Espaços livres públicos (e book)

Page 1


ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS

lugares e suas interfaces intraurbanas

ORGANIZADORES

José Augusto Ribeiro da Silveira Angelina Dias Leão Costa Milena Dutra da Silva

AB Editora João Pessoa, 2016.


ORGANIZAÇÃO

José Augusto Ribeiro da Silveira Angelina Dias Leão Costa Milena Dutra da Silva

ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS

CAPA E EDITORAÇÃO

lugares e suas interfaces intraurbanas

Adino Bandeira REVISÃO ORTOGRÁFICA

Paulo Vitor Nascimento de Freitas REVISÃO

Autores/Organizadores ORGANIZADORES

TRABALHOS TÉCNICOS

José Augusto Ribeiro da Silveira Angelina Dias Leão Costa Milena Dutra da Silva

Mirna S. Linhares

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba E77

Espaços livres públicos: lugares e suas interfaces intraurbanas [recurso eletrônico] / José Augusto Ribeiro da Silveira, Angelina Dias Leão Costa, Milena Dutra da Silva, organizadores. - João Pessoa: AB Editora, 2016. Acesso: http://laurbeufpb.wixsite.com E-book — PDF (15Mb) ISBN: 978-85-93195-03-7 1. Cidades. 2. Espaços livres públicos. 3. Praças públicas — vitalidade urbana. 4. Formas de ocupação. I. Silveira, José Augusto Ribeiro da. II. Costa, Angelina Dias Leão. III. Silva, Milena Dutra da.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO PPGAU/UFPB

CONSELHO EDITORIAL DO PPGAU/UFPB Marcio Cotrim Cunha Aluísio Braz de Melo Carlos Alejandro Nome

COLEÇÃO

AB EDITORA

CDU: 711.4


SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ............................................................................ 9

PARTE 1

ESPAÇO LIVRE PÚBLICO E SUA APREENSÃO DO PÚBLICO AO COMUM:

A IMPORTÂNCIA DA SINALIZAÇÃO NA APREENSÃO DO ESPAÇO LIVRE PÚBLICO:

ESTUDO DE CASO SOBRE A PERCEPÇÃO DO PEDESTRE NO CENTRO HISTÓRICO DE JOÃO PESSOA – PB ............................................................................ 90 Emanoella Bella Sarmento S. E. Matias Angelina Dias Leão Costa

PRÁTICAS COLABORATIVAS E O DIREITO À CIDADE .............. 14 Bianca Antunes Laura Sobral

OS SISTEMAS DE ESPAÇOS LIVRES E A URBANIDADE:

UM ESTUDO SOBRE AS FORMAS DE OCUPAÇÃO DOS ESPAÇOS LIVRES NA CIDADE DE NATAL .......................... 32 Verônica Maria Fernandes de Lima Viviane Gomes Medeiros

VITALIDADE URBANA EM PRAÇAS PÚBLICAS:

UM DEBATE COM BASE NA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS DE PRAÇAS DE NATAL – RN ....................................... 58 Trícia Caroline da Silva Santana Gleice Azambuja Elali

PARTE 2

CONFIGURAÇÃO, PRÁTICAS E RUPTURAS ESPACIAIS ANÁLISE CONFIGURACIONAL DOS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS EM CIDADES DE PORTE MÉDIO ................ 124 Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro Paulo Vitor Nascimento de Freitas José Augusto Ribeiro da Silveira

ASPECTOS QUANTITATIVOS, QUALITATIVOS E DISTRIBUTIVOS NOS ESPAÇOS LIVRES E PÚBLICOS URBANOS NO MODERNO E NO CONTEMPORÂNEO:

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DUAS CIDADES BRASILEIRAS ................................................................................. 148 Edson Leite Ribeiro


APRESENTAÇÃO

CIDADES, INTERVENÇÕES E PRÁTICAS URBANAS:

USOS DO ESPAÇO PÚBLICO E QUALIDADE SOCIOURBANÍSTICA NOS CENTROS DE JOÃO PESSOA E RECIFE ................................................................ 186 Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia

ESPAÇOS LIVRES NA ESCALA GREGÁRIA DE BRASÍLIA:

E OBRAS NA COPA DE 2014 ........................................................... 230 Marta Adriana Bustos Romero

CIDADE ENCLAUSURADA:

O CAMPUS JOAQUIM AMAZONAS – UFPE E O RECIFE ......... 250 Luiz Amorim Cristiano Nascimento

RUPTURAS ESPACIAIS E TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO PRIVADO EM ESPAÇO PÚBLICO:

A ESPETACULARIZAÇÃO DO COTIDIANO EM UMA EXPERIÊNCIA EM TAPEROÁ, PARAÍBA, BRASIL ................... 282 Eliezer Rolim

SOBRE OS AUTORES ..................................................................... 312

Esta obra procura capturar variados fatos ligados aos espaços livres públicos urbanos e à sua apreensão multifacetada, englobando seus aspectos configuracionais, práticas sociais e determinadas rupturas espaciais, associadas ao embate público X privado. Na mesma direção que já assinalou o professor Philippe Panerai, em vários estudos, esta coletânea ressalta a relevância e o desafio que é o tratamento conceitual e empírico do espaço livre público, como estrutura fundamental sobre a qual se apoia considerável duração e história socioespacial e referencial, que conduzem ao estabelecimento e à uma certa permanência da cidade e, muitas vezes, à formação da sua própria identidade ou personalidade urbana, da forma que posiciona o cientista britânico Geoffrey West. Como herança comum é necessário respeitar, conservar e transmitir, especialmente quando associado ao movimento e à permanência de pessoas; e desempenhar funções estruturais de organização e de circulação, em variadas escalas, de encontros e práticas sociais, lazer, recreação, composição paisagística e de equilíbrio ambiental, com ou sem cobertura vegetal. Atualmente, também se discutem bastante as relações, padrões e escalas de diálogo entre os diferentes espaços livres e os espaços edificados de entorno, no que tange ao uso do solo, à humanização, à vitalidade e à segurança urbana, o que alarga consideravelmente as preocupações científicas sobre a temática em tela. Locus espacial primordial da acessibilidade e da mobilidade – atributos urbanos, hoje, consideravelmente afetados –, o espaço livre público aponta a exigência de oferecer grande atenção ao traçado urbano e aos aspectos quantitativos, qualitativos e distributivos do arranjo e localização desses espaços, como componentes primordiais da morfologia. Além de sua justificativa funcional como espaço de circulação, e não apenas de veículos, e como domínio público, acentua-se a sua primazia e a força de ordenação do construído, do desenho urbano e do domínio técnico, ou seja, das redes de infraestrutura e serviços. Dessa maneira, um aspecto igualmente importante a ser considerado é o fato de que, muitas vezes, os espaços livres públicos urbanos são vistos ou conformam somente um conjunto ou formariam um “agregado”, ou seja, uma “coleção” de elementos sem vínculos entre eles, e mesmo sem integridade ou unidade, o que pode afetar 9


negativamente tentativas de funcionamento urbano mais humanizado. O desejável seria a busca pela construção de um sistema de espaços livres, englobando seus variados tipos e categorias, objetos complexos, cujos componentes devem estar bem definidos e interrelacionados, sob uma dada lógica, preocupação esta que permeia também este livro. Um sistema, no pensamento de vários autores, apresenta certa composição ou conjunto de elementos, que estaria relacionado com os objetos do ambiente com o qual estaria rodeado ou conectado, e dada organização – estrutura – entre seus componentes, ou seja, as relações internas entre esses objetos e aqueles do ambiente global onde se insere. A estrutura pode ser identificada a partir da visualização de um organismo, que é o conjunto de todas as relações entre componentes, conexões com o ambiente e determinadas propriedades físicas e lógicas de organização, ao longo do espaço e do tempo. Em outros estudos, defende-se igualmente que as estruturas, capturando dinâmicas físicas e sociais mais profundas e permanentes, conteriam os sistemas e redes, que por sua vez exibiriam transformações em escala de tempo menor, a exemplo dos sistemas de transporte. No contexto, além da ideia de construção de sistemas, e não de conjuntos, e de estrutura, impõe-se também a exigência da integração entre os elementos componentes desse organismo dinâmico (espaço livre público – acessibilidade – mobilidade – uso e ocupação da terra), em termos de um novo desenho urbano, com espaços mais humanizados, e redimensionamento do sistema de acessos e da circulação/operação das diferentes modalidades de transporte, na busca por uma maior eficiência no funcionamento e nos movimentos da urbe. A cidade não é somente um conjunto de objetos – lugares funcionais, mas também deve constituir uma dada rede humanizada de relações e experiências, a partir dos espaços livres e da mobilidade. Experimenta-se atualmente, ao contrário das últimas décadas, uma mudança de “fazer a cidade” para “viver a cidade”, a partir da constatação de um persistente ciclo vicioso urbano e das novas exigências da cidade: novas construções e áreas de crescimento persistirão, mas a reinvenção das estruturas urbanas, dos espaços livres e da mobilidade, e das práticas sociais existentes poderá ser mais dominante. O pensamento sobre o urbano definitivamente não pode mais negligenciar a interação e a multifuncionalidade entre espaços livres públicos, mobilidade, conexão e ambiente construído e 10

suas atividades. A conexão de vias e espaços, a hierarquização e com a promoção da interação entre forma, função e conectividade podese estabelecer espaços públicos mais atraentes e uma experiência de permanência e mobilidade mais humanizadas. Nessa mesma direção, as pesquisas de Jan Gehl nos apontam, em seus estudos combinados, a importância da consideração da dimensão humana, e do sentido dessa escala, na promoção de espaços mais vitalizados, seguros e saudáveis, numa cidade “ao nível dos olhos”, atendendo a uma ordem hierárquica de vida, espaço, edifícios, contribuindo também ao desenvolvimento de mobilidade mais saudável e sustentável, com apoio de acervo instrumental e técnico adequado, para se alcançar uma cidade mais amigável ao homem e ambientalmente mais saudável. Essas linhas de atuação foram pensadas inicialmente na Alemanha e na Holanda, na década de 1970, a partir das ideias de “áreas ambientais”; de woonerf (pátios residenciais), onde a ideia é o compartilhamento viário por diversos modos de transporte, com segurança e qualidade, e dos projetos de áreas pedestrianizadas. Nas preocupações sobre a humanização e eficiência da cidade, nas suas variadas escalas, o conceito de integração coloca-se hoje como um dos fundamentos mais destacados, no âmbito dos estudos sobre os espaços livres públicos, levando em conta a sua visualização como um sistema, onde o ser humano e os movimentos não motorizados devem constituir o centro irradiador das aplicações desses conceitos. Considerando as dinâmicas urbanas, visíveis e menos visíveis, as suas localizações, atividades, morfologia, aspectos quantitativos e qualitativos, esta obra aponta uma visão ampliada, aprofundada e continuada dos fenômenos ligados aos sistemas urbanos e aos espaços livres públicos, não somente focada no âmbito técnico, mas fundada numa perspectiva sistêmica, e sendo esta englobada por campo que procura capturar uma dinâmica estrutural, física e social.

José Augusto Ribeiro da Silveira Angelina Dias Leão Costa Milena Dutra da Silva Outubro de 2016.

11


PARTE 1

ESPAÇO LIVRE PÚBLICO E SUA APREENSÃO

12

13


DO PÚBLICO AO COMUM: PRÁTICAS COLABORATIVAS E O DIREITO À CIDADE

abstração, associada com a prática. O que a cidade cria? Nada. Ela centraliza a criação. E, no entanto, ela cria tudo. Nada existe sem troca, sem união, sem proximidade, isto é, sem relacionamentos. A cidade cria uma situação, onde diferentes coisas ocorrem uma após a outra e não existem separadamente, mas de acordo com suas diferenças. O urbano, que é indiferente às diferenças que gera, em si as une. Neste sentido, a cidade constrói, identifica e liberta a essência das relações sociais. (LEFEBVRE, 2001)

Bianca Antunes Escola de Comunicação e Arquitetura da USP - São Paulo, SP

Laura Sobral Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP - São Paulo, SP

A participação da sociedade civil nas melhorias do ambiente urbano tem crescido: cada vez mais há grupos engajando-se em projetos de sua cidade, e por todo o mundo. Eles agem em resposta às questões e às necessidades urgentes: cidades mais humanas, justiça socioespacial e espaços públicos inclusivos. Iniciativas comunitárias demonstram a capacidade dos cidadãos de se auto-organizarem para apresentar soluções aos desafios colocados pela vida cotidiana nas grandes cidades, usando a criatividade para transformar e multiplicar os recursos existentes. Essa tendência pode ser lida como uma reação à incapacidade que as cidades atuais têm de dar respostas ágeis aos desafios urbanos, ao apenas seguirem instrumentos tradicionais de planejamento. Nessas práticas socioespaciais, definidas por Rosa como práticas urbanas criativas1, os cidadãos convidam diferentes atores a cooperarem com o objetivo de uma alternativa urbana impulsionada pela participação e por atitudes proativas. A proposta é construir espaços coletivos de maneira coletiva. O resultado buscado é a criação de lugares de encontro, fazendo referência a Lefebvre: O urbano é, portanto, forma pura; um lugar de encontro, de reunião, de simultaneidade. Esta forma não tem conteúdo específico, mas é um centro de atração e de vida. É uma

14

É crescente a multiplicidade de atividades públicas que continuamente redefinem os conceitos de “público” e de “espaço” através da experiência vivida. As práticas urbanas criativas organizam lugares para o encontro – pontos de contato que resistem à desertificação de espaços coletivos de qualidade, seja em lotes vagos, calçadas, ruas, parques, praças ou praias. As atividades propostas reestruturam o espaço urbano, abrindo novas arenas políticas e produzindo novos tipos insurgentes de cidadania ativa (ROSA, 2011). “Espaços disponíveis, muitas vezes disfuncionais, são hoje espaços de testes e zonas experimentais para o futuro da cidade” (ROSA; WEILAND, 2013). Estes espaços se tornam lugares para a expressão de novos sentidos com indivíduos que os apropriam e seus propósitos, adquirindo significados em constante mudança – sociais, estéticos, políticos, econômicos – com os usuários reorganizando-os e reinterpretando-os. Alguns exemplos são o Tempelhof, em Berlim, e o Largo da Batata, em São Paulo – dois projetos que serão analisados neste artigo.

PRÁTICA URBANÍSTICA TECNOCRÁTICA X PRÁTICAS COLABORATIVAS BOTTOM UP Os mecanismos tradicionais do planejamento urbano estão há muito sendo questionados, mais especificamente a “fundação tecnocrática de projetos urbanos”, fazendo referência à comunicação da geógrafa Amelia Damiani na mesa de abertura do Seminário Internacional Cidades Rebeldes2. 15


Os espaços públicos foram impostos em sua morfologia e funcionamento, sem participação efetiva dos cidadãos em seu planejamento e tomada de decisões, resultando muitas vezes em espaços alheios ao interesse da população. Portanto, não é sempre que há identificação e geração de vínculo dos habitantes da cidade com tais espaços, que são criados para serem cuidados apenas pelo poder público e não pela população, que não compartilha da responsabilidade por eles. Como consequência, é comum serem vistos quadros de exclusão social, grandes contrastes urbanos, má administração dos seus serviços, má manutenção, pouca criatividade nos projetos, má qualidade de materiais, projetos fora de contexto, entre muitos outros problemas. A prática urbanística tecnocrática está desacreditada, sua dimensão pública ficou marcada pelo predomínio da especulação imobiliária e o objetivo do bem comum foi contaminado pelas exigências do mercantilismo. (MONTANER; MUXÍ, 2014)

É diante desse panorama que o arquiteto e urbanista Jan Gehl propõe a revisão da produção do urbano para melhorar a qualidade de vida nas cidades. A chave estaria nas mãos dos próprios usuários: Meu conselho para todas as cidades seria que elas tivessem uma atenção sistemática ao que está acontecendo na cidade, como as pessoas a estão usando. É exatamente o que os engenheiros de tráfego têm feito por décadas. Eles sabem tudo sobre o tráfego de veículos. E normalmente nós não sabemos nada sobre a vida das pessoas. É sabido que você planeja para o que você tem informação sobre. O que você conhece, você cuida. Essa é a mensagem: consiga informação sobre como sua cidade é usada e então a melhore onde e como ela precisa de melhoras. (GEHL, 2014)

16

As práticas socioespaciais de iniciativa cidadã se alinham em sua maioria tanto com a posição expressa por Gehl nessa citação quanto com o conteúdo do livro A Produção do Espaço3, de Henri Lefebvre, tomando como ponto de partida a ideia de que a qualidade de vida e a qualidade do espaço estão profundamente entrelaçadas.

Figura 1: Cidadãos ativam o espaço do Largo da Batata, em São Paulo, com mobiliário temporário e eventos para atrair usuários ao local. Crédito: Rachel Schein.

PIONEIROS ESPACIAIS E URBANISMO TÁTICO Os “pioneiros espaciais”4 – cidadãos que se engajam em tais práticas socioespaciais – identificam espaços disfuncionais ou em desuso e procuram reinventá-los. Adaptam-se ao ambiente em questão, aproveitando a oportunidade de agir sobre espaços que possam ser por eles redefinidos coletivamente e exploram os seus recursos ao máximo, com o objetivo de transformar esses espaços em arenas de ação política e lugares de encontro. A ação dos pioneiros espaciais se relaciona ao que foi mais tarde definido como urbanismo tático5, termo registrado pela primeira vez em 1996 para designar, segundo Lydon, “um protótipo 1:1 de curto 17


Figura 2: Tempelhof Park, em Berlim: o antigo aeroporto da cidade se transformou em um parque, após ações de pioneiros espaciais, que fizeram acordos de utilização de parcelas do espaço com o poder público, contando com a mediação do coletivo de arquitetos Raumlabor. Crédito: Robert Aehnelt/ Creative Commons.

prazo que pode dotar de informações para o planejamento de longo prazo”, sendo “construído a partir de grupos de pessoas empoderadas, ou seja, criando um urbanismo cidadão” de forma a reconhecer “o valor das ações informais no espaço público e incorporar na forma de políticas públicas urbanas inclusivas de longo prazo”. Essa abordagem é centrada no cidadão para a construção do bairro, caracterizada por intervenções de curto prazo e de baixo custo destinadas a catalisar a mudança em longo prazo. Como contrapartida à clássica noção estratégica de planejamento top-down, modos táticos de urbanismo surgiram na forma de aproximações bottom-up cotidianas de problemas locais gerenciados de forma desigual dentro das metrópoles contemporâneas (GADANO, 2014).

ALÉM DO PÚBLICO: O COMUM Mais amplo do que a insatisfação com os caminhos contemporâneos da produção da cidade, o grande motor de muitas dessas práticas socioespaciais é a reivindicação do “direito à cidade”6. O direito à cidade “não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas é o direito de transformar a cidade em algo radicalmente 18

diferente” (HARVEY, 2010). As práticas socioespaciais nas quais a pesquisa se aprofunda têm como objetivo comum a apropriação do direito à cidade como proposta política de mudança, e como uma alternativa para as condições de vida urbana criadas pelas atuais políticas, construindo a cidade “como ponto de encontro para a vida coletiva” (LEFEBVRE, 2001). Nessa busca por inventar maneiras de fazer a cidade, os commons adquirem maior significado como um processo político: além de espaços públicos, os espaços que se desejam também são de autonomia cidadã, de experimentalismo, referidas à ideia do “comum”. O conceito recorrente do comum se elabora sobre a ideia de que, em nosso mundo atual, a produção da riqueza e a vida social dependem, em grande medida, da comunicação, da cooperação, dos afetos e da criatividade coletiva (NEGRI; HARDT, 2009). O comum compreenderia, então, os ambientes de recursos compartilhados, que são gerados pela participação de muitos e que constituem o tecido produtivo essencial da metrópole contemporânea. Trata-se de recuperar a legitimidade de um direito de utilização do espaço público sem o controle estatal (ou privado) excessivo. O ato de commoning torna-se um exercício coletivo, pelo qual tais espaços podem ser repensados e, finalmente, reinventados, pela democracia direta, auto-organização e verdadeira participação, que não é a consultiva, mas a conjunta, processual e interativa. Em sua definição de commons, Massimo de Angelis7 salienta a importância de três elementos: o conjunto de recursos comuns não mercantilizados, uma comunidade para sustentar e criar commons, e o processo de commoning que une comunidade e recursos. O termo commoning é um dos mais importantes para a compreensão dos commons, na opinião de Angelis. Essa valorização contemporânea dos commons vem em resposta à tendência de restrição dos bens comuns em ilhas de prosperidade, e de seu esgotamento pelo uso insustentável. É preciso defender uma política afirmativa e capacitadora que, perante a destruição, a especulação, o domínio e a negatividade, proponha um acúmulo de práticas micropolíticas de ativismo cotidiano e de projetos para criar mundos alternativos (MONTANER; MUXÍ, 2014).

19


Até espaços públicos já estabelecidos estão ameaçados pelo dito “desenvolvimento”, representado frequentemente pelos interesses imobiliários, como o caso do Parque Gezi, em Istambul, que, estabelecido como parque desde 1943, recebeu, em 2013 recebeu uma série de manifestações populares pela sua manutenção como parque, estando seu terreno ameaçado de ser espaço da construção de um shopping center. Felizmente, a reação dos cidadãos a essas ameaças, com a sua organização em práticas socioespaciais no território, demonstra a percepção do espaço público pelos cidadãos como um bem comum que deve ser desfrutado como uma necessidade básica e transmitido para as próximas gerações.8

ESTUDOS DE CASO: LARGO DA BATATA E TEMPELHOF FELD Como se dá o processo de apropriação dos espaços públicos abertos por esses pioneiros espaciais que os transformam em espaços comuns? Foram selecionados para este artigo dois recortes territoriais que oferecem um terreno para a busca dessa resposta: o Largo da Batata, em São Paulo, e o Tempelhof Feld, em Berlim.

Tempelhof, Berlim Desde a queda do Muro de Berlim em 1989, a cidade tem sido palco de iniciativas cidadãs de autonomia na reconstrução da cidade. “Berlim é uma cidade na qual você se torna parte do processo de sua produção. Citando Friedrich Luft: Berlim não é uma cidade, Berlim é um processo em construção” (RAUMLABOR, 2008)9. Com muitos terrenos residuais, Berlim se destaca até hoje como espaço de práticas criativas e como referência das práticas socioespaciais10.

20

Dentre muitos casos possíveis na cidade11, como Kinderblockhaus “Rabenhorst” (terreno de propriedade da municipalidade ocupado por jovens para atividades de esporte e lazer), o Unser Graceland (espaço público ocupado por artistas com projetos artísticos temporários) e o Ein Platz Fur Marie (terreno de um posto de bombeiros demolido que a comunidade negociou com o poder público para poder desenvolvêlo como praça pública), o caso escolhido para este trabalho foi o Tempelhof Feld. O Tempelhof, a Sul do centro de Berlim, funcionou como um dos principais aeroportos da cidade entre 1928 e 2008. Uma vez que o poder público decidiu desativá-lo, o espaço foi usado para eventos e iniciativas cidadãs e, em 2010, reabriu oficialmente como parque: “Tempelhof Feld”. Mas isso não aconteceu sem a ocupação de pioneiros espaciais e suas práticas. Os iniciadores fizeram acordos de utilização de parcelas do espaço do parque com o poder público, contando com a mediação do coletivo de arquitetos Raumlabor, que desenvolveu um “Conceito Ativador”12: propôs um processo de ativações e apropriações, com terrenos de teste que permitem que o público expresse seus desejos para a área com o uso temporário do espaço. O Raumlabor é um coletivo que faz estratégias de design pioneiras em Berlim, desde a queda do muro, quando a cidade passou a se desenvolver de forma rápida e irrestrita. Tiveram um papel importante na transformação do Tempelhof Park de uma construção fechada à cidade a um campo aberto para uso público, em parceria com o Urban Catalyst Studio13.

Figura 3: Ativação do espaço baseada no usuário, com o mínimo de intervenção: estudos para o parque Tempelhof, em Berlim. Crédito: Urban Catalyst/Studio THF.

21


O plano do poder público para o Tempelhof era construir no terreno de 2,5 hectares (igual, em tamanho, ao Central Park de Nova York). Havia uma proposta, em 2011, de edificar 25% do terreno com propriedades comerciais, uma biblioteca e unidades de habitação. Em maio de 2014, foi realizado um referendo e os berlinenses votaram em manter o Tempelhof como ele é hoje, não edificado. Esse resultado garantiu a preservação e o caráter único que tem o local por essas práticas socioespaciais “bottom up”, intensificando o uso da sua ampla área por parte da população com eventos, jardins comunitários, construções temporárias e outras iniciativas do gênero: a criação de um espaço comum.

Figura 4: Plano diretor dinâmico para o Tempelhof Park Crédito: Urban Catalyst/Studio THF.

.

22

O que vemos em Berlim é uma nova abordagem para o planejamento urbano, onde atividades acontecem enquanto um certo plano ainda está sendo negociado – e essas atividades acabam influenciando a forma urbana que o planejamento fará ser possível. Esse é um tipo de urbanismo muito mais dinâmico, flexível e engajado do que os tradicionais14, conta Karin Bradley do Centre for a Sustainable Built Environment da KTH (Royal Institute of Technology) de Estocolmo.

O Tempelhof é um exemplo de como um planejamento em longo prazo pode ter participação local em todos os estágios – e isso foi feito desde o fechamento do aeroporto, dando à comunidade local um papel ativo no empreendimento. Diversas “situações teste” foram implementadas para determinar o futuro uso do parque, principalmente voltadas para atividades culturais ou esportivas (como kite e wind skateboarding) que pudessem aumentar o uso público do parque e criar ligações vitais com os bairros vizinhos15. Ideias de usos poderiam ser sugeridas para serem testadas, caso dos lotes hoje disponíveis para hortas urbanas. O trabalho do Raumlabor e do Urban Catalysts Studio dirigiu o envolvimento da comunidade no processo de regeneração urbana e continua a desenvolver o espaço como um parque público aberto à comunidade16.

Figura 5: O coletivo Raumlabor estabeleceu o “Conceito Ativador”: um processo de ativações e de apropriações, com terrenos de teste que permitem que o público expresse seus desejos para a área com o uso temporário do espaço. Crédito: Visit Berlin/ Philip Koschel.

23


Largo da Batata, São Paulo Recentemente em São Paulo várias iniciativas cidadãs e associações locais ocupam espaços de infraestrutura urbana com suas práticas socioespaciais. Debaixo de pontes e viadutos a ilhas de tráfego e praças abandonadas.

Figura 6: Parte do Largo da Batata, zona Oeste de São Paulo: o espaço passou por mais de dez anos de reforma e foi entregue à população com 29 mil m2 sem árvores, bancos ou outro mobiliário urbano de permanência. Crédito: Skyscraper City.

24

Grupos ativistas da sociedade civil, organizando-se de formas colaborativas, horizontais e independentes, passaram a ocupar intensamente certas áreas da cidade, tais como o Minhocão e o seu entorno, o Parque Augusta e o Largo da Batata. Ações conhecidas como ‘urbanismo tático’. (WISNIK, 2015)17

O Largo da Batata é uma praça do centro expandido da cidade de São Paulo, de importância estratégica desde meados de 1600. Em

princípio do século XX, foi um importante entreposto comercial. Desde o princípio dos anos 2000, o espaço passou por uma transformação urbana agressiva, onde muitas casas foram derrubadas e a morfologia do lugar foi bastante alterada. Quando foi aberto para usufruto da população, em 2013, não era mais que um deserto de 29 mil m2 sem árvores, bancos ou outro equipamento, não correspondendo ao projeto ganhador do concurso para o Largo, do arquiteto Tito Lívio. Desde então há uma movimentação de moradores e frequentadores do lugar para ocupá-lo regularmente em torno de práticas socioespaciais, chamando a atenção para seu processo desastroso, e para tornar o lugar, de fato, um espaço público vivo. Movimentos da cidade organizaram, por exemplo, o Ocupe a Batata, no começo de 2013, propondo um dia de atividades criativas no espaço e chamando a atenção para o processo imobiliário predatório do qual o território está sendo resultado. Um pouco mais tarde no mesmo ano, moradores começaram a ocupar os espaços participativos da Subprefeitura de Pinheiros e de lá se juntaram no grupo Não Largue da Batata, que questionou e acompanha os processos administrativos sobre o Largo. No começo de 2014, nasce o A Batata Precisa de Você, que se propõe a ocupar semanalmente o Largo da Batata, o fazendo por um ano e meio e mais espaçadamente, até hoje. Nesse tempo, houve muitos

Figura 7: O movimento A Batata Precisa de Você é formado por moradores do bairro que se propuseram a ocupar semanalmente o Largo da Batata. Eles organizaram ações como cinema, aula de ginástica, debates, performance, shows, atividades para crianças, jogos de rua, construção de mobiliário urbano, etc. Crédito: Bijari.

25


Figura 8: Festa junina no Largo da Batata, organizada pelo movimento A Batata Precisa de Você. Crédito: Facebook - A Batata Precisa de Você.

tipos de ações, desde cinema, aula de ginástica, debates, performance, shows, atividades para crianças, jogos de rua, construção de mobiliário urbano, jardinagem, etc. Em seis meses o movimento agrupou mais de 2,5 mil pessoas em uma festa junina colaborativa. O movimento A Batata Precisa de Você tem algumas táticas interessantes. Em seus quase dois anos e meio de ocupação e zeladoria regulares no Largo da Batata, o movimento tem poucas diretrizes. Uma delas é que no seu espaço público virtual – grupo aberto no Facebook – tudo pode ser discutido, mas para algo ser decidido é necessário que os interessados no tema encontrem-se no espaço público real, o Largo da Batata, e decidam sobre o que foi apresentado. Outra tática é a construção de experimentos, de protótipos, de estruturas que permitam testes imediatos de uso, como mobiliário urbano, cisterna e estruturas de sombreamento. É o uso da precariedade e temporalidade como provocação: amplia-se o vocabulário urbano dos usos possíveis da cidade, com base na gambiarra como “manifestação da permanente criatividade humana e tática social capaz de manobrar a ordem tradicional de mercado baseada na perspectiva de um consumo passivo” (BOUFLEUR, 2013).

É uma experimentação social onde se aprende constantemente – afinal, a horizontalidade e a abertura à participação são elementos raros, seja na cultura política, seja nas relações de trabalho ou no lazer. “A temporalidade das intervenções está ligada ao desejo de reinvenção e dinamização dos nossos espaços urbanos. Afinal, a cidade deve propiciar o encontro, a troca e a coexistência” (ORTENBLAD, 2015). Alguns membros do A Batata Precisa de Você já eram cidadãos ativos nos conselhos de bairro antes da criação do movimento, e ligados à Subprefeitura de Pinheiros. O diálogo com o poder público, assim, estabeleceu-se desde cedo sobre as ocupações. No entanto, como o uso da praça por cidadãos não se configura um evento, nunca foi necessário pedir autorização à Prefeitura para suas atividades, ainda que seu uso tenha sido negociado informalmente com os gestores públicos, como o caso da implantação dos mobiliários e estruturas de sombra. O deserto do Largo da Batata, por força da sociedade civil, tem se transformado cada vez mais em um lugar das possibilidades cidadãs, e é uma prova viva de que o uso cotidiano com consciência pode produzir espaços democráticos e diversos: um espaço de uso comum.

PARTICIPAÇÃO CIDADÃ Tanto o Tempelhof quanto o Largo da Batata são espaços públicos a céu aberto, em transição, que podem ser identificados nos últimos anos como territórios que representam em sua história recente territórios de negociação entre poder público e a autonomia cidadã, a população reivindicando processos verdadeiramente participativos para a gerência presente e futura do lugar também ocupando o espaço com práticas socioespaciais. Os dois amplos terrenos são centrais em suas cidades, espaços de memória, porém atualmente com características de “terrain vague”18, indefinidos. Mas nem o Largo da Batata nem o Tempelhof são exatamente isso, o baldio. O Largo da Batata é um deserto desenhado pelos novos interesses corporativos do lugar e o Tempelhof também está na mira dos interesses imobiliários que vêm pautando as aceleradas vendas dos terrenos públicos de Berlim para construtoras e investidores. São espaços onde se fazem presentes muitos atores 26

27


urbanos – sociedade civil, poder público, mercado imobiliário, entre outros – deixando clara a força do movimento da financeirização da produção da cidade e, por outro lado, também um movimento de resistência a essas pressões do mercado, à imagem limpa e vazia produzida pela transformação urbana. São grandes áreas não edificadas, em transformação, ocupadas por práticas socioespaciais civis, sem mobiliário urbano permanente ou equipamentos de esporte e lazer que tiveram seu uso comum ativado pelo uso dos cidadãos, que por sua vez os reclamam como espaços de liberdade e de teste, tendo traçado seus diferentes caminhos de negociação entre população civil e poder público, exibindo hoje produtos construídos desses processos em andamento. Está claro que a cidade como arena de discussão política e de protagonismo cidadão significa uma mudança de paradigmas urbanos, “em que o projeto urbanístico modernista e progressista falhou, novos modos de compartilhamento nos usos e na produção do espaço ocorrem pouco a pouco” (HARVEY, 2012)19. Assim, é num momento de clara emergência mundial do urbanismo tático que esse trabalho se situa. Um momento em que a busca por participação e engajamento social em projetos de intervenção urbana na escala local é cada vez mais valorizada. O surgimento de muitos coletivos e de grupos organizados da sociedade civil, que se organizam contra a apropriação do bem comum pelo mercado sem que seja garantido o direito à cidade no sentido harveriano, é um fenômeno contemporâneo ainda muito recente e pouco estudado, sendo um processo de mudança que emergiu a partir dos anos 2000, tendo como evidências de mais fácil identificação os movimentos que alcançaram maior escala em termos de tamanho, tempo e divulgação midiática, como as manifestações do Parque Gezi, em 2013 (Istambul) e o Occupy Wall Street, em 2011 (Nova York). A atual onda de movimentos liderados por jovens em todo o mundo, do Cairo a Madri para Santiago – para não falar de uma revolta de rua em Londres, seguido por um movimento “Occupy Wall Street”, que começou em Nova York antes de se espalhar por inúmeras cidades nos EUA e agora por todo o mundo – sugere que há algo político no ar da cidade lutando para ser expressado. (HARVEY, 2012)

28

REFERÊNCIAS An Arkitektur. On the Commons: a public interview with Massimo De Angelis and Stavros Stavrides, in e-flux journal 17, 2010. CATALYST. Urban. Urban Pioneers: temporary use and urban development in Berlin. Berlin: Senate Department for Urban Development. 2007. BOUFLEUR, Rodrigo. Fundamentos da gambiarra: a improvisação utilitária contemporânea e seu contexto socioeconômico. Tese de doutorado, FAUUSP, 2013. FERGUSON, Francesca. Make_Shift City: renegotiating the urban commons. Jovis Verlag. Berlim. 2014. GADANHO, Pedro (org). Uneven Growth: tactical urbanisms for expanding megacities. 2014. GEHL, Jan. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014. HARVEY, David. Cities for All: proposals and experiences towards the right to the city, Habitat International Coalition (HIC), 2010. ______. Rebel Cities: From the Right to the City to the Urban Revolution. New York: Verso 2012. LEFEBVRE, Henri. The Production of Space. 1991. ______. O Direito à Cidade, Centauro, 2001 LYDON, Mike. Tactical Urbanism: short-term action for long-term change. 2015. MONTANER, J.; MUXÍ, Z. Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos. São Paulo: GG Brasil, 2014. NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Commonwealth. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2009. ORTENBLAD, GUILHERME. Como Fazer Ocupações Regulares no Espaço Público, de A Batata Precisa de Você. http://largodabatata.com.br/publicacao/. Acesso em: 25/04/2016 ROSA, Marcos L. (org.) Micro planning. Urban creative practices. Brazil/ Germany In: Humboldt magazine, 2011. ______. WEILAND, Ute. Handmade Urbanism. Berlin: Jovi, 2013. SOLÁ-MORALES, Ignasi de. Territorios. 2002

29


Tempelhof Park Regeneration. In: http://agile-city.com/community-project/ tempelhof-park-berlin/ . Acesso: 25/4/2016.

12 FERGUSON, Francesca. Make_Shift City. Renegotiating the Urban Commons. Jovis Verlag. Berlim. 2014.

WISNIK, Guilherme. Ponto Crítico - Urbanismo - Largo da Batata. São Paulo: Jornal Folha de S. Paulo, caderno Ilustríssima, 12 abr. 2015.

13 Tempelhof Park Regeneration. In: http://agile-city.com/communityproject/tempelhof-park-berlin/ Acesso: 25/4/2016. 14 Entrevista retirada de https://www.kth.se/blogs/sustainable-builtenvironment/2015/11/diy-urbanism-from-a-global-perspective/. Acesso: 25/04/2016. 15 Tempelhof Park Regeneration. In: http://agile-city.com/communityproject/tempelhof-park-berlin/ Acesso: 25/4/2016.

Notas 1 “As práticas urbanas criativas organizam lugares para o encontro – pontos de contato que resistem à desertificação de espaços coletivos de qualidade” (ROSA, 2011). 2 DAMIANI, Amelia Luisa. Mesa de abertura do Seminário Internacional Cidades Rebeldes organizado pela Boitempo Editorial e SESC São Paulo no Sesc Pinheiros em Junho de 2015. 3

LEFEBVRE, Henri, The Production of Space. 1991.

16 Tempelhof Park Regeneration. In: http://agile-city.com/communityproject/tempelhof-park-berlin/ Acesso: 25/4/2016. 17 WISNIK, Guilherme. Ponto Crítico - Urbanismo - Largo da Batata. São Paulo: Jornal Folha de S. Paulo, caderno Ilustríssima, 12 abr. 2015. 18

SOLÁ-MORALES, Ignasi de. Territorios. 2002.

19 HARVEY, David. Rebel Cities: From the Right to the City to the Urban Revolution. New York: Verso 2012.

4 Neste artigo, os cidadãos que se engajam em tais práticas socioespaciais vão ser referidos como pioneiros urbanos, ou pioneiros espaciais, como faz o Urban Catalyst no livro Urban Pioneers - Temporary Use and Urban Development in Berlin, de 2007. 5 LYDON, Mike. Tactical Urbanism: Short-term Action for Long-term Change. 2015. 6

LEFREVE, Henri. O Direito à Cidade, Centauro, 2001.

7 An Arkitektur. On the Commons: A Public Interview with Massimo De Angelis and Stavros Stavrides, in e-flux journal 17, 2010. 8 ONU HABITAT. The “Global Public Space Toolkit”. 2014. Disponível em: <http://www.urbangateway.org/sites/default/ugfiles/Global_Toolkit_for_ Public_Space.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2015. 9

RAUMLABOR. Acting in Public. Berlin: Jovis Verlag. 2008.

10 CATALYSTS. Urban. Urban Pioneers - Temporary Use and Urban Development in Berlin. 2007. 11 Casos presentes no livro CATALYSTS. Urban. Urban Pioneers Temporary Use and Urban Development in Berlin. 2007.

30

31


OS SISTEMAS DE ESPAÇOS LIVRES E A URBANIDADE: UM ESTUDO SOBRE AS FORMAS DE OCUPAÇÃO DOS ESPAÇOS LIVRES NA CIDADE DE NATAL

Verônica Maria Fernandes de Lima Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal, RN

Viviane Gomes Medeiros Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal, RN

Atualmente a crise ambiental é uma preocupação constante para todos, levando a uma grande procura por maior eficiência energética e por novas formas de circulação, moradia e lazer nas cidades. Além disso, o processo de produção do espaço urbano vem transformando as paisagens das cidades ao longo dos anos e, na maioria das vezes, essas mudanças ocorrem de forma desenfreada e descontrolada, sem o respaldo de estudos de Planejamento Urbano, podendo refletir negativamente na qualidade de vida das pessoas. Ocorrem frequentemente verdadeiras mutilações na fisionomia das cidades, quando vários espaços são degradados pela ação do homem sem o controle do Estado, resultando na criação de lixões a céu aberto ou no abandono de espaços livres públicos (tanto pelo Estado quanto pela população) que acabam não cumprindo a função social da propriedade. Os espaços livres, aqueles que representam “respiros” em meio à massa construída, são o maior e mais fácil alvo dessas ocupações desordenadas. Muitos são vistos apenas como terrenos remanescentes do processo de expansão urbana, à disposição da indústria da construção civil, enquanto poderiam estar desempenhando funções relacionadas à recreação, sociabilidade e/ou à drenagem urbana. Os sistemas de espaços livres públicos, fortemente representados pelas áreas verdes, têm grande importância para a melhoria da qualidade de vida urbana, tendo-se como principais benefícios a 32

recuperação de áreas degradadas, a renovação de áreas subutilizadas, a conservação e restauração dos recursos naturais, a prestação de serviços ambientais – principalmente a amenização da poluição e das temperaturas, proporcionando um maior conforto ambiental – e a eficiência para drenagem de águas, além da prestação de serviços de saúde pública em áreas adequadas. A soma desses fatores gera a demanda para que sejam feitas análises das relações entre o ambiente construído e as áreas livres ainda existentes, bem como pensadas propostas de ações sobre esses espaços livres em busca de sua requalificação. A pesquisa intitulada “Os sistemas de espaços livres públicos e a urbanidade: um diagnóstico da situação dos espaços livres na cidade de Natal” tem como objetivo principal estudar esses espaços de uma amostra significativa da cidade, observando-os como sistema, ao invés de estudá-los como componentes isolados. A partir da metodologia desenvolvida pela autora Raquel Tardin (2008), foram avaliadas as características físico-espaciais de cada terreno estudado, considerando os seguintes elementos: atributos do suporte biofísico (cobertura vegetal, hidrologia e declividade); atributos perceptivos (elementos e fundos cênicos e marcos históricos); as possibilidades de acesso (acessibilidade); e os vínculos de planejamentos existentes. Essa análise foi feita através de observação direta in loco, cujos dados foram registrados através de um diário de campo, de levantamento fotográfico e de mapeamento das informações. Com relação aos vínculos com o planejamento da cidade, foram estudadas quais restrições incidem sobre cada terreno, tendo-se como base o Plano Diretor de Natal (Lei Complementar Nº 082, de 21 de junho de 2007). Com a análise, buscou-se entender quais as condições físicas dos espaços encontrados, como são acondicionados, qual o estado de preservação em que se encontram e como se conectam. A produção de mapas foi feita através do software de Sistemas de Informação Geográfica, para espacializar as informações coletadas, o que facilitou a leitura dos dados, além de possibilitar a composição de um banco de dados unificado, que serve como base para elaboração de diagnósticos e propostas de ocupação e proteção desses espaços. Trabalhou-se, na pesquisa citada, com uma amostra constituída por 505 espaços livres distribuídos nos bairros de Nossa Senhora 33


da Apresentação, Santos Reis, Rocas, Ribeira, Praia do Meio, Areia Preta, Mãe Luíza, Tirol, Barro Vermelho, Lagoa Seca, Lagoa Nova, Nova Descoberta, Nossa Senhora do Nazaré, Candelária, Capim Macio e Ponta Negra, todos divididos em sete macroáreas de estudo, localizadas predominantemente nas regiões administrativas Leste e Sul, mas também nas regiões Oeste e Norte. Com as primeiras análises, pode-se inferir que é evidente a necessidade de se repensar os espaços livres existentes, pois é alto o índice de abandono nessas áreas e também o descaso do poder público, que falha tanto na democratização da informação para os cidadãos quanto em ofertar ferramentas de proteção para que o interesse privado não prevaleça sobre o interesse público, gerando ociosidade no território urbano. O presente artigo tem o objetivo de refletir sobre: Qual o futuro desses espaços? Quais ocupar com edificações? Quais manter livres? Quais funções destinar? Como conectá-los? De acordo com Tardin, a recomendação de quais peças ocupar e quais não, além dos graus de urbanização adequados a cada trecho de espaço livre, tem como objetivo proporcionar indicadores de intervenção no território que se baseiam nas vantagens que pode representar a preservação do meio, ao se propor uma atuação mais responsável do que a ocupação aleatória, expansiva e especulativa” (TARDIN, 2008, p.189).

Diante da quantidade de espaços livres levantados, e para aprofundar uma área dentro do universo da pesquisa, foi necessário fazer um novo recorte. Foram eliminados os terrenos que, pelo seu tipo e características, não teriam tendência a contribuir de forma significativa para a construção de um sistema de espaços livres públicos na área. Dessa forma, foram eliminadas as seguintes categorias tipológicas: os canteiros; becos; cemitérios; lotes que foram edificados depois do levantamento; espaços residuais de loteamentos; heliportos; lotes que estão sendo ocupados com construções novas; passeios; rotatórias; vias projetadas; largo; quebra-mar, etc. Dentro dos remanescentes, também se excluiu os lotes com área menor do que 450 m².

34

Foram também eliminados, por uma questão de recorte espacial e possibilidade de representação cartográfica com certa visibilidade, os espaços livres encontrados na Zona Norte da cidade. Assim, foi delimitada, como área de análise, o entorno dos maiores parques da cidade: O Parque das Dunas e o Parque Dom Nivaldo Monte (conhecido como Parque da Cidade). A partir do novo recorte, foram reavaliados 147 espaços livres, cuja área predominante é de 450 a 2.500m², existindo alguns de maior porte, com mais de 20.000 m², representados pela orla marítima, parques, bosques e ZPAS. As áreas non aedificandi localizadas na borda da Engenheiro Roberto Freire também foram incluídas devido à importância delas na defesa da paisagem da praia de Ponta Negra, cartão postal da cidade de Natal. Depois da seleção dos espaços, procedeu-se a sua classificação, segundo seu grau de potencial para a contribuição na melhoria da urbanidade da cidade: foram classificados, então, como espaçosâncora, espaços de referência e demais espaços livres. Os espaços-âncora são considerados espaços-chave do sistema, que devem ser preservados tendo um elevado grau de importância para um território abrangente. Segundo Tardin, são aqueles que possuem fortes atributos biofísicos (presença de áreas vegetadas, inclinação favorável, etc.) e/ou que também possuem “uma notável significação visual, embora possam apresentar distintos graus de acessibilidade” (Tardin, 2008, p. 175). Os chamados espaços-referência são aqueles que podem desempenhar distintas funções no sistema, seja de proteção até de ocupação, dependendo da conveniência e de acordo com as relações que se estabeleçam entre os referidos espaços e seu entorno imediato. Os demais espaços livres são aqueles sem atributos biofísicos e perceptivos relevantes; são espaços com alta probabilidade de serem ocupados para outros usos nas cidades. Por fim, para concluir o texto, serão apresentadas diretrizes de ocupação dessas peças importantes no sistema urbano, de forma que se proporcione uma melhor qualidade de vida na cidade.

35


O QUE SÃO ESPAÇOS LIVRES E QUAL A SUA IMPORTÂNCIA PARA A CIDADE? Os espaços livres são definidos por Carneiro e Mesquita (2000, p. 24), como, áreas parcialmente edificadas com nula ou mínima proporção de elementos construídos e/ou vegetação – avenidas, ruas, passeios, vielas, pátios, largos, etc. – ou com presença efetiva de vegetação – parques, praças, jardins, etc. – com funções primordiais de circulação, recreação, composição paisagística e de equilíbrio ambiental, além de tornarem viável a distribuição e execução dos serviços públicos, em geral. [...] São ainda denominados espaços livres, áreas incluídas na malha urbana ocupadas por maciços arbóreos cultivados, representados pelos quintais residenciais, como também pelas atuais áreas de condomínio fechado; áreas remanescentes de ecossistemas primitivos – matas, manguezais, lagoas, restingas, etc. – além de praias fluviais e marítimas.

