# e q Ü e v o 31dias A arte amplia seu campo de atuação quando, na inquietação do artista surgem práticas que confrontam a própria arte. Tem sido assim há mais de cem anos e vale lembrar a tela “Ceci n’est pas une Pipe” (1928/1929), do belga René Magritte (1898/1967), nesta pintura o artista confronta a representação pictórica de um cachimbo com uma afirmação escrita “Este não é um cachimbo”. Esta passagem é lembrada na apresentação do livro de Brian O´Doherty “No interior do Cubo Branco- A ideologia do Espaço de Arte”. Artista, crítico, escritor e diretor de filmes, Brian O´Doherty, numa série de três artigos, publicada pela revista Artforum em 1970/1980, escreve a partir da sua experiência entre produzir uma obra de arte e inserí-la num espaço legitimado. O texto inicia com ironia, comparando o espaço da galeria mo–derna: “construído segundo preceitos tão rigorosos quanto os da construção de uma igreja medieval”, ou seja, espaços construídos para isolar o mundo exterior, onde os objetos devem ser conservados pela passagem do tempo, semelhante às pinturas nas cavernas. As instalações de Duchamp abandonaram de vez a moldura, o quadro, mas as barreiras hegemônicas indicadas nos anos 1970 por Brian ainda resistem na questão dos espaços legitimadores da arte. Derrubando literalmente as paredes e labirintos brancos, a instalação eqÜevo 31 dias cria um espaço de ação criativa. A instalação é uma interferência no lugar que a precede. Em Cuiabá esteve no MACP/UFMT dentro de uma galeria de arte e legitimada como tal. Em Sinop ocupou o Parque Florestal da cidade onde provocou diferentes questionamentos do público e até nos
animais. Em Rondonópolis ocupou o campus da UFMT e cruzou com o campo pedagógico. Além da exposição de arranjos plásticos, oferece oficinas de desenho de caricatura, desenho de observação, imagem digital, arte nas redes sociais e um encontro para conhecer tecnologias populares. #eqÜevo31dias é um espaço de criação, um lugar de operação de sentidos, para convergências e encontros. Vivência colaborativa, com reflexão social e ambiental, na coleta de tampas plásticas. Na instalação, busca-se no espaço expositivo a legitimação para funcionar o interesse sobre a tampa de plástico. Ela é a protagonista. Na ausência de referências para o mesmo referente, o estranhamento do espaço envolvido por objetos banais, comuns e cotidianos, íntimos e presentes em qualquer lugar do planeta. As tampinhas provam que não precisamos “entender” a arte quando sentimos desejos ou lembranças, motivações e até julgamentos, estamos vivenciando a experiência da troca necessária entre a arte e o público e longe do estado apenas contemplativo de algo belo. Se o público sentir vontade de catar a próxima tampinha que encontrar, terá “entendido”, no banal, a arte no contexto social de sua época, em outras experiências, criativas, livres, inéditas.
Museu de Arte e Cultura Popular / MACP Dois tubos de 200 mm, de plástico corrugado cedidos pela Plastibrás, evo– luem desde o exterior da galeria, no saguão de passagem do Centro Cultural, atravessando as paredes em costuras entrelaçadas e seguem até o “centro” do espaço no tablado. O primeiro contato do visitante na galeria
é com o espaço amplo, livre, e pontuado por sítios heterogêneos. Com intenção de capturar o interesse ao olhar para o banal legitimado como arte, utilizei as paredes móveis na horizontal como tablados. Busca-se logo na entrada a sensação de acesso e transparência na ausência das tradicionais paredes. No “centro” da galeria, junto ao único pilar em todo o vão do lugar, o grande praticável recebe as tampinhas do público, que se misturam em novas possibilidades ao grande repertório que vai se formando. Mas olhar para as tampinhas banais precisa de impulso luminoso. Criamos expositores dobrando chapas de plastionda em forma de gotas e dentro instalamos refletores de led de 30w, multicor e programável. Amarradas com abraçadeiras de plástico. O conjunto projetou no teto interessantes nuances e formas de acordo com a interferência do público. Notamos o diálogo entre os modos de cor luz e pigmento nas peças industriais. Os refletores, programados, alternavam as cores aleatoriamente, luz que alterava a percepção das cores em movimentos. A tampa amarela fica verde, depois escurece e volta em tons de laranja, mas a tampa é amarela. O vermelho, o azul, cada cor reage nesta mistura visual eletrônica. Um artifício para captar o olhar sobre o banal? Foram propostas ações de colagem livre sobre chapa de PVC, construção da logomarca da UFMT, um desenho da viola de cocho, mas o manuseio livre entre milhares de unidades recebeu maior interesse do público. A proposta da logomarca da UFMT foi constantemente subvertida pelo público que construíam outras interferências. Com as tampinhas pode-se desenhar, empilhar, embaralhar, e até ouvir os sons que sugerem água, por exemplo. Podese criar jogos ou estruturas.
