranças que esta-

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vam previstas para serem entrevistadas o tenham sido de fato – pois como a pesquisa social foi realizada próximo do período de eleições, muitas lideranças estavam com agenda ocupada com envolvimento em campanhas eleitorais de candidatos, ou em sua própria candidatura – foi possível entrevistar pessoas com esse perfil. Em resumo, os critérios de escolha dos entrevistados atenderam os seguintes critérios: 1. Moradores de diferentes localidades do bairro – contacto com moradores de diversas subáreas da ocupação; 2. Faixa estaria variada – de crianças (12 anos) a idosos (78 anos); 3. Gênero variado – homens e mulheres; 4. Pessoas envolvidas com diferentes atividades ligadas a dinâmica do local – surf, futebol, pesca, comércio local; 5. Moradores comuns e pessoas com posição de liderança.

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escala: 1/10.000 esc.1:10.000

mapa 2.2. Localização de Entrevistados na Área

fonte mapa desenvolvido pela autora

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O perfil dos entrevistos segue a seguinte classificação, sem identificá-los nominalmente, destacando algumas características que podem compreender os distintos posicionamentos diante dos temas apresentados durante as entrevistas.

IDENTIFICAÇÃO SEXO

IDADE

OCUPAÇÃO

Entrevistado 01 Entrevistado 02

24 25

Eletricista

Masculino Masculino

TEMPO QUE MORA NO SERVILUZ Vida Toda Vida Toda

Vendedor em concessionária (joga futebol no Campo do Paulista)

Entrevistado 03

Masculino

12

Estudante ensino fundamental (joga bola e surfa) Dona de Casa Vendedor e representante confecção de roupas Serviços Gerais – construção civil

Entrevistado 04 Entrevistado 05

Feminino 78 Masculinho 32

Entrevistado 06 Entrevistado 07

Masculino Masculino

36 28

Entrevistado 08 Entrevistado 09 Entrevistado 10

Feminino Feminino Feminino

23 77 40

Dona de Mercearia no Serviluz Aposentada e costureira Funcionária pública

Entrevistado 11

Masculino

43

Entrevistado 12

-

-

Fotografo e editor de vídeos – ex sufista profissional Integrante da equipe de serviço social responsável pelo proj. Aldeia da Praia da SEINFRA

Sufista profissional e professor de surf. (filho de pescador)

A entrevista foi elaborada com perguntas simples que buscaram colocar em pauta os seguintes temas: pertencimento, habitabilidade, mobilidade, diversidade de atividades, opinião sobre o Projeto Aldeia da Praia, entendimento do instrumento ZEIS (Zona Especial de Interesse Social). 1. Habitabilidade: Observar os diversos padrões de ocupação, buscando identificar nas conversas quais são as principais carências, e o que é mais significativo (importante) para as pessoas em sua moradia e em seu bairro. 2. Pertencimento Qual a relação afetiva e simbólica que as pessoas têm com o lugar onde moram 3. Diversidade Identificar as atividades mais importantes para o bairro e tentar entender a dinâmica local a partir da sua diversidade de usos. (pesca, surf, futebol, comércio, atividades ligadas ao porto, religião etc...)

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3 anos 50 anos Vida Toda 6 anos Vida Toda Vida Toda 32 anos (muito tempo) 34 anos Nunca morou no Serviluz

tabela 2.1. Identificação Entrevistados fonte tabela desenvolvida pela autora


4. Diversidade Identificar as atividades mais importantes para o bairro e tentar entender a dinâmica local a partir da sua diversidade de usos. (pesca, surf, futebol, comércio, atividades ligadas ao porto, religião etc...) 5. Projeto Aldeia da Praia O que as pessoas sabem sobre esse projeto da Prefeitura Municipal e qual a opinião delas a respeito dele. 6. ZEIS Serviluz O que as pessoas sabem sobre o que é e para que serve o instrumento ZEIS do Estatuto das Cidades, e o que existe de mobilização a respeito da determinação do Plano Diretor da área do Serviluz como uma ZEIS ocupação da cidade de Fortaleza. Desta forma, o roteiro foi elaborado considerando as seguintes perguntas-guia, efetuadas não necessariamente nessa ordem e sem prejuízo de demais perguntas eventualmente suscitadas no contexto de cada entrevista: 1. Nome e idade 2.A quanto tempo você mora aqui? 3.Qual é esse bairro (qual o nome do bairro)? 3.1.Vai de onde até onde o (bairro dito pelo entrevistado)? 3.2.Eu já ouvi outros nomes para esse bairro, esse bairro tem outros nomes? 4.O que levou você a vir morar aqui? 4.1.O que mais mudou desde que você veio morar aqui? 5.O que você mais gosta aqui no bairro? 5.1.O que você gosta de fazer de lazer? Onde? 5.2.Você pratica algum esporte? Onde? 6.O que você menos gosta aqui no bairro? 6.1.O que falta no bairro? (O que deveria ter mas não tem?) 6.2.O que você mudaria? 7.Mas você gosta de morar aqui? Você considera um lugar bom de morar? 8. Aqui as casas são boas? 9. E a sua casa? Você gosta da sua casa? 9.1. Qual a parte mais importante da sua casa para você? 9.2. Para você o que não pode faltar em uma casa? 10. Mas se você pudesse mudar algo em sua casa? O que seria? (algo que gostaria de melhorar) 10.1. Você já fez muitas reformas aqui na sua casa? 10.2. Como foram essas reformas? 10.3. Você considera importante poder fazer alterações na casa

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quando precisa? 11. Você moraria em um edifício de apartamentos de vários andares? 11.1. Por quê? 12. Você sabe alguma coisa sobre o Projeto Aldeia da Praia da Prefeitura? 12.1. Qual sua opinião sobre esse projeto? 13. Se esse ou outro projeto da prefeitura tivesse que remover sua casa, você gostaria de receber uma nova moradia da prefeitura? 13.1. Por quê? (se a resposta for não) 13.2. E como você gostaria que fosse? 14.Você sabia que a área aqui do bairro é uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) segundo o Plano Diretor de Fortaleza? 14.1. Você sabe alguma coisa sobre isso? 15. Toda Zeis deveria deve ter um Conselho Gestor formado por pessoas do bairro e pessoas da prefeitura. Esse conselho deve decidir sobre os rumos e as obras no bairro. Você sabe se existe alguma mobilização para a formação desse conselho? Após a aplicação das entrevistas, e a simultânea coleta de dados secundários, organizou-se o material coletado em sete temas gerais, considerando a necessidade de uma organização das informações que pudessem ter relevância para a posterior elaboração da proposta projetual. Dentro da exposição dos temas, tanto os dados secundários como os dados coletados a partir das entrevistas e vivencia na comunidade são expostos de forma complementar. Os temas não são exatamente os mesmos tratados nas entrevistas, embora haja certa semelhança. São eles: Contexto Urbano, História e Vínculos de Pertencimento, Criminalidade e Violência, Precarie-

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2. 3.

Contexto Urbano

Fortaleza é uma cidade fortemente marcada pela segregação sócio espacial e pela especulação imobiliária. Essa segregação é muito clara por um recorte dos cenários sócio espaciais do lado leste e oeste da cidade, geograficamente considerados em relação ao Centro Histórico. Do lado oeste têm-se lugares menos valorizados onde a maioria da população de baixa renda reside; enquanto a porção leste é onde a especulação imobiliária é avassaladora, grande parte da população de alta renda reside e está concentrado um intenso mercado de comércio e serviços relacionados ao turismo. A maior concentração desses serviços turísticos está na Av. Beira Mar. Esta área encontra-se altamente adensada e verticalizada, possuindo o metro quadrado mais caro da Cidade de Fortaleza. Outro local importante para o turismo de Fortaleza é a Praia do Futuro que, embora não seja uma área valorizada no mercado imobiliário, possui serviços turísticos relacionados à praia. A Praia do Futuro é um grande balneário servido por barracas de praia que possuem porte de restaurantes e clubes que recebem grande volume de turistas durante todo o ano. O Serviluz, nesse contexto, é uma comunidade de baixa renda localizada a leste do Centro que ocupa um local de beleza cênica exuberante e está localizado exatamente na articulação entre dois polos turísticos da Cidade: a Beira Mar e a Praia do Futuro. Não é difícil imaginar como a presença dessa comunidade incomoda o mercado imobiliário.

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Praia Mansa - novo terminal de passageiros em construção

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mapa 2.3. Inserção da comunidade em área leste valorizada fonte mapa desenvolvido pela autora

Serviluz

Orla Beira Mar

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Orla Praia do Futuro

escala: 1/75.000

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Para Freitas (2004) uma possível explicação para o fato de esse local, apesar de estar na zona leste e litorânea da cidade, não ter se tornado uma área de bairro nobre ao longo da formação da cidade é atribuída à existência de um cordão de dunas que resguarda o lugar: No contexto intra-urbano, aos principais setores produtivos (particularmente as indústrias) instalaram-se próximas do Porto do Mucuripe (na Zona Leste) e da estação Ferroviária, a oeste do centro. Os espaços de produção social, os bairros da cidade da cidade formal, ocuparam áreas próximas ao riacho Pajeú, onde o centro está localizado. Esses bairros mais abastados expandiram-se na direção leste ocupando o vazio entre o centro e o porto. A escolha dessa direção se deu devido à barreira da estrada de ferro a oeste, e a abundância de terras planas. Os bairros ricos possuíam relativa distância das indústrias, mas mantiveram fácil acesso a elas. Ao contrário do que se pode pensar, esta distância, entre a cidade formal e as indústrias não se deve ao zoneamento modernista rígido que busca segregar funções urbanas. Ela se deve ao fato de que a terra próxima aos setores industriais é formada por um cordão de dunas de areia, que exigiam muitos recursos para serem urbanizadas. A infraestrutura para os setores produtivos foi instalada, mas não havia interesse imediato de prover essas áreas com infraestrutura para usos residenciais devido ao alto custo. O Cordão de dunas costeiras também limitou a corrida por ocupação da orla marítima comum a todas as cidades litorâneas brasileiras: a cidade formal apropriou-se de uma porção relativamente pequena, localizada entre o Cordão de dunas leste e oeste. (FREITAS, 2004, p. 06)

Com essa limitação geográfica do cordão de dunas, a área do Serviluz tornou-se uma região próxima das oportunidades da cidade formal sem interesses do mercado durante muitos anos. Essa condição possibilitou o surgimento de uma ocupação informal bem localizada se diferenciando de tantas outras comunidades que habitam locais com piores condições de acesso e conectividade de transporte com as áreas da cidade onde estão localizados as oportunidades e serviços urbanos. Essa condição de localização privilegiada é reconhecida e comemorada pelos moradores ao serem perguntados por que o Serviluz é um lugar bom de morar: A proximidade de tudo. Quem pensa em sair acaba voltando. Aqui é próximo a tudo, é 15 minutos do centro, aqui tem supermercado, tem a carne, tem o peixe, tem tudo! (trecho da entrevista 10)

Embora não tenha sido o zoneamento de usos que de fato retardou o interesse do mercado pela área, a própria presença das indústrias provavelmente também contribuiu para esse retardamento. As indústrias que ali funcionam representam um fator hostil para as áreas adiantes, pois existem riscos de explosões e incêndios pelas atividades ligadas ao manuseio do petróleo e do gás pelas indústrias da Nacional Gás Butano e Petrobrás. Durante as entrevistas percebeu-se clareza ao entender que as indústrias ao mesmo tempo em que representam risco à comunidade, de certa forma, protegem a ocupação dos interesses imobiliários: O Serviluz aqui é uma área de interesse geral. Agora eles querem tirar essas áreas de gás. Nós não fomos tomados daqui porque tem essas bombas que a Nacional Gás Butano, a Petrobrás, Petroluzes. Isso é uma bomba! Uma bomba relógio! Já teve três ou foi quatro

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incêndios aí que todo mundo sai correndo feito doido. (...) O projeto é tirar tudo isso daí (indústrias) e levar para a área do Pecém. Acho que até já indenizaram, estão só ajeitando o lugar lá para levar. A maior é a Petrobrás para tirar aí. Já teve umas que saíram. A Shell não tem mais. (...) Saiu daí, pronto! O que eles querem aí? Vai ser prédio, né?! Botando prédio aí, pronto! Ai vai querer vir para banda de cá com certeza! (trecho da entrevista 11)

Esse cenário de desinteresse pela área vem apresentando sinais de mudança. A saturação construtiva da área litorânea na zona leste da cidade pressiona o mercado para busca de novas áreas rentáveis de investimento. Apesar da densa ocupação da comunidade do Serviluz, são identificados diversos vazios urbanos que denunciam a espera de valorização da área para futuros investimentos. Com a construção do Porto do Pecém, a atividade industrial de Fortaleza tende a ser transferida. Com isso os riscos associados à atividade industrial tendem a sair da área ao longo desse processo. A construção do novo terminal de passageiros na Praia Mansa é um primeiro passo para mudança de caráter do porto, com tendência a minimizar o transporte de carga, devido à transferência gradual do porto já iniciada, e ampliar a possibilidade de recebimento de passageiros com fins turísticos. A construção desse novo terminal de passageiros, ao mesmo tempo que pode ser considerado como um indício do interesse em possibilitar que a área passe a abrigar atividades turísticas, também é indutor para que essas pressões se acirrem.

Ocupaçoes Serviluz Ocupações Serviluz Porto dodo Mucuripe Ocupaçoes Serviluz Porto Mucuripe Industrias Porto do Mucuripe Área Industrial e Vazios Urbanos Industrias Tancagem Vazios Urbanos Vazios Urbanos

mapa 2.4. Contexto Urbano fonte mapa desenvolvido pela autora

escala: 1/20.000

Legenda

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

ocupaçoes__serviluz Vazios Urbanos

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As entrevistas com os moradores demonstram uma clara percepção da existência dessas pressões e, com isso, a temeridade que comunidade do Serviluz seja expulsa do local: Pobre não tem direito de ter vista para o mar. A constante ameaça da retirada do Serviluz é pleno acordo político com a rede imobiliária! (trecho da entrevista 10) A orla aqui é muito bonita, sempre foi muito visada. (trecho da entrevista 01) No meu modo de pensar, eles querem tirar essa população daqui da rua da praia para fazer o calçadão igual o da Beira Mar e enlarguecer as ruas. Se eles conseguirem tirar o pessoal. Daqui uns dias eles vão começar rua após rua e construir de edifícios. O planejamento deles é esse. É tirar a população do bairro Serviluz. (trecho da entrevista 02) Toda vida que o pobre mora em uma área nobre que tem algum fator social, eles botam área de risco! Área de risco é só onde pobre mora? E o prédio que o Otoch fez do lado das dunas? E o Marina Park que a prefeitura junto com a União dá a concessão e que é dentro do mar? E a orla marítima aqui do mercado do peixe até a Vicente de Castro que tudo de especulação imobiliária? Isso ele não vê! (trecho da entrevista 10)

Essa situação de temeridade de expulsão do local está relacionada à consciência da irregularidade fundiária das ocupações. “O medo da gente é esse: fazer esse projeto Aldeia da Praia para deixar o bairro mais bonito, e como o terreno não é nosso (...)” (trecho de entrevista 07). Todo esse contexto aponta para um momento delicado para a população do Serviluz. Destarte, é necessário que sejam tomadas providencias pelo poder publico para defender o direito dessa comunidade de permanecer inserida e bem localizada no tecido urbano. A retirada das indústrias é desejável e benéfica para mitigar os riscos que essa população convive há tantos anos.

CONTEXTO URBANO PROBLEMAS

POTENCIALIDADES

• Fortes pressões para valorização imobiliária do local, ameaçando a permanência da comunidade nesse local.

• Existência de • Assegurar a permanência instrumentos legais do e segurança fundiária das Estatuto da Cidade que famílias do Serviluz a podem ajudar a garantir partir da aplicação dos o direito de instrumentos do Estatuto permanência da da Cidade. população.

DIRETRIZES

• Insegurança fundiária das casas. • Presença de Indústrias • Construção do Porto do com atividades de Pecém induzindo a risco ao uso transferência do setor habitacional. industrial para o Pecém.

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• Incentivar a aceleração da transferência do setor industrial para o porto do Pecém.

tabela 2.2. Contexto Urbano fonte tabela desenvolvida pela autora


2.4.

História e Pertencimento

“A Praia do Futuro, o farol velho e o novo são os olhos do mar São os olhos do mar, são os olhos do mar O velho que apagado, o novo que espantado, vento a vida espalhou” (Terral, Ednardo) Os primeiros habitantes da área foram os pescadores. Essa incipiente ocupação data tão antiga quanto o surgimento do primeiro povoado de Fortaleza por volta dos anos 1800. Embora o contingente populacional do Serviluz muito se tenha diversificado ao longo dos anos – abrigando não apenas famílias de pescadores, mas famílias do interior e de outras áreas da cidade –, a atividade da pesca artesanal se mantém viva como tradição desde seu surgimento, ate os dias atuais. Essa atividade já teve mais força em outros tempos, mas até hoje quando falta o dinheiro é o peixe que mata a fome. Essa forte relação da pesca com a comunidade foi constatada através das entrevistas realizadas: Nós vivíamos da pesca, só aqui no Serviluz nos tínhamos umas 10 firmas de peixe. Ninguém passava fome! A área todinha vivia do manzuá, tanto o manzuá artesanal como o manzuá de arame. Toda a população do Serviluz tecia a rede do manzuá de nylon ou de arame e mantinha essas indústrias de peixe tudinho. Aqui não faltava carne de lagosta, nem peixe pequeno para o povo comer. Por mais que a gente fosse abandonado pelo poder público, mas a gente se mantinha pela pesca! (trecho da entrevista 10) Outra coisa, 50% da população, acho que mais, sobrevive da pesca. Como é que eu vou me sobreviver no meio da cidade? Se eu não tiver trabalhando, minha família não tiver nada o que comer? Eu to aqui, eu pesco aqui o peixe aqui (...). Se eu tiver lá no meio da cidade eu vou fazer o quê? (trecho da entrevista 02)

Figura 2.2 Foto de autoria de Raimundinho TSC retratando o cotiano da pesca artesanal no Serviluz Fonte

<http://www.facebook. com/raimundinho.tsc>

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O antigo farol é uma edificação de grande importância devido ao seu valor histórico. A edificação foi construída entre 1840 e 1846 por escravos, uma das construções mais antigas da cidade de Fortaleza, é testemunha histórica do cotidiano da antiga comunidade de pescadores. Como reconhecimento de seu valor histórico foi transformado em Museu do Jangadeiro em 1982, porém atualmente – tal como descrito na canção de Ednardo – encontra-se apagado. Mais do que o sentido literal, pode-se atribuir forte sentido conotativo à poesia, pois o prédio histórico, encontra-se abandonado, sem uso e sem manutenção. Uma grande surpresa foi perceber que apesar de o local se encontrar totalmente depredado, a comunidade do Serviluz possui uma forte relação de afeto com o farol. Além de algumas menções nas entrevistas sobre o farol – embora esse tema não tenha sido abordado diretamente –, publicações nas redes sociais e em um jornalzinho local produzidas por moradores fazem fortes criticas ao poder público pelo abandono do equipamento e alimentam campanha para sua restauração.

Figura 2.3 Reportagem sobre abandono do Farol de um jornalzinho impresso local do Serviluz Fonte Divulgart’s - edição 002 - Março de 2013

Figura 2.4

Figura 2.5

Figura 2.3

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Figura 2.4 e 2.5 Foto postada em rede social em camanha para restauração do Farol Fonte <http://www.facebook. com/raimundinho.tsc>


Figura 2.2 Imagens aéreas antigas dos anos de 1958 e 1972 Fonte LIMA, p. 159, 2005

Os dados coletados apontam que as primeiras casas da comunidade de pescadores se localizavam nas proximidades do farol. O trabalho de mestrado de autoria de Ernandy Lima expõe fotos antigas que demonstram esse ritmo de ocupação. Nota-se que embora houvesse muitas casas próximas ao farol, estas não se encontravam coladas a edificação como ocorre atualmente. A construção e funcionamento do Porto do Mucuripe também influenciaram muito a história do Serviluz. Embora adjacente à área existisse uma enseada que possui características geográficas favoráveis a instalações portuárias, o núcleo urbano principal da cidade surgiu próximo ao riacho Pajeú, onde a água potável era abundante. Dessa forma, a localização geográfica do primeiro porto da cidade no bairro da Prainha, atual praia de Iracema, era inapropriada para atividade portuária devido às suas condições geográficas não favoráveis, tais como fortes correntes e calado raso. Em 1930 o engenheiro encarregado para fazer um estudo sobre o porto de Fortaleza, Hour Meyll, constatou inadequado o local do porto existente apontando a enseada do Mucuripe como um local mais adequado para instalação portuária. Porém, devido à resistência da classe dominante da época que já havia realizado investimentos na área da Prainha, a mudança só ocorreria vinte anos depois. Em 1938, já sob o regime de Estado Novo e com atuação do deputado Humberto Rodrigues de Andrade, foi expedido o decreto número 504, do dia 7 de julho, determinando a transferência do porto para enseada do Mucuripe. A inauguração do porto ocorreu em 1951. A partir da construção e instalação do porto a ocupação na área se intensifica. Industriais passam a ter interesse a se instalar, tornando a área uma zona industrial portuária. Com isso o contingente populacional atraído por oportunidades de trabalho torna a ocupação do lugar mais densa. O surgimento de cabarés e bares noturnos típicos de áreas portuárias data desse momento histórico. Moradora da área demonstra ter lembranças desse período:

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Quando eu era menina, no tempo em que o Serviluz cresceu, quando a gente passava de ônibus aqui, a gente tinha que baixar a cabeça, porque aqui era bordel. (trecho da entrevista 10)

A área portuária foi local de refugio também para as famílias de pescadores anteriormente residentes nas proximidades da igreja de São Pedro expulsos na ocasião da construção da Av. Beira Mar no fim da década de 1940. Os residentes dos casebres desapropriados naquela intervenção encontraram, nas proximidades do antigo farol, possibilidade de moradia. O processo de êxodo rural das décadas de 70 e 80 e inchaço das grandes metrópoles devido à industrialização e mecanização da agricultura também contribuíram para trazer à cidade de Fortaleza grandes contingentes populacionais da zona rural ou de cidades interioranas em busca de oportunidades na capital do estado. Novamente o Serviluz – sendo uma área próxima ao porto e uma zona industrial – se apresenta como possibilidade de moradia, acentuando ainda mais a densidade e consolidando a ocupação já existente. Dessa forma, a comunidade do Serviluz foi se formando espontaneamente ao longo dos anos por pescadores e demandas populacionais excluídas em busca de lugar de morada e oportunidades de trabalho. O testemunho das entrevistas corrobora com os dados históricos: “Eu morava no interior, mas um filho meu veio morar aqui, aí eu vim com ele.” (O filho veio por uma oportunidade de trabalho) (trecho da entrevista 04) Durante as entrevistas, tentou-se entender de que forma a ocupação ocorreu no espaço ao longo dos anos. Para isso a descrição verbal com o apoio da foto aérea foi essencial, pois a referencia dos lugares é feita por nomenclatura que somente os moradores entendem. Dessa forma, tentou-se apreender como se chamam as subáreas do Serviluz, e a partir dessa identificação entender como ocorreu a ocupação. A seguir está a demarcação das diferentes localidades intrabairro segundo apropriação dos moradores indicada ao longo das entrevistas: Durante a entrevista 11, a evolução da ocupação foi descrita da seguinte forma: A primeira ocupação da comunidade ocorreu no Farol por pescadores. A segunda ocupação se deu na Praia Mansa na década de 1970, com a vinda de algumas famílias do interior, essa ocupação foi removida em pouco tempo. A ocupação para o lado do Titanzinho e Boca do Golfinho começaram com essas famílias removidas da Praia Mansa, crescendo posteriormente com a chegada de outros contingentes populacionais do interior e de outras áreas da cidade. A ocupação para o lado da Estiva deu-se a partir do contingente populacional que veio trabalhar no Cais do Porto. A Favela é descrita como sendo uma ocupação mais recente, resultante do crescimento das famílias sem ter para onde se expandir. Hoje a comunidade do Serviluz já consolidada e com identidade própria abriga 4.341 domicílios, segundo o censo IBGE de 2010. O que um dia foi constituído por casebres de madeira e taipa, hoje possui casas em condições bem melhores, a maioria construídas com alvenaria, apesar de algumas ainda se encontrarem em situação de precariedade: “Antigamente as casas eram de tábua, hoje é de tijolos. O bairro vem se desenvolvendo muito” – descreve um morador em tom de orgulho (trecho da entrevista 02).

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Farol

Favela

Canefor Titanzinho Estiva

Boca do Golfinho�

Pracinha Mapa 2.5 subáreas do Serviluz - como os moradores identificam os locais Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir das entrevistas

Chez Pierre

escala: 1/10.000 esc.1:10.000

O Serviluz possui uma população em sua maioria trabalhadora e politicamente crítica e esclarecida. São diversas as associações de moradores que discutem e se posicionam em relação aos rumos do Bairro (simbólico Serviluz). Um exemplo marcante da força dessa articulação política foi a luta contra a instalação do Estaleiro no local durante o fim do ano de 2009 e inicio de 2010. Um ditado que eu usei na época do estaleiro foi: nós somos uma vila de pescadores, nós não somos invasores, e nós moramos encima de uma pepita de ouro. Uma pepita de outro que na mão de certos governantes é muito perigoso! (trecho da entrevista 10)

Dessa forma os moradores do Serviluz vêm resistindo às pressões de projetos que preveem sua retirada do local há muitos anos. É perceptível que a luta para permanecer vem não apenas na consciência de que eles moram em uma área próxima ao centro e a intraestruturas urbanas; a vontade de permanência nasce, sobretudo, de um fortíssimo sentimento de pertenciEM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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mento ao local. Os trechos das entrevistas abaixo são alguns exemplos de demonstração do apego dos moradores ao local onde moram: (ao perguntar se gosta de morar no Serviluz) Não me vejo morando em outro canto, não! (trecho da entrevista 07) Gosto muito daqui, não tenho o que dizer de ruim aqui do Serviluz. (trecho da entrevista 04) (ao perguntar se o Serviluz é um lugar bom de morar) Bom ele não é. Ele é ótimo! (trecho da entrevista 10)

É importante observar também a estreita relação entre a comunidade e o mar. Tanto a pesca como o surf profissional são meios de vida de parte considerável da população sendo duas atividades que dependem diretamente dessa proximidade marítima. Além disso, a relação da comunidade com o mar ultrapassa a questão da sobrevivência e da prática esportiva. A praia é um espaço livre que, embora não qualificado, serve à população como um local natural de lazer. A prática esportiva do surf, como já mencionado, também faz parte da história do Serviluz. A construção dos dois molhes de pedras do Titanzinho e da Praia Mansa possibilitou a formação de vários picos de surf com ondulações diferenciadas, ideais para a prática esportiva como o Portão, Meio, Titanzinho, Vizinho, Havaizinho, Boca do Golfinho e até a Praia Mansa (Imbinhoara). Dessa forma, o surf no local começou a ser praticado com pedaços de tábua (taubinha), pois os praticantes não possuíam poder aquisitivo para aquisição de pranchas de poliéster e fibra. Os mais antigos do bairro relatam que passaram por essa realidade em sua infância. As condições favoráveis para o esporte acabou por revelar grandes talentos desse esporte. Alguns desses atletas se tornaram surfistas profissionais, recebendo patrocínio para treinar e competir, dentre os quias se destacam Tita Tavares (tetracampeã brasileira e pioneira na representação do Brasil no surf feminino mundial), Fábio Silva (ex-representante do Brasil na elite do surf mundial), Pablo Paulino (bicampeão mundial pro-junior), André Silva, Michel Roque, além de novas promessas, como Rafael Venuto e Larissa dos Santos, dentre tantos outros. Dessa forma, atualmente o surf é um ofício que sustenta várias famílias no Serviluz, sendo motivo de orgulho para toda a comunidade. O Titanzinho é conhecido no Brasil todo, se duvidar no mundo todo por conta do surf! Da onde que eu quero sair de um paraíso desse?! (trecho da entrevista 02)

Atualmente o surf é ensinado em escolinhas organizadas pelos próprios moradores de forma voluntária e filantrópica sem qualquer apoio oficial do governo. Duas das mais significativas dessas entidades são a escolinha do João Carlos Sobrinho, o Fera (Escola Beneficente de Surf Titanzinho), com dezoito anos de história e a associação Boca do Golfinho. Nesse trabalho, teve-se um contato maior com a associação Boca do Golfinho que,

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além do surf, oferece aulas de capoeira, sessões de cine educativo seguido de debates, e estabelece parceria com outras instituições que proporciona aulas de inglês e informática para seus alunos. O slogan estampado no muro da associação é ‘surfando cidadania nas ondas do Serviluz’. Embora essas entidades desenvolvam um papel importantíssimo para a sociedade, possuem uma enorme fragilidade institucional devido à falta de recursos e apoio organizacional. Além do surf, existe outra atividade esportiva que faz parte da história do local. Praticado na praia e no campo do Paulista o futebol também é um esporte importante para a história do Serviluz. O principal local dessa prática esportiva é o Campo do Paulista, localizado em um terreno vazio utilizado há 52 anos pelos moradores para este fim. O local vem passando por constantes ameaças de deixar de poder ser utilizado como espaço esportivo como informa a reportagem do jornal O Povo:

Figura 2.4 Reportagem sobre Campo do Paulista de um jornalzinho impresso local do Serviluz Fonte Divulgart’s - edição 002 - Março de 2013

Equipamento beneficia cerca de 35 mil pessoas há 52 anos. População denuncia privatização do espaço e pede ajuda da Prefeitura de Fortaleza. Um afago em quem resgatou milhares durante mais de meio século, revelou atletas e edificou vidas. Mesmo sem estrutura alguma. Moradores do Serviluz, no bairro Cais do Porto, em Fortaleza, abraçaram, na manhã deste sábado, 21, o Campo do Paulista. Eles têm medo de perder o equipamento. O terreno tem cerca de um hectare. Grande no tamanho, mas pequeno para carregar a enormidade de sonhos dos que têm o mar ao alcance dos olhos. “É a especulação imobiliária! Querem fechar para valorizar por causa das obras que estão vindo pra cá. Mas isso aqui é como se fosse o nosso coração. Se tirarem, a gente morre”, argumenta o presidente da Liga de Futebol do Serviluz, Manoel Ferreira. O cercamento já começou. Segundo moradores, a Craveiro Imobiliária executa o serviço. O POVO não conseguiu contato com a empresa. Todos, de crianças a adultos, querem a manutenção do Campo, que beneficia cerca de 35 mil pessoas e existe há 52 anos. (...) (O POVO, 2012)

Nas entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo sentimentos como o medo de perder o local, o apego e o anseio que a área do campo possa permanecer e receber infraestrutura para lazer foram amplamente demonstrados: Tão querendo tomar a área do campo, o lazer que nós tem, tão querendo tomar! Como queriam tirar a área do Titanzinho, daqui uns dias vão querer tirar nós próprio do bairro. O que nós quer é só isso, o campo que nós tem que no momento não tem condições de abrigar crianças porque é uma área quente. (trecho da entrevista 02)

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(sobre o terreno do campo) Eu acho errado tomar essa área para fazer casa. Muita gente já tem casa. Eu acho que a área ia ficar melhor se fosse formado tudo em praça. Porque é uma área ampla. E tem muito acesso. Então tinha que pegar, urbanizar essa área como praça. (...) Eu acho errado ter cercado a área. É certo ter cercado por que o terreno é dele, não sei da onde foi que ele comprou, mas diz ele que é dele. Então, se fosse para ser liberado para a prefeitura, ou então para o bairro, que fosse liberado para fazer praças! Pracinha, quadra esportiva. Que aqui a gente não tem! A gente procura um lazer e não tem! O único lazer é lá na pracinha de cima ali. Mas fica longe para nos aqui ir para lá. (trecho da entrevista 02)

O campo do Paulista, também tem servido como berço de formação de talentos esportivos. Durante o período de vivência na comunidade, um dos moradores que treinava no campo foi convidado a participar da seleção brasileira de futebol de areia, sendo motivo de orgulho e comemoração, reportado em um jornalzinho informativo do bairro. A escolinha de futebol, chamada de Liga de Futebol do Serviluz, tem papel semelhante ao descrito pelas escolinhas de surf, realizando um valioso trabalho social, porém sem apoio oficial do poder público. A opção por tratar da história e sentimento de pertença da comunidade, evidenciando pontos positivos do Serviluz, antes de tratar diretamente das precariedades do local, foi intencional. Busca-se com isso apropriar-se dos valores locais, e da dinâmica da comunidade antes de apontar seus pontos negativos, o que contribui sobremaneira a pensar de forma menos autoritária e em maior sintonia com os reais anseios do morador local.

Figura 2.5 Foto de atividades realizadas pela Associação Boca do Golfinho. Fonte http://www.facebook. com/associacaobocadogolfinho

Figura 2.6 Foto de jogo acontecendo no Campo do Paulista Fonte Arquivo pessoal

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Entende-se então, que o Serviluz bem mais que uma ocupação irregular com precariedades é uma comunidade composta por cidadãos engajados que têm conseguido tornar a vida boa – apesar dos pontos negativos, como violência e precárias condições infraestruturais –, amando o lugar onde moram e passando seus conhecimentos (esportivos) aos jovens pelo simples prazer de fazer sua parte e propagar o sentimento de pertença amplamente compartilhado.

Portão Meio

Havaizinho Titanzinho

Vizinho

Quadra da associação Luiza Távora

Campo do Paulista Boca do Golfinho�

Quadra do Colégio N.S. Assunção

Mapa 2.6 Picos de surf , Campo do Paulista e quadras. poliesportivas. Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir das entrevistas

Campo da Praia

escala: 1/10.000 esc.1:10.000

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HISTÓRIA E SENTIMENTO DE PERTENÇA PROBLEMAS • Atual situação de abandono do Farol Antigo.