Com relação às funções desempenhadas pelos espaços livres no complexo sistema urbano, pode-se citar seu emprego na circulação, na percepção da paisagem e dos volumes edificados, como artifício para a interiorização do ar e da luz nas edificações, na estruturação da morfologia urbana, na proteção de recursos naturais e culturais, ou ainda, serem destinados para práticas recreativas. Esses lugares têm ainda uma função fundamental: ser espaço de criação e congraçamento, local de possibilidades para o coletivo, onde ocorrem atividades e trocas sociais, tais como: manifestações populares; festas; comemorações; protestos; comércio informal; enfim, usos e apropriações diversas. Por suas diversas funções e potencial para atrair muitas pessoas, esses espaços apresentam lugar de destaque na paisagem da cidade. João Chaddad (2000) afirma que o papel subjetivo do verde inserido no meio urbano está fortemente associado à qualidade de vida e que, à proporção que são criadas novas áreas verdes de uso público, pode-se qualificar a vida urbana e melhorar o nível de integração de uma comunidade. 36

Os espaços livres podem ser classificados como locais de circulação ou como locais de permanência e socialização (Lamas, 2004). Os espaços de circulação são essencialmente as ruas, becos, vielas, passeios, ou seja, aqueles cuja função é a de promover a mobilidade de pessoas ou veículos. Os espaços de permanência são aqueles cuja função é definida por ações e comportamentos que requerem ancoragem no espaço, tais como: brincar, descansar, jogar, se encontrar, etc. Esses são representados pelas praças, parques, jardins, etc. Carneiro e Mesquita (2000) adicionam uma categoria a esta classificação: os espaços de equilíbrio ambiental. Estes são predominantemente vegetados e cumprem “a função de elevar a qualidade ambiental e visual das cidades, ajudando a melhorar as condições higiênicas e de saúde pública” (p.26). Os espaços que podem cumprir com esta atribuição podem ser as reservas ecológicas e as unidades de conservação, que geralmente são porções territoriais generosas – mas também as praças e bosques. “A contribuição ambiental das áreas permeáveis e vegetadas de uma cidade, por exemplo, se constituem em importante serviço ambiental urbano, ainda que não necessariamente estejam conectados fisicamente” (Queiroga, et al., 2011, p, 13). No presente artigo os espaços livres são considerados como um sistema, ou seja, “os elementos e as relações que organizam e estruturam o conjunto de todos os espaços livres de um determinado recorte urbano” (Queiroga, et al., 2011, p. 12-13). Esse sistema contém todos os espaços livres urbanos existentes num determinado recorte da cidade, qualquer que seja sua dimensão, função, localização e propriedade. Enfatiza-se a importância de se ver esses espaços como sistema, pois “a localização, a acessibilidade e a distribuição dos ELs constituem um complexo de conexões com múltiplos papéis urbanos” (Macedo et al., 2011, p.3), tais como: “ [...] atividades do ócio, circulação urbana, conforto, conservação e requalificação ambiental, drenagem urbana, imaginário e memória urbana, lazer e recreação, dentre outros” (Macedo et al., 2009, p.5). Os espaços livres podem ser observados como lugar da natureza, lugar da percepção e como possível lugar de ocupação urbana. Com relação à natureza, podem-se destacar as questões relacionadas às 37


qualidades ecológicas do território, “nesse sentido, os elementos biofísicos materializam o resultado, positivo ou negativo, das causas e das consequências entre os processos naturais e artificiais que se desenvolvem em um local, o que pode envolver a vegetação, a água, a estrutura do solo, o clima, etc.” (Tardin, 2008, p. 45). Com relação às questões perceptivas, os espaços livres são responsáveis pela visibilidade do território, proporcionando as relações entre o ambiente construído, os demais elementos constituintes da cidade e os seus moradores e usuários, a partir das quais é construída uma imagem do lugar. Os espaços livres têm grande probabilidade de transformação no processo de construção da paisagem. Conformam o componente mais flexível da estrutura do território, seja funcional ou espacialmente. São também os lugares mais frágeis e um dos mais promissores tendo em conta a possibilidade de reestruturação do território, já que podem assumir algumas importantes funções, por exemplo, como lugar dos ecossistemas, da percepção da paisagem e como possível lugar para o futuro da ocupação urbana (Tardin, 2008, p. 44).

CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS ESPAÇOS LIVRES DA CIDADE DE NATAL A cidade de Natal é a capital do estado do Rio Grande do Norte, situa-se na Região Nordeste do Brasil e possui aproximadamente 850.000 habitantes. A cidade tem como uma de suas principais atividades econômicas o turismo voltado para natureza, também chamado de turismo de “sol e mar”, favorecido pelas belas paisagens litorâneas do estado e pelo clima favorável na maior parte do ano. Apesar disso, grande parte dos espaços livres da cidade encontrase em estado de abandono ou mal acondicionada, como se constatou na pesquisa que deu origem ao presente artigo. Como foi visto, na pesquisa como um todo, trabalhou-se com uma amostra constituída por 505 espaços livres distribuídos em dezesseis bairros das diversas regiões administrativas da cidade (Figura 1).

Figura 1: Localização dos espaços livres levantados na cidade de Natal. Fonte: Autores, 2016.

Conforme foi visto, como lugar de expansão e ocupação urbana, os espaços livres representam o locus da oportunidade de reestruturação do território (Tardin, 2008), por isso, é tão importante refletir sobre o futuro daqueles que ainda restam nas cidades. Dessa forma, é importante levantar as seguintes questões: Quais ocupar? Como ocupá-los? Quais preservar?

38

39


Tabela 1: Classificação dos espaços livres segundo tipo e área. Fonte: Autores, 2015.

40

Com relação à categoria desses espaços (ver Tabela 1), sabese que cerca de 47% são lotes não construídos, espaços muitas vezes murados e malcuidados, deixados à mercê da especulação imobiliária. Apesar de a porcentagem representar quase metade do total da quantidade de espaços livres, é importante perceber que a área em metros quadrados representa aproximadamente 1% das áreas dos espaços livres somadas. Sabe-se ainda que 12% são praças e que aproximadamente a mesma quantidade caracteriza-se como área verde não acondicionada, categoria criada para englobar aqueles espaços que possuem estruturação básica (como o passeio no perímetro, por exemplo), e muitas vezes demonstram vestígios de utilização ocasional, ainda que não ofereçam comodidades como mobiliário urbano ou um design adequado para a sua utilização.

Aproximadamente 7% desse total são espaços de apoio ao sistema viário, como canteiros e rotatórias. As lagoas de captação representam apenas 1% do total, enquanto as Zonas de Proteção Ambiental (ZPA) possuem grande expressividade, visto que, ao mesmo tempo em que simbolizam menos de 2% do total em quantidade, somam 97% do total em área, ainda que nem todas as ZPAs sejam regulamentadas e tenham o seu território devidamente protegido ou disponibilizado (tanto quanto possível) para o uso público. Vale dizer ainda que aproximadamente 3,5% do total é utilizado como estacionamento. Com uma porcentagem menor, destacam-se os espaços livres destinados ao uso esportivo (campos de futebol, quadras poliesportivas), representando cerca de 2% do total, espaços residuais ou sem função definida (1,2%). É importante notar que, do momento do levantamento até os dias atuais, quando foi finalizada a etapa de georreferenciamento (um intervalo de menos de quatro anos), cerca de 5% dos espaços livres foram ocupados, em sua maioria, por edificações destinadas ao uso privativo. De maneira geral, observou-se que em aproximadamente 65% dos espaços livres do bairro de Ponta Negra há uma relação direta com a praia de mesmo nome e com o Morro do Careca, sendo ressaltados como elementos de forte poder imagético pela cidade como um todo. Por outro lado, na comunidade de Vale Dourado, as áreas analisadas, em geral, têm como fundo cênico residências simples. Já em Mãe Luíza, apesar de o fundo cênico ser similar a Vale Dourado, têm-se o Parque das Dunas como importante elemento na paisagem. Os espaços de Capim Macio, Areia Preta e Praia do Meio em sua maioria são terrenos privados com grande potencial de construção futura devido à especulação imobiliária existente no local. São áreas também com a constante presença de residência em seu entorno, ao contrário das comunidades de Vale Dourado e de Mãe Luíza. Aquelas são áreas de médio a alto poder aquisitivo, sendo assim, possuem residências mais elaboradas e com melhor nível de acabamento. É importante colocar que muitos desses espaços encontram-se abandonados – incluindo aqueles que já estariam estabelecidos, como as praças, as quais se apresentam sem manutenção, equipamentos ou mobiliário, muitas vezes com a presença de acúmulo de lixo ou abrigando atividades marginalizadas, gerando espaços livres malcuidados, mal conectados entre si, não acondicionados, ou apenas deixados à mercê da especulação imobiliária. 41


ESPAÇOS LIVRES ESCOLHIDOS PARA ANÁLISE DE ACORDO COM O SEU POTENCIAL DE CONTRIBUIÇÃO PARA A URBANIDADE DA CIDADE

Figura 2: Localização dos espaços livres analisados. Fonte: Autores, 2016.

Como já citado, foi necessário fazer um recorte na amostragem de espaços levantados para a produção deste artigo. A seleção resultou, então, em 147 espaços escolhidos para serem analisados mais profundamente e classificados. A sua distribuição pode ser vista na Figura 2.

Pode-se perceber que os espaços estudados se encontram entre as zonas de proteção ambiental existentes na cidade, sendo a maioria no entorno da Zona de Proteção Ambiental 02 (ZPA 02), o Parque das Dunas. A maioria desses espaços tem mais de 450m², tendo apenas algumas praças com área inferior a esta área. Estas representam a maioria dos espaços em quantidade, sendo 43,5% do total dos 147 espaços livres selecionados. Em seguida, as áreas verdes não acondicionadas representam aproximadamente 35,3% do total. Já as ZPAs são apenas 6%, apenas com a ressalva feita anteriormente de que suas áreas são maiores do que as dos outros espaços livres somados, como pode ser visto na Tabela 2. Além das tipologias já citadas, tem-se o fato de que as áreas non aedificandi representam aproximadamente 5,45% dos espaços livres selecionados, enquanto as tipologias de Canal, Lagoa de captação e Orla marítima situamse entre 2 e 4% do total e somente as categorias de Largo e Parque possuem representações menores do que 1%.

Tabela 2: Classificação e área dos espaços livres analisados. Fonte: Autores, 2016.

Esses espaços foram classificados de acordo com os seus atributos (físicos e perceptuais) e de acordo com a conservação dos recursos existentes no sistema. Essa classificação resultou em 26 espaços-âncora, 97 espaços de referência e 24 classificados como demais espaços livres cuja distribuição pode ser vista na Figura 3. A seguir, serão tecidos comentários sobre os espaços-âncora e sobre os espaços-referência e serão apresentadas propostas de uso e ocupação para tais. 42

43


OS ESPAÇOS-ÂNCORA E PROPOSTAS PARA SUAS FORMAS DE USO E OCUPAÇÃO

Figura 3: Classificação final dos espaços livres analisados. Fonte: Autores, 2016.

44

Os espaços mais significativos selecionados da amostragem levantada são 26 espaços-âncora que se caracterizam como Zonas de Proteção Ambiental, Áreas non aedificandi, orla marítima, parque, largo e algumas áreas verdes não acondicionadas, principalmente por seu potencial de contribuição para a infraestrutura da cidade como um todo. Os maiores são as dez Zonas de Proteção Ambiental (ver Figura 4), definidas como “áreas nas quais as características do meio físico, restringem o uso e ocupação do solo urbano, visando à proteção, manutenção e recuperação dos aspectos paisagísticos, históricos, arqueológicos e científicos” (SEMURB, 2008). Segundo relatório da UFRN (2011, p.4), o conjunto das ZPAs ocupa uma superfície de quase 6.200 hectares, correspondendo a quase 37% da área total do município. Por serem áreas de ocupação diferenciada, todas deveriam possuir prescrições urbanísticas próprias, no entanto as únicas que possuem regulamentação própria são as ZPAs 01, 02, 03, 04 e 05. A ZPA 01 consiste no campo dunar dos bairros de Pitimbu, Candelária e Cidade Nova, e foi regulamentada pela Lei Municipal nº 4.664, de julho de 1995. Compreende o Parque da Cidade e é a “principal área de recarga do aquífero subterrâneo, que garante a demanda de água potável da cidade, além da proteção de fauna e flora. [...] pela diversidade de sua flora, fauna e beleza naturais, constitui importante unidade de conservação destinadas a fins educativos, recreativos culturais e científicos” (PREFEITURA DO NATAL, 2008). De acordo com o documento de zoneamento ambiental de Natal (PREFEITURA DO NATAL, 2008), possui 52% de sua área composta por vegetação nativa, compreendendo um conjunto de aproximadamente duzentas espécies. A ZPA 02 consiste no Parque Estadual das Dunas de Natal e área de Tabuleiro Litorâneo adjacente ao parque. De acordo com relatório da SEARH, a cobertura vegetal do Parque das Dunas é representada, em sua maior parte, pela mata de duna litorânea, caracterizada por espécies herbáceas, arbustivas e arbóreas. Nela predominam espécies peculiares da mata atlântica, além de algumas espécies de caatinga e tabuleiro. A flora reúne mais de 270 espécies arbóreas distintas e 78 famílias, representada por mais de 350 45


espécies nativas. Seu zoneamento conta com áreas restritas e áreas públicas, a exemplo do Bosque dos Namorados, amplamente utilizado para recreação e atividades de lazer em geral. A ZPA 03 consiste na área entre o Rio Pitimbu e a Avenida dos Caiapós, englobando parte da bacia hidrográfica do Rio Pitimbu, com solo fértil nas margens, caracterizadas por feições de terraços vertentes com dunas sobrepostas. Dentre outras funções, destaca-se o suprimento de água doce para a Lagoa do Jiqui. Seu zoneamento limita a sua utilização em algumas subzonas, principalmente no que diz respeito ao uso industrial, agrícola, de recreação ou lazer. A ZPA 04 engloba o campo dunar dos bairros Guarapes e Planalto, cordões de dunas de relevante beleza cênico-paisagística da cidade devido ao contraste de relevo com o tabuleiro costeiro e o estuário do Rio Potengi. Tem importância de minimização de escoamento pluvial. Ecossistemas de dunas fixas e lagoas do bairro de Ponta Negra formam a ZPA 05, com o desenvolvimento de vegetação com espécies predominantes de formação de tabuleiro litorâneo e espécies da Mata Atlântica. É também uma das principais áreas de recarga de aquífero (águas subterrâneas). Já a ZPA 06 é composta pelo Morro do Careca – um dos principais cartões postais de Natal – e por dunas fixas contínuas. De acordo com relatório da UFRN sobre a ZPA 6, salienta-se ainda que o caráter monumental de suas dimensões e características do meio natural que conserva lhes confere uma importância territorial e ambiental singular não apenas para o bairro que o abriga, mas também para os municípios de Natal e Parnamirim na totalidade de seus territórios, assim como no contexto da proteção do patrimônio cultural em âmbitos estadual e nacional, evidenciando cenários únicos na paisagem metropolitana [...] que acabam interferindo, inclusive, na definição das prescrições urbanísticas [...] das áreas urbanizadas localizadas no seu entorno imediato e adjacências (UFRN, 2011, p.6).

A ZPA 7 é uma área de relevante valor artístico arquitetônico, cultural, turístico e histórico, onde se encontra a Fortaleza dos Reis Magos e seu entorno, e é importante salientar que é tombada como 46

Figura 4: Visão geral das Zonas de Proteção Ambiental de Natal. Fonte: Google Maps / Acervo de Canindé Soares, disponível em: <http://canindesoares.com/imagens-do-rn>.

47


Patrimônio Histórico Nacional. “O sítio físico delimitado por essa ZPA [...] abriga um conjunto diversificado de unidades morfológicas do ponto de vista ambiental e urbanístico, as quais expressam os valores cênico-paisagísticos e histórico-sociais específicos do lugar” (UFRN, 2010, p.2-3). Apesar do pouco tamanho com relação às demais, esta ZPA envolve, “do ponto de vista ambiental, uma variedade considerável de ambientes e, por consequência, de ecossistemas” (UFRN, 2010, p.8), e localiza-se em um terreno sem muitas elevações. A ZPA 8 se compõe do Ecossistema Manguezal e do Estuário do Potengi/Jundiaí, que são de grande importância ambiental e socioeconômica para a cidade, por ser fonte de alimentação e local de reprodução das espécies da fauna marinha, refúgio natural de peixes e crustáceos, como também de fonte de sobrevivência para as populações ribeirinhas. O Ecossistema de Lagoas e dunas ao longo do Rio Doce formam a ZPA 9, ambiental de potencial paisagístico e turístico, que além de funcionar como recarga do aquífero, também é importantíssimo para as atividades agrícolas que se desenvolvem no entorno. Finalizando o conjunto de Zonas de Proteção, tem-se a ZPA 10, que compreende o Farol de Mãe Luiza e seu entorno, abrangendo encostas dunares de valor cênico-paisagístico, histórico, cultural e de lazer. Outra área de grande significação para a cidade como um todo é o conjunto de lotes non aedificandi (Figura 5) que se situam no bairro de Ponta Negra, em uma região onde a pressão por ocupação é imensa devido às visuais proporcionadas para a Praia de Ponta Negra, além de ser um bairro conhecido pelo turismo. Tratam-se de áreas em disposição linear ligadas diretamente a uma via de grande movimento e extensão territorial (Avenida Engenheiro Roberto Freire). Esta parte do bairro se localiza em área de grande declividade, e é conhecido que a diferença de nível da principal via (supracitada, que margeia os lotes em questão) e a orla marítima chega a 20 metros. Os lotes não são muito arborizados, apresentando mais vegetação rasteira. Vale salientar também que a área já foi alvo de ocupação não regulamentada diversas vezes. O espaço caracterizado como parque é a Cidade da Criança, local de função majoritariamente de lazer, voltado para o público infantil. Recentemente reaberto para o uso público, depois de um longo período

48

de abandono, abriga uma lagoa no centro de seu território e possui vegetação arbórea em toda a sua extensão. Já a orla marítima é o espaço público por excelência não só da cidade, mas de grande atratividade em nível regional, demonstrando ocupação intensa e contínua. De maneira geral, as orlas marítimas estudadas apresentam grande declividade em suas vias de acesso e se localizam próximas às vias de elevado alcance territorial. Possuem grande significação visual e são protegidas por legislação específica (Zonas Especiais de Interesse Turístico). Além dos citados, três áreas verdes não acondicionadas foram classificadas como espaços-âncora. Duas delas se situam no bairro de Capim Macio e são adjacentes entre si, constituindo grande área com extensa cobertura vegetal, declividade baixa e de fácil acesso. O último espaço é um lote de grandes proporções (aproximadamente 11.000 m²) no bairro de Ponta Negra, de posicionamento central em relação ao bairro, com diversos extratos arbóreos, declividade baixa e de fácil acesso também. Os usos e ocupação propostos para os espaços-âncora estão apresentados no Quadro 1.

Figura 5: Vista das áreas non aedificandi. Fonte: Jornal Tribuna do Norte. Disponível em <http://www. tribunadonorte.com. br/noticia/autuacoeschegam-a-45desde-2004/259309>.

49


ESPAÇOS LIVRES ÂNCORA

CARACTERÍSTICAS PREDOMINANTES Variedade ecológica1

Fragilidade e necessidade de proteção ambiental2

Valor histórico3

Atributos perceptivos marcantes4

Função no sistema hídrico municipal5

USO SUGERIDO Espaços voltados para pesquisa,

ZPA 01

educação ambiental e lazer Criação de trilhas sustentáveis através de transportes não

ZPA 02

motorizados para agregar à mobilidade da cidade Formar cinturão verde na borda da

ZPA 03

cidade para valorizar as funções

OS ESPAÇOS-REFERÊNCIA E PROPOSTAS PARA SUAS FORMAS DE USO E OCUPAÇÃO São aqueles que apresentam potencial para contribuir com os sistemas de espaços livres da cidade com usos diversos. Dos 147 analisados, 97 foram classificados como espaços-referência, dentre os quais existem praças abandonadas ou não, lagoas de captação de águas pluviais, áreas verdes não acondicionadas, canais, terreno murados e/ou cercados ou não, etc. No Quadro 2 abaixo, apresentamse o tipo desses espaços e as propostas de uso e ocupação para eles.

ecológicas existentes Criação de trilhas sustentáveis/

ZPA 04

Arvorismo Criação de trilhas sustentáveis/

ZPA 05

TIPO (QUANTIDADE) Praças (59)

Manutenção e inserção de mobiliário urbano quando necessário (59)

Terrenos (15)

Praças locais (6) Área de esportes e lazer (5) Bosque (1) Área verde de lazer (1) Lagoa de captação de águas com bordas urbanizadas (1) Praça com mirante (1)

Área verde não acondicionada (14)

Pracinhas locais (9) Praça linear (1) Área verde (1) Áreas de esporte e lazer (2) Área de lazer, turismo (1)

Lagoa de Captação (4)

Lagoa de captação de águas com bordas trabalhadas para caminhada e lazer ou praça d’água (4)

Canal (3)

Urbanização do canal com bordas trabalhadas para caminhada e lazer (3)

Área destinada à coleta de águas pluviais (1)

Lagoa de captação de águas com bordas trabalhadas para caminhada e lazer ou praça d’água (1)

Arvorismo Criação de mirantes e liberação da vista através de uma

ZPA 06

regulamentação mais rígida para proteger o direito à paisagem

ZPA 07

Revitalização do museu Atividades educativas e

ZPA 08

regulamentação mais rígida para proteção da fauna e flora Espaços voltados para educação

ZPA 09

ambiental e horta urbana Criação de mirante e espaços

ZPA 10

voltados para pesquisa, educação ambiental e lazer Parque linear com função de lazer e

Áreas non aedificandi

apoio à infraestrutura de transporte público Melhoria na infraestrutura e

Orla marítima

regulamentação ambiental para frear o turismo que degrada

Área verde nãoacondicionada de Ponta Negra

Criação de praça com múltiplos usos

Área verde nãoacondicionada de Capim Macio

Criação de praça com múltiplos usos

LEGENDA

50

Em cinza, as características predominantes de cada espaço livre.

Quadro 1: Características principais, usos e ocupação propostos para os espaços-âncora.

PROPOSTA DE USO E OCUPAÇÃO (QUANTIDADE)

Para todas as praças bem acondicionadas, propõe-se manutenção e, em alguns casos, inserção de novo mobiliário. Para as praças abandonadas, propõe-se revitalização, manutenção e inserção de novo mobiliário.

Quadro 2: Usos e ocupação propostos para os espaçosreferência.

51


Dos quinze terrenos selecionados, propõem-se seis praças locais, cinco áreas de esporte e lazer, um bosque, uma área verde de lazer, uma lagoa de captação urbanizada e uma praça com mirante. Das quatorze áreas verdes não acondicionadas, propõe-se a inserção de nove pracinhas locais; uma praça linear, uma área verde, duas áreas de esporte e lazer e uma área de lazer voltada para o turismo. Propõe-se também que as quatro lagoas de captação de águas sejam urbanizadas, tendo as suas bordas trabalhadas para caminhada e equipando-as com mobiliário urbano ou, ainda, que algumas delas sejam transformadas em praças d’água (de acordo com estudos mais aprofundados). Os três canais também devem ser urbanizados e equipados com mobiliário urbano e, por fim, a única área que não está acondicionada para ser uma lagoa de captação de águas pluviais, mas que funciona como uma, deve ser adaptada para suas funções e ter seu entorno urbanizado. Como foi visto, pensou-se para cada terreno classificado como “âncora” e “referência” uma proposta de uso e ocupação. Mas o que fazer para torná-los um sistema de espaços livres conectados? Quais princípios e ações de projeto adotar? Como manter e desenvolver seus atributos relacionando-os entre si e com seu entorno?

• • • • • • • •

As ações sugeridas são as seguintes: Demarcar: •

DIRETRIZES E AÇÕES PROJETUAIS INDICADAS PARA O SEL DA CIDADE DE NATAL De posse das análises apresentadas e com base nos atributos físicos e perceptivos dos espaços livres estudados, buscou-se aqui delimitar algumas diretrizes gerais para a ordenação do sistema de espaços livres encontrados na cidade de Natal, com o intuito de manutenção e desenvolvimento dos atributos neles encontrados. Além disso, buscou-se relacioná-los entre si e com o seu entorno, como uma possibilidade de uma futura cidade com mais urbanidade. Sugerem-se, então, as seguintes diretrizes projetuais: •

52

criação de espaços articuladores, ou seja, ligação entre peças menores e muito valorizadas com outras do sistema de espaços livres;

requalificação dos espaços que se encontram abandonados; promoção de uma maior relação entre espaços livres e áreas ocupadas; resguardo das áreas de águas (lagoas, rios, canais, etc.); proteção da vegetação mais frágil com barreiras físicas ao crescimento urbano; manutenção dos processos naturais nos espaços livres fortemente vegetados, com o objetivo de preservação da biota; manutenção da visibilidade das características visuais mais significativas das paisagens e das continuidades perceptivas; regulamentação das Zonas de Proteção Ambiental que ainda não tiveram sua legislação aprovada; e limitação da ocupação de todos os espaços livres analisados, de modo que garanta a permeabilidade do solo em congruência com os processos naturais.

Criar uma zona de transição (espaço de sinergia e controle), entre as ZPAs e o seu entorno, como forma de delimitação das áreas que devem ser protegidas e as áreas de ocupação urbana e/ou áreas de expansão urbana; Delimitar as margens dos canais e das lagoas de captação, criando espaços de sinergia e controle, que possam servir também para diversão, caminhadas e contemplação.

Conectar: •

Adaptar as possíveis conexões, trabalhando algumas vias como corredores verdes, regulamentando os passeios e inserindo ciclovias e/ou ciclofaixas para facilitar o acesso dos pedestres e ciclistas a todos os espaços, visto que a área de estudo em questão é completamente urbana e, sendo assim, é inviável criar novos eixos viários centrais para conectar os principais espaços livres encontrados; Juntar duas áreas verdes acondicionadas adjacentes entre si que foram encontradas no bairro de Capim Macio, transformando-as em um espaço-âncora.

53


Acrescentar: •

Inserir hortas urbanas onde for possível nas proximidades das ZPAs, como espaço de sinergia e controle e apoiar as já existentes na ZPA 9; bem como nos espaços livres referência onde esse uso seja possível.

Adequar: •

Acondicionar os espaços livres, terrenos sem qualidades biofísicas, mas com potencial para se tornarem espaços capazes de fomentar a urbanidade e a vivência coletiva. Como exemplo, pode-se citar as áreas non aedificandi da Av. Engenheiro Roberto Freire na praia de Ponta Negra. Tratamse de espaços com elevada qualidade visual (qualidade perceptiva), que devem ser protegidos de uma ocupação urbana desrespeitosa com a paisagem e/ou de sua exploração indevida, seja no entorno ou na sua própria conformação.

Articular: •

Criar pontos de articulação dentro da rede de espaços livres, em busca de melhorar as questões de acessibilidade e de controle da expansão dos tecidos urbanos, criando tanto limites à ocupação urbana como oportunidades de equipálos, fomentando atividades coletivas (espaços para hortas urbanas, festas populares, conselhos comunitários, etc.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Para entender qual o futuro da grande quantidade de espaços livres encontrados na cidade, foi observada a tendência de ocupação desses espaços e o que se pode fazer para evitar sua ocupação com áreas impermeáveis ou totalmente construídas, direcionando-os para uma utilização que possa servir para a coletividade. É fato que há uma total desatenção com relação aos espaços livres na cidade como um todo por parte dos gestores públicos. Esses deveriam agir como promotores da democracia e do incentivo ao investimento bem distribuído, não privilegiando umas áreas em detrimento de outras. Apesar de existirem algumas ferramentas de 54

gestão e proteção desses territórios tão frágeis à ocupação humana que degrada, falta ainda a ação que estrutura e qualifica esses espaços a serem utilizados e reconhecidos como parte importante do território urbano e não só como espaços residuais. Enfatiza-se também que é grande a quantidade de áreas verdes não acondicionadas, espaços com tendências a usos comunitários de lazer, recreação, ou apenas de descanso e contemplação, entre outros usos, mas que, no entanto, não apresentam uma infraestrutura mínima para abrigar as funções citadas. A maioria, mesmo que tenha sido pensada para esses fins, não possui passeios acessíveis nem mobiliário urbano adequado para ser caracterizada como praça ou parque. Esses espaços de propriedade pública necessitavam apenas de um pouco de investimento para se tornarem qualificados, até porque alguns desses espaços demandam apenas mobiliário urbano, vegetação e manutenção para que possam ser apropriados de forma satisfatória. Considera-se aqui essencial entender os espaços livres como protagonistas da estruturação e ordenação do território urbano. Assim, este estudo constitui uma base para se pensar futuras intervenções na cidade que priorizem a relação entre espaços livres e ocupados, dando a devida importância aos primeiros, pois, como foi visto, os espaços livres desempenham funções fundamentais para a qualidade de vida urbana: quer sejam como lugares de respiro na massa construída, quer sejam como promotores de uma vida pública mais saudável, quer sejam como balizadores do crescimento e ordenadores do território. Como questões futuras, pretende-se ainda, em uma próxima fase da pesquisa aqui parcialmente apresentada, levantar outras questões: Como estão os espaços livres analisados com relação à questão fundiária? Quais são os instrumentos urbanísticos que poderão ser utilizados para a proteção dos espaços que apresentam um alto valor biofísico e perceptivo? Como trabalhar as questões de acessibilidade a eles? Além disso, pretende-se criar uma plataforma digital, com suporte a Sistemas de Informação Geográfica (SIG), que permita o acesso público de modo interativo, permitindo que qualquer cidadão tenha acesso aos dados analisados. Isso pode significar o empoderamento dos próprios moradores da cidade; um instrumento de planejamento para os órgãos públicos; ou ainda, uma base de informações para pesquisadores. 55


REFERÊNCIAS CHADDAD, João. Evolução urbana na arquitetura e no paisagismo. In: DEMÉTRIO, Valdemar Antonio; CHADDAD, João; Lima, Ana M. L. P.; CHADDAD JUNIOR, João. Composição paisagística em parques e jardins. Piracicaba: FEALQ, 2000, p. 7-17. LAMAS, José M.R.G. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. MACEDO, Silvio Soares. As ações do poder público na produção de infraestruturas verdes nas cidades brasileiras. In: IFLA World Congress, 46., 2009, Rio de Janeiro.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN). Implicações ambientais e urbanísticas decorrentes das propostas de regulamentação da Zona de Proteção Ambiental 6 (ZPA 6), Município de Natal/RN. Natal: FUNPEC, 2011. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN). Implicações ambientais e urbanísticas decorrentes das propostas de regulamentação da Zona de Proteção Ambiental 7 (ZPA 7), Município de Natal/RN. Natal: FUNPEC, 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL (IBAM). Produto 4 Módulo urbanístico. Natal: Prefeitura do Natal, 2010.

MACEDO, Silvio S. et al. Espaços Livres Públicos nas Cidades Brasileiras. Revista Geográfica de América Central, Costa Rica, Número Especial EGAL, p.1-31, II Semestre 2011. MESQUITA, Liana de Barros; SÁ CARNEIRO, Ana Rita. Espaços Livres do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife; Universidade Federal de Pernambuco, 2000.

Notas 1

Considera-se aqui como diversidade de flora e fauna;

QUEIROGA, E. F. et al. Notas gerais sobre os sistemas de espaços livres da cidade brasileira. In: CAMPOS, A. C. A. et al. (Org.). Sistema de espaços livres: conceitos, conflitos e paisagens. São Paulo: FAUUSP, 2011.

2 Entende-se por locais com ecossistemas degradados ou ameaçados, com fragilidade à ocupação humana;

SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO E DE RECURSOS HUMANOS. Parque das Dunas: Apresentação, 2015. Disponível em: <http://www.parquedasdunas. rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=6393&ACT=&PAGE=0&PARM=& LBL=Apresenta%E7%E3o>. Acesso em: 23 de abr. 2016.

3 Considera-se que todos estes espaços o têm. Porém, queremos destacar aqueles que fizeram parte da história da cidade, sendo citados ou mostrados nos seus momentos de desenvolvimento, para que possamos achar aqueles com maior potencial educativo/cultural;

SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE E URBANISMO. Instrumentos de Ordenamento Urbano. Prefeitura do Natal: Natal, 2009.

4 Engloba uma paisagem de grande valor cênico-paisagístico — ou até mesmo com monumentos — que se destaque;

SECRETARIA DE PLANEJAMENTO. Diretoria de Urbanismo. As Praças que a gente quer. Manual de procedimentos para intervenção em praças. Recife: Prefeitura do Recife, 2002. Zoneamento Ambiental de Natal.

5

Locais que têm função de recarga do aquífero.

SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE E URBANISMO. Natal: Prefeitura do Natal, 2008. TARDIN, Raquel. Espaços livres: sistema e projeto territorial. Rio de Janeiro: 7Letras, 2010. WENG, Q.; QUATTROCHI, D. A. An Introduction to Urban Remote Sensing in Urban Remote Sensing. Taylor & Francis, USA, 2007.

56

57


VITALIDADE URBANA EM PRAÇAS PÚBLICAS: UM DEBATE COM BASE NA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS DE PRAÇAS DE NATAL – RN

Trícia Caroline da Silva Santana Universidade Federal Rural do Semi-Árido - Mossoró, RN

Gleice Azambuja Elali Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal, RN

Importante suporte para a vida em sociedade, os espaços livres públicos atuam de diversas maneiras na cidade, influenciando em sua funcionalidade, conforto e acessibilidade, bem como na interação social de seus habitantes, atuando positivamente para a vitalidade urbana. Para tanto é essencial a existência de um suporte físico adequado, em termos urbanísticos, paisagísticos e arquitetônicos, uma vez que a existência de elementos projetuais organizados de maneira coerente em relação ao seu contexto e público alvo, possibilitam melhor uso e conservação do ambiente. O senso comum e a literatura especializada (ARENDT, 1991; HABEMAS, 1984; JACOBS, 2001; SENNET, 1988) apontam que a partir da segunda metade do século XX assistimos ao colapso da vida coletiva no contexto público, relegando importantes estruturas urbanas ao desuso. Em consequência, muitas práticas sociais que eram características desses espaços foram direcionadas a locais que favorecem maior permanência do usuário por ofertarem mais conforto e segurança, como condomínios fechados, clubes exclusivos, shopping centers e parques temáticos. Ou seja, quanto maiores as possibilidades de vida coletiva e recreativa em âmbito privado, maiores as possibilidades de desvalorização dos espaços públicos. Nesse sentido, Caldeira (2000) comenta que os chamados ‘enclaves fortificados’ direcionados ao consumo, lazer, trabalho, moradia e 58

entretenimento das classes média e alta (como condomínios fechados, shopping centers, centros empresariais e clubes) estão mudando a paisagem das cidades, suas normas de segregação espacial, a natureza de seus espaços públicos e a interação entre diversos estratos sociais. Confirmando essa condição, autores como Gomes (2002), Gehl (2006) e Castello (2004) argumentam que a busca por segurança faz com que atualmente vivenciemos mudanças na utilização dos espaços livres públicos, acarretando o declínio no seu uso enquanto local de permanência, lazer, recreação e sociabilidade. A consequência universal e inelutável desta cruzada para construir a cidade segura é a destruição do espaço público acessível [...] para reduzir o contato com os indesejáveis, as políticas de reconstrução urbana converteram as, por vezes, vitais ruas de pedestres em desaguadouro de circulação e transformaram parques em albergue temporário dos sem-teto (DAVIS, 1993, p. 207).

Por outro lado, ao invés de se debruçarem sobre a crise, outros autores se dedicam a fazer emergir o debate sobre a vitalidade dos espaços públicos, voltando-se para os locais onde ela é encontrada e para o entendimento das condições que favorecem vivências públicas coletivas harmoniosas. Nesse sentido, Gehl e Gemzøe (2002) argumentam que parte do não uso está ligado ao empobrecimento dos projetos dos espaços públicos, que não acompanham as mudanças sociais. Além disso, os autores discorrem sobre fatores que precisam ser trabalhados a fim de que estes ambientes sejam capazes de acolher a vida social coletiva, entre os quais se salienta a importância de restringir o trânsito de veículos e priorizar a ocupação dos espaços pelos pedestres. Voltando-se especificamente para o projeto dos espaços públicos, Yurgel (1983) destaca os danos ocasionados pela adoção de uma abordagem funcionalista pelos planejadores, que muitas vezes “minimizam a importância do lazer como parte das políticas públicas e dos programas de necessidades das intervenções” (p. 18), relegando-o ao aproveitamento de espaços ociosos. Nesse sentido, a autora enfatiza a necessidade do profissional: (a) entender o lazer e a recreação como atividades essenciais ao bem-estar e ao desenvolvimento humano; (b) 59


compreender o espaço público como lócus privilegiado deste lazer, o que eleva o seu planejamento a item essencial na política urbana. Ao ressaltar a importância de um cuidadoso projeto urbano e paisagístico dos espaços públicos, Gehl (2006) indica que a intervenção deveria valorizar o contexto em que se insere, somando a ele aspectos relacionados à adequação funcional, ambiental e estética. De acordo com o pesquisador, se uma praça é utilizada, em horários variados e por um público diversificado quanto a interesses e atividades, é bem provável que a inter-relação entre esses fatores tenha favorecido a vitalidade urbana; por outro lado, se um local não é bem utilizado, corre o risco de ser depredado e de acolher usos indevidos/indesejados, que concorrem ainda mais para o seu declínio. Ou seja, o desenho dos espaços “pode influenciar o padrão de atividade, de modo a criar melhores ou piores condições para os acontecimentos ao ar livre, e para criar uma cidade com ou sem vida” (p. 33). Embora a possibilidade de haver uma relação direta entre as características físicas dos espaços livres públicos e sua vitalidade seja atraente, ela também tem sofrido críticas, sobretudo relacionadas a tratar-se de uma ideia tanto simplista quanto determinista, que desconsidera a complexidade e a multiplicidade de aspectos que influenciam a dinâmica urbana (HOLANDA, 2011; NETTO, 2006). Complementando as várias abordagens que discutem a utilização dos espaços públicos e a promoção da vitalidade, têm-se os estudos voltados para a percepção ambiental, os quais evidenciam que a compreensão acerca do funcionamento de um local passa, necessariamente, pelo entendimento do modo como seus usuários o percebem. Sob essa perspectiva, autores como Tuan (1983) e Hall (1977) esclarecem que a percepção de um ambiente estabelece diferentes modos das pessoas entendê-lo e vivenciá-lo. Para tanto, as informações advindas dos sentidos (visão, audição, tato, olfato, cinestesia) e a detecção (pelo usuário) da receptividade à sua presença produzem percepções diferenciadas do local, afetando as relações desse indivíduo nele e com ele. Além disso, a percepção também seria influenciada pela memória (individual e coletiva) relacionada ao local, outro aspecto a ser considerado para a adequada compreensão de um lugar (JODELET, 2005).

60

Diante do exposto, este capítulo irá abordar o uso de praças públicas da cidade de Natal/RN, apontando elementos projetuais que influenciam a vitalidade urbana nesses locais, sob a percepção dos usuários. Para sua realização, adotou-se uma perspectiva metodológica mista que combinou ferramentas de cunho quantitativo e qualitativo: análise da morfologia das praças, mapeamento comportamental e entrevista com os usuários. Apresentando o trabalho realizado, este capítulo está subdividido em quatro itens. Nos dois primeiros – (i) aspectos da vitalidade urbana em praças públicas e (ii) a percepção dos usuários e o uso do lugar – é traçado o quadro teórico e conceitual que alicerça o tema. Posteriormente, são apresentados o percurso metodológico adotado na pesquisa empírica e os principais resultados obtidos (o olhar do usuário). Além de contribuir para mostrar a atualidade do tema abordado, espera-se que este artigo saliente a relevância de questionar as práticas vigentes que norteiam as intervenções nas praças públicas enquanto espaços que repercutem o processo de mudanças vivenciado pela sociedade e pela cidade, traçando um paralelo com outras pesquisas nesse campo, a fim de compreender alguns aspectos da vitalidade da cidade de Natal.

SOBRE A VITALIDADE URBANA EM PRAÇAS PÚBLICAS Autores como Jacobs (1961/2001), Alexander et al. (1977), Whyte (2009), Gehl (2006), Gomes (2011), Batista Neto (2012), Castiglione (2013), Benedet (2008) e Silva (2009) enfatizam a compreensão da morfologia como fator que pode influenciar a presença de pessoas nos espaços livres públicos. Embora parte desta literatura discorra sobre a “crise” nos espaços livres públicos, comentando sua “morte” como um fenômeno contemporâneo (JACOBS, 1961/2001; SENNET, 1988), outros destes investigadores discutem possibilidades de utilização desses locais, cuja vitalidade seria essencial para a própria sobrevivência da cidade (GEHL, 2006; WHYTE, 2009). Partindo dessa dicotomia, neste item são discutidos aspectos que, sob o ponto de 61


vista destes pesquisadores, podem interferir no uso das praças, entendendo-se que a elucidação de questões relativas ao abandono ou à subutilização dos espaços públicos perpassa a identificação de atributos relevantes para a atração de usuários e a promoção de atividades. Na década de 1960, Jacobs (1961/2001) defendeu a valorização dos espaços públicos tradicionais (em especial da rua) como lugares lúdicos e de trocas de sociabilidade, reforçando a importância do livre acesso a eles e o papel dos edifícios do entorno no favorecimento da presença de indivíduos. Embora a autora não tenha abordado especificamente o desuso de praças públicas em suas críticas, seu olhar para a vida pública nas ruas também incide sobre as praças, pois trata das relações humanas no contexto urbano como um todo. Já Sennet (1988) descreveu a mudança de eixo da vida em sociedade, em função da “personalização das relações sociais” evidenciando o esvaziamento da esfera pública e a hipervalorização da intimidade e da privacidade, condicionados por mudanças ocorridas nas sociedades dos séculos XVIII e XIX. Em seu livro o autor defendia que o retraimento na vida pública exacerbava a noção de individualismo, típica das sociedades contemporâneas, ocasionando um recuo na vitalidade da esfera pública. Por sua vez, Gehl (2006), White (2009) e outros autores discutem o conceito de vitalidade urbana sob dois aspectos vinculados aos estudos da qualidade urbana: (i) como uma ação, ou seja, o ato de animar, de dar vida; (ii) como um estado, significando a intensidade da vida social e de suas manifestações. O debate em torno dessas duas possibilidades define indicadores que dão uma ideia ampla sobre as formas de utilização efetiva dos espaços livres públicos, analisando a influência de sua configuração física na presença (ou não) de pessoas no local. Ou seja, a presença de pessoas nos espaços livres públicos é fundamental para a existência de um estado de vitalidade (JACOBS, 1961/2001; ALEXANDER et al., 1977; WHYTE, 2009; GEHL, 2006), a qual pode ser entendida como uma condição do espaço público, cujas características específicas permitem tanto atrair quanto manter em sua área usuários distintos (faixa etária, gênero, condição social, estado civil, etc.), em variados horários e dias, e realizando atividades também diversas.

62

Os Quadros 1 e 2 sintetizam os estudos que discutem a vitalidade de praças e indicam elementos para desvendar/potencializar seu papel enquanto espaços públicos urbanos, referindo-se, respectivamente, a trabalhos clássicos e a pesquisas brasileiras recentes. Neles destacamos aspectos relativos ao uso, ao espaço em si (praça) e ao seu entorno, a saber: • • • • • • • • • • • • •

Acessibilidade nas calçadas e percursos; Arborização e sombreamento; Diversidade nos turnos de funcionamento, induzindo a presença de pessoas em diferentes horários do dia; Espaços para sentar variados e bem posicionados; Existência de empreendimentos que incentivem o fluxo de pedestres; Existência de vias de tráfego moderado de veículos na vizinhança; Imóveis que se relacionam com o espaço público por meio de portas e janelas; Limpeza e conservação; Mobiliário e equipamentos urbanos que permitam múltiplas atividades; Presença de fronteiras suaves (zonas de transição entre público e privado); Realização de múltiplas atividades de permanência e de passagem; Uso residencial predominante, mas também presença de atividades de comércio e prestação de serviço; Variedade de usuários quanto a gênero, idade e condição social.

Nesse sentido, argumentamos que, além da morfologia da área, os comportamentos e usos nela existentes são permeados pela percepção que os usuários têm daquele local, dos seus objetos e das outras pessoas que ali se encontram, o que torna a percepção ambiental uma intermediária essencial ao surgimento e ao entendimento da vitalidade urbana.

63


[continuação]

TEMA/ AUTOR

ESPAÇOS PÚBLICOS

VIDA PÚBLICA

Usos principais combinados;

Pessoas atraem pessoas; Variedade de pessoas e usos; Presença de moradores e visitantes.

Inexistência de áreas monofuncionais; JANE JACOBS (1961/2001)

Necessidade de quadras curtas; Variedade na tipologia edilícia;

TEMA/ AUTOR

CHRISTOPHER ALEXANDER et al. (1977)

Complementaridade temporal das atividades; Presença de portas e janelas; Ausência ou diminuição de recuos frontais;

Presença de mulheres e fotógrafos é positiva; Presença variada de pessoas (sozinhas ou juntas, desconhecidos e amigos, e em diversas faixas etárias); Ressalva quanto à presença de “indesejáveis” (drogados, mendigos, prostitutas); Pessoas observando os acontecimentos do lugar e trabalhando (vendedores e artistas de rua); Pessoas “zelando” pelo lugar; Presença de pessoas paradas e transitando.

Presença de portas e janelas abertas para a rua; Atenção especial aos locais para sentar;

Calçadas com a presença de indivíduos.

Ocorrência de atividades noturnas;

O ambiente deve ser seguro ao usuário;

Relação entre atividades do equipamento e do entorno;

“Olhos para a rua”;

Inexistência de áreas monofuncionais, mesclando áreas residenciais a outros usos, e com distribuição equilibrada de serviços, comércio, moradia e locais de trabalho;

VIDA PÚBLICA

Oferecer múltiplas atividades, inclusive venda de comidas e bebidas;

Nítida separação público/privado;

Diversidade na tipologia edilícia do entorno;

ESPAÇOS PÚBLICOS

Elementos fixos ajudam na permanência; A escolha de locais para sentar é tão importante quanto a presença de locais para sentar; Presença de pessoas de diferentes faixas etárias; Pessoas circulando ou paradas.

WILLIAN WHYTE (2009)

O local deve ser fácil de alcançar e de atravessar, ter visibilidade (“integração visual”) e fácil relação com as ruas do entorno; Diversidade temporal das atividades no ambiente; Cuidado no desnível da rua com o equipamento (não maior de 30 cm acima da rua, e evitar rebaixamento); Atenção às dimensões do espaço (menores mais interessantes); O ambiente deve ser “caminhável”, limpo, “sentável”, atrativo, charmoso, amigável;

Área entre 14 e 28m2 por pessoa (praças) e dimensão máxima de 21m de largura (praças);

Bom aproveitamento das condições climáticas.

Edifícios com janelas para o espaço público;

Ocorrência do “efeito de borda”;

Presença de fronteiras suaves;

Aproveitamento dos aspectos positivos do clima;

JAN GEHL (2006)

Elementos de suporte para múltiplas atividades; Bons locais para sentar com variedade de tipos. Quadro 1: Resumo das principais sugestões oferecidas pelo referencial teórico ESTUDOS CLÁSSICOS.

[continua]

Presença de vegetação, água, mobiliário, boa acessibilidade e iluminação; Suportes para ficar de pé e sentado; Visibilidade dos espaços públicos e suas atividades a partir dos espaços privados; Ausência de áreas elevadas ou rebaixadas e de barreiras;

É importante a compreensão das características físicas e biológicas dos indivíduos; Presença de usuários distintos; Presença de diferentes atividades (necessárias, opcionais, sociais) Pessoas em atividades de permanência.

Atenção a distâncias maiores que 100m para o reconhecimento das pessoas; Variedade, proximidade e boa distribuição de atividades no local e no entorno; Ambientes públicos convidativos, visíveis e como destino; Considerar as relações entre o público e o privado; Presença de fronteiras suaves e “olhos para a rua”.

64

Quadro 1: Resumo das principais sugestões oferecidas pelo referencial teórico ESTUDOS CLÁSSICOS.

65


TEMA/ AUTOR

ESPAÇOS PÚBLICOS

VIDA PÚBLICA

TENÓRIO (2012)

Usos principais combinados; Necessidade de quadras curtas; Variedade na tipologia edilícia; Nítida separação público/privado; “Olhos para a rua”; Calçadas com a presença de indivíduos; Ocorrência de mobiliário e equipamentos urbanos.

Pessoas na rua atraem outras pessoas; Diversidade de pessoas no espaço público.

Complementaridade temporal das atividades; Influência substancial das atividades do entorno; Presença de espaços para sentar; Importância da vegetação; Variedade de atividades no ambiente.

Presença expressiva de pessoas; Diversidade no tipo de usuários; Usuários realizando atividades distintas.

O ambiente deve ser seguro ao usuário; Presença de mobiliário e equipamentos urbanos; Presença de vegetação.

Presença de pessoas atrai outras pessoas; A manutenção afeta a percepção dos usuários; Praças degradadas não são tão requeridas.

Importância da segurança, da manutenção; Presença de mobiliário e equipamentos urbanos de esporte e lazer;

Presença de muitas pessoas; Diversidade de tipos de usuários; Pessoas em atividades de permanência; Possibilidade de interação social entre os indivíduos.

BENEDET (2008)

SILVA (2009)

GOMES (2011)

Quadro 2: Resumo das principais sugestões oferecidas pelo referencial teórico ESTUDOS EMPÍRICOS.