Este espaço, pronto para a criação, preparado para o público é uma tentativa de marcar uma distância em relação às formas costumeiras, regulares da existência, e promover encontros sociais. O espaço também é a obra que afeta subjetividades a partir do modo de existência das tampinhas plásticas. É possível extrair das evidências corriqueiras a expansão da consciência. Claramente este modo social na colaboração desde a coleta e na criação conjunta entre diferentes, e ocasionais agentes, na coexistência que insiste em discursar nas obras produzidas pela interação do público. O espaço é flexível porque é o suporte onde as tampinhas evoluem e oferece uma visão sociológica da existência, ainda nos ajuda sentir, pensar e existir sob um modo criativo e social. As tampinhas mostram a transformação do espaço em possíveis reinvenções moleculares. O espaço antecede a ação e sem as tampinhas no lugar o espaço não é o mesmo. Distinguem o social do individual. Individual seria descartá-la em qualquer lugar enquanto o social manifesta-se na sua reunião, na sua coleta e na criação conjunta. É visível o modo social de existência entre elas. As diferentes origens criam misturas inesperadas, improgramáveis. Demonstram um ponto de vista sociológico universal. No tablado branco o rastro é tortuoso, a linha de tempo constantemente modificada e desdobrada se opõe à idéia de uma evolução linear. A mistura é incessante e dela surgem até desenhos. Algumas vezes provoquei o público em desenhar o mapa do Brasil e muitos se saíram muito bem, em cada ação um possível, feito e refeito no mesmo espaço comum, nesta cadeia de ações possíveis e imprevisíveis. A colaboração do público que se motiva em olhar, separar, higienizar e tra– zer este material comprova a articulação social capaz de agir na cadeia de produção, minimizar o impacto ambiental, e promover relações sociais. A
subjetividade aparece até nas coleções trazidas pelo público. Seus gostos e preferências. Acredito que espaços de criação comunitária poderiam existir nas praças, nos bairros, até dentro das corporações. A sucata agenciando encontros sociais. O artista cria o campo para estar junto criando novo mercado para a arte contemporânea, sem produzir obras específicas, mas promovendo ações criativas que operem sentidos artísticos, éticos e políticos. A instalação fala de espaço, onde as tampinhas, reunidas ou espalhadas, e cada uma delas é parte do todo onde acontece a poética, em qualquer lugar, até jogadas no chão ou coladas na parede. Todas estão interligadas neste conjunto que ressignifica o lugar e o espaço é ressignificado pela ação do outro. Quando falamos de “modo de existência” vamos na filosofia do acontecimento refletir algumas idéias que definem e articulam diferentemente relações sujeito/objeto. O principal modo de existência das tampinhas é a singularidade, a diferença. Citando Maurizio Lazzarato no livro “As Revoluções do Capitalismo”, comprova que “existir é diferir”. Espalhadas no espaço. As tampinhas são simultaneamente singulares e múltiplas. A tampinha é singular porque é única entre todas as possíveis semelhantes. Não é idêntica a nenhuma. Apresenta marcas próprias, cicatrizes que as diferenciam das outras semelhantes. É única, por existir do único jeito possível em si, e múltipla por conter todas as relações que constituem o mundo que está inserida. Uma tampinha representa seu mundo de origem; a fábrica, as pessoas, etc. Muitas delas são codificadas em impressões a laser em misteriosos códigos industriais. Suas cores são estratégicas e este contexto de consumo cria algumas raras e outras abundantes. As tampinhas são hipóteses, sua mobilidade oferece o lapso entre o atual e o virtual. A totalidade é a unidade do espaço. A diferença é sentir. Propõe uma aglomeração infinita.