POTENCIALIDADES

• Reconhecimento por parte da comunidade da importância do restauro no Farol Velho Cultura da pesca • Perda gradual da ainda viva, sendo tradição da pesca uma possibilidade artesanal por conta de alimentação das da concorrência com famílias em épocas a pesca industrial difíceis. • Prática de diversos • Espaços livres e esportes na esportivos com comunidade pouca ou nenhuma • Existência de infraestrutura Legislação que pode • Ameaça que o ser utilizada no sentido terreno do Campo se aquisição do campo do Paulista possa para que cumpra sua deixar de funcionar função social. como Campo (Estatuto da Cidade)

DIRETRIZES • Resgatar o museu do Jangadeiro no Farol Antigo.

• Criar estratégias de valorização da cultura da pesca.

• Garantir a possibilidade de utilização do terreno vazio do campo através utilizando Instrumentos do Estatuto das Cidades. • Ampliar a infraestrutura de lazer e esportes do local • Escolinhas de • Instituições já • Cadastrar as esporte que prestam organizadas que associações que importante serviço contribuem para o funcionam como social à comunidade bem estar social do escolinhas para sem nenhum apoio Serviluz acompanhar e do poder público orientar o trabalho realizado, e garantir uma renda digna aos professores, coordenadores e instrutores. • Possibilidade de • Forte articulação • Possibilitar a transferência de comunitária e utilização dos parte a população sentimento de terrenos vazios para longe do mar, pertença dentro do Serviluz, impedindo as para garantir a • Existência de atividades da pesca permanência da Legislação que pode e do surf população próxima ser utilizada no sentido ao mar, ao campo, e de viabilizar a a comunidade de que permanência da faz parte. população dentro do Serviluz, ainda que algumas remoções sejam necessárias.

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Tabela 2.3 Problemas, potencialidades e diretrizes relativas ao tema história e pertencimento Fonte tabela desenvolvida pela autora


2. 5.

Criminalidade e Violência

Esse tema, embora não tenha feito parte dos roteiros de entrevistas semiestruturadas, foi mencionado por todos os entrevistados com muita ênfase. Dessa forma, considerou-se necessário abrir um tópico especial para falar do assunto, aproveitando a maleabilidade da metodologia de entrevistas aplicada. A criminalidade no Serviluz é um tema bastante delicado, sendo motivo de preocupação para maioria dos moradores honestos. (ao perguntar de gosta de morar no Seviluz) Gosto, é um lugar bom de morar, se não tivesse a violência que é muito grande aqui no bairro, seria perfeito. (trecho da entrevista 08)

Percebeu-se, através das entrevistas, que a questão da criminalidade existente no local possui uma dinâmica bastante específica, diferente da relação da criminalidade nos bairros formais. O fato de o bairro ser considerando violento, não impede que a população local se sinta a vontade nos espaços públicos e nas ruas. O perigo é apenas para aqueles considerados ‘envolvidos’. Essa categoria de ‘morador envolvido’ se refere a pessoas que possuem algum envolvimento com gangues. As gangues podem estar relacionadas com tráfico e consumo de drogas, estar relacionada com atividades ilegais como roubos e furtos ou atuar no âmbito das rivalidades territoriais. Dessa forma a criminalidade do bairro está relacionada diretamente com a briga e disputa de território entre os envolvidos. Esses acertos de contas podem também atingir pessoas não criminosas diretamente, mas que tem alguma proximidade com os envolvidos. Aí é aquele negócio, um passa para um lado, o outro passa para o outro, quando vem é escondido, aí mete bala no outro, sai correndo. Aquele negócio. (trecho da entrevista 11) É só os vagabundos mesmo. Umas 15 a 30 pessoas. A população normal pode transitar tranquilamente. (trecho da entrevista 07)

O grande mal estar da população honesta em relação ao alto índice de homicídios no Serviluz, está relacionado à condição inevitável de ver e conviver todos os dias com a violência, com a morte constante de vizinhos, conhecidos ou familiares, e com cenas não muito agradáveis de conviver. Embora, aparentemente, os que não devem nada a ninguém, não se sintam ameaçados, a questão da violência é apontada por todos como sendo o pior dos defeitos do lugar. Eu gosto de tudo, mas o que eu menos gosto é da criminalidade que tem aqui no bairro. Negócio de gangue, hoje em dia a meninada se envolve com esse negócio de gangue. Deixa a gente muito triste, perdemos muitos amigos e muitas crianças, cara novo que tinha futuro. (trecho da entrevista 11) C0mo demonstra o trecho acima, o pavor da criminalidade também está relacionado com o medo que as famílias têm de que seus filhos ou parentes se envolvam nesse mundo do crime e das drogas que parece tão atraente para os adolescentes

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e jovens adultos. Dessa forma, o envolvimento com atividades esportivas tem um papel fundamental para conduzir a juventude para um caminho ativo e saudável. Alguns moradores apontam para uma melhora da questão da criminalidade nos últimos anos, apontando a prática esportiva como fator determinante para essa melhora: (ao perguntar o que mais mudou no bairro) Aqui houve uma mudança quando começou esse negócio de esportes. Tinha muito menino que vivia solto no meio da rua. Esse negócio de esportes, a meninada da rua ficou menos. Se não tivesse esse esporte, eu acho que o Serviluz já tinha pegado fogo de vagabundo! Mas devido ao esporte, tem muito menino querendo ser gente! (trecho da entrevista 09) A violência vem diminuindo, as crianças e os adolescentes estão mais focados na área esportiva. As pessoas do próprio bairro abrindo projetos sociais. (trecho da entrevista 02)

Dentro desse cenário, é preciso reconhecer novamente o grande papel que as escolinhas e entidades esportivas assumem para combater a criminalidade no local. Existem várias campanhas que demonstram essa capacidade que o esporte pode assumir na luta contra o envolvimento com o crime e as drogas.

Figura 2.8

Figura 2.7

Figura 2.9

Nesse contexto, é importantíssimo que o reconhecimento e apoio institucional às associações que incentivam atividades esportivas e transmitem valores de cidadania para os jovens passe a fazer parte das políticas públicas de contenção da violência. Na entrevista 11, ao perguntar que medidas poderiam contribuir para diminuir a questão da violência, o morador reivindica maior suporte institucional às associações que já desempenham importante trabalho no bairro, e descreve um pouco da situação instável que elas estão sujeitas:

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Figura 2.7 Reportagem sobre projeto educativo de Futbol de um jornalzinho impresso local do Serviluz Fonte Divulgart’s - edição 002 - Março de 2013 Figura 2.8 e 2.9 Campanhas públicas divulgadas no Serviluz


(sugestão para resolver a questão da criminalidade) Nós temos aqui

muitos projetos, mas tinha que ter uma associação que tivesse um grande respaldo, para chamar a atenção da prefeitura, ir lá conversar, e eles injetassem uma grana para dentro do projeto e a galera saber usar esse dinheiro. Cada projeto ter escola, como se fosse creche. Dentro do projeto mesmo ter sala de aula para os meninos. Que isso seja legalizado pela educação do estado ou do município. (...) Os projetos aqui vivem muito de esmolinha, sabe?! Um deu uma coisa, outro deu outra, mas projetos como esses o governo já era para estar dentro, apoiando e cobrando o que está acontecendo. Porque também não adianta mandar o dinheiro apenas. Projetos maravilhosos como o do Fera, o do Carlos Alexandre (Associação Boca do Golfinho), não tem apoio do governo. (trecho da entrevista 11)

Figura 2.9 Fachada da associação Boca do Golfinho divulgando o tema da formação de cidadãos através do esporte. Fonte Arquivo pessoal

Figura 2.10 Foto de atividades realizadas pea Associação Boca do Golfinho. Fonte http://www.facebook. com/associacaobocadogolfinho

Além do apoio às praticas esportivas, dentro dessa temática da violência, alguns moradores também reivindicam por maior policiamento e uma ação mais decisiva no combate ao tráfico de drogas:

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(ao perguntar o que poderia melhorar no bairro) Eu acho que o que poderia melhorar no bairro era a questão de mais segurança. Para mim é o principal motivo, mais segurança aqui no bairro, mais policiamento. (trecho da entrevista 08) O negocio do trafico, todo mundo sabe que tem. Tem que mapear as boca de fumo e estourar, prender! (trecho da entrevista 06)

Em uma das entrevistas, embora não fosse objetivo do trabalho, espontaneamente foi apontado um possível mapeamento desses pontos de entrada de drogas. Este trabalho não tratará dessa questão especificamente, tampouco se tem a confirmação da veracidade das localizações apontadas, mas considerou-se relevante expor os dados coletados. Estes podem ser uteis para futuras pesquisas ou ações no local.

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Mapa 2.7 Criminalidade e Violência Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir das entrevistas e

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Áreas mais pacíficas Áreas mais violentas

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Ruas conhecidas como violentas

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Pontos de distribuição de Drogas Delegacia


Em relação a essa temática da criminalidade e violência no Serviluz, esse trabalho não tratará o assunto nas questões policiais em virtude das suas delimitações metodológicas. O foco aqui ressaltado é o reconhecimento da relevância da melhoria da infraestrutura esportiva para os jovens, e a garantia da permanência da população próxima ao mar, possibilitando a prática esportiva do surf. Considera-se que a melhoria da qualidade de vida da população, através da mitigação de precariedades e da proposição de espaços públicos de lazer com qualidade, possa atuar positivamente na questão da diminuição da criminalidade no local.

CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA PROBLEMAS

POTENCIALIDADES

• Existência de trafico • Prática de diversos de drogas, muitas esportes na ocorrências de comunidade, homicídios e atos embora em espaços violentos dentro da com pouca ou comunidade do nenhuma Serviluz. infraestrutura.

Tabela 2.4 Problemas, potencialidades e diretrizes relativas ao tema Criminalidade e Violência Fonte tabela desenvolvida pela autora

DIRETRIZES • Melhorar a infraestrutura de lazer e esportes em projeto de urbanização do Serviluz

• Garantir apoio • Existência de institucional às diversas escolinhas e entidades e entidades escolinhas de beneficentes de esporte como parte esportes que têm da política municipal realizado um de combate as importante trabalho drogas e à de manter os jovens criminalidade. afastados da criminalidade e das drogas, levando-os a ter uma vida ativa e saudável.

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2. 6.

Precariedades da ocupação

Como toda ocupação irregular, o Serviluz apresenta algumas precariedades para as quais o projeto de urbanização tem o dever de propor soluções adequadas e harmônicas com os reais interesses da população local e objetivando minimizar impactos ambientais. As principais precariedades encontradas nesse diagnóstico foram: atendimento a saneamento básico insuficiente, acesso precário a algumas casas, tamanho de lote reduzido, coabitação de famílias e o risco de soterramento de algumas casas. Investigaremos cada tipo de precariedade com o objetivo de propor a melhor solução. Embora esse trabalho tenha o objetivo de provocar o mínimo de remoções possível, o objetivo principal deve ser mitigar as precariedades do local e, para isso, algumas remoções serão necessárias. Saneamento básico insuficiente Embora a área já tenha passado por intervenções anteriores que implantaram o saneamento básico na maior parte da ocupação, ainda existe uma parte considerável das casas sem essa infraestrutura essencial. Algumas casas não atendidas por saneamento estão localizadas na área de ocupação mais antiga do Serviluz: as proximidades do Farol. Sendo assim, conclui-se que deva existir alguma dificuldade em implantar tal infraestrutura. Supõe-se que as outras casas que não possuem saneamento, devem ter tido ocupação posterior à intervenção que implantou o saneamento no Serviluz. Atualmente os dejetos das casas que não são atendidas pela rede de esgotamento sanitário é despejado in natura no mar que é utilizado pela população como balneário. Dessa forma, a precariedade não está apenas nas casas sem saneamento, a situação representa um risco à saúde pública e um foco de poluição ambiental. É urgente que a rede de saneamento básico seja estendida e ligada às casas que se encontram nessa situação. Investigando o motivo pelo qual as áreas do Farol e da Favela não possuem saneamento, conclui-se que o grande complicador é a ausência de via que passe a uma cota abaixo das casas para que seja possível a instalação de rede de saneamento no qual as casas poderiam ser ligadas. Sendo assim, o projeto de reestruturação viária deve contemplar solução para a questão.

Figura 2.11 Casas localizadas em área do Serviluz conhecido como Favela por moradores da comunidade. Foto mostra a ausência de via que passe a uma cota inferior a localização dessas casas mapa Fonte Arquivo Pessoal

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Mapa 2.8 Atendimento de saneamento básico insuficiente Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de base dados do IBGE censo 2010

Legenda

escala: 1/20.000

PERCENTUAL DE DOMICILIOS COM BANHEIRO E LIGACAO NA RE PERCENTUAL DE DOMICILIOS COM V017 / E V002 BANHEIRO LIGAÇÃO NA REDE

1:20000

0.076364% - 0.225316% 0.225317% - 0.415663% 0.415664% - 0.757669% 0.75767% - 0.949153% 0.949154% - 1% Lingua Negra - Despejo de dejetos in natura

Precariedade por tamanho reduzido de lote Em ocupações irregulares é muito comum encontrar famílias grandes morando em espaços reduzidos, comprometendo a privacidade de casa individuo. Dessa forma, foi definido o tamanho de 35 metros quadrados como sendo o mínimo de lote para que uma família possa morar sem estar vivendo uma situação de precária. Existem casos de famílias com poucos membros em que um lote menor que 35 metros quadrados pode não significar uma situação ruim. Indicou-se então que os lotes identificados com área menor que 35 metros quadrados seriam analisados por uma equipe interdisciplinar de assistentes sociais, arquitetos e engenheiros que pudessem, ao conversar com a família e analisar a edificação, identificar as situações de real precariedade. Nos casos em que a família possuir poucos membros, será considerado também a vontade expressa da família de permanecer na casa onde mora ou ter a possibilidade de receber uma nova unidade habitacional com dimensões superiores. Para identificar os lotes menores de 35 metros quadrados foi utilizada a base de dados disponibilizada pela prefeitura dos polígonos edificados de Fortaleza. Essa base encontra-se defasada, correspondendo ao ano 1996. Em uma situação real, o mais indicado seria fazer a atualização dessa base de dados, correspondente aos polígonos de lotes da área do Serviluz, antes de identificar as precariedades. Porém, a título de simulação, esse trabalho de graduação utilizou a base de dados disponível no momento. Foram identificados 1.047 lotes com área menos que 35 metros quadrados. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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escala: 1/10.000

Mapa 2.9 Edificações com área inferior a 35 metros quadrados Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de base de dados de polígonos das edificações fornecido pela Prefeitura Municipal de Fortaleza

Precariedade por coabitação A situação de várias famílias habitarem a mesma casa também é considerada uma situação de precariedade nos casos em que essa coabitação acontece por falta de opção. A forma popular de se referir a essa situação é chamada de ‘morar de favor’. Famílias que moram de favor em casas de amigos ou familiares podem comprometer a privacidade da outra família e o bom desempenho das funções de cada cômodo por serem comparti- 1:10.000 lhados por muitas pessoas. A coabitação pode se dar também quando o dono da casa aluga os côVias para várias famílias diferentes, indicando características de cortiço. modos Em entrevista, uma moradora descreve situação de coabitação afirmando que a área chamada pelos moradores como favela é chamada assim por apresentar características de cortiço: edi f_ men or _3 5m

A favela do Serviluz discrimina isso como a favela, mas por quê? Porque aqui nessa área as casa tem vários quartinhos, e cada quartinho mora uma família que vem do interior, morador de rua que vem dormir. Os próprios donos de bordéis daquela época hoje estão podres de rico. Os bordéis não funcionam mais lá. (se refere à subárea conhecida como Favela pelos moradores do Serviluz) - (trecho da entrevista 10)

100


184

185

Mapa 2.10 Setores do diagnostico realizado pelo Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) Fonte mapa desenvolvido pela autora170 a partir de base dados do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS)

Tabela 2.5 Cálculo do deficit habitacional por coabitação total do Serviluz Fonte tabela desenvolvida pela autora a partir de base dados do Plano Local de Habitação de Interesse Social(PLHIS)

183

182

165

180

181 escala: 1/10.000

179 ESTIMATIVA ESTIMATIVA DE DEFICIT HABITACIONAL NUMERO POR COHABITAÇÃO EM NUMERO DE 1:10.000 cod. PLHIS DE IMOVEIS DOMICILIOS 180 220 130 181 55 28 Vias 182 2703 1182 183 40 16 184 247 319 185 459 228 TOTAL 3724 1903 300 32 011 p olig on ai s le ve.dwg Mul tiP atch

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Para identificar quantas famílias vivem nessa situação de coabitação no Serviluz foi utilizado um recente diagnóstico das comunidades realizado pelo PLHIS (Plano Local de Habitação de Interesse Social). Esse diagnóstico divide o polígono considerado nesse trabalho como bairro simbólico do Serviluz em diversas áreas. Para o cálculo do déficit total por coabitação do Serviluz, foram somados os déficits de todas as áreas que estavam dentro do polígono do Serviluz simbólico. Precariedade por acesso A irregularidade e estreita caixa das vias associada à densa ocupação acabam por deixar algumas casas com acesso mais difícil para a chegada de serviços urbanos essenciais como coleta de lixo, chegada de ambulâncias, chegada de carro de bombeiros etc. Para essa questão, foi definido um critério do que seria considerado precariedade por acesso. Baseou-se na literatura de Bueno (2000), pelo que se definiu que as casas que estivessem a mais de 60 metros de uma via que passa carro seriam consideradas de acesso precário. Segundo Bueno (2000) pode-se considerar via que passa carro aquelas com caixa maior ou igual a 4 metros.

Vias Via s_Serv il u z_M erg e <a ll ot her v a lue s>

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Ruas com caixa > 4m ac es s iv el

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Áreas identificadas como precárias

<all other values>

ace_serv_p

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escala: 1/10.000

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1:10000

Mapa 2.10 Localização de casas com precariedade por acesso (a mais de 60m de via que passa carro) Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de análise cartográfica


Precariedade por riscos de soterramento Essa precariedade é bastante especifica da área em estudo. Após a construção do molhe de pedras do Titanzinho, a alteração na dinâmica dos ventos e das marés vem provocando o assoreamento da área localizada a leste do molhe de pedras. Esse assoreamento vem provocando a engorda da praia do Vizinho e da Boca do Golfinho e o soterramento das casas localizadas na área do Titanzinho. As ocorrências de soterramento das casas geraram a marcação da faixa habitacional mais próxima à praia como área de risco pela Defesa Civil. Esse é um caso de área de risco que, diferentes de outras situações, a retirada das casas em nada solucionaria o problema, somente transferiria o risco para as casas que permanecessem, passando estas a serem consideradas de risco pela aproximação da praia, trazida pelo efeito dos ventos e assim sucessivamente. Os depoimentos de alguns moradores ilustram a problemática, indicando uma relativa melhora da questão desde que os caminhões de retiradas de areias começaram a passar: As pessoas sofriam muito aqui com a areia da praia. Era sério mesmo, a areia cobria mesmo a porta. Tinha gente que entrava pulando o muro para dentro de casa. (...) (trecho da entrevista 01) As casas aqui que não tem forro, tem que ter uma lona embaixo das telhas, se não ninguém consegue dormir, nem comer. Aqui tem muita areia que vem do mar. Toda hora os tratores tirando areia. Se o trator não tirar essa areia durante duas semanas ela invade tudo. (trecho da entrevista 11) Aquela casa ali tem três embaixo. Quando a gente chegou, a areia já tava invadindo ela, então não deu jeito, a areia cobriu ela. Porque antigamente não tinha os tratôs. Aqui já chegou a formar um morro gigante, de a casa da gente ficar lá embaixo. O pessoal vinha da praia, quando via as casas da gente lá embaixo. Era um buraco aqui. Aí puxava areia e fazia outra casa em cima. Antigamente era de taipa as casas, era mais fácil fazer. (trecho da entrevista 11)

Na década de 1990 foi implantado um projeto pela SEMACE de contenção das areias através de telas de naylon e palhas de coqueiros. Porém, a falta de manutenção e a depredação da estrutura pelos próprios moradores fez com que o projeto não exista mais.

Figura 2.7 Projeto da SEMACE na década de 90 de contenção das areias atraves de telas de nylon e vegetação Fonte LIMA, p. 169, 2005

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Essa questão do assoreamento da área também provoca problemas para o sistema viário. Durante os meses de maior vento (setembro, outubro e novembro) não raro a via Ponta Mar fica soterrada, prejudicando o acesso de várias casas. Figura 2.8 Soterramento via Ponta Mar Fonte arquivo pessoal

O geógrafo Ernandy Lima apresenta em seu trabalho de mestrado (LIMA, 2005) a problemática das areias no Serviluz. Lima (2005) identifica as vias perpendiculares à praia na área do Titanzinho como sendo as vias de maior risco de soterramento. A problemática é ainda mais grave, pois a maior parte dessas vias não possui dimensões suficientes para a passagem de caminhão de retirada de areias.

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Mapa 2.9 Dinâmica do carregamento de gãos de areia pelos ventos Fonte LIMA, p. 80, 2005


Figura 2.10 a Foto ilustrativa da dinâmica do carregamento de gãos de areia pelos ventos Fonte LIMA, p. 88, 2005

Figura 2.10 b Foto ilustrativa da dinâmica do carregamento de gãos de areia pelos ventos Fonte LIMA, p. 89, 2005

Figura 2.10 c Foto ilustrativa da dinâmica do carregamento de gãos de areia pelos ventos Fonte LIMA, p. 98, 2005

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Como conclusão do trabalho Ernandy aponta diretrizes para lidar com essa questão. Melhorar a infraestrutura viária de acesso aos caminhões – sobretudo nas vias de maior risco – e retomar do projeto da SEMACE de contenção das dunas através de telas e palhas de coqueiro são algumas das principais diretrizes propostas pelo geógrafo: Podemos asseverar que o lugar Serviluz é um grande loteamento ainda ilegal que demanda regularização fundiária e qualificação urbanística, esta através das ações de infraestrutura urbana contextualizada. Imperiosamente, faz-se necessário melhorar a infraestrutura do abastecimento de água, esgotamento sanitário e a instalação de equipamentos de cultura e lazer. Ademais, a melhoria sistema viário facilitaria a entrada de caminhões nos setores (identificados na pesquisa) de alto e moderado impacto que são atingidos pelo soterramento. (...) O controle de soterramento das casas, vias de acesso e outros equipamentos urbanos, devem ser controlados por soluções factíveis e efetivas. As areias dos campos dunares devem ser devolvidas à faixa de praia. Deve-se igualmente, implantar e instalar telas móveis que possibilitem a atenuação dos setores vulneráveis ao soterramento. Isso posto, inegavelmente, concordamos com o retorno do projeto realizado pela SEMACE em meados de 1993, viabilizado pelas telas (nylon) de contenção e pela vegetação, em que se foram propostas os usos de palhas de coqueiro, salsa (Ipomoea asarifolia) fava de boi (Canavalia rosea) e telas de linha (nylon). (...) (...) Assim, a problemática do soterramento pode ser minimizada pela instalação das mencionadas telas e vegetações, visto que seja uma forma de manejo orientada por um monitoramento sistemático e contínuo de remoções das areias, tanto pelo poder público como pela comunidade, precisamente nos período de estiagem (meses entre agosto e dezembro). (LIMA, 2005, pp.173 - 174)

Interessante constatar que após amplo estudo sobre a dinâmica das areias e dos riscos que as habitações passam a conclusão do geógrafo aponta para a manutenção das casas e criação de mecanismos para conviver com o problema. Em nenhum momento a remoção das casas foi cogitada como alternativa, pelo contrário, Ernandy alerta para importância da regularização fundiária e qualificação urbanística da área. Moradora do bairro reivindica alteração no sistema viário no sentido de resolver o problema de soterramento das casas, demonstrando a posição de manter as casas e resolver o problema através de intervenções urbanísticas que possam garantir o controle do problema: Nós temos o problema de dunas móveis. Nós fizemos um levantamento no bairro onde possivelmente a gente queria que mexesse nas ruas, mas não foi atendido. O que é que o governo quer? (trecho da entrevista 10)

Nesse contexto, o trabalho aqui apresentado acata a opinião técnica das conclusões da pesquisa de mestrado (LIMA, 2005), e com a vontade expressa da população de permanecer no Serviluz, criando estratégias para conviver com o problema. Para que se viabilize a possibilidade de conviver com a questão, apontamos para a necessidade de um desenho urbano e viário que considere a problemática, e para retomada do projeto da SEMACE.

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PRECARIEDADES DA OCUPAÇÃO PROBLEMAS

POTENCIALIDADES

• Saneamento Básico insuficiente.

• Existência de rede de saneamento básico no local, sendo necessária apenas a ampliação da infraestrutura.

• Uma parte do setor não atendido não possui via com cota abaixo das casas para instalação de galeria receptora de saneamento.

• Contemplar solução viária para instalação de rede se saneamento na área não atendida. • Estender a infraestrutura de saneamento básico para a totalidade de domicílios do Serviluz.

• Acesso precário a algumas casas.

• Na década de 1990, um • Propor Plano de projeto da COHAB-CE reestruturação viária realizou um projeto de que resolva as questões estruturação viária, de precariedade por deixando as vias nos acesso das casas. Serviluz relativamente definidas, senso necessário apenas uma reestruturação para mitigar as precariedades por acesso.

• Casas com tamanho de lote reduzido (indicando precariedade habitacional).

• Existência de áreas • Reassentar famílias que vazias dentro de vivem em situação de Serviluz, algumas precariedade delimitadas como ZEIS habitacional em tipo3. Esses terrenos terrenos dentro da área podem ser utilizados do Serviluz. para reassentar famílias em situação de precariedade.

• Muitas famílias vivendo em situação de coabitação.

Tabela 2.6 Problemas, potencialidades e diretrizes relativas ao tema Criminalidade e Violência Fonte tabela desenvolvida pela autora

DIRETRIZES

• Risco de Soterramento das casas próximas a Via Ponta Mar.

• Existência de estudos técnicos sobre o tema apontando maneiras de conviver com a problemática.

• Propor desenho de vias que considerem a problemática • Reimplantar projeto de contenção de dunas através de telas, palhas de coqueiro e vegetação de restinga.

Figura 2.11 Foto mostrando cotidiano do caminhão de refirada de areia atuando no Serviluz Fonte arquivo pessoal

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2. 7 .

Vitalidade e Mobilidade das Ruas

Antes de apontar os problemas que as vias do Serviluz possuem, é relevante considerar algumas características muito valiosas, tais como a vitalidade e diversidade de usos das vias, assim como o caráter lúdico de brincadeira e lazer. Desta perspectiva, a via constitui-se em uma extensão da casa. Estas são características de urbanidade que devem ser cuidadosamente consideradas e preservadas.

Essa vitalidade que as vias de uma ocupação irregular apresentam deve ser reconhecida e comemorada na medida em que nos bairros formais o cenário é bem oposto. A dinâmica própria das ruas observadas no Serviluz vem se perdendo progressivamente nas vias dos bairros formais com a prioridade que é dada ao carro e a formas arquitetônicas que não se relacionam com o espaço público, com altos muros e extensas grades. Não raro diagnósticos específicos de ocupações irregulares, se voltam apenas em apontar os pontos negativos e precariedades desse tipo de ocupação. Porém, considero essencial enxergar o que pode haver de melhor no espaço da cidade: essa rede de confiança mutua descrita por Jacobs (p.60, 2009), o sentido de comunidade, e o prazer de estar e conviver no espaço público, mesmo quando esses espaços públicos são precários. (...) As ruas e suas calçadas, principais locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais. Ao pensar em uma cidade, o que lhe vêm a cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecerem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecem monótonas, a cidade parecerá monótona. (JACOBS, 2009, p.29) A confiança na rua forma-se com o tempo a partir de inúmeros pequenos contactos públicos nas calçadas. Ela nasce de pessoas que param no bar para tomar uma cerveja, que recebem conselhos do merceeiro e dão conselhos ao jornaleiro, que cotejam opiniões com outros fregueses na padaria e dão bom dia aos garotos que bebem refrigerante a porta de casa, de olho nas meninas enquanto esperam ser chamados para o jantar, que advertem as crianças, que ouvem do sujeito da loja de ferragens que há um emprego e pegam um dólar emprestado com o farmacêutico, que admiram os bebês novos e confirmam que um casaco realmente desbotou. (...) Grande parte desses contactos é absolutamente trivial, mas a soma de tudo não é nem um pouco trivial. A soma desses contactos públicos no âmbito local (...) resulta na compreensão da identidade pública das pessoas, uma rede de respeito e confiança mútuos e um apoio eventual na dificuldade pessoal ou da vizinhança. A inexistência dessa confiança é fatal para a rua. Seu cultivo não pode ser institucio-

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Da esquerda para direita Figura 2.12 Foto rua Leite Barbosa mostanto a vitalidade e caráter lúdico das ruas no Serviluz Fonte Pagina de rede social de fotógrafo morador do Serviluz - Raimundo Cavalcante. <http://www.facebook. com/raimundinho.tsc> Figura 2.13 Foto rua José Monteiro mostanto a vitalidade e caráter lúdico das ruas no Serviluz Fonte Arquivo pessoal


nalizado. E, acima de tudo, ela implica em não comprometimento pessoal. (JACOBS, 2009, p.60)

A humildade em reconhecer que o mundo informal possui qualidades desejáveis que foram perdidas em grande parte da parcela formal das cidades brasileiras, permite a sensibilidade de propor de forma menos autoritária. O objetivo de uma intervenção viária deve ser mitigar as precariedades preservando e potencializando essas características de vitalidade das ruas. A reprodução irrefletida de tipologias viárias da cidade formal, que dão prioridade ao carro e tratam as vias como meros espaços de circulação, não apenas é desnecessária como pode ser nociva a essa vitalidade existente. Voltando ao objeto de estudo, o Serviluz possui ruas vivas, em grande parte, por conta dos pequenos comércios habitacionais que surgem espontaneamente, favorecendo os usos mistos. Esses pequenos negócios familiares, não apenas representam uma fonte de renda para as famílias, mas também contribuem em tornar as ruas movimentadas, diversificadas e atraentes para os moradores. “A maioria, quando dá cinco da tarde, bota seu bolo, bota o seu churrasco, tudo vende!” (trecho da entrevista 10). Nos distritos predominante ou quase exclusivamente residenciais, quanto maior for a complexidade e a variedade de usos principais que possam ser cultivadas, tanto melhor, assim como nos centros das cidades. Mas a peça de xadrez mais importante para esses distritos é o uso principal do trabalho. (...) esses dois usos principais podem imbricar-se perfeitamente (...) (JACOBS, 2009, p.192)

Figura 2.14 Foto rua Leite Barbosa mostanto os usos comerciais e a intensa presença de pessoas ulilizando a rua como espaço de estar e lazer Fonte Pagina de rede social de fotógrafo morador do Serviluz - Raimundo Cavalcante. <http://www.facebook. com/raimundinho.tsc>

Para entender melhor como acontece essa mistura de usos fez-se um mapeamento de intensidade de comércio no Serviluz a partir da observação e vivência no local. Considerando que toda a área é predominantemente habitacional, o uso comercial se insere como peça estratégica para o florescimento da diversidade.

Figura 2.15 Foto mostrando típico comércio familiar muito comum nas ruas do Serviluz Fonte Arquivo pessoal

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6

escala: 1/10.000

Mapa 2.11 Intensidade comercial nas ruas do Serviluz Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de observação e pesquisa em campo

Nesse mapa podemos observar que em todo o tecido habitacional existe uma média intensidade comercial. Essa característica contribui para que todas as ruas estejam sempre cheias de pedestres. Percebeu-se que havia algumas vias que se diferenciavam, tendo comércio mais intenso, ou menos intenso. A via Zezé Diogo, sem dúvida, assume um papel de destaque nesse tema. Essa via funciona como uma centralidade linear do Serviluz, possuindo grande diversidade comercial e intenso fluxo de pessoas e carros transitando em todas as horas do dia. Observou-se que ao longo de sua extensão existem variações nessa intensidade comercial. Nos trechos em que 1:10000 existe edificações dos dois lados da via com fachadas ativas, a intensidade é maior. No trecho em que a via margeia o terreno vazio do campo do Paulista essa intensidade cai um pouco. O numero de comércios não é me-

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nor apenas por só haver um lado da via, mesmo no lado edificado, parece haver menos comércio. Ao que parece, um lado é capaz de alimentar a vitalidade do outro lado da via, havendo uma espécie de retroalimentação. Ao final na Zezé Diogo, há um pequeno trecho em que embora ambos os lados sejam edificados, existem alguns terrenos murados, um extenso terreno onde funciona uma escola, alguns terrenos vazios e um grupo de casas aparentemente de alto padrão, em relação às demais.

Figura 2.16 Foto av. Zezé Diogo Fonte Arquivo pessoal

Figura 2.17 Foto av. Zezé Diogo com terreno do campo do paulista na margem esquerda Fonte Arquivo pessoal

A via Leite Barbosa, no trecho em que margeia o mar (estando encima do molhe de pedras do Titanzinho), também é uma via que apresenta grande vitalidade e diversidade de usos. Nela estão localizados vários comércios com vista para o mar e algumas associações de moradores e escolinhas esportivas como Centro comunitário da dona Mariazinha, a escolinha do Fera, a associação Vila Mar da irmã Joyce e a escolinha de artes marciais do Shaolin). No lado não edificado que margeia o mar, existe uma calçada com algumas estruturas de sombra, onde os moradores tem costume de parar para jogar conversa fora e assistir a prática do surf na da Praia do Titanzinho. Recentemente, esses locais tem sido utilizados também para o comércio, que floreia ainda mais nos fins de semana. Ali exitem barracas

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de venda de peixe, sucos e açaí, bar, tapioca, dentre outros. Nesse contexto essa é uma importante via para identidade do Serviluz, tanto pela presença das associações como pelo caráter de lazer que a via possui. Esta via é a identidade do bairro para aqueles que vêm de fora, de outros locais da cidade, e que vão para praticar surf.