66

SOBRE A PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS E O USO DO LUGAR Assim como a morfologia pode influenciar o uso do espaço, a percepção que as pessoas têm do lugar também pode favorecer ou inibir seu uso, desempenhando importante papel nos processos de apropriação e de identificação dos espaços. Discorrendo sobre a evolução do entendimento do termo ‘percepção’ e sua aplicação a várias áreas do conhecimento, Jorge (2011) comenta que atualmente os estudos nesse campo “saem do patamar de calcanhar de Aquiles da humanidade para – mediante e assumindo sua riqueza e fragilidade, o de problema perceptivo – tornar-se um problema no bom sentido investigativo da geração de conhecimento sobre os fenômenos no mundo e autoconhecimento da própria espécie humana, suas capacidades de apreensão das coisas e de associação criativa na geração de ideias” (pp. 28-29). A autora ainda indica que nos diversos estudos que o utilizam, o termo assume três significados básicos – enquanto: (i) pensamento; (ii) sensoriedade e compreensão; (iii) interpretação de estímulos e construção de significados – de modo que os pesquisadores precisam posicionar-se quanto ao tipo de acepção utilizada em seu trabalho. Os estudos contemporâneos no campo da percepção ambiental incorporaram bases teóricas da fenomenologia, como os trabalhos de Merleau-Ponty (1999), Bachelard (1993) e Tuan (1980, 1983), e se desenvolvem em várias áreas de conhecimento, dentre as quais Arquitetura, Urbanismo, Geografia, Psicologia, Design e Marketing. De maneira geral, a percepção ambiental é entendida como o resultado de um processo cuja origem está ligada a estímulos externos às pessoas, mas que acontece de acordo com os propósitos delas na situação e tendo entre seus componentes, além das características do indivíduo (gênero, idade, condição física e de mobilidade), aspectos subjetivos, como afeto, significado, valoração, preferências e estética ambiental (ITTELSON, 1973, 1978).

67


A percepção ambiental está relacionada ao modo como a pessoa experiencia os aspectos ambientais presentes no seu entorno, para o que são importantes não apenas os aspectos físicos, mas também os aspectos sociais, culturais e históricos (KUHNEN; HIGUCHI, 2011, p. 250).

Figura 1: Esquema teórico do processo perceptivo. Fonte: DEL RIO (1996, p. 3).

Sob a perspectiva da Psicologia Ambiental, Ittelson el al. (1974) comentam que existe um intercâmbio dinâmico entre a pessoa e o ambiente, que estabelecem uma relação bidirecional (o indivíduo influencia o ambiente e, reciprocamente, é influenciado por ele), sendo a percepção um elemento crucial nesse intercâmbio. Discorrendo especificamente sobre o tema, Tuan (1983) esclarece que cada pessoa experimenta o mundo a sua volta de modo único, utilizando sua percepção como guia para suas ações. Por sua vez, Ittelson (1978) ressalta que a percepção ambiental está intimamente relacionada com o modo das pessoas vivenciarem o lugar em que se encontram, para o que contribuem tanto as características físicas deste local quanto aspectos históricos (contexto político, econômico), socioculturais (significados, valores) e psicossociais (afetos, preferências) que o impregnam. Portanto, o significado de um lugar é, ao mesmo tempo, individual e coletivo, pois corresponde ao modo como cada pessoa decodifica e introjeta a cultura do grupo. Descrevendo as fases que englobam a construção do sentido de mundo pelo ser humano, Oliveira (1976 apud DEL RIO, 1990) explica que tal processo envolveria a percepção (campo sensorial), seleção (campo da memória) e atribuição de significados (campos de raciocínio). Além disso, ao descrever o processo perceptivo, Del Rio (1996) apresenta um esquema teórico (Figura 1) formado por sensação, motivação, cognição, avaliação e conduta (ou comportamento), assinalando que tais elementos se realimentam continuamente.

Complementando esse entendimento sob o ponto de vista da Psicologia Ambiental, Pinheiro e Elali (2003 – notas de aula) comentam que a experiência ambiental humana é fruto de reações de vários níveis de complexidade, desde as instintivas até as aprendidas e codificadas na memória. Para tanto contribuem elementos sensoriais, perceptivos e cognitivos, os quais se combinam por meio de um processo sofisticado que começa na informação ambiental (input) e chega ao comportamento humano (output), passando pelas etapas de sensação, percepção, cognição e atitudes, e que pode ser sintetizado em um esquema geral conhecido como Circuito Psicológico da Experiência Ambiental. Embora para fins acadêmicos esse circuito seja esquematicamente apresentado de modo linear, os pesquisadores ressaltam que suas etapas não são necessariamente sucessivas, de modo que a ordem em que ocorrem pode alterar-se em função de cada situação vivenciada (Figura 2). Além disso, o comportamento (que apreendido sob o ponto de vista do espaço pode ser entendido como uso) atua sobre o ambiente modificando a situação inicial e gerando contínuos recomeços. Assim, considerando-se a continuidade do circuito, o comportamento (uso) assume uma dupla função, podendo ser entendido como o final de um ciclo (situação na qual o uso é função da percepção) e como o início do seguinte (situação em que o uso precede a percepção, tornando-se parte do input ambiental).

Analisando o processo perceptivo, autores como Corraliza (1998), Saleh (2001), Schiffman (2005) e Robin, Matheau-Police e Couty (2007) assinalam que, ao atribuir qualidades ao ambiente, a pessoa não apenas identifica suas características, mas recorre a um complexo campo simbólico e representacional. Assim, Garcia Mira (1997) ressalta que, para elucidar os comportamentos dos usuários em relação ao entorno vivenciado, o estudo da percepção precisa 68

Figura 2: Esquema do Circuito Psicológico da Experiência Ambiental. Fonte: Pinheiro e Elali, notas de aula, 2003.

69


envolver fatores objetivos (elementos formais, densidade populacional e de edificações, temperatura, ruídos, etc.) e subjetivos (experiências e significados), que são essenciais à compreensão do meio urbano e, de modo aplicado, deveriam ser cuidadosamente considerados ao se intervir no espaço. Qualquer processo de intervenção ambiental deve levar em conta o ponto de vista do usuário e as inter-relações que ele estabelece com seu entorno, considerando a importância desta variável para a produção dos espaços, satisfação com o quadro de vida e compreensão das condutas ambientais. Sem a integração da percepção daquele que utiliza o espaço, as intervenções ambientais estarão fadadas ao fracasso (CAVALCANTE; MACIEL, 2008, p. 149).

Compreendendo os espaços públicos como suporte para a vida coletiva da cidade, para a cultura e para os hábitos de seus habitantes (MARCUS; FRANCIS, 1990), Carr et al. (1992) indicam a necessidade dos mesmos serem investigados a partir de três dimensões: qualidade (com ênfase para as questões de conforto ambiental), direitos (liberdade de utilização e sensação de controle) e significados (relações significativas e de afeto entre usuário e espaço). Por sua vez, Whyte (1978) comenta que, em termos metodológicos, os estudos nessa área devem valorizar o ponto de vista de usuário, devendo necessariamente envolver a tríade ‘observar’, ‘perguntar’ e ‘ouvir’. Para tanto, o autor ressalta que as estratégias mais utilizadas e mais eficazes são aquelas em que os pesquisadores entram em contato com as pessoas e as questionam a respeito de pontos cruciais relacionados ao uso e à tomada de decisões, o que pode acontecer por meio de entrevistas, questionários, mapas mentais, fotografias, escalas e grupos focais, entre outros enfoques.

PERCURSO METODOLÓGICO No estudo realizado optou-se por proceder uma aproximação gradativa do objeto de estudo, em 3 fases. 70

Fase 1 – Partiu-se de pesquisa junto à Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR) e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB), constatando que a cidade conta com 290 praças, mais concentradas nas Zonas Administrativas Sul e Leste (NATAL, 2007). Visitamos estes locais a fim de detectar praças que tivessem identidade própria e fossem utilizadas pela população, tendo como critérios iniciais de seleção: não estar em área de interesse histórico ou no centro comercial e de serviço; ser limitada em todas as suas faces por vias de tráfego de veículos, que não deveriam exceder três faixas de rolamento; estar em entorno residencial ou misto; oferecer opções de lazer; não estar em obras de construção ou reforma na época da pesquisa. Nessa etapa foram selecionadas 40 praças para participação na fase subsequente. Fase 2 – As 40 praças foram avaliadas de modo mais detalhado (que denominamos “análise quantitativa”), com a investigação de aspectos que, segundo o referencial teórico, poderiam incidir sobre sua vitalidade, tais como sua dimensão e a presença de itens como mobiliário e equipamentos urbanos, manutenção, paisagismo, iluminação artificial, playground, Academia da Terceira Idade (ATI), quadra ou campo para jogo, quiosque, de ponto de ônibus ou táxi. Esse procedimento permitiu a identificação de três grupos: praças que, de acordo com a literatura, apresentavam muitos recursos favorecedores de vitalidade, praças com recursos medianos e praças com poucos recursos. Em cada um destes grupos foi escolhida uma praça para continuidade do estudo, entendendo-se que, em função do maior ou menor número de itens elencados, seria detectada maior ou menor vitalidade. Fase 3 – Correspondeu ao estudo detalhado dos 03 locais selecionados, por meio de: análise morfológica, mapeamento comportamental e entrevistas estruturadas com os usuários, como segue. •

A análise morfológica (GEHL, 2009; WHYTE, 1980; HILLIER et al., 1984; HOLANDA, 2002; TENÓRIO, 2012) investigou itens que podem promover a vitalidade urbana em três “escalas”: na escala do bairro (considerando um raio de influência de 500m); na escala do entorno imediato (quadras diretamente voltadas para a praça); e na escala do ambiente (o local em si e os itens que o caracterizam). 71


O Mapeamento Comportamental (PINHEIRO; ELALI; FERNANDES, 2008) envolveu observações sistemáticas registradas por meio de representações gráficas da ocupação, relacionando espaço físico (limitado e dividido em seções) e comportamento dos usuários. O mapeamento aconteceu em dias escolhidos para representar uma semana típica (sem feriados ou férias e não chuvosa). Os acontecimentos foram registrados de duas em duas horas, entre as 6 e as 20 horas e em três dias diferentes da semana: quarta-feira, sábado e domingo (SILVA, 2014; LIBERALINO, 2011). As entrevistas abordaram a percepção dos usuários quanto aos atributos físicos do lugar que poderiam influenciar sua utilização e promover sua vitalidade. Seu roteiro foi composto com perguntas abertas e fechadas, orientadas para: identificação do usuário (idade, gênero, se mora ou trabalha no bairro, se tem filhos e quantos, profissão, escolaridade e estado civil); Associação Livre de Palavras (ALP), em resposta à pergunta “O que você acha da praça?”; investigação do contato do usuário com a praça (frequência, horário de uso e companhia para fazê-lo, atividades desenvolvidas, sensações, pontos positivos e negativos); resposta a 16 assertivas relativas a elementos do lugar indicando ‘concordo’, ‘nem concordo nem discordo’ e ‘discordo’; atribuição de notas (1=péssimo e 5=ótimo) a aspectos como arborização, beleza, limpeza, quadra e brinquedos; sugestões de melhoria do espaço.

TRÊS PRAÇAS NATALENSES As três praças natalenses investigadas de modo mais detalhado foram: Praça Augusto Leite (PçAL), Praça Varela Barca (PçVB) e Praça Luiz Raimundo de Sousa (PçLR) – características resumidas no Quadro 3. A PçAL está localizada no limite do Barro Vermelho com os bairros de Lagoa Seca e Tirol (NATAL, 2013), a PçAL tem área de 4.738 m2, sendo contornada pelas ruas Joaquim Fagundes, Major Laurentino de Morais e sem nome, e pela Av. Rodrigues Alves. A área apresenta uso 72

misto, com prevalência de edifícios residenciais, clínicas/hospitais, prestadores de serviço e comércio de bairro. Nela existem: uma quadra poliesportiva com arquibancada, academia da terceira idade (ATI), dois playgrounds, uma escultura com fonte, um depósito, 21 bancos, três lixeiras, 13 postes de iluminação pública e uma banca de revista.

Já a PçVB está situada no bairro Ponta Negra, no conjunto de mesmo nome, e possui uma área de 9.159 m2, com formato retangular, contando com quadra poliesportiva, playgrounds, bancos em madeira e ferro galvanizado, telefone público, lixeiras e postes de iluminação. A reforma trouxe a acessibilidade ao espaço, com a colocação de rampas de acesso e piso tátil. A praça apresenta desníveis em seu terreno e tratamento paisagístico com árvores de médio e grande portes, além de arbustos e forração em grama. A PçLR, por sua vez, está localizada no bairro da Praia do Meio, na região administrativa leste da capital potiguar, e apresenta uma área de 1.793m2. Não há uma data precisa de seu surgimento, contudo já constava nos mapas do bairro desde a década de 1960. De acordo com a SEMURB, em fevereiro de 2014 a praça passou por reformas e, embora seus bancos não tenham sido recolocados, existem muretas

Quadro 3: Síntese das características das praças Augusto Leite (PçAL), Varela Barca (PçVB) e Luiz Raimundo de Souza (PçLR), em Natal/RN/Brasil. Fonte: As autoras (2015).

73


de aproximadamente 40cm de altura que são utilizadas para sentar. Contém em sua área, quadra poliesportiva, academia de ginástica de concreto, playground, quiosque e ponto de ônibus. Seu estado de conservação do ambiente é razoável, mas constatou-se a presença de lixo. A iluminação é feita por um único poste alto e pelos refletores da quadra.

O OLHAR DO USUÁRIO Neste item se discute como os usuários das praças selecionadas percebem os elementos da vitalidade sugeridos pela literatura, e como sua percepção influencia o uso/ocupação daqueles locais, tendo como base cinco grandes temas que afloraram do discurso dos participantes: a praça na cidade; suporte para atividades; presença da natureza; sensação de segurança; uma casa fora de casa. Garantindo o anonimato dos participantes e, ao mesmo tempo, possibilitando que o leitor identifique minimamente suas características, nesse texto a citação de falas coletadas na pesquisa será acrescida de um código composto por código da praça, número da entrevista, gênero e idade do usuário. Assim, por exemplo, o primeiro depoimento é seguido da expressão “PçLR22m28”, que significa: praça Luís Raimundo de Souza, entrevista número 22, gênero masculino, 28 anos. Na terceira citação semelhante, a expressão é “PçAL13f52”, a ser lida como: praça Augusto Leite, entrevista número 13. gênero feminino, 52 anos.

A praça na cidade A facilidade de ir e vir aos ambientes influencia a presença de pessoas (GEHL, 2006); assim, locais com maior acessibilidade tendem a atrair maior quantidade de usuários contribuindo com a vitalidade urbana. Nesse sentido, aspectos como o fluxo de pessoas, especialmente de passagem, pode estar relacionado com os usos do solo no entorno imediato, as características das vias, e com a presença de PGTs (HILLIER et al., 1984; PEREIRA et. al., 2011; HOLANDA, 2002; MEDEIROS, 2006), e poderiam justificar a existência de um fluxo 74

importante de pessoas de passagem nas três praças investigadas. Dessa forma, comentando a relação da praça com as áreas contíguas e ajudando a entender tais aspectos naqueles contextos, alguns usuários ressaltaram: Todo dia venho prá padaria e dou uma paradinha aqui prá falar com o pessoal... sempre acho um conhecido e rola um papo. (PçLR22m28) Outro dia eu vim (SIC) comprar bolo. Mas tinha uma turma conversando, entrei no meio e esqueci o que ia fazer (risos). (PçVB4m23) Escolho sempre o lado da rua que tem vitrine; pelo menos dá prá ver umas novidades. (PçAL22f29) Eu passo por aqui prá comprar pão, às vezes prá ir no mercado. O pessoal prefere ficar no edifício. Lá tem de tudo e é muito bom. (PçAL13f52)

O trânsito ameno nas ruas lindeiras às praças é visto com bons olhos pela literatura (APPLEYARD; LINTELL, 1972; GEHL, 2006, 2013; WHYTE, 2009), segundo a qual a interação social é inversamente proporcional ao volume de tráfego. Na pesquisa, os entrevistados salientaram as facilidades de chegar-se às praças, sem contudo ignorar a existência do movimento veicular ao redor, indicando que a quantidade moderada de trânsito os incomoda mais em função do perigo de se envolverem em acidentes do que pelos ruídos existentes. Não tenho dificuldade de chegar aqui, venho caminhando sossegada com o Tobi (cachorro). (PçVB25f32) Só tenho medo dele (filho) atravessar essa rua porque o ônibus passa muito rápido, fora isso é tranquilo. (PçLR 11f29) É perigoso quando a bola sai da quadra e corre pra rua, porque um menino desses não olha pro lado e sai correndo atrás, tem que tá de olho. (PçLR8m37)

75


Suporte às atividades Em conformidade com a literatura (GEHL, 2006, 2013; WHYTE, 2009; SILVA, 2009; GOMES, 2011; LIBERALINO, 2011), entende-se que mobiliário, equipamentos e elementos sentáveis são fundamentais para fomentar a vitalidade do lugar, atuando como suporte para o desenvolvimento das funções, para a composição da paisagem e para o desenvolvimento de atividades, e não devendo representar barreiras ao movimento das pessoas. Note-se, ainda, que a multiplicidade de atividades, sobretudo em lugares menores, pode representar potencial para o surgimento de situações de conflito entre grupos com interesses diversos, como foi evidenciado por alguns entrevistados ao relatarem problemas no uso de praças. É muito bom ter a ATI, mas ela é pros idosos, e tá sempre cheio de criança e adolescentes por aqui. Não que eles não podem usar, mas isso não é coisa prá subir encima, prá andar de costa, prá virar brinquedo. (PçAL21f58) Quando aparece o povo do skate a coisa pega. A brincadeira deles é até bonita, mas isso aqui fica muito perigoso prá criança pequena. Vai que eles atropelam um... como é que fica? (PçVB12f37) Essa coisa de sem-teto é problema social. A gente precisa entender, precisa ajudar. Mas não dá deixar que a nossa praça vire acampamento. (PçVB14m57)

O mapeamento mostrou haver relação entre a presença de pessoas nas praças e a disponibilidade de quadras poliesportivas, playgrounds e ATIs, o que também foi perceptível aos entrevistados, mostrando que é possível atribuir a estes três itens uma parcela significativa na geração da vitalidade local. Assim, a existência simultânea desses três componentes: mostra-se muito positiva para a vitalidade, pois proporciona: diversidade de usuários (crianças, jovens adultos e idosos); mais possibilidades de uso (jogar, brincar, exercitarse, conversar, namorar, contemplar) e de oportunidades de interação 76

social (ver, ouvir e se comunicar); aumento da frequência e duração das visitas, contato continuado que pode reforçar os vínculos entre pessoas e lugar. Outro importante atrator de pessoas para os espaços livres é a presença de locais que vendem bebida/comida (WHYTE, 2009). Na PçAL e na PçLR existem quiosques que funcionam durante a semana. Na PçLR, nos horários em que o quiosque está funcionando normalmente se registrou a presença de mais pessoas realizando atividades estacionárias sem suas mesas e cadeiras. Já na PçAL, há uma banca de revista que não tem o caráter de bar, restringindo a permanência a usos mais transitórios e sem promover a presença de pessoas ao redor. A possibilidade de estar ao ar livre para comer e beber parece ser valorizada pelas pessoas, como indicaram algumas pessoas: Já é coisa de muito tempo. Eu sempre venho aqui beber uma com os amigos. (PçLR20m32) Aqui é bom quando a cigarreira (quiosque) está funcionando, fica cheio de gente, bem animado. (PçLR13f25) Eu sempre venho prá ATI, mas meus netos preferem o play do prédio; os brinquedos daqui estão muito estragados, arranham. (PçAL10f62)

Como forma de investigar a permanência nos lugares e a vitalidade urbana, os elementos para sentar também foram considerados (quanto a sua qualidade, variedade e conservação), tratados na pesquisa como formais (bancos, arquibancadas) e informais (escadarias, muretas, floreiras). Apenas na PçLR este item foi avaliado como baixo (existem apenas muretas e o banco do ponto de ônibus), nas outras praças há vários elementos sentáveis (além de bancos, escadarias, jardineiras, muretas e arquibancadas). Na PçLR, onde não há bancos, o mapeamento mostrou que as muretas atendem àqueles que querem sentar, mas não favorece a presença de idosos (o que talvez explique sua ausência no local). Nas entrevistas, a inexistência de bancos foi indicada como um ponto negativo, reforçando sua importância, como mostram alguns relatos: 77


É difícil ficar aqui, não tem onde sentar. (PçLR21f58) Arrancaram todos os bancos, assim o jeito é sentar nesse muro aí (mureta) e a prefeitura não faz nada. (PçLR14f50)

Essas opiniões ressaltam a importância de assentos ou outros elementos sentáveis. De fato, na ausência de bancos as pessoas sentam até mesmo no chão (gramado) ou em locais que atendam a essa função como muretas ou floreiras, desde que minimamente adequadas à função, como foi visto na PçLR. Enfatiza-se a relevância desses elementos sentáveis como parte do conjunto perceptivo dos usuários ao se referirem ao lugar, constituindo um componente que reforça a identidade do conceito de praça. Alguns entrevistados da PçLR foram enfáticos ao comentarem o assunto, reforçando a relação entre elementos sentáveis e o próprio conceito de praça, como indicam as afirmativas a seguir: Aqui não temos uma praça, não tem nem onde sentar! (PçLR22f31) Faltam bancos, como pode ser uma praça? (PçLR02m52)

de início da manhã e final da tarde; e geralmente envolve a atividade de pessoas mais vulneráveis, como crianças pequenas, idosos e doentes/ convalescentes. Depois do almoço eu sento aqui um pouco para pegar uma brisa e conversar com o pessoal. (PçLR19m25) É sempre gostoso ficar um pouco na praça tomando um vento e olhando o céu. Você viu que tem muito passarinho por aqui? (PçVB7m55) Eu gosto de sentar aqui porque é perto da natureza. (PçAL13f26) Todo dia de manhã esse baixinho (menino com 8 meses) e eu passeamos na praça uma meia hora. A mãe dele faz questão que ele tome um solzinho, mas tem que ser antes das sete horas prá não ficar quente demais. (PçVB15f22) Quando minha irmã fez quimioterapia, tomar sol era como um remédio, mas precisava ser bem cedinho, que o médico disse que é mais saudável, então a gente chegava na praça antes das seis horas. (PçLR7f54) D. Ana (idosa com mais de 80 anos) gosta da praça no fim da tarde, quando o sol fica mais fraco. (PçLR5f28)

Presença da natureza A presença/ausência da natureza também é mencionada pela literatura como um fator relevante para a ocupação do espaço urbano, com ênfase para seus efeitos para a saúde humana — influenciando desde a fisiologia dos sentidos até o bem-estar psicológico dos indivíduos (CARR et al., 1992; CHAUÍ, 1994; COOPER-MARCUS; FRANCIS, 1990; SERPA, 2007; WHYTE, 2009). Nesse sentido, as entrevistas mostraram claramente que os frequentadores das praças analisadas procuram um contato amplo com a natureza, que está ligado a vantagens como estar ao ar livre, respirar ar puro e usufruir da brisa local ou, em condições especiais. Além disso, em algumas situações específicas os participantes comentaram a procura pelo sol, o que acontece sobretudo em horários 78

Os depoimentos também ressaltam a importância de que a arborização dos espaços públicos seja planejada em conjunto com outros elementos, tais como a iluminação, as características das plantas (frutos, folhas e raízes), ausência de princípios tóxicos, dentre outros. Sem adentrar em tantas minúcias, as entrevistas indicam que a percepção da arborização pelos usuários das praças em estudo está relacionada com experiências sensoriais positivas e amenização dos efeitos negativos do clima (insolação e ventos excessivos), incentivando sua visita e permanência. Tal constatação reforça a convicção da importância desse item para a presença dos indivíduos e as relações sociais (WHYTE, 2009; GEHL, 2009, 2013), notadamente em locais de clima quente nos quais a presença de sombra representa

79


a possibilidade de passar mais tempo ao ar livre, conforme comentado pelos usuários: Aqui é muito bom, essa sombra e essa brisa só tem aqui mesmo. (PçVB24m54) Quando está muito quente em casa eu saio e venho me sentar nessa sombra pra pegar um vento. (PçVB2m38)

Finalmente, quanto aos elementos compositivos (Figura 5), o estudo realizado mostrou que propostas que possibilitem a contemplação, o contato com a natureza e a interação social influenciam a percepção dos usuários, embora atuem menos sobre suas escolhas, não chegando ao ponto de, por exemplo, sua ausência restringir o uso do lugar.

Sensação de segurança Permeando as entrevistas como um dos temas de maior relevância para os usuários, a sensação de segurança (ou insegurança) assumiu um papel importante nessa discussão, sendo sua percepção reforçada pela criminalidade percebida ou vivenciada, o que também se reflete na utilização dos espaços, condicionada pela primeira, quer esta coincida ou não com a “verdadeira” segurança do espaço. Nos estudos de caso, a sensação coletiva de insegurança se fez presente em muitos depoimentos, como ilustram os relatos a seguir: Aqui tá muito perigoso... você não tem mais sossego. (PçVB10f38) Ponta Negra não é mais a mesma, tá um problema essa bandidagem. (PçVB26m59) Nossa cidade tá muito violenta. Tem crime por todo lado. Ninguém tá seguro em canto nenhum. Claro que aqui também. (PçAL19m29)

80

Nesse contexto, a literatura aponta que a existência de canais de comunicação entre o âmbito público e o privado é vista como uma estratégia interessante do ponto de vista da morfologia, de modo que a presença de aberturas (portas e janelas) se configura como possibilidade de contato e de vigilância (GEHL, 2006; JACOBS, 2001; WHYTE, 2009). Nos casos analisados, a presença de portas e janelas foi rotulada como pouco favorável na PçVB, e como favorável nas demais. Na PçVB, a presença de portas e janelas é obstruída por muros altos com portões, que dificultam o contato entre exterior e interior. No entorno da PçLR a função residencial é bastante evidente, havendo ruas e lotes estreitos com poucos muros, o que favorece o contato entre pessoas. A sensação de segurança também pode ser incentivada pelos usos que ocorrem nos espaços privados, em especial aqueles presentes no limiar entre os âmbitos público e privado, chamadas por Gehl (2006) de espaços de transição ou de fronteiras suaves. Esses locais aparecem de maneira distinta no entorno das três praças. Diante desse contexto, no tocante à segurança percebida infere-se que os elementos da morfologia espacial apresentam influência limitada, a ponto de não eliminar a sensação de insegurança vivenciada nas praças, o que aponta para a existência de outros elementos que atuem sobre essa situação. Destaca-se também a presença de indesejáveis (mendigos, drogados e prostitutas) como um agravante, o que foi mencionada nas entrevistas como um dos pontos negativos. Nos mapeamentos, eles aparecem tanto na PçAL como na PçVB, indicando que, conforme comentado por Smith (1987), Whyte (2009) e Carr et al. (1992), mesmo em presença reduzida eles são capazes de suscitar medo nos usuários, como algo já consolidado no imaginário do morador da cidade. Não é preconceito, mas vir prá praça e ter que ficar dizendo “não” prá mendigo é muito chato. Assim, quando vejo que tem mendigo eu não fico. (PçVB22f27) Às vezes aparecem drogados. É sempre um problema, porque não se sabe o que esperar. O drogado pode ficar violento, principalmente quando ele quer dinheiro prá comprar mais droga. (PçAL29m32)

81


Uma casa fora de casa Embora não tenha sido um tema investigado diretamente pela pesquisa, ao averiguarmos a percepção dos usuários um assunto se impôs gradativamente: a relação entre a moradia e a praça. Verificamos que, em situações nas quais as moradias são de tamanho reduzido e possuem muitos ocupantes, as pessoas tendem a procurar os espaços livres em complementação ao espaço interno da habitação. Essa complementação acontece tanto em bairro populares (onde as casas e os lotes aparentam ser mais reduzidos) quanto em bairros considerados mais nobres, mas que também ofertam unidades residenciais com espaço mínimo (e sem outros tipos de opção dentro do próprio lote), ilustradas pelos depoimentos a seguir: Moro logo ali, a casa ocupa todo o terreno. A calçada da frente é estreita, não dá nem prá colocar cadeira, nada. Aí, quando o calor aumenta, corro direto prá praça. (PçLR17f57) Moro num ‘ap’ aqui perto, com meu irmão e 2 primos. É coisa prá estudante, bem pequeno. É um lugar prá comer, dormir, ver TV e estudar. Prá correr, tomar sol, fazer ginástica, vou prá rua, venho prá praça. (PçAL17m21) Não consigo ficar o dia inteiro entre quatro paredes. Tem uma hora que preciso respirar, preciso de espaço, de ar puro. É nessa hora que venho prá praça. (PçAL19f24)

Portanto, nas áreas predominantemente residenciais investigadas, tentamos trazer ao debate a relevância das praças como uma extensão do espaço privado do usuário. Os discursos dos participantes e os comportamentos observados nas três praças mostram a maneira como os indivíduos se apropriam daquele espaço livre, vivenciando-o e envolvendo-se com ele. A realização (e mesmo o desejo de realização) de múltiplas atividades naqueles locais e a frequência com que estas ocorrem, denotam a sua importância para o cotidiano das pessoas, pois, na maioria dos casos, atos como brincar, jogar, namorar, encontrar amigos, comer e beber se integram a uma rotina de tarefas que é apoiada e incentivada pelo espaço público. Assim, para que as 82

pessoas possam “sair das quatro paredes”, concorrem fortemente outras qualidades deste espaço discutidas nos itens anteriores, como sejam: (i) as condições ao redor colaborarem para que possam chegar ao local; (ii) haver algum suporte que as ajudem a permanecer ali; (iii) o lugar proporcionar contato (mesmo mínimo) com a natureza (sol, sombra, vento, espaço livre); e (iv) as pessoas sentirem que estão seguras. Tal resultado corrobora pesquisas de outros autores nesse campo, nos permitindo afirmar que, também para as praças em estudo, A maneira como diferentes grupos de pessoas se apropriam daquele espaço e o (re)significam, dando-lhe um uso e um sentido mais amplo do que aquele instrumentalmente projetado em sua origem, configura uma diversidade que se reflete em vitalidade urbana, correspondendo, em síntese, ao que buscamos para nossas cidades (VIEGAS; SILVA; ELALI, 2014, p. 314).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Em analogia à vitalidade humana, a vitalidade de um espaço é entendida como elemento indispensável à saúde e à vida da cidade, como uma linha intermediária entre a apatia e a excitação. Trata-se, portanto, da capacidade de animação em função das relações sociais que acontecem em um lugar, sendo condicionada pelos atributos morfológicos do ambiente, mas também pela percepção que seus usuários têm dele. Supõe-se, assim, que existe um tipo de vitalidade desejável para cada tipo de espaço, isto é, que uma área comercial exige um tipo de animação diferente daquela necessária a um setor residencial, embora alguns dos elementos/atributos dessa vitalidade possam ser válidos para ambos. Com base nesse entendimento, questionamos: Os elementos que a literatura indica influenciarem a vitalidade das praças são percebidos pelos seus usuários? Em resposta, verificamos que os indivíduos se mostram mais envolvidos com itens que afetam diretamente seu bem-estar 83


e estão mais fortemente relacionados à imagem do lugar. Em relação à natureza, viu-se que, em função das condições climáticas locais, a arborização/sombreamento exerce um efeito mais intenso na permanência dos usuários, definindo horários de utilização, localização e intensidade das atividades. Já o paisagismo interfere pouco no uso do espaço e seus benefícios passam especialmente pela questão estética, só direcionando parcialmente os comportamentos dos usuários. Enfatiza-se o cuidado com o excesso de vegetação que pode suscitar comportamentos indevidos, ampliar a sensação de insegurança e afastar os usuários da área. Nota-se, ainda, que mesmo sem vegetação há locais bastante utilizados (mesmo em horários de alta insolação), como é o caso das quadras esportivas. Bem mais relevante para a apropriação espacial está a existência de mobiliário e equipamentos urbanos que atuam como suportes fundamentais para a promoção da vitalidade, considerando que a sua presença, qualidade e localização interferem significativamente no uso e no tipo de público. Assim, embora a literatura indique, por exemplo, que a diversidade de tipos de elementos sentáveis é importante, a percepção acerca desse aspecto foi pouco constatada, talvez por não fazer parte dos espaços públicos existentes na cidade e, por conseguinte, não ter lugar no repertório perceptivo dos usuários. Enfatiza-se, contudo, que a falta desses elementos influencia na intensidade de uso, mas não o impede quando existe alguma necessidade mais relevante a ser satisfeita (como esperar ônibus). Entre os itens que parecem afetar consubstancialmente a vitalidade das praças estão aqueles mais próximos ao cotidiano das pessoas e mais relacionados ao ambiente em si como a arborização, os equipamentos e mobiliário urbano (quadras, ATI, bancos, playgrounds) e a limpeza e conservação daquelas áreas. Embora outros elementos tenham sido investigados, sua presença no imaginário coletivo aparece de maneira indireta, refletida, nos horários de utilização, nas atividades presenciadas, nas pessoas que transitam por eles e nas sensações e sentimentos que suscitam. Assim, conclui-se que quanto maior a variedade de atividades oferecidas numa praça, maiores as possibilidades de haver uma diversidade de usuários. A importância das ações rotineiras de limpeza e manutenção do espaço público para o conforto da estadia decorre da sua necessidade para a conservação do espaço e, por conseguinte, para assegurar o 84

seu funcionamento cotidiano, garantindo o pleno desenvolvimento de todas as funções às quais pode se prestar. Quanto à diversidade das atividades do entorno e segurança, têm-se dois aspectos que são percebidos de maneiras distintas, mas que estão intimamente ligados. As atividades do entorno contribuem para ampliar o potencial de pessoas distintas circulando na área e para aumentar as chances de interação social entre os usuários e a sensação de segurança nos indivíduos. Além disso, o movimento de pessoas no espaço público se confirma como outro importante atrator, e que certas atividades como bares e restaurantes influenciam mais eficazmente na sensação de segurança dos usuários. Como espaços de interação social, as praças se mostram necessárias e benéficas pela população, que vê nelas a possibilidade de interagir com outras pessoas. Logo, mesmo que aspectos considerados negativos (como insegurança, sujeira e degradação) sejam percebidos, no geral, afetam apenas parcialmente as relações entre usuários e ambiente. Talvez isso ocorra pela carência de espaços que propiciem tais benefícios aos habitantes da cidade, relegando-os a utilização das áreas da maneira como elas se apresentam, sem muitas escolhas. Tem-se aí outra questão que deveria ser investigada. Observou-se que a escolha dos fatores que influenciam a utilização das praças nem sempre são compatíveis entre si, haja vista, que a percepção refletida em gostos e preferências não são uniformes e as considerações são subjetivas: aquilo que torna feliz um idoso pode não satisfazer uma criança ou um jovem. Nesse sentido, corroborando Liberalino (2011), evidencia-se que a presença de elementos específicos para um determinado público pode levar à estratificação de públicos, tornando-se essencial considerar a multiplicidade de público como fundamental para a existência da vitalidade urbana, mesmo em situações nas quais a convivência entre os diferentes grupos seja difícil. Finalmente, entendemos que, devido ao caráter multidimensional e interdependente que envolve os processos de identificação e utilização dos ambientes públicos, é fundamental que novas pesquisas nesse campo investiguem como fatores de cunho econômico, social e cultural concorrem para influenciar a percepção dos indivíduos e suas relações com os espaços cotidianos.

85


REFERÊNCIAS ALEXANDER, C., et al. (Org.). A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction. Nova York: Oxford University Press,1977.

________. Introdução ao Desenho Urbano no processo de planejamento. PINI, São Paulo, 1990.

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

GARCIA MIRA, R. La ciudad percebida: una psicologia ambiental de los barrios de A Coruña. Universidade de Coruña, 1997.

BATISTA NETO. O. Impactos da moderação de tráfego na vitalidade urbana. Dissertação (Mestrado em Engenharia). UFMG. Minas Gerais. 2012. BENEDET. M.S. Apropriação de praças públicas centrais em cidades de pequeno porte. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFSC. Florianópolis/SC. 2008.

GEHL, J; GEMZØE, L. Novos espaços urbanos. Barcelona: Ed. Gustavo Gilli S.A, 2002.

CALDEIRA, T. P. R. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed.34/EDUSP, 2000.

GOMES, P. C. C. A condição urbana. Ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

CARR, S.; FRANCIS, M; RIVLIN, M; STONE, M. Public Space. New York: Cambridge University Press, 1992. Disponível em: <https://books.google.com. br/books?id=pjo4AAAAIAAJ&printsec=frontcover&dq=Carr+Public+Places&h l=pt-R&sa=X&ei=082iVLwDwteDBIyMhMAO&ved=0CB4Q6AEwAA#v=Carr%20 Public%20Places&f=false> Acessado em 21/04/2010.

HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

CASTELLO, Lineu. Admirável Nova Urbanidade. In: TASSARA, E.; RABINOVICH, E.; GUEDES, M. C. (Orgs.) Psicologia e Ambiente. São Paulo: EDUC, 2004, pp. 23-39. CASTIGLIONE. B. P. O espaço público residencial na cidade do Porto. O caso de estudo dos Pinhais da Foz. Dissertação. Mestrado em Arquitetura Paisagista. Universidade do Porto. Porto/PT. 2013. CAVALCANTE, S.; MACIEL, R. H. Métodos de avaliação da percepção ambiental. In: PINHEIRO, J. Q.; GÜNTHER, H., (Orgs.) Métodos de pesquisa nos estudos pessoa/ambiente. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, pp. 149-180. CORRALIZA, J. A. Emoción y ambiente. In ARAGONES, J. I.; AMÉRIGO, M. (Orgs.) Psicología ambiental. Madrid, España: Ediciones Pirâmide, 1998, pp. 281-302. DAVIS, M. Cidade de quartzo: Escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo, Ed. Página Aberta, 1993. DEL RIO, V. Cidade da Mente, Cidade Real: Percepção Ambiental e Revitalização na Área Portuária do Rio de Janeiro. In: DEL RIO, V.; OLIVEIRA, L. (orgs.). Percepção ambiental: a experiência brasileira. São Paulo: Studio Nobel; São Carlos, SP: Universidade Federal de São Carlos, 1996, pp. 3-22.

86

GEHL, J. La humanización del espacio urbano: la vida social entre los edifícios. Barcelona: Editorial Reverté, 2006

HALL, E. T. A Dimensão Oculta. Rio de Janeiro: Francisco Alves; 1977. HILLIER, B.; HANSON, J. The Social Logic of Space. Londres: Cambridge University Press, 1984. HOLANDA, F. O espaço de exceção. Brasília: Ed.UnB, 2002. ITTELSON, W. H., PROSHANSKY, H. M., RIVLIN, L. G. & WINKEL, G. H. An introduction to Environmental Psychology. Nova York: Holt, Rinehart & Winston, 1974. ITTELSON, W. H.. Environment and cognition. Nova York: Seminar Press, 1973. _________. Environmental perception and urban experience. In: Environment and Behavior, 10, 1978, pp. 193-213. JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2001. JODELET, D. A cidade e a memória. In: DEL RIO, V.; DUARTE, C. R.; RHEINGANTZ, P. A. (Orgs.). Projeto do Lugar: colaboração entre psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2002, pp. 31 – 43. JORGE, A. M. G. Introdução à percepção: entre os sentidos e o conhecimento. São Paulo: Paulus, 2011. KUHNEN, A.; HIGUCHI, M. I. G. Percepção ambiental, In: CAVALCANTE, S.; ELALI, G. A. (Orgs.). Temas básicos em Psicologia Ambiental. Petrópolis: Vozes, 2011, pp. 250-266.

87


LIBERALINO, C. C. Praça: lugar de lazer. Relações entre características ambientais e comportamentais na Praça Kalina Maia, Natal RN. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011. MARCUS, C. e C. FRANCIS (Ed.). People Places - Design Guidelines for Urban Open Space. New York: Van Nostrand Reinhold, 1990.

_________. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980. WHYTE, W. H. The social life of small urban spaces. Nova York: Project for Public Spaces, 2009. YURGEL. M. Urbanismo e lazer. São Paulo: Nobel, 1983.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes. 1999. NETTO, V. M. O efeito da arquitetura: Impactos sociais, econômicos e ambientais de diferentes configurações de quarteirão. Arquitextos, Vitruvius, São Paulo, ano 07, n. 079.07, dez. 2006 Disponível em <http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/arquitextos/07.079/290> Acessado em: 21/04/13. OLIVEIRA, Lívia de. Percepção da paisagem geográfica: Piaget, Gibson e Tuan. In Geografia editada pela Associação de Geografia Teórica, V.1. Rio Claro, SP: AGETEO, 1976. V.25. PINHEIRO, J. Q.; ELALI, G. A.; FERNANDES, O. S. Observando a interação pessoa-ambiente: Vestígios ambientais e mapeamento comportamental. In: PINHEIRO, J. Q.; GUNTHER, H. (Orgs.). Métodos de pesquisa nos estudos pessoa-ambiente. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, pp. 75-104. ROBIN, M., MATHEAU-POLICE, A., & COUTY, C.. Development of a scale of perceived environmental annoyances in urban settings. Journal of Environmental Psychology, 27, 2007, pp. 55–68. SALEH, M. A. E. Environmental cognition in the vernacular landscape: assessing the aesthetic quality of Al-Alkhalaf village, Southwestern Saidi Arabia. Building and Environment. 36, 2001, pp. 965-979. Schiffman, H. R. Sensação e percepção. Rio de Janeiro: LTC, 2005. (Trabalho original publicado em 2001) SENNETT, R.O declínio do homem público – as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988 (Trabalho original publicado 1974). SILVA. A.M. Atratividade e dinâmica de apropriação de espaços públicos para o lazer e turismo. Dissertação (Planejamento Urbano e Regional). Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional-UFRS. 2009. TENORIO, G. Ao desocupado em cima da ponte: Brasília, arquitetura e vida pública. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2012. TUAN, Y. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.

88

89


A IMPORTÂNCIA DA SINALIZAÇÃO NA APREENSÃO DO ESPAÇO LIVRE PÚBLICO: ESTUDO DE CASO SOBRE A PERCEPÇÃO DO PEDESTRE NO CENTRO HISTÓRICO DE JOÃO PESSOA – PB

Emanoella Bella Sarmento S. E. Matias Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa, PB

Angelina Dias Leão Costa Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa, PB

A sinalização urbana exerce forte influência na experiência do usuário com o ambiente urbano, já que através da (des)organização de seus elementos, limita-o ou possibilita-o de apreender o espaço e toda sua dinâmica. Logo, imaginar a cidade sem um sistema de sinais implica na desvalorização dos espaços e na instauração de conflitos resultantes da ausência de informações que devem ser essenciais para que o pedestre (ou o usuário em qualquer outro modal de transporte) possa se orientar e realizar as suas atividades com autonomia e segurança. Este capítulo busca fazer uma reflexão teórica e metodológica sobre a relação da sinalização urbana e a apreensão do espaço pelo pedestre em áreas históricas, tomando como base o exemplo do Centro Histórico da cidade de João Pessoa – PB. Para isso, trabalhar-se-á com a acessibilidade como elemento essencial na significação1 da cidade e de seus espaços, pois como afirma Dischinger et al. (2012),

90

O conceito amplo de acessibilidade espacial está relacionado ao direito de todos os cidadãos terem acesso e participação necessários para o uso efetivo dos espaços, promovendo a inclusão e o exercício da cidadania para todas as pessoas sem discriminação. Consequentemente, um espaço acessível é aquele de fácil compreensão, que permite ao usuário ir e vir e comunicar-se, assim como fazer parte de todas as atividades que esse espaço proporcione com segurança, conforto e autonomia independentemente de suas necessidades específicas.

A inserção de acessibilidade na cidade assegura ao pedestre, tenha ele ou não alguma deficiência, o deslocamento seguro e confortável, a partir da junção de soluções e alternativas que eliminem ou minimizem obstáculos de acesso existentes/presentes no meio físico. A junção do fácil acesso às boas práticas de orientação espacial apontam variáveis importantes à boa compreensão do Espaço Público Livre (EPL), revelando fatores importantes para o seu usuário como: sinalizações diversas, comunicação, apropriação do espaço e integração ou exclusão espacial. Neste estudo, o Espaço Público Livre Tombado (EPLT) será associado e apresentado como exemplo do meio urbano que concentra impedimentos e barreiras arquitetônicas. O enfoque dessa discussão, portanto, busca contribuir com o planejamento do espaço e a melhoria de sua sinalização, favorecendo a legibilidade da cidade, com o mínimo de barreiras possíveis. Logo, a percepção de diferentes usuários e suas apreensões permitirão melhor compreender a relação entre o ambiente e sua orientação espacial.

SINALIZAÇÃO ESPACIAL Com a função de orientar e conduzir, a sinalização espacial proporciona aos usuários entendimento sobre os espaços da cidade. De tão integrada ao meio urbano, sua comunicação pode agir como modo intuitivo, ou desconecto, se as informações visuais, táteis e sonoras (ABNT, 2015) não se apresentem de modo claro e simples, pois como afirma Costa (1987, p.34), 91


A sinalização vem, assim, de um impulso intuitivo e mais tarde se converte em uma prática empírica, guiada pela experiência, que se desenvolve progressivamente e se aperfeiçoa na medida em que cresce o número de pessoas itinerantes, a necessidade, depois a facilidade e finalmente o prazer de passear, junto com a aparição da bicicleta, o surgimento do automóvel e o aumento crescente da velocidade.

Dessa forma, a sinalização deve ser capaz de promover orientação e inteligibilidade2, facilitando a mobilidade dos usuários, favorecendo a todos, inclusive aqueles com alguma deficiência e/ou mobilidade reduzida, já que, A mobilidade está intrinsecamente ligada ao sistema sensorial e cognitivo, que juntos trabalham as informações recebidas pelo indivíduo, reconhecendo os espaços e os elementos que o compõem. Nesse contexto, a sinalização espacial é essencial para a caminhada e orientação de toda e qualquer pessoa, contudo, a eficiência dos sistemas de informação é de significativa importância para as pessoas com deficiência visual, deficiência auditiva e idosos, na realização de um percurso mais dinâmico e seguro (MELO, 2011).

Vale salientar, ainda, que a facilidade de orientação dos usuários vai além de um bom sistema de sinais, devendo a esse estar associado o espaço e a supressão de barreiras arquitetônicas que possam impedir ou limitar o deslocamento e o fácil acesso. De acordo com Melo (2011), existem diversos meios que tornam os espaços acessíveis à mobilidade humana, como rampas, elevadores, corrimãos, alarmes, sinalização, pisos táteis entre outros. Esses elementos integram os três tipos de sinalização descritas pela NBR 9050 (ABNT, 2015): visual (textos, contrastes, símbolos e figuras); tátil (informações em relevo, como textos, símbolos e Braille) e sonora (recursos auditivos). Vê-se abaixo algumas das especificações sobre sinalização trazidas pela NBR 9050 (ABNT, 2015) como,

92

5.2.8.1.1 A sinalização deve ser localizada de forma a identificar claramente as utilidades disponíveis dos ambientes. Devem ser fiadas onde decisões são tomadas, em uma sequência lógica de orientação, de um ponto de partida ao ponto de chegada. Devem ser repetidas sempre que existir a possibilidade de alterações de direção. (grifo nosso) 5.2.8.1.4 A sinalização deve estar disposta em locais acessíveis para pessoa em cadeira de rodas, com deficiência visual, entre outros usuários, de tal forma que possa ser compreendida por todos. (grifo nosso) 5.2.8.1.5 Elementos de orientação e direcionamento devem ser instalados com forma lógica de orientação, quando não houver guias ou linhas de balizamento. 5.2.8.1.7 Planos e mapas acessíveis de orientação podem ser instalados, dependendo da funcionalidade e da circulação no espaço. 5.2.8.2.1 A sinalização deve estar instalada a uma altura que favoreça a legibilidade e clareza da informação, atendendo às pessoas com deficiência sentadas, em pé ou caminhando, respeitando a Seção 43. (grifo nosso) 5.2.8.2.2 A sinalização deve incorporar sinalização tátil e ou sonora. 5.4.6.2 Contraste tátil e visual A sinalização tátil e visual no piso deve ser detectável pelo contraste tátil e pelo contraste visual. 5.4.6.4 Sinalização tátil e visual direcional A sinalização tátil e visual direcional no piso deve ser instalada no sentido do deslocamento das pessoas, quando da ausência ou descontinuidade de linha-guia identificável, em ambientes internos ou externos, para indicar caminhos preferenciais de circulação.