Uma tampinha em outro planeta, pode representar todo este planeta Terra de onde vem. O nome eqÜevo 31 dias inicialmente se propõe uma “hashtag”. Uma palavra chave #equevo31dias. O termo é sinônimo de “contemporâneo” no sentido “o que tem a mesma idade” (ou o mesmo tempo), mas também alcança o tempo da coexistência. Hashtag é a chave da sua continuidade no ciberespaço. Trinta e um dias porque o edital previa no mínimo 30 dias, então trinta mais um é uma das contrapartidas oferecidas. Vejo este espaço mutante alimentado por uma rede articulada e antecedente de colaboradores comprometidos com a prática ecosófica, e se mantêm firmes na separação e higienização do material. Muita Gratidão aos seguintes catadores: Maria Ligia, Gisele Bússulo, Marilia Cortez, Maria Irigaray, Josana Salles, Neemias Souza, Eliana Martinez, Ruth Albernaz, Teresa, Keiko Okamura, Felipe Segadas, Ana Lia, Julinho GranBazar, Miguelina; Helena e Fátima vi–zinhas, Laura Borges, Alle Rodrigues, Mérice Netto, Elaine, Mariana Moreira, Larissa Silva Freire, Lino Makyama, Catiuci, Manu Almeida, Marigemma, Suzan e Ivan, Geraldo e Marise, Cilda, Ana Cláudia, Maria Alice e Anna, Maurim Rodrigues, Leonardo Família “Carioca”, Ana Guerreiro, Aline Wendpap, Ormiro e Olga, Milene, Mônica, Márcia. Sala Negra Não há novidade neste sistema. Sem falar da “mulher-gorila”, lembro na infância, um “jogo ótico” promovido e vendido, chamado “Persona”. Alimentava a imaginação infantil no mundo da noite e do escuro, em imagens, rostos, iden-
tidades se formavam à luz de velas. Acompanhava um disco com uma trilha musical, instrumental, uma paisagem progressiva, hoje presente no Youtube https://youtu.be/3LeuFc63Mho
Instalação criada pelo artista Roberto Campadello (na 12ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo, obra chamada “Casa Dourada” era um jogo de vidros e espelhos criando fusões repetidas. O artista criou o Bar Persona, no bairro do Bexiga, em São Paulo onde a instalação fez muito sucesso e atraiu a indústria do entretenimento GROW que lançou a versão comercial nos anos 80. A trilha sonora é de Luís Carlini antes do Tutti Frutti, banda que acompanhou Rita Lee. Posteriormente, em Visconde de Mauá, na Serra da Mantiqueira, instalou um estúdio onde vendia as fotografias, impressas na hora, da interação do público. A força maior da linguagem trazida por Campadello talvez seja a presença humana, interessada no desafio, na curiosidade da própria reinvenção e confusa no funcionamento da sua “identidade”. A matéria é a luz. A “sala negra”, funcionou em Cuiabá em fevereiro de 2016; é toda fechada com TNT preto e no centro balança uma chapa de acrílico cristal -3mm- presa no teto. Dois pequenos refletores de led – 10 watts cada – preenchem a textura nos dois planos em mudanças aleatórias de cor. Os interlocutores se posicionam em cada lado da chapa transparente e acendem suas lanternas. O funcionamento da instalação depende da participação do público, do entendimento, do funcionamento na posição do corpo, da luz, do reflexo fundido à imagem do outro lado da chapa, que separa dois planos onde as lanternas indicam a potência de cada lado. A aproximação, ou afastamento, da chapa também regula a potência da imagem. Permite infinitas interações
em fusões de planos, luzes, cores. O interlocutor precisa se auto iluminar e combinar sua posição e postura com a do seu interlocutor atravessado pela imagem. Precisa acostumar com sua nova imagem, agora híbrida, em fusão de momentos, lapsos que pretendem o encaixe, a forma, a reforma, a reinvenção da própria imagem socializada com a presença do outro interlocutor. Esta poética parece perguntar: quem sou eu ?
Sinop – Cidade Cenográfica Segui para o Parque Florestal de Sinop, cidade distante 481 km ao norte de Cuiabá. O lugar é um oásis verde no espaço ao seu redor devastado pela indústria agrícola, onde em qualquer lugar se planta soja e consegue ganhar dinheiro com as agências espalhadas na cidade. Com 130 mil habitantes em 2015, uma cidade jovem, colonizada desde 1972 (auge do regime militar), o centro da cidade parece um shopping a céu aberto. Em Sinop, o ar livre mudou a instalação e literalmente “oxigenou” a atmosfera obscura da galeria. No sol as cores saltam, brilham, irradiam outras sombras azuladas. Houve a interação dos animais, araras, macacos, peixes, jacarés, tartarugas e muitos outros. O parque abriga três nascentes, possui um lago com grande presença e diversidade de vida. A pesca e o banho são proibidos. O parque é muito grande, sem policiamento e recebe turistas do norte do Mato Grosso e Estados vizinhos. Nossa presença habitual percebeu os diferentes movimentos, na circulação, de pessoas e animais, e seus comportamentos. No lago ouvi, num domingo de sol, o pai ensinando ao filho, criança, como faria para matar e comer o jacaré que admiravam da ponte de madeira. Apesar da sinalização proibir, a principal diversão do público é dar comida aos animais
ou tentar a pesca proibida. Churros, bananas e rações são vendidos na porta do parque; vale observar que todo o resíduo destes produtos comercializados, sem higiene, na portaria são descartados lá dentro. O resíduo é um problema um desafio. Próximo à sede, registramos uma sacola abandonada, perto da estufa, repleta de perigosas cápsulas de defensivos agrícolas jogadas a céu aberto. O resto fala do descaso, e não faltam restos espalhados no chão ou nas lixeiras metálicas todas furadas e inúteis. As caixas de frutas, trazidas para os animais, e outros materiais, também são jogadas próximo ao viveiro das araras em grandes tonéis de plástico. Na materialidade do descaso age a heterotopia no parque. O resto fala. Vemos o apelo agressivo na comunicação visual do comércio. Por exemplo, muitos painéis de LED nas ruas. Telas superluminosas, ofuscantes, violentas, que despejam informação que reflete no asfalto. (vídeo no Instagram -
https://www.instagram.com/p/BE4d08eikZ6/?taken-by=lasegadas).