Figura 2.18 Foto rua Leite Barbosa Fonte Pagina de rede social de fotógrafo morador do Serviluz - Raimundo Cavalcante. <http://www.facebook. com/raimundinho.tsc>

Figura 2.19 Foto rua Leite Barbosa Fonte Pagina de rede social de fotógrafo morador do Serviluz - Raimundo Cavalcante. <http://www.facebook. com/raimundinho.tsc>

Figura 2.20 Foto rua Leite Barbosa Fonte Pagina de rede social de fotógrafo morador do Serviluz - Raimundo Cavalcante. <http://www.facebook. com/raimundinho.tsc>

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A observação da Ponta Mar que margeia a praia do Vizinho e da praia da Boca do Golfinho, inicialmente causou surpresa por ser um lugar sem vida, diferente as outras vias do bairro, com poucos pedestres. É verdade que essa é uma importante via de acesso para os carros, mas parece não ser muito atraente para os pedestres, apesar da vista marítima. Também não foi observada nenhuma vitalidade comercial. Supõe-se que essas características destoantes com as demais vias, estejam relacionadas com questão da dinâmica de assoreamento. Sem dúvida essa é a área afetada mais diretamente com os ventos carregados de grãos de areia. Dessa forma, a abertura da edificação para essa via se torna algo hostil, desencorajando a abertura de comércios. Até nas casas cujas fachadas estão voltadas para essa via, as esquadrias passam a maior parte do tempo fechadas. Nesse contexto, conclui-se que a dinâmica de assoreamento, além de uma precariedade habitacional, também é um fator destruidor da vitalidade e urbanidade.

Figura 2.21 Foto rua Ponta Mar Fonte arquivo pessoal

Após essa breve caracterização das vias do Serviluz, focada nas características de vitalidade, analisaremos agora os problemas viários de mobilidade. No tópico de ‘Precariedades da Ocupação’ já foi abordado a questão de precariedade por acesso que é um dos principais problemas de mobilidade do local. Em grande parte, os problemas de mobilidade, inclusive os que causam a precariedade por acesso, são decorrentes da descontinuidade viária causada pelas ampliações frontais das casas. Na década de 1990, foi realizada uma intervenção pela COHAB-CE que promoveu a estruturação viária no Serviluz. Essa intervenção fez parte de uma das primeiras ações que urbanização de assentamentos precários em Fortaleza, que se concentraram em setores estratégicos da cidade onde havia interesse de tornar destinos turísticos em áreas situadas em setores de renda média-alta, e se caracterizaram pela abertura de eixos viários, a adequação de usos nas margens de recursos hídricos e provisão de infraestrutura. A regularização fundiária ainda não fazia parte das ações de urbanização. Esse período de intervenções está descrito no capitulo de Referencial Teórico desse trabalho (p.63). Por conta dessa ação, atualmente o sistema viário da maior parte do Serviluz possui um desenho razoavelmente bem definido. Um morador do local comenta a ação, considerando-a positiva: Veio uma intervenção daqui que tiraram muitas casas para abrir as ruas, nos anos 90. Muitos foram para o Caça e Pesca. Melhorou muito, as ruas são mais largas, mais iluminadas. (...) Era só beco. (trecho da entrevista 11) EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Interessante perceber nesse depoimento que para as remoções que não havia projeto de reassentamento especifico, as famílias removidas acabavam por ir ocupar novos terrenos irregularmente. Segundo o entrevistado, muitos dos que moravam no Serviluz tiveram que ir morar no Caça e Pesca, contribuindo para o aumento da densidade desta outra ocupação. Ou seja, o problema da densidade excessiva não era resolvido, apenas mudava de endereço. Após a realização dessa intervenção de estruturação viária, não houve fiscalização, ou políticas habitacionais que atendessem a população que continuava a crescer. Dessa forma, com o tempo as casas passaram a gradualmente ocupar parte do leito viário, prejudicando as condições de circulação. É o que explica um morador entrevistado: “Como a população cresceu, diminuíram as vias, a população tomou conta da calçada e deixou só a rua”. (trecho da entrevista 10)

Figura 2.22 Foto demostrando a dinâmica de estreitamento viário a partir da ampliação das casas Fonte arquivo pessoal

Figura 2.23 Foto demostrando a dinâmica de estreitamento viário a partir da ampliação das casas Fonte arquivo pessoal

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Essa tomada da caixa da via para a ampliação da casa, em diversos pontos foi tamanha que provocou a obstrução total do leito viário, tornando beco (ou uma rua sem saída) o que antes era uma via. Através dos depoimentos dos moradores e da observação do espaço viário no Serviluz, consideramos que o processo comum tenha sido esse: (1) Primeiro os moradores ampliam sua casa tomando à calçada, (2) depois algum morador mais ousado amplia mais um pouco tomando o espaço do leito carroçável. Nem todos concordam inicialmente, mas como não há para quem denunciar, com o tempo, (3) se acostumam. Depois da situação de inacessibilidade consolidada, os (4) outros moradores da via aproveitam que a via já não passa carro para ampliar a sua casa também. Depois, nos espaços vazios que ainda restam, (5) chega uma nova família e ocupa, construindo a casa em cima do eixo que um dia foi uma via.

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Nas vias internas do Serviluz observamos esses processos em todos os estágios descritos, às vezes, ao longo da mesma via. A seguir, observa-se um mapa mostrando essa situação de descontinuidade viária e caixas de via variável, prejudicando o acesso de carros e a mobilidade.

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Mapa 2.12 Descontinuidade viária Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de analise cartigrafica e observação e pesquisa em campo

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EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Essa tomada da caixa da via para a ampliação da casa, em diversos pontos foi tamanha que provocou a obstrução total do leito viário, tornando beco (ou uma rua sem saída) o que antes era uma via. Através dos depoimentos dos moradores e da observação do espaço viário no Serviluz, consideramos que o processo comum tenha sido esse: (1) Primeiro os moradores ampliam sua casa tomando à calçada, (2) depois algum morador mais ousado amplia mais um pouco tomando o espaço do leito carroçável. Nem todos concordam inicialmente, mas como não há para quem denunciar, com o tempo, (3) se acostumam. Depois da situação de inacessibilidade consolidada, os (4) outros moradores da via aproveitam que a via já não passa carro para ampliar a sua casa também. Depois, nos espaços vazios que ainda restam, (5) chega uma nova família e ocupa, construindo a casa em cima do eixo que um dia foi uma via. Nas vias internas do Serviluz observamos esses processos em todos os estágios descritos, às vezes, ao longo da mesma via. A seguir, observa-se um mapa mostrando essa situação de descontinuidade viária e caixas de via variável, prejudicando o acesso de carros e a mobilidade. Esse processo não causou problemas apenas em relação ao acesso de carros. A perda da separação entre o espaço de pedestres e espaço de carros – devido à ocupação da calçada – bem como a redução da caixa viária reduzida – que passa a abrigar tanto o fluxo de pedestres e ciclistas como de veículos motorizados –, causam diversos conflitos de usos nas vias. Surpreendi-me ao constatar, durante o contato com os moradores, que essas características incomodam bastante os habitantes, mesmo tendo sido decorrente de ações dos próprios moradores: (quando perguntado do que menos gosta) A urbanização é muito irregular, tem rua mais larga, rua mais estreita, tem rua que passa ônibus, rua que não passa nem bicicleta! Essa minha rua aqui tem trecho que passa carro normal e trecho que só passa Corsa raspando pelos dois lados, e trecho que não passa nem bicicleta. (...) Se chamar a ambulância logo pergunta se é beco ou rua. Se for beco, às vezes eles nem vêm, ficam cabreiros. Taxi também, os taxistas têm muito preconceito e medo. Correspondência é mais tranquilo, eles vêm de moto. (trecho da entrevista 07) (...) O trânsito de gente na rua é muito constante. O pedestre aqui que manda! O pedestre aqui é no meio de carro, no meio de bicicleta, no meio de tudo! Se passar aqui às seis horas você vai ver uma ruma de gente brincando, jogando, cadeira na rua. É ruim porque atrapalha o transito, é via, né? Tudo asfaltado. (pergunto se tem muito trânsito de carro também) Tem trânsito de carro sim. Principalmente época de eleição. Carro de lixo também. (trecho da entrevista 07)

Figura 2.24 Foto demostrando o conflito entre diversos usus da via - carros, pedestres e ciclistas Fonte Pagina de rede social de fotógrafo morador do Serviluz - Raimundo Cavalcante. <http://www.facebook. com/raimundinho.tsc>

116


A surpresa foi ainda maior ao entrevistar uma moradora que possui sua casa ampliada para a rua, em um trecho da via uniformemente estreitado. Essa moradora demonstrou desejo de que a via em que mora fosse alargada, mesmo que, para isso, a parte da sua casa ampliada tivesse que ser demolida. (ao perguntar se gosta da casa onde mora) Eu gosto da minha casa. Eu só não gosto mais porque a rua é estreita, só passa bicicleta. Eu tinha vontade de abrir aquela rua. (...) Quando eu fiz minha casinha lá, só era eu. Aí o pessoal começou ao fazer casa do lado. Eu desejava abrir a rua. Ia tirar um pedaço da minha casa, mas minha casa é muito grande. Aí abria a rua e ficava mais bonitinho. Todo mundo ajeitado. Ficava muito legal. (trecho da entrevista 09)

Claro que é necessário considerar que essa opinião é de uma única moradora, e não da comunidade inteira. Mas saber que pelo menos parte da população concorda com a reestruturação viária, mesmo que isso signifique demolir suas ampliações é já um grande passo para um acordo entre projeto urbano e vontades expressas da comunidade. De uma forma geral, foi percebida uma tolerância em relação a um eventual projeto de reestruturação viária. Em alguns casos, não apenas tolerância, mas de fato uma vontade expressa que isso pudesse ser realizado. A resistência maior em relação à reestruturação viária estar no medo da remoção para outro lugar fora do Serviluz. O trecho de uma entrevista, a seguir, ilustra essa relação. (opinião sobre uma possível melhoria nas vias) Se for para tirar as pessoas que moram no bairro para botar em outra área, acho que não precisa mudar nada não. (trecho da entrevista 02)

Para completar a análise viária, foram feitos dois mapas, baseados na vivência e observação do espaço. Um deles indica a intensidade de fluxo de pedestres nas vias, o outro expõe a intensidade de fluxo de carros. Essa análise foi importante para, no momento da concepção do projeto, considerar os fluxos atuais de pessoas e veículos motorizados. Contatou-se que o fluxo de pedestre é intenso em praticamente todo o tecido habitacional do Serviluz, porem existe vias em que é importante que esse fluxo de pedestres possa conviver com os carros. No caso da via Zezé Diogo, é necessário permitir o fluxo intenso de carros e de pedestres simultaneamente. Já nas vias mais internas é importante permitir o acesso aos carros, porém em um fluxo menos intenso e mais lento. A decisão de considerar apenas pedestres e carros foi uma forma de simplificar a análise aqui proposta. Porém, deve-se fazer a importante resalva de que existem outros meios de transporte bastante frequentes. Alem de pedestres e carros, as motos e bicicletas fazem-se presentes de forma considerável. Não se poderia concluir essa análise sem essa observação, pois é inolvidável que o projeto considere tal fato. Para as motos, não se vê problemas em dividir o espaço com os carros. Já para as bicicletas, apontase para a necessidade de haver uma atenção especial no desenho viário.

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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escala: 1/20.000

118

Mapa 2.13 Intensida fluxo de Legenda carros Fonte Fluxo de Carros mapa desenvolvido alto de pela autora a partir observação e pesquisa médio em campo baixo inexistente


Vitalidade e Mobilidade das Ruas PROBLEMAS

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DIRETRIZES

• Via Zezé Diogo com • Possibilidade de potencial de utilização dos vitalidade terrenos vazios para subutilizado devido implantação de existência de vazios novos usos que urbanos e fachadas deem vida à rua. cegas.

Tabela 2.7 Problemas, potencialidades e diretrizes relativas ao tema Vitalidade e mobilidade das ruas Fonte tabela desenvolvida pela autora

• Utilizar os terrenos vazios para implantação de novas unidades habitacionais com fachadas ativas e possibilidade de instalação de comércio familiar. • Via Ponta Mar com • Existência de • Criação de um vitalidade destruída estudos específicos desenho urbano que por conta de sobre a dinâmica dos possa resguardar a incômodo do ventos que podem área habitacional dos assoreamento. ajudar a apontar ventos carregados de soluções para areias diminuir o problema de assoreamento. • Retomada de projeto da SEMACE de contenção das areias através de telas e plantação de espécies de restinga. • Descontinuidade • Vontade expressa de • Realizar projeto de viária por conta das alguns moradores reestruturação viária, ampliações das em que haja um tentando minimizar as casas invadindo o projeto de descontinuidades, leito viário. reestruturação viária mitigar as diminuindo as precariedades por descontinuidades. acesso e, ao mesmo tempo, preservar as características de • Projeto de vitalidade das vias. intervenção viária Cohab - CE na década de 1990 deixou parte das vias do Serviluz definidas. • Conflitos de usos • Reconhecimento do • Realizar projeto de nas vias entre conflito pelos reestruturação viária, carros, motos, moradores. que seja capaz de pedestres e organizar os fluxos ciclistas. dos diversos usuários, provocando o mínimo de remoções possível.

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119


2. 8.

Legislação referente à área

Para completar a análise da área faz-se necessário, além da valorização dos dados primários coletados in loco, verificar também qual é a legislação pertinente à área, no que tange a intervenções urbanísticas. Analisaremos então o Plano Diretor de Fortaleza, como principal regulador municipal e como primeiro regulador municipal que considera as diretrizes do Estatuto da Cidade. É importante salientar que a compreensão da referida legislação deve-se dar em consonância às regras e princípios constitucionais que regem o ordenamento jurídico pátrio, assim como em relação aos compromissos internacionalmente assumidos pela República Federativa do Brasil por meio de tratados e demais regulamentações de âmbito internacional. Nesse contexto, destaca-se o disposto no art. 182 da Constituição Federal: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

O mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, estabelece que “o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.” Essas determinações constitucionais devem tomar em conta o direito fundamental à moradia, expresso no art. 6º da Constituição Federal, no rol de direitos sociais. Defendendo a eficácia do direito à moradia, o aclamado jurista gaúcho Ingo Sarlet reconhece que há uma “íntima e indissociável vinculação com a dignidade da pessoa humana” , visto que a moradia digna é condição material mínima para uma vida digna, devendo o Estado assegurar o acesso a esse direito. No plano internacional, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1996), promulgado no Brasil por meio do Decreto nº 591/1992 determina que os Estados Partes devem reconhecer o direito de toda pessoa à moradia adequada e comprometer-se a tomar medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito. Para completar a análise ressaltamos a importância da existência de um bem tombado pelo IPHAM (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) dentro da área de intervenção: a edificação do Farol Velho de Fortaleza (aquele apagado, segundo a canção de Ednardo). Plano Diretor Participativo de Fortaleza No zoneamento urbano ambiental do PDPFor (Plano Diretor Participativo de Fortaleza, 2009) verificam-se a existências de duas Zonas influentes na área de intervenção. A ZO6 (Zona da Orla - Cais do Porto) e a ZPA2 (Zona de Preservação Ambiental – Faixa de Praia).

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EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Como se pode observar, a área de proteção ambiental (ZPA2) não exerce influência diretamente na área já ocupada, sendo indicado apenas que não se permita o avanço da ocupação para a faixa de praia. Para isso, é conveniente propor um desenho urbano que deixe bem delimitado o que deve ser área ocupada e o que deve ser área livre. A área correspondente à ocupação possui índices edilícios bastantes destoantes da realidade do local. Como o Serviluz é uma ocupação informal e espontânea, a sua ocupação é bem mais densa do que o recomendado, com índice de permeabilidade dentro do lote tendendo a 0%. Nesse caso, devemos levar em consideração também outro Zoneamento do Plano Diretor. O Zoneamento que define as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).

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Mapa 2.15 Zoneamento Zonas Especiais de Interesse Social no Serviluz PDP , 2009 Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de banco de dados fornecido pela Prefeitura Municipal de Fortaleza


A ZEIS, como já foi mencionada em outras seções desse trabalho, é um importante instrumento de planejamento urbano legitimado pelo Estatuto da Cidade (Lei n0 10.257/2001) e pelo atual Plano Diretor de Fortaleza (Lei Complementar Municipal n0 62/ 2009). Dessa forma, dois tipos de ZEIS influem sobre a área: a ZEIS tipo 1 (ocupação), e a ZEIS tipo 3 (vazio). As diretrizes do PDPFor apontam para que áreas demarcadas como ZEIS possam ser alvo de planos de urbanização que promovam a regularização fundiária, e eliminam as precariedades da ocupação. A partir desses projetos existe a possibilidade de flexibilização dos índices. Esses aspectos se encontram dispostos nos artigos 123, 262 e 276 do Plano Diretor Participativo de Fortaleza. Art. 123 - As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são porções do território, de propriedade pública ou privada, destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados e ao desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado popular nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeitas a critérios especiais de edificação, parcelamento, uso e ocupação do solo. Art. 262 - O Município deverá promover planos de urbanização, que necessariamente contarão com a participação dos moradores de áreas usucapidas coletivamente e habitadas por moradores de baixa renda, para a melhoria das condições habitacionais e de saneamento ambiental; devendo as áreas necessárias para a implementação das vias e dos equipamentos públicos serem doadas ao Município, quando iniciada a execução do Plano de Regularização Fundiária. Art. 276 - Os projetos para regularização fundiária nas ZEIS 1 e 2 ficam dispensados das exigências urbanísticas para loteamento estabelecidas na legislação municipal, observando a normatização especial prevista no plano integrado de regularização fundiária, devendo ser devidamente aprovados pelo órgão técnico municipal competente.

Destarte, cumpre verificar quais são as principais diretrizes para cada tipo de ZEIS existente na área do Serviluz. Vejamos o que a lei complementar municipal determina para a ZEIS tipo 1 (ocupação): Art. 126 - As Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS 1) são compostas por assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental. Art. 127 - São objetivos das Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS 1): I - efetivar o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana; II - promover a regularização urbanística e fundiária dos assentamentos ocupados pela população de baixa renda; III - eliminar os riscos decorrentes de ocupações em áreas inadequadas; IV -ampliar a oferta de infraestrutura urbana e equipamentos comunitários, garantindo a qualidade ambiental aos seus habitantes; V - promover o desenvolvimento humano dos seus ocupantes. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Art. 128 - Serão aplicados nas Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS 1), especialmente, os seguintes instrumentos: I - concessão de uso especial para fins de moradia; I - usucapião especial de imóvel urbano; II - concessão de direito real de uso; IV - autorização de uso; V - cessão de posse; VI - plano integrado de regularização fundiária; VII - assistência técnica e jurídica gratuita; VIII - direito de superfície; IX - direito de preempção.

O outro tipo de ZEIS existente na área é a ZEIS 3. Essas são áreas vazias na malha urbana dotada de infraestrutura que devem atender a demandas habitacionais. Foram delimitadas estrategicamente próximas as ZEIS 1 e 2, para que pudessem ser utilizadas pelos planos de urbanização e regularização fundiária, ajudando a mitigar as precariedades desses assentamentos. Vejamos como o Plano Diretor Participativo de Fortaleza trata da ZEIS 3: Art. 133 - As Zonas Especiais de Interesse Social 3 - ZEIS 3 - são compostas de áreas dotadas de infraestrutura, com concentração de terrenos não edificados ou imóveis subutilizados ou não utilizados, devendo ser destinadas à implementação de empreendimentos habitacionais de interesse social, bem como aos demais usos válidos para a Zona onde estiverem localizadas, a partir de elaboração de plano específico. § 1º - Caberá ao Poder Público Municipal elaborar Plano de Intervenção para cada ZEIS 3, no qual serão delimitadas as áreas precisas de aplicação das diretrizes contidas neste artigo, respeitados os procedimentos sequenciais dos arts. nº 208 a 217 deste Plano Diretor, e em conformidade com os arts. 5º e 8º do Estatuto da Cidade. § 2º - Os proprietários que implementarem projetos habitacionais de interesse social nos terrenos vazios contidos nas ZEIS 3 serão beneficiados com a transferência de todo o potencial construtivo da propriedade para as áreas passíveis de importação deste parâmetro. § 3º - Nas ZEIS 3 com predominância de edificações subutilizadas e não utilizadas em áreas dotadas de infraestrutura, serviços urbanos e oferta de empregos, ou que estejam recebendo investimentos desta natureza, poderão, conforme o interesse público, além do disposto no caput, visar à requalificação urbanística e à dinamização econômica e social. Art. 134 - São objetivos das Zonas Especiais de Interesse Social 3 (ZEIS 3): I - ampliar a oferta de moradia para a população de baixa renda; II - combater o déficit habitacional do Município; III - induzir os proprietários de terrenos vazios a investir em programas habitacionais de interesse social. Art. 135 - Serão aplicados nas Zonas Especiais de Interesse Social 3 (ZEIS 3), especialmente, os seguintes instrumentos:

124


I - parcelamento, edificação e utilização compulsórios; I - IPTU progressivo no tempo; I - desapropriação para fins de reforma urbana; IV - consórcio imobiliário; V - direito de preempção; VI - direito de superfície; VII - operações urbanas consorciadas; VIII - transferência do direito de construir; IX - abandono; X - plano de intervenção.

Dessa forma, a ZEIS 1 e 3 existentes na área podem servir como importantes instrumentos para garantir a função social do solo urbano. Apontando claramente para a necessidade de realização de um plano urbanístico para esse tipo de ocupação. Nesse sentido, é mister verificar o que a lei aponta para esse tipo de plano integrado de regularização fundiária: Art. 269 - São diretrizes dos planos integrados de regularização fundiária: I - a integração dos assentamentos informais à cidade formal; II - a integração do traçado viário das ZEIS com o sistema viário do seu entorno; IIII - a inclusão social, com atenção especial aos grupos sociais vulneráveis; IV - a promoção do desenvolvimento humano e comunitário, com a redução das desigualdades de renda e respeito à diversidade de gênero, orientação sexual, raça, idade e condição física; V - a articulação das políticas públicas para a promoção humana; VI - a qualidade ambiental dos assentamentos; VII - o controle do uso e ocupação do solo; VIII - o planejamento e a gestão democráticos, com efetiva participação da população diretamente beneficiária; IX - o respeito à cultura local e às características de cada assentamento na definição das intervenções específicas. Art. 270 - Será elaborado plano integrado de regularização fundiária específico para cada uma das ZEIS 1 e 2, tendo como conteúdo mínimo: I - diagnóstico da realidade local, com análises físico-ambiental, urbanística e fundiária, mapeamento de áreas de risco, identificação da oferta de equipamentos públicos e infraestrutura, caracterização socioeconômica da população e mapeamento das demandas comunitárias; II - normatização especial de parcelamento, edificação, uso e ocupação do solo; III - plano de urbanização; IV - plano de regularização fundiária; V - plano de geração de trabalho e renda; VI - plano de participação comunitária e desenvolvimento social. § 1º - Os planos integrados de regularização fundiária devem ser elaborados com efetiva participação das populações ocupantes das ZEIS, devendo ser aprovados pelos respectivos Conselhos Gestores e, posteriormente, instituídos por Decreto Municipal.

Chama-se a atenção para dois aspectos nos artigos citados do Plano Diretor de Fortaleza. O primeiro deles é a necessidade de normatização esEM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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pecial de parcelamento, edificação, uso e ocupação do solo, colocado no inciso II do art. 270. Essa determinação é de extrema importância tanto para viabilizar a regularização fundiária, bem como para constituir um instrumento de impedimento à gentrificação da comunidade. Pois é comum que áreas anteriormente precárias que passam por melhorias urbanísticas tornem-se atraentes à população com faixa de renda superior, ou a investidores que veem na melhoria de infraestrutura urbana uma oportunidade de investimento imobiliário. Não raro, após intervenções urbanas, começa a haver uma procura excepcional para compra de lotes por pessoas não tem nenhuma relação com a comunidade. Nesse contexto, a regularização fundiária pode atuar contrariamente às diretrizes do direito à cidade, pois as famílias podem ficar tentadas com as altas ofertas e vender seus lotes regularizados. O problema é que muitas das vezes a venda não é satisfatória para garantir nova moradia própria, isso sem contar os prejuízos do desfazimentos dos laços afetivos evocados pelo contexto do local de moradia. Dessa forma, utilizar a normatização especial da ZEIS para limitar o lote máximo, e tornar ilegal o a junção de lotes menores para formar um lote maior, são formas possíveis de evitar a “expulsão branca”, e garantir que o direito à moradia e à cidade seja provido, de fato, para a população original através desses projetos integrados de regularização fundiária. Outro aspecto que merece destaque é a forma como a legislação deixa bastante claro em vários trechos acerca da necessidade de haver a participação popular em todas as fases de implantação desses planos. Para que essa participação aconteça de forma efetiva, o Plano Diretor obriga que, nesses planos urbanos integrados para regularização fundiária das ZEIS, sejam criados Conselhos Gestores que devem ser compostos por moradores das respectivas áreas e de corpo técnico da Prefeitura Municipal. Art. 268 - Deverão ser constituídos, em todas as ZEIS 1 e 2, Conselhos Gestores compostos por representantes dos atuais moradores e do Município, que deverão participar de todas as etapas de elaboração, implementação e monitoramento dos planos integrados de regularização fundiária. Parágrafo Único - Decreto Municipal deverá regulamentar a constituição dos Conselhos Gestores das ZEIS 1 e 2 determinando suas atribuições, formas de funcionamento, modos de representação equitativa dos moradores locais e dos órgãos públicos competentes.

Essa é uma importante determinação para que esses Planos de fato atendam as demandas locais, integrando a visão técnica – que avaliará as questões ambientais, legais e de infraestrutura urbana – à visão da comunidade – que avaliará as suas demandas por lazer, geração de renda e qualidade de vida local.

126


Patrimônio A edificação do antigo Farol do Mucuripe, localizada dentro da área em estudo, é um bem público que foi tombado em 1982 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Desta feita, é necessário realizar uma breve análise dos conceitos e diretrizes apontadas pelas cartas patrimoniais a fim de que se possa propor adequadamente alterações estruturais em seu entorno. A teoria atual do patrimônio considera importante não apenas o objeto tombado, mas também o contexto urbano em se insere. Mesmo as construções modestas são consideradas importantes quando representam um testemunho histórico de uma determinada época. Vejamos como a Carta de Veneza (Carta Internacional sobre a Conservação e o Restauro de Monumentos e Sítios, da qual o Brasil é signatário), define monumento histórico: Artigo 1° - A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa de acontecimento histórico. Entende-se não só as grandes edificações mas também as obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural. Artigo 3° - A conservação e a restauração dos monumentos visam salvaguardar tanto a obra de arte quanto o testemunho histórico. (Carta de Veneza, pp. 01-02, 1964)

No caso do Farol do Mucuripe, podemos considerar que a antiga comunidade de pescadores foi testemunho histórico dos tempos de funcionamento do Farol. Hoje a comunidade que circunda não é apenas de pescadores, tendo havido vários outros contingentes populacionais que se uniram à vila de pescadores inicial. Mas a cultura da pesca artesanal ainda está viva na comunidade do Serviluz, como foi constatado nesse diagnóstico. Dessa forma, manter a composição social ligada à pesca como testemunho histórico, faz-se válida e desejável. Interessante perceber que embora nas entrevistas não tenha sido feita nenhuma pergunta específica relacionada à atividade da pesca, esse tema foi bastante mencionado. Analisando as entrevistas relacionadas com a espacialização das moradias de cada entrevistado, notou-se que nas entrevistas onde os moradores residem em casas que se encontram nas áreas nas proximidades do Farol (correspondente à primeira ocupação da área) o tema da pesca foi citado com mais ênfase que nas outras entrevistas. Embora a quantidade de entrevistas realizadas nesse trabalho não tenha seguido crivo estatístico, as falas dos moradores são sobremaneira representativas. Com isso, pode-se observar que as sucessivas menções à pesca sugere que o local que foi antiga comunidade de pescadores tenha sido capaz de preservar essa tradição ao longo das gerações. Manter o componente social, não necessariamente significa manter todas as casas exatamente da forma que estão, mas garantir que a comunidade que ali vive, e tem realizado a importante função cultural de preservar a pesca artesanal, possa continuar a fazer parte do cenário urbano do enEM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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torno do farol e da praia, dando continuidade às tradições que inclusive compõem as imagens e simbologias representativas do Estado do Ceará. Atualmente o patrimônio histórico Farol do Mucuripe encontra-se rodeado de casas contíguas por quase todos os lados. Essas construções de certa forma atrapalham a visualização completa do conjunto edificado e de sua valorização cênica. Dessa forma, surge a dúvida sobre se as casas devem ser mantidas como acréscimos posteriores válidos, ou se há a necessidade de desobstrução visual do patrimônio. Outro trecho da Carta de Veneza coloca que apesar de contribuições de todas as épocas serem válidas, existe a possibilidade de eliminação de elementos, no caso de estarem impedindo a visualização de algo de grande valor histórico: Artigo 11° - As contribuições válidas de todas as épocas para a edificação do monumento devem ser respeitadas, visto que a unidade de estilo não é a finalidade a alcançar no curso de uma restauração, a exibição de uma etapa subjacente só se justifica em circunstancias excepcionais e quanto o que se elimina é de pouco interesse e o material que é revelado é de grande valor histórico, arqueológico, ou estético, e seu estado de conservação é considerado satisfatório. O julgamento do valor dos elementos em causa e a decisão quando ao que pode ser eliminado não podem depender somente do autor do projeto. (Carta de Veneza, 1964)

A carta deixa claro que a decisão referente ao que merece permanecer ou não, o julgamento do valor dos elementos, deve ser um consenso coletivo, não podendo depender apenas da equipe de projeto. Dessa forma, coloca-se aqui nesse trabalho a possibilidade de propor a desobstrução do entorno do farol, contanto que haja um sério e franco debate sobre o tema junto ao futuro Conselho Gestor da ZEIS Serviluz.

Figura 2.24 Foto demostrando a obstrução visual do Patrimônio Farol do Mucuripe Fonte Pagina de rede social de fotógrafo morador do Serviluz - Raimundo Cavalcante. <http://www.facebook. com/raimundinho.tsc>

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2.9.