93


Muitas são as especificações trazidas pela Norma 9050 (ABNT, 2015) — que versa sobre acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos — abarcando a sinalização, devendose atentar para uma sinalização autoexplicativa, perceptível e legível para todos, que contemple os princípios4 do desenho universal, como a fácil percepção, uso equitativo e flexível, uso simples e intuitivo, baixo esforço físico, dimensão e espaço para aproximação e uso e, tolerância ao erro. Dessa maneira, pensar a cidade pede um olhar ampliado sobre as transformações que a atingem todos os dias. As perdas e demandas ocasionadas pela má e rápida elaboração de projetos arquitetônicos e urbanísticos associadas à prática corrente de execuções lentas e descompromissadas com o “diferente”, não pode limitar o homem e seus percursos.

LEGIBILIDADE ESPACIAL Em parte consequência da presença ou ausência de sinalização na cidade, a legibilidade pode ser entendida como elemento chave na apreensão que o usuário tem do espaço urbano. Conceituada por Lynch (2011, p.2) como a “facilidade com que cada umas das partes [da cidade] pode ser reconhecida e organizada em um padrão coerente”, a partir de seus aspectos visuais, a legibilidade deve fazer parte de um sistema de informações claro e multilinguístico. Reconhecida como fator essencial na transmissão da informação, a legibilidade é também citada pela NBR 9050 (ABNT, 2015), quando indica que, 5.2.9.1.2 Legibilidade 5.2.9.1.2.1 Deve haver contraste, conforme Tabela 25, entre a sinalização visual (texto ou símbolo e fundo) e a superfície sobre a qual ela está afiada, cuidando para que a iluminação do

94

entorno ‒ natural ou artificial – não prejudique a compreensão da informação. 5.2.9.1.2.2 Os textos e símbolos, bem como o fundo das peças de sinalização, devem evitar o uso de materiais brilhantes e de alta reflexão, reduzindo o ofuscamento, e devem manter o LRV. 5.2.9.1.2.3 Quando a sinalização for retroiluminada, deve manter a relação de contraste.

Especificações como essas corroboram a importância da legibilidade como elemento importante para que a informação seja de fácil apreensão, sendo inclusive, esse um dos 7 itens do princípio do Desenho Universal, como visto a seguir, Essa característica do ambiente ou elemento espacial faz com que seja redundante e legível quanto a apresentações de informações vitais. Essas informações devem se apresentar em diferentes modos (visuais, verbais, táteis), fazendo com que a legibilidade da informação seja maximizada, sendo percebida por pessoas com diferentes habilidades (cegos, surdos, analfabetos, entre outros). (grifo nosso) (ABNT, 2015, p.139)

De acordo com a NBR 9050 (ABNT, 2015), este conceito deve ser relacionado ao homem e às suas necessidades, de maneira que os espaços internos e externos atendam um número maior de pessoas, incluindo toda diversidade existente e proporcionando maior conforto a todos. Dessa maneira, deve-se incentivar um sistema de sinalização que considere toda a população, servindo como referência para a orientação espacial e deslocamento na cidade. Assim, a acessibilidade dos espaços torna-se necessária para uma abordagem ampla, com a integração de componentes necessários – orientabilidade, deslocamento, comunicação e uso (DISCHINGER & BINS ELY, 2004). Dischinger, Bins Ely e Piardi (2012) descrevem cada componente a seguir, 95


Orientação: a orientação espacial é determinada pelas características ambientais que permitem aos indivíduos reconhecer a identidade e funções dos espaços, localizar-se espacialmente e definir estratégias para seu deslocamento e uso. Comunicação: as condições de comunicação em um ambiente dizem respeito às possibilidades de troca de informações interpessoais, ou troca de informações através da utilização de equipamentos de tecnologia assistiva6 , que permitam o acesso, a compreensão e o uso das atividades existentes. [...] A avaliação das condições de comunicação é especialmente importante para melhorar a independência e autonomia de pessoas com deficiência auditiva, problemas na fala, ou deficiência cognitiva; Deslocamento: boas condições de deslocamento referem-se à possibilidade de qualquer pessoa poder movimentar-se ao longo de percursos horizontais e verticais (saguões, escadas, corredores, rampas, elevadores) de forma independente, segura e confortável sem interrupções e livre de barreiras físicas. Logo, quando houver desníveis devem existir sistemas alternativos de deslocamento tais como rampas e/ou elevadores. [...] Também é essencial a verificação da continuidade, dimensões, revestimentos e declividades dos percursos para pessoas com deficiências motoras, que necessitam utilizar muletas ou cadeira de rodas ou para pessoas com problema de equilíbrio; Uso: o uso dos espaços e dos equipamentos diz respeito à possibilidade real de participação e realização de atividades por todas as pessoas. Por exemplo, um aluno que chega à sua sala de aula e possui deficiência múltipla, que afeta sua locomoção e capacidade de visão, deve poder usar a carteira de forma adequada assim como sentar-se próximo à lousa e deslocar-se dentro da sala de aula.

A interação destes quatro componentes é importante, e o não cumprimento de um deles afeta todos os demais, dificultando, ou até 96

mesmo impedindo, o acesso das pessoas aos ambientes. Conclui-se que para o ambiente ser legível é necessário, então, que o espaço seja de fácil compreensão: bem sinalizado, organizado, com uma linguagem simples e sem obstáculos físicos que impeçam a locomoção. De acordo com Dischinger (et al., 2012), Orientar-se espacialmente significa compreender o espaço de modo que os usuários reconheçam e definam suas estratégias de deslocamento. Nesse sentido, a orientação espacial não só depende das configurações arquitetônicas e sistemas de informação, como também das condições dos usuários de tomar decisões e agir.

Logo, para melhorar a integração social, o uso do espaço deve ser pensado para todos, como uma forma inclusiva de projetar e de permitir a todas as pessoas, condições favoráveis para que possam realizar as suas atividades com segurança e autonomia.

ACESSO ÀS ÁREAS HISTÓRICAS O acesso à cidade é um direito assegurado desde a Constituição Federal (BRASIL, 1988). Nesse sentido, o Estado compromete-se em prover o acesso de toda população aos espaços públicos livres7, promovendo a sociabilização e o exercício de cidadania, quaisquer que sejam as condições ou limitações dos usuários. Percebe-se, no entanto, que em grande parte da cidade esse direito é negado, quando se aponta a ausência de acessibilidade em seu meio que, embora regulamentada pelo Decreto-Lei 5.296 (BRASIL, 2004), que afirma que a concepção e a implantação dos projetos arquitetônicos e urbanísticos devem atender aos princípios do desenho universal; tendo como referências básicas as normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, a legislação específica e as regras contidas nesse decreto; poucas adaptações se veem efetivamente, capazes de sanar o déficit de acesso contidos no meio urbano.

97


Conforme Narciso (2009) o espaço público constitui, ou deveria constituir, uma fonte de forte representação pessoal, cultural e social, pois trata-se de um espaço simbólico onde se opõem e se respondem aos discursos, na sua maioria contraditórios, dos agentes políticos, sociais, religiosos, culturais e intelectuais que constituem uma sociedade. O que dizer, então, dos espaços públicos livres tombados? Quando o EPL é tombado recai sobre esse um caráter histórico que por muitas vezes limita as possibilidades de adaptações de acessibilidade e transformações maiores, devendo-se atentar às instruções inscritas na legislação que protegem o bem, mantendo-o conservado. Contudo, manter-se apoiado no fato de um bem ser tombado para evitar ou adiar uma imprescindível intervenção, configura descuido para com uma legislação e descompromisso com o exercício profissional e, sobretudo, desrespeito às pessoas que de alguma maneira são impedidas de visitar estes espaços. Para Gomes (2002), O que constrói o espaço público é a obediência à lei e a seus limites, na perspectiva da submissão às regras pactuadas de civilidade e sociabilidade. Desse modo, a vivência no espaço público está intrinsecamente relacionada com a questão da cidadania. Assim, se o espaço público tombado de valor patrimonial, refere-se ao bem comum, o discurso do direito à cidade não deve se tornar um argumento falho quando envolver estes bens, nem tão pouco ser entendido como uma contestação que invalida os valores históricos dos mesmos.

Cercados de ambientes protegidos, os EPLT englobam, além de valores comuns (sociais, políticos e econômicos), valores históricos e estéticos associados à sua imagem, representando sua importância mediante a cultura e humanidade. Refletir sobre o resgate de sua dinâmica espacial significa devolver à população um bem que a ela pertence, e que deve servir como ambientes de integração social.

DIVERSIDADE DE USUÁRIOS NO ESPAÇO PÚBLICO O ambiente urbano é frequentado por uma grande diversidade de usuários, de todas as faixas etárias e classes sociais; e, de acordo com estatísticas do IBGE (2012), 45 milhões de brasileiros apresentam algum tipo de deficiência e encontram barreiras que dificultam seu acesso ao meio urbano e/ou edificado. Incluem-se nessa categoria as pessoas com alguma dificuldade de enxergar, de ouvir, de locomoverse (além de idosos e gestantes/lactantes) ou com alguma deficiência física ou intelectual, o que representa um percentual de 24,23% da população total, e reforça a necessidade de prover uma vida em igualdade de condições de acesso a estas pessoas. Dados como esses denotam a necessidade de se planejar espaços de forma bem sinalizada, para proporcionar um uso igualitário e democrático, que não se distancie da responsabilidade de levar aos seus usuários ambientes acessíveis, logo que a desvantagem ocasionada no ambiente pela ausência de sinalização acaba por criar certa incapacidade na realização de ações e atividades das Pessoa com Deficiência e/ou mobilidade reduzida (Figura 1). O Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana – Brasil Acessível, descreve em seu segundo Caderno (Brasil Acessível, 2006) esta relação.

DEFICIÊNCIA

Condição do Indivíduo em relação aos padrões estabelecidos.

INCAPACIDADE

Impedimento ou limitação das ações causadas por consequência da deficiência.

DESVANTAGEM

Situação negativa dada aos indivíduos impedidos ou limitados em relação às demais pessoas. 98

Figura 1: Relação Deficiência – Incapacidade – Desvantagem. Fonte: Brasil Acessível (2006).

99


Não bastasse a falta de sinalização e informações necessárias à compreensão do espaço visitado, essa parte da população também sofre com negligenciamentos e o crescimento de barreiras que continuam a se espalhar pela cidade, como afirmam Duarte e Cohen (2010, p. 91), A relação de obstáculos encontrados na cidade é grande, assistindo-se diariamente ao surgimento de novos obstáculos, às vezes intransponíveis. Tais impedimentos têm sido mencionados tanto pelas pessoas com deficiência e restrição de mobilidade, quanto por muitos pesquisadores do assunto e, com isso, temos visto com preocupação a volta do tema das barreiras físicas ou de acesso desvinculado de suas implicações na busca pela agradabilidade ou pelo sentido de pertencimento aos Lugares.

Vê-se então, que a apreensão do espaço urbano compreende uma gama de variáveis relacionadas às possibilidades de acesso a um local, discussão que engloba aspectos que vão desde a identificação das trajetórias das pessoas ao se deslocarem em/para áreas específicas e as atividades que ali acontecem (ELALI et al., 2010). A tentativa de acesso a um determinado local, seja por PcD e/ou mobilidade reduzida, envolve maior grau de percepção quanto às barreiras (ABNT, 2015) e sinalização ali presentes. Deve-se entender, portanto, que esses fatores irão influenciar diretamente (positiva ou negativamente) na sensação e experiência do usuário nesses locais. O grau de satisfação do pedestre é que será capaz de classificar o ambiente como de fácil leitura e apreensão. Nesse contexto, o Programa Brasil Acessível (2006) traz em seu segundo Caderno a classificação das barreiras encontradas na cidade, agrupando-as em barreiras físicas, barreiras tecnológicas e barreiras atitudinais. Elali (et al., 2010) desmembra essa classificação, adotando a existência de quatro tipos de barreiras — físicas, comunicacionais, sociais e atitudinais —, as quais descreve como escrito a seguir:

100

Barreira Física (ou arquitetônica) – obstáculos para o uso adequado do meio, geralmente originados pela morfologia de edifícios ou áreas urbanas. Exemplificam tais barreiras: degraus impedindo a circulação dos pedestres nas calçadas; janelas altas que dificultam a visualização do exterior e não podem ser manuseadas por crianças, idosos e/ou pessoas com estatura reduzida; portas estreitas que não deixam passar uma cadeira de rodas. Barreira Comunicacional – dificuldade gerada pela falta de informações a respeito do local, em função dos sistemas de comunicação disponíveis (ou não) em seu entorno, quer visuais (inclusive em braille), lumínicos e/ou auditivos. Ilustram essa ideia: falta de sinalização urbana, impedindo alguém de chegar a um determinado bairro. Inexistência de comunicação interna nos edifícios, dificultando a localização de uma sala. Esse é o tipo de dificuldade encontrado por analfabetos em situações em que ler é uma habilidade imprescindível, ou pela pessoa que chega a um país estrangeiro e não consegue entender placas escritas na língua local. Note-se que a barreira comunicacional pressupõe haver um estágio mental prévio que antecede a ida de uma pessoa a um local, viabilizando-a (ou não). (grifo nosso) Barreira Social – relativa aos processos de exclusão/inclusão social de grupos ou categorias de pessoas, especialmente no que se refere às chamadas “minorias” como grupos étnicos, homossexuais, pessoas com deficiência (física ou mental), entre outros (grifo nosso). Barreira Atitudinal – gerada pelas atitudes e comportamentos dos indivíduos, impedindo o acesso de outras pessoas a algum local, quer isso aconteça de modo intencional ou não. São situações comuns a esse tipo de barreira: o motorista que estaciona veículo sobre a calçada, dificultando a circulação de pedestres; a pessoa que, para deixar o local mais atraente, coloca um vaso com plantas no patamar da rampa de acesso a um edifício, embora isso dificulte a passagem de uma pessoa em cadeira de rodas.

101


Percebendo dessa maneira que as barreiras perpassam o ambiente físico, acrescente-se ao espaço produzido, não apenas aquilo que pareça palpável e ao alcance da visão, mas principalmente o que é perceptível/sentido por todos que fazem uso daquele local. Afinal, as impressões montadas pela experiência ambiental estruturam a interação entre o usuário e o ambiente. A sensação de não pertencimento gerada pela dificuldade de acessar um local exclui, ainda, a possibilidade de afeto. O indivíduo passa, então, a sentir-se excluído do meio em que vive. Para Duarte e Cohen (2007, p.122), quando não acessíveis, os espaços agem como atores de um apartheid silencioso que acabam por gerar a consciência de exclusão da própria sociedade. Processos como este, de separação entre pessoas, ocorrido na África do Sul entre os anos de 1948 a 1994, embora diferentes, são vistos ainda hoje. Nesse tipo de segregação a exclusão não é ditada pela força e autoritarismo, nem tampouco escancarada, pois é preciso sensibilidade acerca do espaço das cidades ou, então, a detenção de alguma deficiência ou mobilidade reduzida. Esse processo pode ser também denominado de exclusão espacial. Desenvolvido por Duarte e Cohen (1995), este conceito encara o espaço como um ator que se relaciona com o usuário de forma a excluí-lo ou a incluí-lo no âmbito de uma inter-relação espacial, acontecendo, pois, quando os espaços se transformam na materialização das práticas segregatórias e da visão de mundo de sociedade que dá menor valor às diferenças (sociais ou físicas). Para as autoras citadas, “por mais que a sociedade apresente um discurso que condena a exclusão social, os espaços que ela cria falam por ela, muitas vezes contradizendo o que proclama. A Exclusão Espacial passa, então, a significar (também) a exclusão social”, pois também é acompanhada da declaração expressa de preconceito e desrespeito ao próximo. Exemplos de ações como estas estão espalhadas nas cidades, na construção de edifícios, de ruas e calçadas. São obstáculos muitas vezes de fácil transposição e imperceptíveis para alguns, como desníveis e a falta de sinalização visual (elementos que, por meio de sinais, comunicam informações visuais), mas que acabam por gerar grandes dificuldades a quem não pode simplesmente transpô-los.

102

A prática do desenho universal e de um ambiente “livre de barreiras” colabora com a produção de espaços igualitários e de melhor qualidade de vida, sanando os recorrentes problemas de acesso dispostos nos ambientes.

PERCEPÇÃO DO USUÁRIO A acessibilidade está assim, relacionada ao ambiente físico, mas também às percepções. O fato de um ambiente ser acessível indica que, além de fácil e seguro em acessos e espaços, também é capaz de proporcionar ao seu visitante sensações de pertencimento, afetividade e experiência ambiental. Isso significa que em torno dessa palavra há um sistema complexo de ações e atividades que deve ser considerado e implementado ao meio urbano. A relação do homem e o ambiente que o insere é relevante, logo se torna necessário compreender a interferência de um sobre o outro, e como essa simbiose ocorre em ambientes ora sinalizados, ora inacessíveis. Para tanto, pode-se compreender que a inacessibilidade dos espaços pode vir a comprometer os processos de afeto e de construção do Lugar, impedindo muito mais do que o acesso, já que interferem na sua construção identitária e na sua relação com o outro (DUARTE e COHEN, 2010). As inúmeras barreiras arquitetônicas, definidas pela NBR 9050 (ABNT, 2015) como “qualquer elemento natural, instalado ou edificado que impeça a aproximação, transferência ou circulação no espaço, mobiliário ou equipamento urbano”, encontradas nas cidades e, inclusive em seus Centros Históricos são, em parte, a causa da quebra desse vínculo, pois impedem que sensações sejam experimentadas e presenciadas nestes espaços. A relação inicial entre o ambiente e seu usuário é barrada pela falta de acesso e a percepção, consequência de estímulos provocados por tal ambiente sobre os sentidos dos usuários é impedida (REIS e LAY, 2010, p. 106). Sendo assim, o descaso ocorrido em áreas históricas, somado a questões como a inacessibilidade e o conflito de sinais presentes nesses locais, pode impedir possíveis experiências, tornando o EPLT uma área distante da memória comum de seus habitantes. O que 103


deveria, então, fazer parte da cultura local acaba ganhando certo esquecimento. Acredita-se que o uso constante dessas áreas ainda é a melhor solução para a redução de barreiras e entraves de diferentes naturezas (sociais, políticas, econômicas etc.), uma vez que à dinâmica desses centros deverá ser incorporada uma nova rotina de uso da cidade. Dessa maneira, A preservação não deve restringir a capacidade vital dos centros históricos, mas sim considerá-los como elementos vivos, em evolução permanente, como corresponde a sua característica de assentamento humano, na qual a degradação que produz será sempre menor que a produzida pelo abandono. (IPHAN, 1987)

É importante para a população o convívio com o EPLT e suas edificações. O valor cultural dessas áreas permanece vivo, no entanto é necessário comprometimento e ações que possam valorizar a integração da sociedade e o acesso a esses bens.

METODOLOGIA Aporte teórico e conceitual sobre acessibilidade/ sinalização espacial/percepção do usuário e o Espaço Público Livre Tombado (EPLT)

Reunião de experiências de inserção de Rotas no EPLT

Reconhecimento do espaço por meio do Walkthrough

ANÁLISE E APREENSÃO DO USUÁRIO Realização do Passeio Acompanhado e de Entrevistas por Rotas

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS METODOLOGIA APLICADA NO CENTRO HISTÓRICO Objeto de estudos anteriores, o Centro Histórico da cidade de João Pessoa/PB foi escolhido como suporte para o desenvolvimento dessa pesquisa, por possuir um extenso EPLT, com grande número de monumentos estaduais e federais tombados e por conter uma Rota predeterminada (RTP) “para o passeio do pedestre e a contínua valorização de seu patrimônio” (PMJP, 2004). As etapas descritas na Figura 2 revelam a metodologia aplicada nesse capítulo.

104

Inicialmente foi necessário abordar aspectos sobre sinalização espacial presentes no EPL, como componentes da acessibilidade espacial, tipos de barreiras, legibilidade e apreensão do usuário. Por sua vez, esses conceitos foram trabalhados no EPLT, recorrendose a exemplos de Rotas inseridas nesses espaços, o que se tornou fundamental para a percepção e dinâmica lá existente. Logo, com o objetivo de gerar um primeiro contato entre o pesquisador e objeto de estudo (o RTP), aplicou-se o walkthrough – técnica de análise que consiste em percorrer a área de interesse tomando nota e observando os seus principais aspectos (negativos e positivos). De acordo com Rheingantz (2007), o registro das informações coletadas pode ser feito de diversos modos – anotações, gravações, desenhos ou fotos.

Figura 2: Esquema da metodologia aplicada nessa pesquisa.

105


Figura 3: Localização do RTP no Centro Histórico de João Pessoa - PB. Fonte: Mapa elaborado e georreferenciado no QGIS, a partir da base de dados da PMJP (MATIAS, 2015) – adaptado pelas autoras, 2016.

Para Rienman (1995) o walkthrough trata da “avaliação do desenho de interfaces, com especial atenção para o suporte que a interface pode dar a uma aprendizagem exploratória, ou seja, a utilização pela primeira vez, sem nenhum treino prévio.” Sendo assim, “pretende responder a uma questão: até que ponto consegue o sistema em análise guiar um utilizador não treinado na sua utilização, de modo a permitir-lhe atingir os seus objetivos?”. O walkthrough contemplou todo o percurso do RTP (Figuras 3 e 4) e seu entorno, o que envolveu um contato extenso e de reconhecimento com significativa porção do CH (Centro Histórico) de João Pessoa, de maneira que ocorresse a familiarização do pesquisador com o espaço em estudo.

Os dados levantados pelo walkthrough indicaram a reflexão dos instrumentos a serem aplicados na pesquisa, bem como pontos que mereciam um maior estudo em todo o objeto avaliado, como a possível identificação de trechos do RTP que apresentavam, a princípio, um maior potencial de inserção de acessibilidade, a exemplo de calçadas mais largas e conectadas com os monumentos desse CH. A escolha dos usuários se deu por meio dos quatro grupos distintos apresentados por Duarte e Cohen (2006): pessoas com restrições8 visuais; pessoas com restrições motoras; pessoas com restrições auditivas e pessoas com restrições múltiplas combinadas9. 106

Figura 4: Divisão do RTP entre os 05 usuários selecionados para realização do passeio acompanhado. Fonte: Mapa elaborado e georreferenciado no QGIS, a partir da base de dados da PMJP (MATIAS, 2015) – Adaptado pelas autoras, 2016.

107


Para tanto, as restrições adotadas para este estudo foram: deficiência física (uso de cadeira de rodas); deficiência visual; deficiência auditiva (pessoa surda oralizada10); mobilidade reduzida (idoso) e; turista, considerando como limitação, a ausência de contato com a área avaliada, ou seja, a não prévia orientação do espaço a ser visitado. Distribuídos, então, entre os 05 tipos de usuários (Figura 4), os trechos do RTP puderam ser analisados mediante a experiência do

pedestre, com a realização do método do passeio acompanhado. Ressalta-se que a distribuição dos trechos por usuários foi realizada de maneira aleatória. Segundo Guimarães (et al., 2006) o passeio acompanhado avalia a interface entre usuário e o espaço edificado. Nesse processo dois aspectos são fundamentais: como se configuram os espaços (aspectos técnicos) e a capacidade das pessoas que interagem com ele (aspectos humanos). Essa técnica consiste em uma forma de leitura e compreensão do espaço, na qual há integração entre pesquisador e usuário, que avaliam as condições de uso do espaço físico através da percepção do usuário em situações reais (DISCHINGER, 2000). Desenvolvido a partir de visitas supervisionadas no local em estudo, os percursos e atividades já previamente definidas pelo pesquisador foram realizadas por usuários convidados e, deu-se por 3 pessoas com deficiência, 1 pessoa com mobilidade reduzida e 1 pessoa sem deficiência e turista. Desses 5 usuários, 2 não conheciam o CH de João Pessoa (turista e pessoa com deficiência visual, moradora da cidade) e, o restante, também residente daqui, já havia tido contato com a área, mas não especificamente com o RTP. A participação do usuário trouxe o entendimento das reais necessidades do roteiro e as decisões de projeto contidas em seu trajeto que lhes foram benéficas, ou seja, que auxiliaram a uma boa apreensão da rota. A transposição ou não dos obstáculos existentes no RTP permitiu verificar a eficiência de sua configuração para o uso de pessoas com restrições distintas, a partir dos elementos de acessibilidade e sinalização espacial, da comunicação com o usuário, do desenho de piso e da conexão entre os trajetos estabelecidos.

108

CARACTERIZAÇÃO DO RTP A realização do walkthrough revelou o sistema de sinalização existente no RTP, bem como os elementos inseridos em seu trajeto com a intenção de orientar o usuário no CH de João Pessoa. O que se constatou foi a presença de placas visuais informativas como as apresentadas na Figura 5. Figura 5: Identificação do sistema de sinalização contido no RTP. Fonte: Mapa, (MATIAS, 2015) – adaptado pelas autoras, 2016; Imagens - acervo pessoal, 2015.

Esse método também permitiu verificar as condições de acessibilidade (Figura 6) presentes na Rota.

109


Figura 6: Síntese das observações da análise do walkthrough. Fonte: Mapa elaborado e georreferenciado no QGIS a partir da base de dados da PMJP, 2015; Fotografias – acervo pessoal, 2014 (MATIAS, 2015) – adaptado pelas autoras, 2016.

Descrição das fotografias: (A) placa de sinalização com elementos textuais sem contraste e de difícil visualização por pessoas de baixa visão; (B) travessia de pedestres sem demarcação e sinalização e, com rebaixamento de calçada apenas

A princípio, a parte física do RTP indicou problemas de acessibilidade no percurso ao longo do CH, comuns, inclusive, aos demais espaços públicos. Contudo, por se tratar de uma rota turística, a sinalização observada deveria ter recebido uma atenção especial, mas identificou-se um sistema de informações falho e excludente, apenas localizando/informando ao visitante/usuário sobre a sequência dos monumentos a serem visitados. De acordo com o IPHAN (2014, p.66) “a definição de caminhos turísticos para pedestres e pessoas com deficiência deve considerar os aspectos de segurança, acessibilidade, conforto e atratividade”, fatores esses que ultrapassam o conceito de sinalização adotado no RTP, cujo sistema de sinais é baseado, unicamente, na inserção de placas interpretativas e de pedestres no passeio. O objetivo de conduzir o pedestre de forma agradável e segura por uma Rota Turística no CH de João Pessoa não pareceu estar sendo cumprido. Durante a aplicação dessa técnica, presenciou-se no RTP (trecho das Praças Pedro Américo e Aristides Lobo) um grupo de turistas consultando as placas existentes, contudo, a sinalização não pareceu contribuir com a orientação dos usuários, já que os mesmos também recorreram às pessoas que se encontravam pela área; indicando que a informação das placas não foi clara o suficiente para eles. Apesar de representar uma obra importante para a cidade, o RTP não pareceu, pois, funcionar adequadamente, tanto que não foi identificada uma marcação no piso que pudesse indicar a presença da rota naquele EPLT, revelando a falta de reconhecimento desse trajeto por parte da população de João Pessoa e parte dos turistas que visitam seu CH. Logo, como conclusão da aplicação dessa técnica, observou-se a necessidade de se haver uma melhoria substancial no sistema de sinalização do RTP, com inclusão de novos elementos de informação, como textos em Braille, sinalização sonora, pisos podotáteis, reformas no passeio, rebaixamento de calçadas e guias, inserção de rampas em diversos acessos, entre outros, assim como é indicado no Caderno Técnico 9 (IPHAN, 2014, p. 65),

em um dos lados da via; (C) passeio degradado e esburacado; (D) placa de sinalização degradada, sem manutenção e sinalização em braille; (E) desníveis acentuados identificados no trecho; (F) mobiliário urbano e obstáculos sobre a calçada (faixa livre de circulação); (G) passeios com largas calçadas; (H) caixa de concessionária desnivelada com o

110

passeio; (I) e (J) passeios com largas calçadas.

111


A sinalização turística deve ser compatibilizada com a de trânsito e, nas cidades históricas tombadas, deve valorizar o bem cultural. A estratégia de sinalização deve partir da definição de como pedestres, pessoas com deficiência e usuários de bicicletas e outros veículos podem utilizar a infraestrutura urbana para atingir os atrativos existentes por meio da escolha dos melhores trajetos.

Esperava-se ver no RTP um sistema complexo de informações de orientação ao uso do espaço urbano, que permitisse o acesso e alcance ao Patrimônio e serviços (transporte público, comércio), tornando “os espaços das cidades mais agradáveis e convidativos à fruição, fazendo com que se economize tempo e consumo de energia” (IPHAN, 2014), mas a realidade encontrada foi diferente.

APREENSÃO DO USUÁRIO Em geral os usuários dessa Rota mostraram-se desconfortáveis ao percorrê-la, visto que o sistema de sinalização não pareceu comunicar facilmente o trajeto indicado. A experiência de cada um pode ser vista nos tópicos a seguir: - Usuária com Deficiência Visual (cega): a dificuldade em localizarse no espaço e propriamente na Rota indicou falha na orientação espacial do RTP, visto que nenhum dos elementos de sinalização disponíveis auxiliou com informações sobre o espaço a ser visitado. A sensação de não-pertencimento foi evidenciada pela usuária em seu percurso, já que o espaço visitado deveria atender às suas aspirações e anseios enquanto usuária. Logo, como fazer uso de um sistema que, embora classificando-se como “acessível”, não dispõe de sinalizações diversas, como textos em Braille em placas ou sinais sonoros para o uso e direcionamento de pessoas com deficiência visual? A falta de comunicação e a insegurança gerada pelo desconforto em atravessar as pistas de rolamento, baseando-se apenas no som dos carros, ocasionada pela predominância11 da sinalização visual e pela ausência de sinalização tátil12 que, utilizada de forma indiscriminada13 (pisos táteis direcional e de alerta) acaba por atrapalhar o deslocamento 112

da pessoa com deficiência visual, impossibilitou a usuária de se identificar com o lugar e de fazer uso do espaço como deveria. Como indicação de melhoria para o RTP a usuária citou a associação de um guia em Braille para orientação nessa Rota, a colocação de rampas bem sinalizadas com a indicação prévia de sua localização para a pessoa com deficiência visual; equipamentos de áudio, ou, até mesmo um guia Turístico que pudesse auxiliar o transitar pela Rota. Por fim a usuária conclui, afirmando que “é muito mais fácil alguém pensar por nós, achar que aquilo é bom, que supre a necessidade, do que sentar e conversar e acatar sugestões realmente daquelas pessoas que precisam, porque nada melhor que a pessoa que vai usufruir daquilo […] para ter a sua acessibilidade, seu direito de ir e vir”. - Usuária com Deficiência Auditiva: A experiência da usuária nesse trecho foi positiva. O resultado da avaliação física confirmou a sensação de pertencimento relatada, no entanto, observou-se que o reconhecimento do local favoreceu momentos de desorientação, em que as placas do Roteiro não auxiliaram o sentido a ser percorrido. Para a usuária “a questão visual pode ser melhorada. As placas precisam ser mais coerentes […] na rota”, pois “essa questão de continuidade é muito importante, senão você se sente perdida. Não se sabe o que vem adiante”. A usuária relatou dificuldade quanto à visitação aos monumentos e à associação e sua conexão às placas inseridas no Roteiro, assim como o desordenado distanciamento entre essas. Em algumas situações houve desorientação causada pela necessidade de maior atenção sobre a área visitada, para que o local percorrido fosse, naquele instante, descoberto e identificado, fator esse que poderia ser sanado pelo aumento das informações dispostas e da quantidade de placas de sinalização no RTP. - Usuária com Deficiência Física: Para a usuária percorrer esse trecho foi necessária a ajuda constante de terceiros, visto que o local, apesar de não possuir um relevo acidentado, apresentou um percurso com poucos elementos que puderam facilitar o deslocamento no RTP. Esse fator interferiu no processo de moldagem do lugar visitado, afetando negativamente a sua relação usuário-ambiente e identidade de lugar.

113


O fato das calçadas não serem adequadas e conterem barreiras arquitetônicas (buracos e desníveis) obrigou a usuária a transitar pela pista de rolamento, comprometendo a segurança dessa e fazendo-a disputar espaço com outros meios de transporte, como carros e bicicletas. “O povo pensa que acessibilidade é uma rampa, mas às vezes tem um buraco na ponta; ou uma porta larga e, não é assim!” A sinalização do Roteiro foi classificada como “falha” pela usuária. Diversos são os motivos observados que a levaram ter essa impressão, como a falta de manutenção das placas (muitas estão com as informações apagadas tornando-se ilegíveis) e a ausência de rampas para a transposição de barreiras físicas (diferença de nível em calçadas e pistas de rolamento), fundamentais ao uso de pessoas cadeirantes. A fala da pedestre mostra a falha de uso e comunicação do espaço, uma vez que esse a impede de se sentir parte dele. “São tantos impecílios que a gente encontra que, mesmo sendo uma área histórica não dá para ir ver, porque não dá para mexer em nada, então o povo nem vem.” - Usuário com Mobilidade Reduzida (idoso): percorrido pelo usuário idoso esse trecho foi classificado como “cansativo”. As ladeiras e difíceis acessos identificados (Ladeira de São Francisco e ladeira de acesso ao Porto do Capim) implicaram instantes inseguros, “produzindo” no pedestre sensações e experiências contrárias ao que se espera da apropriação e contato com os espaços da cidade. A ausência de placas em alguns trechos do RTP interferiu na legibilidade e identificação dos monumentos percorridos, visto que muitos não eram de conhecimento do pedestre. Por diversas vezes, o usuário teve de seguir o Roteiro pela pista de rolamento, logo, citou-se a necessidade de ter, na Rota, pisos antiderrapantes, com a manutenção e limpeza constante. “As calçadas estreitas, os postes e lixos não ajudam caminhar por aqui. A calçada é estreita demais, muitas têm buracos e não são conservadas. Para mim, fica difícil visitar um lugar assim, fico com medo de cair”. A informação contida nas placas, mais uma vez, não se mostrou eficiente (evidência de barreira comunicacional), fazendo o usuário recorrer a ajuda de terceiros para se orientar na Rota. Tanto que foi sugerido por esse “a ajuda de um guia que fosse orientando o passeio e o que fosse sendo visto”. 114

- Pessoa sem Deficiência (turista): O trecho percorrido pela turista não causou grandes dificuldades em seu deslocamento. Os buracos constantes não a impediram de seguir adiante, no entanto, em suas observações foi relatada que “para pessoas idosas ou um cadeirante seria bem difícil passear por essas áreas sem um apoio”. A quantidade de placas não impediu a usuária de seguir no RTP, mas lhe causou incômodo, fazendo-a solicitar ajuda de terceiros. O conteúdo e altura das Placas de Rotas de Pedestres foi outro fator negativo, já que a usuária lia com dificuldade14 as informações nelas contidas. Ao encontrar a Placa de Área Tombada ou de Mirante a pedestre afirmou sentir-se perdida, afetando a identidade de lugar por ela processada. Essa experiência indicou também a necessidade da reorganização das informações apresentadas por esse elemento. Ao final do percurso, a turista indicou o aumento da fonte do texto das placas e o maior contraste entre o plano de fundo e o texto dessas como melhoria para o trajeto, ou seja, maior legibilidade da informação, como o indicado nos tópicos passados pela NBR 9050 (ABNT, 2015). De posso da apreensão dos 5 tipos de usuários no RTP, deu-se prosseguimento à discussão e reflexão sobre os dados levantados.

DISCUSSÃO E REFLEXÃO A metodologia aplicada apontou problemas que dificultam e, em muitas situações, até impedem o deslocamento no RTP, como calçadas degradadas; ocupação de vegetação sobre o passeio; mobiliário urbano; entulhos e lixo sobre a faixa de circulação do pedestre; passeios estreitos; desnivelamento de grelhas e tampas de caixa de inspeção e visita com o piso, entre outros. A avaliação do usuário nos trechos por eles percorridos revelou, também, a dificuldade de caminhar no RTP, resultante da carência de elementos de sinalização (sonora, visual e tátil (ABNT, 2015)) que pudessem informar e comunicar ao pedestre sobre os espaços visitados, o que gerou desorientação espacial. Além disso, para os usuários, as informações contidas nas placas do Roteiro mostraramse ilegíveis e confusas em certos momentos, não favorecendo a autonomia no trajeto. 115


O modo de apresentação das informações (diagramação) contidas nas placas visuais informativas limitaram o usuário com deficiência visual, já que não havia textos em Braille, contrastes e fontes diferenciadas, restando a esses recorrer ao auxílio de pessoas que transitavam pela área. A junção dos resultados obtidos por meio do emprego dos métodos expostos somente confirmou a realidade crítica desse Roteiro, logo que, cada um, em sua especificidade, apresentou problemas relacionados à inacessibilidade. O cruzamento dos resultados do walkthrough (caracterização física do RTP) e percepção do usuário denotou forte ligação desses fatores com o conforto e acessibilidade espacial existentes na Rota. Em 4 dos 5 trechos avaliados (com exceção do trecho 5, percorrido pelo turista), a dificuldade de acesso, somada às barreiras (físicas, sociais, comunicacionais e atitudinais) implicou no desconforto e apreensão negativa do percurso por parte dos usuários. O Quadro 1 ao lado apresenta a junção dos resultados obtidos nessa pesquisa. Nesses trechos citados acima a inacessibilidade gerou insatisfação e desequilíbrio frente à vivência dos participantes dos passeios acompanhados. As barreiras apontadas nessas “rotas” inviabilizaram o acesso seguro e autônomo em todo percurso e a deficiência de cada usuário adquiriu “peso maior” em consequência da não adequação do espaço ao uso igualitário. Percebeu-se, dessa maneira, que experiências ambientais foram deturpadas quando nesse Roteiro não foi considerada a inserção de acessibilidade (sinalização espacial, legibilidade), ocorrendo rejeição dos usuários em alguns instantes. Ainda que a condição física do trecho percorrido pelo usuárioturista tenha se mostrado como de difícil acesso, a sua compreensão diante da Rota foi satisfatória, visto que a falta de uma sinalização adequada acabou sanada pelo fato de o turista não apresentar deficiência alguma como limitação, a não ser o não contato prévio com a área, sendo possível, para esse, transpor os obstáculos encontrados.

116

CARACTERIZAÇÃO FÍSICA

PERCEPÇÃO DO USUÁRIO

• Roteiro inacessível, não adequado ao uso por todas as pessoas;

• Roteiro de difícil apreensão e • Necessidade de sinalização fornecida precária; implantação de um sistema de sinalização (visual, tátil • Trechos que comprometem e sonora) adequada às relações de pertencimento, necessidades de todos os de afetividade, de apego tipos de usuários; e identidade ao lugar e • Retirada de obstáculos que, ainda podem implicar sobre os passeios e, de maneira negativa na fiscalização rigorosa durante ambiência do bem tombado. a construção, manutenção e uso desses espaços;

• Apontamento de barreiras físicas (passeios degradados, mobiliário sobre a faixa livre de circulação); comunicacionais (ausência de um sistema de sinalização tátil e sonoro); atitudinais (má comportamento da população, como estacionar motocicletas instalar lixeiras aleatoriamente sobre o passeio) e sociais (exclusão/impedimento) do acesso de pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida que queiram se deslocar fazendo somente o uso da Rota); • RTP com trechos em sua maior parte passíveis de inserção de acessibilidade; • Trechos pequenos com maiores dificuldades de adaptação.

REFLEXÃO GERAL

• Adequação do RTP à acessibilidade; • Integração e maior legibilidade dos monumentos informados ao longo do Roteiro; • Aplicação de estratégias que venham a reduzir os conflitos entre modais motorizados e não motorizados no trecho; • Modificações no trânsito local de maneira a reduzir o nível de ruídos e a poluição ambiental; • Desenvolvimento de ações de fiscalização e educativas, integradas à população, para conservação do Patrimônio. Quadro 1: Relação dos resultados obtidos após a análise no RTP. Fonte: MATIAS, 2015 – adaptado pelas autoras, 2016.

117


É importante ressaltar que, avaliações como essas, que medem a interferência do ambiente sobre o usuário, validam o reconhecimento de variáveis que alteram a sua sensação de conforto. Enquanto se apropria do EPLT, a reflexão de fatores que auxiliem a experiência desse com o espaço, sugere um modo de configuração e uso do RTP que promova boa comunicação e informação para com o usuário, através de um sistema de sinalização eficaz e de percursos fisicamente acessíveis. Logo, a adoção desse Roteiro como forma de aproximar a população da história da cidade de João Pessoa mostra-se como uma ação de planejamento falha, por não representar de fato, uma proposta de inserção de acessibilidade no CH de João Pessoa. Já a existência de um Roteiro adaptado e acessível representa, diferentemente, uma solução viável e satisfatória de resgatar o convívio dessa área, permitindo a conexão entre serviços, transportes e lotes sem cometer danos ao Patrimônio local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Não há uma fórmula que possa ser aplicada nos EPLT, a instância que os levou a ser tombados precisa ser mantida e salvaguardada, ao mesmo tempo que o desuso desse bem pode levá-lo à condenação, já que a falta de seu uso implica na sua falta de manutenção. Entretanto, sabe-se o que fazer acerca da inacessibilidade, mas por se tratar de uma área protegida essas possibilidades de adaptação acabam sendo muitas vezes inviáveis, por não manterem o patrimônio caracterizado. Encarada como uma necessidade de preservação das áreas históricas, o tombamento não pode se tornar ação única na manutenção desses espaços, senão o fator imagem, sozinho, será o elemento sempre de maior significado desse patrimônio para o restante da cidade, havendo outros fatores (integração, socialização, habitação, propagação da cultura, etc.) envolvidos e também importantes àquela parte da cidade. A ausência no RTP de um sistema de sinalização que considera pessoas com deficiências e limitações diversas veio a potencializar diversos problemas de acesso às pessoas que utilizam essa Rota como forma de orientação, uma vez que o conjunto de recursos presentes 118

no RTP está longe de possibilitar a orientação do usuário no espaço urbano em questão. Para isso ocorrer, seria necessário a implantação dos três tipos de sinalizações (visual, tátil e sonora) indicadas pela NBR 9050 (ABNT/2015), logo que a comunicação e orientação advindas desses elementos implicariam numa boa apreensão do ambiente. Conforme afirma Okamoto (2002, p. 9), a necessidade de “criar o ambiente perceptivo do homem para seu desenvolvimento adequado, utilizando uma linguagem ambiental” auxilia no processo de tradução/ legibilidade do patrimônio tombado. Nesse caso, a arquitetura tem o poder de agir e transformar o ambiente vivenciado. Busca-se com estas análises o encontro e a reflexão de possibilidades que possam ser reunidas e integradas aos EPLT, de forma a avaliar as condições que poderão levá-los à adaptações e melhorias no acesso ao seu meio. A reprodução de obras sem qualidade obriga uma maior reflexão sobre o planejamento urbano de todos os espaços das cidades. A análise deste RTP localizado no CH apenas confirma a deficiente sinalização que é constantemente reproduzida e implantada na cidade e que implica na dificuldade de acesso e no impedimento ou limitação das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida ao convívio do EPLT.

119


REFERÊNCIAS ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT, 2015. BRASIL. Ministério das Cidades. Programa Brasil Acessível - Construindo a cidade acessível. Caderno 2. 1 ed. Brasília, DF, 2006. ______. Decreto-Lei nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis n° 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. 2004. ______. Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,1988. COSTA, Jurandir Freire. Os interstícios da lei. In Saúde mental e cidadania. São Paulo, Mandacaru. 1987. DISCHINGER, Marta; LUZ, Greyce Kelly; BRANDÃO, Milena de Mesquita; BINS ELY, Vera Helena Moro. A Importância do Desenvolvimento de Métodos de Avaliação de Acessibilidade Espacial – Estudo de caso no Colégio de Aplicação – UFSC. In: NUTAU 2004. Anais. Disponível em <http://arq.ufsc. br/petarq/wp-content/uploads/2008/02/nutau-22.pdf>. Acesso em: 24 abril 2016. DISCHINGER, Marta; BINS ELY, Vera H. M; PIARDI, Sonia M. D. G.. Promovendo acessibilidade espacial nos edifícios públicos. Florianópolis: Ministério Público do Estado de Santa Catarina, 2012. 161 p.: il., tabs., mapas. DUARTE, Cristiane Rose; COHEN, Regina. A Acessibilidade como Fator de Construção do Lugar. In: LOPES et al. (Orgs.). Desenho Universal: caminhos da acessibilidade no Brasil. São Paulo: Ed. Annablume, 2010. p. 81 - 94.

IPHAN. Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portal do IPHAN: Tombamento. 2014. Disponível em: < h t t p : // p o r t a l . i p h a n . g o v . b r / p o r t a l / m o n t a r P a g i n a S e c a o . do?id=17738&sigla=Institucional&retorno=paginaInstitucional>. Acesso em: 22 abril 2016. _____. Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Mobilidade e acessibilidade urbana em centros históricos. 2014d. Organização de Sandra Bernardes Ribeiro – Brasília: IPHAN, 2014. 120 p. (Cadernos Técnicos; 9). LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. 3 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. – (Coleção Cidades) MATIAS, Emanoella Bella S. S. E.. Inserção de acessibilidade em áreas tombadas: Roteiro Turístico para Pedestres no Centro Histórico de João Pessoa – PB. Dissertação de Mestrado. João Pessoa: UFPB/PPGAU, 2015. NARCISO, Carla Alexandra Filipe. Espaço Público: ação política e práticas de apropriação. Conceito e procedências. Revista eletrônica: Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, Rio de Janeiro, ANO 9, N.2, P. 265-291, 2° SEMESTRE DE 2009. Disponível em: <http://www.revispsi.uerj.br/v9n2/artigos/pdf/v9n2a02. pdf>. Acesso em: 22 abril 2016. OKAMOTO, J. Percepção Ambiental na Arquitetura e na Comunicação. São Paulo Ed. Mackenzie. 2002 PASSINI, R. Wayfinding in architecture. New York: Van Nostrand Reinhold, 1992. PMJP. Prefeitura Municipal de João Pessoa. Memorial Descritivo do Projeto de Sinalização para Pedestres no Centro Histórico de João Pessoa. João Pessoa: Secretaria Executiva de Turismo, 2004. REIS, A. T. L.; LAY, M. C. D. Percepção e análise dos espaços: desenho universal. In: PRADO, A. R. de A.; LOPES, M. E.; ORNSTEIN, S. W. Desenho Universal: caminhos da acessibilidade no Brasil. 1ed. São Paulo: Annablume, 2010.

GOMES, P. C. da C.. A condição urbana: ensaios de geopolítica na cidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, 304 p. HAQ, S. Can space syntax predict environmental cognition? In: Second International Symposium on Space Syntax, Brasília, vol. 1, p. 44.1– 44.14, 1999. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2012. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/popul/default. asp?t=3&z=t&o=25&u1=1&u2=1&u3=1&u4=1&u5=1&u6=1>. Acesso em: 23 abril 2016.

120

121


Notas 1 Entendido aqui como a capacidade do pedestre em compreender e associar os elementos de sinalização espalhados pela cidade. 2

Aquilo que possui clareza. (Dicionário Aurélio, 2010)

3

Sobre parâmetros antropométricos.

4 Estes 7 conceitos são mundialmente adotados para qualquer programa de acessibilidade plena. Criado na década de 90 pelo arquiteto Ron Mace juntamente a um grupo de arquitetos e defensores devido a ideia e necessidade do surgimento não de uma nova ciência ou estilo, mas a percepção da necessidade de aproximarmos as coisas que projetamos e produzimos, tornando-as utilizáveis por todas as pessoas (CARLETTO, Ana Claudia; CAMBIAGHI, Silvana. Desenho Universal: um conceito para todos. Cartilha Técnica. 38p. Acesso em: 01 maio 2016. Disponível em: <http://www. youblisher.com/p/433879-Desenho-Universal-Um-conceito-para-todos/>.) 5

11 No RTP, encontram-se dois tipos de sinalização: visual (textos, placas, semáforos, rampas etc.) e tátil (apenas em forma de pisos táteis). A sinalização sonora é ausente nessa Rota. 12 A Sinalização Tátil inclui não somente a sinalização de pisos, mas também de todos os dispositivos de segurança ou não, utilizados na arquitetura tais como corrimãos, elevadores, banheiros e placas de identificação diversas e, até mesmo nos postes e placas de rua. Na maioria das vezes, estes elementos de sinalização tátil utilizam a Linguagem Braile para se fazer entender para as pessoas cegas ou com baixa visão (Blog Mozaik. Pisos Táteis ou podotáteis? Disponível em: <http://mozaik.com.br/blog/2010/06/16/pisostateis-ou-podotateis-qual-o-termo-certo-como-sao-classificados/>. Acesso em: 05 jul. 2015). 13 O walkthrough realizado no RTP indicou que a marcação e instalação desses pisos não seguem a NBR 9050 (ABNT/2004). 14 A usuária possuía hipermetropia, causando-lhe desconforto ao ler de longe.