A
propaganda repetitiva brilhando no preto asfalto, um efeito contemporâneo. Não queremos discutir o espetáculo da “sociedade da informação”, justamente a informação que anula a “experiência”; fica esta reflexão. Nas ruas, todas as lojas podem instalar totens na calçada; aliás vale dizer que o calçamento da cidade é impecável, bem sinalizado e com acessibilidade.Vemos os totens dialogando com as fachadas, muitas delas cenográficas. No dia da abertura contamos com a presença dos órgãos municipais de educação e cultura. Logo se apressaram em chamar a imprensa e pendurar um banner no fundo da imagem da televisão. Esta presença oficial prometia um relacionamento interessante no cruzamento da instalação com a sala de aula. Dezenas de crianças da Escola Municipal de Educação Básica Sadao
Watanabe compareceram e se divertiram na criação com as tampinhas. Mas foi só. Não houve interesse da Secretaria de Educação apesar das mensagens trocadas, sempre justificavam alegando a dificuldade do transporte para os alunos. Na última semana a Secretaria da Diversidade Cultural manifestou interesse e realizamos duas oficinas de desenho na sede da secretaria mas sob o clima de desconfiança da minha presença. Com os elementos expositivos surgiram linhas, planos, cubos e cilindros, espalhados em diferentes locais próximos. Diante do repertório disponível é que se manifesta melhor o impulso criador. Diante de tantas peças coloridas disponíveis, o conjunto provoca fases de interação. Quando manuseamos a sucata percebemos as diferentes composições materiais, densidades, volumes, pesos, resistência, cores, tudo contribui, concorre numa relação afetiva com os objetos. E alguns deles tornam-se preferidos e disputados nas negociações do tablado. Diante da surpresa do encontro, espontaneamente o público responde à experiência. As crianças interagem sem questionamentos, bem diferentes dos adultos que se incomodam em busca de uma explicação. O estranhamento inicial desconforta pela ausência de uma referência anterior, um referente tranquilizante. O repertório reunido ressignifica o lugar de sempre alterando as percepções do espaço. Fragmentos espalhados trazem cores táteis no fundo branco dos praticáveis de PVC. O fundo também age e o ambiente manda as folhas e folículas das árvores que se misturam no branco. Diferentes grupos se encontram neste jogo com regras criadas na hora pelos efêmeros participantes. Vemos a cópia, a imitação, a inibição, a timidez, o entusiasmo, os processos de cada um, as buscas singulares dentro do repertório. Aqueles que perguntam se é a função é entreter os macacos buscam uma explicação do “mundo” que as tranquilize.