Planejamento para a área em estudo

Esse trabalho não poderia deixar de levar em consideração que a área em estudo está atualmente sendo foco de diversas transformações e propostas de intervenção. Nesse tópico faremos uma breve análise do Projeto Orla (2006) e do programa de urbanização Aldeia da Praia, lançado em 2011. Projeto Orla O nome Projeto Orla é uma abreviação para Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima. Foi lançado como iniciativa no Ministério do Meio Ambiente - MMA, por meio da Secretaria de Qualidade Ambiental dos assentamentos humanos, e da Secretaria do patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e gestão – SPU/MPOG. O documento oficial do Projeto Orla, lançado em 2006, reporta-o como um instrumento de planejamento e ordenação do uso do solo na orla marítima, apontando os cenários tendenciais e os cenários desejados. O objetivo geral do Projeto Orla aponta a regularização fundiária como um importante instrumento e, se propõe a valorizar uma abordagem participativa, tal como enunciado: Identificar os problemas da orla marítima do município de Fortaleza e estabelecer medidas de Planejamento e gestão integrada, estratégias e disciplinadoras de uso e ocupação da orla marítima, diretamente vinculados a uma abordagem participativa, considerado-se os aspectos socioeconômicos, ambientais e patrimoniais, através da articulação entre três esferas do governo e a sociedade civil. Ainda promover ações prioritárias de regularização fundiária nas áreas da União através da celebração do convênio junto a Secretaria do Patrimônio da união – SPU no sentido de garantir a segurança jurídica da posse e melhorar as condições de habitabilidade e de infraestrutura dos moradores dessa área. (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.7, 2006)

A partir desse objetivo geral o documento faz primeiramente uma análise geral, apresentando problemas comuns a toda a orla, posteriormente divide a Orla fortalezense em cinco unidades de paisagem, sendo cada uma delas dividida em trechos que são detalhadamente analisados. Da análise surgem propostas e diretrizes de ação para resolver problemas identificados. A seguir chamaremos atenção para algumas abordagens que foram consideradas de grande relevância para a área de estudo desse trabalho. O primeiro problema geral identificado pelo documento é a “possível perda do patrimônio cultural e material”, apontando como linha de ação a “preservação da memória dos povos do mar.” Indica a “elaboração participativa de projeto social, econômico e urbanístico de incentivo à preservação da identidade e das atividades dos grupos ligados ao ambiente EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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costeiro” como uma das ações que devem ser implantadas para combater o problema (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.33, 2006). Destaco esse item por considerar que e comunidade do Serviluz seja um desses povos que tem forte identidade com o ambiente costeiro, necessitando de política de resgate e incentivo a pesca artesanal e de proteção e apoio à prática do surf. A unidade de paisagem III abrange desde o mercado de peixes no Mucuripe até o fim da comunidade do Serviluz, apontando diretrizes para o Porto, zona industrial, Praia Mansa e ocupação irregular. A área do Serviluz corresponde ao trecho 4 dessa unidade de paisagem, está classificada como prioritária para regularização pelo documento. Cumpre observar e refletir acerca do que foi planejado em 2006 para esses diversos elementos da paisagem que influencia direta ou indiretamente a comunidade do Serviluz, comparando com o cenário atual de sete anos depois. Uma das determinações do cenário desejado para o Porto foi a transferência da área de tancagem de derivados do petróleo para o Porto do Pecém, favorecendo a comunidade do Serviluz: A área de tancagem (tanques e derivados do petróleo) utilizada de acordo com suas potencialidades urbanísticas, paisagísticas e industriais, com ampla participação comunitária, integrada com a conclusão da regularização fundiária do Serviluz. Parque de tancagem transferido para o porto do Pecém. (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.81, 2006)

Embora ainda haja essa promessa de transferência da área de tancagem para fora do perímetro urbano, esse fato ainda não se concretizou permanecendo até hoje os riscos de explosões e incêndios que essas instalações expõem aos habitantes de seu entorno. Para a Praia Mansa o documento indicou como situação desejada a criação de uma unidade de conservação, que permitisse a preservação do ecossistema e a utilização da praia como porto de jangadas: Unidade de conservação instituída devido suas características físicas, socioambientais e a fragilidade dos ecossistemas de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Garantida a continuidade da faixa da orla como porto de jangadas e de equipamentos para uso dos pescadores tradicionais nas atividades de pesca. Rígido controle de impactos na visitação e atividades de lazer e efetivado o desenvolvimento do turismo ecológico. Garantia de contemplação da paisagem costeira. Vias de acesso compatíveis com a fragilidade ambiental. (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.85, 2006)

Interessante perceber que a situação desejada não foi concretizada, sendo a situação tendencial – exposta como não desejada pelo documento – a realidade que se está concretizando sete anos depois: a construção de um terminal de passageiros na Praia Mansa com shoppings e restaurantes para uso turístico. Vejamos como o documento expõe a situação tendencial: A considerar a situação atual e se não houver intervenção do Poder Público a área será passível de ocupação, pois está sendo cobiçada

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por investidores já existindo registro de solicitação na Gerencia Regional no Patrimônio da União – GRPU. Ações de uso e ocupação da Praia Mansa, sem levar em conta a fragilidade da área. Poderão acarretar a instalação de processos erosivos aumentando a degradação ambiental, em virtude da ocupação irregular com equipamentos turísticos (hotéis, bares, restaurantes, etc), tato em função dos resíduos deixados no local, como também pelo uso indiscriminado pelos visitantes. No programa de arrendamento que integra a Agenda Ambiental Portuária, aprovado pela Resolução n 395/2005, a Praia Mansa é indicada como uma área destinada à construção de um terminal de embarque/desembarque para passageiros de navios de cruzeiros marítimos. (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.85, 2006)

Esse fato é um claro indício de que esse documento não está sendo capaz de realmente ordenar e direcionar o uso e ocupação da Orla, inclusive através de projetos apoiados pelo próprio poder público. Vejamos agora de uma forma mais aprofundada o que está colocado para a área de estudo desse trabalho a própria ocupação do Serviluz: Situação atual:

Figura 2.25 Corte esquemático situaação ocupação Serviluz Fonte Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.88, 2006

O trecho prioritário da comunidade do Serviluz se apresenta bastante consolidado com ocupação espontânea, homogênea e irregular em áreas particulares na União (Zona de Praia). Moradias horizontalizadas de baixa renda, sem nenhuma segurança jurídica da posse dos lotes. A comunidade desenvolveu-se em torno do Farol do Mucuripe (tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual), que hoje é um ponto de apoio de informações turísticas da Secretaria de Turismo do Estado. No seu entorno o que era antes uma praça, hoje se encontra ocupado por barracos. A zona de praia está em expansão pela deposição de sedimentos provenientes das praias à sudeste, associada ao espigão Titanzinho. Com a deposição dos sedimentos e a progradação da Praia, ocorreu a ocupação de faixa pós praia por moradias de baixa renda. A comunidade vive em constante tensão e perigo devido ao deslocamento dos sedimentos (excesso de areia na praia e pós-praia) mobilizados pela ação dos ventos na direção das moradias, invadindo as casas e as vias de acesso. Como consequência foram ocasionados danos sócio-ambientais de elevada magnitude. Esse fato vem se agravando ao longo do tempo, exigindo, dessa forma, um estudo mais aprofundado em uma solução para esse problema enfrentado pelas famílias residentes na área. Nas imediações do porto instalou-se o distrito industrial do Mucuripe (tancagem, galpões e indústria de transformação de derivados EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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de petróleo), com estocagem de material altamente inflamável. (...) De acordo com a caracterização acima, os problemas a serem abordados de forma mais urgente estão diretamente associados com a ilegalidade das moradias e o soterramento das residências pelos sedimentos transportados pelos ventos. (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.88, 2006)

Situação Tendencial:

Figura 2.26 Corte esquemático situaação ocupação Serviluz Fonte Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.89, 2006

Continuidade no processo de transporte de sedimentos, acréscimo da faixa de praia por acumulo de areias carregada pelos ventos, ondas e marés, soterrando cada vez mais o Serviluz. Surgimento de barracas de praia e construções de moradias nas áreas acrescidas (de uso comum do povo). Tendência de verticalização das unidades habitacionais. Depreciação na área com a baixa qualidade de vida e dos serviços públicos existentes. Desqualificação do Patrimônio Histórico (Farol do Mucuripe) e ocupação mais intensa do seu entorno. (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.89, 2006)

Situação desejada:

Figura 2.27 Corte esquemático situaação ocupação Serviluz Fonte Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.90, 2006

Garantida a harmonia da comunidade com o meio ambiente, através da requalificação da área concluída. Associada a uma política habitacional sustentável implantada e regularização fundiária efetiva. Patrimônio histórico (Farol do Mucuripe) revitalizado e alcançando bons índices de trabalho e renda. Parque de tancagem com os procedimentos ambientais sócio-econimicos de forma participativa. Área com assentamento das populações deslocadas das áreas de preservação permanente e de risco (dunas e praia). Potencialidades para atividades industriais efetivas. Zona especial de interesse Social (ZEIS) definida e implantada. (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.90, 2006)

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Como podemos observar, o diagnóstico da situação atual não foge muito do que já foi colocado por esse trabalho, enfatizando bastante a questão do assoreamento das casas e apontando para a necessidade de realização de estudos a esse respeito. Esse trabalho considerou o trabalho de mestrado (LIMA, 2009) feito posteriormente à publicação do documento de Projeto Orla. Em relação ao Farol do Mucuripe o documento enfatiza, na parte da situação atual, que a área do entorno que um dia foi praça, encontra-se ocupada por habitações precárias. Indica, na parte da situação desejada que o farol reja revitalizado, possivelmente recuperando a área da praça anterior. Para a ocupação irregular, aponta-se a necessidade de um projeto de requalificação e regularização fundiária. Mais adiante o documento detalha a forma como deve ser implantado esse projeto integrado de urbanização e regularização fundiária. Aponta para a necessidade da institucionalização da ZEIS, permitindo “a aprovação de projeto de loteamento com parâmetros urbanísticos diferenciados, impedindo a especulação imobiliária.” (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.91, 2006). Determina também que os projetos devem ser previamente apresentados para a comunidade com o objetivo de “fortalecer a participação popular no processo e realizar possíveis ajuste’.” (Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, p.92, 2006) Interessante observar que mesmo antes da aprovação do Plano Diretor Participativo em 2009, que definiu e delimitou as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em Fortaleza e determinou a criação de conselhos gestores para cada uma dessas áreas, o Projeto Orla já se adiantara propondo um planejamento que contempla a regulamentação das ZEIS e a participação popular na elaboração desses projetos de urbanização e regularização fundiária. Vejamos então, o que está sendo previsto para a área do Serviluz atualmente através do programa Aldeia da Praia, aprovado em 2011. Descrição do Projeto Aldeia da Praia Para análise desse projeto foi considerado o texto e as pranchas de projeto oficiais, disponibilizados pela GDUR (Gerência de Desenvolvimento Urbano) da Caixa Econômica Federal; o vídeo institucional, disponibilizado na rede mundial de computadores; e o depoimento dos moradores sobre como aconteceu a interação entre a Prefeitura Municipal e a comunidade para o diálogo sobre o projeto nos últimos anos. O texto oficial disponibilizado pela da Caixa Econômica Federal está dividido em dois cadernos com mesmo nome, mas com datas de publicação diferentes. O nome dos documentos é ¬“Programa Aldeia da Praia – PAC-2 – Urbanização das comunidades de Titanzinho e Serviluz – Memorial Descritivo”, um dos cadernos tem como data fevereiro de 2011, e o outro é datado em Dezembro de 2011. É importante esclarecer tal datação para que as citações aqui colocadas possam ser corretamente identificadas.

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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O Projeto Aldeia da Praia é um projeto de intervenção na Comunidade de Serviluz decorrente do Projeto Orla. Esse projeto possui um polígono de intervenção que abrange 1.990 famílias. Desse polígono de intervenção, é prevista a remoção de 403 famílias na área em frente à praia do Titanzinho – área conhecida pela comunidade como Farol e Favela. Abaixo o polígono

Legenda Remoção_Farol_e_Favela Polígono de Poligno Proj. Aldeia da Praia Intervenção Proj. Aldeia da Praia

Legenda

Área ser Remoção_Farol_e_Favela removida em Proj. Aldeia Poligno Proj. Aldeia da Praia da Praia

genda Remoção_Farol_e_Favela

escala: 1/20.000

Mapa 2.16 Aldeia da Praia Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de análise de Pojeto Aldeia da Praia

Poligno Proj. Aldeiaa da Na área serPraia removida, das casas em frente à praia do Titanzinho, está

prevista uma praça chamada Jardins da Praia. A praça que está projetada 1:20.000 com 27.390m² de área que será equipada com paisagismo, bancos, quiosques, quadras poliesportivas e postos policiais.

Figura 2.28 Planta Praça Jardins da Praia Fonte PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, dez-2011

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Figura 2.29 Pespectiva Praça Jardins da Praia Fonte Video institucional do Projeto. Disponivel em: <http://vimeo.

com/52200766>

Afora a construção da praça, o projeto também prevê como intervenção urbanística a construção de uma via paisagística, margeando a praia. A via paisagista proposta corresponde à atual Ponta Mar e Leite Barbosa. A via paisagística foi projetada com 1.755 metros de comprimento.

Figura 2.30 Corte proposição do Aldeia da Praia para dia Ponta Mar Fonte

PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, dez-2011

Figura 2.31 Pespectiva ilustrativa da proposição do proj. Aldeia da Praia para via Ponta Mar Fonte Video institucional do Projeto. Disponivel em: <http://vimeo.

com/52200766>

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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O projeto também prevê algumas intervenções em vias internas do Serviluz como a Rua do Rastro, Rua José Monteiro/Ozeite Filomento, Rua Murilo Borges, Rua Professor Henrique Firmeza, Rua Taguatinga, Travessa Nezita Pereira, Travessa Nova, Travessa Ozeite Filomento e Travessa Ponta Mar.

Figura 2.30 Plana do reestruturação viaária para Serviluz Fonte

PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, dez-2011

136


Dessa forma, segundo documento oficial, serão realizadas 457 remoções por intervenção viária. Somando as remoções por intervenção viária com as remoções da área do Farol e Favela, o documento aponta um total de 860 remoções. O reassentamento das famílias removidas será em terreno no mesmo bairro oficial Cais do Porto, porém fora da comunidade do Serviluz. Serão construídas 1.118 unidades habitacionais para população removida. As 258 unidades habitacionais que excedem o número de remoções serão destinadas a famílias que vivem em situação de coabitação. As unidades habitacionais para reassentamento terão entre 48,06 e 49,07 metros quadrados. Vejamos a planta das unidades habitacionais de reassentamento:

Figura 2.31 Plantas tipologias habitacionais de reassentamento para proj. Aldeia da Praia

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Das famílias que não serão removidas e que estão dentro do polígono de intervenção, o projeto indica que 1.181 receberão melhoria habitacional. Abaixo uma tabela resumida dos do Projeto Aldeia da Praia, indicando os dados gerais do Projeto:

Quadro de intervenções Projeto Aldeia da Praia Total de imóveis dentro do Polígono de intervenção Total de imóveis removidos em frente a praia do Titanzinho (Farol e Favela) Total de imóveis removidos por reestruturação viária Total de imóveis removidos Porcentagem de imóveis removidos do total da área de intervenção Numero de unidades habitacionais a serem construídas Total de famílias que vivem atualmente em coabitação que poderão receber unidade habitacional Total de imóveis que entrarão em programa de melhoria habitacional

Quadro de intervenções Projeto Aldeia da Praia Total de imóveis dentro do Polígono de intervenção

860 43,21% 1.118

.

43.21% REMOVIDO

258 1.181

Análise do Projeto Aldeia da Praia Depois dessa breve apresentação do Projeto Aldeia da Praia faremos algumas observações analíticas, baseando-se nos princípios legais e conceituais expostos até aqui e sobretudo no tópico Legislação Referente à Área, deste diagnóstico. Primeiramente devemos considerar que o Projeto Aldeia da Praia apresenta alguns avanços como, por exemplo, a inclusão de famílias em programa de melhorias habitacionais, o reassentamento das famílias removidas no mesmo bairro Cais do Porto e a preocupação em suprir de infraestrutura de saneamento e drenagem tanto os imóveis que permanecem, quanto as novas unidades habitacionais. Contudo, apesar desses avanços em relação a projetos de intervenção em ocupação irregular de décadas anteriores, o Projeto Aldeia da Praia ainda apresenta algumas faltas e incoerências brevemente expostas a seguir.

.

O principal objetivo de uma intervenção urbana em assentamento precário deve ser o de mitigar as precariedades habitacionais existentes na área. O diagnóstico do projeto Orla, aponta o problema do assoreamento das casas e da densidade excessiva como principais problemas da ocupação. Dessa forma, esperava-se que o Projeto Aldeia da Praia apontasse soluções principalmente para essas questões. No entanto, no texto oficial do projeto nenhuma ação é indicada no sentido de minimizar o problema. Aparentemente não foi feito um levantamento das coabitações na ocupação. Se foi feito, não existem soluções previstas para essa que é, na maioria das vezes uma das precariedades mais graves e densas de uma ocupação irregular. A definição do número de famílias a serem atendidas com nova

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1.990

Tabela 2.9 Total de imóveis removidos em frente a praia 403 Quadro de intervendo Titanzinho (Farol e Favela) de imóveis removidos por reestruturação 457 1.990Total viária ções Projeto Aldeia da Total de imóveis removidos 860 Porcentagem de imóveis removidos do total da 43,21% Praia área de intervenção Fonte 1.118 Numero de unidades habitacionais a serem construídas tabela desenvolvida 403 258 Total de famílias que vivem atualmente em coabitação que poderão receber unidade pela autora a partir de habitacional Total de imóveis que entrarão em programa de análise de1.181Proj. Aldeia melhoria habitacional 457 da Praia

56.79% PERMANECE


unidade habitacional por motivo de coabitação não foi resultado de um diagnóstico que indicou essa demanda. O texto oficial do documento dá a entender que esse número corresponde a quantidade de unidades que seria possível construir a mais no terreno de reassentamento. Em palavras mais coloquiais: as casas que sobrarem, vão para as famílias em atual situação de coabitação. Outro tipo de precariedade é a dificuldade de acesso da algumas casas que se encontram distantes de qualquer rua que permita a passagem de carro. No entanto a intervenção viária proposta, não tem como foco resolver essa questão. Propõe o alargamento de vias que hoje já possuem largura suficiente para passagem de carros. O desenho proposto possui os parâmetros similares das ruas da cidade formal brasileira. Esse desenho padrão possibilita e incentiva o fluxo veloz de carros, não compatível com a necessidade da realidade local. Ainda que se admita como positivo esse desenho de via para a área, a realidade é que um grande investimento será feito sem que nenhuma precariedade real da área seja diretamente resolvida e em dissonância com os reais interesses e necessidades dos moradores locais. Outra crítica que se faz necessária ao sistema viário proposto é que, para sua viabilização, terão que ser realizadas remoções nas adjacências das vias mais representativas da comunidade. Remover as edificações ao longo da Av. Zezé Diogo, onde em sua maioria funcionam comércios locais, significa provocar um grave abalo na microeconomia local. As remoções que serão necessárias para alargar a Av. Leite Barbosa, podem representar uma grande perda para a comunidade, na medida em que essa via abriga as principais associações de moradores e possui vários estabelecimentos comerciais, bem como igreja, e locais voltados ao lazer da comunidade. A remoção em massa de toda a área de casas em frente à praia do Titanzinho (Farol e Favela) também apresenta motivos questionáveis, quiçá insubsistentes. O texto oficial do projeto não explica claramente o motivo dessa remoção, dizendo apenas que não era possível outro tipo de intervenção para área: A proposta do projeto Aldeia da Praia, desde o inicio, foi retirar todas as famílias da referida área de intervenção tendo em vista que as características físicas e ambientais da área não permitem outro tipo de intervenção. Considerou-se então que o beneficio da nova moradia atenderá não só famílias que moram na casa própria, mas também as que moram de aluguel e as coabitações. (PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, p.01, dez-2011)

Buscando-se entender o porquê da impossibilidade de outro tipo de intervenção para área verificou-se se a área estaria em área de proteção ambiental, ou área de risco. Nenhuma das alternativas foi confirmada. Segundo relato dos entrevistados essa área não sofre, nem nunca sofreu, alagamento ou destruição de casas pela maré, tampouco a praia do Titanzinho deixa de ser utilizada como área de lazer por conta da presença das casas. Recentemente, as altas marés de 12 a 14 de março de 2013 – que atingiram a incrível marca de 4,3 metros, segundo medição da Marinha do Brasil para o Porto do Mucuripe – confirmaram a afirmação, não tendo havido avanços nas casas localizadas na “Favela”. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Legenda

Área ser remoRemoção Farol e Favela-Proj. Ald vida em Proj. Legenda Aldeia da Praia

SPRCLASSE

Remoção Farol e Favela-Proj. Ald zpa2_faixapraia

SPRCLASSE Área de Risco Defesa Civil Zona de Pro-

zpa2_faixapraia teção AmbienLegenda

tal 2 de Risco Defesa Civil Área (ZPA2 PDPRemoção Farol e Favela-Proj. Ald 2009)

SPRCLASSE zpa2_faixapraia Área de Risco Área de Risco Defesa Civil pela Defesa Civíl

escala: 1/20.000 1:20000

Na investigação do real motivo de se realizar uma remoção em massa desLegenda sa área, o próprio documento oficial do projeto elucida a questão:

Remoção Farol e Favela-Proj. Aldeia da Praia Os objetivos anunciados pelo Ministério das Cidades para o PPI, de SPRCLASSE acordo com o Manual de Instruções do PPI – UAP publicado do site deste órgão é levar a qualidade de vida urbana por meio da implanzpa2_faixapraia tação de ações necessárias à regularização fundiária, segurança, salubridade e habitabilidade de população localizada em área inaÁrea de Risco Defesa Civil dequada à moradia, visando a sua permanência ou realocação, por intermédio da execução de ações integradas de habitação, saneamento e inclusão social.

Complementarmente aos objetivos anunciados, a Prefeitura de Fortaleza deseja promover a urbanização do Titanzinho de Serviluz, inserindo essas comunidades no tecido urbano da cidade, integrandoas à mesma, favorecendo a atividade turística e o desenvolvimento socioeconômico e urbano do lugar, garantindo a sustentabilidade da função social e da propriedade aos que lá habitam, assim como a participação da comunidade nos processos de concepção e decisão. Objetiva também resgatar a orla marítima do lugar para o turismo, haja vista a existência de importante interface do Jardins da Praia (uma das intervenções do componente de urbanização de assentamentos precários) com as intervenções previstas no âmbito do Programa Prodetur Nacional Fortaleza, restaurar sua beleza cênica e permitir a inclusão do turismo esportivo internacional no melhor site de surf e mergulho submarino do Brasil, a Praia do Titanzinho. (PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, pp.15 - 16, fev-2011) - grifos do autor

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Mapa 2.16 Critica ao Aldeia da Praia Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de análise de Pojeto Aldeia da Praia


Nesse trecho do documento é perceptível que o objetivo de melhoria da qualidade de vida da população é uma exigência do Ministério das Cidades, mas que a Prefeitura de Fortaleza pretende nesse projeto “complementar” tal objetivo com a criação de uma praça turística. A pergunta a ser feita é: o quão esses dois objetivos podem ser complementares? Será que existe algum real motivo dessa remoção em massa acontecer por melhoria da qualidade de vida dessa população? Ainda que esse motivo não esteja claro no documento oficial. Ou será que essa remoção atende principalmente a interesses turísticos de movimentação da economia e marketing city da cidade de Fortaleza? Se, e somente se, essa remoção em massa tiver como motivo principal a liberação da área para construção de uma praça turística, estamos diante de uma grave situação de utilização da máquina pública, contrária aos interesses da população. É de ressaltar que esse projeto está sendo viabilizado por verbas que são destinadas para melhorar a qualidade de vida dos habitantes de ocupações irregulares, mitigando as precariedades da ocupação. Os recursos financeiros do PAC-2 (Programa de Aceleração do Crescimento 2) e da Caixa Economia Federal devem ser utilizados em projetos que de fato urbanizem como o foco nas demandas intracomunitárias.

Figura 2.32 Imagens aéreas antigas dos anos de 1958 e 1972 Fonte LIMA, p. 159, 2005

Devemos levar em consideração que a área da ocupação prevista para remoção corresponde à ocupação mais antiga da comunidade, havendo registros fotográficos de que em 1958 já havia uma vila de pescadores habitando o local. Essa comunidade é testemunha do funcionamento do antigo Farol do Mucuripe. Conforme o atual conceito de patrimônio histórico, explicitado no tópico anterior, o contexto urbano e o testemunho histórico de uma civilização particular devem ser valorizados e mantidos juntamente com o objeto arquitetônico monumental. Dessa forma, a remoção de toda essa área tampouco se justifica por questões patrimoniais. Dentre os objetivos do Projeto Orla está a recuperação da área livre do entorno do Farol que anteriormente era uma praça. A remoção de toda a área prevista também não é decorrente desse objetivo, pois é impossível que um dia possa ter tido uma praça em toda essa área prevista para Praça Jardins da Praia, levando em consideração essa foto antiga que demonstra a ocupação da vila de pescadores na década de 50. O documento de planejamento do Projeto Orla indica claramente que deve ser feito a preservação da memória dos povos do mar, criando ambiente favorável para preservação das tradições como, por exemplo, a pesca artesanal. A área prevista para remoção é composta por um povo

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que atravessou décadas preservando a tradição da pesca artesanal; geração a geração. De que forma uma ação que remove em massa justamente a ocupação que trouxe a pesca para o local pode fortalecer e ajudar a resgatar a cultura da pesca? Se ao menos a área de reassentamento fosse próximo à praia, poder-se-ia justificar mais substancialmente. Mas o terreno previsto para relocar as famílias dista cerca de 1.370 metros do mar e 1.750 metros da ocupação atual. Essas distâncias ultrapassam o raio de caminhabilidade de 500 metros, considerado como confortável para o percurso a pé, isso sem considerar a subida do terreno que possui topografia acidentada, e os desvios nas vias, pois essa distância foi medida em linha reta.

Mapa 2.17 Critica ao Aldeia da Praia 2 Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de análise de Pojeto Aldeia da Praia

A escolha desse terreno específico para o reassentamento das famílias foi outra decisão não explicada no memorial do projeto. A dúvida surge ao observar que existem vários outros terrenos vazios mais próximos da comunidade do Serviluz e da praia. Alguns desses terrenos vazios próximos, inclusive estão demarcados como ZEIS tipo 3 no atual Plano Diretor Participativo. O terreno de reassentamento, além de não ter sido demarcado como ZEIS pelo Plano Diretor, encontra-se dentro de outra comunidade com identidade e história totalmente diferentes da comunidade do Serviluz. O terreno já foi inclusive ocupado várias vezes por demandas habitacionais alheias à comunidade do Serviluz, pertencentes às comunidades adjacentes ao terreno, tais como o Morro Santa Terezinha e o Castelo Encantado. Em relação às unidades habitacionais propostas, considera-se que o projeto está dentro do padrão de habitação de interesLegenda se social brasileiro atual, porém, no caso específico dessa intervenção, há de se conDistancias_reassentamento escala: 1/20.000 siderar que muitas dos imóveis removidos Terreno Reassentamento Aldeia da Praia atualmente abrigam famílias empreendedoras que possuem a décadas seu pequeno Vazios Urbanos comércio como meio de renda e sustento. ZEIS tipo 3(vazio) Destaca-se essa situação principalmente ZEIS tipo 2(ocupação) para as famílias que tem casa voltada para Av. Zezé Diogo e Leite Barbosa. Nesse contexto, realocar essas famílias para uma área que não representa localização comercial favorável, e em unidades habitacionais que não permitem ampliação nem preveem cômodo comercial, pode significar uma situação extremamente difícil e insustentável para essas famílias. O projeto de urbanização de assentamento informal deve promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas, não deixá-las em uma situação de maior precariedade e dependência como se pode esperar das intervenções propostas.

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Em relação a Praça Jardins da Praia cumpre fazer a observação de que se trata de um espaço excessivamente amplo para uma praça de bairro; não possui usos diversificados suficientes para tornar a praça um lugar que seja utilizado no dia a dia. Não possui nenhum esforço em seu desenho para representar alguma identidade com a comunidade. A prova mais evidente da não preocupação com as demandas reais da comunidade é o fato de que, apesar das grandes dimensões da área livre, o projeto não contempla o que hoje é a maior reivindicação da população por espaço de lazer: um campo de futebol com infraestrutura adequada. O desenho da Praça Jardins da Praia enquadra-se perfeitamente no conceito de monumentalidade formal descrita no Referencial Teórico desse trabalho (p. 33-34). Espaço amplo, não delimitado por edificações em volta, volumes edificados soltos. Segundo a abordagem de Holanda (2010) esse tipo de desenho de espaço público, não favorece a utilização intensa das pessoas, são espaços de contemplação, fadados à não utilização e até mesmo abandono. Mesmo que todas as observações anteriores sejam completamente desconsideradas, existe ainda um aspecto mais grave a ser tratado. O Projeto Aldeia da Praia descumpre em vários pontos a Lei Municipal Complementar n°62, referente ao Plano Diretor Participativo de Fortaleza aprovado em 2009. Em primeira análise observamos que apesar da regularização fundiária ser colocada como objetivo geral do projeto no documento oficial, na descrição das ações do projeto não há nenhuma referência direta sobre a previsão de ação de regularização fundiária, ou se parte da verba será destinada para isso. Em relação à regulamentação da ZEIS, também não existe nada que se refira a isso. Apesar de o documento mencionar que a área é uma ZEIS e por conta disso deve ser tomada como prioritária para intervenção, não são destinadas ações para regulamentá-la. A institucionalização da ZEIS deveria, de acordo com o Plano Diretor, estabelecer índices urbanísticos específicos e contemplar a criação de um Conselho Gestor formado por membros da comunidade e técnicos da prefeitura. Esse conselho teria o direito e o dever de participar das decisões referentes às intervenções no espaço da comunidade e ajudar na elaboração dos índices que seriam capazes de conter, pelo menos em parte, a especulação imobiliária no local. Segundo relato dos moradores através das entrevistas, o Projeto Aldeia da Praia não aconteceu de forma participativa. O que de fato houve foi um contato com a comunidade com o fim de mostrar o projeto e convencer a população de que a realização desse projeto seria algo bom para a comunidade. Não houve, em nenhum momento, alterações no Projeto Aldeia da Praia no sentido de melhor atender as demandas comunitárias. Vejamos alguns depoimentos de moradores locais a respeito do Projeto Aldeia da Praia: (sobre Projeto Aldeia da Praia) Não foi participativo! Não houve par-

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ticipação. O que houve foi uma chamada de toda a população, mas não para participar do projeto. Vieram mostrar o projeto pronto. Todo mundo assina aquelas folhas (lisa de presença) sem saber qual é a importância da assinatura de um morador e depois ele bota a fotozinha bonita. Ai eles pegam aquelas fichas e colocam no texto original do projeto: foi com participação, tiveram tantos participantes, está aqui a assinatura. (trecho da entrevista 10) Os governo e Prefeitura nunca ligaram para cá. O saneamento, você vê que tem rua que tem, tem rua que não tem. Hoje a Prefeitura fala, como sempre já falavam de trazer benefícios para cá. Mas o beneficio que eles fazem é tirar o pessoal do bairro, ne?! Então isso não é benefício. Tem um projeto agora, para esse ano, para fazer uma grande revolução aqui dentro do bairro, o Aldeia da Praia. Eles querem tirar a população ali que é o mais antigo. A história do Serviluz é ali no Farol. Então a história do Serviluz que começou ali. (trecho da entrevista 10) Já fui para algumas reuniões do Aldeia da Praia, eles tratam as pessoas como se todo mundo fosse analfabeto. No Castelo Encantado tem saneamento básico dentro dos becos, a pessoa chegar para mim e dizer que não dá para fazer saneamento básico no beco, se dá para fazer. Isso é para fazer que a pessoa aceite o que não existe! Falar que aquela área ali é uma área de risco (área do Farol), não é uma área de risco! Por isso eu não vou mais para nenhuma reunião! (trecho da entrevista 05) (você sabe se existe alguma conexão entre o projeto Aldeia da Praia e o instrumento ZEIS?) Não, eles não fala nada sobre isso. O pessoal do Aldeia da Praia querem é levar a gente na conversinha e tal, fazer uma reunião. Conversa com o pessoal, perguntando o que o pessoal gosta, e querendo empurrar o projeto, tá entendendo? Empurrar o projeto devagarzinho. E a conversa deles é essa, né?!, que vai ser bom, não sei o que, e tal. (trecho da entrevista 11) (sobre Projeto Aldeia da Praia) A meu ver, tem muita gente que já nasceu aí, né?! Que se criou, que gosta da praia. Então vai tirar eles do habitat deles para outra área. Já tem gente que sabe sobreviver ali mesmo sem dinheiro. Eu convivo com o pessoal ali, eu sei que passa o dia sem dinheiro, mas tem a comida, tem o peixe, tem um siri, alguma coisa. Aí o pessoal vai viver de que? Então eu acho que o melhor seria tipo tirar esse pessoal da beira da praia puxar para traz ali, fazer uns prediozinho, umas casas ali mesmo, né?! Um negócio bem legalzinho e botar o pessoal para lá. (trecho da entrevista 11) (sobre Projeto Aldeia da Praia) Sou contra, porque não tem transparência. Quem vem fazer o projeto tem que escutar as pessoas. Não tem que chegar e impor. (trecho da entrevista 06) (sobre Projeto Aldeia da Praia) Eles fala que o mínimo de pessoas que tirar, vai ser melhor para eles, mas acho que vai acabar tirando muita gente! (pergunto se a casa dele fosse removida gostaria de receber a casa da prefeitura) A casa que eles querem dar é de 44m², tem nem condições. Não tem possibilidade de ampliar. (trecho da entrevista 07)

Confirmando todas essas entrevistas, Assistente Social que trabalha como estagiária na SEINFRA relata:

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O nome do projeto Aldeia da Praia é: Projeto de participação comunitária Aldeia da Praia. Eles deixam bem claro: participação comunitária. Mas é um projeto que acontece de cima para baixo. Se você for ver, na comunidade existem várias pessoas que não aceitam o Aldeia da Praia. (trecho da entrevista 12- assistente social da SEINFRA)

Alem de não ter havido participação nas decisões do projeto, a criação do Conselho gestor e a regulamentação da ZEIS não apenas não realizada, como também foi “boicotada”. Como o Serviluz possui uma população relativamente esclarecida politicamente e envolvida nas lutas sociais, inclusive durante a elaboração do Plano Diretor Participativo que vigora, houve uma mobilização popular para criação de um Conselho Gestor e para reivindicar a regulamentação da ZEIS. Porém, essa organização foi claramente desincentivada pela refeitura Municipal e pela equipe do projeto Aldeia da Praia. Vejamos o relato dos moradores entrevistados narrando esses fatos: (Sobre o comitê gestor) Nós temos, foi feito! Existe até hoje, virou o comitê popular. (esse grupo participou de alguma decisão do Aldeia da Praia?) Não. Foi solto. Lideranças que apoiassem ganhavam casas. Aquele jogo que eles fazem, entendeu? (trecho da entrevista 10) Porque o nosso conselho foi criado, nós passamos em reuniões, passamos mais de mês juntando toda a comunidade, explicando a comunidade o que era uma ZEIS, o que era um Plano Diretor, para no final de tudo a gente receber uma ligação da prefeitura dizendo que a ZEIS foi vetada e depois uma carta assinada pela prefeita. (...) (pergunto: ela vetou o que? A ZEIS vazio?) Não, ela vetou o Conselho Gestor, a criação do Conselho Gestor. (trecho da entrevista 10) (como funciona o comitê popular) São reuniões mensais que a gente chama todos os participantes. Ai discute qual o planejamento da ZEIS, da cidade, quais os encaminhamentos. (trecho da entrevista 10) (já ouviu falar sobre ZEIS? Sabia que o Serviluz é uma ZEIS?) Eu já ouvi falar e a gente já lutou muito por isso aí, só que a prefeitura está empacando nisso daí. E ela (prefeita) não quer dar esse documento. Eles não querem ver como uma ZEIS aqui. Eles tão é bloqueando isso lá pela prefeitura. (trecho da entrevista 11)

Toda essa conjuntura proporciona com que a população fique amedrontada com a possibilidade da gentrificação da área. Considera-se que esse receio tem fundamento, pois a construção de uma praça e de uma via paisagística que favorece atividades turísticas e a reestruturação viária de acordo com padrões da cidade formal e do privilégio ao carro, naturalmente causarão uma tendência de valorização imobiliária do local. Não havendo regulamentação da ZEIS que restrinja o uso da área da habitação de interesse social e que estabeleça índices de uso e ocupação específicos, ainda que a regularização fundiária seja realizada, a área sofrerá fortes pressões do mercado. Dessa forma, é provável que haja suma possível “expulsão branca” se a Prefeitura Municipal de Fortaleza não modificar imediatamente essa postura e adotar medidas eficazes e consonantes EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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com a legislação respaldada por regras e princípios constitucionais e compromissos internacionalmente assumidos pelo Brasil relativos ao direito à cidade. Vejamos como população local expressa o medo de a área do Serviluz sofrer um possível processo de gentrificação: O medo da gente é esse: fazer esse projeto Aldeia da Praia para deixar o bairro mais bonito, e como o terreno não é nosso, e esse interesse dos empresários. (trecho de entrevista 07) Aí o que é que os caras querem? Vão fazer uma praça ali, já já eles vão querer fazer um hotel e a gente vai ter que pagar para vir surfar em um canto que a gente morou. Sem dinheiro como é que a gente vai vir surfar aqui? (...) Eu acredito que no futuro essa praça vai ser abandonada e eles vão querer fazer um hotel. (trecho da entrevista 11)

Um dos moradores locais participou na elaboração do Projeto Orla e se espanta com a atual abordagem do Aldeia da praia afirmando que esse projeto não corresponde ao que foi planejado naquele documento de Planejamento: (ao perguntar o que poderia mudar para melhorar ainda mai o bairro) O respeito do governo para atender a demanda da comunidade. Para isso tinha que ter estilo um Plano Diretor Participativo local, o Projeto Orla em 2007, eu participai de toda a criação do Projeto Orla. Em nenhum momento foi colocada a remoção da comunidade. Seria apenas uma melhoria da qualidade. E hoje nós temos 5 projetos para o Serviluz e nenhum vem favorecer a comunidade. (trecho da entrevista 1o)

Outro morador surpreende reconhecendo o turismo como algo positivo, porem sugere uma nova abordagem para urbanização do local, reivindicando a permanência da população dentro do Serviluz e sua valorização cultural: Se era para fazer uma coisa bem feita, era para deixar p pessoal no seu canto e ajeitar tudo, urbanizar. (...) Tirou o pessoal dali? É tirar a história para colocar uma praça. Os turistas vão chegar ali para ver o que? Uma praça e a praia? As pessoas querem ver a história, o povo. Esta entendendo? Que ver o povo! Chegar e ver um artesanato, uma coisa local. (trecho da entrevista 11)

Com todos esses relatos, o fato de que o Projeto Aldeia da Praia não atende ao Plano Diretor Participativo, tampouco as diretrizes do Projeto Orla, fica evidente. O ‘cuidado essencial’ com a população urbana, colocado nesse trabalho como pré-requisito para construção da cidade sustentável não é assegurado. Dessa forma, clama-se por uma abordagem de projeto integrado de regularização fundiária que esteja desenhado de forma mais alinhada com os interesses e asseios da população. É imprescindível, antes de tudo, a criação de um conselho Gestor para a ZEIS do Serviluz. Embora o capítulo a seguir apresente um projeto com decisões bem definidas decorrentes da função que um trabalho de Graduação deve cumprir,

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o exposto nas próximas páginas pretende ser um caderno de sugestões projetuais que sirvam de ponto de partida para um processo de debate e tomada de decisões de um futuro Comitê Gestor Legitimo que sonho e espero que a ZEIS do Serviluz possa vir a ter.