Sobre a medição do contraste visual recomendado entre superfícies.

6 Área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (ATA VII Comitê de Ajudas Técnicas - CAT. Disponível em: <http://www.assistiva.com. br/>. Acesso em: 22 abril 2016). 7 Há espaços públicos totalmente livres (livre acesso) e os que, mesmo públicos, possuem uma certa restrição ao acesso. Nos espaços públicos livres, o direito de ir e vir é total e garantido a todos, sem qualquer tipo de diferenciação, exceto quando uma autoridade pública ou seu representante restringe esse acesso visando a segurança e a convivência de todos em harmonia (MOVIMENTO CONVIVA. O Espaço Público é de todos. Disponível em: <http://movimentoconviva.com.br/o-espaco-publico-e-de-todos/>. Acesso em: 23 abril 2016.) 8 O termo “restrições” colocado por Duarte e Cohen (2006) será adotado nesta pesquisa, como sinônimo de “deficiências”. 9 Esta pesquisa envolverá as deficiências descritas por Duarte e Cohen (2006), com exceção, apenas, das restrições múltiplas combinadas. 10 Que fala e compreende a Língua Portuguesa, com certo nível de dificuldade.

122

123


PARTE 2

CONFIGURAÇÃO, PRÁTICAS E RUPTURAS ESPACIAIS


ANÁLISE CONFIGURACIONAL DOS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS EM CIDADES DE PORTE MÉDIO

Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa, PB

Paulo Vitor Nascimento de Freitas Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa, PB

José Augusto Ribeiro da Silveira Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa, PB

Os sistemas de espaços livres constituem um elemento importante para os processos de produção do espaço urbano e da manutenção da qualidade de vida nas cidades (QUEIROGA, 2011). No entanto, as cidades brasileiras apresentam problemas decorrentes de seu rápido crescimento e da insuficiência de políticas eficazes para o ordenamento territorial – como aquelas focadas na melhoria dos espaços livres públicos urbanos –, que têm como consequência a queda da qualidade de vida da população (LONDE; MENDONÇA, 2014). Este processo de urbanização ocorrido no século XX possui como características a concentração populacional em cidades de grande e médio porte, que também acarretou uma concentração econômica, cultural, de infraestrutura, de informação e de poder de articulação, assim como dos problemas e conflitos gerados pelo capital, que se expressam em diferentes lógicas inter-relacionadas, e que se traduzem na qualidade da acessibilidade e no fenômeno da segregação (OLIVEIRA JÚNIOR, 2008). Nesse contexto vale salientar o processo

126

de degradação dos espaços públicos, como resultado de crescimento urbano fragmentado e desordenado. Nesse processo de produção do espaço intraurbano, as cidades de porte médio, que na década de 1940 representavam 15% da população total do país, na década de 2010 passaram a representar 27% da população total (STAMM et al., 2013). Essas cidades passaram por um acelerado processo de crescimento populacional na década de 2000, o que, de acordo com Machado et al. (2015), pode ter contribuído para modificações na configuração espacial dessas cidades, a exemplo da dispersão e fragmentação do tecido urbano. De acordo com Medeiros (2013), as cidades brasileiras estão entre as mais segregadas do mundo; seus espaços públicos possuem uma configuração dispersa e fragmentada, contribuindo para um quadro de ineficiência morfológica da urbe devido à baixa acessibilidade espacial. É de suma importância analisar a inserção dos espaços livres públicos na cidade pela quantidade de funções que têm exercido na cidade contemporânea. Bortolo (2015) afirma que os espaços públicos foram exercendo novas funções ao longo do tempo. Tradicionalmente ligados ao uso religioso e vistos como áreas de convívio social, de visibilidade das pessoas e de circulação, passaram a desempenhar a função de promover atividades de lazer, comerciais, dentre outras. Dessa forma, faz-se necessário estudar e caracterizar a configuração dos espaços públicos e o potencial de acessibilidade, como forma de contribuir para o entendimento das dinâmicas socioespaciais e de como a configuração do desenho urbano, como um dos principais aspectos, afeta o movimento natural das pessoas, o uso do solo e o alcance das oportunidades urbanas. Portanto, o objetivo principal desta pesquisa é estudar os espaços livres públicos em cidades médias.

APORTE TÉORICO E METODOLÓGICO A eficiência dos espaços livres públicos possui uma relação direta com a morfologia urbana, uma vez que o arranjo destes elementos na estrutura urbana pode facilitar ou dificultar o potencial de deslocamento das pessoas na cidade (HILLIER; HANSON, 1984). Dessa forma, a 127


medida de acessibilidade é uma das principais variáveis da eficiência dos espaços livres públicos urbanos. Acessibilidade é um termo utilizado em diversas áreas do conhecimento. Pode-se dizer que existe o significado mais geral, ligado à faculdade de algo ser acessível, isto é, poder ser alcançado, que é a noção a partir da qual se desdobram os conceitos mais específicos. Essa pluralidade de significados denuncia não só uma difusão do termo, mas também a possibilidade de confusão conceitual. Por isso, faz-se necessário delimitar aqui sobre qual acessibilidade versa este trabalho. O espaço intraurbano possui uma dinâmica relacionada com a acessibilidade, localizações e processos de segregação socioespaciais. A cidade é estruturada pelo potencial de deslocamento das pessoas, enquanto elementos constituintes da força de trabalho ou consumidoras. Nesse sentido, a acessibilidade é o valor mais importante da terra urbana (VILLAÇA, 2001). Vasconcellos (2000) vê a acessibilidade como a facilidade de atingir os destinos desejados, sendo a medida mais direta (positiva) dos efeitos de um sistema de transportes. Segundo Silveira (2004), ela é um atributo do espaço urbano, bem como uma questão de “atrito” resultante da relação entre a atratividade de um determinado “ponto” da cidade e as dificuldades de acessá-lo. Para Chen et al. (2007), acessibilidade usualmente se refere à “facilidade” de alcançar oportunidades para atividades e serviços, destacando-se ainda a sua utilidade para avaliação do desempenho de sistemas urbanos e de transportes. Assim, acessibilidade representa, em grande medida, “oportunidades urbanas” para os citadinos, como possibilidade de ter acesso a diversas localizações na cidade e, assim, usufruir dos bens e serviços oferecidos pela urbe. Pode-se, nesse sentido, falar de acessibilidade como uma medida de inclusão social (SILVEIRA, 2004). Vasconcellos (2000) fez importante contribuição ao tema com os conceitos de macroacessibilidade e microacessibilidade: enquanto a primeira diz respeito à facilidade de ter acesso aos equipamentos e construções, relativa a um espaço urbano global, a segunda se refere à facilidade de ter acesso ao destino final ou ao veículo desejado. Silveira e Castro (2014) fazem outra classificação, incluindo mais uma escala. Segundo eles, pode-se classificar a acessibilidade em três escalas 128

territoriais interligadas: a macroacessibilidade, enquanto possibilidade de atravessamento da cidade como um todo; a mesoacessibilidade, que é uma escala funcional intermediária de ligação entre setores urbanos, ou mesmo intrassetorial (entre áreas do mesmo setor – bairros e vias principais e/ou coletoras); e a microacessibilidade, definida como ligação direta a pontos locais da cidade. A acessibilidade pode ser medida de várias formas, dependendo do objetivo e da natureza da pesquisa. Ela pode ser mensurada em termos de distância, tempo e custo (GOMIDE, 2006), pelo número e natureza dos destinos (desejados) que podem ser alcançados por uma pessoa e por meio da densidade das linhas de transporte público – para usuários cativos – e da densidade das vias – para usuários de automóveis (VASCONCELLOS, 2000). Mas, sob a lógica da forma urbana, a acessibilidade pode também ser estudada pelo arranjo dos espaços livres públicos. De acordo com Hillier et al. (1993), a malha urbana pode privilegiar determinados locais em relação a outros no que diz respeito à possibilidade de movimento. Dessa forma, a configuração espacial é o principal gerador de padrões de deslocamento intraurbano, pois indica, sem a necessidade de outras variáveis, o potencial de uso dos espaços livres públicos, mesmo que o uso não se concretize pela presença de outros atratores. O recorte espacial da presente pesquisa compreende três cidades de porte médio, localizadas no estado da Paraíba (Figura 1). A escolha das cidades é justificada tanto pelo porte, em termos populacionais, como também pela caracterização de suas dinâmicas intraurbanas e regionais: •

João Pessoa: capital do Estado da Paraíba, a cidade se localiza na mesorregião da Mata Paraibana. É a maior cidade do Estado, com 791.438 habitantes (IBGE, 2015). A malha urbana, cuja área central encontra-se na porção noroeste da cidade, é estruturada de forma semirradial. Possui sete corredores de transportes principais e duas rodovias intraurbanas (BR230 e BR-101). Apesar de a cidade de João Pessoa possuir mais de 500 mil habitantes, valor considerado limite para a classificação de uma cidade como média segundo o IBGE, possui dinâmicas internas e nível de expressividade regional que permitem, ainda, classifica-la como tal.

129


Figura 1: Localização dos objetos de estudo. Elaboração: Alexandre Castro (2016).

130

Campina Grande: localizada no Agreste Paraibano, a cidade possui 405.072 habitantes (IBGE, 2015) e é o segundo maior núcleo urbano do estado. O centro da cidade encontra-se na parte nordeste da cidade, que possui cinco corredores principais de transporte, sendo conectados pelo contorno rodoviário da BR-230.

Patos: maior núcleo urbano da mesorregião do Sertão Paraibano, a cidade possui 106.314 habitantes (IBGE, 2015). A cidade é o ponto de convergência de cinco rodovias (BR-361, BR-110, PB-228, BR-230, PB-275) que formam os principais corredores viários da cidade. Patos apresenta configuração tentacular, cujos quatro eixos principais são conectados pela área central, que corresponde ao centro geométrico da cidade.

A metodologia empregada foi a Teoria da Sintaxe Espacial (HILLIER; HANSON, 1984). A teoria analisa a eficiência da forma urbana e a relaciona com aspectos sociais, através de modelos gravitacionais e matemáticos, relacionando os valores encontrados com diferentes fenômenos sociais. As medidas dão indicativos da eficiência do espaço público, fato importante uma vez que a acessibilidade é um dos principais elementos estruturadores da urbe. Importante mencionar que, apesar de se acreditar que estas medidas dão indicativos da eficiência morfológica do espaço público, reconhece-se que existem outras variáveis que influenciam a eficiência real, a exemplo da teoria de Lamas (2004), Pont e Haupt (2009) e Panerai (2006). O método é tido como não-discursivo (HILLIER, 2007), pois investiga as propriedades em complexos sistemas de permeabilidades (espaços passíveis e movimento) na forma de descrição e quantificação da morfologia urbana. A Sintaxe Espacial opera sob uma lógica sistêmica, na qual o mais importante não é analisar o espaço público por si só, mas como o arranjo espacial dele contribui para a eficiência morfológica e para as relações socioespaciais. Em outras palavras, o método trabalha não com um objeto isolado, mas sim com as relações interpartes deste objeto e o sistema urbano. O modelo aplicado foi a Análise Angular de Segmentos (TURNER, 2000, 2001), que calcula o desempenho morfológico dos espaços livres públicos ponderando o ângulo de incidência entre os segmentos de rua. De acordo com o autor, o movimento das pessoas é definido não somente pelas mudanças de direção (passos topológicos), mas pela continuidade do trajeto e no menor desvio angular, o que implica no somatório dos menores ângulos de intersecção entre dois segmentos. Esta forma de análise permite uma acurácia maior nos estudos de Sintaxe Espacial.

131


O processo de modelagem tradicional do mapa de segmentos é mostrado na Figura 2: a partir de uma base cartográfica (a) são traçados os eixos que representem o sistema de espaços livres públicos (b). Pela dificuldade de obtenção de dados acerca dos caminhos e rotas de pedestres em praças e parques, foi considerado aqui apenas o sistema viário. Em um software específico para análises sintáticas, esta base vetorial é processada (c), onde os valores de acessibilidade, em diversas medidas, são traduzidos em cores. Nesta publicação, foram utilizados tons de cinza: cores mais escuras representam espaços livres com maior potencial de acessibilidade e cores mais claras indicam menor potencial de acessibilidade.

Figura 2: Etapas processo de modelagem do mapa de segmentos (RCL). Elaboração: Alexandre Castro (2016).

132

Foi modelada uma base vetorial do tipo Road-Centre Lines (RCL), adaptada para análises sintáticas, por expressar resultados melhores que os mapas axiais tradicionais (TURNER, 2005, 2007). Apesar de Dhanani et al. (2012) terem mostrado o potencial do uso de bases RCL geradas por grupos de informação geográfica voluntários, estes dados para as cidades analisadas não estavam compatíveis para análises sintáticas, havendo, portanto, a necessidade de uma modelagem exclusiva para este fim. Desta forma, o mapa de segmentos foi modelado no software SIG (Sistema de Informação Geográfica) livre QGIS 2.14.4 Essen (QGIS DEVELOPMENT TEAM, 2016). Vale salientar que, no processo de modelagem da base vetorial, foram desconsiderados espaços com restrições ao acesso, a exemplo de condomínios fechados e universidades, uma vez que espaços livres públicos podem ser

acessados sem que haja alguma restrição. O processamento e obtenção das medidas sintáticas foi feita no programa DepthmapX 0.50 (VAROUDIS, 2015). As medidas utilizadas nesta pesquisa foram: •

Conectividade: é uma medida local, que representa o somatório de todos os segmentos de ruas que se conectam com outro. A medida pode indicar o número de possibilidades de deslocamento na escala local, bem como o grau de ortogonalidade da malha urbana;

Integração Angular Normalizada (NAIN): representa, de acordo com Hillier (2009), a facilidade de alcançar um determinado segmento a partir de todos os outros segmentos. Pina (2011) ressalta que, apesar de ser independente do tamanho, a integração tende a obter valores maiores com o aumento da dimensão do sistema observado, o que compromete análises comparativas em escalas diferentes. Nesse caso, foi utilizada a normalização proposta por Hillier et al. (2012), de forma que a escala de valores seja compatível com análises comparativas de cidades de portes diferentes. Na escala local, os dados serão analisados no raio de 1200 metros, que equivale à escala de vizinhança, conforme Serra e Pinho (2013).

Escolha Angular Normalizada (NACH): mede, de acordo com Hillier (2009), a probabilidade que um segmento tem de ser escolhido como rota primária, partindo de todos os pontos de origem e destino. A medida mede o potencial de perpasse pelos espaços livres, de forma a destacar os espaços semicontínuos na cidade, que correspondem, geralmente, aos corredores principais de transporte. A medida foi normalizada (HILLIER et al., 2012), para que a escala de valores seja mais compatível com análises comparativas.

Sinergia: medida obtida pela correlação estatística entre a integração global e local, e, segundo Figueiredo (2004), mede a combinação da acessibilidade espacial em escalas diferentes. No caso dos mapas de segmentos, foram utilizadas integrações angulares com raios topológicos (que representam o quão integrado é um espaço público em relação a uma quantidade de mudanças de direção). 133


ACHADOS E DISCUSSÕES Métricas Sintáticas Com base no processamento da base vetorial e na obtenção das medidas sintáticas, foram identificadas as propriedades morfológicas dos objetos de estudo. Com relação à Conectividade, foram destacados os segmentos que possuem valor igual a 6, uma vez que, em uma malha regular, um segmento conecta-se diretamente com outros 6, sendo assim possível, através deste valor, avaliar espacialmente o quão regular é a malha urbana de uma cidade, conforme a Figura 3. Verificou-se que, na cidade de João Pessoa, os setores urbanos mais consolidados (o setor leste, estruturado pela Avenida Epitácio Pessoa, e o setor sul, estruturado pela Avenida Cruz das Armas) são os locais que possuem maior número de segmentos com conectividade igual ou superior a 6. Estes espaços foram urbanizados no formato de loteamentos ortogonais, que permitiu o surgimento das duas vias principais e a facilidade de acesso na escala local nestes setores. A porção sudeste da cidade, caracterizada pela presença de conjuntos habitacionais implantados sob uma configuração regular, porém com menos conectividade. Apenas 29,15% dos espaços públicos possuem conectividade 6 ou superior, visto que o setor sudeste da cidade é o maior em extensão e o que apresenta maior fragmentação espacial. Na cidade de Campina Grande, verifica-se a concentração de traçados regulares na porção nordeste da cidade, nas adjacências do centro antigo; porém, há presença de tecidos urbanos ortogonais em quase todas as áreas circundadas pela rodovia federal BR-230. Apenas as regiões mais periféricas da cidade apresentam pouca regularidade no traçado, em função de resultarem de diversos processos de produção espacial. Apesar da boa distribuição espacial, apenas 33,55% dos espaços públicos apresentam conectividade igual ou superior à 6, o que mostra que a maior parte da cidade possui configuração mais espontânea e com menos conexões. Em Patos, o tecido urbano se apresenta com maior densidade de espaços livres com morfologia ortogonal, principalmente nos setores centro, oeste e sul. Diferentemente das outras cidades analisadas, a presença de segmentos com conectividade acima de 6 também ocorre nas periferias, onde estão sendo construídos novos loteamentos, 134

condomínios e conjuntos habitacionais. Apesar de a cidade ser a menor das três estudadas, cerca de 47,5% dos segmentos de espaços públicos de Patos possuem conectividade alta, sendo um facilitador no alcance dos espaços em escala local.

Com relação aos valores de integração normalizados, a cidade de Patos é a que possui a melhor média, de 1.114, enquanto que as cidades de Campina Grande e João Pessoa obtiveram 0.713 e 1.008, respectivamente. Os valores máximos obtidos de integração também seguiram a tendência, com Patos tendo valor máximo encontrado de 1.790, Campina Grande com valor de 1.589 e João Pessoa tendo

Figura 3: Valores de Conectividade. Elaboração: Alexandre Castro (2016).

135


Figura 4: Integração Angular Normalizada (NAIN). Elaboração: Alexandre Castro (2016).

o valor de 1.026. De acordo com Al-Sayed et al. (2014), em estudos comparativos, o valor máximo de integração indica como a cidade está estruturada, enquanto que os valores médios indicam o grau de regularidade da malha urbana, com maior presença de tessitura ortogonal. Neste caso, o fato se concretiza no sentido de que Patos, como mostrado anteriormente, é a cidade com maior percentual de segmentos com mais de 6 conexões (Figura 4). Os núcleos integradores, que correspondem aos segmentos com maior valor de integração, apresentaram configurações espacialmente similares. Nas três cidades estudadas, os espaços públicos da área central apresentaram altos valores de integração, para os quais convergem as principais linhas de acessibilidade intraurbana.

Os núcleos integradores das cidades de João Pessoa e Campina Grande apresentam semelhanças espaciais: além da área central, o núcleo é constituído por três eixos principais, conectadas com o contorno da rodovia federal BR-230. No entanto, o perímetro do núcleo em João Pessoa tem como limite o setor consolidado da tessitura urbana da cidade, enquanto que em Campina Grande o núcleo se estende até a periferia sudoeste da cidade (Figura 5).

Figura 5: Núcleo Integrador. Elaboração: Alexandre Castro (2016).

Se, por um lado, analisar o núcleo integrador contribui para a caracterização dos espaços estruturantes da cidade, analisar os espaços mais segregados contribui para entender as desigualdades 136

137


Figura 6: Espaços 25% mais segregados. Elaboração: Alexandre Castro (2016).

da distribuição da forma urbana. Considerando a porção segregada da cidade como os espaços com os valores 25% mais baixos, em João Pessoa, boa parte do setor sudeste da cidade e do setor norte possuem baixo potencial de integração, enquanto que, em Campina Grande, apenas os espaços mais periféricos estão segregados. Na cidade de Patos, os espaços com baixo valor de integração ocupam boa parte da periferia, mas se estendem às áreas próximas ao centro, o que mostra uma desigualdade na distribuição da acessibilidade espacial e a dependência dos corredores de transporte principais. Percebe-se, nesta comparação, que nem todas as periferias possuem precariedade na acessibilidade global, sendo resultado de processos físicos de apropriação da cidade (Figura 6).

Analisando a distribuição da integração em classes, por intermédio de um histograma, é possível verificar o padrão de distribuição da acessibilidade espacial por classes: a classe 1 representa os valores menores e a classe 10 representa os valores maiores. Destaca-se aqui que a cidade de Campina Grande possui uma melhor distribuição da acessibilidade espacial, com a maior parte dos valores encontrados nas classes intermediárias, além de possuir a menor quantidade de segmentos nos 10% mais segregados. João Pessoa possui uma distribuição razoável dos valores de integração nas classes, além de ser a cidade com mais espaços públicos considerando os valores 20% maiores (classes 9 e 10). A cidade de Patos, por sua vez, apresentou a distribuição de valores mais desigual, visualizada também nos mapas de núcleo integrador e de áreas segregadas (Figura 7).

Os resultados encontrados na relação entre a acessibilidade global e local, utilizando a medida de integração, apresentam características parecidas com as encontradas no histograma anterior. A relação da acessibilidade em escalas diferentes torna-se forte, nas cidades de Campina Grande e Patos, quando a integração local é em relação a 3 passos topológicos (ou mudanças de direção). Isso significa que a malha urbana possui pouca complexidade e é mais regular, e que apresenta configuração adequada à escala humana. No caso da cidade de João Pessoa, a sinergia só se torna significativa a partir 138

Figura 7: Histograma de distribuição dos valores de integração. Elaboração: Alexandre Castro (2016).

139


Figura 8: Sinergia. Elaboração: Alexandre Castro (2016).

de 7 passos topológicos, valor considerado acessível na escala do automóvel, conforme Al-Sayed et al. (2014). Apesar de Campina Grande ser relativamente maior do que Patos, ambas possuem sinergia parecida, e contrastam com João Pessoa, que possui forma urbana mais fragmentada (Figura 8).

Na escala local, considerando o raio de 1200 metros, as cidades apresentaram resultados contrastantes, no que diz respeito à quantidade e localização de subcentralidades morfológicas. Em João Pessoa, os espaços mais integrados na escala da vizinhança estão distribuídos na área central, na porção norte e sudeste da cidade, locais com segmentos com comprimento menor, porém que representam apenas 10,54% da cidade. Em Campina Grande, os espaços mais integrados nesse raio se encontram mais distribuídos na cidade, e compõem cerca de 15% de todos os segmentos da cidade (Figura 9). Destacando as vias com os maiores valores de Escolha Normalizada (10% com o maior potencial), verifica-se que os espaços semicontínuos das cidades coincidem com os respectivos núcleos integradores, com o acréscimo de algumas linhas de acessibilidade. Na cidade de João Pessoa, a periferia leste (orla marítima) e sul

140

apresentam espaços com potencial de escolha, porém não cobrem todas as periferias, fazendo com que os espaços mais acessíveis da cidade se concentrem no setor mais consolidado e suas adjacências. Em Campina Grande, os espaços com maior potencial de escolha apresentam uma conformação radial, conectadas com a rodovia BR-230.

Figura 9: Integração no Raio de 1200 metros. Elaboração: Alexandre Castro (2016).

141


Figura 10: Segmentos com 10% maior potencial de escolha. Elaboração: Alexandre Castro (2016).

142

Dessa forma, a maior parte da cidade, incluindo as periferias, possui boa cobertura de acessibilidade. A cidade de Patos apresenta a mesma estrutura tentacular com relação aos espaços com maior potencial de escolha, sendo os corredores leste e norte conectados pelo contorno da rodovia BR-230. Percebe-se, então, que a cidade possui grande dependência dos mesmos corredores de transporte, tanto em termos de integração como de escolha (Figura 10).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da pesquisa realizada e dos achados obtidos, pode-se constatar que: o principal ponto em comum entre as cidades refere-se ao núcleo integrador. Este tem como ponto de convergência o centro tradicional, de onde partem as principais linhas de acessibilidade intraurbana, que estão conectadas pelo contorno rodoviário da BR-230, que é o espaço mais integrado em ambas as cidades. Além disso, a medida de sinergia apresentou resultados próximos, cujos valores são proporcionais ao grau de complexidade de cada malha urbana, bem como os valores de conectividade média também estiveram próximos entre as cidades estudadas. Nas demais medidas empregadas, notou-se que cada cidade apresentou valores mais altos em determinados resultados: apesar de Patos possuir o maior valor médio de Integração, sua distribuição entre as classes foi a pior. Campina Grande foi a cidade com a distribuição dos valores mais equitativa dessa medida, além de ter obtido o valor médio de Integração mais alto, no raio de 1200 metros. João Pessoa apresentou a maior quantidade (proporcional) de espaços públicos no núcleo integrador, apesar de ser uma cidade maior e mais fragmentada. Apesar de a metodologia empregada ter apresentado êxito dentro do que foi proposto neste artigo, entende-se aqui que a mesma possui limitações e, portanto, salienta-se a necessidade que estudos da forma urbana sejam complementados ou abordados com outras metodologias qualitativas e quantitativas, para que se tenha uma melhor descrição da morfologia das cidades médias.

143


REFERÊNCIAS

LAMAS, J.M.R.G. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Porto: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

AL-SAYED, K.; TURNER, AL.; HILLIER, B.; IIDA, S.; PENN, A. Space Syntax Methodology. 4th Edition. London: Bartlett School of Architecture, 2014.

LONDE, P.R.; MENDONÇA, M.G. Espaços Livres Píblicos: Relação entre Meio ambiente, Função Social e Mobilidade Urbana. Caminhos de Geografia, v.15, n.49, 2014, 138-151.

BORTOLO, C. A. Discutindo O Espaço Público na Cidade Capitalista Contemporânea. Revista GeoUECE, v. 4, n. 7, 2015, p. 103-125. CHEN, A.; YANG, C.; KONGSOMSAKSAKUL, S.; LEE, M. Network-based Accessibility Measures for Vulnerability Analysis of Degradable Transportation Networks. Networks and Spatial Economics. Vol. 7, Issue 3, p. 241-256, 2007. DHANANI, A.; VAUGHAN, L.; ELLUL, C.; GRIFFITHS, S. From The Axial Line to The Walked Line: Evaluating The Utility of Commercial and User-Generated Street Network Datasets In Space Syntax Analysis. In: Space Syntax Symposium, 8, Santiago, 2012. Proceedings… Santiago: PUC, 2012, p. 8211:1-8211:32.

GOMIDE, A. A. Mobilidade urbana, iniquidade e políticas sociais. In: Políticas sociais: acompanhamento e análise. IPEA, 2006. FIGUEIREDO, L. Linhas de Continuidade no Sistema Axial. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Urbano, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004, 104p. HILLIER, B. Space Is The Machine. London: Space Syntax, 2007. HILLIER, B. Spatial Sustainability In Cities: Organic Patterns and Sustainable Forms. In: Space Syntax Symposium, 7, Stockholm, 2009. Proceedings... Stockholm: KTH, 2009, p. HILLIER, B.; HANSON, J. The Social Logic of Space. Cambridge: University Press, 1984. HILLIER, B.; PENN, A.; HANSON, J.; GRAJEWSKI, T.; XU, J. Natural Movement: Or, Configuration and Attraction In Urban Pedestrian Movement. Environment and Planning B, v.20, n.1, p. 29-66, 1993. HILLIER, B.; YANG, T.; TURNER, A. Normalizing Least Angle Choice In Depthmap and How It Opens Up New Perspectives On The Global and Local Analysis of City Space. Journal of Space Syntax, v.3, n.2, 2012, p. 155-193. INSTITUTO BRASILEIRO Populacional. 2015.

DE

GEOGRAFIA

ESTATÍSTICA.

Estimativa

OLIVEIRA JÚNIOR, G.A. Redefinição da Centralidade Urbana em Cidades Médias. Sociedade & Natureza, v.20, n.1, 2008, p.205-220. PANERAI, P. Análise Urbana. Brasília: Editora UnB, 2006. PONT, M.B.; HAUPT, P. Space, Density and Urban Form. Delft: Technische Universiteit, 2009. QGIS DEVELOPMENT TEAM. QGIS 2.14.4 Geographic Information System User Guide. Sl: Open Source Geospatial Foundation Project, 2016. Disponível em: http://www.qgis.org/ QUEIROGA, E.F. Sistemas de Espaços Livres e Esfera Pública em Metrópoles Brasileiras. Resgate, v.19, n. 21, 2011, p.25-35. SERRA, M.; PINHO, P. Tackling The Structure of Very Large Spatial Systems: Space Syntax and The Analysis of Metropolitan Form. Journal of Space Syntax, v.4, n.2, 2013, p.179-196. SILVA, J.M.; LOCH, C.; SILVA, S.C. A Sintaxe Espacial de Curitiba. Revista Brasileira de Cartografia, n. 61/02, 2009, p. 153-163. SILVEIRA, J. A. R. Percursos e Processo de Evolução Urbana: O Caso da Avenida Epitácio Pessoa na Cidade de João Pessoa-PB. Tese de doutoramento, Universidade Federal de Pernambuco. Recife: 2004. 317 p. SILVEIRA, J. A. R.; CASTRO, A. A. B. C. Mobilidade urbana (e para além dela). Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 171.06, Vitruvius, out. 2014. STAMM, C.; STADUTO, J.A.R.; LIMA, J.F; WADI, Y.M. A População Urbana e A Difusão das Cidades de Porte Médio no Brasil. Interações, v.14, n.2, 2013, p.251-265. TURNER, A. Angular Analysis. In: Space Syntax Symposium, 3, Atlanta, 2001. Proceedings... Atlanta: Georgia University of Technology, 2001, p. 30.1-30.11. TURNER, A. Angular Analysis: A Method for The Quantifiction of Space. CASA Working Paper, 23, 2000, p. 1-22.

MEDEIROS, V.A.S. Urbis Brasiliae: O Labirinto das Cidades Brasileiras. Brasília: Editora UnB, 2013.

144

145


TURNER, A. Could a Road-Centre Line Be na Axial Line In Disguise? In:Space Syntax Symposium, 5, Deft, 2005. Proceedings... Deflt: Technology University, 2005, p. 145-159 TURNER, A. From Axial to Road-Centre Lines: A New Representation for Space Syntax and A New Model of Route Choice for Transport Network Analysis. Environment and Planning B, v.34, 2007, p.539-555. VAROUDIS,T. DepthmapX, version 0.50. Disponível em: http://archtech.gr/ varoudis/depthmapX/ VASCONCELLOS, E. A. Transporte urbano nos países em desenvolvimento: reflexões e propostas. 3a Ed - São Paulo: Annablume, 2000. VILLAÇA, F. Espaço Intraurbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2001.

146

147


ASPECTOS QUANTITATIVOS, QUALITATIVOS E DISTRIBUTIVOS NOS ESPAÇOS LIVRES E PÚBLICOS URBANOS NO MODERNO E NO CONTEMPORÂNEO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DUAS CIDADES BRASILEIRAS

Edson Leite Ribeiro Centro Universitário Unieuro - Brasília, DF

ELEMENTOS DA CONJUNTURA E CULTURA NAS FASES MODERNAS E CONTEMPORÂNEAS E A COMPREENSÃO (E COMPRESSÃO PERCEPTIVA) DO ESPAÇO NAS FASES MODERNAS E CONTEMPORÂNEAS. Para compreender a questão da percepção ou mesmo a compreensão do tempo e do espaço nos momentos históricos é necessário compreender as conjunturas e o contexto em que estamos mergulhados. Harvey (1993) discute as experiências do espaço-tempo ao longo da história: dos primórdios da modernidade, referindose às mudanças das noções de espaço e tempo decorrentes das transformações tecnológicas, políticas e sociais que deram início à modernidade, bem como o sentido de tempo e espaço dentro do projeto iluminista e sua continuidade para o período modernista e, mais recentemente, o contemporâneo1. O mundo da experiência do espaço e do tempo teve muito a ver com o nascimento do modernismo e com os focos de tensão entre o sentido do tempo e do espaço. Nas últimas décadas temos vivido uma intensa fase de compressão do tempo-espaço que tem tido um impacto sobre as práticas político-econômicas, sobre o equilíbrio do poder de classe e sobre a vida social e cultural. Se, por um lado a “compressão” do tempo-espaço nos leva a uma percepção vertiginosa 148

do mundo em que vivemos, criando uma percepção de que as distâncias inexistem, e nos leva à não valorização dos lugares, das decisões e autonomias locais, por outro lado, a melhor compreensão do tempoespaço evidencia fortes simpatias por determinados movimentos políticos, culturais e filosóficos com a volta de interesse pela geografia da percepção, a valorização das paisagens, da cultura e das decisões endógenas e a estética do lugar. Tais percepções causaram modificações consideráveis também na maneira de perceber e desejar o espaço urbano: desde a antropométrica cidade medieval aos novos espaços monumentalizados e as perspectivas geométricas surgidas no renascimento. A expansão das hinterlands e de que os espaços estariam expandidos, em novas relações espaço-temporal permitidas pelas grandes navegações, além da concentração (no meio urbano) das riquezas originada de tão amplo território, sem dúvida, influenciaram o desejo de expandir os espaços internos à cidade. Evidentemente tais influências estão também associadas a fatores simbólicos, psicossociais e ainda à facilidade de controle pelas forças mecanizadas dos detentores do poder. Tal tendência se evidencia ainda mais na “economia de escala” do período industrial, mas é ainda mais clara no período fordista, onde a cultura internacionalizada, cartesiana e mecanicista, bem como a cultura de consumo que leva a cidade a assumir, inclusive formalmente, sua nova função de “locus” da produção e do consumo. Segundo Harvey (1993), mudança da experiência do espaço e do tempo teve muito a ver com o nascimento do modernismo e a relação do espaço temporal. A produção em massa e consumo em massa é o grande lema chamado de fordismo. Fordismo é um sistema que usa certa forma de organização espacial para acelerar o tempo de giro do capital produtivo. Assim o tempo pode ser acelerado em virtude do controle estabelecido por meio da organização e fragmentação da ordem espacial da produção. O capital passa a ser considerado o dominador do espaço. A transformação nas cidades se verificou com a contínua adaptação à “melhoria das condições gerais para a produção e consumo”, como um “palimpsesto”, através de adequações do sistema viário notadamente ao automóvel, formação de novos parques públicos, setorização, processos de expansão constante e periferização, etc. A 149


possibilidade de utilização do automóvel parece, na percepção coletiva do espaço, tornar mais extensa as áreas possíveis de habitação e localização no espaço. A partir dos anos 1970, com a alteração da estruturação da economia, do “fordismo” para a “economia flexível” da superacumulação capitalista, da alta tecnologia e do “financeirismo”, altera-se significativamente também a tendência de estruturação do espaço urbano. Uma das expressões mais claras é a “collage”, que consiste numa técnica que o pós-modernismo utiliza em larga medida. Essa “collage” é a justaposição de elementos distintos e aparentemente incongruentes, em grande parte gerada por dois elementos distintos: a especulação sobre a terra por alguns e a falta de acesso à terra ou habitação adequada para muitos, motivada pelas desigualdades sociais. Na abordagem de Harvey, naturalmente influenciada por Marx, o capital é a espécie mais importante e mais analisada para entender a civilização pós-moderna, assim como o foi no início do período industrial e no modernismo. É um processo de reprodução da vida social por meio da produção de mercadorias ou serviços em que todas as pessoas do mundo capitalista avançado estão envolvidas. A cotidianidade moderna se resume a uma constante programação de hábitos, sempre direcionados para a produção e o consumo, produzindo, segundo Lefèbvre, uma “sociedade burocrática de consumo dirigido” (Lefèbvre, 1974). Em sua forma de pensar, os espaços construídos dentro da lógica capitalista seguem a padronização e o individualismo constantes nesta racionalidade, e são, portanto, espaços abstratos, primados especialmente pela razão estética e pela força das imagens.2 Se no modernismo o automóvel era a mercadoria que definia a organização espacial, tal a importância que lhe era (indevidamente) dada, no pós-modernismo, também as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) chegam a dar a falsa impressão de que existiria uma total liberdade locacional no contexto urbano, incluindo os espaços rurais. Dessas influências nasce uma forma de ocupação ainda mais fragmentada e dispersa. No entanto, vale lembrar que em seus primórdios, no início da década de 1970, uma vertente ecológica era bem clara dentro de um contexto de crescimento da consciência ambiental e de pessimismo em relação à disponibilidade energética. Naquele momento, havia um 150

nítido direcionamento a soluções urbanas mais eficientes: corredores de transportes coletivos, metrô, pedestrianização de ruas e uma discreta tendência de retenção na dispersão urbana. Porém, tão logo o preço do petróleo voltou a baixar e se retomou o controle americano sobre o Oriente Médio, ocorreu o retorno, de forma ampliada, à tendência anterior, com o desenvolvimento de “free-ways”, ocupação residencial dita “rurbana”, condomínios fechados longínquos, etc. Todo esse processo, ocorrido a partir das décadas de 1980 e 1990, foi também impulsionado pelas novas possibilidades de acesso remoto, oferecidas gradativamente pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) que se desenvolviam. Bourdieu (1977) afirma que nós possuímos poderes de improvisação regulada, moldada pela experiência, que nos permite ter “uma capacidade interminável de engendrar produtos, pensamentos, percepções, expressões e ações cujos limites são fixados pelas condições historicamente situadas”3 (Bourdieu apud Harvey, 1993, p.308). Toda essa reprodução na ordem social mediante a exploração alterando o espaço-tempo, inclusive o espaço e o tempo na cidade, é evidente no pós-modernismo4. No quadro indicado a seguir, com base no estudo de vários autores e observações, buscou-se sistematizar um conjunto de vertentes simultâneas que geraram fatores contextuais que terminaram por resultar efeitos diferentes na construção do espaço urbano e seus elementos constitutivos. O mesmo servirá como base contextual de análise e explicação da estruturação do espaço urbano e da sua utilização pela comunidade usuária.

Quadro 1: Quadro de vertentes contemporâneas influentes na constituição do espaço urbano, de suas redes e de seus espaços livres e edificados. Fonte: Compilação própria de várias teorias e autores (2016).

VERTENTE

FATOR SOCIAL OU ECONÔMICO GERADOR

Ecológico-ambiental

• Aumento da consciência ecológica/ Crise energética e ambiental

• • • • •

Arquitetura e urbanismo bioclimático; Cidade sustentável e eficiente energeticamente; Sistemas otimizados de transportes coletivos; Parques ecológicos multifinalitários; Renaturalização de rios urbanos.

• Formação de novas bases do desenvolvimento: Capital, ciência e tecnologia.

• • • •

Arquitetura Hi-Tech; Dispositivos técnicos no espaço urbano Infraestrutura TICs; Espaços de Exposições científicas.

Tecnológica

ASPECTOS RESULTANTES NO ESPAÇO URBANO

[continua]

151


[continuação] VERTENTE

Liberal capitalista

Social

Cenográfica

Cultural Humanização, participação coletiva e enculturação local dos espaços

Globalização

FATOR SOCIAL OU ECONÔMICO GERADOR • Superacumulação capitalista • A cidade como oportunidade de negócios • Privatização dos espaços de uso público

• • • • •

• Aumento da distância social em virtude da superacumulação e da visão excludente na construção da economia

• Setorização e enclaves sociais bastante claros, levando à deformação da estrutura urbana e de suas áreas centrais, pendendo mais às áreas de alta renda, que ao centro de acessibilidade social.

• Simulacros • Simulações cenográficas para fins de desenvolvimento turístico artificial

• Simulacros • Parques Temáticos e Pocket-parks privados • Condomínios cenográficos (Seaside, Celebration, etc.); • Valorização cenográfica dos espaços urbanos mais rentáveis.

• Crítica à rigidez da expressão modernista

• Revival de expressões pré-modernas e clássicas • Flexibilização e diversificação de formas de expressões artísticas, arquitetônicas e urbanísticas.

• Participação social • Concertação • Gestão autônoma pela comunidade

• Espaços adequados à escala humana e às necessidades comunitárias • Ruas de pedestres, praças conviviais; • Jardins de proximidades

• Decisões heterônomas na construção do espaço urbano • Padronização de soluções urbanísticas • A cidade como meio de consumo

• “Não lugares”, simulacros e soluções padronizadas para os espaços urbanos e seus dispositivos técnicos; • Elementos marcantes para o “marketing” urbano. Diante da tendência à homogeneização de soluções, a diferenciação e a visibilidade urbana se tornam um valor, no modo de pensar capitalista pós-moderno. • A cidade vista como oportunidade de negócios, mais que um habitat coletivo.

Quadro 1: Quadro de vertentes contemporâneas influentes na constituição do espaço urbano, de suas redes e de seus espaços livres e edificados. Fonte: Compilação própria de várias teorias e autores (2016).

152

ASPECTOS RESULTANTES NO ESPAÇO URBANO “Malling” ou proliferação de “Shopping Centers”; Grandes equipamentos padronizados; “Não lugares” (segundo Augé); Pocket-parks privados; Arquitetura como espaço de aplicação de novos produtos industriais; • Valorização cenográfica dos espaços urbanos mais rentáveis.

SÍNTESE DE ASPECTOS HISTÓRICOS E EVOLUTIVOS DA FORMAÇÃO DA CIDADE E DE SEUS ESPAÇOS PÚBLICOS, DO INICIO DO CAPITALISMO PRÉINDUSTRIAL ATÉ A CONTEMPORANEIDADE Como citado anteriormente, após um longo período de estruturação urbana marcadamente influenciada pela escala antrópica no período medieval, novas formas de percepção do espaço começam a nascer ainda no período das grandes navegações e da produção econômica baseada em hinterlands bastante amplas, com influências marcantes também na estruturação dos espaços intraurbanos. Esse período ficou marcado com a criação dos espaços públicos monumentais, de certa forma, marcando a grandiosidade da economia gerada por um capitalismo ainda pré-industrial, formado pelo valor agregado do comércio de longas distâncias e, particularmente na Europa, por políticas colonialistas e de exploração de áreas e produtos tropicais. Com o caos introduzido nos centros urbanos no início da industrialização, como reflexo nos espaços públicos, além do uso simbólico da monumentalidade, também se observou, a partir do século XIX, a formação de uma cultura voltada ao sanitarismo, gerada a partir de episódios críticos de insalubridade urbana. Nesse período, a proposição urbana mais emblemática foi a da cidade-jardim de Ebenezer Howard5 6. Tais proposições foram concretizadas em algumas experiências práticas, como Letchworth (1904) e Welwyn (1919). Essas experiências buscaram atender às propostas de criar, distante das grandes aglomerações, um novo tipo de organismo urbano que reuniria (simultaneamente) as qualidades da cidade e do campo7. Essas ideias foram originadas da vontade de se unir a vitalidade, a atratividade e as oportunidades da vida urbana, com a salubridade até então muito predominante no campo ou nas áreas naturais8. Gradativamente, com a busca de novas soluções que se mostraram eficazes, o paradigma da “Higienópolis” foi se firmando, baseado na melhoria da infraestrutura (água, esgoto, drenagem) e na disponibilidade de espaços mais abertos (mais arejados e ensolarados), amplos e arborizados. De certa forma, ciente da “geração ampliada de distâncias” imposta no modelo, Howard propõe, em seu diagrama original (embora sem a definição formal e espacial) a divisão da cidade em núcleos de 5000 habitantes, com a previsão de um pequeno polo de oferta de 153


bens e serviços incluindo áreas de convivência e lazer, antecipando conceitos que se desenvolveriam posteriormente, que são os de “unidade de bairro e unidade de vizinhança”. Ainda nessa direção, Perry (1929), na preparação do então Plano Regional de Nova Iorque, desenvolve o conceito de “neighbourhood unit” já bem mais próximo do conceito da unidade de vizinhança9. Esse mesmo plano já se torna o precursor da articulação “automóvel, indivíduo e comunidade” que iria influenciar os princípios modernistas. A introdução de um elemento de nova escala de velocidade e autonomia espacial altera completamente a percepção do espaço na concepção do urbano, distanciando-se da escala humana, salvo no caso da unidade de vizinhança, como afirma Bonny, Donnadieu e Harari (2005, p. 159)10. No entanto, ficou ainda mais marcante essa visão quantitativa dos espaços livres no período modernista. Na formação da cidade nesta concepção, o espaço urbano não seria mais o “público” por excelência, mas o espaço “livre e verde”. Segundo Dehan e Julien (1997)11, na ideologia modernista “é o aumento da superfície livre que conta, para romper definitivamente com a congestão mal sã das cidades antigas”. Dessa forma, os cinco princípios orientadores da forma urbana modernista vão se distinguindo: a criação de um espaço livre e verde; a orientação dos imóveis segundo a possibilidade de insolação e aeração das habitações; a segregação dos veículos e dos pedestres pela hierarquização das vias; a busca de uma autonomia entre os edifícios e a rua e a setorização e integração dos equipamentos por especialidade. Novarina e Galland-Seux (2005), falando sobre a concepção da vida moderna segundo Le Corbusier, cita: “[...] ele realiza uma divisão do sistema urbano em uma série de subconjuntos que constituem níveis hierarquizados de implantação de equipamentos: As células de habitações são agrupadas em uma mesma estrutura: a unidade de habitação. [...] As unidades de habitação, por sua vez, são agrupadas em torno de um núcleo insular constituindo uma unidade de vizinhança, com os serviços mais imediatos e complementares. [...] O agrupamento de unidades de vizinhança gera o nível do bairro, que recebe, por exemplo, o colégio e os serviços e comércios menos frequentes. Os bairros unidos formam, no quadro da aglomeração o nível onde aparecem os serviços administrativos, e os equipamentos de usos mais excepcionais (teatros, centros de cultura, estádios, etc.)” 12. 154

A proposição apresenta um sentido lógico claro e, até certo ponto, faz transparecer também uma preocupação com as diferentes escalas no conjunto urbano. No entanto, o que se pode observar na concepção física de Le Corbusier e nos princípios da Carta de Atenas é uma espécie de “sombra de definição” dos espaços coletivos. Apesar de parecer atender às necessidades do “recriar” dentro dos princípios do urbanismo modernista, os espaços livres e verdes são aparentemente concebidos como “grandes espaços intersticiais” arborizados, de certa forma, improvisados entre as zonas e os volumes edificados, cuja utilização e apropriação coletiva nem sempre corresponde à dimensão e à configuração física resultante. Apenas em algumas proposições, através da composição dos volumes edificados, é possível notar certa diferenciação hierárquica de forma, função e dimensões, permitindo maior ou menor grau de coletividade ou privacidade, definindo espaços que induzem aos usos públicos, privados ou semiprivados, de forma clara. Também é evidente essa preocupação compositiva e distributiva por níveis, na classificação geralmente adotada dos espaços livres e verdes sistematizados no contexto moderno intraurbano, para as diferentes escalas e subconjuntos urbanos: A) Parques de Vizinhança: Parques ou praças de pequenas dimensões, destinado preferencialmente à recreação ativa de crianças e à recreação passiva e repouso para as demais faixas etárias. Sua clientela principal são as pessoas de menor mobilidade espacial, como crianças e idosos. Devem atender a uma frequência de utilização diária a semanal. Raio de influência = 500 metros. B) Parques de Bairro: Parques ou praças de dimensões médias, acima de 5.000 m2. Devem ter equipamentos de lazer destinados preferencialmente à faixa etária de 10 a 17 anos. Pistas de caminhadas ou de cooper e possibilidades de repouso e lazer passivo para as demais faixas etárias. Devem atender a uma frequência de utilização semanal a mensal. Sua clientela principal é constituída pelos jovens e adolescentes, além dos adultos. Raio de influência = 1.000 metros. C) Parques Distritais ou Urbanos: Destinados à recreação ativa e passiva de todas as faixas etárias, sendo geralmente mais utilizados nos finais de semana e feriados. Têm uma 155


frequência de utilização de quinzenal a eventual. Devem ter equipamentos de lazer para todas as faixas etárias, sendo destinadas a toda a população, sem clientela preferencial. Seu raio de influência deve ser de 5.000 metros. Na direção de procurar novas definições de espaços urbanos que estimulassem a sua utilização eficiente, o sentimento de pertencimento e as relações sociais, no início dos anos 50 alguns arquitetos se insurgem contra a cidade funcionalista dentro da concepção doutrinal dos CIAMs. Esses, negando a hierarquia funcional de subconjuntos e o zoneamento rígido, caminham em direção à diversidade de funções e ao uso da metáfora orgânica em substituição à lógica mecânica do modernismo. Uma dessas reações é representada pelas cidades “Clusters”, como a proposta desenvolvida por Smithson e Smithson em 1952, conforme Rouillard (2004) e Smithson, A. e Smithson, P. (1967), bem como propostas semelhantes de outros críticos teóricos do modernismo, que reintroduzem a noção da rua como local de encontro, de trocas e de comércio. A rua, não no sentido da forma, mas no sentido da ideia. No sentido que colocam, a rua se torna praça, uma vez que é um espaço natural da sociabilidade, ocupado pelas crianças quando suas habitações são muito pequenas e pelas pessoas, quando não estão em casa13. A partir disso, buscam uma tipologia nova de espaços de vínculos mais adequados aos relacionamentos sociais, do tipo rua que seja praça e que consiga envolver, sem fechar, a comunidade e todas as suas formas de associações (da rua, do bairro, do vilarejo e da cidade)14. Evidentemente, há que se considerar também que, em algumas dessas novas propostas, existem as visões particularizadas e “privativas”, como as existentes no conceito dos “enclaves” de alta renda, como o “Novo Urbanismo” americano. Nessas, fica evidente o caráter segregador e especulativo da proposta de construção do espaço urbano diferenciado e vendido a alto preço. Ao longo dessa abordagem, sempre temos que considerar a questão das diferentes classes sociais e a sua influência sobre a produção do espaço. Aliás, como afirma Villaça (2000), é através da segregação socioespacial que a classe dominante controla e produz o espaço de acordo com seus interesses. Somente a separação de classes sociais no meio urbano pode agir como um instrumento 156

de poder para a classe alta15. Também afirma que o próprio espaço produzido é, ele próprio, social e que só o social pode constranger ou condicionar o social16. Nessa busca de se valorizar o aspecto coletivo e social dos espaços livres urbanos, chega-se a várias proposições interessantes, como a proposta das “ilhas abertas” de Rogers (2000), que não seria uma novidade em si, mas um aperfeiçoamento contemporâneo do aspecto coletivo e social de alguns conceitos anteriores como o interior das quadras do “Ensanche” de Ildefonso Cerdá em Barcelona, nas quais se conseguia, em sua configuração inicial, propor uma relação bem equilibrada, bem proporcionada e viva entre as dimensões espaciais pública, semipública e privada. É bem verdade que, com o gradativo fechamento de seus espaços interquadras, foram as “ramblas” que se consagraram como espaços mais utilizados socialmente. Tal consagração confirma a vocação natural da rua para o convívio e o encontro social, cujo significado tinha sido esquecido, especialmente durante a difusão do uso do automóvel. Concretamente, as “ilhas abertas” de Rogers caracterizam-se por novos tipos de ocupação de quadras, permeáveis às continuidades urbanas, compostas por edifícios coletivos e de tamanho e formas variadas, de uso misto, dispostos de forma a intencionalmente gerar diferentes tipos e escalas de espaços abertos (semiprivados, semipúblicos, etc.). Na base dos edifícios, voltados para a rua se articulam espaços comerciais e estabelecimentos públicos, de maneira a manter uma rua bem animada. Esse conjunto, de certa forma, vem permitir melhor urbanidade, fenômeno buscado nas várias tentativas históricas relatadas. O “mix” adequado e melhor dimensionado de formas espaciais, construídas, de atividades parece espacialmente responder melhor à pluralidade e ao sentido coletivo. Além das “ilhas abertas”, que é uma concepção teórica, os “jardins de proximidade”, por vezes muito pequenos em dimensões, mas muito eficientemente utilizados pela população local, têm sido uma construção bastante comum na contemporaneidade, em geral concebidas a partir de processos de concertação coletiva. Além das proposições das “ilhas abertas” de Rogers (2000)17, outras proposições contemporâneas convergentes à noção de espaços humanizados, como as propostas de Gehl em “Cidades para pessoas” (2013)18, foram experimentadas. Temos ainda a contribuição de 157


propostas mais filosóficas ou teóricas como Illich em “A convivialidade” (1985)19 que vêm alimentando o debate sobre propostas de espaços mais adequados à escala humana e ao fortalecimento dos vínculos sociais. Nessas propostas também fica evidente o retorno da “rua” como espaço social, de trocas culturais, de discussões políticas e comunitárias. Ruas pedestrianizadas, calçadões e boulevards, além de pequenos espaços bem tratados de convivência vicinal têm sido propostas que atendem muito bem a tais proposições teóricas20. Também se deve considerar que, na cidade contemporânea, em virtude da forte vertente exógena e do consequente crescimento das decisões heterônomas sobre a definição dos espaços urbanos, não faltam proposições de simulacros como os malls ou shopping centers e suas falsas “ruas”, os seus “não lugares”21 e até mesmo proposições de aspecto físico semelhante aos jardins de proximidade, mas bastante apropriados pelo capital, tais como os “pocket parks” privados em áreas centrais, em virtude exatamente de sua eficiência enquanto atratividade e utilização, considerados como fortes atrativos de usuários (e, evidentemente, lucros) pelo capital privado. De fato, em densos centros urbanos de serviços, um espaço que parece oferecer algo de natureza (embora cenográfica no caso da maior parte dos pocket parks) representa um diferencial e um atrativo especial. Mas o que lhe promove forte atratividade é sua acessibilidade física (sempre interno aos centros de serviços e quase uma continuidade da calçada ou pontos de passagens), com bom tratamento paisagístico e utilização mais constante de tratamento de jardins verticais (o que aumenta a percepção da vegetação mesmo no ambiente de espaços bem restritos). Do ponto de vista funcional, sua pequena dimensão e sua proximidade se ajustam muito bem à dinâmica temporal dos centros de serviços, permitindo-lhe um uso rápido e eficiente. Contudo, há que se observar que tal privatização com objetivo predominante de lucro, em geral segregam e selecionam de forma discriminatória seus usuários, em virtude de seu caráter heterônomo e raramente com a devida participação coletiva. A figura indicada a seguir mostra a concepção de um pocket park, o Ridge Avenue, desenvolvido para a comunidade de Roxborough – cidade de Filadélfia – EUA. Esse projeto especificamente foi desenvolvido

158

com certa participação popular, uma vez que fazia parte do projeto de requalificação urbana de uma rua comercial (Ridge Avenue Commercial Corridor), discutido através de uma audiência pública.