A presença da instalação provoca a curiosidade. O rizoma colorido alternou sempre de lugar. Pendurou-se nas linhas azuis, espalhou-se pelo chão de cimento na sede do parque, flutuou nas águas do lago, pendurou-se nas árvores, envolveu os corpos, serviram de jogo, brinquedo e pula-corda. Utilizei, também, tubos verdes e azuis, aéreos, atravessando o espaço entre as árvores, amarrados em grupos de sete linhas. Então linhas verdes e azuis atravessavam o ambiente. Com as linhas verdes criamos um desenho verde sobre o verde das árvores. Verde sobre verde em sete linhas amarradas evoluindo, até oito metros de altura entre os galhos. Estas linhas começavam e terminavam em duas lixeiras do lugar. Uma de plástico e outra de metal. Com os tubos azuis atravessamos no pátio de cimento, na entrada do Parque. Com os dutos corrugados coloridos marcamos a presença da ocupação territorial. Os dutos azuis causaram repetidas perguntas sobre a razão deles no local. “...é uma obra? Pra que serve” ? Mas com os dutos pretos e maiores (50 mm) fizemos um telefone de 25 metros. Desenrolamos 50 metros e cortamos na metade. Unimos com abraçadeiras plásticas dois dutos: um para falar e outro para ouvir. Infelizmente não houve convergência com o poder público pedagógico mas alguns visitantes se entusiasmaram com a idéia de ferramenta de ensino com as tampinhas. Destacamos o depoimento do Sr. Claudino, de Brás Norte, que demonstrou muito interesse na proposta que conheceu no parque e comentou que recomendaria ao filho professor em Brasnorte, cidade 634 Km a oeste de Sinop pela BR-163. Os macacos ignoraram as tampinhas bem como os tubos criados no espaço, mas as araras trouxeram a surpresa da interação dos animais. Seis araras, duas vermelhas e quatro azuis (Canindé) protestaram durante 31 dias por minha presença no parque. Especialmente a vermelha maior, merecia total
atenção devido aos ataques que proferiu também no público. Duas crianças foram bicadas. A arara vermelha, desde o primeiro dia, se mostrou hostil à minha presença. Atacavam constantemente o público que vê nelas apenas a beleza de suas penas coloridas. São perigosas e exigem atenção. Elas avançam! Pedalando na cidade vejo a crueza do mundo humano cruzado, de coexistências estranhas, em qualquer lugar da cidade, onde qualquer pessoa pode estar em confrontos e negociações com a multidão, na comunidade em suas diferenças que provocam a alteridade do outro. Estou na rua, onde operei três intervenções urbanas na cidade de Sinop. A primeira, no perímetro do Parque Florestal, onde já observava o material descartado na esquina da Avenida dos Jequitibás com a Rua das Orquídeas. Passava de bicicleta, diariamente, neste local e refletia ali um ponto de intervenção. No dia 11 de abril de 2016 intervi e publiquei no Instagram. Encontrava-se jogado um metal em grande parte de uma colheitadeira, fios elétricos, fragmentos de parachoques plásticos vermelhos, isopor e matéria orgânica (gravetos). A grande parte de metal foi erguida e se apoiou sozinha de forma estável, ganhando verticalidade e destaque na paisagem. A obra durou poucos dias e no dia 20 de abril já não estava mais lá. Neste flaneur sinopense, bem próximo à rodoviária, na esquina da Rua Das Aroeiras com Rua das Avencas, ao lado do SINE, um imóvel em obra abandonada e com vestígios da ocupação de moradores de rua. Muitos rabiscos feitos a carvão e spray anotam outras presenças ausentes naquele momento. Apenas os alicerces, e grande quantidade de resíduos, principalmente garrafas de cachaça. Muitos vergalhões expostos entre garrafas de vidro acumulando água. Na ousadia da intervenção, da movimentação ética que atrai olhares confusos, experimenta-se
fincar a garrafa, verticalmente no vergalhão exposto e a combinação parece eficiente. Então, entre as peças ali disponíveis, cria outra sensação naquele espaço. Marca um rastro de passagem, a ação é um rabisco no tempo da cidade. A terceira intervenção, na véspera da partida, foi na Avenida das Embaúbas onde registrei uma caçamba com restos de uma reforma comercial ao lado do hotel onde hospedei. Uma cadeira de ferro quebrada e um tubo de papelão foram suficientes para agirem na paisagem sendo amarrados num poste do canteiro central. A arte contemporânea desenvolve um projeto político quando se esforça para cobrir a esfera relacional e observa resultados singulares deste campo criativo. A mesa cheia de agentes exige negociações e táticas nos interesses materiais ali coexistentes. Alguns procuram a mesma cor ou a mesma peça. Alguns empilham, outros encaixam. O desenho mais comum surgido nas mesas foi o coração vermelho. Observamos também o ímpeto criativo que difere nas obras trazidas pelo público, ou seja, até onde cada um vai com sua criação. O quanto cada um se motiva ou esforça para concluí-la e dizer: “tá pronto”. Percebemos demonstrações de coerência estética, diálogos singulares de cada pessoa. No espaço de duração, uma “zona de comunicação” para trocas, em diferentes experiências sociais. Registramos em várias oportunidades quando as crianças eram inibidas pelos pais: “não pode tocar”, “não pode mexer” ou “seu burro... não é assim!”; crianças pequenas correndo com copos de vidro na mão; pai alcoolizado na motocicleta com a filha pequena, além das palmadas e puxões de orelha; foram muitas cenas testemunhadas. Destacamos a convergência com a UNEMAT e o CineClube Zumbis que des-
de 2004, privilegia temáticas sociais, agita e promove a vanguarda cultural em Sinop. O Cineclube também produziu um documentário chamado “Fronteiras” em 2005 e co-produziu outro, “MENIRE KARÕ”, uma adaptação do Romance “Iracema”, de Jose de Alencar, com a Escola Estadual São Vicente de Paulo, da cidade de Colider, MT. Em 2007 ganhou status científico quando aprovado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC). Com apoio do Cineclube Zumbis exibimos os filmes “Quem tem medo da arte contemporânea”, “Lixo Extraordinário” e “Trashed”; este último com apoio também da Secretaria de Cultura que cedeu um projetor potente para a exibição, ao ar livre, nas paredes externas do prédio da UNEMAT. Seguiram interessantes debates nas sessões propostas no projeto #eqÜevo31dias.