Legenda ESTIMATIVA DE REMOÇÕES DO PROJETO ALDEIA DA PRAIA ATRAVES

Remoções estimadasDO proj. Aldeia da PraiaCOM A FOTO AÉREA DA SOBREPOSIÇÃO PROJETO VIÁRIO Terreno Reassentamento

Mapa 2.18 Estimativa remoções necessárias para viabilizar o projeto Aldeia da Praia da forma em que está desenhado Fonte mapa desenvolvido pela autora a partir de análise de Pojeto Aldeia da Praia

escala: 1/20.000

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PROJETO ALDEIA DA PRAIA PROBLEMAS

POTENCIALIDADES

• Remoção em massa da ocupação mais antiga da comunidade para construção de uma praça “gigantesca” (27.390m²), sem haver nenhum motivo real para remoção dessas casas, pois a área nem é área de risco nem área de proteção ambiental. • Distanciamento de várias famílias de pescadores e surfistas profissionais do mar. • Desvalorização simbólica e patrimonial do Farol com a destituição completa de seu contexto urbano e social e com o afastamento da população de pescadores que é seu testemunho histórico. • Praça Jardins da Praia sem nenhuma identidade com a comunidade local.

• Existência de terrenos vazios dentro do Serviluz que podem atender a demanda de áreas livres de lazer, sendo um deles o terreno do campo do Paulista. A aquisição e estruturação desse terreno para funcionar como área de lazer para comunidade já é uma reivindicação antiga. • Cultura da pesca ainda viva e pulsante na comunidade representando um testemunho histórico do funcionamento do antigo farol. A presença dessas famílias de pescadores próxima ao farol fortalece e legitima a importância do retorno do funcionamento da edificação como museu do jangadeiro.

• O projeto Aldeia da Praia previsto para a comunidade do Serviluz não propõe soluções • Existência de pesquisa conclusiva (Lima, 2005) abordando a problemática da do para as reais precariedades habitacionais identificadas na área. (apesar da mitigação de assoreamento do Serviluz, apontando medidas e intervenções apropriadas para lidar precariedades dever ser o principal objetivo da urbanização de assentamentos com o problema. informais). • Em relação ao problema da coabitação existe diagnostico recente realizado pelo PLHIS (Plano Local de Habitação de Interesse Social) que contabiliza a demanda a ser • O projeto não menciona solução para o problema do soterramento das casas. atendida da área do Serviluz por deficit de cohabitação. • O projeto não prevê solução para as famílias que vivem em situação de cohabitação. • Outra potencialidade para a questão da cohabitação é a existência de terrenos vazios dentro do Serviluz marcados como ZEIS3 pelo atual Plano Diretor de Fortaleza. • O plano de intervenções viárias não corresponde à real necessidade da comunidade. • O plano não foi resultado da identificação das casas que têm acesso precário e sim da determinação arbitrária de vias a serem alargadas, na maioria dos casos para facilitar o acesso à praia e não às casas da comunidade. • O plano propõe desenho de vias que privilegiam os carros em detrimento dos pedestres, não sendo essa a realidade e a necessidade local. • Para viabilização da construção do plano viário proposto deverão ser realizadas um grande numero de remoções adjacentes a vias de grande importância para o comércio local e identidade da comunidade como as vias Zezé Diogo e Leite Barbosa • O terreno destinado para o reassentamento das famílias é inadequado diante da existência de outros terrenos vazios mais próximos, dentro da comunidade, sendo alguns deles inclusive demarcado como ZEIS pelo Plano Diretor Participativo vigente. • O terreno distancia a população do mar. Sendo grande parte do das famílias relocadas composta por famílias de pescadores e/ou surfistas profissionais, prejudicando seu meio de renda e a preservação das atividades da cultura local. • Descumprimento do objetivo primeiro colocado no Documento oficial do Projeto Orla: “preservação da memória dos povos do mar”. • Terreno de reassentamento localizado dentro de outra comunidade (Castelo Encantado) com diversas demandas habitacionais, estando este atualmente ocupado por famílias desassistidas não pertencentes à comunidade do Serviluz. • Evidências de que o projeto Aldeia da Praia coloca os objetivos de interesses de valorização da área para o turismo e ‘marketing city’ acima do bem estar social e melhoria da qualidade de vida da comunidade do Serviluz, sendo grande parte das remoções para construção de uma praça turística (Jardins da Praia), tirando da visão do turista que chegará pelo terminal de passageiros em construção na Praia Mansa as casas modestas da comunidade do Serviluz. Fica claro que o projeto pretende mais uma “faxina social” do que uma real preocupação com o bem estar social da comunidade. • Resistência e repressão de organização popular para criação do Conselho Gestor – impedindo o exercício legitimo da democracia, descumprindo o Plano Diretor participativo e os objetivos postos no documento oficial do Projeto Orla. • Falta de Participação popular na ELABORAÇÃO do projeto Aldeia da Praia embora essa seja uma das principais diretrizes do Projeto Orla e do Plano Diretor vigente.

DIRETRIZES • Realização de remoções apenas a partir de critérios claros e bem definidos. As necessidades de remoção devem surgir de necessidades reais da comunidade (precariedades habitacionais, por exemplo) identificadas a partir de equipe técnica em diálogo com a população local. • Garantia da permanência das famílias de pescadores e surfistas profissionais nas imediações da praia, para que seu meio de vida e tradição local não seja prejudicado. • Prioridade da intervenção em apontar soluções para as precariedades habitacionais existentes no local como o risco de soterramento, o alto índice de cohabitação, o saneamento básico insuficiente, o acesso precário de algumas casas, o tamanho reduzido de algumas casas e precariedade de funcionamento do banheiro.

• Todas as vias de acesso à praia já possuem na maioria de sua caixa um espaço • Realização de plano de intervenção viária que tenha como suficiente para acesso de carros, sendo necessária apenas um desenho adequado de foco resolver os problemas de acesso das casas, via que organize melhor o fluxo de carros (a baixa velocidade) pedestres e ciclistas. aproveitando ao máximo o espaço já existente na caixa viária atual com o objetivo de provocar o mínimo de • O real problema viário do Serviluz está nas vias mais internas que dão acesso à remoções. maioria das casas. Uma parte dessas vias não possui caixa com largura suficiente para passagem de carros, significando o acesso precário ás casas de infraestrutura urbana como coleta de lixo e ambulância. Para essa problemática existe uma certa sensibilização e consciência da população o que indica uma possível cooperação ainda que algumas remoções sejam necessárias contanto que o reassentamento seja dentro da área do Serviluz. • Existências de diversos terrenos vazios próximos ou dentro do Serviluz, e bem mais • No caso de haver necessidade de remoções a parir de perto do mar. Alguns desses terrenos são ZEIS 3 (Zona especial de Interesse social tipo critérios bem definidos que tenham como objetivo mitigar 3) no atual Plano Diretor Participativo de Fortaleza (lei complementar municipal n 62, as precariedades habitacionais na população, que essas 2009). A Lei determina que esses terrenos devam ser utilizados para famílias sejam reassentadas nos terrenos de ZEIS 3 dento empreendimentos habitacionais de interesse social com o objetivo de combater o do Serviluz ou em suas imediações. déficit habitacional do município. Dessa forma, entende-se que esses terrenos são • Se for necessário, ampliar o instrumento ZEIS3 para os legalmente adequados para este fim. demais terrenos vazios que do Serviluz que ainda não são classificados como tal.

• Existência de leis e instrumentos normativos que coíbem esses interesses “faxina social” e apontam para que os projetos de intervenção urbanística sejam prioritariamente para a melhoria da qualidade de vida da população e garantia do direito á cidade e á moradia digna. • População que em outros episódios como o projeto do Estaleiro já demonstrou ter força de resistência para lutar pelos seus direitos, contra projetos que não estejam alinhados com as reais demandas da população.

• Revisão das intervenções previstas no Projeto Aldeia da Praia com o objetivo de dar prioridade à permanência da comunidade na área do Serviluz, a melhoria da qualidade de vida da população local, e a mitigação das precariedades habitacionais. A garantia do direito á cidade e a moradia digna devem estar acima dos interesses econômicos e turísticos.

• A exigência desse grupo politizado de moradores que se reúne periodicamente para • Regulamentação do Conselho Gestor da ZEIS Serviluz discutir questões do Serviluz já uma grande potencialidade da disposição do exército considerando o grupo que já vem se organizando dentro da civilidade e democracia necessário para contribuir na elaboração de um projeto que da comunidade. de fato corresponda às demandas sociais reais do Serviluz. • Reformulação do projeto Aldeia da Praia, utilizando os • Plano Diretor Participativo deixa claro a obrigatoriedade da criação de um Conselho recursos disponíveis para obras de interessa da população Gestor composto por pessoas da comunidade e funcionários da prefeitura para todas com a participação legitima do Comitê Gestor da ZEIS as ZEIS1 (Zonas Especiais de Interesse Social tipo ocupação). O Serviluz é demarcada Serviluz nas decisões de projeto e gestão dos recursos. como ZEIS 1, sendo assim, esse grupo tem total direito de exigir a regulamentação de sua atividade e poder decisório.

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3.

Proposta Projetual

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Zoneamento de Aplicação dos Instrumentos do Estatuto da Cidade 3. 1.

Fazer valer os instrumentos do Estatuto da Cidade é fundamental para um planejamento urbano inclusivo, no qual se coloca em prática o conceito de função social da propriedade urbana. No Serviluz, constatou-se que, por mais que as condições de moradias venham melhorando nos últimos anos, segundo relato de moradores, ainda existem diversas situações de precariedade habitacional e de densidade excessiva, além da carência de espaços públicos de lazer de qualidade. Apesar disso, identificaram-se diversos espaços vazios dentro e nas imediações do Serviluz, evidenciando a contraditória dinâmica fundiária urbana brasileira. Apesar de o atual Plano diretor ter demarcado Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) para a área, essas áreas, contraditoriamente não foram consideradas no atual projeto Aldeia da Praia, previsto para a área. Existem ainda grandes terrenos vazios dentro do polígono do Serviluz que não foram demarcados como ZEIS vazias (ou ZEIS tipo 3, de acordo com o Plano Diretor), tampouco foram considerados neste projeto. O caso mais significativo desses terrenos é o que abriga atualmente de maneira precária o Campo do Paulista. É um terreno utilizado a mais de meio século pelos moradores como área de lazer esportivo, porém com ameaças constantes de ser retomado pelo proprietário. Embora já tenham sido feitas várias promessas por parte do poder público, nunca se concretizou a aquisição do campo pela Prefeitura de Fortaleza. Como um dos objetivos do projeto aqui posto é permitir a consolidação e a permanência da comunidade, garantindo a segurança fundiária, mitigando as precariedades e melhorando a qualidade de seu espaço público, constatou-se que além dos terrenos já ocupados pelos moradores do Serviluz, seriam necessários outros terrenos para novas habitações e espaços públicos de lazer de qualidade. Em uma área com tantas vantagens locacionais, a especulação imobiliária age de forma avassaladora. A presença de tantos terrenos vazios é um indício direto desse processo. Para driblar o processo de retenção de terras e fazer valer a função social do solo urbano, propõe-se a utilização integrada de instrumentos do Estatuto da Cidade. Para os terrenos já considerados ZEIS tipo 1 (ocupação), propõem-se que seja retomado o movimento já iniciado, porém interrompido, de formação do conselho gestor da ZEIS do Serviluz. Para as casas pertencentes a essa ZEIS, indica-se um projeto de mitigação das precariedades habitacionais e regularização fundiária para as casas que permanecerem no local. Para as manchas de ZEIS tipo 3 (vazios urbanos) que foram definidas na aprovação do Plano Diretor e depois arbitrariamente retiradas, propõe-se a reafirmação dessas áreas como ZEIS vazio, pois considera-se ilegítimo qualquer decisão posterior não participativa que venha a anular uma decisão tomada a partir de um processo participativo.

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Propõe-se, também, para os terrenos vazios ou subutilizados dentro e nas imediações do polígono considerado como Serviluz, a criação de novas manchas de ZEIS tipo 3 (vazio urbano), com o intuito de possibilitar que todas as novas habitações construídas para que a população do Serviluz permaneça dentro de seu bairro simbólico. Para o terreno que atualmente estão previstos os reassentamentos do Projeto Aldeia da Praia, propõe-se também a definição como ZEIS tipo 3, mas, nesse caso, essa ZEIS deve atender as demandas habitacionais das ocupações que a cercam. A aplicação desse instrumento da ZEIS pretende induzir uma diminuição no preço dos terrenos e a indicação de uso desses terrenos prioritariamente para construção de habitação de interesse Social. Esse instrumento associado à aplicação do instrumento de IPTU progressivo no tempo pretende conter a especulação imobiliária no local e possibilitar a criação de uma reserva de terras do poder público para utilizar na mitigação de precariedades da ocupação. Dessa forma, pretende-se consolidar a área como um espaço democrático, inserido na cidade, próximo dos serviços urbanos, com acesso ao lazer da praia e, na contra corrente da lógica de mercado, possa ser uma área de habitação de interesse social de qualidade, aliando direito à moradia e direito à cidade. Para os terrenos que hoje funcionam indústrias, propõe-se que seja realizado estudo avaliativo das condições de solo e elaboração de projeto para recuperação ambiental dos terrenos atualmente poluídos pelas atividades industriais e de tancagem. Com a tendência de da transferência das atividades industriais para o porto do Pecém e a recuperação ambiental da área pretende-se em afastar o risco que atualmente esses terrenos representam para a população. Após processo de desintoxicação do solo na área, pode-se pensar na reinserção desses terrenos para desempenhar novos usos, reinserindo-os na dinâmica urbana. A partir da aplicação destes instrumentos não se pretende a criação ou fortalecimento de características de gueto. Muito pelo contrário, busca-se a constante e progressiva melhora dos espaços públicos e a possibilidade de promoção de eventos esportivos e culturais no Serviluz. Pretende-se abrir essas áreas livres também à população de outros bairros da cidade, promovendo um espaço de diálogo e urbanidade, quebrando estigmas e favorecendo a qualidade de vida.

Legenda - Instrumentos do Estatuto da Cidade Aplicados

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IPTU progressivo no tempo

ZEIS tipo 1 (ocupação) proposta

Recuperação Ambiental

ZEIS tipo 3 (vazio) existente

ZEIS tipo 1 (ocupação) existente

ZEIS tipo 3 (vazio) proposta


INSTRUMENTOS ESTATUTO DA CIDADE

esc. 1/10.000

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3. 2.

Plano de Reestruturação Viária

A reestruturação do sistema viário do Serviluz foi elaborada com os objetivos principais de mitigar as precariedades habitacionais, promover a continuidade da malha viária existente, preservar o caráter das vias existentes como espaços de convivência e lazer (alem das funções de circulação), ampliar a permeabilidade do solo, tornar os percursos mais agradáveis de serem feitos e, no, âmbito mais tradicional da função viária, a circulação, pretende-se organizar os fluxos dos diferentes usuários como motoristas, ciclistas e pedestres. É importante resaltar que se buscou alcançar esses objetivos aproveitando-se ao máximo as preexistências, na tentativa de causar o mínimo de remoções e aproveitar ao máximo a caixa viária já disponível. No projeto, buscou-se dar preferência aos meios de transporte não motorizados, mas também se procurou minimizar as restrições do acesso de carros para a realização de serviços urbanos. Essa decisão de dar preferência aos pedestres e ciclistas foi tomada devido a diversos fatores: 1. Pela constatação, na fase de diagnóstico de que há uma maior quantidade de indivíduos circulando dessas formas de locomoção não motorizadas;

2. Pelo caráter habitacional e de comercio apenas local;

3. Por constatar que o “bairro” tem boas condições de conectividade com as outras áreas da cidade através do transporte público, tendendo essa situação a melhorar com a construção da estação de VLT do Mucuripe prevista. Também foram consideradas nessa decisão questões conceituais referentes ao debate de cidade sustentável exposto na primeira fase desse trabalho. Dessa forma, uma intervenção que viabilizasse e até induzisse um maior fluxo de carros em uma área que ainda não possui essa característica, além de induzir uma maior poluição atmosférica, também poderia comprometer as características de qualidade de vida e urbanidade desejáveis. As vias do Serviluz possuem as qualidades de vitalidade e dinamicidade descritas e defendidas por Jane Jacobs (2009), com pessoas transitando a todas as horas do dia nas ruas, em uma relação de confiança mútua entre vizinhos e com uma intensa utilização da via como espaço público de convivência. Embora a qualidade de sua infraestrutura seja restrita, pretendem-se preservar essas características, entendidas nesse trabalho como valiosas, melhorando sua qualidade como espaço público e sua infraestrutura, organizando os fluxos de circulação, e procurando mitigar as precariedades habitacionais no caso em que estas estejam relacionadas com a intraestrutura viária. Em relação à precariedade habitacional foram considerados três aspectos

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a serem solucionados através de intervenções no sistema viário. Como já explicitado no diagnostico, a precariedade por acesso, definida por Laura Bueno (2000, p.261) como sendo as habitações que estão localizadas a mais de 60m de uma via que passa carro. Para esses casos, buscou-se estruturar as vias para que elas tivessem largura mínima para passagem de carro. É comum no Serviluz haver vias de largura variável, características de ocupações irregulares que possuem um controle urbanístico limitado. Dessa forma, algumas vias possuem a maior parte de sua extensão com largura da caixa viária suficiente para passagem de carros, mas em alguns trechos apresentam estreitamento devido a ampliação das edificações, ou novas edificações construídas no espaço que deveria ser de circulação da via. Nesses casos, buscou-se promover a continuidade viária, através da remoção da parte da construção ampliada que avança o alinhamento das outras edificações e, em outros casos menos frequentes, da edificação inteira. O segundo aspecto de precariedade habitacional considerado foi a necessidade de espaço de circulação mínima em vias de pedestres, que em muitos casos são estreitas, indefinidas e possuem edificações insalubres. É comum que a única abertura da casa para entrada de sol e de vento seja voltada para à rua, por ser o único lado da edificação em que não existem edificações coladas. Por conta disso foi considerado uma largura mínima de dois metros para vias de pedestres, garantindo condições mínimas de circulação de pessoas e de possibilidade iluminação e ventilação. O terceiro condicionante de precariedade habitacional esta relacionado à dinâmica dos ventos no local. Como foi exposto no diagnóstico, o carregamento de areias pelo vento, mais intenso na região nos meses de setembro a novembro, pode provocar desde o risco de soterramento de casas, como a entrada de areia no interior da habitação através das frechas das telhas ou das aberturas convencionais de janela e porta. Para essa situação, propõe-se como uma das prioridades a garantia de um desenho viário que permita o acesso de caminhão de retirada de areia nas vias que estão mais sujeitas ao risco de soterramento. Outra proposta relaciona a essa questão é ampliar a capacidade da própria área da praia de reter um volume maior de areia nos meses de ventos mais intensos, aumentando a margem de tempo que o caminhão de retirada das areias precisa passar para não haver soterramento. Para esse aumento da capacidade de retenção de areias foi proposto um desenho de via especial. A construção dessa via de resguardo associada a estratégias biológicas como plantação de vegetação de restinga de fixação de dunas e de arvores de grande porte resistentes ao vento e a maresia para minimização das velocidades dos ventos, pretende minimizar o incomodo de entrada de areias nas casas e mitigar totalmente os riscos de soterramento. Como estratégia de projeto, foram utilizados diferentes tipos de pavimentação nas vias para definir usos, organizar fluxos e ampliar a permeabilidade do solo em uma área de ocupação de alta densidade e alto índice de ocupação do solo pelo espaço privado (lotes das casas). A pavimentação asfáltica ficou restrita ao leito carroçável das vias de tra-

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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fego mais intenso. Na maior parte das vias, propõe-se a pavimentação em blocos intertravados de concreto, um material resistente e de baixo custo. Além da vantagem de possibilitar uma absorção de água superior a do asfalto, essa pavimentação induz a um trafego de veículos mais lento que o do asfalto e possui diferentes cores e tipos, contribuindo para organização das funções viárias sem necessariamente haver o desnível da calçada ou de uma ciclovia. Essas estratégias de organização viária através de cores e tipos de piso serão utilizadas de diversas formas de acordo com a necessidade de cada de cada caso e serão explicitadas posteriormente na descrição das vias. Um exemplo utilizado em quase todas as propostas é a inserção de uma linha de piso de alerta direcional de cor vermelha nas extremidades da caixa viária mínima, buscando atender a uma dupla função: Ao mesmo em que garante a referência direcional para deficientes visuais, de acordo com os princípios do desenho universal no espaço urbano, serve também como referência visual do limite da largura mínima da via proposta. Essa medida pretende criar uma linguagem que deixe claro até onde é permitido construir e qual é a largura oficial da via.

Figura 3.1. Modelos de blocos de concreto intertravados.

O piso intertravado foi escolhido também por se apresentar como adequado para implantação das normas de acessibilidade e desenho universal, por ser um piso plano, sem grandes incômodos para cadeirantes, alem de possuir modelos de pisos próprios para atendimento das normas de desenho universal, como pisos táteis de alerta e direcional. Figura 3.2. Calçadas com blocos intertravados.

Figura 3.3.C alçada com blocos intertravados com destaque para rampa de acesso.

Outro elemento novo e de grande importância no desenho das vias propostas é a arborização, atualmente inexistente. Tendo como objetivo tornar os percursos mais agraváveis para pedestres e ciclistas, criando um microclima local e almejando ter um impacto positivo na redução da ilha de calor urbana, a arborização foi pensada como elemento prioritário no projeto viário. Nos casos em que a caixa viária é mais estreita que cinco metros e nota-se que a maior parte das casas tem a abertura para rua como a principal entrada de vento e luz, optou-se por não arborizar. Nesses casos, entendeuse que a arborização poderia prejudicar a entrada de luz nas casas e/ou prejudicar a circulação na via. Nas caixas viárias maiores que cinco metros, adotou-se o parâmetro colocado pelo Moretti (1997) que indica a calçada mínima para arborização de 1,7 metros. Nas calçadas entre 1,7 e 2 metros é recomendada uma arborização de pequeno porte (até 5 metros de altura); e nas calçadas maiores que 2 metros, uma arborização de médio porte (até 8 metros de altura).

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Optou-se em alguns casos por colocar apenas uma calçada para que pudesse ser arborizada possuir uma dimensão maior, garantindo maior conforto para os pedestres devido à sombra e a maior largura de passeio. Lembrando que atualmente os passeios são praticamente inexistentes e que o projeto optou por utilizar a caixa viária já existente, evitado remoções desnecessárias. Para o desenho das vias foi utilizado como referencia as dimensões mínimas consideradas no livro Normas Urbanísticas para Habitação de Interesse Social: Recomendações para Elaboração (MORETTI, 1997, p.77) .

Figura 3.4. Ilustração de dimencionamento minimo de vias para áreas residenciais Fonte: MORETTI, 1997, P.77

A seguir o desenho e a descrição das vias elaboradas para a o plano de reestruturação viária do Serviluz.

Via de Pedestre A (via mínima)

Essa via foi elaborada para atender a situação mínima de circulação e considerou-se dois metros a menor dimensão permitida para circular e possibilitar entrada de luz e vento nas edificações. Não significa que toda a extensão das via de pedestres A possuem essa medida, visto que as edificações raramente são totalmente alinhadas, sendo umas mais recuadas, e outras que avançam mais na via. O comprimento de dois metros seria então, a caixa mínima entre edificações. Propõe-se para essa via uma pavimentação de bloco intertravado de concreto na cor natural, com a drenagem de águas pluviais central conduzida através de inclinação no piso e peças pré-moldadas em V assentadas no centro. Nas laterais, propõe-se uma linha de piso direcional na cor vermelha, com estratégia de limitar a caixa viária mínima e promover o desenho universal.

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Vias Mistas Vias mistas foram consideradas nesse trabalho como sendo vias de caixa reduzida que possibilitam acesso de carros, porém são preferencialmente para meios de locomoção não motorizados. Nessas vias não há diferença de nível do piso entre pista de carros e pedestres. Nesse trabalho, optouse por fazer essa diferenciação de uso por tipo e cor de pavimentação. Via Mista A A via mista A proposta possui a largura mínima para possibilitar a passagem de carro. Considerou-se o parâmetro adotado por Laura Bueno (2000, p.261) que define essa largura mínima como sendo de 4 metros. O uso normal dessa via deve se ser de pedestres, ciclistas e motos apenas, porém possibilita também o acesso de infraestruturas urbanas básicas como coleta de lixo e ambulâncias. Propõe-se a pavimentação com blocos intertravados de concreto de cor natural e um escoamento pluvial localizado no centro da via através de uma caneleta montada com peças pré-moldadas de concreto e, nas extremidades, uma linha de piso de alerta direcional cor vermelha. Essa tipologia viária foi criada para garantir uma largura mínima de acesso automotor objetivando a mitigação de precariedade habitacional por acesso (BUENO, 2000, p.261) e a precariedade habitacional por risco de assoreamento, com a possibilidade de acesso a caminhão de retirada de areia, bem como serviços urbanos de coleta de lixo e ambulância. A maioria das vias em que foi determinada essa tipologia já possuía essa largura mínima na maior parte de sua extensão, sendo comum haver um estreitamento da via por unidades habitacionais que reformaram suas casas ampliando-as para o leito viário. A linha vermelha com o piso direcional pretende criar uma linguagem que deixe claro até onde é permitido construir, garantindo a largura mínima de quatro metros. Via Mista B A via mista B difere da A por não apenas permitir o acesso de carros apenas para serviços urbanos, mas também para os moradores que já possuem carros. Observou-se que havia muitos casos em que as vias já permitiam acesso de carros particulares, porem não possuíam largura suficiente para implantação de calçadas. Nesses casos, observou-se também que a maior parte da extensão viária possuía caixa em torno de 5 a 6 metros, havendo pontos de estreitamento ou alargamento. Os pontos de estreitamento, em alguns casos, resultam em vias sem saída, continuadas apenas por becos de pedestres. Essa configuração irregular da via, possivelmente é devido a ampliações frontais das casas que foram invadindo cada vez mais o espaço de circulação da via. Em outros pontos há um alargamento da caixa da via, chegando a ser superior a 10 metros em alguns casos. Grande parte das vias com essas características são as vias paralelas á praia e internas a ocupação (ver mapa pág X). Nessa área já foi realizado projeto anterior de reestruturação viária pela COHAB na década de 90. Acredita-se que a largura proposta por essa intervenção deva corresponder aos trechos mais largos, entre 8 e 10 metros, mas o processo de ampliação frontal das casas, diminuiu essa caixa viária. A existência de calçada apenas em alguns pontos é mais um indício desse processo.

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Plano Viário Geral

Plano de Reestruturação do Sistema Viário ESC. 1/7.500 EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Via de pedestre mínima e vias mistas

VIA DE PLANTA VIA DE PEDESTRE A ESC. 1/500

PLANTA VIA MISTA A ESC. 1/500

PLANTA VIA MISTA B ESC. 1/500

Sistema Viário - Vias Mistas/Pedestre A

PEDESTRE A

Perspectiva ilustrativa 1.

VIA MISTA A

Perspectiva ilustrativa 2.

VIA MISTA B

Perspectiva ilustrativa 3.

ESC. 1/15.000

VIA MISTA C

PLANTA VIA MISTA C ESC. 1/500

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Perspectiva ilustrativa 4.


CORTE VIA DE PEDESTRE A

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CORTE VIA MISTA A

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Recuperar totalmente a caixa viária inicial resultaria em grande número de remoções. Dessa forma, optou-se por propor um desenho de via mista que atendesse as necessidades mínimas identificadas. Foi preciso reconhecer que existe um fluxo de carros particulares nessas vias, mesmo não tão intenso, nem de alta velocidade. Como o objetivo do projeto é dar prioridade ao pedestre e ciclista, sem restringir o acesso ao carro, principalmente nos casos em que esse uso já existe, nesse caso, a via mista A de quatro metros seria insuficiente para o fluxo de carros liberado (não apenas para serviços urbanos essenciais) e o uso comum de pedestres e ciclistas. Dessa forma, definiu-se uma área central de passagem prioritária de carros com três metros de largura, e uma faixa mínima de noventa centímetros de cada lado para passagem de pedestres. Seria então, quatro metros e oitenta a largura mínima entre edificações, havendo alguns trechos mais alargados. Essa dimensão mínima (4.8m) também foi pensada para possibilitar uma ultrapassem simples em casos de emergência. Por exemplo, no caso em que eventualmente um carro fique no prego na rua com essa tipologia, a largura mínima não impede que outros consigam ter acesso a suas casas. Ao acostar o carro sem funcionar em uma das laterais, sobra espaço suficiente para outro passar. Na via mista A isso não seria possível, o prego de um carro resultaria na interdição total do fluxo de carros, por isso nessa via o uso deve ser de pedonal com acesso de carros apenas para as infraestruturas urbanas. Nas vias sem saída, ou de largura restrita a pedestres, em que se configurou situação de precariedade por acesso (existência de casas com distância maior que 60 metros a uma via de carros), foi definida a abertura dessas vias, mantendo essa caixa mínima de quatro metros e oitenta, para haver a continuidade viária. Por mais que a intenção seja remover o mínimo possível, essa medida tem também a intenção de deixar claro que é errado e não permitido ampliar a casa de forma que impeça o desempenho das funções mínimas da via. A faixa de piso direcional vermelha delimitando a largura mínima da via, juntamente com um maior controle e fiscalização urbanística a serem realizadas após a intervenção viária e a regularização fundiária das casas pretendem controlar essa prática de construção invadindo o leito viário. Mas a efetividade de todas essas medidas de controle terão bem mais chances de ter sucesso a partir da abertura do diálogo com a comunidade, colocando em pauta temas como educação cidadã, bem como outros temas relacionados ao bairro. Em relação aos estacionamentos desses carros particulares, observou-se que é comum o estacionamento na via nos trechos mais largos. Prever esses estacionamentos no projeto significaria aumentar consideravelmente o número de remoções e incenti-

CORTE VIA MISTA B

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CORTE VIA MISTA C

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var o aumento da aquisição de carros pela população. Optou-se assim, por priorizar a permanência das pessoas à possibilidade de aquisição de carros. Então, a solução proposta é próxima ao que já ocorre atualmente com naturalidade. Permitir o estacionamento na via apenas naqueles trechos mais alargados, de forma a não invadir a caixa viária delimitada pela linha vermelha do piso direcional, ou estacionar dentro do lote. Para a faixa da via determinada para o fluxo lento de carros, é proposta a pavimentação em blocos de correto vazados (concregrama) com o uso de vegetação ou brita nos espaços vazios. Essa pavimentação foi definida tanto para aumentar consideravelmente a permeabilidade do solo, como para induzir o trafego lento de veículos. Buscou-se minimizar os conflitos com pedestres, considerando o pouco espaço a ser dividido por estes, os ciclistas e os carros. Para as faixas determinada para pedestres, é proposta a mesma pavimentação da via mista A: blocos intertravados de concreto na cor natural e faixa de piso tátil na cor vermelha nas extremidades. A solução de drenagem também é central como na via mista A, nesse caso recebendo grande ajuda da faixa em concregrama. Via Mista C A via mista C é uma variação da via mista B, com dimensão um pouco maior para possibilitar a arborização e uma faixa de pedestre mais confortável. Esse modelo de via foi criada para ser implantada nas novas tipologias habitacionais propostas. Como as novas unidades habitacionais terão soluções de iluminação e ventilação previstas no projeto, não se tem a preocupação de não arborizar para não impedir entrada de luz, como ocorre nas vias estreitas das habitações já existentes, em que é recorrente que a principal ou única entrada de luz e vento seja voltada para a via de acesso. Propõe-se então, uma faixa de carros de 3 metros semelhante à via mista B, com pavimentação em blocos vazados de concreto e drenagem pluvial no centro. Faixas de circulação de pedestre laterais em blocos intertravados de concreto, sendo uma com um 1.80 metros arborizada, e outra com 1.20 metros não arborizada, resultando em um total de 6 metros de caixa viária. Essas vias, diferentes das outras já apresentadas, terão na maioria das vezes essa largura constante, não havendo alargamentos. Os estacionamentos serão permitidos apenas no interior dos lotes. Para as vias mistas B e C, foram determinados sentidos de fluxo viário para carros, pois não possuem largura suficiente para mão dupla. Dessa forma, organizou-se o fluxo viário em mãos únicas alternadas (ver setinhas indicativas no mapa da aba ao lado).