As soluções com a participação do capital privado mais bem sucedidas são as que foram objetos de concertações coletivas (poder público, população e empresários), onde a determinação da proposta fica devidamente acertada, compreendida e aceita, resultando em melhor efetividade, apropriação coletiva e melhoria da qualidade de vida da população. Até mesmo propostas urbanísticas de caráter mais técnico-funcional, como as nucleações em torno de nós e terminais da rede de transporte (TOD – Transit Oriented Development), têm incorporado fortemente esses últimos conceitos no seu conteúdo. Nesses casos são valorizadas e bem integradas as microacessibilidades e as macroacessibilidades no espaço urbano, aproximando-se e diversificando o uso, adensando o uso habitacional em seu entorno e os usos geradores de emprego e prestadores de serviços, além de integrar particularmente os modos coletivos de alto rendimento com várias possibilidades não motorizadas de deslocamentos22.

Figura 1: Pocketpark Ridge Avenue (Filadélfia, EUA). Fonte: roxborough.us/ community.

159


Figura 2: Nas propostas mais bem articuladas de TOD são valorizados: a articulação entre a rede de transportes públicos, o adensamento construído e populacional, a diversificação de usos e a valorização de deslocamentos não motorizados. Fonte: ITDP-Brasil (2016).

Tais soluções tendem a resultar em redução significativa dos espaços viários para o automóvel e valorização de uma malha que incorpora bem a rede de transportes coletivos com as bases de deslocamentos não motorizados que, na prática, também representam espaços conviviais. A trama de quadras assim reorganizada acaba se transformando em “superquadras eficientes”, no sentido que mantém a permeabilidade de fluxos pretendida no conceito modernista, mas com configurações espaciais que lhe dão muito mais vitalidade e eficiência, inclusive no favorecimento ao aumento das interações e vínculos sociais, pela proximidade e maior presença humana e encontros casuais. A figura a seguir mostra o exemplo do bairro de Malmö (Suécia), que foi concebido a partir de um projeto de requalificação urbana (antiga área portuária e industrial), próxima ao centro urbano e a terminais de transporte coletivo, bem articulada e bem utilizada por modos não motorizados.

Contudo, devido à importância global dada ao aspecto econômico e à utilização do espaço urbano como oportunidade de negócios, nem todas as experiências de operações integradas e consorciadas públicoprivadas são bem sucedidas do ponto de vista social e ambiental. Experiências como as verificadas no conceito do T.O.D. têm amplas possibilidades de atender muito bem à qualidade de vida da população, à qualidade ambiental e às oportunidades econômicas. Mas, para seu sucesso, tem sido observado claramente que a participação e a concertação social e empresarial são muito importantes.

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE OS ESPAÇOS LIVRES, VERDES E PÚBLICOS NAS CIDADES DE BRASÍLIA (DF) E JOÃO PESSOA (PB) Na análise dos espaços livres e públicos brasileiros, além de sua configuração, que aqui se busca considerar, não se devem esquecer aspectos importantes ou até mesmo determinantes, tais como a desigualdade social e ainda o baixo nível de concertação social na definição e projetação de tais espaços. O primeiro fator conduz à segregação e à baixa sensação de pertencimento, salvo em ambientes segregados por nível social, e, até mesmo, ao aumento da ágorafobia. O segundo fator conduz à generalização (às vezes até globalizada) de soluções espaciais e técnicas, sem legitimação social, o que geralmente conduz à produção de soluções espaciais repetitivas, heterônomas, resultando em baixa identificação do cidadão local com o espaço livre criado.

A hiperdimensionalidade na definição dos espaços livres em Brasília A questão da hiperdimensionalidade, característica da mudança de escala espaço-temporal para a velocidade do automóvel fica mais evidente no caso de uma cidade que foi projetada inteiramente sob os princípios da Carta de Atenas, como é o caso de Brasília - DF. A subdivisão em escalas ou subunidades, como pensadas inicialmente, acabou não sendo apropriada socialmente como pensada por incompreensão ou por inaceitação coletiva das propostas. 160

161


Há que se considerar que essa incompreensão ou inaceitação da ideia inicial, por si só, não significa necessariamente algo negativo, e em uma abordagem mais antropológica ou sociológica, pode até indicar positivamente a vivacidade e a criatividade nas formas de aproveitamento dos espaços públicos, devendo ser considerados apenas pontos a serem observados para o aprimoramento dos futuros projetos. Santos e Vogel (1985) consideram que essas formas próprias de utilização podem ser consideradas como formas de liberdade e superação, pela população, em relação aos projetos e modelos vindos de planejamentos impositivos. No entanto, fenômenos como a “não utilização” dos espaços ou a ágorafobia representam aspecto preocupante e, embora seja a segregação social o aspecto mais influente, existem também elementos do espaço físico que interferem no comportamento e na forma de apropriação social do espaço. Segundo Lefèbvre (1974), em “La production de l’espace”, são várias as categorias do espaço: a) O espaço físico (da experiência prática e sensível do espaço e da natureza); b) Os espaços mentais (considerados dentro das possibilidades lógicas e imaginárias do indivíduo; e c) o espaço social, que é uma noção ainda mais complexa, com muitas interpretações do espaço físico enquanto produto social e do espaço mental enquanto articulação teórica das relações sociais23. Holanda (2010) ao analisar elementos espaciais do Plano Piloto mostra que há “... claras relações entre, por um lado, a morfologia física e a estrutura locacional das funções urbanas e, por outro lado, a apropriação que se dá dos espaços abertos de uso coletivo” 24. A comparação, por exemplo, entre a Praça dos Três Poderes e o Setor Comercial Sul, mostra que, no caso do primeiro, um espaço pensado para expressar monumentalidade e o poder da democracia tem sido utilizado com eficiência apenas em poucos episódios esporádicos (como esse recente das manifestações pró e contra o impedimento da presidente). Esse espaço é utilizado apenas em ocasiões efêmeras ou excepcionais, não participando vivamente do cotidiano das pessoas, apesar de por lá passarem diariamente muitos milhares de pessoas. No fundo é apenas um espaço de passagem que “... congestiona-se de veículos no início e no final das jornadas de trabalho e torna-se vazio nas demais horas do dia e nos fins de semanas e feriados, sua ocupação sendo então apenas residual” 25. Pode-se ressaltar ainda que

162

a maior parte da sua utilização se dá por veículos, ficando os espaços livres e abertos com utilização restrita e pouca permanência humana. No caso do Centro Comercial Sul, a relação entre os espaços livres e construídos são mais equilibradas e constitui-se uma estrutura urbana que lembra um centro urbano tradicional. Ao longo do dia, esse setor e seus espaços livres são ocupados de forma intensa, pois concentram grande número de atividades de comércio e serviços – com predominância de pequenas empresas – e geram muitos empregos. São muito utilizados, seja para passagem, lazer, descanso, encontro social e também o comércio informal. Evidentemente, a descontinuidade do uso social do espaço entre período diurno e noturno, bem como nos finais de semana é ainda considerável, em função da forte setorização das atividades: não estão presentes os usos residencial e cultural ou outras formas de uso que estendam a presença humana durante a noite e aos finais de semana. Na análise feita por Holanda (2010)26, o mesmo reconhece que, mesmo considerando a melhor presença humana nos espaços livres do Centro Comercial Sul observa-se um sistema de espaços abertos mais como um “resíduo amorfo” da colocação sobre o solo de unidades pouco agregadas, do que um sistema articulado de áreas livres definido pelos edifícios. Nas superquadras, com seus setores comerciais intersticiais propostos em função da buscada escala de vizinhança, Holanda (2010)27 observa que há inadequações na forma de ocupação, encontrando-se uma baixíssima relação espaço aberto/espaço fechado, e uma taxa de ocupação de apenas 8,6 %. Mas o aspecto mais grave é que, em sua análise configuracional, observou-se que 67% dos espaços convexos não têm sequer uma constituição28, o que coloca a condição da superquadra, que deveria ser um espaço nitidamente voltado ao cotidiano, em situação muito semelhante à Esplanada dos Ministérios, que é nitidamente voltada à excepcionalidade. Alguns aspectos em seu uso prático parecem corroborar as análises teóricas: os espaços verdes intersticiais nas superquadras, apesar de contribuirem paisagisticamente e para o conforto ambiental e ainda terem grande potencial de lazer ativo e passivo, têm baixo nível de utilização social e presença humana. Da mesma forma, seus setores comerciais intersticiais, que deveriam ser diversificados e voltados à complementação do uso residencial, apresentaram grandes 163


Figura 3: Espaços previstos para acessos a pé têm acessos frequentes por automóvel (a); Espaços destinados ao automóvel (insuficientes em uns momentos e ociosos em outros) cede lugar à melhoria eficiência de utilização com sua interdição e disponibilidades ao lazer público nos períodos ociosos (b). Foto: Autor (2016).

modificações, inclusive com a transformação em setores comerciais especializados e não exatamente complementares ao uso residencial, em alguns casos verificados. Ainda é digno de nota que esse setor comercial, previsto inicialmente para ser acessado sempre a pé, parece padecer de crônica “falta de estacionamento”, indicando forte mudança de uso em relação à ideia inicial29. Em outros espaços, no entanto, o cidadão reconquistou seu espaço humanizado: os Eixos Norte e Sul, geralmente insuficientes para a circulação veicular nos picos e ociosos nos fins de semana e feriados, foram fechados nesses períodos ociosos e disponibilizados para o lazer. Essa otimização do uso do espaço, transformando suas funções em algo mais humanizado, já havia sido experimentada com muito sucesso na pedestrianização de áreas centrais, e mais semelhante ainda a esse caso estudado, na interdição do elevado Costa e Silva (Minhocão) em São Paulo, aos finais de semana para sua utilização como lazer (Figura 3A e 3B).

No entanto, em algumas pesquisas realizadas, verificou-se que a maioria dos habitantes das superquadras se sente bem em tais espaços. Tal configuração, ampla e arborizada, em geral, agrada bastante às pessoas, particularmente à classe média e às famílias com filhos pequenos, pela aparente tranquilidade interna às quadras. Mas, conforme também assinala Holanda (2010): “... mesmo aqueles que não dão importância ao contato efetivo com vizinhos, frequentemente lembram a rua e seus ocupantes como uma ‘paisagem humanizada’, cuja ausência é sentida” 30. Em suas conclusões, Holanda (2010) diz “o urbanismo moderno procura reinserir a territorialidade na paisagem dos assentamentos contemporâneos, como a alegada estratégia 164

para ‘fortalecer os laços comunitários’. Novamente a realidade fala mais forte que a teoria ou o discurso: a atomização da cidade em pequenos ‘territórios’ não intensifica, pelo contrário, comumente limita e empobrece a relação do habitante com o universo social onde está inserido” 31. De certa forma ele produz um efeito semelhante ao dos “enclaves” pós-modernos, como os condomínios fechados32. Outro exemplo emblemático de hiperdimensionamento entre os espaços públicos brasilienses, apesar da beleza de sua concepção, é o Parque da Cidade. Com uma área de 4.200.000 m2, o mesmo oferecia, à época de sua implantação, 8,40 m2/hab.33. Outro detalhe significativo é o circuito de caminhada de 10.000 m (2 horas e meia de caminhada normal – ou seja, inadequada à escala humana e à divisão temporal cotidiana na vida urbana), cuja totalidade da extensão raramente é utilizada34. Seus espaços nem sempre respondem bem à utilização, ou são utilizados somente aos fins de semana e feriados. No cotidiano, é um espaço que mais amedronta do que encanta, em virtude da pequena presença humana percebida. Há que se considerar, no entanto, que tenha havido, pelo aumento da população da cidade e da população do entorno, um aumento populacional que acabou melhorando proporcionalmente a presença humana no parque, notadamente nos finais de semana e em locais bem delimitados e específicos. Na comparação abaixo, vemos que alguns outros parques famosos, mas menores, apresentam taxas de utilização (tanto temporal quanto espacial) melhores. Evidentemente influem também nesse aspecto sua localização e inserção no contexto urbano e os equipamentos e atrativos internos. No caso do Parque da Cidade, o mesmo é bem localizado, tem tratamento paisagístico de qualidade e bem agradável, é bem equipado, no entanto sua hiperdimensão dificulta sua apropriação e utilização eficiente no cotidiano. A sua utilização, até mesmo nos finais de semana, é bastante setorizada segundo as áreas mais acessíveis e a proximidade de equipamentos atrativos. Ainda em Brasília outra área verde urbana, com dimensões bem mais modestas e com finalidade inicial de proteção de alguns mananciais urbanos, foi gradativamente ocupada por moradores informais e, para poder justificar a retirada dos ocupantes, foi proposta a implantação de um parque público, o Parque Olhos d’Água, inaugurado em 1994. A área é bastante arborizada e foram 165


implantados alguns equipamentos de lazer e uma pista de caminhada de 2.100 metros (aproximadamente 30 minutos – bem adequada à escala humana). Apesar de ter características mais minimalistas (com poucos equipamentos e pouca intervenção na natureza), em função de suas dimensões mais adequadas e seu microclima agradável para os períodos mais secos, tem sido usado com muito mais eficiência no cotidiano: quase toda a sua área é utilizada diariamente, não havendo “manchas” de utilização notáveis, como no caso do Parque da Cidade (Figuras 4A e 4B).

do parcelamento e especialmente o percentual mais frequentemente utilizado da área dos vários parques seria bem maior (nesse caso, considerando a faixa utilizável mais frequente, como sendo a faixa de 100 m. a partir das bordas). Apesar do aspecto puramente geométrico da simulação, pode-se deduzir sobre a vantagem dessa distribuição em parques menores como também já tem assinalado vários autores que estudam as áreas verdes urbanas, como Macedo (2012).

Tabela 1: Comparação de áreas de parques famosos e relação entre a área e a potencial população usuária.

Parque

Cidade

Área (m²)

m²/hab (atual)

m²/hab(início)

Parque da Cidade

Brasília – DF

4.200.000

1,69

8,40

Parque dos Olhos d’Água

Brasília - DF

210.000

0,08

0,42

Parque Ibirapuera

São Paulo – SP

1.584.000

0,14

0,42

Central Park

Nova Iorque - EUA

3.150.000

0,37

3,15

Hyde Park

Londres - Inglaterra

2.500.000

0,29

(*)

(*) não existe uma data oficial de início ou inauguração deste parque público, sendo ocupado historicamente por diferentes funções e gradativamente transformado em parque. Figura 4: a) O Parque da Cidade, principal parque da cidade, tem problemas de utilização cotidiana e mesmo aos finais de semana sua utilização é concentrada em pequenas manchas de sua área total; b) O Parque Olhos d’Água, ainda que bem menor e menos equipado, tem sua utilização espaçotemporal melhor distribuída. Fontes: Foto do Autor (2016) / Mapa: http://wbrasilia.com/ parquedacidade.htm

166

Ao se comparar com outros parques conhecidos de outras cidades, pode-se observar que os de menor área em relação à população potencialmente usuária, têm uso mais constante e consagração unânime pela população (Tabela 1). Dentre esses, o Central Park é o que tem a área mais próxima do Parque da Cidade (75% de sua área), contudo, tem uma população potencialmente usuária permanente 5 vezes maior, tendo uma presença humana bem mais constante. Essa questão da vantagem dimensional de parques menores em relação a parques maiores pode ser facilmente explicada geometricamente, através de uma simulação simples, comparando um eventual parque de 1 km² (1.000.000 m²), com a divisão da mesma área em vários parques menores e distribuídos na cidade (Tabela 2). Nessa simulação simples, percebe-se as vantagens da distribuição da área em áreas menores, onde a área urbana e a população acessível e com potencial de ser atendida seriam bem melhores; a visão e a percepção da paisagem vegetal no espaço urbano seriam bem mais constantes com a maior extensão da somatória das bordas e a melhor distribuição ao longo do tecido urbano; as distâncias a serem percorridas para contornar o parque seriam bem menores em virtude

Tabela 2: Simulação geométrica da divisão de uma unidade de parque de 1 km2. Fonte: Oashi & Ribeiro (2010).

Percentual de área de utilização cotidiana do parque

Nº de Parques compondo a área total de 1.000.000 m²

Área individual de cada parque (m²)

Extensão da borda individual (m²)

Somatória da extensão das bordas. Total (m²)

Área urbana de atendimento (apropriação) mais frequente (R = 500 m a partir da borda) (m²)

Único

1.000.000

4.000

4.000

4.000.000

36%

02

500.000

3.000

6.000

6.000.000

52%

04

250.000

2.000

8.000

9.000.000

64%

08

125.000

1.500

12.000

15.000.000

88%

16

62.500

1.000

16.000

25.000.000

96%

(Considerando 100m a partir da borda)(%)

167


As diferentes fases de implantação das praças e áreas livres e verdes urbanas em João Pessoa (PB) e a sua distribuição socioespacial no tecido urbano A grande maioria das praças públicas da cidade de João Pessoa (PB) foi implantada até o final da década de 1930, onde a estética urbana e a estratégia urbanística da reformulação urbana através do “sanear, embelezar e modernizar” valorizava tais espaços. Por localizarem-se em áreas centrais, muitas tinham um caráter cívico bem mais evidente35. Entre as praças implantadas em um processo modernizador e saneador que consistiu da urbanização da Lagoa dos Irerês e a criação do Parque Sólon de Lucena, houve, em 1922, a implantação da Praça da Independência, à época a maior praça da Capital, que recebeu esse nome por ser inaugurada na época das comemorações do centenário da Independência do Brasil. Apesar de sua potencialidade e excelente localização, não tem sido usada comumente em seu cotidiano. Um dos problemas é o da escala e dimensões exageradas especialmente em relação ao traçado adotado, mas também outros fatores, como a pequena quantidade de equipamentos e elementos atrativos e especialmente o da iluminação inadequada, que têm dificultado sua apropriação coletiva. É um espaço que também tem tido sua utilização mais plena apenas em alguns eventos muito específicos. Durante o período entre 1940 e 1990 houve poucas implantações de novas praças. Vale salientar que, até o início da década de 1940, a população de alta renda se localizava mais próxima do centro urbano, exatamente nas áreas mais beneficiadas com as antigas praças. Entre 1940 e 1970, as novas praças implantadas, em sua maioria se situavam nas áreas próximas à Avenida Epitácio Pessoa, também caracterizadas por populações de classe média a média-alta no contexto local. Mesmo com leis urbanísticas que exigiam percentuais de áreas verdes nos loteamentos, apesar da reserva de áreas para tais, um número relativamente pequeno das áreas disponibilizadas recebeu tratamento para exercer as funções de praça. Essas, com características de praças de bairro, eram mais voltadas ao passeio e descanso de adultos e idosos, lazer juvenil (quadras) e infantil (playgrounds). De certa forma, essa fase “moderna” de implantação das praças seguia a hierarquização e os níveis propostos nas escalas modernistas 168

(parques de bairro e de vizinhança). Mas, nos espaços públicos da cidade de João Pessoa, a tendência mais marcadamente modernista foi a evolução relativa da superfície de circulação, em proporções bem maiores que a evolução das áreas verdes tratadas. Da proposição moderna, a função “circular” foi bem mais valorizada (ver Figura 5). Há que se lembrar de que a proposição de áreas de preservação, particularmente no Código de Urbanismo de 1975, foi bastante generosa, com o objetivo de preservação ambiental, mas também de disponibilizar mais áreas para a função “recriar”. Contudo, poucas áreas propostas para preservação foram realmente consolidadas e efetivamente disponibilizadas para uso público com tal finalidade. Ver evolução relativa das superfícies de circulação e de praças e parques urbanizados (Figura 5).

Figura 5: Comparação da evolução relativa (Área superficial/ habitante) da superfície de circulação e das superfícies de áreas verdes tratadas e disponibilizadas ao uso público por período – (m2/hab). Fonte: DGEOC/SEPLAN (2010); Ribeiro, 2008.

Apenas alguns prefeitos municipais, a partir do final dos anos 1970 e ainda na década de 1990, retomaram de forma mais clara a implantação de praças, mas, em função do aumento populacional, não chegou a influir significativamente nos índices relativos. Mas, especialmente nas gestões municipais entre 2003 e 2012, observouse um grande incremento de praças, ao menos na lei de criação de novos parques. Particularmente nesses dois últimos períodos, houve uma ligeira melhora na disponibilização de praças ao longo da malha 169


urbana. No entanto, ainda que tenha havido também implantação de praças nas áreas de menor renda, não foi suficiente para reverter uma tendência clara nos períodos anteriores de concentração de investimentos públicos nas áreas de população mais abastadas e nos setores mais propícios aos negócios, à especulação imobiliária e ao desenvolvimento turístico em função da proximidade da orla marítima. No setor sudoeste, que concentra a maior parte da população pobre e ainda representa o setor mais distante da praia, há uma disponibilidade bem menor, além do que, em média, são praças menos equipadas. Essa realidade bipartida e paradoxal vem da visão neoliberal globalizada (pós-moderna) que vê a cidade mais como um território de oportunidade de negócios do que um território onde habitam pessoas, onde a cenografia e o marketing urbano parecem ter uma importância fundamental. Portanto, nessa visão, os setores mais “rentáveis” vêm sempre recebendo a prioridade de investimentos. Entre os parques urbanos da cidade, observa-se que, até a implantação dos parques recentemente propostos em lei, a cidade conta praticamente com apenas os dois parques urbanos de caráter público: o Parque Arruda Câmara e o Parque Sólon de Lucena, os dois na área central da cidade36. Os parques públicos propostos em lei, se implantados, poderiam dar uma contribuição melhor, mas os mesmos mantêm a tendência de concentrarem-se nas áreas de mais alta renda e nos setores de média renda promissores ao capital imobiliário (Figura 6). Ou seja, reproduz-se aqui a mesma tendência da locação das praças públicas. Além desse conjunto de parques municipais, o setor sudeste contém ainda a Reserva Florestal do Buraquinho que, se implantado o projeto paisagístico para a área de visitação do Jardim Botânico, poderia também representar uma importante área de lazer. É visível na distribuição dos parques que o setor sudoeste da cidade (mais pobre e mais distante das praias, área de lazer mais utilizada da cidade) não recebeu nenhuma proposição de parque, embora tenha reservas privadas (APP) de excelente qualidade natural, e a maior delas (Mata e Capela da Graça) ainda dispõe de remanescentes de antiga arquitetura barroca que poderia muito bem, através de uma parceria público-privada, atender a essa população carente e distante das demais possibilidades de lazer, além de poder tornar-se o melhor parque urbano da cidade. Ver Figura 7 a seguir, onde a área está indicada, no setor 3, em cor marrom. 170

Figura 6: Distribuição socioespacial das praças na cidade de João Pessoa. Fonte: DGEOC (2010).

Figura 7: Distribuição dos parques existentes e criados por lei (em vermelho) e sua distribuição socioespacial. Fonte: Adaptado de Silveira (2014).

171


Tabela 3: Distribuição socioespacial, quantitativos e amplitude das dimensões. Fonte: DGEOC/SEPLAN (2010).

Setor Central

Quantitativamente, observa-se que a proposição e a implantação de praças e parques ocorreram mais significativamente nos setores leste e sudeste que nas demais, provavelmente em função da baixa rentabilidade dos investimentos privados que essas áreas de baixa renda proporcionariam. Contudo, os benefícios sociais decorrentes de uma oferta de importante área de lazer nesse setor, seriam inegáveis, além de contribuir para um reequilíbrio no desenvolvimento harmônico e mais equilibrado da cidade. Quantitativamente, o número de praças e parques efetivamente implantados até 2010, na cidade de João Pessoa, seguia a seguinte distribuição espacial e amplitude de áreas:

Parques Praças implantados tratadas

Praça de menor área

Praça ou parque de maior área

Somatório das áreas totais

(m²)

(m²)

(m²)

02

27

197,32

45.839,00

377.611,72

Leste – Sudeste (alta e média renda)

-

13

342,47

13.861,16

341.766,90

Sul – Sudoeste (media e baixa renda)

-

09

331,75

2.403,17

22.088,77

No aspecto qualitativo, observa-se também que os parques de melhor qualidade material, paisagística e disponibilidade de equipamentos se encontram no setor central e no setor Leste e Sudeste, ou seja, o de média e alta renda, e ainda no setor Sudeste, onde existe melhor expectativa de valorização dos investimentos. Essa tendência é explicada pelo que citamos anteriormente, segundo Villaça (2010), que é através da segregação socioespacial que a classe dominante controla e produz o espaço de acordo com seus interesses. Do ponto de vista da densidade de utilização, no entanto, verificam-se pequenas diferenças no padrão quantitativo do uso entre os segmentos sociais, uma vez que as novas praças são bastante utilizadas, notadamente nos bairros de menor renda, em função dos melhores vínculos comunitários e também da carência de outras opções, como a praia, áreas de lazer condominiais e entretenimento doméstico através dos acessos eletrônicos (internet, videogames, etc.) 172

Os fatores observados como mais determinantes na intensidade e adequação de seu uso, de forma geral, são: a) arborização adequada, para proporcionar maior conforto no uso diurno; b) iluminação mais adequada, para proporcionar atratividade e segurança na utilização noturna; c) equipamentos adequados às características dos usuários; e d) sentimento de pertencimento comunitário da população local. Esse último fator ficou menos claro no uso de praças em áreas de mais alta renda. Algumas dessas novas praças acabaram tornando-se símbolos de espaços cívicos e comunitários, servindo muito bem tanto ao cotidiano como aos eventos efêmeros, como é o caso da Praça da Paz, no bairro dos Bancários (bairro de média renda) (Figura 8).

Figura 8: a) Praça da Paz, Bairro dos Bancários; b) Praça Alcides Carneiro, Bairro Manaíra, Setor Este - Sudeste. Foto: PMJP (2015) e Porto, G. (2008).

Figura 9: a) Praça da Rua Indio Arabutan, Bairro Alto do Mateus; b) Praça de proximidade, Bairro Oitizeiro, Setor Sul-Sudoeste. Fonte: Google Earth (2015).

173


CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas cidades observadas temos duas realidades diferentes: a) uma cidade que atendeu, em seu Plano Piloto, os princípios modernistas da Carta de Atenas, sendo, portanto, oriunda de uma concepção teórica integral e representativa de um contexto histórico, com algumas inflexões ao longo de sua existência; b) uma outra cidade que, como a maior parte das cidades, ajustou-se aos princípios de modernidade e contemporaneidade ao longo do tempo, em uma intensidade ou ritmo que a condição local e a apropriação das novas ideias foram ocorrendo e permitindo tais intervenções. Na cidade de Brasília (DF), observam-se em sua estrutura vários casos de mudanças de uso ou mesmo na configuração em função da não compreensão ou não aceitação das formulações urbanísticas. Mas o problema mais evidente foi a baixa apropriação ou baixa utilização coletiva e cotidiana de alguns espaços públicos, o que pode ser verificado em vários espaços, mesmo os pensados para a utilização cotidiana. Pensava-se, inicialmente, que tal fenômeno somente ocorreria nos espaços que não foram exatamente pensados para o cotidiano, mas para exprimir monumentalidade e para momentos efêmeros e cívicos, como é o caso da Esplanada dos Ministérios. Mas, as observações demonstram que até mesmo os espaços de utilização ou ocupação mais densa (Setor Comercial Sul) e ainda os espaços livres das Superquadras que foram pensadas para a habitação humana, apresentam problemas de subutilização. No caso do Setor Comercial Sul, apesar da grande vitalidade diurna, padece de melhor utilização dos espaços interiores, em função provavelmente da ausência de definição projetiva para os espaços livres de uso público. No desenho urbano, valorizou-se o traçado viário e as composições edificadas, não sendo tão evidente a intencionalidade específica para cada ambiente entre os espaços livres, não recebendo, portanto, o tratamento mais adequado a tornar seu uso mais eficiente. O efeito da rígida setorização, com o uso comercial e serviços, também levou à baixa presença humana no período noturno e nos finais de semana, excetuando-se alguns bares ou pontos específicos, mas que, em função do esvaziamento noturno citado, também não chegam a ser considerados atrativos ou agradáveis.

174

A grande surpresa foi com relação às superquadras, onde se imaginava, na proposição inicial, que os vínculos de vizinhança fossem fortalecidos e os espaços livres e verdes das quadras fossem bastante utilizados. No entanto, talvez exatamente pelo seu superdimensionamento dos espaços livres e pela falta de articulação com os espaços habitados, salvo alguns poucos casos (geralmente articulados a um equipamento esportivo ou de lazer), apresentam níveis baixíssimos de utilização e presença humana. No caso das superquadras, não deve existir a ágorafobia originada por fator de desigualdade social, uma vez que as quadras apresentam internamente certa homogeneidade social, sendo, portanto, um problema mais caracterizadamente espacial. Esses espaços contribuem paisagisticamente e para o conforto ambiental, mas socialmente não apresentam a resposta esperada. Com a vizinhança e a homogeneidade social, era de se esperar um maior sentimento de pertencimento que levaria ao maior compartilhamento dos espaços livres da quadra, o que acontece de forma bastante frágil. Apenas as quadras de esportes e, em menor grau, os playgrounds e academias ao ar livre garantem certa presença humana, ainda que de maneira pouco densa e de forma descontínua. Para os pedestres que cruzam a quadra, as grandes dimensões são muito mais geradoras de distâncias que, propriamente, espaços públicos. Isso fica marcado na paisagem com as grandes “diagonais” impressas na grama, porque, em caso de distâncias maiores, o pedestre busca sempre os caminhos mais curtos. Essas mesmas diagonais estão presentes em todos os demais espaços públicos superdimensionados, notadamente os espaços do chamado Eixo principal (o corpo do “avião” e a Esplanada), onde as distâncias geradas são ainda maiores. O Parque da Cidade, que deveria ser um grande espaço de concentração e convivência, por sua exagerada dimensão, tem baixo nível de utilização no cotidiano, e utilização setorizada em “manchas” nos finais de semana e feriados. Vale também salientar que os eixos viários, macrodimensionados, são quase totalmente ociosos nos finais de semana e madrugada. Isso levou a ser proposta a interdição do chamado Eixo Norte-Sul aos finais de semana e feriados, transformando-os em uma grande área de lazer, bastante utilizada, embora, também aqui tem que ser 175


considerado que, em função de suas dimensões, a sua densidade de utilização é ainda baixa e também se desenvolvem algumas “manchas de utilização densa”. Desde o início, o único setor da cidade que tem sido utilizado permanentemente e com bastante vitalidade é a Rodoviária do Plano. Sua característica de “ponto nodal” e sua alta vitalidade funcional lhe alimenta a persistência da presença humana. No entanto, socialmente, é bem segregado, uma vez que, para as camadas de renda mais alta da cidade, é um espaço desconhecido e, para muitos, até mesmo um espaço a ser evitado. Ladeando esse espaço nodal, havia na ideia inicial uma galeria comercial (Conjunto Nacional) e uma galeria de serviços alimentava a importância desse espaço central e nodal. Nas fases mais recentes, é fácil observar que, no plano piloto, a galeria de serviços se deteriorou, com a transferência de atividades para alguns setores mais ricos da cidade. A galeria comercial assumiu novas formas de “shopping centers”, mantendo a sua vitalidade, também pela maior extensão temporal de funcionamento. Por outro lado, novos simulacros, como os “shopping centers”, proliferam como áreas de lazer para a classe de mais alta renda, alguns dentro do próprio Plano Piloto, mas, principalmente nas novas áreas de ocupação periférica, notadamente junto às áreas de alta e média renda. No caso de João Pessoa, a cidade veio recebendo elementos “modernizantes”, na fase sanitarista, até a década de 1920 (projetos de Saturnino de Brito); algumas proposições de espaços públicos no eixo Centro – Bairros litorâneos; no período de 1930 a 1970; a urbanização e ocupação dos novos bairros litorâneos a partir da década de 1970 e, a partir de então esse eixo vem orientando a concentração de implantações de áreas livres e verdes públicas de lazer. No Código de Urbanismo de 1975, foram previstas muitas áreas de preservação do verde e das matas ciliares, o que seria positivo, mas, da mesma forma que muitas áreas de preservação intersticiais às áreas urbanas de Brasília, a maioria não foi apropriada de forma adequada, muitas com o ambiente totalmente deteriorado ou modificado para funções não compatíveis com a preservação. Destas, a maior parte é vista pela população como uma ameaça, não atribuindo qualidade de vida. Nessa mesma proposição urbanística, foram muito valorizados os eixos de circulação, notadamente para o transporte motorizado 176

individual, de acordo com a proposição moderna. Isso explica a continuação do aumento relativo das superfícies viárias e de circulação, em proporções muito superiores aos espaços públicos de convivência social, que aumentavam desde os projetos de saneamento e embelezamento, das primeiras décadas do século XX. Em parte, como acontece em muitas cidades litorâneas, essa disponibilização natural de espaço de lazer público (praias) parece desestimular a implementação de espaços públicos urbanos com tal função. Mas, como vimos de dizer, o mais evidente na avaliação da estruturação contemporânea é a predominância da concepção liberal e heterônoma, globalizada, da cidade como oportunidade de negócios. Nessa linha, percebe-se visivelmente uma preferência em concentrar a infraestrutura e os equipamentos urbanos na área urbana mais rentável ou promissora (setores leste e sudeste), em detrimento das demais. Além da concentração de praças e proposição de parques nessa área, mostrada anteriormente, temos os grandes equipamentos: Espaço Cultural (1982) – Arquiteto Sergio Bernardes; Estação Ciência Cultura e Arte (2008) – Arquiteto Oscar Niemeyer; e Centro de convenções Ronaldo Cunha Lima (2012). É digno de nota também que as universidades UFPB, UNIPÊ e outras também vão concentrando-se nesse setor. Tal estruturação acaba desenvolvendo na cidade de João Pessoa, como em várias outras cidades, um urbanismo segregado e cenográfico, bastante utilizado na contemporaneidade, com concentração de benefícios, capital, atividades econômicas, etc. na parte mais rica da cidade, em detrimento da população dos setores sudoeste e oeste da cidade que, com o deslocamento da concentração desses benefícios do antigo centro para esse novo “território da rentabilidade”, desloca também as oportunidades de emprego e de formação técnica e profissional, ampliando as distâncias entre os grupos sociais. No caso de Brasília, em seu Plano Piloto, não se observa tal divisão radical, mas uma simples setorização social planejada, uma vez que as quadras apresentam níveis sociais diferentes. No entanto, no conjunto urbano total, as populações mais pobres foram distanciadas (de forma explosiva) para a periferia distante, também gerando dificuldades até maiores em função das distâncias, geralmente superdimensionadas, como nas demais práticas do urbanismo modernista. Em função desses distanciamentos excessivos e até do excessivo dimensionamento de 177


zonas de “preservação”, observa-se grande número de ocupações informais (tanto da baixa renda quanto da média e até alta renda) em espaços intersticiais, bem como grandes extensões de áreas naturais ditas “preservadas” que, como dissemos, não atribuem qualidade à população, nem tão pouco ao meio ambiente ou à paisagem, sendo objeto de deposição de resíduos de toda a natureza e motivo de fobias e insalubridade para a população. Apenas para concluir, observaram-se nas duas cidades alguns processos heterônomos ou globalizados, entre os quais muitos fatores relacionados no Quadro 1 se verificaram, na maioria das vezes induzindo a respostas não satisfatórias às reais necessidades da comunidade local, ou atendendo parcialmente apenas ao segmento de maior renda. Observou-se ainda que os espaços livres e públicos das duas cidades têm problemas em sua utilização em função dos seguintes elementos: a) desigualdade e segregação no contexto social; b) fragilidade de vínculos comunitários ou no sentimento de pertencimento; c) problemas ligados ao dimensionamento ou equipamentos atrativos; d) desconforto, falta de arborização ou de iluminação; e e) irregularidade na distribuição e acessibilidade para todo o conjunto urbano.

REFERÊNCIAS ARANTES, O. B. F. A ideologia do ‘lugar público’ na arquitetura contemporânea (um roteiro). In: ARANTES, O.B.F. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo, EDUSP/NOBEL/FAPESP, 1993. AUGÉ, M. Não lugares: introdução a uma antropologia da sobremodernidade.. Lisboa, 90 Graus, 2005. BONNY, L; DONNADIEU, B & HARARI, J Urbanités domestiques face au territoire in Tapie, G; Maison individuelle, architecture, urbaniteParis: Ed. De l’Aube, 2005. DEHAN, P. & JULIEN, B. Au detour des Chemins de grues in PICON-LEFÈBVRE, V. Les espaces publics moderns Paris: Moniteur, 1997. DIEB, M. A. Áreas verdes públicas na cidade de João Pessoa – Diagnósticos e Perspectivas João Pessoa: Dissertação de Mestrado – PRODEMA/UFPB, 1999. DUMAZEDIER, J. Sociologia empírica do lazer. São Paulo, Perspectiva, 1976. DUMAZEDIER, J. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo, SESC, 1980. FIGUEIREDO, W. Espaço Público Espaço Privado: notas para o estudo das condições de apropriação do espaço público urbano. (Dissertação de Mestrado). São Paulo, Universidade de São Paulo, 1983. GHEL, J. Cidades para pessoas São Paulo: Ed. Perspectiva – 2ª. edição – 2013. GHORRA-GOBIN, C. Les éspaces publics, capital social Geocarrefour, vol. 76 no. 1, pp. 05-11 , 2001.

Lyon: Revue

GHORRA-GOBIN, C. La ville américaine: espace et société Paris: Nathan, 1998. LEFEBVRE, H. La production de l´espace. Paris, Editions Anthropos, 1974. LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo, Documentos, 1969. LEFEBVRE, H. Vida cotidiana no mundo moderno. Lisboa, Ulisséia, 1969. HARVEY, D. Condição pós-moderna São Paulo: Ed. Loyolla, 1993. HOLANDA, F. A morfologia interna da Capital in PAVIANI, A. (org) Brasília, ideologia e realidade Brasília: Editora UnB, 2010, p.200. HOWARD, E. Garden cities of Tomorrow. Londres: Ed. Faber & Faber, 1902.

178

179


ILLICH, I. A convivialidade Lisboa: Publicações Europa-América, 1985.

Notas

NOVARINA, G. & GALLAND-SEUX, M. Fragments de modernité em BasDauphinéinChalas, Y. “De la ville nouvelle à la ville contemporaine” – Paris: La DocumentationFrançaise, 2005.

1 Harvey, D. Condição pós-moderna São Paulo: Ed. Loyolla, 1993 pp. 195-277.

MACEDO, S. S. Lugares, Espaços Livres e contemporaneidade - Carcterísticas do Sistemas de Espaços Livres das Cidades Brasileiras Contemporâneas. In: Silvio Soare Macedo. (Org.). Qualidade de Lugar e Cultura Contemporânea Controversias e Ressonâncias em Coletivos Urbanos. 1 ed. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. OASHI, T.G Princípios de Compactação Urbana e Qualidade de Provimentos e de vida urbana. Relatório de Iniciação Científica – Orientador: RIBEIRO, E.L. – João Pessoa – PIBIC/UFPB, 2010. PERRY, C.A. The neighbourhood unit, a scheme of arrangement for Family-life community in The regional survey of New York – Vol. 7 , 1929. RIBEIRO, E. L. et al. Sistema de áreas verdes e de lazer urbano aspectos históricos, espaciais e sociais: o caso da cidade de João pessoa-PB in BENINI, S.M & ROMBI, J. A. Estudos Urbanos: uma abordagem interdisciplinar da cidade contemporânea – Tupã - SP: ANAP, 2015. RIBEIRO, E.L. et al. Sistemas de áreas livres e verdes urbanas em João Pessoa – PB DIGEOC/SEPLAN/PMJP,2008 ROGERS, R. Des villes pour une petite planète Paris: Le Moniteur, 2000. ROUILLARD, D. Superarchitecture –Le futur de l’architecture Paris: Ed. La Villette, 2004. SILVEIRA, C.F.A. O verde e a cidade: parques urbanos municipais em João Pessoa-PB Dissertação de Mestrado – PPGAU/CT/UFPB, 2014.

2 1974.

3 Bourdieu apud Harvey, D. Condição pós-moderna São Paulo: Ed. Loyolla, 1993 p.308. 4

Id. Ibid, p.308.

5

Id. Ibid , pp.303-306.

6 (1902).

Howard, E. Garden cities of Tomorrow– Londres: Ed. Faber & Faber

7 Novarina, G & Galland-Seux, M. Fragments de modernité em BasDauphiné in Chalas, Y. “De laville nouvelle à la ville contemporaine” – Paris: La Documentation Française, 2005 p.46. 8 Tais preocupações tiveram origem, obviamente, na sequência de episódios críticos de epidemias urbanas que se ampliavam na medida em que a população das cidades crescia, notadamente ainda no início da fase industrial, onde os novos fluxos de populações, matéria-prima, produtos, dejetos e resíduos se ampliaram muito no contexto urbano, gerando congestionamentos espaciais e, especialmente, baixíssimas condições de salubridade e altos índices de mortalidade. Curiosamente, mais que as doenças e as mortes que se verificavam, foi o impacto negativo das doenças sobre a força de trabalho, a produção e o consumo que, no novo modelo industrial, mais influenciou a mudança paradigmática. Mais ainda que esse último, a afirmação do paradigma da Higienópolis como símbolo de modernidade foi o fato que definitivamente permitiu uma maior disseminação do modelo por todo o mundo urbano.

SANTOS, C. N. F. & VOGEL, A. Quando a rua vira casa: a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. Rio de Janeiro: FINEP/IBAM -Projeto, 1985.

9 Perry, C.A. The neighbourhood unit, a scheme of arrangement for Family-life community in The regional survey of New York – Vol. 7, 1929.

SPIRN, A. W. O Jardim de Granito: A natureza no desenho da cidade. Tradução: Paulo Renato Mesquita Pellegrino. São Paulo: EDUSP, 1995. 345 p.

10 Bonny, L; Donnadieu, B & Harari, J Urbanités domestiques face au territoire in Tapie, G; Maison individuelle, architecture, urbaniteParis: Ed. De l’Aube, 2005, p. 159.

VILLAÇA, F. O Espaço Intra-Urbano no Brasil. 2. ed. São Paulo: Studio Nobel/ FAPESP, 2000.

11 Dehan, P. & Julien, B Au detour des Chemins de grues in PiconLefèbvre, V Les espaces publics moderns Paris: Moniteur, 1997, p. 35. 12

180

Lefèbvre, H. La production de l´espace. Paris, Editions Anthropos,

Novarina, G. & Galland-Seux, M .op. cit, p. 50.

181


13 Rouillard, D. Superarchitecture –Le futur de l’architecture Paris: Ed. La Villette, 2004, p. 27 14

Id. Ibid, p. 27.

15 VILLAÇA, F. O Espaço Intra-Urbano no Brasil. 2. ed. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP, 2000. p. 360. 16

Id. ibid.