Rondonópolis – Cidade Universitária Em Rondonópolis, situada a 200 quilômetros de Cuiabá, no Campus da UFMT, buscamos os lugares de passagem, espaços mais movimentados. Esta residência poética dentro de um sistema educacional, atraiu intersecções com outras disciplinas e convites para ações dentro da sala de aula, onde levamos a reflexão da ecosofia e da arte contemporânea numa pers–pectiva social e da ação criativa como filtro aos dispositivos de subjetivação, do contexto histórico/político construído no sangue e sofrimento humano. Na pedagogia foram vários encontros com os Professores Marlon e Elni Willms. Na História, debatemos o filme “TRASHED” com turma da Professora Priscila e nas Letras, com as Professoras Delvânia e Marki, exibimos o filme “QUEM TEM MEDO DA ARTE CONTEMPORÂNEA?”. Professora Marki destacou, na instalação, a experiência em lidar com o “inesperado”. Conhecemos a pro-
fessora Cecília Fukiko que já trabalha com materiais reutilizados na disciplina de “Metodologia no Ensino da Matemática” e pede aos alunos a coleta de muitos materiais cotidianos, entre eles muitas tampinhas plásticas coloridas. Exigente, a professora pede 30 tampinhas de cada cor. Utiliza na contagem, classificação, seriação e destaca o fácil acesso deste material na formação de professores da rede pública de ensino. Interessante também a experiência estética na formação de professores trabalhada pela Professora Elni, quando experimenta com as alunas a produção de um caderno feito à mão. Diante da dificuldade delas para escrever (como futuras professoras da educação infantil, elas precisam fazer relatórios, então narrar a aula seria uma espécie de treino), uma forma de colocá-las em situação de escrita, oferece a dimensão estética do fazer a mão, Elni sugere que as alunas ousem “decorar” seus cadernos. Com resultados estéticos muito delicados os cadernos pretendem ser, portanto, um espaço onde elas narram e registram as aulas e também usam um pouco de sua criatividade e sensibilidade para ilustrá-lo. Professor Marlon Trevisan trabalha Sociologia da Educação e Arte e Educação. Artista, multinstrumentista, oferece a experiência da música dentro e fora da sala de aula e constrói instrumentos musicais com os alunos. Na sala de aula refletimos sobre a aparência que nos envolve, a aparência do mundo ao nosso redor que chamam de “realidade”. Então basta mudar uma cor para mudar a “realidade”. Intervi com tubos luminosos, ou seja, campos de experiência disponíveis. Esta “parafernália” ou “artifício” é um recurso para iluminar o interesse, o olhar, a aproximação, o toque do público. Seduz o interlocutor pelas formas e cores ao seu alcance. As tampinhas coloridas
ficam sobre a tampa transparente e a luz da base forma no teto uma projeção do que acontece no plano tátil da experiência. Interessante efeito visual destes tubos: A correspondência entre os modos de cor; pigmento e luz. Por exemplo, tampas amarelas com luz azul ficam verdes. Cores primárias mudam para secundárias. As complementares que escurecem, juntas, para o marrom. A folha de polionda mede 2 x 1 metro. Enrolada uma vez forma um cilindro, de um metro de altura e diâmetro de até 65 cm (variam para, num telescópio, viajarem juntas), amarrado por abraçadeiras plásticas. A tampa é uma folha de PVC transparente, quadricular arredondada, amarrada também com abraçadeiras plásticas. No chão, ou na base, um refletor de led de 30W colorido e com controle remoto para as programações de cor. Assistimos uma “magia” traduzida pela física. Alguns podem buscar figuras, outros vêem o modo de acontecimento. Um aluno questionou qual seria o som dos arranjos se cada cor fosse um tom musical. Me lembrou uma cena do filme “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”. “É verdade que pensar a educação a partir da experiência a converte em algo mais parecido com umaarte do que com uma técnica ou uma prática. E é verdade que, a partir daí, a partir da experiência, tanto a educação como as artes podem compartilhar algumas categorias comuns. (LARROSA, 2002) Os tubos espalharam-se também pelos corredores e gramados. Os conjuntos eram constantemente modificados em experiências sucessivas. Registramos duas funcionárias da manutenção experimentando as tampinhas num dos corredores menos movimentados. Com a minha presença elas “voltaram ao trabalho”. Iniciamos a construção de um retrato do Marechal Rondon sobre uma chapa de PVC de 5cm, bem resistente e pesada. Esta obra, em andamento, já utiliza as tampinhas fragmentadas. Ficou instalada no saguão