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Vias Locais

PLANTA VIA LOCAL A ESC. 1/500

VIA LOCAL A

Pespectiva ilustrativa 5.

VIA LOCAL B

PLANTA VIA LOCAL B ESC. 1/500

Pespectiva ilustrativa 6.

PLANTA VIA LOCAL C ESC. 1/500

Pespectiva ilustrativa 7.

Sistema Viรกrio - Vias Locais A, B e C ESC. 1/15.000

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VIA LOCAL C


CORTE VIA LOCAL A

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CORTE VIA LOCAL B

Vias locais As vias locais foram consideradas nesse trabalho como vias que ligam vias de maior fluxo (coletoras) a várias vias mais internas que dão acesso direto as edificações (vias mistas, no caso). Considerou-se que por essas vias canalizaria-se o fluxo de varias vias mistas e essas deveriam ter uma maior distinção entre os locais de fluxo de pedestres, ciclistas e carros. Essa diferenciação pode se dar pela diferença de nível entre calçada e pista de rolamento, ou por cores fortes no piso e tachões (sinalizador amarelo em forma de trapézio). Todas as vias locais são perpendiculares à praia e canalizam o fluxo das vias mistas mais internas. Não há diferença funcional entre elas, todas atendem a uma mesma necessidade. A variação em seu desenho decorre do fato de as caixas viárias disponíveis possuírem dimensões diferentes. Dessa forma, a via mista C teria a dimensão ideal para atender a função de via local: com duas calçadas, faixa de rolamento para carro bem definido e ciclofaixa. Entretanto, como existem diferentes caixas viárias disponíveis, tentou-se criar estratégias para atender as necessidades funcionais no espaço disponível existente. Assim como nas outras vias, utilizou-se o princípio de minimizar as remoções por reestruturação viária, aproveitando ao máximo o espaço disponível na caixa viária já existente. Houve a necessidade de algumas remoções nessas vias que, apesar destas não terem atendido propriamente a redução da precariedade por acesso, visto que essas vias já possuíam largura mínima maior que 4 metros em toda sua extensão. As remoções previstas foram de casos em que a maior parte da via já possuía a caixa viária que possibilitava a colocação de calçada, porém algumas edificações avançavam na via e provocavam um estreitamento pontual na sua caixa viária. Visando a continuidade viária e a desejável separação entre pedestres e carros, foram necessárias algumas remoções pontuais dessas edificações. Como as vias locais propostas não possuem caixa viária disponível para implantação de mão dupla, todas elas possuem sentido único. Definiu-se assim, sentidos alternados com as vias paralelas adjacentes. A drenagem de águas pluviais é feita da forma mais comum, por bocas de lobo localizadas no desnível entre pista de carros e calçada que levam a água para a galeria subterrânea. Via Local A A via local A é a tipologia com menor espaço entre edificações. Optou-se por priorizar a implantação de calçada em apenas um lado da via, e que pudesse ter dimensão confortável para passagem de duas pessoas e para a arborização. Considerou-se que essa configuração seria mais vantajosa do que a implantação de calçadas em ambos os lados sem o sombreamento arbóreo. No lado oposto à calçada, definiu-se uma faixa preferencial para pedestres, com pavimentação diferenciada em bloco intertravado de cor amarela

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CORTE VIA LOCAL C

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e separada da faixa de carros por sinalização em tachões. Dessa forma, a faixa de circulação de carros ficou sendo a mínima necessária de 3 metros, porém em casos de emergência existe a possibilidade de invadir a faixa de pedestres e realizar uma ultrapassagem. Se ao invés de faixa de pedestre, houvesse uma calçada com as mesmas dimensões a ultrapassagem não seria possível, isso explica o porquê da faixa e não de outra calçada. A via Local A possui então calçada em bloco intertravado de concreto cor natural, a via de carros em blocos intertravados de concreto próprios para trafego pesado cor grafite, e faixa de pedestre no mesmo nível de piso da faixa de rolamento de carros em blocos intertravados cor amarela, separada da faixa de carro por sinalização em tachões refletores. Via Local B A via local B possui a mesma configuração que a via local A, com a diferença de possuir uma ciclofaixa entre a calçada e a via de carros. A colocação da ciclofaixa é possível devido a uma maior caixa viária disponível. Nesse caso, priorizou-se a colocação da ciclofaixa à uma outra calçada por constatar que existe um intenso fluxo de ciclistas e que esse fluxo por vezes vem causando conflitos de usos. Dessa forma, foram colocadas ciclofaixas ou ciclovias em todas as vias em que havia largura disponível para tal. Propõe-se então para via Local B: calçada arborizada com piso em blocos intertravados de concreto na cor natural; ciclofaixa em piso intertravado na cor vermelha no mesmo nível da pista de rolamento de carros, separada desta por sinalização em tachões refletores; pista de rolamento de carros em blocos intertravados próprios para trafego pesado na cor grafite; e faixa de pedestres no mesmo nível da faixa de carros, separada desta por sinalização em tachões e pavimentada em blocos intertravados na cor amarela. Via Local C A via local C possui largura suficiente para colocação de duas calçadas com arborização. Essa via possui faixa de carros de 4.10 metros, superior ao das outras vias e o seu dimensionamento deve possibilitar a eventual ultrapassagem. A via Local C possui: calçadas em blocos intertravados de concreto na cor natural; pista de carros em blocos de concreto próprios para trafego pesado na cor grafite; e ciclofaixa em blocos intertravados na cor vermelha, no mesmo nível da faixa de carros, separada desta por tachões.

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Tipologia para Rua Leite Barbosa e espigรฃo que dar prosseguimento

PLANTA VIA LOCAL D ESC. 1/500

PLANTA VIA DE PEDESTRE B ESC. 1/500

VIA LOCAL D

Perspectiva ilustrativa 8.

VIA DE PEDESTRE B

Perspectiva ilustrativa 9.

Sistema Viรกrio - Via local D e via de pedestre B ESC. 1/15.000

VIA DE PEDESTRE B

Perspectiva ilustrativa 10.

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CORTE VIA LOCAL D

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Via Local D

A via Local D é uma variação da via Local C, com calçadas dos dois lados. A via Local D é proposta para um trecho da Av. Leite Barbosa, no qual um dos lados da via não possui edificações, contendo um molhe de pedras que adentra o mar. Atualmente já existe uma calçada precária e cheia de irregularidades margeando o mar. Nela existem algumas cobertas feitas com pilares de concreto ou madeira, e cobertas de amianto, formando áreas de sombra improvisadas. Estas são utilizadas como pontos de descanso e diversão da população local, que avista dali o show dos surfistas na área. Considerando o atual uso como legitimo e desejável, propõe-se a regularização dessa calçada que margeia a praia e a criação de estruturas de sombra e bancos, mantendo o caráter de lazer e descanso do local. Propôs-se assim uma calçada de 2.50 metros, com pórticos de concreto em formato de arco que sustentam pequenas lajes de sombreamento. Sugere-se que sejam plantadas espécies de trepadeiras que possam ser conduzidas por fios e telas, subindo e cobrindo a estrutura de concreto. As trepadeiras possibilitariam um maior conforto térmico embaixo das estruturas e traria um apelo estético para o espaço público.

CORTE VIA DE PEDESTRE B

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Via de Pedestre B A via de pedestre B é a proposta de urbanização do espigão que divide as praias do Titanzinho e do Vizinho. Essa via é a continuação da via local D, mantendo a mesma linguagem dessa, mas sendo o seu uso exclusivo como espaço publico de lazer, funcionando como uma praça linear cercada de mar. As estruturas de sombreamento foram mantidas para possibilitar o acesso ao espaço durante o dia e a noite, mesmo nas horas mais quentes. Atualmente, o molhe de pedras não possui nenhuma infraestrutura. Dessa forma, a via de pedestre B possui: piso em blocos intertravados de concreto na cor natural, bancos de descanso, guarda corpo, e estruturas de sombreamento de concreto. Não é prevista arborização devido à escassa camada de solo, mas é proposta a plantação de espécies trepadeiras de raiz rasa para cobrirem as estruturas concreto.

Dessa forma, a via local D possui: uma caçada em um dos lados com pavimentação em bloco intertravado de concreto na cor natural, com estruturas de concreto para sombreamento e bancos de concreto e madeira; uma via de carros com pavimentação em blocos de concretos próprios para trafego pesado, uma ciclofaixa em blocos de concreto na cor vermelha, separada da faixa de carros por tachões; e outra calçada arborizada com pavimentação em blocos de concreto na cor natural.

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Calçadão do Surf (em frente as casas do Farol)

Via de Pedestre C A via de pedestre C atualmente não existe. A importância de implantação dessa via com características de calçadão a beira mar, vai muito além de um da proposta de espaço publico de lazer. O objetivo maior na proposição é a resolução uma serie que questões relacionadas à precariedade habitacional e aos impactos ambientais. A via proposta passa entre as casas da região, em uma área conhecida pelos moradores como Favela, e a Praia do Titanzinho. (ver mapa da pag X e Y). Apesar de essas áreas corresponderem à ocupação mais antiga do Serviluz, nenhuma intervenção urbanística realizada na área até hoje promoveu o atendimento de saneamento básico da área. Dessa forma, o esgoto a céu aberto e a rede de drenagem com as prováveis ligações clandestinas, devido à ausência de rede de saneamento, escorrem para o mar a olhos vistos na praia do Titanzinho. Essa situação compromete obviamente a saúde publica, não apenas dos moradores das casas da região da Favela e do Farol, mas na escala do bairro e da cidade.

Sistema Viário - Via de Pedestre C

ESC. 1/15.000

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Dentre as limitações para a implantação de saneamento básico, acredita-se que a ausência de via adequada a passagem de galeria subterrânea de esgoto, a cotas mais baixas que as das casas dessa região, seja um grande complicador. Dessa forma, propõese a construção dessa via de pedestres com galeria subterrânea de esgoto. Sabe-se que existem vias com esgotamento sanitário a mesma cota nas regiões da Boca do Golfinho e do Titanzinho (ver mapa pagina X), e que já existem estações elevatórias para essas galerias. A proposta é então de conectar essas novas galerias às já existentes. Além disso, existem outros ganhos com a construção dessa via. Atualmente, não existe delimitação entre o que é praia - espaço público - e o que área de casas (espaço privado). Existem alguns pontos em que as casas avançam mais em direção ao mar, tendo algumas delas seu muro molhado em marés mais cheias que o normal. Segundo relato dos moradores, não há alagamentos. Porém, com certeza, essa não é uma situação desejável por diversos moti-

VIA DE PEDESTRE D

Pespectiva ilustrativa 11.

VIA DE PEDESTRE D

Pespectiva ilustrativa 12.

VIA DE PEDESTRE D

Pespectiva ilustrativa 13.


vos: ambientais, de dignidade habitacional e de qualidade do espaço publico. Definiu-se então que o limite para as casas seria a uma distancia de quinze metros da cheia comum. Algumas remoções são inevitáveis para atendimento desse critério, porém, a grande maioria das casas nessa região já possui este afastamento, sendo as remoções casos pontuais. O calçadão proposto delimita o espaço público da praia e o espaço privado das habitações. Limita também que outras habitações ampliem suas casas em direção ao espaço da praia, para que este fique livre para utilização pública.

Tendo uma largura total de 5m, a via de pedestre C é dividida em duas faixas: a faixa mais próxima das edificações, que permite a colocação de mesas e cadeiras ou outros usos de apoio às edificações; e a faixa mais próxima à praia, que deve ficar livre para a circulação de pedestres. Essas duas faixas são divididas por cor de piso e por colocação de bancos e arborização de carnaúbas. A colocação dessas barreiras físicas subdividindo o espaço é essencial para caracterizar a via como sendo apenas de pedestres, impedindo um possível acesso de carros não desejável nesse caso.

Notou-se que algumas das edificações voltadas para a praia do Titanzinho funcionavam como bar de praia, com mesas e guarda-sóis na areia. Esse uso foi considerado legitimo e desejável para alimentar os usos mistos e a vitalidade urbana, porém como na proposta não existirão mais edificações com acesso direto à praia, a colocação de mesas para o funcionamento desses bares será na própria calçada. Dessa forma, a via mista C foi concebida para atender a todas essas funções.

A via de pedestre C possui então faixa de colocação de mesas em blocos intertravados de concreto na cor amarela e faixa de circulação em blocos intertravados na cor natural, além da implantação de bancos de concreto e madeira e arborização com carnaúbas (Copernicia prunifera). Propõe-se que haja duas faixas de piso tátil direcional na cor vemelha com a finalidade de delimitação do limite de ocupação de casas e de orientação direcional. Propõe-se também uma faixa de piso tátil de alerta amarelo entre a calçada e a areia, informando que ali ocorrerá uma brusca mudança de pavimentação.

CORTE VIA DE PEDESTRE C

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PLANTA VIA DE PEDESTRES C ESC. 1/500

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Vias coletoras (tipologias para Av. Zezé Diogo)

PLANTA VIA COLETORA A ESC. 1/500

VIA COLETORA A

Perspectiva ilustrativa 14.

PLANTA VIA COLETORA B ESC. 1/500

Perspectiva ilustrativa 15.

VIA COLETORA B

Sistema Viário - Vias Coletoras A e B ESC. 1/15.000

VIA COLETORA A - PARADA DE ONIBUS EM BAIA

Perspectiva ilustrativa 16.

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CORTE VIA COLETORA A

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Vias coletoras As vias coletoras foram consideradas nesse trabalho como vias que conectam o bairro com eixos importantes da cidade. Nas vias coletoras, não circulam apenas veículos que pretendem ter acesso ao bairro, mas também veículos de passagem, ou veículos que partem de outros bairros e que tem o acesso ao bairro pelas vias coletoras. São nessas vias que passam as linhas de ônibus e os caminhões de carga. As tipologias viárias denominadas como coletoras A, B e C são variações de uma mesma via que possui caixa viária variável de acordo com seu trecho. A via em questão é a Av. Zezé Diogo, que se constitui o principal eixo de ligação do Serviluz com as demais áreas da cidade. Nessa via existe uma intensa atividade comercial, funcionado como uma centralidade comercial local. Acredita-se que essa rica vida comercial esteja relacionada à alta conectividade tanto em relação a outros bairros da cidade como em relação aos percursos realizados no interior do Serviluz. Todos que necessitam se deslocar para fora do Serviluz geralmente tem que passar por essa via, seja de veiculo particular, ou para pegar um o transporte público de ônibus. Portanto, considerou-se que para atender esse comercio mais intenso seria necessário estacionamento em pelo menos um dos lados das vias. Considerou-se também que por se tratar de uma via com trafego mais intenso a pavimentação asfáltica seria mais conveniente colocá-lo na faixa de rolamento de carros.

CORTE VIA COLETORA B

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Via Coletora A A via Coletora A corresponde ao trecho mais estreito da Av. Zezé Diogo, permitindo estacionamento apenas em um dos lados da via. É uma via de mão dupla tanto no que diz respeito aos carros como aos ciclistas. A ciclovia fica isolada da via de carros e de pedestres por desnível no piso. A arborização nessa tipologia pode ser de médio porte, sobreando a calçada adjacente, a ciclovia, a faixa de estacionamento, e, em algumas horas do dia, a calçada do lado oposto e a pista de carros também. Essa tipologia viária permite a passagem de ônibus, porém as paradas só serão possíveis em baias de aproximação. Sem essas baias, a parada de ônibus significaria a parada do fluxo de carros. Previsto no projeto, tem-se uma baia de ônibus com abrigo coberto. Dessa forma, a via coletora A possui: calçadas dos dois lados em blocos intertravados na cor natural; ciclovia de mão dupla rebaixada em blocos intertravados cor vermelha; faixa de arborização; e separação da ciclovia da via de carros com pavimentação idêntica à calçada. A via de carros possui piso de asfalto, mão dupla e dimensão para estacionamento paralelo à calçada em um dos lados da via. A demarcação dos estacionamentos será feita com tinta no piso, bem como a divisão entre as duas mãos opostas de circulação. Via Coletora B A via coletora B é exatamente igual à via coletora A, com exceção do fato que possibilita o estacionamento dos dois lados da via. Alem de representar um trecho mais largo da Av. Zezé Diogo no Serviluz, essa tipologia serviu também para atender a outras vias que possuíam dimensões adequadas para essa tipologia e atendiam as mesmas características funcionais e locacionais de coletoras.

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Via coletora C (tipologia para Av. Zezé Diogo contiguo ao terreno do Campo do Paulista)

Via Coletora C A via Coletora C possui dimensões mais generosas. O trecho da Av. Zezé Diogo em que se determinou a implantação dessa tipologia é a que atualmente margeia o terreno vazio do campo do Paulista. Considerou-se a possibilidade da utilização do espaço desse terreno para propor um desenho de via mais confortável e amplo. Essa tipologia possui mão dupla que possibilita a passagem de dois carros no mesmo sentido e a possibilidade de estacionamento dos dois lados. Para a faixa de estacionamento, determinou-se uma pavimentação diferenciada em blocos de concregrama, ampliando a permeabilidade do solo e deixando mais definido o que é espaço carroçável e espaço para estacionamento. Nos locais onde haverá paradas de ônibus, o piso da calçada avança sobre o espaço de estacionamento e nesse espaço são implantadas as paradas de ônibus com abrigo. Esse desenho é favorável por possibilitar a instalação do abrigo sem prejudicar em nada o espaço continuo da calçada nem pelo recuo da baia nem pela colocação do abrigo. Esse desenho também é mais confortável para o motorista de ônibus que não precisa desviar para encaixe na baia. Esse desenho somente é possível porque em cada mão existe espaço suficiente para passagem de dois carros simultaneamente. Nas tipologias Coletoras A e B esse esquema não seria possível devido ao limite de espaço da caixa viária disponível.

Sistema Viário - Via Coletora C

ESC. 1/15.000

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Nessa tipologia também é possível a arborização nas duas calçadas sendo de um lado de médio porte e do outro de pequeno porte, garantindo um maior confortos nos percursos. Até agora foi dado ênfase que as vias coletoras possuem um trafego intenso de carros, mas é importante lembrar que também são vias com maior numero de pedestres e ciclistas devido ao abundante comercio existentes nelas, sendo de grande importância garantir o conforto também de meios de transporte não motorizados. Essas foram as únicas vias do projeto em que se buscou atingir um nível equivalente atenção entre carros, pedestres e ciclistas.

VIA COLETORA C

Perspectiva ilustrativa 17.

VIA COLETORA C

Perspectiva ilustrativa 18.

VIA COLETORA C

Perspectiva ilustrativa 19.


Dessa forma, a via Coletora C possui: duas calçadas em blocos intertravados de concreto na cor natural com linha de piso tátil direcional na cor vermelha, delimitando o limite das edificações; uma ciclovia de mão dupla em blocos intertravados de concreto cor vermelha, vagas de estacionamento paralelo nos dois lados da via em blocos de concreto vazado (concregrama); e pista de carros de mão dupla, cada mão com a possibilidade de passagem de dois carros paralelos com pavimentação em asfalto.

CORTE VIA COLETORA C

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PLANTA VIA COLETORA C ESC. 1/500

CORTE VIA COLETORA C - EM PARADA DE ONIBUS

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Via Ponta Mar (estratégia de proteção contra o assoreamento - via de resguardo)

Via Coletora D A via Coletora D é completamente diferente de todas as outras. Também foi desenhada para uma situação bastante especifica do Serviluz, com o objetivo de criar um sistema espacial de resguardo do vento e de atender a comum demanda de circular e recrear. O Serviluz sofre há vários anos com a dinâmica de ventos da região, que tende a provocar o assoreamento das casas que se localizam depois do molhe de pedras do Titanzinho. São essas áreas conhecidas na comunidade como Titanzinho, Boca do Golfinho, Pracinha e Chez Pierre (ver mapa na pag. Z). Algumas casas do Titanzinho sofrem mais intensamente com a problemática por possuir algumas ruas estreitas perpendiculares à praia, no mesmo sentido dos ventos. Isso facilita o processo de deposição de areias, como foi constado por Lima (2005) em sua tese de mestrado e no mapa de áreas de risco da defesa civil (ver mapa pag. X). Essa dinâmica de ventos foi intensificada após a construção do Molhe de pedras do Titanzinho que tinha por objetivo criar uma dinâmica favorável de maré ao Porto do Mucuripe. A partir dessa intervenção humana na natureza, passou a existir uma tendência à formação de dunas na praia conhecida pela comunidade como Boca do Golfinho e há muitos anos essa praia vem passando por um processo de engorda.

Sistema Viário - Via Coletora D

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VIA COLETORA D

Perspectiva ilustrativa 21.

No primeiro capítulo desse trabalho, discutimos o conceito de sustentabilidade, e a proposta desse projeto é aplicar os conceitos discutidos de forma ampla e integrada. A maneira de resolver esse problema relacionado à tendência de formação de dunas em uma área atualmente ocupada por casas, exigiu um retorno à reflexão inicial para que a decisão tomada estivesse ao máximo coerente com os conceitos de sustentabilidade colocados no primeiro capitulo. Em uma abordagem preservacionista ambientalmente, poderíamos pensar na possibilidade de retirar a ocupação para permitir a formação e desenvolvimento do ecossis-

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VIA COLETORA D

Perspectiva ilustrativa 20.

VIA COLETORA D

Perspectiva ilustrativa 21.


tema de dunas. Porém, devemos entender que não existe mais natureza virgem a ser preservada, a cidade é espaço construído e espaço social. Além de que a intensificação do processo de assoreamento é efeito colateral de uma intervenção humana – a construção do molhe de pedras. Também seria “inocência” pensar que em uma área da cidade tão bem localizada do ponto de vista de conectividade com intraestrutura urbana, inserida em zona valorizada e próxima à praia, pensar que após uma possível retirada da comunidade, o mercado imobiliário não ocuparia a área. Isso provavelmente aconteceria através de pressão ao poder publico, passando por cima de qualquer hipótese de restauração do ecossistema de dunas. Deve-se levar em consideração toda a história de permanência da comunidade nessa localização, a vantagem que significa para a população local residir em uma área com tantas vantagens locacionais e o valor simbólico e prático que a presença do mar significa para essas famílias. O conceito de sustentabilidade aqui debatido considera não apenas questões ambientais, mas também conceitos vinculados como direito à cidade e justiça social. Ao mesmo tempo, permitir a permanência da comunidade sem haver um esforço para criação de estratégias para atenuar as precariedades e riscos, seria ir contra os conceitos de justiça ambiental, cuidado essencial com as pessoas e eficiência do poder publico em garantir qualidade de vida a população. Dessa forma, a decisão foi entender o que já vem sendo feito para minimizar o problema, tentando aproveitar as boas ideias e criar novas estratégias para avançar no enfrentamento da questão.

A via Coletora D foi desenhada para ser uma espécie de escudo de resguardo da comunidade. Atualmente a via Ponta Mar, apesar de ser a via que margeia a praia, encontra-se comumente deserta. Acredita-se que esse fato tenha haver com a problemática das areias, pois mesmo as edificações que tem frente para essa via, encontram-se mais fechadas por conta da invasão da areia. É uma via praticamente sem comércio e a vista da praia é pouco ou nada explorada. Dessa forma, priorizou-se a proteção das edificações da chuva de areia à possibilidade de contato visual direto das casas para a praia. Propõe-se a criação de uma barreira física com altura equivalente a um pé direito, que ao mesmo tempo resguarde as casas da incidência direta das areias, ampliando consideravelmente a capacidade de retenção de areias e retardando a chegada do impacto nas casas da comunidade. Atualmente já existe uma rotina de retirada de areias no Serviluz por caminhões. Essa areia é utilizada em obras publicas pela prefeitura. A solução sugerida não dispensaria a necessidade constante de passagem desses caminhões, mas garantiria que no espaço de tempo entre as retiradas de areia, nenhuma via ou casa sofresse soterramento. Para vencer essa barreira física e garantir o acesso visual e físico da praia da Boca do Golfinho, propõe-se um desenho de via que disfarce essa barreira e até tire partido dela para criar um espaço urbano interessante. Dessa forma, enquanto uma das calçadas e a pista de carro ficam a mesmo nível das habitações para possibilitar as funções de acesso e circulação, é proposto um calçadão e uma ciclofaixa a um nível elevado, proporcionando um visual privilegiado tanto para a praia como para a comunidade.

PLANTA VIA COLETORA D ESC. 1/500

CORTE VIA COLETORA D

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Tira-se então partido da necessidade para a criação de um espaço público de lazer com forte apelo paisagístico. No espaço entre a via de carros e o calçadão, o desnível é vencido por um talude gramado e intensamente arborizado. É na arborização desse talude que está a outra estratégia de resguardo. Sugere-se a plantação de espécies de grande porte, de copa densa e resistente ao vento e à maresia, para criação de uma massa vegetal que possa ser capaz de diminuir a velocidade dos ventos antes de chegarem à comunidade. Sugere-se a arvore de cipreste para atender a essas exigências. Para resolver a questão de acesso à calçada elevada, propõe-se a utilização de escadas e rampas acessíveis. Já o acesso do calçadão à praia variará de acordo com a época do ano e a situação de depósito de areia. Em épocas em que a areia esteja cobrindo praticamente todo o muro, como foi ilustrado no corte, o acesso se dá diretamente pela duna formada. Mas quando as areias tiverem sido retiradas e houver um desnível que pode chegar a altura de um pé direito (2.80m), o acesso deve se dar por uma estrutura leve e flexível de escada que possa ser montada e desmontada de acordo com a necessidade. É importante lembrar que existem diversas praias aqui no nordeste e em outros estados em que existem desníveis bem maiores para ter acesso à praia, e esse fato nunca impediu, tampouco diminuiu a frequência das pessoas nesse espaço para lazer. Com esse desenho acredita-se que mesmo que a estratégia tenha sido a construção de um muro para retenção de areias, o que se vê não é um muro, e sim um calçadão elevado com vista privilegiada e uma área extremante arborizada, sombreada e agradável de estar e percorrer. Propõe-se que as vias de acesso no inicio e no fim da via Ponta Mar (Coletora D), ultrapassem esta, chegando até a areia da praia (ver mapa da aba ao lado). São nessas pontas em que os caminhões de areia terão acesso à área de retenção de areia, podendo fazer retiradas regulares. Nesse desenho de via, devem-se tomar alguns cuidados. A construção dessa barreira visual ocasiona a exigência de uma extensa área pouco vista, sendo necessário que seja dado prioridade à forte iluminação na praia, e que sejam instaladas cabines policiais no calçadão, com vistas privilegiadas para a praia e as ruas da comunidade, para que a Praia da Boca do Golfinho não corra o risco de se tornar recanto de criminalidade. Concluindo, a via coletora D possui caçada e calçadão elevado em blocos intertravados de concreto na cor natural, ciclofaixa elevada em blocos de concreto na cor vermelha, pista de carros mão dupla em asfalto, faixa de estacionamento paralelo em um lado da via em blocos vazados de concreto (concregrama) e talude divisor de níveis gramado e arborizados com arvores cipreste. A arborização da calçada baixa é de arvores de pequeno porte e para a arborização do calçadão sugere-se carnaúbas.

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Vias da Estiva e Canefor

Ruas perpendiculares à praia com risco de assoreamento

Vias paralelas a praia de acesso direto as habitações

Vias perpendiculares e de acesso à praia

Tabela Todas as Vias

Nome da Rua

R. São Gerardo Trav. Ponta Mar R. do Rastro R. Nezita Pereira Trav. Ozeite Filomeno Trav. Nova R. Henrique Firmeza Leite Barbosa R.Leite Barbosa no trecho em que margeia o mar R. Zeze Diogo R. Murilo Borges R. Titã/ Amaro Filomeno Brisa Mar Rua José Monteiro R. St. Amaro do Mucuripe R. Ozeite Filomeno R. Ponta Mar R. do Surf (nova via proposta na frente das casas da praia do Titanzinho ) R. Deputado Flavio Marcilho R. São José R. São Pedro R. São Sebastião R. São Francisco R. São Raimundo R. São Gerardo R. St. Antonio R. Vila Sta. Rita R. Trav. St. Amaro R. Vila Ponta Mar Trav. Gtarani Guaraci Vicente de Castro Trav. Atlantica R. Varzea Nova Trav. Amancio Filomeno Trav. José anacreto Beco Canefor 1 R. Canefor

Tabela 3.1 Tipologias viárias propostas a partir da caixa existente atualmente Fonte Tabela desenvolvida pela autora

Distância mínima entre edificações em metros (atual) 2.56 5.52 5.26 7.79 7.47 3.80 6.95 7.43 6.39

Distância máxima entre edificações em metros (atual) 8.20 12.24 7.27 11.57 12.19 6.74 8.88 19.44 11.58

13.43

20.38

2.00 1.30 3.22 1.92 3.83 3.92 -

13.71 10.78 8.89 8.39 7.69 10.20 -

2.05

7.67

3.44 4.10 3.45 2.73 3.86 2.56 2.44 2.06 1.41 1.78 3.49 3.53 2.82 3.89 3.69 3.55 1.59 4.81

4.70 6.32 6.54 5.67 7.74 8.47 4.50 5.75 4.01 4.14 6.66 9.52 5.45 5.05 11.03 7.40 6.47 9.24

Local A Local B Local B Local B Local B Local A Local A Local C Local D

Largura mínima em metros da tipologia 5.80 7.00 7.00 7.00 7.00 5.80 5.80 8.70 12.00

Coletora A, BeC Mista B Mista B Mista B Mista B Mista B Mista B Coletora D

15.50 a 22.20 4.80 4.80 4.80 4.80 4.80 4.80 22.20

Pedestre C

5.00

Tipologia viária proposta

Pedestre A Mista A Mista A Mista A Mista A Mista A Mista A Mista A Mista A Mista A Mista A Mista B Mista B Pedestre A Mista B Mista A Mista B Mista B Mista B

4.00 4.00 4.00 4.00 4.00 4.00 4.00 4.00 4.00 4.00 4.00 4.80 4.80 2.00 4.80 4.00 4.80 4.80 4.80

Para o desenho das tipologias viárias propostas, estabeleceu-se dois importantes critérios: 1- A Tipologia proposta não pode ultrapassar mais que 3 metros da largura mínima atual da via. 2- A tipologia proposta não pode ultrapassar a largura máxima atual da via.

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

177


3. 3.

Plano de Remoções e Reassentamentos

Ainda que um dos objetivos desse trabalho seja possibilitar a permanência máxima das famílias em suas casas, para alcançar outros objetivos projetuais também importantes como o de mitigar as precariedades habitacionais, melhorar as condições de circulação e a qualidade do espaço, foram definidos alguns critérios de remoção. A criação de critérios bem definidos foi de grande importância para evitar a remoções arbitrárias, ou seja, as casas removidas teriam que ter um motivo válido para sair. Durante a definição desses critérios de remoção, houve um processo de reflexão levando em consideração aspectos técnicos, dados secundários e a opinião das pessoas nas entrevistas, sempre tentando manter o foco no que era realmente o objetivo da intervenção proposta. Remoção por reestruturação viária: Como já foi exposto, o Plano de Reestruturação Viária foi pensado para mitigar as precariedades habitacionais por acesso e para promover uma maior continuidade e qualidade do sistema viário. Para obtenção dessas prioridades, foram necessárias algumas remoções, principalmente pelo fato de ser recorrente a pratica da ampliação da casa invadindo o leito de circulação viário. Dessa forma, foram definidos dois tipos de remoção: remoção parcial da edificação (frente de lote) e remoção total da edificação. Na maioria dos casos, apenas a frente do lote avançava o alinhamento das outras edificações, prejudicando o espaço da via. Essa frente de lote geralmente é uma ampliação posterior da casa. Nesses casos, foi determinado que a família permanecesse no lote em que mora, mas seria solicitada demolição do espaço necessário para implantação do novo desenho de via, e a família seria inclusa em um programa de melhoria habitacional com assistência técnica, dispondo de uma verba para melhorar a casa dentro do espaço remanescente do lote. Houve casos também em que foi detectada a necessidade de haver a remoção total dos lotes. Esses casos foram compostos de casas localizadas onde deveria passar ou, aparentemente, já existiu uma via, casos em que não havia via, configurando uma situação de precariedade habitacional por acesso em que várias casas estavam distantes a mais de sessenta metros de uma via que passa carro, e casos em que a necessidade de remoção da frente do lote significaria a inviabilidade da permanência daquele lote. Um dos cuidados na hora de definir a caixa viária para a reestruturação das vias já existentes foi assegurar-se que a nova caixa viária proposta não ultrapassasse três metros na largura mínima da via e, em nenhum caso, excedesse a largura máxima da via. As tipologias viárias mostradas no item anterior obedeceram rigorosamente a esses critérios, sendo esse é um dos motivos para haver tantas variações de desenhos da mesma categoria viária. Algumas vezes, a mesma via possuía diferentes desenhos ao longo de seu trecho. Com isso, possibilitou-se apenas regularizar as caixas viárias existentes, não provocando remoções excessivas ou arbitrárias.