17 Rogers, R. Des villes pour une petite planète Paris: Le Moniteur, 2000. p.95. 18 Gehl, J Cidades para pessoas São Paulo: Ed. Perspectiva – 2ª. edição – 2013. 19

Illich, I. A convivialidade Lisboa: Publicações Europa-América, 1985.

20 Algo que vale a pena destacar é que nos “simulacros centrais”, como os shopping centers, os “simulacros de ruas”, juntamente com os “simulacros de praças” representam os espaços mais “vivos e utilizados”, o que não ocorre comumente com a rua e a praça em vários lugares. O abandono dos espaços verdadeiros faz parte do processo de privatização e substituição por simulacros dos espaços urbanos. 21 Termo provavelmente utilizado pela primeira vez por Duvignaud (1977) em Lieux et non-lieux, mas desenvolvido teoricamente por Marc Augé (2005) que define o lugar como um espaço identitário, relacional e histórico, ou seja um espaço antropológico. O “não lugar” é exatamente o seu oposto: espaços não identitários, não relacionais e não históricos. 22 Em alguns países europeus, esse conjunto de possibilidades de deslocamentos e mobilidades não motorizadas (a pé, bicicletas, patinetes, patins, cadeiras de roda, etc.) é chamado também de mobilidade doce. 23 1974.

Lefèbvre, H. La production de l´espace. Paris, Editions Anthropos,

24 Holanda, F.A morfologia interna da Capital in Paviani, A (org) Brasília, ideologia e realidade Brasília:Editora UnB, 2010, p.200. 25

Id. ibid, p. 209.

26

Id. ibid, p. 214.

27

Id. ibid, p. 226.

28 Quando existe uma relação de acessibilidade entre uma linha (espaço) e um elemento construído diz-se que a linha é constituída.

182

29 Algumas áreas comerciais internas à superquadra, que deveriam comportar um tipo de comércio diversificado mas complementar ao uso residencial, acabaram por assumir usos muito específicos, chegando algumas dessas áreas a assumir especializações típicas de áreas centrais ou pericentrais (restaurantes, material elétrico, etc.). Essas alterações, associadas às distâncias promovidas pelos excessivos vazios internos à quadra, fazem com que muitos dos deslocamentos pensados inicialmente que seriam a pé, passem a ser através de automóveis: o boulevard pensado inicialmente transformou-se em uma rua com clara “insuficiência de estacionamentos”, ficando os automóveis amontoados em filas duplas, enquanto a calçada, pensada para ser ampla e cheia de pessoas, acabou estreitando-se e relativamente vazia. 30

Holanda, F. Opus cit. p.228.

31

Id ibid p.236.

32 Um fator que é claro aos brasilienses, embora nem sempre percebido claramente pelo visitante, é que as superquadras também apresentam uma setorização social, ou seja, existem superquadras dos apartamentos de alta renda (prédios de luxo, com apartamentos de maior área, elevadores, cobertura de lazer, etc.) e existem quadras dos apartamentos de rendas mais baixas. Para os brasilienses é comum saber o nível social das pessoas segundo a superquadra que habitam. 33 Sobre o Parque da Cidade existe um slogan de “maior parque urbano do mundo” que a administração pública exibe orgulhosamente, denotando claramente uma valorização do aspecto quantitativo. Mas a maior demonstração da visão quantitativa demonstrada pelo poder público é a propaganda de que, enquanto a recomendação da ONU seria 12 m² de área verde por habitante, a cidade de Brasília teria 120 m² por habitante. Não existe nenhum fundamento de que uma extrapolação tão excessiva seria benéfica. Na prática, observa-se que muitas dessas “áreas verdes” são vistas pela população como “matagal”, algo negativo e até perigoso, sendo objeto de deposição de lixo, restos de construção, carcaças de automóveis, etc. Fica evidente que a disponibilização de áreas livres e verdes deve ser adequada (não superdimensionada) e com finalidade claramente objetiva e devidamente tratada para ser percebida pela população como algo positivo à sua qualidade de vida. 34 Apenas como simples comparação: o circuito automobilístico de Interlagos, em São Paulo, apesar de ser um circuito para automóveis de altíssimo rendimento, foi reduzido de sua extensão inicial de 7.960 metros para 4.309 metros, para obter um funcionamento mais eficiente. Fica evidente que o circuito de 10.000 metros, para a circulação a pé, seria bastante exagerado.

183


35 Nesse período inicial de saneamento e modernização, o engenheiro Saturnino de Brito teve ação fundamental, criando o projeto de saneamento e drenagem, a urbanização da Lagoa e criação do Parque Sólon de Lucena e a urbanização de seu entorno leste e sudoeste. 36 O Parque Sólon de Lucena, apesar de sua grande área e sua enorme importância como referência urbana (tanto em pesquisas populares como em pesquisas acadêmicas, o espaço tem se demonstrado como uma referência sempre lembrada como significativa de sua área central). Implantado durante as reformas sanitaristas com a urbanização e saneamento da antiga Lagoa dos Irerês, durante a maior parte de sua história exerceu mais a função de nó de circulação viária. Apenas em um dos projetos, na segunda metade da década de 1970 recebeu um tratamento mais adequado para a função de parque. No entanto, intervenções posteriores retomaram algumas funções de circulação viária. Recentemente, nesta gestão municipal atual, novas tentativas de sua valorização como parque foram empreendidas.

184

185


CIDADES, INTERVENÇÕES E PRÁTICAS URBANAS: USOS DO ESPAÇO PÚBLICO E QUALIDADE SOCIOURBANÍSTICA NOS CENTROS DE JOÃO PESSOA E RECIFE

Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa, PB

Este estudo é parte dos resultados de pesquisas PIBIC/CNPq (2011-2013)1 sobre os espaços públicos dos centros das cidades de Recife e João Pessoa que passaram por processos de revitalização urbana. Verificamos os aspectos gerais que caracterizaram as intervenções público-privadas e seus efeitos sobre o caráter público de ruas e praças dos centros urbanos, assim como as possibilidades de geração de novas dinâmicas de uso e apropriação por pedestres, moradores, trabalhadores e visitantes. O caráter de público dos espaços pesquisados se refere, sobretudo, a configuração enquanto praças e ruas de acessos e visibilidades irrestritos, lugares potenciais de encontro e diversidade. A problemática central relativa aos processos de produção e apropriação dos espaços públicos contemporâneos identificados nas áreas revitalizadas dos centros de Recife e de João Pessoa está alinhada com um tipo de intervenção público-privada voltado para a mercantilização dos espaços e inserida num processo de “espetacularização” (DEBORD, 1997; BRITO; JACQUES, 2009; SCOCUGLIA, 2004, 2010) dos atributos urbanos voltados ao turismo, ao lazer e ao consumo, sobretudo, via promoção de usos comerciais e de serviços e aumento do valor do uso do solo. Este tipo de intervenção tende historicamente a alcançar resultados como privatização dos espaços públicos, especulação imobiliária e “gentrificação” (processos de expulsão da população mais pobre e/ou preexistente) ao estimular práticas de consumo, higienizar e interditar espaços anteriormente 186

propícios às atividades de grupos estigmatizados (VIEIRA, 2007; SCOCUGLIA, 2004; LEITE, 2004). Um dos resultados dessa elaboração de cenários para consumo é o “empobrecimento da experiência urbana” dos citadinos, cujos espaços de participação civil, de produção criativa e de vivência afetiva, ficam cada vez mais restritos assim como as suas oportunidades de ocorrência, e comprometem qualitativamente as possibilidades de complexificação e diversidade da experiência urbana (AGANBEM, 2010; CERTEAU, 1996). Essa problemática tematizada e, por vezes, recorrente em discursos acadêmicos e da administração pública dessas cidades, ainda precisa de enfrentamento apropriado no sentido de obter um redimensionamento das responsabilidades e implicações, promovendo um enfrentamento do suposto consenso das abordagens que pregam a coexistência pacífica entre diferentes identidades, embora destinando cada qual a um “espaço próprio” de convivência entre iguais, mascarando os inevitáveis conflitos de interesses e as tentativas de agenciamento dos espaços públicos como instrumentos dos poderes instituídos e hegemônicos para manutenção do status quo bem como dos princípios favoráveis à ampliação dos mecanismos mercantis. Supomos, assim, que o estudo das relações entre uso e apropriação dos espaços públicos da cidade pode indicar caminhos alternativos de promoção da qualidade de vida urbana. Conforme apontam Brito e Jacques (2009) é da relação entre o corpo do cidadão e “outro corpo urbano” que poderão surgir outras formas de apreensão urbanocorporal e, consequentemente, outras formas de reflexão, léxicos mais adequados ao contemporâneo e projetos urbanos participativos. Os projetos urbanos contemporâneos de revitalização urbana se caracterizam ainda por uma estratégia desencarnada, genérica, homogeneizadora e supostamente consensual e não participativa no sentido de não incorporar moradores e usuários aos processos de decisão e gestão urbanas. João Pessoa e Recife não fogem à regra. Projetos de revitalização recentes vêm transformando os espaços públicos em cenários para visitação turística, shows, lazer e consumo mais do que promotores de valores patrimoniais e culturais e/ou da ampliação das sociabilidades diversificadas, da alteridade e da complexidade próprias desses lugares. Se considerarmos que os desacordos e desentendimentos estão, enquanto categorias fundamentais do político, presentes nos conflitos 187


e dissensos (RANCIÈRE, 1996) que caracterizam a vida pública, os espaços públicos transformados em imagens espetaculares são a negação do próprio caráter político dos mesmos, quando deveria estar na base de qualquer formulação da esfera pública (HABERMAS, 1997; ARENDT, 1987). Segundo Chantal Mouffe (2003) os espaços públicos se caracterizam como um eterno campo de enfrentamento de diferentes projetos, sem possibilidade de emergência de consensos uma vez que são sempre plurais e a confrontação se produz em uma multiplicidade de superfícies discursivas. Henri Lefebvre (2001, p. 51) afirma que até meados do século XX via-se na cidade “apenas um simples resultado, efeito local que refletia pura e simplesmente a história geral [...] Elas não continham um conhecimento teórico da cidade e não conduziam a esse conhecimento; mais ainda, bloqueavam a investigação num nível bem baixo, sendo antes ideologias do que conceitos e teorias.” Só hoje estaríamos “começando a apreender a especificidade da cidade” (Idem, p.51). Procuramos, assim, sair das amarras do saber evolucionista e simplificador, ocultador das especificidades da realidade urbana e do seu caráter marcado por formas de simultaneidades, continuidades e descontinuidades, bem como uma base prático-sensível, uma morfologia (LEFEBVRE, 2001, p.51-63). A ideia é pensar sobre a cidade a partir da análise das suas múltiplas relações e formas, sem deixar de explicitar os fundamentos da produção e reprodução da cidade e do urbano, mas também as relações imediatas e simultâneas dos indivíduos e dos grupos. Estendemos à própria cidade as discussões e experimentações, dando ênfase às praças e ruas de centros urbanos, alvos de projetos de requalificação marcados pela patrimonialização e construção/ reinvenção de cenários para atração turística e produção de um marketing que garantiria visibilidade e possibilidade de competição entre as cidades por capitais financeiros, agentes e empresas nacionais e transnacionais. É nesse sentido que procuramos identificar suas repercussões nas práticas, usos e apropriações dos usuários e consequente qualidade de vida urbana. Apresentaremos a seguir parte do processo e dos resultados de pesquisa2, destacando as principais intervenções em áreas patrimoniais dos centros das cidades do Recife e João Pessoa (1980-2010), identificando o caráter geral das principais políticas públicas e acordos público-privados que conformam o contexto de institucionalização dos 188

valores vigentes nas estratégias urbanísticas e patrimoniais relativas aos espaços públicos e seus usuários/moradores/visitantes. Tomamos os exemplos de Recife e João Pessoa como referências de um tipo de formulação dos planos e estratégias de implementação: programas de revitalização formulados pelos poderes públicos, estaduais e/ou municipais, sem a participação dos demais atores sociais, privilegiando o setor empresarial em detrimento dos movimentos sociais e da população moradora/ usuária. A utilização de modelos, imitações de inovações e investimentos tidos como atrativos para a iniciativa privada demonstram a fragilidade e efemeridade dos atrativos implantados indicando o que David Harvey (1992) crítica em relação às intervenções norte-americanas e afirma: “a parceria público-privada equivale a conceder subsídios aos consumidores ricos, às empresas afluentes e às atividades de controle importantes para que elas permaneçam na cidade, à custa do consumo coletivo local da classe trabalhadora e dos pobres” (2005). É marcante ainda a dificuldade de reconhecimento dos valores patrimoniais e culturais (VIEIRA, 2007), inerentes ao patrimônio tangível e intangível, bem como de cumprimento da Constituição Federal (1988) e do Estatuto da Cidade (2001), em suas determinações sobre o valor social da propriedade, a garantia da participação dos diversos agentes nas diferentes etapas dos projetos urbanísticos, processos identificados em Recife, João Pessoa e outras cidades brasileiras (VARGAS; CASTILHO, 2006).

BREVE DESCRIÇÃO DO PROCESSO DE PESQUISA E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS PARCIAIS (2011-2013) As pesquisas se iniciaram em março de 2011, com reuniões periódicas entre bolsistas, pesquisadores e pós-graduandos vinculados aos projetos PIBIC/PIVIC, Jovens Talentos e bolsistas pesquisadores CNPq no âmbito do Laboratório de Estudos sobre Cidade, Culturas Contemporâneas e Urbanidades LECCUR/DA/PPGAU/UFPB. Nessas ocasiões foram apresentados os objetivos da pesquisa, o objeto de estudo, o Bairro do Recife e em particular as ruas da Moeda e Bom Jesus e a Praça Rio Branco (Marco Zero), assim como também o centro da cidade de João Pessoa tendo como foco as Praças Vidal de Negreiros, 189


Rio Branco e Antenor Navarro e a Rua Duque de Caxias, bem como os procedimentos de investigação. Iniciamos as leituras e discussões sobre o referencial teórico conceitual e metodológico voltados para as formas de apreensão das características socioespaciais dos lugares e espaços públicos alvos de reformas e planos de revitalização urbana. Indicamos ainda as referências sobre o processo de planejamento urbano e as intervenções recentes nos espaços públicos do centro dessas cidades. Em setembro de 2011, começamos as observações de campo e os registros fotográficos e vídeográficos, os quais continuaram a ser atualizados ao longo dos demais anos de pesquisa. Passamos, gradativamente, da visão de “longe e de cima” para a visão de “perto e de dentro” (MAGNANI, 1993, 1998), encaixando pontos descritos nas leituras e analisando os pressupostos da pesquisa. Iniciamos, simultaneamente, as observações de campo e o levantamento bibliográfico, documental e iconográfico, em órgãos públicos e privados e em paralelo continuaram leituras, debates, orientações e pesquisas temáticas em sites, blogs e notícias em meio eletrônico. No último ano desta primeira etapa de pesquisa (2001-2013) foram ainda coletados os dados sociológicos e etnográficos dos grupos e indivíduos que utilizam os espaços para identificação e análise dos padrões de urbanidade e das práticas cotidianas nos espaços públicos. Foram, então, ampliadas a percepção do espaço e a vivência dos pesquisadores, identificação de tipos, grupos e modos de uso e ocupação de calçadas, ruas e praças. Além da observação intensa inspirados na etnografia e suas ferramentas elaborando diários de bordo, registros cartográficos, fotográficos e vídeográficos. Prosseguiu-se com a coleta de informações a partir da aplicação de questionários, a fim de somarmos à base informativa existente e derivarmos novas apreensões. Iniciamos também a constituição de um banco de dados sobre usos e apropriações cotidianas dos espaços públicos contemporâneos que servirão, não apenas como registros da grande quantidade de informações obtidas, mas também como fonte para futuras análises sobre os processos socioculturais e urbanísticos em centros urbanos do Nordeste do Brasil.

190

O BAIRRO DO RECIFE E A REVITALIZAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS: BOM JESUS, MOEDA E MARCO ZERO O Bairro do Recife está situado na porção leste do território pernambucano, rodeada pelo Oceano Atlântico e banhado pelos rios Beberibe e Capibaribe. Interliga-se através de quatro pontes. Possui densidade demográfica de 335,1 hab./km², com predominância de população pobre em ZEIS e outras áreas, a exemplo da Comunidade do Pilar. O bairro possui um vínculo histórico particular enquanto local de origem da ocupação territorial do Estado de Pernambuco. Seguindo um movimento recorrente nas cidades brasileiras, de metropolização e expansão urbana, a atividade econômica de Recife começou a se descentralizar a partir da década de 1970 quando as atividades de comércio e serviços, principalmente aquelas do terciário nobre, começaram a acompanhar a clientela num processo de mobilidade socioespacial em direção a outros bairros e à orla marítima em especial. O Bairro do Recife perdeu atratividade e sofreu uma profunda degradação urbana. Criou-se um paradoxo, já que, como caracteriza Lacerda (2007), o bairro, já por volta da década de 1980, torna-se “uma ‘periferia´ na centralidade”. Neste momento percebeu-se que “a perda do seu valor cultural foi acompanhada da perda do valor social” (LACERDA; ZANCHETI, 2000). Essas características, associadas à atuação dos novos programas de revitalização para o Bairro do Recife, têm antecedentes igualmente problemáticos, desde a criação do SPHAN até final da década de 1970, quando, segundo Natália Vieira (2007, p. 119), “o ambiente construído encontrava-se à mercê do mercado imobiliário”, preservavase apenas a visibilidade dos monumentos excepcionais e, no máximo, limitavam-se os gabaritos para que os antigos imóveis não fossem “encobertos e humilhados”. As restrições impostas, posteriormente, pela institucionalização da ZEPH 09 do Decreto Lei de nº 11.962/80 definindo a Zona de Proteção Rigorosa (ZPR) e a de Proteção Ambiental (ZPA) e da Lei nº 14.511/83 de Uso do Solo criaram um aparato de conservação do Bairro, mas a área já perdera atrativa em termos imobiliários. Foi a partir de 1985, na gestão municipal de Jarbas Vasconcellos (1985-1988), que teve início um processo de planejamento para a área 191


tendo como estratégia dois eixos: a reabilitação do Bairro do Recife e as medidas paliativas para o resto do centro ligadas a conter os camelôs e ordenar os fluxos. Nesse caminho, destacam-se a criação de um escritório local, o Escritório do Bairro do Recife, cujo objetivo era restaurar a memória dos seus habitantes e integrá-los aos processos de elaboração dos projetos de intervenção, com ações voltadas para a participação dos habitantes das favelas, dos empregados do porto e das prostitutas. Este processo participativo, paradoxalmente, provocou o afastamento dos agentes econômicos que investiam na área, gerando empecilhos ao êxito dos projetos que atuavam no sentido de reverter a degradação física do local e dar visibilidade aos antigos moradores e usuários, suas culturas e formas de vida. Segundo Natália Vieira (2007), com o término da gestão Jarbas, o Escritório perdeu forças e os projetos como a reconversão de antigos prédios em habitações coletivas, um restaurante popular e um núcleo de educação, foram suspensos. No período entre 1989 e 1992, gestão de Joaquim Francisco, mais comprometido com os setores empresariais, as ações se concentraram na retirada à força de ambulantes e na recuperação de bairros circunvizinhos, Santo Antônio e São José - comerciais e de moradia. Segundo Zanchetti, Marinho e Lacerda (1998, p.03), Joaquim Cardoso largou a prefeitura na metade da gestão e se candidatou a governador, assumindo e lançando um ambicioso programa turístico para o Estado de Pernambuco, tendo como ponto central o patrimônio cultural de valor para a economia, tendo no turismo um dos seus pilares. Tratava-se do Plano de Revitalização do Bairro do Recife que propunha uma mudança profunda nos usos, incluindo comércio varejista, serviços empresariais modernos, serviços de lazer e diversão, além de um plano de obras e melhoramento do espaço público, que incluía a compra e reforma de imóveis e a criação de uma unidade de gestão específica para o bairro (com autonomia de decisão). Toda essa estratégia se apoiou de forma inédita em parcerias público-privadas. Contribuiu para o andamento do plano, a partir de 1993, a aproximação política entre os governos estadual e municipal, com o retorno de J. Vasconcelos à Prefeitura. O Plano de Revitalização do Bairro do Recife tinha como objetivos centrais: transformar a área em um centro de serviços modernos, conservar o patrimônio, tornar o bairro um espaço de diversão e lazer e promover a atração turística nacional e internacional (VIEIRA, 2007, 192

p. 128). O Plano estava montado a partir de Projetos Estruturadores e Projetos de Impacto, financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, tendo como base três polos de revitalização: o Polo Bom Jesus – pensado como indutor do programa, marketing e criação de uma espécie de shopping a céu aberto; Polo Alfandega com a criação do Shopping Cultural Alfandega, revitalização da Rua da Moeda transformada em área favorável ao pedestre, Edf. Chantecler para comércio, atividades culturais e café concerto; e o Polo do Pilar, polo mais degradado e com a presença Favela do Rato (Comunidade do Pilar), de atividade industriais e portuárias e grandes espaços vazios pela ampliação do antigo Porto. Entre 1993 e 1998 os investimentos estiveram direcionados para a Rua do Bom Jesus, com o Centro de animação cultural, lazer e comércio do Polo Bom Jesus. Foram feitas intervenções infraestruturais, como melhoria de calçadas, drenagem, iluminação, abertura e recuperação de vias. Em seguida, vieram as parcerias público-privadas para a adoção de praças, que as recuperassem e as mantivessem, pactuaram a proposta da Fundação Roberto Marinho para realização do Projeto Cores da Cidade quando foram recuperadas as fachadas da Rua Bom Jesus numa parceria desta Fundação com as tintas Ypiranga, inseriram ainda a dinamização de outras áreas no entorno como a Rua do Apolo. Foram, assim, realizadas obras de recuperação dos espaços públicos e de imóveis desapropriados pelo poder público. De acordo com Zancheti & Lacerda (1998), a área passou a ser orgulho dos recifenses, fortalecendo a identidade da cidade e transformando-se num espaço de encontro, com poder de atração em termos de investimentos privados que extrapolou os limites da Rua Bom Jesus. Rogério Leite (2004) ressalta os usos espetaculares, a gentrificação por consumo e identifica contra-usos desestabilizadores dos objetivos do projeto pela presença resistente dos pobres expulsos e estigmatizados e destaca ainda o caráter segregador do uso e ocupação da área por empresários e poder público demarcando fronteiras e limites à circulação desses segmentos. Na Rua da Moeda, situada no Polo Alfândega, em finais da década de 1990, já se destacava uma apropriação mais espontânea, inicialmente por um público jovem underground, alternativo, gerando vida boêmia no Bairro do Recife. Enquanto na Rua Bom Jesus circulava a elite local e turistas, na Rua da Moeda começava o Movimento 193


Manguebeat, liderado por Chico Science, trazendo em suas letras a vivência urbana contraditória e ritmos da cultura popular, assim como outros grupos alternativos que representavam a contracultura e os “contra-usos” (LEITE, 2004) à espetacularização e mercantilização do Bairro do Recife. Essa rua tem sua história ligada ao comércio e à presença da Casa da Moeda, referenciada pela historiografia desde 1767. No início do século XX, sofreu interferência na configuração de seu traçado, sendo demolidas três quadras para uni-la à antiga Travessa do Amorim, constituindo-se uma só via. Após a revitalização passou a formar um boulevard com canteiro central, peculiar por ser a única rua no bairro a apresentar esta configuração. Após a implantação do Projeto de Revitalização e da instalação do Shopping Paço Alfândega nas suas proximidades da Rua da Moeda desenvolveram-se novas dinâmicas de uso e ocupação das edificações, gerando substituição parcial do público alternativo, que não mais encontrava o local de “liberdade” para suas interações, pela nova apropriação de donos dos estabelecimentos comerciais e de serviços acentuando o consumo e lazer, atraindo o público local diverso diurno e noturno. A partir de 1997, uma nova gestão da cidade impôs novas prioridades e descaracterizou a continuidade do plano anterior, fazendo a sociedade experimentar um momento de preocupantes contrastes sociais e acelerada descaracterização do patrimônio histórico, artístico e cultural. De acordo com Norma Lacerda (2006), o Escritório de Revitalização do Bairro Recife, responsável pela implementação do Plano, passou a atuar, quase que exclusivamente, como uma entidade organizadora de eventos. O problema se acentuou com a completa falta de atenção ao “Polo do Pilar” em detrimento dos demais polos. Neste polo encontravase a Comunidade do Pilar, “pior periferia da cidade”, de acordo com Norma Lacerda (2006), encravada na área de renovação urbana do Plano de Revitalização. Originalmente, a comunidade deveria ser relocada, porém projetos posteriores (2007) do governo municipal garantiram a manutenção de parte das famílias no local. Nada mais justo se considerarmos que 75% dessas famílias viabilizavam os seus rendimentos no próprio bairro. O Programa de Requalificação Urbanística e Inclusão Social da Comunidade do Pilar teve como uma

194

de suas metas a construção de 470 unidades habitacionais (não executadas até o final desta primeira fase da pesquisa). Em 2004, fixando a mudança de trajetória da revitalização proposta, houve a instalação do Shopping Center Paço Alfândega no antigo prédio do Cais da Alfândega, em área institucionalizada pelo IPHAN como Patrimônio Histórico Nacional. Com isso, reforçou-se a tendência de valorização imobiliária da área, acarretando problemas para a população local pela elevação dos preços de venda e dos aluguéis de imóveis, fazendo com que as atividades mais tradicionais não pudessem pagar os novos custos de locação das edificações (VIEIRA, 2007). A instalação do shopping center é símbolo do novo momento experimentado pela revitalização, marcado pelo privilégio dos segmentos mais elevados da estrutura social, evidenciado pela loja âncora, a Livraria Cultura, e pela maior empresa de eventos da cidade, a Arcádia (instalada no piso superior do shopping). A cidade-espetáculo estava sendo instituída. Tudo isso acontecia sem investimentos em mobilidade urbana, uma vez que esse perfil social mantinha como meio de transporte de base o veículo particular/individual, incompatível com a lógica de deslocamento de um setor histórico configurado espacialmente em uma ilha e com a ampliação de fluxos e deslocamentos. Para abrigar essa demanda, recorreu-se a construção de edifícios-garagem, o mais famoso, anexo ao Shopping Alfândega, interligando blocos a semelhança de uma ponte de concreto suspensa sobre a Rua Madre de Deus, comprometendo irreparavelmente a sua perspectiva. Ainda representando o viés espetacular da revitalização tem-se a aprovação, em 2005, no bairro adjacente, Santo Amaro, do projeto de duas torres verticais de 39 pavimentos para a elite local. Estas torres residenciais agridem os padrões urbanísticos de vizinhança e comprometem de forma irreversível a paisagem cultural e o conjunto arquitetônico e urbanístico nas adjacências como os bairros de São José e de Santo Antônio, bem como o próprio Bairro do Recife. Outros programas foram propostos na sequência como o Projeto Luz Recife Antigo, Porto Digital 1998, Cores da Cidade II 1998, o Programa de Requalificação Urbanística e Inclusão Social da Comunidade do Pilar, Prodetur II, Morar no Centro, Projeto Oficina Escola de Restauro (VIEIRA, 2007). Ao percorrer essa trajetória recente das principais intervenções pelas quais passou o Bairro do Recife, 195


Figura 1: Curva senóide da dinâmica urbana no Bairro do Recife através dos recentes acontecimentos. Fonte: LECCUR, Flavio Tavares, Thiago Melo, Jovanka Scocuglia, 2013.

196

consoante aos processos políticos evidenciados ao longo do tempo com altos e baixos para a dinâmica urbana do Bairro e da cidade como todo, percebemos de forma clara uma regularidade típica de uma curva senoidal, com repetições periódicas. Acrescentamos ainda as ações de instalação das duas torres habitacionais de 39 andares no Cais de Santa Rita e o Projeto Porto Novo mais recentes e já mencionados. O gráfico abaixo ilustra essa dinâmica dos planos e reformas. É uma curva estabelecida de acordo com pontos importantes nos processos de investimento (ou não investimento) na região e sintetiza parte da dinâmica recente, desde a descaracterização histórica do bairro até os últimos projetos em execução nos galpões do antigo cais do Porto do Recife3. O gráfico não pretende precisar datas – até porque se pode perceber que alguns períodos se confundem –, mas ilustrar o curso dessa dinâmica com momentos de inflexão claros, podendo relacionar esse movimento oscilatório típico das ondas senóides com a característica dos investimentos planejados para a região e os atores envolvidos em cada uma dessas etapas.

Os novos investimentos planejados para a área se baseiam atualmente no Projeto do Porto Novo, do Governo do Estado em parceria com o Governo Federal para revitalizar os galpões desativados do antigo porto do Recife, em função da Copa do Mundo de 20144, transformando o cais do antigo porto em uma orla contínua, um grande espaço público de pedestres, que marcará nova inflexão na dinâmica urbana do bairro, seguindo as projeções de oscilação marcadas até a presente data e que continuam a ser objeto de nossas pesquisas (2014-2017).

PRÁTICAS URBANAS CONTEMPORÂNEAS NAS RUAS BOM JESUS E DA MOEDA E PRAÇA RIO BRANCO (MARCO ZERO) A Rua Bom Jesus é uma das mais importantes do núcleo urbano original, possuindo relevantes edificações como a primeira sinagoga das Américas. Abrigou a Porta da Terra (Lantpoort), uma das portas da cidade no período holandês. Foi o destaque central do processo de revitalização em 1993, sendo direcionada ao lazer, atraindo turistas, as camadas médias e a elite consumidora do Recife para os cafés, creperias, bares e restaurantes instalados nos seus antigos sobrados com fachadas coloridas e atrativas. Foram desenvolvidas estratégias de marketing e delimitação de fronteiras para conter usos ou demarcar territórios, privilegiando a imagem do centro colorido e dinâmico. Entretanto, a dinâmica de festas e consumo não permaneceu sem os subsídios do governo e sem a ampliação de melhorias na infraestrutura e na mobilidade do Bairro do Recife como um todo, ficando claro o contraste entre a rua bem iluminada, colorida e renovada e as ruas de entorno mal iluminadas, inseguras e com edificações em ruinas ou as ruas e calçadas em péssimo estado de conservação. Nesse processo, diversos foram os conflitos identificados, mas principalmente os de ordem social e econômica que resultaram, em parte, na fragilidade financeira dos estabelecimentos implantados, hoje quase todos fechados. Atualmente, imóveis estão desocupados ou subutilizados, o espaço de ruas e calçadas fica vazio durante grande parte da semana ou com ocupação rarefeita, com atividades 197


esporádicas de ambulantes e de estacionamento de veículos junto ao meio fio das calçadas. O maior fluxo de pedestres e atividades se desenvolve na calçada onde se encontra o que restou das edificações mais atrativas como Sinagoga Kahal Zur Israel e a Embaixada dos bonecos de carnaval. As permanências ocorrem na calçada oposta, por flanelinhas e trabalhadores locais. Figura 2: Mapeamento das zonas atrativas segundo edificações, usos e equipamentos públicos (2011-2013).

Os mapas apresentados nas Figuras 2 e 3 indicam as principais edificações e atrativos quanto aos usos, os equipamentos públicos de proteção de árvores sobre as calçadas e o mapeamento das edificações, usos e apropriações na Rua Bom Jesus.

Pode-se concluir desse processo de intervenção e geração de dinâmicas artificiais que a criação de cenários para consumo turístico, através da requalificação de imóveis e atividades voltadas para espaços espetaculares não se mantém por muito tempo devido a: • • • •

A rua Bom Jesus, portanto, perdeu centralidade e deixou de ser o cenário de atração turística, sobretudo, noturna. Os três bares remanescentes permanecem grande parte do dia e da noite com as mesas vazias, a maioria das edificações fechadas ou em reforma, sem nenhum uso, ou com acesso apenas pela rua paralela. A Bom Jesus é hoje um espaço de transição, sem atrativos a quem transita e o público que a frequenta é, majoritariamente, de turistas em alguns horários ou em eventos, além dos “flanelinhas”, alguns trabalhadores da área central e ambulantes. 198

Monofuncionalidade, predominando atividades de bares e restaurantes; Ausência de integração com o restante do bairro; Dependência de grandes eventos para gerar vitalidade à rua e consequente urbanidade; Fragilidade infraestrutural dessas áreas centrais do ponto de vista da mobilidade, da moradia e dos equipamentos urbanos em geral.

Figura 3: Mapeamento das zonas atrativas segundo fluxos e comportamentos (2011-2013).

Figuras 4 e 5: (a) Evento na Rua Bom Jesus, em 2008; (b) Rua do Bom Jesus na sexta-feira à noite, em 2012. Fonte: (a) http://www.flickr. com/photos/23683866@ N03/2264667733/ Foto: (b) Fernando Morais (18-052012). Acervo Pesquisa CNPq/LECCUR, SCOCUGLIA, 2012.

199


Figura 6: Mapeamento das zonas atrativas segundo edificações, usos e equipamentos públicos (2011-2013).

200

Manter as fachadas ativas, adaptar antigos imóveis às novas necessidades dos usuários e à moradia estimulando a “mistura social” do bairro em transformação constante, qualificando seus passeios e leitos carroçáveis, ordenando fluxos de pedestres e veículos com prioridade aos primeiros, dando oportunidade de descanso, encontro, alteridade, garantindo acessos e experiências de diversidade àqueles que ali moram, trabalham, transitam e/ou visitam o bairro é fundamental no processo de requalificação e dinamização da vida urbana. Ao contrário, a Rua Bom Jesus após as reformas nas fachadas do casario passou a se caracterizar como um espaço de dinâmica social concentrada nas atividades de cunho turístico. Essa espécie de cenário urbano para consumo, centrado no conjunto de edificações ecléticas renovadas, funcionou enquanto os poderes públicos mantiveram os subsídios e um marketing. O espaço físico marcado pela ambiência antiga, escala humana, arborização com grandes árvores, favoreceu o passeio dos turistas caminhando de forma despojada e tranquila, com suporte de um sistema de segurança por câmeras (instalada em postes) ou policiamento específico para a área. De acordo com a disposição do uso do solo, um dos lados da Rua Bom Jesus se tornou mais movimentado do que o outro em virtude das edificações voltadas para o turismo se concentrarem do lado da calçada mais estreita da rua. Este espaço se mostrava dinâmico, deixando o outro lado da

rua voltado mais para a contemplação, apoiados pelas árvores que sombreiam essa parte da rua, assim como pelos bancos de ferro que as circundam. O movimento turístico suscita ainda a presença de vendedores ambulantes (carrinhos de picolé, laranja ou outros produtos), elementos que contribuem para a sociabilidade do espaço, adicionando relativo movimento à rua mesmo após o fechamento de grande parte dos bares e restaurantes que caracterizaram a fase mais intensa do Projeto Cores da Cidade. Por sua configuração arquitetônica e valor histórico, com as fachadas sem recuos laterais nem frontais, a permeabilidade da Rua Bom Jesus ainda favorece o contato direto das pessoas nos edifícios com aquelas que estão na rua (muitos funcionários ficam nas portas dos empreendimentos em que trabalham – em sua maioria vendedores e seguranças – observando a rua). Este trecho da calçada bem arborizado atrai até hoje jogadores de dominó e baralho, na maioria trabalhadores portuários que esperam, junto ao sindicato (localizado na rua), uma oportunidade de trabalho. Além da presença dos trabalhadores da área central e mais esporádica dos turistas, destaca-se a ampliação das atividades de serviço voltadas para a instalação de escritórios, caracterizando uma dinâmica esporádica de uso do espaço público, dirigida, sobretudo, aos estabelecimentos onde trabalham, bem como a estacionamentos. A Praça Rio Branco, conhecida como Praça do Marco Zero da cidade do Recife, também sofreu alterações significativas em sua forma e nos equipamentos urbanos, com a retirada dos bancos e árvores que facilitavam a permanência de diversos atores sociais, em especial, marinheiros e prostitutas, comerciantes e funcionários do centro. Uma estátua de corpo inteiro do diplomata que deu nome à praça foi instalada no ponto central e um monumento que representa o marco zero da cidade. Tanto a praça como seus arredores guardam caraterísticas do urbanismo francês5, compondo uma paisagem afrancesada no encontro das ruas em diagonal que convergem para a mesma, lugar que surge pela necessidade de um espaço aberto para o mar e para o uso daqueles que desejavam acessar o porto. O Marco Zero é ainda ponto de convergência das avenidas de continuidade às pontes de interligação entre a cidade do Recife e a ilha, reforçando assim o traçado radial, adotado no bairro.

201


O plano do Marco Zero, Plano de Revitalização - Eu vi o Mundo, propunha a criação de um espaço livre, uma praça cívica para abrigar grandes multidões. Para isso, foram modificados os fluxos da Avenida Alfredo Lisboa que perpassava a praça e acabava dividindo-a em duas partes. O resultado foi uma área totalmente livre de mais de 6500m².

Figuras 7 e 8: Vista aérea da antiga Praça Rio Branco, 1990 e Vista aérea do Marco Zero - Recife, 2012, respectivamente. Fonte: Menezes (2000) e www.copa2014. gov.br/noticia/ fortaleza-porto-alegree-recife-confirmamlocais-de-fan-fest, respectivamente.

202

Conforme programado no Projeto de revitalização, nas suas extremidades da praça foram instalados bancos de granito e palmeiras imperiais enfileiradas, marcando os limites e a verticalidade. A estátua do barão Rio Branco foi deslocada para a lateral da praça. A pavimentação foi executada com placas de granito e um painel de concreto colorido, obra de Cícero Dias, foi desenhado no centro da praça. O painel é constituído de um círculo branco no centro que recebe o Marco Zero e ao seu redor um anel colorido representando a “alegria da cidade de Recife”. O anel branco seguinte traz as inscrições “Eu vi o mundo... ele começava no Recife” e por fim, o último anel representando a rosa dos ventos. A Praça do Marco Zero, antes um local de permanência, passou a ser um local para espetáculos públicos, palco para manifestações políticas e sociais e referencial simbólico de origem da cidade. Esse grande espaço livre induz ao uso intenso em dias de grandes eventos, porém no dia-a-dia seu espaço alisado, amplo e vazio, sem sombreamento e locais de permanência gera desconforto, tendendo a se tornar um local de visitação e passagem. As pesquisas indicam que antes da revitalização esse espaço possuía um caráter de praça

pública, com bancos e árvores, gerava conforto térmico e uma maior sensação de humanidade, se aproximando da escala humana, com espaços de encontros cotidianos. Entretanto, o potencial da área em termos estruturais em articulação com as principais artérias que ligam às pontes e ao conjunto edificado no Bairro do Recife, o caracteriza como ponto de convergência entre a Avenida Rio Branco e a Rua Marques de Olinda, mais integradas dentro do sistema de ruas que compõem o Bairro. Se configura ainda como um espaço potencial de circulação variada de pessoas pela opções de acesso já mencionadas, demonstrando uma flexibilidade de deslocamentos dentro de seu espaço, amplitude e poucas barreiras físicas. Entretanto, devido a sua dimensão gera dispersão e afastamento entre as pessoas, bem como a utilização concentrada no perímetro da Praça. Assim, embora a reabilitação do Marco Zero tenha objetivado ampliar a concentração e convivência entre seus usuários, a aridez com pouca cobertura vegetal, e considerando-se o clima quente do Nordeste brasileiro, se torna um lugar pouco confortável para a permanência diurna. À noite, devido a sua amplitude, gera um clima confortável e agradável para grandes manifestações como também para passeios esporádicos e consumo nos bares, museus instalados nos galpões reformados no cais do porto e Polo digital. A sua proximidade com os Polos Bom Jesus e Rua da Moeda os inserem no roteiro turístico6. Nessa primeira fase de pesquisas procuramos ainda caracterizar o perfil dos usuários do Recife Antigo, em especial das ruas Bom Jesus, da Moeda e Praça Rio Branco. Foram aplicados noventa questionários, trinta em cada espaço público, com informações sobre renda, idade, nível de escolaridade, local de moradia, forma de deslocamento casatrabalho e atividades que desenvolvem cotidianamente nas áreas estudadas. Os entrevistados da Rua do Bom Jesus se caracterizam por estarem, em sua maioria, na idade adulta jovem (47%), entre 25 e 40 anos, e por serem solteiros (53% dos entrevistados). A maioria é do sexo masculino (70%) com renda mensal média de 2 a 4 salários mínimos (47%), mas com parcela significativa recebendo acima de 10 salários mínimos, evidenciando o caráter laboral, em escritórios e empresas. Quanto ao grau de escolaridade predomina o ensino médio completo e o superior. O primeiro caso marcado pela presença de trabalhadores de restaurantes, portarias e seguranças dos prédios institucionais 203


ou os portuários. Seguidos de grupos com ensino superior completo (33%), configurado por empresários, administradores de empresa e turistas. Constatamos ainda que o público que utiliza a Rua Bom Jesus trabalha no Bairro do Recife (86%), porém reside em outros bairros da cidade e em cidades circunvizinhas (63% e 37%, respectivamente). Os resultados foram muito semelhantes aos encontrados, atualmente, na Rua da Moeda, onde predominam usuários que também se caracterizam por trabalharem em empresas próximas ao local. Das três áreas de pesquisa onde os questionários foram aplicados – Rua do Bom Jesus, Rua da Moeda e Marco Zero –, apenas na primeira se constatou o automóvel como o principal modo de transporte casatrabalho (44%). O ônibus representa 29%. A segunda etapa de entrevistas procurou identificar a percepção dos frequentadores sobre como se apropriam desses espaços. O público que frequenta a Rua do Bom Jesus foi caracterizado, sobretudo, por trabalhadores que a utilizam predominantemente para este fim nos dias úteis da semana, embora retornem em finais de semana ou eventos especiais para desfrutar de shows subsidiados pelo poder público ou para contemplar o bairro histórico. Isso fica evidente na expressiva porcentagem referente às pessoas que costumam frequentar o espaço para trabalho e lazer (48%). Em resposta a questão: “o que fez esta rua perder a ‘vida’ que tinha no passado?” a maioria atribuiu às políticas de governo que deixaram de lado o Polo Bom Jesus. Outros atribuíram à especulação imobiliária que se instaurou no fim da década de 1990 acarretando o fechamento dos bares e o abandono da área por parte do setor privado. Em contrapartida, questionamos os entrevistados sobre sugestões, alternativas que fossem úteis para retornar com a vitalidade da Rua do Bom Jesus. As respostas referentes a políticas de incentivo e promoção de eventos, feiras, shows, etc. foram as mais recorrentes (35%), seguidas por melhorias na segurança (19%) e investimentos públicos para incentivo ao turismo (16%). A partir das observações de campo, pudemos identificar, descrever e classificar algumas práticas urbanas cotidianas nas áreas estudadas. A grande maioria dos turistas que visita a área vem em grupos organizados e circulam a pé pelas áreas turísticas mais atrativas. Estes visitantes se concentram no período diurno e suas experiências no espaço público da rua são pontuais, restritas às calçadas dos 204

principais pontos turísticos já mencionados. As pessoas que trabalham nas proximidades costumam ficar nas portas dos edifícios, observando o movimento da rua. Estes são geralmente porteiros e seguranças dos prédios, porém é comum encontrar pessoas conversando nas calçadas. No final da tarde muda levemente a dinâmica da rua com o movimento de pessoas que se dirigem aos seus veículos estacionados próximo ao meio-fio da rua, vindas dos locais de trabalho e tendo que fazer um passeio forçado por este trecho. A rua vai ficando vazia e pouco convidativa ao anoitecer. Com relação à Rua da Moeda, desenvolveram-se novas dinâmicas de uso e ocupação das edificações, gerando desapropriação parcial do público alternativo. Em contrapartida, a nova apropriação pelos donos dos estabelecimentos comerciais e de serviços atraiu público consumidor, atividades de lazer e cultura popular, nos três turnos. Ao longo da rua as atividades mais atrativas geram um fluxo intenso de transeuntes de perfil diversificado (trabalhadores, empresários, visitantes, turistas, moradores) com as permanências ocorrendo em bancos, na frente dos estabelecimentos e no próprio leito carroçável. A rua se assemelha a uma grande praça de alimentação. A maioria dos serviços se volta para o consumo de gêneros alimentícios, atendendo um público de classes sociais diferentes: os restaurantes mais refinados são encontrados mais próximos do Shopping Paço Alfândega, mais afastados deste, os mais populares, apresentando espaços segregados física, social e economicamente, microterritorizalizações da rua.

Figuras 9 e 10: (9 ) Restaurantes próximos ao Shopping Paço Alfândega; (10) Restaurantes populares. Fotos: Mercilya Mayra e Rosivânia Freitas. Acerto LECCUR, 2012.

205


Figura 11: Mapeamento das zonas atrativas segundo edificações, usos e equipamentos públicos (2011-2013).

206

No período noturno, a rua se unifica, desfazendo a segregação inicial presente no turno diurno, onde as mesas são ocupadas rapidamente e pessoas se misturam ao longo da via. Esse novo cenário foi criado a partir da iniciativa dos donos dos bares, que se uniram em resposta à ausência de investimentos governamentais, para proporcionar melhorias à rua, exigindo policiamento constante da área em eventos e atraindo consumidores em diferentes horários. As áreas analisadas, apesar de apresentarem similaridades em termos de atividades comerciais, passaram por processos de ocupação e dinâmicas de uso e apropriação dos seus espaços diferenciados. Observamos que as intervenções da década de 1990 favoreceram o processo de valorização artificial da Rua Bom Jesus. Nesta última, a revitalização induziu a presença de um público externo ao bairro e suas características, através de uma imagem comercial e status enobrecido. Na Rua da Moeda, teve ocupação inicial mais espontânea, com público, em geral, descrito como underground, e apesar da mudança no perfil dos usuários gerado pela proximidade ao Shopping Alfândega, as modificações promoveram qualidades espaciais e dinâmicas urbanísticas diversificadas dando incentivos a outras apropriações espontâneas. Além disto, vale ressaltar que estas

apropriações acontecem por parte dos frequentadores cotidianos do bairro, no caso os trabalhadores e consumidores diários, suprindo necessidades existentes, diferentemente da ocupação na Rua Bom Jesus, seletivas e alheias às necessidades do público próprio do bairro. Destacamos na dinâmica da Rua da Moeda a participação dos donos de estabelecimentos comerciais e de serviços na promoção de eventos e dinâmicas de rua. Formaram uma associação e através desta exercem pressão junto aos poderes públicos e divulgam a cultura pernambucana. O principal fator que parece motivá-los, além do comércio, é o envolvimento afetivo com a rua, relatado em entrevistas. As transformações urbanas identificadas nesta pesquisa, com implicações diferenciadas segundo as políticas e características de cada espaço público, conduzem a conclusões quanto a formas de interferir nos espaços urbanos no sentido da ampliação dos mecanismos participativos e de valorização das dinâmicas próprias de cada localidade, como também do perfil de moradores e frequentadores cotidianos, redutoras das segregações junto com políticas de valorização da paisagem cultural que estimulem as trocas públicas e potencializem apropriações diversas de moradores, trabalhos e visitantes.

ESPAÇOS PÚBLICOS NO CENTRO DE JOÃO PESSOA: ANTENOR NAVARRO, RIO BRANCO, VIDAL DE NEGREIROS E RUA DUQUE DE CAXIAS As análises sobre os espaços públicos de praças e ruas da cidade de João Pessoa indicam diferentes etapas do processo de urbanização de João Pessoa e das políticas de intervenção para o centro da cidade. A Praça Vidal de Negreiros, mais conhecida como “Ponto de Cem Reis”, data de 1924, quando parte do patrimônio edificado no período colonial foi demolido para sua construção; a Praça Rio Branco, data do século XVI quando abrigou funções administrativas, teve o pelourinho e a casa de câmara e cadeia da cidade como destaques nos primórdios da formação da cidade (REIS FILHO, 2000); a Praça Antenor Navarro, de 1932, resultou da derrubada de parte do casario do período colonial no Bairro do Varadouro. A Rua Duque de Caxias, considerada pela historiografia como a segunda rua planejada da cidade, localiza-se nas 207


Figura 12: Localização das praças pesquisadas no Centro Histórico de João Pessoa (2013). Fonte: Base PMJP, editado por Scocuglia (2013).