da xerox, deitada sobre dois praticáveis retirados da sucata do campus. Vale anotar os materiais encontrados na garagem, um grande galpão, junto aos veículos oficiais. Centenas de cadeiras de metal empilhadas, lousas brancas, totens de alumínio, móveis, aparelhos de ar-condicionado, peças de veículos, telas de projeção, placas de zinco. Sugeri ao DCE que monitore os materiais que ali aparecem, podem ser reaproveitados em muitas ações. O resto é energia. Em Cuiabá, junto à prefeitura do Campus, também está um depósito de materiais semelhantes. A obra “rizoma” mostrou-se versátil nos diferentes contextos que atua. Desde sua estréia na FIEMT em setembro de 2015, esteve no Cenarium Rural em Cuiabá, Centro de Eventos Pantanal, MACP, Sinop e Rondonópolis. Em cada lugar um arranjo diferente criando uma nova paisagem. No MACP foi legitimada como obra de arte. Em Sinop ficou nas árvores e depois flutuou nas águas do lago do parque florestal. Em Rondonópolis esteve nas paredes, no chão do saguão, nas salas de aula, ergueu-se vertical num fio atravessado, formou desenhos, habitou o centro da roda de dança circular, participou do sarau, ou seja, residiu e sua presença trouxe cor e movimento ao ambiente cinza, e branco, da academia. Sinto-me testemunha da sua experiência.
Esta foi a primeira flutuação. Com uma parte do “rizoma”, retirei da árvore e desloquei diretamente para a água. O dia nublado ressaltou as cores das tampinhas do céu cinzento refletido nas águas. V- CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS A idéia do reaproveitamento está no ar. Percebo a simpatia que a proposição
da reciclagem afeta nas pessoas. Todos parecem dispostos a contribuir, mas não é bem assim que agem. A ação do reaproveitamento pede um modo de vida, ou seja, uma prática diária seletiva no contato com o material que passa por nós. As tampinhas surgem como elementos de uma potência capaz de coletar grande quantidade de material e neste conjunto que agrega sempre novas peça, se atraem e participam reciprocamente uma das outras. Vemos o acontecimento de um modo social. Nas infinitas maneiras de olhar para si mesmo e refletir nossa parte nesta invisível cadeia, de produção e circulação do consumo, a tampinha nos sinaliza para outros agentes abundantes no cotidiano. E não é uma ação isolada ou inédita porque não faltam exemplos de novas práticas na reutilização destes insumos, da sucata, na internet. A estética relacional de Bourriaud teoriza o modo social na arte de “estar junto”, onde sem a presença humana nada acontece. Onde não é preciso apenas contemplar algo dito “belo”. Estas poéticas aproximam o público de novas maneiras e práticas de se pensar e estar junto na arte. Os pensamentos sobre meio ambiente, relações sociais e subjetividade estão presentes em todas as poéticas aqui apresentadas. A bomba atômica assustou o século XX, mas hoje a degradação do ambiente fala mais alto. Todos somos responsáveis, diariamente, a cada compra, a cada embalagem aberta, em cada saquinho plástico, em cada desejo, neste imenso universo de resíduos que nos ensinaram a descartar. Quando olhamos para o resto, passamos a perceber outros “restos” e assim por diante percebemos outras formas de separação que mostram desigualdades de forças que definem relações de poder. Por exemplo, formas de ser e pensar, em identidades fabricadas no consumo de um sistema capitalista com imensa capacidade de produção e que não pode parar senão o caos se instalará ainda mais. O capitalismo criou um mundo irreversível, um trem-bala