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Quando houve dúvida para definir quais seriam os lotes que teriam apenas a frente removida e permaneceriam, e quais teriam de ser totalmente removidos definiram-se critérios para tomada de decisão. Quando o espaço de lote remanescente após a remoção da frente possuía dimensão total inferior a trinta e cinco metros quadrados (dimensão mínima permitida), foi definido que haveria a remoção total. Nos casos em que o espaço remanescente era superior a trinta e cinco metros quadrados, avaliou-se se a remoção da frente do lote correspondia a uma profundidade maior que dois metros. Nesses casos, verificou-se se a profundidade do lote remanescente era inferior ou superior a dez metros, sendo essa profundidade o condicionante para definir a sua permanência ou não, onde um lote remanescente com profundidade maior que dez metros permanece e um de menor profundidade, não. Ressaltando que, somado ao critério de profundidade, o critério de área mínima de trinta e cinco metros quadrados deve também ser considerado para definir a remoção. Remoção por proximidade do mar menor que 15 metros: Na praia do Titanzinho, constatou-se que havia algumas casas bastante próximas ao mar. Apesar de não haver relatos de alagamentos do interior das casas ou destruição das edificações pela maré, durante a realização desse trabalho houve uma maré em que o mar avançou uma pouco mais que o normal no mês de março (2013), chegando a molhar a parede das casas. Além disso, existe o problema da falta de saneamento básico nessas casas e a ausência de vias que passem a uma cota abaixo das casas para possibilitar a instalação de sistema de saneamento. Para possibilitar a instalação da rede de saneamento básico e, ao mesmo tempo, delimitar a área de praia (espaço público) e espaço de casas (espaço privado), propôs-se a passagem de uma nova via entre as casas e a praia (via de pedestre D- ver pagina X). Dessa forma, definiu-se a necessidade de um espaço de dez metros como faixa de praia mínima e cinco metros para via de pedestre. Assim, a dimensão de quinze metros será a mínima permitida entre as edificações e a linha da maré cheia. A grande parte das edificações dessa região já se encontra dentro desse limite, exceto algumas que avançam o alinhamento da maioria das casas, devendo ser removidas. Remoção por precariedade por tamanho: Com o objetivo de mitigar as situações de precariedade, além da questão de acesso, e do fornecimento de se saneamento básico, definiu-se um tamanho de lote mínimo. É comum em ocupações irregulares que famílias grandes habitem um espaço de tamanho reduzido, impedindo a privacidade entre os membros da família e o desempenho das funções habitacionais básicas (estar, comer, dormir, higienizar-se). O lote mínimo definido foi de trinta e cinco metros quadrados. O tamanho médio do lote identificado na área foi de 60.07m², utilizando a base de dados dos polígonos das edificações de Fortaleza fornecido pela prefeitura. Identificou-se, a partir dessa mesma base de dados, um total de 1.047 edificações com área inferior a trinta e cinco metros quadrados. Observouse que várias dessas edificações se encontravam fazendo limite com a via Ponta Mar, a via paralela a Praia Boca do Golfinho que faz o limite entre edificações e praia. Nesse trecho, não há problemas em relação à proximidade das casas do mar, pois existe uma ampla faixa de praia livre. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Com o objetivo de minimizar as remoções e garantir a permanência máxima das famílias em suas atuais casas, foi definido que a reestruturação da via Ponta Mar (Coletora D) deveria ser implantada deixando uma distância de cinco metros das atuais edificações, possibilitando a ampliação dos lotes que se encontram com dimensão inferior a trinta e cinco metros quadrados. Esses lotes também deveriam ser incluídos em uma ação de melhoria habitacional com assistência técnica.

ESTIMATIVA REMOÇÕES NECESSÁRIAS POR PRECARIEDADE POR TAMANHO Estimativa de edificações habitacionais com área menor que 35 m² Estimativa de edificações habitacionais com área da menor que 35 m² adjacente a via Ponta Mar onde será previsto em projeto a possibilidade de ampliação Estimativa de edificações habitacionais menores que 35m² que o projeto não pode prever área de ampliação Índice de 30% de famílias que moram em lotes menores que 35m², mas que não se encontram em situação de precariedade Total de remoções estimadas por precariedade por tamanho

Para as edificações em que o projeto não pode prever espaço para ampliação, considerou-se que seria averiguado por uma equipe técnica multidisciplinar (arquitetos, engenheiros e assistentes sociais) se a situação existente realmente configura precariedade, levando em consideração também o desejo da família de ir para uma habitação maior ou não. Nos casos em que a família for composta por poucos membros, por exemplo, um casal de idosos, uma mãe solteira com um filho, uma pessoa que mora sozinha, e os componentes da família optarem por permanecer na casa onde moram, não haverá a remoção. De qualquer forma, terá que ser analisado caso a caso. Para efeito de simulação, e avanço da proposta projetual, estimou-se que 30% das casas menores que 35m² e que não apresentam espaço para ampliação, não configurariam situação de precariedade habitacional e optariam por permanecer.

Remoção por obstrução do patrimônio histórico Farol Velho: Esse é o único critério que não está intrinsecamente ligado à resolução de questões de precariedade habitacional, sendo definido para atender a outra questão. O Farol Velho, que atualmente possui várias casas construídas coladas em sua base, é um bem Tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional. Para que haja o restauro e valorização dessa edificação, o indicado seria a desobstrução visual e física de seu entorno imediato. Ainda assim, questionou-se se realmente seria coerente com os objetivos da intervenção, haver remoções que não estariam diretamente ligadas à mitigação de precariedade habitacional. Nesse ponto, foi importante ter havido a pesquisa social anterior ao projeto, pois durante a as entrevistas, constatou-se que existe sim um forte apego simbólico entre a comunidade e o Farol, sendo considerando parte da história do Serviluz também. Após as entrevistas, essa impressão foi confirmada através da identificação de campanha para valorização e restauração da edificação realizada por moradores locais através de redes sociais de internet e de um jornalzinho local impresso. Com a constatação de que o Farol é, de fato, uma edificação com valor histórico e simbólico tanto para a Cidade de Fortaleza como para a comunidade na qual está inserido, acatou-se a decisão de desobstruir seu entorno

180

NUMERO DE DOMICILIOS 1047

103 944 283

661

Tabela 3.2 Calculo estimativo de remoções necessárias motivadas por precariedade habitacional por tamanho. Fonte Tabela desenvolvida pela autora basedo na base de dados de poligonos edificados disponibilizado pela Prefeitura Municipal


imediato, valorizar suas visuais e promover o restauro de acordo com as indicações do IPHAN. Para tal objetivo, definiu-se a remoção das casas que se encontram “coladas” à sua base e que estão imediatamente a frente da edificação impedindo sua completa visualização a partir da principal via de acesso, a Av. Vicente de Castro, e a partir do mar. Remoção em terreno de reassentamento: Após definição da demanda habitacional a ser atendida, somando as quantidades de habitações a serem removidas ao déficit por coabitação, definiram-se os terrenos de reassentamento em terrenos vazios ou subutilizados dentro do perímetro do Serviluz e em suas adjacências. O estudo de implantação desses novos edifícios buscou considerar o máximo possível as preexistências, nos casos em que os terrenos já possuíam alguma parte ocupada, com o intuito de ser coerente com o objetivo de minimizar a necessidade de remoções. Porém houve casos em que, para o melhor aproveitamento do terreno, determinou-se algumas remoções pontuais. Nesses casos, a remoção resultaria em menos traumática já que as famílias removidas poderiam ser reassentadas no mesmo terreno onde residia sua casa anterior. Considerou-se esse critério de remoção também relacionado à mitigação de precariedades, pois, a partir dessas remoções, seria possível um atendimento maior ao número de famílias em situação de precariedade em todo o Serviluz.

MOTIVOS REMOÇÕES

QUANTIDADE/ PORCENTAGEM DOMICÍLIOS

POR ESTAR A UMA DISTANCIA MENOR QUE 15m DA LINHA DE MARÉ CHEIA

21 105

POR REESTRUTURAÇÃO VIÁRIA POR ESTAR COLADO OU NAS IMEDIAÇÕES DO PATRIMONIO HISTÓRICO FAROL VELHO

Tabela 3.2 Calculo estimativo do total de remoções necessárias indicando os motivos específicos da necessidade das remoções Fonte Tabela desenvolvida pela autora

47 29

POR ESTAR EM TERRENO DE REASSENTAMENTO POR PRECARIEDADE HABITACIONAL DE TAMANHO (UNIDADES COM ÁREA < 35 m²)

661

TOTAL DE REMOÇÕES POR INTERVENÇÕES URBANISTICAS TOTAL DE REMOÇÕES POR PRECARIEDADE HABITACIONAL TOTAL DE REMOÇÕES PROPOSTAS % DO TOTAL DE DOMICILIOS DO POLIGNO DA INTERVENÇÃO

202 661

863 21.36%

21.36% -LOTES REMOVIDOS 78.64% -LOTES QUE PERMANECEM

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Legenda - Remoções e terrenos reassentamentos

Legenda enda - Remoções Remoção parcial (frente lote) p para reestruturação viária Remoções R õ d de llotes t < 35 35m²² Remoções de lotes dentro da área de reassentamento

182 Remoção imediações do farol

Remoção de lotes por proximidade ao mar Remoção de lotes para reestruturação viária

Plano de Remoções e reassentamentos ESC. 1/8.000


3. 4.

Tipologias Habitacionais Propostas para reassentamento

Identificou-se a demanda de unidades habitacionais para reassentamento em duas situações diferentes. Uma delas é a necessidade de novas habitações para atender precariedades habitacionais. Essas correspondem ao déficit de coabitação e aos lotes que serão removidos por precariedade por tamanho. Essa é a situação em que esta a grande maioria da demanda habitacional. A outra situação corresponde à demanda gerada pelas remoções. Por mais que maioria das intervenções propostas tenha o objetivo comum de mitigar as precariedades do Serviluz, as edificações a serem removidas não necessariamente são exatamente as que configuram uma situação de precariedade. Uma situação que exemplifica isso seria um remoção para abertura viária em que a via a ser aberta possibilite o acesso de carros a diversas casas que anteriormente encontravam-se em situação de precariedade por acesso. Nesse caso, não necessariamente as casas a serem removidas são as que sofrem da precariedade, mas a sua retirada viabiliza a mitigação de precariedades de outras casas. Essa situação foi denominada como demanda habitacional gerada a partir de intervenções urbanísticas, considerou-se que essas não estão atualmente em uma situação precária.

CÁLCULO DA DEMANDA HABITACIONAL PARA TIPOLOGIAS UNIFAMILIARES - RESULTANTES DAS REMOÇÕES POR INTERVENÇÃO URBANISTICA

QUANTIDADE/ PORCENTAGEM DOMICÍLIOS

REMOÇÃO POR ESTAR A UMA DISTANCIA MENOR QUE 15m DA LINHA DE MARÉ CHEIA

Tabela 3.2 Cálculo da demanda habitacional , diferenciando a demanda decorrente de precariedade habitacional e decorrente de intervenções urbanisticas Fonte Tabela desenvolvida pela autora

21 105

REMOÇÃO POR REESTRUTURAÇÃO VIÁRIA REMOÇÃO POR ESTAR COLADO OU NAS IMEDIAÇÕES DO PATRIMONIO HISTÓRICO FAROL VELHO REMOÇÃO POR ESTAR EM TERRENO DE REASSENTAMENTO TOTAL DA DEMANDA ESTIMADA PARA SER ATENDIDA POR TIPOLOGIA HABITACIONAL UNIFAMILIAR

CÁLCULO DA DEMANDA HABITACIONAL PARA TIPOLOGIAS HABITACIONAIS EM BLOCOS MULTIFAMILIARES - RESULTANTES DAS PRECARIEDADES HABITACIONAIS Estimativa de precariedade por coabitação (PLHIS) Estimativa de precariedade por tamanho de lote reduzido Total

47 29

202 NUMERO DE DOMICÍLIOS 1.903 661

2.564

Decidiu-se resolver essas duas situações de formas diferentes. Para as famílias que hoje vivem uma situação concreta de precariedade habitacional, propõe-se tipologias habitacionais em unidades verticais multifamiliares de alta densidade. Para a demanda habitacional criada a partir de intervenções urbanísticas, propõem-se unidades habitacionais unifamiliares, em uma situação semelhante a que se vive atualmente na comunidade. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Essa noção da necessidade de diferenciar as duas situações foi maturada a partir do contato anterior com a comunidade através das entrevistas. Ao perceber que havia, por parte da comunidade, uma grande resistência cultural a morar em edifícios, ou em unidades em que houvesse outra família morando embaixo ou em cima, cogitou-se a possibilidade de fazer o reassentamento completo em lotes unifamiliares. Porem constatou-se que seria inviável reassentar toda a demanda habitacional dentro ou nas imediações no Serviluz, ainda que todos os terrenos vazios fossem utilizados. Como a vontade de permanecer dentro do Serviluz também foi um dado constatado nas entrevistas de maneira muito enfática, optou-se por uma alternativa que possibilitasse a máxima permanência das pessoas no Serviluz. (Ao perguntar se moraria em um edifício de apartamentos) Cara, se não fosse aqui eu não iria, eu não tinha prazer de morar não. (...) Se fosse aqui (no Serviluz), se fosse aqui eu tinha. Eu preferia morar em uma casa, mas se não tivesse outra solução. (porque preferiria morar em casa) Botar uma planta, uma coisa, saber que esta no chão. (trecho retirado da entrevista 11)

Buscou-se entender o motivo pelo qual havia essa resistência, a partir também de elementos coletados na fase da pesquisa social. As famílias que hoje moram em casas boas e com dimensões satisfatórias - algumas ultrapassando os 100m² - , conseguiram chegar a essa situação confortável a partir de muito esforço e suor. Essas pessoas se sentem injustiçadas, e com razão, se forem obrigadas a morar em unidades habitacionais em blocos verticais que na maioria das vezes, não chega a 65m². Alem desse motivo, que considerei o principal, existem ainda outros dois que devem ser levados em consideração. O apego que as pessoas que moraram a sua vida inteira em casas têm como a terra, o chão, havendo uma forte resistência cultural a essa nova forma de morar. O terceiro motivo, que parece ser muito forte também por ter sido repetido por vario entrevistados, é a questão da privacidade. Há um grande incomodo em pensar que a sua privacidade vai ser diminuída ao morar em blocos multifamiliares e o medo de ter que ir morar próximo a pessoas que não conhece. Alem das resistências dessas, notou-se também um reconhecimento de que existem famílias que vivem em situações de precariedade e que seria vantajoso para elas terem a possibilidade de receber uma unidade habitacional, mesmo que em edifícios multifamiliares e com dimensões reduzidas. Também percebeu-se uma tolerância maior em morar em edifícios com andares, se o reassentamento fosse dentro do bairro simbólico. Quando se fala em remoção o temor principal parece ser a possibilidade de sair do Seviluz e de perto da praia, do campo e da comunidade. Para colocar as famílias uma encima da outra. Família de pescador, a maioria idosos, a maioria não tem nem noção do que é morar trepado, um encima do outro, que o linguajar do cearense é esse mesmo. Não tem como! (...) Já pensou tu morar do lado de uma pessoa, ou encima de uma pessoa que não zele? Não tem lógica! Não tem! (pausa reflexiva) Também eu não sou hipócrita de não pensar nesse lado, não! A pessoa não tem casa, mora de favor, ou de aluguel. Parabéns! Você vai ganhar uma casa! Mas eu que tenho minha casa boa? Ser

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obrigada a ir? Enquanto a Praia do Futuro ta cheia de terreno vazio?! (...) O povo não é mais besta! O povo sabe o que quer! (trecho retirado da entrevista 10) (ao perguntar se moraria em um edifício de apartamentos) Cara, se não fosse aqui eu não, eu não tinha prazer de morar não. (...) Se fosse aqui (no Serviluz), se fosse aqui eu tinha. Eu preferia morar em uma casa, mas se não tivesse outra solução. (porque preferiria morar em casa) Botar uma planta, uma coisa, saber que esta no chão. (trecho retirado da entrevista 11)

Essas são alguns exemplos de trechos das entrevistas selecionados, demonstrado a opinião das pessoas em relação a possibilidade de remoção e reassentamento. Foi a partir da análise dessas entrevistas que optouse pela criação de tipologias diferenciadas para os casos de remoção por intervenção urbanística e para os casos de resolução de precariedades habitacionais, para que em todos os casos a intervenção resulte em uma real melhoria para a vida das famílias. Após a decisão de que haveriam esses dois tipos de tipologias, em blocos multifamiliares verticais e em unidades unifamiliares com lote individual, definiu-se as diretrizes que as tipologias deveriam atender. Os princípios que o projeto habitacional se propôs a seguir foram o de possibilidade de ampliação, conforto térmico, distribuição de espaços considerando as práticas da autoconstrução e geometria da edificação possibilitando aproveitamento de águas pluviais. A possibilidade de ampliação garante que alem dos espaços com as funções básicas da casa, que haja um espaço flexível para que a família pudesse usá-lo da melhor forma de açodo com sua necessidade. Na tipologia unifamiliar essa possibilidade de ampliação é mais significativa, nas unidades locadas em edifícios multifamiliares essa ampliação é equivalente a um cômodo. Buscou-se garantir que esse espaço de ampliação estivesse sempre conectado a sala, considerando que essa conexão possibilita maior flexibilidade por possibilitar tanto, a inserção de um novo quarto, a possibilidade de um comercio ou atividade profissional domestica, ou a te mesmo de ampliação da sala. Em caso de não incorporação do espaço de ampliação ao espaço interno da unidade, considerou-se que a conexão com a sala possibilitaria também a que o espaço livre possa funcionar como um ambiente de transição, funcionado como uma varanda. Em uma tipologia conseguiu-se que alem da sala o espaço de ampliação estivesse conectado também com a cozinha, ampliando sua flexibilidade de uso, podendo ser uma ampliação da cozinha também, ou uma atividade comercial que tenha ligação com o uso da cozinha. Infelizmente, não foi possível garantir essa possibilidade de ampliação para as tipologias acessíveis, pois as maiores dimensões requeridas para o banheiro e para os espaços de circulação entre paredes e móveis previstos, acabou por requerer o espaço de ampliação previsto para as outras tipologias, para resolver o programa básico da unidade habitacional.

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Em relação ao conforto térmico, buscou-se em todas as unidades possibilitar a ventilação cruzada. Em todos os ambientes de casa unidade, pensou-se em uma possibilidade de possibilitar entrada de luz e de trocas de ar com o exterior, mesmo após as ampliações. Preocupou-se também em sempre dispor de uma proteção solar para a área da sala e cozinha, onde é mais comum a permanecia no período da tarde e começo de noite, quando a incidência solar durante várias horas poderia significar um maior desconforto pelo aquecimento das paredes internas e externas, e pela incidência direita do sol dentro do ambiente. Houve também uma preocupação especial com as esquadrias. Em busca de janelas e portas que, ao mesmo tempo em que possibilitassem trocas de ar, protegessem o interior da incidência solar quando fechadas. Também deveriam ser residentes a alta maresia do local, de baixo custo de manutenção e com a possibilidade de produção industrial em larga escala. Propuseram-se, então, esquadrias de alumínio com venezianas e com cor clara. Embora esse material esquente com facilidade sua superfície ao receber incidência solar, também resfria com facilidade ao estar à sombra, e, diante das outras vantagens, considerou-se a opção de maior custo beneficio. Para elaborar as plantas das tipologias, também foi levado em consideração alguns padrões do espaço interno da casa autocontruida. Os padrões dos quais me refiro foram observados a partir da vivência pessoal tanto na comunidade do Serviluz como em outras comunidades durante minha experiência profissional do Cearah Periferia. As tendências observadas também foram melhor constatadas através do trabalho de Mestrado de Mayra Mororó (2012) em que são sistematizados padrões de autoconstrução na comunidade do PICI. Observou-se algumas sutis diferenças entre a disposição dos ambientes na casa autoconstrida e o que vem sendo proposto pelo mercado de habitação. Por exemplo, é comum que, em unidades habitacionais pequenas, o espaço da sala e da cozinha seja compartilhado na justificativa de tornar o espaço mais amplo nas unidades de mercado. A observação e o estudo do padrão autocontruido indicam para a separação desses dois ambientes em quase todos os estágios de evolução da unidade autocontruida, mesmo em casas bastante pequenas. A junção dessas duas funções só ocorre em estágios muito iniciais quando várias funções funcionam em um mesmo ambiente – quarto, sala, cozinha - indicando mais um estado de precariedade que uma opção de melhor aproveitamento do espaço. Observou-se algumas sutis diferenças entre a disposição dos ambientes na casa autoconstrida e o que vem sendo proposto pelo mercado de habitação. Por exemplo, é comum que, em unidades habitacionais pequenas, o espaço da sala e da cozinha seja compartilhado na justificativa de tornar o espaço mais amplo nas unidades de mercado. A observação e o estudo do padrão autocontruido indicam para a separação desses dois ambientes em quase todos os estágios de evolução da unidade autocontruida, mesmo em casas bastante pequenas. A junção dessas duas funções só ocorre em estágios muito iniciais quando várias funções funcionam em um mesmo ambiente – quarto, sala, cozinha - indicando mais um estado de precariedade que uma opção de melhor aproveitamento do espaço.

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Figura 3.5 Esquema de habitação progressiva autoconstruida 01. Fonte MORORÓ, 2012, p.116

Figura 3.6 Esquema de habitação progressiva autoconstruida 02. Fonte MORORÓ, 2012, p.118.

Figura 3.7 Esquema de habitação progressiva autoconstruida 03. Fonte MORORÓ, 2012, p.123

Leganda: s - sala q - quarto r - refeição b - banheiro

l - lavanderia c - corredor et - espaço de transição sc - sacada

v - varanda g - garagem

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Os motivos pelo qual existe claramente a separação entre cozinha e sala, mesmo em ambientes pequenos, não é o objetivo desse trabalho investigar. Especula-se que seja pelos diferentes níveis de intimidade que esses dois ambientes representam (sala com menos intimidade, cozinha mais intimo). Outra constatação foi que nos imóveis habitacionais de mercado a abertura dos quartos quase que invariavelmente se dá para sala, ou para um corredor de acesso à sala. No padrão da autoconstrução a abertura do quarto se da de maneira mais flexível. Existem casos em que os quarto abrem para sala, mas em grande parte das vezes os quartos abrem é para a cozinha. Intui-se que essa relação também tenha haver com evolução dos níveis de intimidade ao adentrar a casa: sala – cozinha – quarto (do menos intimo para o mais intimo). Essas foram as principais diferenças de conformação entre as plantas de mercado e as plantas de unidades autocontruidas. Tomou-se o cuidado de não reproduzir um padrão de mercado pelo o hábito, e sim verificar que formas habitacionais de distribuição do espaço têm legitimidade nas casas em que a própria população escolhe sua forma, a habitação progressiva autoconstruida. Em todas as unidades propostas foram considerados esses aspectos observados, na tentativa de reconhecer essas formas como padrões legítimos por serem espontâneos e recorrentes. Nas tipologias unifamiliares, tanto a térrea acessível como na tipologia sobrado, foi possível chegar mais próximo da distribuição dos espaços comuns em casas autocontruisas, nas tipologias para blocos verticais buscou-se manter a relação entre os espaços, embora devido à situação diversa não tenha sido possível a mesma conformação. A respeito do ultimo aspecto, teve-se a preocupação em atender a possibilidade volumétrica de facilitar um projeto hidráulico que reaproveite a água da chuva para uso domestico secundário, como descarga, aguação de plantas, lavagem de pisos, calçadas, carros, motos e bicicletas. Como o projeto aqui apresentado está em nível de estudo preliminar e não de projeto executivo, não foi detalhado o projeto de instalações hidrossanitárias. Porém buscou-se uma geometria da edificação que torna-se possível esse tipo de instalação sem grandes desperdícios. No caso das tipologias unifamiliares propôs-se que os telhados conduzissem as águas para o mesmo ponto, facilitando a condução de todo o volume pluvial para uma só cisterna. No caso dos blocos multifamiliares, propôs-se um volume linear continuo que também facilitaria a reunião do volume pluvial em cisterna. Agora apresentaremos as tipologias propostas, sendo duas unifamiliares e três agrupáveis em blocos multifamiliares.

Tipologia A – Unifamiliar sobrado.

Na Tipologia A propõe-se que a possibilidade de ampliação seja na frente do lote. Essa decisão foi tomada a partir de dois motivos. O primeiro foi a constatação de que é muito comum na comunidade haver ampliações justamente nessa direção, prejudicando inclusive as vias. Por isso propõese que as seja deixado propositalmente um espaço em que as famílias possam ampliar a casa na frente da sala. O segundo motivo foi a ideia de que ao possibilitar a ampliação justamente na fachada principal, que dá

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para rua, o resultado seria uma rua com fachadas diversas, personalizadas, em que cada morador reconheceria a sua casa pela forma que construiu. Buscou-se com isso, de alguma forma, manter a diversidade formal, típica da ocupação, e o estimulo da criação do sentimento de pertença, sendo a sua casa diferente de todas as outras, não mais uma entre tantas iguais. Embora essa conformação espacial de deixar um espaço vazio na frente da casa possa parecer estranho inicialmente por estar inserido em uma ocupação onde o recuo frontal inexiste, espera-se que essa estranheza seja mais um motivador para que os moradores realmente se sintam estimulados a realizar as ampliações, e contribuir com a diversidade formal e quebra da monotonia. O espaço disponível na frente do lote, pode ampliar tanto o primeiro pavimento quanto o segundo, possibilitando a adição de dois ambientes à casa proposta. No caso da família ter necessidade de garagem para carro particular, o espaço na frente do lote foi dimensionado considerando essa possibilidade de funcionar como garagem, pois embora as vias em que essas unidades estarão inseridas passem carros, não há dimensões suficientes para o estacionamento na via. Nesse caso, em que o térreo do espaço livre funcione como estacionamento, a possibilidade de ampliação se dá apenas no segundo pavimento. A necessidade de alcançar uma maior densidade e um numero maior de unidades habitacionais por metro linear de via, para otimizar recursos, aponta para uma forma habitacional com frente de lote reduzido, induzindo para uma tipologia habitacional estreita e comprida. Essa forma pode ocasionar problemas de conforto e salubridade devido a existência de possíveis cômodos sem abertura para o exterior. Essa problemática é latente também na grande parte das unidades autoconstruidas como constata Mororó (2012). Propôs-se então, que houvesse um fosso de ventilação capaz de realizar as tocas de ar e entrada de luz nessa parte mais interna no lote. O lugar conveniente para esse fosso de ventilação foi encima da escada, pois alem de estar no ponto médio da edificação, esta em contato com praticamente todos os ambientes da casa tanto do pavimento superior quanto do inferior e já possui uma estrutura continua de alvenaria do piso ate o teto. O fosso de ventilação e iluminação é uma parte da coberta que ultrapassa o nível dos outros ambientes, possibilitando a abertura para o exterior sem a entrada de chuva. Sugere-se também que parte das telhas no espaço do fosso seja uma cobertura translucida, permitindo a entrada de luz. O fato de ter um pé direito mais alto possibilita que o ar quente da casa naturalmente seja conduzido para lá e saia da edificação. Por estar configurado em uma parte da edificação mais alta que as demais, é oportuno também que a mesma estrutura possa abrigar a caixa d’água da casa.

Da forma que a tipologia seria entregue, todos os ambientes possuem abertura para o exterior da edificação, porem ao permitir a ampliação, é provável que a sala e um dos quartos possa ter suas janelas fechadas, dessa forma, o fosso permite que os ambientes, mesmo após a ampliação, tenham entrada de luz e trocas de ar . EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Planta térreo - topologia A esc. 1/125

Planta segundo pavimento - tipologia A esc. 1/125 ÁREA DO LOTE = 60.00m² ÁREA ÚTIL = 56.43 m² ÁREA CONSTRUIDA ENTREGUE = 68.96 m² ÁREA CONSTRUIDA MÁXIMA = 105.00 m² ÁREA NÃO EDIFICÁVEL = 8.37 m²

Corte esquemático - tipologia A esc. aproximada: 1/125

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Planta perspectivada segundo pavimento - tipologia A sem escala

Planta perspectivada térreo - tipologia A sem escala

Tipologia B – Unifamiliar térrea acessível. A tipologia B é também unifamiliar com a diferença de ter sido desenhada para atender a demanda de tipologias acessíveis a pessoas como mobilidade reduzida. Por conta desse condicionante a tipologia é totalmente térrea, tem uma frente de lote um pouco maior, resultando em uma área de lote maior também. Para elaboração do projeto acessível foi utilizado a referência do Guia de Desenho Universal para Habitação de Interesse Social de São Paulo (SÃO PAULO, s/d) e a NBR-9050. Dessa forma, houve uma preocupação, não apenas com o banheiro acessível com as barras de apoio, mas também foram deixados os espaços suficientes para passagem da cadeira de rodas ou pessoa com muletas entre o mobiliário previsto. Foi também previsto espaços livre de manobra em todos os cômodos como indicam as normas. Para se obter circulação de ar e iluminação em todos os cômodos, determinou-se que essa tipologia teria preferência de localização nas esquinas, pois assim, viabilizaria-se a abertura de janelas nas laterais. Como nessa tipologia não seria possível o recurso do segundo pavimento, essa foi a solução mais viável. Somente foi possível dar-se essa preferência a essa tipologia nas esquinas, sabendo que essa deve atender apenas a 7% do total de unidades habitacionais.

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Panta tipologia B esc. 1/125

0

1.2

0.8

0

Módulo de referência

1.20

1.50

ÁREA DO LOTE = 82.00 m² ÁREA ÚTIL = 66.93 m² ÁREA CONSTRUÍDA ENTREGUE = 74.68 m² ÁREA CONSTRUÍDA MÁXIMA = 74.68 m² ÁREA NAO EDIFICÁVEL = 7.37 m²

Manobra 180°

0

1.5

Manobra 360°

Planta perspectivada tipologia B sem escala

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Tipologia C – Apartamento 2 quartos com ampliação. A tipologia C foi pensada para estar inserida em blocos unifamiliares verticais de cinco andares. A parte livre deixada para a possibilidade de ampliação se abre para o corredor de circulação do edifício. Dessa forma, se este não for incorporado a unidade, pode ser utilizado como um espaço de transição entre o interior e o exterior da unidade, funcionando como uma varanda.Se incorporando tanto pode ser um novo quarto, uma ampliação da sala, da cozinha, ou um novo cômodo de atividades comerciais. O corredor de circulação previsto para essa tipologia não é enclausurado, de um lado fornece acesso às unidades e do outro existe apenas um guarda corpo e o vazio de edificações. Dessa forma o corredor funciona também como um varandão linear que circunda um pátio central arborizado. (detalharemos mais a forma do edifício completo no próximo item). A posição da sala voltada para o corredor de circulação considerou o fato de a sala ser o cômodo como maior caráter de interação social, podendo ser interessante a possibilidade de as pessoas que estão na sala verem o movimento do corredor. Do ponto de vista do conforto, a sala adjacente ao corredor possibilitou uma proteção solar desejável, considerando que esse é um cômodo de permanência no período da tarde. Os dois quartos são os cômodos mais afastados do acesso, por terem sido considerados ambientes de maior intimidade. Esses têm suas janelas voltadas à rua, garantindo entrada de vento e luz nos ambientes. Um dos quartos possui uma pequena sacada, possibilitando um espaço de contato com o exterior do edifício e a rua. Dessa forma, essa sacada tem fundamental importância para garantir a existência dos olhos das ruas, fundamental para gerar ruas mais seguras e vivas (JACOBS, 2009). Para garantir as trocas de ar para exaustão da cozinha e do banheiro, propõe-se um vazio da edificação que funcione como fosso de ventilação. Dessa forma, no espaço desse fosso, existe um rasgo na laje em cada andar. Acima do ultimo andar, propõe-se uma volumetria que como uma chaminé ultrapassa a coberta da edificação, possibilitando aberturas para trocas de ar. Essa volumetria de possuir uma coberta translucida para proteger da chuva e possibilitar também a entrada de luz nos ambientes de cozinha e banheiro e área de serviço.

A área de serviço tem acesso direto a esse vazio, se beneficiando com a entrada de luz solar diretamente, e possibilitando a limpeza e manutenção do fosso pelos próprios moradores de cada unidade. Dessa forma, buscouse garantir o conforto e a salubridade de todos os ambientes considerando suas funções especificas. Alem disso, considerando a unidade habitacional completa, garantiu-se a ventilação cruzada ao possibilitar o contato com dois espaços vazios opostos – uma via e um pátio central.

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Planta tipologia C esc. 1/125 ÁREA ÚTIL ENTREGUE = 47.13 m² ÁREA CONSTRUÍDA ENTREGUE = 53.40 m² ÁREA CONSTRUÍDA MÁXIMA = 61.90 m²

Planta perspectivada tipologia C sem escala

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Tipologia C – acessível. A tipologia C possui a possibilidade de adaptação para atender as normas de acessibilidade. Essas unidades acessíveis devem estar locadas no térreo dos edifícios multifamiliares. Com uma pequena alteração na planta, possibilitou-se a adaptação. O espaço do banheiro foi ampliado tomando parte da área de serviço. A porta de entrada da cozinha foi dispensada, deixando apenas a entrada através da sala. A porta de um dos quartos mudou de parede evitando a necessidade de uma manobra na cadeira. Dessa forma, o único espaço que ficou com dimensões reduzidas, podendo comprometer seu conforto foi a área de serviço. Todos os outros compartimentos puderam atender as normas e recomendações do Guia de acessibilidade de São Paulo (SÃO PAULO, s/d) e da NBR – 9050 em relação aos espaços de circulação e de manobra.