que não pode parar que se desloca rapidamente para o próprio fim quando não haverá mais recursos naturais. Anoto a importância do texto sobre o consumo produtivo, que age invisível, e com alto poder de destruição do ambiente e também a importância dos anônimos atores urbanos, em suas íntimas motivações que agem na cidade e suas presenças trazem esperança contra as utopias instaladas, dominantes e hegemônicas. Os entendimentos trazidos sobre questões de espaço e práticas do cotidiano de uma cidade mostram que a vida sempre poderá ser diferente. E nesta experiência, neste texto, nesta pesquisa, vemos a progressão da deteriorização alertada por Guattari em 1989. Não faltam notícias preocupantes, não faltam mídias explorando estas notícias terríveis, não faltam poderes ocultos promovendo estas notícias recheadas de violência, onde vemos os seres humanos formatados em modelos hegemônicos; nos discursos de raça, religião, nação, pátria, gênero, virilidade, moda, performance, ranking, pureza, competição, identidade, entre outras reduções. Para aceitarmos a presença de objetos banais dentro de um espaço legitimado como artístico, na galeria de arte, foi preciso que Marcel Duchamp há cem anos subvertesse o sistema e a forma usando a contemplação do público para operar outros sentidos em diálogos antiformais. Sua gaiola com cubos de açúcar ficou fora da exposição. Hoje aceitamos novos estranhamentos mas não aqueles do século XX. Após este percurso poético insistente com a tampa de plástico este artista/pesquisador compreende um pouco melhor o contexto, sempre inalcançável, onde a poética acontece. O artista precisa buscar referências teóricas que o auxiliem no entendimento da própria poética no mundo artístico que pratica, transita e habita; então o
encontro com a palavra “experiência”, na perspectiva de Larrosa, converge com as três articulações ecosóficas aqui discutidas. A experiência do espaço/ ambiente, a experiência das relações sociais/encontros e a experiência da subjetividade/criação. A palavra “experiência” possui muitos sentidos, basta pesquisar, os sinônimos, e encontramos: saber, conhecimento, perícia, experimento, tentativa, ensaio, prova, para citar alguns. E quais as experiências expostas no trajeto desta pesquisa? Desde a chegada em Cuiabá, a experiência do novo lugar, do estrangeiro. A experiência de abandonar o emprego e a “segurança” no Banco do Brasil. A experiência de se lançar no desconhecido. A experiência em olhar a cidade. A experiência em separar e criar com objetos. A experiência em registrar, anotar, gravar, filmar, fotografar, entrevistar, salvar, arquivar, editar, publicar, compartilhar. A experiência de expor, montar, desenhar, projetar. A experiência da viagem, outro lugar dentro, e sucessivo a outro lugar. A experiência da hospedagem, da alimentação, da residência artística invasora em contextos precedentes. A experiência política, governamental, burocrática, midiática (relações sociais, pessoais com diferentes canais). A experiência institucional com a UFMT em diferentes campus. A experiência do Restaurante Universitário (R.U) em Rondonópolis. A experiência do isolamento em Sinop, hostilizado por animais. A experiência das hashtags no ciberespaço. A experiência do assédio moral. A experiência da montagem no MACP em Cuiabá, tubos costurando paredes. Experiência na volta aos estudos, na leitura, na escrita, na anotação, na experiência deste texto. A experiência da sala de aula trouxe paixão. Larrosa
descreve o sujeito da experiência e como um lugar, um território,
um espaço. Um sujeito definido pela passividade, pela receptividade, disponibilidade, por sua abertura e não por sua atividade. Este sujeito se man-
ifesta pela atenção, a disponibilidade fundamental. Um sujeito “ex posto”; onde não é importante a posição (maneira de por), nem oposição (maneira de opor), nem imposição (maneira de impor), nem proposição (maneira de propor); mas na maneira de “expor” , assumindo os riscos desta vulnerabilidade. Por isso é incapaz da experiência quem se põe, opõe, impõe ou propõe. É incapaz da experiência aquele a quem nada lhe atravessa, nada se sucede, nada o toca, nada o efeta e nada acontece. O sujeito moderno, além de ser um sujeito informado que opina, além de estar permanentemente agitado e em movimento, é um ser que trabalha, quer dizer, que pretende conformar o mundo, tanto o mundo “natural” quanto o mundo “social” e “humano”, tanto a “natureza externa” quanto a “natureza interna”, segundo seu saber, seu poder e sua vontade. O trabalho é esta atividade que deriva desta pretensão. O autor fala do sujeito moderno animado por portentosa mescla de otimismo, de progressismo e de agressividade: crê que pode fazer tudo o que se propõe (e se hoje não pode, algum dia poderá) e para isso não duvida em destruir tudo o que percebe como um obstáculo à sua onipotência. (LARROSA, 2002,P.24)