0

1.2

0.8

0

Módulo de referência

1.20

1.50

Manobra 180°

0

1.5

Planta tipologia C - acessível e localizada no térreo esc. 1/125

Manobra 360°

ÁREA ÚTIL ENTREGUE = 44.53m² ÁREA CONSTRUÍDA ENTREGUE = 50.85m² ÁREA CONSTRUÍDA MÁXIMA = 59.35m²

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Planta perspectivada tipologia C - acessível e térrea sem escala

Tipologia D – Kitinete com ampliação. A tipologia D possui praticamente os mesmos princípios da tipologia C : ventilação cruzada, quarto e sacada voltados para a rua, ventilação e iluminação da cozinha, banheiro e área de serviço resolvidos por um fosso de ventilação e área de ampliação ligada ao corredor de circulação do edifício. As principais diferenças entre essas duas tipologias é que a tipologia C possui apenas um quarto e o espaço de ampliação tem possibilidade de ligação direta apenas com a sala, não possuindo intercessão com a cozinha. Outra especificidade é que para que se pudesse obter uma maior densidade e aproveitamento do espaço, a tipologia D é mais estreita e compacta. O espaço para ampliação, nesse caso ficou entre a sala e o corredor de circulação do edifício. No caso de se optar pela ampliação da sala, não há grandes problemas funcionais. Porem nos casos em que se optar pela inserção de um novo quarto, ou um cômodo comercial independente, terá que ser deixado um corredor que possibilite o acesso direto entre sala e corredor de circulação do edifício. Sabendo disso, deixou-se espaço suficiente para o corredor e o outro ambiente. No caso do espaço de ampliação não ser incorporado, esta em uma posição ideal para funcionar como espaço de transição – varanda – entre sala e corredor de circulação. Considerou-se o corredor de circulação equivalente a uma via de pedestres.

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Planta tipologia D esc. 1/125

ÁREA ÚTIL ENTREGUE = 33.19 m² ÁREA CONSTRUÍDA ENTREGUE = 38.21 m² ÁREA CONSTRUÍDA MÁXIMA = 51.61 m²

Planta perspectivada tipologia D sem escala EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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3. 4.

Implantação dos reassentamentos

Após a definição das tipologias e a identificação dos terrenos vazios ou subutilizados dentro do polígono do Serviluz simbólico, propõe-se que as novas unidades habitacionais, que atenderão à demanda de coabitação e das remoções, estejam implantadas nesses terrenos dentro e nas adjacências do Serviluz. Como já foi colocado anteriormente, o acesso a esses terrenos para utilização em prol da mitigação das precariedades da comunidade seria conseguido através da utilização dos instrumentos do Estatuto das Cidades. Houve dois tipos de conformação para as novas unidades habitacionais: as dispostas em blocos multifamiliares verticais, atendendo à demanda de precariedade habitacional por tamanho e por coabitação; e as dispostas em tipologias unifamiliares sobrado e térreo agrupadas, atendendo à demanda criada a partir das remoções por intervenções urbanísticas. Blocos Multifamiliares Os blocos multifamiliares de cinco andares agruparam as tipologias C e D de forma a ocupar a periferia dos lotes e formar um pátio no miolo das quadras. Essa forma de organização ao mesmo tempo em que garante a formação de uma ampla área livre que pode ser utilizada como lazer pelos moradores, também possibilita o contato visual direto entre os moradores e a via. Propõe-se que esse pátio central formado receba ampla arborização e alguns equipamentos de lazer como bancos, parquinhos e quadras poliesportivas. No referencial teórico, abordei formas de espaços públicos capazes de favorecer a urbanidade (ver pag. X). A conformação de espaços livres servindo como clareiras para espaços densamente ocupados com edificações ao redor que definem claramente os limites do espaço público são características apontadas por pesquisadores como sendo vantajosas para geração de vitalidade urbana e qualidade de vida. (Jacobs, 2009 ; Holanda, 2010). As esquinas desses blocos edificados foram entendidas como boas oportunidades para implantação de unidades comerciais no térreo. A localização de cruzamento entre duas ruas é considerando um sitio privilegiado para o comércio. Dessa forma, pretende-se complementar a atividade comercial que deve surgir espontaneamente nas próprias unidades habitacionais com espaços de ampliação, com unidades exclusivamente comerciais que podem abrigar comércios maiores nas esquinas dos edifícios. Também nas esquinas foram implantadas escadas de acesso vertical cobertas. Embora haja necessidade de implantação de outros pontos de acesso vertical externas, ao longo dos corredores avarandados. Para definição dos pontos de acesso vertical, considerou-se o critério de que nenhuma unidade habitacional deveria estar a uma distância superior a trinta metros de um acesso vertical. Para garantir a possibilidade de uma satisfatória circulação de vento no interior da quadra, determinou-se que a distância mínima entre blocos edificados paralelos deveria ser de dez metros. Como essa distância entre massas edificadas será preenchida por densa massa vegetal do pátio interno, garante-se também a privacidade das unidades habitacionais.

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Blocos de unidades Unifamiliares. As tipologias A e B foram agrupadas linearmente sem recuos laterais formando massas edificadas contínuas, resultando em uma conformação formal bastante semelhante à que existe atualmente no bairro. Como já foi mencionado, as unidades acessíveis tiveram prioridade em estarem localizadas nas esquinas para possibilitar aberturas essenciais para o conforto e salubridade das unidades. Não foi previsto a formação de espaços livres através da implantação dessas tipologias, pois além de essas estarem sempre próximas aos blocos verticais, podendo usufruir do espaço livre desses, tratam-se de tipologias de menor densidade. Implantação geral nos terrenos. A implantação nos terrenos buscou atender o princípio de respeito às preexistências. Dessa forma, em terrenos em que já havia parte do terreno ocupado por casas, buscou-se manter as casas existentes. Apenas em casos em que a permanência das unidades existentes significasse o impedimento de um aproveitamento racional do lote, foram propostas algumas remoções pontuais. A tentativa de manter o existente, aproveitando o máximo possível os espaços vazios existentes, ocasionou com que se dispusesse de uma gama bastante variada de formatos de terrenos para reassentamento. Essa decorrência resultou em uma consequência positiva. Todos os novos edifícios propostos, embora sigam os mesmo princípios de implantação e abriguem as mesmas tipologias, puderam ter uma forma diferente de implantação. Trabalhar com tipologias habitacionais padrão, que se repetem muitas vezes, induz ao risco da monotonia do espaço, gerando efeitos negativos de perda do sentido de orientação das pessoas e dificuldade em criação de laços afetivos com o lugar. Assim, a diversidade espacial sempre deve ser um objetivo a ser buscado. Os formatos e localizações diversas dos terrenos de reassentamento possibilitaram que as massas edificadas tivessem formatos bastante peculiares, não havendo nenhum igual ao outro. Dessa forma, os miolos de quadra dos edifícios multifamiliares resultaram em pátios centrais com formas e orientação solar diferentes, favorecendo o reconhecimento de cada espaço específico por seus moradores. Complementando o objetivo de gerar diversidade formal no espaço urbano, adotou-se algumas práticas estratégicas. Uma delas foi sempre mesclar as implantações dos edifícios multifamiliares com os lotes unifamiliares, possibilitando uma variação no gabarito de edificações vizinhas. Nos casos em que inevitavelmente teria que haver edifícios verticais um em frente ao outro, a estratégia utilizada para evitar a ocorrência de duas fachadas idênticas frente a frente foi a de determinar que uma fachada fosse composta pela tipologia C e a outra fachada pela tipologia A, resultando em fachadas sutilmente diferentes. Dessa forma, apesar de estar trabalhando com tipologias habitacionais padrão, o fato de ter que aproveitar os vazios existentes em um espaço já consolidado, possibilitou um projeto de habitação de interesse social que vai no sentido da quebra da monotonia e da diversidade de usos.

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IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL

ESC. 1/7.500

200


Blocos multifamiliares

Bloco A 5114 14895 ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) 2979 PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) 2135 AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) 160 TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C ÁREA DO TERRENO EM (m²)

UNIDADES TIPOLOGIA C ACESSIVEIS TERREAS (7%)

TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM (hab/ha)

Bloco B 3316 11190 2238 1078 80

14 40

11 75

200

155

1759.87

2103.43

BLOCOS COM U.H. UNIFAMILIARES ÁREA DO TERRENO EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA MAXIMA EM (m²) ÁREA NÃO EDIFICAVEL EM (m²) UNIDADES SOBRADO UNIDADES TERREAS ACESSIVEIS TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS DENSIDADE TERRENO ESTIMADA EM (hab/ha)

Bloco P 3335 2706.08 628.92 46 4 50 749.62

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 1

ESC. 1/1.000

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201


Blocos multifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS NO TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM (hab/ha)

Bloco C 7577 22670 4534 3043 40

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)

24 300 340 2019.26

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 2

ESC. 1/1.000

202


Blocos multifamiliares

Bloco D

ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS NO TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO

2982 10770 2154 828 80 11 75

155 2339.03 DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha)

Blocos unidades unifamiliares

Bloco Q

ÁREA DO TERRENO EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA MAXIMA EM (m²) ÁREA NÃO EDIFICAVEL EM (m²) UNIDADES SOBRADO UNIDADES TERREAS ACESSIVEIS TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM (hab/ha)

1688 1285.88 402.12 19 4 23 681.2

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 3

ESC. 1/1.000

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

203


Blocos multifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS NO TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha)

Bloco E

BLOCOS DE UNIDADES UNIFAMILIARES

5316 15620 3124 2192 100

ÁREA DO TERRENO EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA MAXIMA EM (m²)

15 115 215 1819.97

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 4

ESC. 1/1.000

204

Bloco R Bloco S

755

ÁREA NÃO EDIFICAVEL EM (m²) UNIDADES SOBRADO UNIDADES TERREAS ACESSIVEIS TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM (hab/ha)

2320

602.08 1759.28 152.92 560.72 6 28 4 4 10 32 662.25 689.65

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)


Blocos multifamiliares

Bloco F

ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS NO TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha)

4868 15890 3178 1690 95 16 130 225 2079.90

Blocos de unidades unifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA MAXIMA EM (m²) ÁREA NÃO EDIFICAVEL EM (m²) UNIDADES SOBRADO UNIDADES TERREAS ACESSIVEIS TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM (hab/ha)

Bloco V

2837 1864.48 972.52 30 4 34 599.22

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 5

ESC. 1/1.000

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

205


Blocos multifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS NO TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha)

Bloco G Bloco H

4076 12470 2494 1582 100

3429 12160 2432 997 120

12 80

12 50

Tipologia A (unifamiliar sobrado)

Tipologia B (unifamiliar acessível)

Tipologia C (em bloco multifamiliar)

Tipologia D (em bloco multifamiliar)

180 170 1987.24 2230.97

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 6

ESC. 1/1.000

206


Blocos multifamiliares

Bloco i

ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS NO TERREAS (7%)

TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D

TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO

1286 4390 878 408 60

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)

4 -

60 DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha) 2099.53

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 7

ESC. 1/1.000

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

207


Bloco J

Blocos multifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS NO TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha)

5539 15635 3127 2412 100 16 125 225 1827.94

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 8

ESC. 1/1.000

208

Blocos com unidades unifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA MAXIMA EM (m²) ÁREA NÃO EDIFICAVEL EM (m²) UNIDADES SOBRADO UNIDADES TERREAS ACESSIVEIS TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM (hab/ha)

Bloco T

1320 1109.06 210.94 17 3 20 757.57

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)


Blocos multifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS NO TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha)

Bloco L

3857 12770 2554 1303 120 13 60 180 2100.07

Bloco U

Blocos com unidades unifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA MAXIMA EM (m²) ÁREA NÃO EDIFICAVEL EM (m²) UNIDADES SOBRADO UNIDADES TERREAS ACESSIVEIS TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM (hab/ha)

1320 1109.06 210.94 17 3 20 757.57

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 9

ESC. 1/1.000

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

209


Blocos multifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA C ACESSIVEIS NO TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha)

Bloco M

6305 20650 4130 2175 145 22 160 305 2176.84

Bloco X

Blocos com unidades unifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA MAXIMA EM (m²) ÁREA NÃO EDIFICAVEL EM (m²) UNIDADES SOBRADO UNIDADES TERREAS ACESSIVEIS TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM (hab/ha)

1153 797.92 355.08 7 6 13 563.74

Tipologia A

Tipologia C

(unifamiliar sobrado)

(em bloco multifamiliar)

Tipologia B

Tipologia D

(unifamiliar acessível)

(em bloco multifamiliar)

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 10

ESC. 1/1.000

210


Blocos multifamiliares ÁREA DO TERRENO EM (m²) ÁREA CONSTRUIDA TOTAL EM (m²) PROJEÇÃO ÁREA CONSTRUIDA EM (m²) AREA LIVRE NÃO EDIFICADA EM (m²) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA C UNIDADES TIPOLOGIA ACESSIVEIS TERREAS (7%) TOTAL DE UNIDADES TIPOLOGIA D TOTAL DE UNIDADES HABITACIONAIS NO BLOCO DENSIDADE MÉDIA TERRENO EM ( hab/ha)

Bloco N

Bloco O

1476 5560 1112 364 10

1336 4560 912 424 60

2 80

12

90 2743.90

60 2020.95

Tipologia A (unifamiliar sobrado)

Tipologia B (unifamiliar acessível)

Tipologia C (em bloco multifamiliar)

Tipologia D (em bloco multifamiliar)

IMPLANTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 11

ESC. 1/1.000

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

211


212

sobrado Blocos de unidades unidades terreas acessiveis unifamiliares total de unidades unidades sobrado habitacionais unidades terreas acessiveis total de unidades habitacionais

TOTAL DE UNIDADES Blocos TIPOLOGIA C multifa UNIDADES TIPOLOGIA miliares ACESSIVEIS TOTAL DE NO TERREAS UNIDADES(7%) TOTAL DE C TIPOLOGIA UNIDADES UNIDADES TIPOLOGIA D TIPOLOGIA TOTAL DE NO ACESSIVEIS UNIDADES TERREAS (7%) HABITACIONAIS TOTAL DE NO BLOCO UNIDADES TIPOLOGIA D Blocos TOTAL DEde unidades UNIDADES HABITACIONAIS unifamiliares NO BLOCO unidades

Blocos multifa miliares

80

B

11 80

75

11

155 75

Q 155 19

4 Q

19 23

4

23

A

14 160

40

14

200 40

P 200 46

4P

46 50

4

50

B

160

A

10

4

6 10

4R

R 340 6

340 300

24

300

24 40

C

40

C

32

4

28 32

4S

S 155 28

155 75

11

75

11 80

D

80

D

20

3

17 20

T3

20

3

17 20

3U

U 225 17

Blocos

T 215 17

225 130

16

130

16 95

F

95

F

Blocos

215 115

15

115

15 100

E

100

E

34

4

30 34

V4

V 180 30

180 80

13

80

13 100

G

100

G

i

13

6

7 13

X6

X 170 7

170 50

12

50

12 120

H

225 125

16

125

16 100

J

100

J

202

32

170

202

32 TOTAIS

TOTAIS 60 225 170

60 -

4

-

4 60

i

120 60 Blocos

H

Blocos

180

180 60

12

60

12 120

L

120

L

305

305 160

21

160

21 145

M

145

M

90

90 80

6

80

6 10

N

10

N

60

60 -

4

-

4 60

O

60

O

2.560

1.290

2.560

179

1.290

179 1.270

TOTAIS

1.270

TOTAIS


3. 5.

Plano de Espaços Livres e de Lazer

Pensar um plano de espaços livres e de lazer para o Serviluz é de fundamental importância tanto do ponto de vista social como ambiental. No diagnóstico constatou-se que a criminalidade vem sendo um grande problema para os moradores da comunidade. Em contrapartida, os esportes e as atividades de lazer vêm sendo grandes aliados para motivar a vida dos jovens, e evitar seu ingresso em um caminho não desejável. Dessa forma, entende-se que a melhoria da qualidade dos espaços livres pode ser um importante aliado nesse desafio. Possibilitaria também o fortalecimento do sentimento de pertença de toda a população com o lugar onde moram, estimulando o ‘cuidado essencial’ do cidadão com o espaço urbano. Do ponto de vista ambiental, busca-se possibilitar uma maior área de permeabilidade e arborização. Em uma comunidade onde a ocupação do solo nos lotes tende a 100%, é preciso haver uma compensação dessa alta densidade e alto índice de ocupação do solo, através de espaços livres que sirvam como atenuantes ambientais. Dessa forma, buscou-se tirar partido de espaços que já possuem um significado importante para a comunidade e propor novos espaços associados aos reassentamentos habitacionais. Na elaboração do plano, levou-se em consideração o desejo por espaços livres de qualidade expresso durante as entrevistas. O tema era abordado principalmente ao perguntar o que poderia melhorar no bairro (simbólico) Serviluz. Abaixo estão algumas respostas obtidas nessas perguntas: Melhoria de praças esportivas para os jovens, melhorar o campo, colocar grama, iluminação, colocar outros equipamentos, pista de skate, quadras, praça. (trecho da entrevista 02) Uma creche, uma praça para os meninos brincar e ate para os adultos conversarem na boquinha da noite. (trecho da entrevista 09) Campo, quadra, pista de esqueite como tem no cuca da Barra. (trecho da entrevista 03 – criança 12 anos)

Grande parte dos espaços livres propostos são os próprios pátios internos dos edifícios habitacionais multifamiliares projetados. Esses pátios internos devem atender não apenas os moradores dos próprios edifícios, mas também a demanda de moradores das redondezas. Como diretrizes para esses espaços, indica-se que haja abundante arborização, e alguns equipamentos de lazer como bancos de descanso, playgrounds, mesas de jogos de tabuleiro, canteiros para hortas comunitárias e, onde houver espaço suficiente, quadras poliesportivas. Outra parte dos espaços livres são as vias paisagísticas já expostas no item de reestruturação do sistema viário. São vias que margeiam a praia e que, na maioria das vezes, já são utilizadas como lazer pela população, mas possuem infraestrutura precária ou ineficiente. Propõe-se então, que sejam vias de passeios, agradáveis de caminhar e permanecer. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

213


Além desses dois tipos de espaços livres o plano contempla também três praças que atualmente já carregam em seus espaços grande carga simbólica. Tratam-se da Pracinha, da Praça do Campo do Paulista e da Praça do Jangadeiro. A Pracinha é uma praça já existente, representando o único espaço livre de lazer urbanizado do Serviluz. Atualmente o espaço conta com uma quadra poliesportiva, um playgroud, bancos de descanso e canteiros com algumas árvores. Porém, devido à falta de manutenção, a estrutura física da praça encontra-se depredada e precária. Indica-se, nesse caso, uma ação de zeladoria urbana, recuperando o piso, consertando os bancos e brinquedos, e replantando novas espécies nos canteiros. As outras duas praças propostas, atualmente não existem, mas são espaços carregados de história e significado, justificando a importância da sua estruturação como espaços públicos de lazer. Nesse trabalho, dentre todos os espaços livres do plano, escolheu-se essas duas praças para aprofundar no desenho em nível de estudo preliminar. Essa decisão se deu a partir do reconhecimento da importância e abrangência desses espaços tanto para o Serviluz como para a cidade de Fortaleza.

Figura 3.8 Foto Pracinha. Fonte Arquivo Pessoal.

Figura 3.9 Foto de abraço coletivo ao Campo do Paulista ocorrido no dia 21/04/2012. O ato simbólico reivindica a garantia da utilização do terreno pela população do Serviluz como área de lazer. O ato ocorreu após o cercamento do terreno pela Craveiro Imobiliária. Fonte http://www.tribunadoceara.com.br/noticias/ politica/posse-de-campode-futebol-do-bairro-serviluz-e-tema-de-debatena-al/

214


Plano geral de espaços livres para o Serviluz

IMPLA NTAÇÃO HABITACIONAL RECORTE 10

ESC. 1/1.000

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215


3. 6.

Praça Campo do Paulista

O campo do Paulista é um espaço utilizado como lazer a mais 50 anos pela população do Serviluz. Atualmente é apenas um areal, um terreno vazio sem nenhuma infraestrutura, onde os meninos do Serviluz jogam bola. Nas entrevistas constatou-se que existe uma vontade comum dos moradores de que o espaço seja estruturado como espaço de lazer, até por aqueles que não possuem envolvimento direto com o futebol. Embora precário, esse é um espaço reconhecido por todos como uma sendo importante e necessário para a comunidade. Reconhecendo a legitimidade desse espaço, propõe-se que haja uma estruturação deste como uma praça que abrigaria tanto atividades esportivas, como outras atividades de lazer, mantendo o Campo do Paulista como o protagonista da praça. Dessa forma, mantém-se o campo na sua localização atual, dotando-o de infraestrutura de gramado e iluminação no tamanho padrão de campo de 105 x 70 metros. Propõe-se também uma leve rotação para deixá-lo alinhado com o eixo norte-sul. Pois essa é a orientação adequada para que nenhum time se prejudique nas horas de sol baixo. Em torno do campo, foram projetadas estruturas de concreto com cinco degraus servindo como pequenas arquibancadas. A implantação do campo nesse posicionamento, deixa livre quatro espaços triangulares articulados pelo campo central. Essas quatro espaços foram estruturados como praças de lazer abrigando diferentes atividades. Em um dos espaços sugeriu-se a construção de uma concha acústica, que pode servir como aparato para projeções de vídeos, e uma arquibancada semissecular à frente. A vivência no Serviluz mostrou como já existe atualmente uma considerável produção audiovisual ligada à comunidade.

216


1 Anfiteatro/Cine de rua 2 Campo de Futebol gramado 3 Patamar elevado com visão

privilegiada do campo

4 Coberta multiuso 5 Parquinho infantil 6 Skate ParK

1

. ZE AV DIO GO

2

6 3 5

4

PRAÇA CAMPO DO PAULISTA ESC. 1/1.000 EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

217


Esse equipamento pretende dar visibilidade a essas produções e funcionar como um cine de rua, servindo como lazer para os moradores. O equipamento fica com o lado de projeções voltado para Av. Zezé Diogo – via de intenso fluxo de veículos e pessoas –, servindo como convite e divulgação dos próprios eventos culturais e esportivos do Serviluz e também como divulgação da produção audiovisual local para a comunidade.

No segundo espaço livre, propõe-se um patamar elevado adjacente às estruturas de arquibancadas, com intuito de abrigar um maior numero de pessoas para assistir aos jogos do Campo em um nível em que possibilita uma visual privilegiada para o campo. Nesse espaço, proponho estruturas de sombra em concreto, para permitir a permanência das pessoas em horas de sol e servir de apoio a um eventual comércio informal que venha a se instalar em dias de jogo.

218


O terceiro espaço livre encontra-se mais afastado da Av. Zezé Diogo, sendo um espaço mais interno da praça. Propõe-se para ele um modulo hexagonal de coberta que possa servir como espaço de reunião e alongamento da escolinha de futebol antes do treino. Também pode servir como espaço para rodas de capoeira, aulas de artes marciais, ou apenas rodas de conversas ou reuniões de bairro. A Idea é que seja um espaço coberto multiuso cercado por arborização.

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219


O quarto e ultimo espaço livre da praça é o que possui dimensões mais generosas. Para este propõe-se um parquinho infantil e um skate-park, atendendo ao pedido de alguns entrevistados e fortalecendo a estrutura esportiva para os jovens.

220


Como piso predominante, sugere-se o piso de blocos de concreto vazados (concregrama). Sendo a pavimentação impermeável restrita ao espaço delimitado pelo anfiteatro, o patamar elevado da arquibancada e o skatepark. Para o anfiteatro, indica-se a pedra cariri e para o skate-park e o patamar elevado de arquibancada sugeriu-se o piso de concreto queimado. A proposta é que a praça como um todo possua ampla arborização e a maior parte de sua área seja permeável. Dessa forma, a praça funcionaria como um pulmão para a área densamente ocupada. Ao mesmo tempo em que atenua o impacto ambiental, também é pulmão de vida, esporte e lazer.

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221


3. 7.

Praça do Jangadeiro

Após a decisão da liberação do entorno do patrimônio histórico Farol Velho, o espaço livre que se formou teria que ser ocupado com alguma atividade que proporcionasse vida e sentido ao espaço público remodelado. Considerou-se que o equipamento cultural Farol Velho deve passar por obra de restauro e seu uso de Museu do Jangadeiro deve ser reativado. Dessa forma, considera-se que a conformação do espaço livre circundante deve estar relacionada ao funcionamento do Museu. Ao mesmo tempo, não seria desejável que o funcionamento do museu não tivesse relação com a comunidade, e tivesse caráter exclusivamente turístico. Considerou-se que esse espaço poderia ser explorado como uma ótima oportunidade de conectar essa comunidade – que atualmente sofre com a forte estigmatização da sociedade – com a população de Fortaleza. Essa oportunidade foi percebida ao constatar durante o diagnóstico que o objeto arquitetônico Farol é simbolicamente importante tanto para a comunidade do Serviluz como para a cidade como um todo. O tema já sugerido pelo museu desativado: o jangadeiro, também foi percebido como uma intercessão interessante entre a história de formação da comunidade do Serviluz e a identidade que o cidadão fortalezense tem com a figura do jangadeiro e todo o imaginário que o envolve. Durante a vivência na comunidade, percebeu-se que a pesca artesanal é uma tradição que continua viva ate os dias de hoje. Embora essa atividade tenha perdido força com a concorrência com a pesca industrial, ainda faz parte do cotidiano do Serviluz, inclusive com certo caráter de subsistência. Embora o local esteja bem conectado com as oportunidades da cidade grande, em épocas de dificuldade financeira o que alimenta as famílias ainda é o peixe pescado ali mesmo. Dessa forma, o museu seria não apenas um local de valorização de um passado desconectado com a realidade, mas sim um local de valorização da cultura da pesca, apoiando, divulgando e incentivando o trabalho dos pescadores do Serviluz. Com esse pensamento, entende-se que tanto a presença do museu seria importante para a comunidade; como a presença da comunidade próxima ao museu seria também importante para a legitimidade do tema abordado pelo museu. Essa relação de simbiose é desejável e benéfica tanto para a comunidade como para o sucesso do equipamento cultural. A possibilidade de gerar a convivência de pessoas da comunidade com visitantes de outras localidades da cidade e de outras classes sociais, em torno de um interesse comum, é considerada benéfica no sentido em que contribui para diminuir a estigmatização do local. O inevitável caráter turístico do equipamento cultural deve ser tratado de forma cuidadosa. O turismo deve ser um complemento, sendo utilizado como elemento estratégico para a valorização da cultura da pesca; jamais

222


deve ser entendido como fim em si próprio. Deve ter caráter apenas de visitação e passagem. Com isso, o turismo, tanto na concepção como na gestão do espaço, deve estar dosado de tal forma que traga benefícios à comunidade, jamais podendo inibi-la ou expulsá-la do local. Dessa forma, a Praça do Jangadeiro deve ser uma extensão do museu, informando e valorizando a cultura da pesca artesanal, tendo o cuidado para que os usos propostos não prejudiquem as principais visuais da edificação. O espaço livre da praça está dividido pela edificação do Farol em duas porções: uma mais ligada à chegada pela Av. Vicente de Castro ou pela Av. Zezé Diogo, e outra mais ligada à praia e a visual marítima. 1 Exposição de Jangadas 2 Tenda tencionada para acolhida 3 Museu do jangadeiro a funcionar em

edificação restaurada do Farol antigo

4 Mercado de Peixes 5 Casas comunidade 6 Estacionamentos 7 Parada de ônibus 6

4

3

2

5

5

1

7

5

6

PRAÇA DO JANGADEIRO ESC. 1/1.000

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223


Para a porção que recebe o visitante, ligada a visual de chegada ao equipamento, propõe-se uma exposição de jangadas de diferentes tamanhos, cores e tipos. A ideia é valorizar a atividade artesanal ligada à produção de jangadas e equipamentos auxiliares, como a ancora, a rede, o manzuá, entre outros. A exposição seria delimitada por um piso diferenciado em azulejos de cor azul, simbolizando o mar. Dentro dessa marcação, sugere-se também a colocação de algumas fontes jorrando água do piso, reforçando a referência ao imaginário marítimo e refrescando o ambiente, pois nessa porção do espaço não é indicado a colocação de arvores de sombra, pois é preciso manter a visual a mais desobstruída possível. Para a porção mais ligada à visual marítima, propõe-se um mercado de

224


peixes que possibilite tanto a venda como preparo do pescado do dia. A existência do mercado é importante para que o local não apenas informe sobre a cultura da pesca, mas ajude a viabilizar economicamente que essa tradição não se perca na comunidade. Dessa forma, o visitante pode conhecer a história da pesca ao mesmo em que contribui com a economia local e vivencia a atividade pesqueira podendo adquirir seus produtos. Para a edificação de mercado de peixes não impossibilitar as visuais para o conjunto farol e colina a partir do mar ou da Praia Mansa, propôs-se dois volumes de baixo pé-direito posicionados perpendicularmente ao circulo em que o farol está inserido. Estruturas de tenda tencionada de forma triangular foram pensadas para melhorar o conforto térmico do mercado, sombreando a edificação. A forma dessas estruturas remete esteticamente a geometria da vela da jangada, reforçando o tema. Entre os dois volumes do mercado, propõe-se uma pavimentação de piso de azulejo em diferentes tons de azul formando o desenho de uma rosa dos ventos estilizada. Esse desenho no piso cria uma conexão entre os dois volumes edificados e dá um sentindo ao espaço vazio necessário para manter as visuais livres. Em pontos em que as visuais do farol não seriam prejudicadas, foram in-

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seridos rasgos no piso, formando canteiros com arborização com espécies tropicais e bancos de descanso. Para o piso predominante da praça, sugere-se a pavimentação em pedra cariri por ser um material resistente, que possui superfície confortável para pessoas com mobilidade reduzida se deslocarem sem maiores problemas. A cor clara da pedra também contribui para o conforto térmico da praça.

Ao lado das escadarias de acesso ao farol em um lugar estratégico para parada e descanso, não seria possível a arborização, pois esta poderia prejudicar um dos principais ângulos de visual. Sugeriu-se então uma tenda tencionada triangular, na mesma linguagem da edificação do mercado. Essa estrutura proporcionaria sombra sem obstruir as visuais, sendo equipado também com bancos, possibilitando a parada e a reunião de grupos. Seria esse um local ideal para colocação de placas informativas, esclarecendo horários de funcionamento do museu, formas de se locomover daquele ponto da cidade para outros equipamentos culturais de Fortaleza, entre outras informações que sejam consideradas relevantes.

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Com esse desenho espera-se que a convivência entre o equipamento cultural e a comunidade seja algo positivo e que possa trazer além da possibilidade da venda de pescados, um reforço na valorização da cultura local e sentimento de reconhecimento da comunidade com essa cultura exposta e valorizada através do funcionamento do Museu e da Praça do Jangadeiro.

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Considerações Finais

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Quem é rico mora na praia, mas quem trabalha nem tem onde morar Quem não chora dorme com fome, mas quem tem nome joga prata no ar Ô tempo duro no ambiente, ô tempo escuro na memória, o tempo é quente E o dragão é voraz.... Vamos embora de repente, vamos embora sem demora, Vamos pra frente que pra trás não dá mais (Pedras que cantam, Fagner)

Inicialmente, destaco que a experiência de realização do diagnóstico participativo é muito válida, podendo contribuir com o avanço do estudo metodológico para projetos dessa natureza. Não se quer com isso afirmar que a realização do diagnóstico participativo dispense a necessidade do envolvimento da população nas próprias decisões de projeto. Essas duas fases devem ser complementares. Da mesma forma, é salutar nesse momento dividir reflexões que fiz a respeito da proposição aqui colocada. Após todo exercício de encontrar soluções para as os problemas que foram aparecendo durante o projeto, estive por um tempo em estado pensativo ao concluí-lo. Tive a sensação de que estava eu diante de algo utópico que dificilmente seria colocado em prática, principalmente com o histórico de intervenções urbanas na cidade de Fortaleza. Desde o inicio busquei o compromisso em propor soluções reais de acordo com os problemas concretos da cidade. Teria eu traído mim mesma? Seria possível efetivar a função social de tantos terrenos ao mesmo tempo para atender a uma demanda de precariedade habitacional de uma comunidade, localizada justamente em uma porção da cidade que tende a ser cada vez mais cobiçada pelo mercado imobiliário? Ao passo em que tentava achar respostas para essas perguntas, fiz-se outra mais otimista: e por que não? Temos uma legislação que aponta para esse caminho, com a criação das ZEIS e de outros instrumentos que buscam efetivar a função social do solo urbano; temos atualmente diversos programas que mobilizam recursos volumosos especificamente para que o direito à cidade e à moradia digna seja efetivo no espaço urbano; temos uma pasta ministerial específica para regular e apoiar ações como essas (Ministério das Cidades). A partir desse segundo estado de reflexão, surgiu ainda outra pergunta: E porque isso não esta acontecendo ainda? Para essa última pergunta a resposta não por demais incerta, mas certamente passa por uma fragilidade institucional local de planejamento urbano ainda existente na Cidade de Fortaleza. Passa também pela dificuldade de mudar uma cultura de gestão pública que durante décadas encarou a cidade como um negócio, uma máquina que deve gerar lucro através da movimentação da economia em detrimentos daqueles que dão sentido ao poder instituído, afinal, são os moradores que constituem o Estado e o dotam de poder. Mudar o foco da gestão urbana – para além de manter a cidade economicamente viável, pensar no bem estar de sua população e no impacto ambiental de sua ocupação – é, sem duvida, um grande desafio para as próximas décadas.

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De fato a construção da cidade sustentável que – de acordo com os apontamentos do referencial teórico desse trabalho – zele pelo cuidado essencial de seus habitantes e seu ambiente urbano, através da efetividade de políticas de urbanas que promovem a qualidade de vida das pessoas e um impacto ambiental controlado, ainda é um sonho. Principalmente se tivermos como parâmetro a realidade atual das cidades brasileiras, sobretudo da capital cearense. Utópico ou não, são os sonhos que fazem a humanidade continuar caminhando. Então, que possamos extrair lições com essa canção de Fagner: “Vamos para frente que para trás (definitivamente) não dá mais”.

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Referências Bibliográficas

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Universidade Federal do Ceará Departamento de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação


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