208

adjacências das duas primeiras praças formando um percurso entre a Vidal de Negreiros e a Rio Branco, estendido enquanto circuito cultural para a Antenor Navarro como parte das práticas e apropriações recentes nesses espaços públicos centrais. Estes territórios sofreram intervenções ao longo do tempo, resultando na modificação física, social e cotidiana, alterando experiências urbanas preexistentes, relações entre usos, apropriações e modos de estruturação das práticas urbanas, bem como proporcionando formas diversificadas de promover a permanência e a atratividade de visitantes. Daremos destaque às transformações urbanísticas mais recentes e suas consequências para as sociabilidades urbanas por meio do registro etnográfico das práticas e comportamentos dos usuários. Inicialmente faremos um breve panorama das transformações urbanas, desde meados do século XX, que afetaram esses espaços direta e indiretamente em seus usos, forma urbana e dinâmica de ocupação. Além disso, contextualizaremos o leitor acerca das políticas públicas de revitalização para o centro histórico, em especial a partir de meados da década de 1980 até as últimas obras nos trechos analisados que datam do final de 2009, procurando relacionar espaço, contexto e práticas urbanas. Em seguida, apontaremos alguns dos resultados de pesquisa referentes às implicações do corpo no ambiente urbano e como as diferentes formas de utilização de ruas e praças do centro acabam por nos revelar novas possibilidades de uso/apropriação dos espaços públicos.

A cidade de João Pessoa, fundada em 1585, experimentou diversas transformações que modificaram o seu perfil original de uso e ocupação do solo. Assim como em Recife e em outras cidades brasileiras, foi a partir da década de 1950 acentuada na década de 1970 que a capital paraibana apresentou um elevado aumento populacional e ampliação de seu perímetro urbano. João Pessoa já contava com 221.546 habitantes e sua frota de automóveis com 10.724 unidades. Este elemento acabou por facilitar o deslocamento da população que se afastava cada vez mais da região central em direção aos novos bairros de classe média (zona leste) nas imediações da Av. Epitácio Pessoa, como também aos novos conjuntos destinados a seguimentos de camadas médias e populares nas zonas sul e sudeste. Enquanto isso, no centro da cidade, surgiam os primeiros indícios da transferência de usos habitacionais para os serviços “terciários”. As residências reservadas às camadas de alta renda foram, gradativamente, sendo substituídas por edifícios destinados ao comércio e serviços. Nas décadas de 1970/80 o centro da cidade mantém a vitalidade comercial, embora ainda fosse possível identificar no centro um tipo de sociabilidade de bairro em ruas especificas como Rua da Areia. No início da década de 1990 outras centralidades passam a evidenciar-se no tecido urbano e os antigos moradores do centro acompanharam essa expansão dos serviços, comércio, dentre outras facilidades e infraestruturas que conduziram a mobilidade socioespacial na direção de outros bairros da cidade. Parte do comércio central permaneceu convivendo com serviços, moradias e atividades noturnas boêmicas. Foram ainda efetuadas reformas nos espaços públicos do centro com inserção de viadutos, alargamento de ruas e reformas de praças voltadas, em geral, à promoção de conexões e mobilidade urbana segundo os paradigmas então vigentes. Entretanto, foi em 1987 que teve início o primeiro Projeto de Revitalização do Centro Histórico da Cidade de João Pessoa, tendo como base inventário, classificação e valorização do patrimônio cultural urbano. Um convênio entre Brasil e Espanha de Cooperação Internacional envolvia o Ministério da Cultura, o Governo do Estado e a Agencia Espanhola de Cooperação Internacional (AECI), em especial. Foi o início da “invenção” da figura do “centro histórico” na cidade de João Pessoa (SCOCUGLIA, 2004).

209


Figura 13: Mapa de usos do solo no perímetro de proteção rigorosa do centro histórico de João Pessoa pelo IPHAN. Fonte: Adaptação da cartografia da Divisão de Geoprocessos da PMJP, LECCUR/UFPB, 2010.

Um dos objetivos do Convênio Brasil/Espanha era recuperar o patrimônio edificado, incluso espaços públicos como praças e margens do Rio Sanhauá (antigo atracadouro Porto do Capim). Em 1991 foi criada a Oficina Escola de Revitalização do Patrimônio Cultural responsável pelas obras de revitalização dos monumentos arquitetônicos da cidade como parte desse convênio internacional. Mas foi a partir de finais da década de 1990 que foi articulado um marketing para “reinventar” a imagem da área, resignificando o centro histórico para atrair turistas e consumidores, em especial, para a Praça Antenor Navarro7. Inspirados nas intervenções do Recife Antigo (PE) e do Pelourinho (BA) realizados cerca de três anos antes e divulgados como experiências bem sucedidas de promoção das cidades e seus patrimônios via turismo. Entretanto, o tombamento oficial do Centro Histórico de João Pessoa como patrimônio nacional, pelo IPHAN, ocorreu em 2008.

No final da década de 1990, aos moldes do Projeto Cores da Cidade no Recife Antigo, como parte de um city marketing para João Pessoa turística, a Praça Antenor Navarro foi revitalizada, transformando-se 210

em símbolo do centro histórico da cidade e local de origem/formação do núcleo urbano primitivo, além de polo de atração turística com a instalação de bares, restaurantes, boates e atelier de arte, bem como instalando sedes de órgãos públicos municipais e estaduais. Com subsídios dos poderes públicos locais e do Convênio Brasil/Espanha uma dinâmica noturna atraía moradores e visitantes, inicialmente, no Parahyba Café (bar retrô que distribuía mesas sobre a Praça e promovia eventos culturais), depois diversificando-se, junto com o aumento expressivo dos preços dos aluguéis dos imóveis nas proximidades. Ao longo do período de 1987 a 2002 intensificaram-se as notícias nos jornais da cidade sobre as revitalizações no centro de João Pessoa. Foram reabilitadas diversas outras áreas centrais como na Praça Dom Adauto (1989), Largo de São Francisco (1989), Casarão dos Azulejos (1999), Largo da Ladeira e Igreja de São Frei Pedro Gonçalves (2002), dentre outros (SCOCUGLIA, 2004, 2010). No final de 2008, com o tombamento do Centro Histórico de João Pessoa pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – foram liberadas verbas pela prefeitura para a realização de obras pontuais de requalificação de praças, calçadas, mobiliários e edifícios. As praças receberam uma atenção especial (foram reformadas nove praças do centro). Apesar da melhoria no espaço físico – mudanças de pisos, mobiliários, arborizações e iluminação –, as revitalizações poderiam ter alcançado melhores resultados por meio de estudos mais aprofundados sobre o contexto no qual estão inseridas, suas particularidades, a memória que guardam, bem como o público usuário, de forma a serem valorizadas as tradições, a coletividade, as identidades e os usos cotidianos. A Rua Duque de Caxias vem mantendo seu traçado, tamanhos dos lotes, tratamento das fachadas, apesar de haver um número significativo de edificações em ruínas. A Rua sofreu intervenções diversas em alguns dos seus trechos, passando a incorporar uma “modernidade” expressa em novas formas de uso e lazer, integrando-se com a Praça Vidal de Negreiros com um trecho da rua pedestrianizado. A Praça Vidal de Negreiros foi inaugurada em 1924 na confluência das três linhas de bondes elétricos: Varadouro, Trincheiras e Tambiá, passou a ser reconhecida como Ponto de Cem Réis (SCOCUGLIA; CHAVES; LINS, 2006). Até a década de 1970 foram realizadas quatro intervenções nessa praça e seu espaço mantem o uso receptivo a 211


população para comércio, lazer, eventos e manifestações políticas diversas. Em 2009, através do Programa de Revitalização de Sítios Históricos (PRSH), a prefeitura decidiu novamente intervir na praça Vidal de Negreiros, com o objetivo de retomar a área como um grande espaço livre para concentração de pessoas. Atualmente, identificamos trechos diferenciados de uso e ocupação das praças e ruas revitalizadas do centro, comportandose de acordo com seus condicionantes e atributos socioespaciais: os usos, os turnos, os dias da semana, as condições climáticas e a promoção de eventos ou atividades de lazer.

Figura 14: Praça Vidal de Negreiros após a reforma de 1945. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega.

Figura 15: Praça Vidal de Negreiros após a reforma de 1969. Fonte: Acervo do Google Images.

Figura 16: Ponto de Cem Réis em 2009. Fonte: PMJP – SECOM.

A Rua Duque de Caxias Passado e presente convivem juntos no cenário híbrido da Rua Duque de Caxias. O logradouro está inserido em área de tombamento histórico nacional e estadual e preserva características remanescentes de sua fundação, como a ortogonalidade das quadras, a ocupação das esquinas e a forma dos lotes urbanos coloniais – grande profundidade em detrimento da pequena dimensão presente nas testeiras dos terrenos. É nítida a composição dos traços históricos no conjunto de edificações do trecho, implantadas nas imediações das calçadas, sem recuos. Dividimos, para efeito de análise, a rua em cinco trechos a partir do eixo mais ao Norte nas proximidades do Convento Franciscano até a confluência desta rua com a Praça João Pessoa, também conhecida popularmente como Praça dos Três Poderes. 212

Apesar de ser uma rua que mantém um misto de comércio, serviço e moradia observamos uma maior presença de pedestres em noites de sextas-feiras e finais de semana. A abertura sazonal de casas de festas, boates, cafés nas proximidades acentua esse uso noturno, atraindo vendedores ambulantes, flanelinhas e um público diversificado de jovens. A rua torna-se ponto de encontro. No trecho 1 desta rua próximo à Praça Rio Branco a circulação de automóveis e pessoas é intensa, o estacionamento Zona Azul nas laterais a tornam ainda mais estreita, comprimindo as calçadas. A passagem de apenas dois transeuntes lado a lado dificulta a circulação dos pedestres. Entretanto, no período da manhã há reduzida circulação de transeuntes, acrescida da baixa permeabilidade das janelas dos imóveis quase sempre fechadas. À tarde, a transição de pedestres aumenta e, à noite, portas e janelas se abrem para a rua, com “olhos da rua”8, garantindo maior vitalidade e interação público-privada. Algumas pessoas sentam-se nos batentes ou escadas de entrada e, às vezes, há contatos casuais entre conhecidos. Este trecho da rua se destaca pela presença de algumas edificações residenciais remanescentes. No segundo trecho analisado, a partir do seu cruzamento com a praça Rio Branco, as diferentes formas de circulação começam a se manifestar com maior quantidade de automóveis estacionados na rua e de transeuntes, a informalidade se acentua com os vendedores ambulantes. Identificamos algumas ruínas e edificações fechadas, mostrando o abandono por parte dos proprietários e a ausência de fiscalização dos órgãos competentes. À noite, após o fim das atividades comerciais a rua torna-se deserta. Identificamos nas proximidades da Praça Rio Branco uma grande quantidade de sacos de lixos e resíduos, que evidenciava a forte presença de práticas na Praça no período diurno dependentes do consumo.

Figuras 17 e 18: Foto da Rua Duque de Caxias em 6/nov/12. Fonte: Fernando Morais. Acervo Pesquisa CNPq/ LECCUR, SCOCUGLIA, 2012.

213


Figura 19: Fotos da Rua Duque de Caxias em 6 e 11/nov/12. Fonte: Fernando Morais. Acervo Pesquisa CNPq/ LECCUR, SCOCUGLIA, 2012

Figura 20: Fotos da Rua Duque de Caxias em 6/nov/12. Fonte: Fernando Morais. Acervo Pesquisa CNPq/LECCUR, SCOCUGLIA, 2012.

214

À medida que se aumenta o número de estabelecimentos de serviços e comércio, também crescem os índices de variedade de gênero, idade e vestimenta dos transeuntes, sendo comum encontrar grupos de pessoas, mães passeando de mãos dadas com seus filhos, pessoas carregando sacolas, idosos do gênero masculino, prestadores de serviços informais/ambulantes, flanelinhas, além do uso de bicicletas e presença de estacionamento de motocicletas e carros, em meio ao comércio ativo com suas fachadas de grandes aberturas e permanência de seguranças/vendedores em frente a cada loja. A Rua passa a apresentar a formalidade e informalidade de comércio e serviços de gêneros alimentícios, ambos potenciais para atração de transeuntes. A grande atração deste trecho provém ainda da inserção do Shopping Center Terceirão que abriga os ambulantes anteriormente espalhados pelas ruas da cidade. Concentrados hoje nesta edificação, os ambulantes formam um polo comercial, gerador de um fluxo intenso de pessoas, atraindo outros tipos de ambulantes, prestadores de serviços informais e pedintes no seu entorno. À noite outras práticas se explicitam como a presença dos catadores de papelão que coletam os resíduos provenientes do Shopping Terceirão. O quarto trecho da Rua Duque de Caxias, no cruzamento com a Praça Vidal de Negreiros, é um dos mais movimentados, apresentando uma diversidade maior de transeuntes e práticas diversificadas, com sons e cheiros diversos e intensa circulação de ambulantes de alimentos e camelôs. São idosos, jovens, policiais, vendedoras de chips telefônicos, pedintes, entre outros. Nesse trecho há diversidade de linguagem corporal, vestimenta, idade e mobilidade. A instalação de bancos, próximo à Praça Vidal de Negreiros, sombreados pelas edificações a partir das 16h, estimula a permanência e abre a possibilidade do descanso no percurso das compras ou do trabalho pra casa e de ser um ponto de encontro, principalmente para os idosos

ou transeuntes, em geral, com sacolas. Algumas pessoas também se adaptam ao ambiente, se escorando em paredes. O ato de sentar, seja nos bancos ou nas soleiras das lojas é uma característica inerente a esse trecho, seja para descanso e/ou contemplação, para encontros com amigos seja para os pedintes que tem seus locais definidos no centro da cidade. No trecho final da rua da Areia, próximo à Praça João Pessoa, onde se localizam as sedes administrativas dos poderes, legislativo, executivo e judiciário, identificamos algumas casas comerciais fechadas e o número de transeuntes reduzido, porém aparecem tipos diferentes que se destacam pela forma de se vestirem, com ternos e camisas sociais. Neste trecho o comércio informal de gêneros alimentícios também se fixa e ao entardecer, nas proximidades da Assembleia Legislativa, trabalhadores se reúnem para conversas e degustação, em grupos de amigos ou familiares.

A Praça Vidal de Negreiros A Praça Vidal de Negreiros, também conhecida por Ponto de Cem Réis, é um ponto de centralidade forte na cidade de João Pessoa tanto pela posição geográfica, paisagem cultural quanto pela diversidade e complexidade de seus espaços públicos. Está limitada pela Av. Visconde de Pelotas e pela Rua Duque de Caxias. Foram realizadas observações de fluxos, movimentos, atividades e aplicados trinta questionários com os usuários dessa praça, em diferentes dias e turnos. Após a sistematização de dados, identificamos uma variedade de gênero e faixa etária, com 40% dos frequentadores possuindo entre 41 a 60 anos. Em relação aos locais de moradia dos transeuntes, 54% afirmou residir nas proximidades e 57% trabalha no Centro. Interessante observar que grande parte dos usuários adultos/idosos moram e/ ou trabalham nas proximidades e a frequentam quase diariamente. Quanto à renda pessoal, 50% ganha até um salário mínimo e 30%, de 2 a 4 salários mínimos. Quanto aos usos e práticas urbanas, 57% das pessoas a frequentam diariamente, manhã e tarde, como ponto de encontro, interação social e lazer ou apenas para “observar o movimento”. Identificamos alguns personagens fixos, que estabelecem vínculos com o lugar, uma convivência marcada pela amabilidade nas práticas que acolhe marcadas pelas fofocas, flâneries, lazer e/ou relaxamento.

215


Figura 21: Panorâmica da Praça Vidal de Negreiros em 6/nov/12. Fonte: Isabelle Pessoa. Acervo Pesquisa CNPq/ LECCUR, SCOCUGLIA, 2012.

Figuras 22 e 23: Presença de cadeirante e pessoas de baixa renda, Rua da Areia (5/dez/12). Fonte: Isabelle Pessoa. Acervo Pesquisa CNPq/LECCUR, SCOCUGLIA, 2012.

216

A forte presença do comércio gera um fluxo intenso de transeuntes durante o dia, com os vendedores ambulantes completando essa diversidade e atraindo público, sobretudo, nas áreas da praça onde permaneceram as árvores com copas vastas e ou nas marquises de postos comerciais após a revitalização de 2009. A presença de moradores de rua é frequente. Eles ocupam calçadas e equipamentos urbanos como locais de concentração e de descanso ou dormitório. A praça é utilizada ainda como espaço de travessia para ciclistas, skatistas e motociclistas. A presença do comércio informal ambulante, a pedestrianização desse trecho da Rua Duque de Caxias e os bancos da praça com marcações de tabuleiros para jogos, são atrativos e atributos que permitem a permanência de indivíduos e grupos diversificados. A Praça Vidal de Negreiros abriga feiras, shows, protestos, manifestações políticas e movimentos de diversos artistas, a exemplo do Festival das Flores de Holambra e o evento Extremo Cultural – Onde o som toca primeiro. Nesses eventos o espaço é modificado em seus fluxos cotidianos e na sua paisagem pela montagem de tendas, palcos e gradis, delimitando fronteiras e áreas para o comércio formal e informal. Observamos também, nesses momentos, que as pessoas atravessam a Praça por suas laterais, como se precisassem contornar levemente os novos elementos implantados. Nos dias de shows e concertos, a praça se modifica mais intensamente, com a maior presença de vendedores ambulantes, com os gradis postos pela

prefeitura delimitando fronteiras entre os ambulantes e o público, e com as adaptações por parte dos usuários do espaço como sentarem nos monumentos e claraboias piramidais no centro da praça. A densidade de pessoas, variedade de gêneros, idade e vestimentas é marcante. Portanto, identificamos usos e práticas diversas na Rua Duque de Caxias e na Praça Vidal de Negreiros que indicam uma complexidade maior nos usos e práticas cotidianas desses espaços. Há tempos de fluxos intensos de pessoas anônimas e em seus ritmos de vida/ trabalho, habitação, improvisos, comércio formal e informal, serviços e lazer. Simultaneidades, que mesmo após a reforma de 2009, na Praça Vidal de Negreiros, denotam um fluxo intenso diurno e noturno com atividades de lazer como crianças andando de bicicleta, skatistas, ambulantes vendendo pipocas, picolés etc., e casais acompanhando filhos, jogando nos bancos da praça ou apenas observando o movimento. Percebemos, assim, diferentes dinâmicas espaciaiscomportamentais nas ruas e praças do centro histórico de João Pessoa por meio da observação de seus fluxos e permanências que indicam uma diversidade e multiplicidade/simultaneidade de usos e apropriações, bem como de seus usuários e moradores, indicando a necessidade de continuidade de nossas pesquisas. O corpo que circula nessas áreas é diverso: são crianças, jovens, adultos e idosos que segundo seus referenciais de moradia e trabalho desenvolvem formas diversificadas de interação com os espaços públicos do centro, bem como outros se articulam por necessidades de consumo e deslocamentos. Figuras 24 e 25: Pontos de concentração nos bancos sombreados pelas poucas árvores remanescentes na praça e no cruzamento com a Rua Duque de Caxias (Praça Vidal de Negreiros, 6/nov/12). Fonte: Isabelle Pessoa. Acervo Pesquisa CNPq/LECCUR, SCOCUGLIA, 2012.

Figuras 26 e 27: Vida noturna na Praça dos Cem Réis, em 19/nov/12. Fonte: Isabelle Pessoa. Acervo Pesquisa CNPq/ LECCUR, SCOCUGLIA, 2012.

217


Praças Rio Branco e Antenor Navarro – dinâmicas cotidianas e circuito cultural

Figura 28: Panorâmica do Ponto de Cem Réis em eventos especiais (25/nov/13). Fonte: Isabelle Pessoa. Acervo Pesquisa CNPq/LECCUR, SCOCUGLIA, 2013.

218

As praças Antenor Navarro, no Varadouro (Cidade Baixa), e Rio Branco, no Centro (Cidade Alta), ambas integrantes da área de proteção rigorosa definida pelo IPHAN (2008), são espaços públicos relevantes no sentido de estarem ligadas a seu nascedouro enquanto territórios importantes na formação da rede urbana e do sistema de transportes da cidade, assim como do comércio e da cultura urbana local. Ambas passaram por reformas e revitalizações ao longo do tempo, com destaque nesse estudo para as intervenções posteriores a 1990 (SCOCUGLIA, 2004). Essas praças foram pesquisadas nas suas relações próprias e com o entorno. Um levantamento historiográfico e urbanístico sobre a formação, crescimento da cidade de João Pessoa e do centro antigo (MOURA, 2004; MAIA, 2008; MEDEIROS, 2013; TINEM, 2006) dá suporte às nossas análises associadas às pesquisas que realizamos sobre os socioculturais, a estruturação urbana atual em seus aspectos físicos, de mobilidade, circulação de pedestres e veículos e identificação das intervenções, mudanças de usos e os valores identitários e patrimoniais ao longo do tempo, bem como das práticas urbanas e apropriações mais recentes, posteriores às revitalizações. Neste artigo focamos as práticas urbanas contemporâneas posteriores à década de 1990, identificando os transeuntes e as formas de percepção e de uso/apropriação dos espaços públicos. Sintetizaremos nossas análises nesses aspectos indicando os resultados gerais em ambas, uma vez que foram alvo de movimentações culturais, artísticas locais atraindo público diverso cotidianamente e nos finais de semana e compondo até hoje um circuito de eventos e festas. Quanto aos usos e práticas urbanas cotidianas, a Praça Rio Branco se diferencia pela intensa ocupação diurna durante toda a semana. O sombreamento e conforto térmico desta praça são propiciados pelas

árvores (Ficus) de médio porte sombreando toda a sua extensão e pela instalação de bancos adequados em sua extensão, fazendo com que diversos trabalhadores a ocupem diariamente nos intervalos de almoço e lanches ou os transeuntes a utilizem para descanso e contemplação. A promoção de eventos culturais pelos poderes públicos ou até mesmo por entidades culturais e grupos alternativos de arte e cultura locais são formas de uso e ocupação dessas duas praças, promovendo novas dinâmicas e formas de apropriação desses espaços, muitas vezes usos não planejados. Estes eventos foram avaliados pelos informantes pesquisados de forma paradoxal, positiva ou negativamente a depender da faixa etária e posição social. A vitalidade dessas praças em diversos turnos, mas em especial na Rio Branco nos dois turnos e, à noite, na Antenor Navarro, atraem ambulantes, flanelinhas e um público de jovens e adultos. A Praça Antenor Navarro foi construída no início da década de 1930 sobre os escombros da derrubada de um casario colonial formado por uma sequência de sobrados geminados. A reforma modernizadora da área inseriu a praça e um casario Art Nouveau e Art Déco que ainda compõe seu entorno. Ao longo do tempo alterações, pouco esclarecidas nas documentações consultadas em nossas pesquisas, resultaram na instalação de um posto de gasolina sobre os canteiros centrais da Antenor Navarro e a ocupação de seu anel externo com estacionamentos. A lógica da produção do espaço estava clara, privilegiava o automóvel e permitia a instalação de um posto de gasolina e de estacionamentos de automóveis em todo perímetro da praça, descaracterizando sua função enquanto praça e espaço público. Havia ainda a inadequação desses usos do ponto de vista da valorização e conservação do patrimônio cultural, arquitetônico e urbanístico ali identificado pelos órgãos patrimoniais e pela comissão internacional. A revitalização da Antenor Navarro só se concretizou em 1998, por força das ações pactuadas no Convênio Brasil-Espanha de Cooperação Internacional entre poderes públicos locais, nas duas instâncias municipal e estadual, e também com os comerciantes diretamente afetados. O posto de gasolina foi retirado (de fato ele entrou em falência antes), bem como parte significativa dos estacionamentos do entorno. Foi pedestrianizada uma das ruas laterais, mantendo a sua forma original retangular com canteiros centrais e foi ampliado o passeio 219


para pedestres na proximidade de uma das faces assobradadas. O projeto foi acelerado por meio de parcerias com a empresa de tintas Coral e o Instituto Brennand (a exemplo do Projeto Cores da Cidade em Recife), porém a “restauração” dos edifícios foi promovida pelos proprietários. Esta revitalização promoveu ganhos urbanísticos e a retomada de parte do espaço público privatizado, porém o objetivo das ações pactuadas por parte do poder público era a promoção do lazer, na perspectiva turística, resignificando a praça e seu entorno enquanto lugar de origem da cidade e centro histórico a ser visitado (marketing eficiente ao ponto de até hoje se alguém local vai a alguma atividade nas imediações da Antenor Navarro costuma dizer: vou ao centro histórico e já se pressupõe ser a referida praça). Durante cerca de quatro anos as dinâmicas e o marketing intenso na mídia e na promoção de shows, concertos, cinemas na praça, saraus literários, eventos grandes como Centro em Cena, um festival nacional de teatro e cinema, festas de São Joao e o Carnaval fora de Época - tradicional da cidade -, dentre diversos outras atividades culturais, artísticas, festas etc. aconteceram no espaço da praça Antenor Navarro após o revitalização da praça e a pintura das fachadas dos sobrados de entorno — cerca de 300 notícias de jornais foram identificadas na mídia local no período de 1987 e 2002, conforme Scocuglia (2004, 2010). O refluxo na centralidade dessas atividades começou ser notável em 2012 quando os subsídios a projetos de iniciativa privada e à cultura local em geral deixaram de ser frequentes e a gestão municipal seguinte passou a promover novas áreas da cidade, a exemplo das praças Rio Branco e Vidal de Negreiros. A promoção de eventos culturais e o uso das edificações no entorno e de toda a praça para o lazer, atraiu público intenso, sobretudo, as camadas médias e a elite local. Dessa forma, as ações revitalizadoras foram ampliadas para outros espaços públicos da cidade de João Pessoa e em 2008 foi a vez da praça Rio Branco. Esta praça data do século XVI, 1610, quando formava o Largo da Câmara, abrigou a Casa dos Governadores, o Erário Público, o açougue e um pelourinho dentre outras edificações que ladeiam duas laterais na extensão maior do retângulo que forma a praça. A perda de parte de suas funções administrativas se deu no início do século XX, quando assumiu as características de praça pública, arborizada para o lazer e a contemplação. Assim como diversos outros espaços públicos e áreas de lazer importantes na estruturação 220

urbana e na paisagem cultural da cidade de João Pessoa dentro do processo de modernização da capital, esta praça também sofreu diversas alterações no seu uso ao longo do século XX e encontrava-se privatizada pelo uso predominantemente voltado para estacionamento de veículos e sob o controle dos flanelinhas na organização do fluxo e estacionamento caóticos nas ruas de entorno e sobre a praça destruindo seus canteiros, a pavimentação, os monumentos etc. Entretanto, a revitalização da Praça Rio Branco em 2008 procurou reverter esse quadro de apropriação privada sobre o público e promoveu a construção de um passeio contínuo, favorecendo a circulação de pedestres/transeuntes, foi exigida a remoção dos elementos que descaracterizavam as fachadas das edificações históricas no entorno. Foi inserido também mobiliário urbano indutor da permanência de usuários no espaço, ampliada pela manutenção das árvores. Após a reforma, a praça passou a ser palco de eventos culturais periódicos, aos sábados (Sabadinho Bom), que permanecem até hoje promovendo vitalidade e apropriação nos finais de semana. A partir dessas atividades promovidas inicialmente pelo poder público, teve origem um circuito de eventos culturais no centro marcado pelo percurso espontâneo e derivado das práticas e apropriações de jovens e adultos de parte do centro histórico a partir do sábado à tarde, saindo da Praça Rio Branco, após o Sabadinho Bom, seguindo para o Beco da Cachaçaria e terminando na Praça Antenor Navarro e imediações (TEIXEIRA, 2014). A praça Rio Branco, flanqueada pelos edifícios próximos e limitada verticalmente pelas vastas copas das árvores (Fícus), encontra-se continuamente sombreada e constitui um ambiente de permanência e passagem agradáveis, por ser, também, ventilado e relativamente isolado dos ruídos oriundos da intensa movimentação comercial do Centro – até mesmo o som de pássaros nas árvores chega a ser audível. De fato, a praça Rio Branco se configura como um espaço cujos atributos urbanos, centralidade, dimensões da praça, sua posição em relação ao comércio e as demais praças que compõem uma espécie de circuito interligando-as de forma quase natural, favorecendo também práticas interativas, vitalidade e simultâneas atividades. Porém, aos domingos sua dinâmica se transforma em algo distinto em razão da ausência do comércio e dos eventos culturais que atraiam pessoas. Não existe uma diversidade de usos abrangente o suficiente nas ruas 221


do entorno, que permita sua constante ocupação e utilização, embora o comércio seja heterogêneo, praticamente todas as lojas seguem o mesmo padrão de horários. Identificamos que parcela considerável dos transeuntes da Praça Rio Branco é composta por trabalhadores que cotidianamente atravessam o espaço para chegar a seus destinos. Também comum é permanência de parte desses trabalhadores, que, sentados nos bancos, aproveitavam a ambiência para desfrutar de um momento de descanso. Consumidores que no intervalo das compras, usufruem das generosidades desse espaço. Aos sábados, com a realização periódica do evento Sabadinho Bom, as pessoas ocupam massivamente a praça Rio Branco. De fato, mesmo em dias de semana, alguns pareciam associar praça como um ambiente de lazer, e escolhiam transitar por ela como uma forma de relembrar bons momentos – um fato que foi constatado nas entrevistas. Tal identificação e associação do logradouro a experiências de divertimento acarretavam uma relação mais íntima dos ocupantes com o espaço, de modo que foi significativo o número de indivíduos preocupados com a conservação de sua infraestrutura. Sem dúvidas, o Sabadinho Bom contribui para a manutenção da vitalidade na Praça Rio Branco, e ocupa um tempo em que normalmente haveria uma baixíssima ocupação. Outra forma de ocupação intensa é a de vendedores ambulantes, que se instalam em todas as laterais da praça e chegam a interditar a Rua Brás Florentino com suas barracas e mesas. Pessoas de todas as idades foram encontradas no evento, acompanhadas tanto de amigos quanto de familiares. O ambiente é alegre e descontraído. Com o término dos shows, no fim da tarde, muitos ainda permanecem na praça, modificando um pouco as características dos eventos. Algumas pessoas ligam os aparelhos de som de seus carros em volumes altos e dão prosseguimento à festividade bebendo, conversando, dançando, embora, se configure uma espécie de privatização do público. Os usuários entrevistados se caracterizam por ter grau de escolaridade limitado ao ensino médio e serem em geral moradores de outros bairros da cidade. A presença dos flanelinhas é algo indesejado pelo trabalhadores do comércio e serviços nas imediações. Segundo eles, os flanelinhas ocupavam a praça antes da revitalização de 2009 e haviam se afastado 222

por problemas de rixas entre grupos rivais, mas teriam retornado com a morte do líder de um dos grupos ocupantes. Os flanelinhas costumam passar o dia inteiro na praça, disputando e gerando conflitos com os funcionários do Zona Azul pela guarda dos carros. A desocupação da praça por flanelinhas foi uma das reivindicações mais frequentes dos entrevistados, ao lado do pedido por mais segurança. A Praça Antenor Navarro apresenta um fluxo de pedestres reduzido, sobretudo, de segunda à quinta-feira. A própria localização da praça contribui para isso. Localizada na Cidade Baixa e ilhada em relação aos fluxos comerciais mais intensos, com uma ocupação rarefeita dos imóveis do entorno e com usos menos permeáveis e geradores de atrativos ao público em geral ou à contemplação. O estacionamento de automóveis ocupa duas ruas laterais à Praça, reduz a visibilidade do casario da lateral oposta e promovendo uma sensação de lugar de fluxos, de passagem, ponto de ligação entre dois ou mais lugares, pouco convidativo à permanência porque também possui poucas árvores de copas largas e os bancos são mal conservados e em número insuficiente. A Antenor Navarro encontra-se desurbanizada e quase em estado de abandono na manutenção de gramados, bancos, iluminação noturna. Entretanto, a fiação elétrica é toda subterrânea, o que favorece a ambiência e visibilidade do casario e da paisagem de entorno. Existe, ainda, uma movimentação diferenciada na Antenor Navarro, motivada pelas frequentes visitas de grupos de turistas. Em todas as observações realizadas, em qualquer dia da semana pela manhã e à tarde, observamos turistas circulando, em geral casais ou grupos maiores guiados por pessoal especializado. Os turistas faziam algumas fotos na praça, apreciando as fachadas coloridas, movendose em seguida para o Largo de São Frei Pedro Gonçalves. Um outro fluxo de pedestres é formado aos domingos na missa à noite quando a praça é usada apenas como local de passagem. Os caminhos preferidos para atravessá-la são os diagonais, comuns em todos os horários e contrários ao desenho atual da praça. O poder público municipal deixou de subsidiar os eventos públicos na Antenor Navarro a partir de 2003, ficando para empresas privadas de pequeno porte, representadas pelos bares, casas de shows e restaurantes, lojas de artesanato, ateliers de artistas, a responsabilidade de manter a dinâmica de shows, eventos etc. na 223


Praça Antenor Navarro e no Largo adjacente. Um público alternativo foi gradativamente ocupando a área a partir da quinta-feira com eventos musicais e culturais, em especial, bandas de Rock. Uma das observações de campo aconteceu durante a realização de um desses eventos, o Grito Rock. Em relação aos demais dias de visitas e observações de campo, a praça sofreu uma total transformação. Toda a sua área estava densamente ocupada por pedestres, com exceção da Rua Cardoso Vieira pelo fluxo intenso de veículos e transporte coletivo. Havia uma diversidade do público, porém predominavam os jovens e adultos, estudantes em geral, bem como dos ambulantes e de catadores de latas recicláveis. Os jovens e adultos formavam um público meio underground com idades variando entre 15 e 30 anos, tatuados e vestidos conforme tribos de roqueiros. Esses novos usuários possuem, na maioria, o grau de ensino médio completo, com uma parcela também significativa de estudantes do ensino superior. A renda mensal ficou entre 1 e 4 salários mínimos, e os locais de trabalho mais comuns foram o Centro e o Varadouro, que representaram 80% do total de entrevistados. Cerca de 56% informou morar em outros bairros da cidade. De um modo geral, as reformas e revitalizações das praças e da rua Duque de Caxias, pedestrianizada em seu trecho próximo à Praça Vidal de Negreiros, apontam para um planejamento e intervenção “maquiadora”, concentrada seja na pintura das fachadas seja na reforma do casario para bares e restaurantes, sem projetos mais cuidadosos quanto à qualidade urbanística e ao potencial dessas áreas enquanto espaços públicos cuja proximidade entre eles poderiam formar até mesmo um circuito de visitação e frequência dessas praças seja na Cidade Alta seja na Cidade Baixa. Os êxitos das reformas são apontados, mas são claramente residuais em relação à qualidade de vida urbana e a integração desses espaços públicos entre si e com atividades/usos comerciais e culturais que pudessem gerar um fluxo mais permanente, usos e apropriações diversificados e qualificados em termos de equipamentos coletivos, paisagismo, tratamento das calçadas e passeios, iluminação, transportes coletivos, acessibilidade universal, respeito às preexistências e às tradições locais, entre outros.

224

REFERÊNCIAS AGANBEM, G. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó, Argos, 2009. _____________. Profanaciones. Buenos Aires, Adriana Hidalgo editora S.A., 2009. ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro, Forense, 1987. BRITO, F. D. e JACQUES, “Corpocidade: arte enquanto micro-resistência urbana. Fractal: Revista de Psicologia, v. 21, Rio de Janeiro, 2009. CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petropolis, Vozes, 1994. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997 GEHL, J. La humanización del espacio urbano. La vida social entre los edifícios. Barcelona, Editorial Reverté, 2006. GOFFMAN, Irving. Comportamento em lugares públicos. Petrópolis: Vozes, 2010. HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 1996. HABERMAS, H. Direitos e democracia: entre fatidicidade e validade. Rio de Janeiro,Tempo Brasileiro, 1997. JACOBS, J. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo, Martins Fontes, 2000. LAMAS, J.M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação C. Gulbenkian, 1993. LEFEBVRE, H.. O direito à cidade. São Paulo, Centauro, 2001. LEITE, R. P.. Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. S. Paulo: Ed. Unicamp, 2004. MAIA, Doralice S. “Ruas, casas e sobrados na cidade histórica: entre ruínas e embelezamentos, os antigos e os novos usos”. In Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografia y Ciencias Sociales, Barcelona: Universidad de Barcelona. Vol XII, nº270, 2008. Disponível em: http://www.ub.es/goecrit/sn/ sn-270/sn-270-134.htm MEDEIROS FILHO, J. Estevam de. ... e o bonde foi implantado: um ícone da modernidade da Cidade da Parahyba no final do século XIX. Tese de doutorado UFBA. Salvador, BA, 2013.

225


MOUFFE, C. La Paradoja Democrática. Barcelona, Gedisa, 2003. MOURA FILHA, Maria B. De Filipéia à Paraíba. Uma cidade na estratégia de colonização do Brasil. Seculos XVI – XVIII. Tese de Doutorado em Letras, Faculdade de Letras/Universidade do Porto, Portugal, 2004. LACERDA, N. Revitalização do Bairro do Recife: do lugar de encontro ao espaço de transito e fluxo. In: IX Anais do Seminário Internacional de la Red Iberoamericana de Investigadores sobre Globalización y Territorio, 2006, Bahia Blanca – Argentina. Bahia Branca, 2006. LACERDA, N. & ZANCHETI, S. M. Conservação Integrada Urbana e Territorial. In: Zancheti, Silvio Mendes/CECI/PPGDU-UFPE (Org.). Gestão do Patrimônio Cultural Integrado. Recife, Ed. Universitária da UFPE, 2002. RANCIÈRE, J. O desentendimento. São Paulo. Editora 34, 1996. REIS FILHO, N. G.. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, Edusp, 2000. SCOCUGLIA. J. B. C., CHAVES, C. e LINS, J. Percepção e memória da cidade: o Ponto de Cem Réis. Arquitextos vitruvius 068.07ano 06, jan., 2006. ___________ Revitalização urbana e reinvenção do centro histórico de João Pessoa (1987-2001). João Pessoa, Editora Universitária, 2004. _____________. Imagens da cidade: patrimonialização, cenários e práticas urbanas. João Pessoa, Editora Universitária, 2010. TEIXEIRA, Marina. O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropriações das praças no Centro Histórico de João Pessoa – PB. Dissertação defendida do PPGG/UFPB, João Pessoa, 2014. TINEM, Nelci (org.). Fronteiras, marcos e sinais. Leituras das ruas de João Pessoa. João Pessoa: editora UFPB, 2006. VARGAS, H. e CASTILHO, A. L. H. (Orgs). Intervenções em centros urbanos – objetivos, estratégias e resultados. Barueri, Manole, 2006. VIEIRA, Natália M. Gestão de sítios históricos. A transformação dos valores culturais e econômicos em programas de revitalização em áreas históricas. Recife: Editora Universitária UFPE, 2007.

226

Notas 1 Esta pesquisa continua em outras áreas das referidas cidades e apontando novas problemáticas com o apoio de uma Bolsa PQ/CNPq renovada para o período de 2014 a 2017. 2 Os dados coletados, mapas oficiais, cartografias e base de dados trabalhados durante os três anos de pesquisas encontram-se arquivados no LECCUR – Laboratório de Estudos sobre Cidades, Culturas Contemporâneas e Urbanidades e serão em breve disponibilizados para consulta pelos próprios membros do laboratório bem como da comunidade acadêmica interessada nessa problemática e afins. 3 Mais recentemente foram efetuados investimentos, que apesar de afetarem localmente alguns pontos do bairro, em especial o Centro de Artesanato, no perímetro da Praça do Marco Zero, e o fechamento de trechos urbanos do bairro aos domingos para os ciclistas, indicam uma possibilidade de irradiar formas futuras de deslocamento no centro. 4 Atualmente, a área do cais do Porto passa por transformações que visam a integrar e dinamizar usos dos galpões e espaços públicos da zona portuária, compreendidas no Projeto Porto Novo, com investimentos da iniciativa privada, do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal do Recife. O Projeto se propõe a transformar antigos galpões do Porto do Recife, sem uso desde 1992, em áreas de lazer e turismo. A expectativa era que todo o projeto estivesse operante para a Copa do Mundo de 2014, o que não aconteceu. A empresa vencedora da licitação para realizar as obras foi a Porto Novo Recife S.A.. Sete armazéns antigos de carga (9, 12, 13, 14, 15, 16 e 17) passarão por reformas para abrigar escritórios, restaurantes, bares, lojas de entretenimento e pontos comerciais. Os armazéns 7, 8 e 11 ficaram sobre responsabilidade do Governo Estadual. O armazém 9 será um prédio de salas de escritórios. Serão instalados o Terminal Marítimo de Passageiros (armazéns 7 e 8) e o Centro de Artesanato (armazém 11). Este último, próximo à Praça Rio Branco (Marco Zero), promove um aumento do fluxo de visitantes na área para apreciação da paisagem urbana. O armazém 10 foi demolido, inclusive com o consentimento do IPHAN, para abrigar o “Cais do Sertão - Memorial Luiz Gonzaga”. O armazém 12 será um local para realizações de feiras e eventos e com escritórios no 1° andar. O armazém 13 se concentrarão as áreas de comercialização de lojas e escritórios e o armazém 14 um centro cultural com teatro para 500 pessoas e um cineteatro com capacidade para 150 pessoas. O armazém 15 e o antigo prédio da Conab serão transformados em um hotel ou apartamentos, com no mínimo 200 unidades, em padrão igual ou superior a três estrelas, além de uma marina internacional no seu cais. Já o 16 e 17 terá centro de convenções integrado ao hotel, com capacidade mínima para quatro mil pessoas. Percorrendo 1,3km da zona portuária, alcançando os galpões de número 7 a 17, proverão uma intensificação da vitalidade do Bairro do Recife,

227


levando turistas e negócios para a área. O argumento principal é a geração de emprego e renda para a população local. Outro projeto tem contribuído para o aumento da sociabilidade urbana no Bairro do Recife, o projeto da ciclofaixa móvel de turismo e lazer. Um corredor ligando as zonas norte e sul, com 20 km de extensão funciona como uma opção de lazer e incentivo ao uso da bicicleta no centro da cidade. Com este projeto as ruas do Bairro do Recife têm sido dedicadas exclusivamente aos pedestres e ciclistas aos domingos e feriados, das 7h às 16h, gerando movimento onde anteriormente funcionava apenas em horário comercial. 5 Argumento fundamental do tombamento do Bairro do Recife, pelo IPHAN, em 1998, como Patrimônio Nacional. 6 As fotografias e vídeos elaborados em nossas pesquisas, especificamente sobre a Praça do Marco Zero, continuam em análise e confecção de mapas e cartografias uma vez que as alterações recentes devidas, sobretudo, ao projeto de valorização do antigo cais do porto e de reforma dos galpões ali existentes com vistas a Copa 2014 alteraram significativamente as experiências, os usos e apropriações da área e representam parte da proposta de continuidade deste projeto de pesquisa junto ao CNPq. 7 A Praça Antenor Navarro, após a retirada de um posto de gasolina que se instalara sobre ela e da pintura de suas fachadas ecléticas, Art nouveaux e Art déco, passou a representar o Centro Histórico da capital paraibana. Até hoje muitos se referem a área da Praça dessa forma demonstrando uma reinvenção do lugar de origem da cidade a partir do marketing promovido para turistas. 8 Pessoas que observam o movimento, por curiosidade, lazer, etc. e garantem a vigilância do espaço público, visto que a segurança urbana é mantida principalmente pelos padrões comportamentais cumpridos e aplicados pelo povo (JACOBS, 2000).

228

229


ESPAÇOS LIVRES NA ESCALA GREGÁRIA DE BRASÍLIA: E OBRAS NA COPA DE 2014

terceira estratégia se refere às obras do estádio Mané Garrincha no espaço central do Plano Piloto, obra de engenharia para a qual foi convidado o mesmo escritório que construiu esse primeiro estádio da cidade. A centralidade da localização da arena esportiva motivou uma serie de ações especulativas no entorno imediato; e o foco discutido serão as tentativas de transformação da legislação e o uso e destinação das áreas adjacentes ao estádio na escala gregária do Plano Piloto.

QUALIDADE DE VIDA E MOBILIDADE URBANA Marta Adriana Bustos Romero Universidade de Brasília - Brasília, DF

O objetivo deste capítulo é discutir três estratégias do governo de Brasília e dos grandes capitais financeiros para acelerar o processo de produção espacial propiciado por Megaeventos como a Copa do Mundo de 2014. Seguindo uma lógica que se arrasta há cinco décadas, o governo de Brasília, uma das 12 sedes da Copa do Mundo de futebol, decidiu não criar novas centralidades com a finalidade conjuntural de adaptar a cidade às necessidades do megaevento. Em vez disso, concentrou os investimentos públicos numa área reduzida no centro da cidade, denominada de área de escala gregária. A primeira das três estratégias se refere às obras de mobilidade urbana no território do Distrito Federal - DF, pensadas originalmente numa extensão e abrangência capaz de solucionar os graves problemas de mobilidade da capital. O artigo abordará essa questão da perspectiva de seu rebatimento espacial no território do Distrito Federal - DF e seu entorno, para o qual se tecerão breves comentários sobre urbanização e povoamento. A segunda estratégia diz respeito ao terminal de passageiros do aeroporto, que faz parte do planejamento e inserção da capital no mercado internacional de investimentos, para os quais os megaeventos servem como catalizadores, uma vez que as cidades são amplamente expostas na mídia antes e durante a realização dos eventos. A discussão será realizada por meio da elaboração de comparações com outros projetos contratados pelo governo local que visam ao aproveitamento das centralidades existentes na cidade. A 230

Voltando umas poucas décadas na história, logo que Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da República, em 1956, a construção de Brasília passou a representar a meta síntese da integração social. Para tanto, foram realizadas várias ações que culminaram com o concurso, ganho por Lucio Costa, para a Capital da República no Planalto Central. Lucio Costa foi ordenando e dispondo a cidade de Brasília com uma concepção morfológica modelar, partindo do cruzamento de dois eixos viários, o Eixo Monumental — centro Cívico da Administração Federal — e o Eixo Rodoviário Residencial, onde o espaço urbano seria envolvido por grandes áreas verdes entre as habitações. Já em 1961 o urbanista lamentava, junto à Companhia Urbanizadora da Capital — Novacap, o abandono de seu plano de criar áreas de vizinhança que agrupassem diferentes classes sociais. No Plano somente ficou a classe média e média alta em função dos altos valores imobiliários dos apartamentos. E hoje a população sem ou de baixa renda está morando cada vez mais distante (as cidades satélites iniciais ficavam a mais de 30 quilômetros) do centro gerador de empregos e serviços1. Não apenas a população de baixa renda se estabeleceu na periferia, mas a maior parte da população da cidade se estabeleceu fora do Plano Piloto, em condomínios horizontais fechados, cercados com guaritas. Consequentemente, fragmentou-se a estrutura urbana, pois foram constituídos espaços fechados, murados e sem conexão com seu entorno imediato, e descaracterizou-se a paisagem ao alimentar as estreitas vias que os comunicam com o sistema viário urbano. As cidades satélites de Brasília foram consideradas, no início do Distrito Federal, manchas isoladas e pontuadas no território. Na 231


época, esse “modelo” polinucleado parecia o mais adequado para a preservação ambiental do Lago Paranoá e do Cerrado. Mas hoje se verifica a conurbação entre as cidades e o preenchimento dos vazios urbanos com novas construções. Portanto, a benéfica solução ambiental dos núcleos múltiplos é praticamente inexistente hoje. No documento “Brasília Revisitada, 1985-1987”, Lucio Costa (2009) apresenta sua visão de expansão do Plano Piloto. Propõe a localização de novos bairros para diversos estratos sociais, como o Sudoeste, Noroeste, Nova Asa Norte, Nova Asa Sul, expansão do Guará, expansão da Vila Planalto, entre outros. Na conclusão do referido documento, Lucio Costa declara imaginar que Brasília, com a criação das novas áreas, assim como a implantação da cidade satélite de Samambaia, alcançaria o limite populacional máximo desejado, não sendo necessário, portanto, criar novos núcleos de adensamento. Na visão de Costa, Brasília deveria permanecer uma cidade eminentemente político-administrativa, não sendo interessante sua transformação em uma grande metrópole, pois, nesse caso, haveria o risco de desvirtuar essa primeira função. Os novos bairros deveriam formar uma unidade com o conjunto existente, ratificando o caráter de “cidade parque”, por ele caracterizada como “derramada e concisa”, o que seria um diferenciador entre Brasília e as demais metrópoles brasileiras. Lucio Costa tenta assegurar, “o que se pretende preservar”, verificando em quais áreas convém a ocupação residencial dentro da Bacia do Lago Paranoá e próximas ao Plano Piloto: A proposta visou aproximar de Brasília as populações de menor renda, hoje praticamente expulsas da cidade – apesar da intenção do plano original ter sido a oposta – e, ao mesmo tempo, dar também a elas acesso à maneira de viver própria da cidade e introduzida pela superquadra (COSTA, 2009, p.74).

O adensamento urbano decorrente das ocupações irregulares e até mesmo dos núcleos planejados hoje em dia saturam o trânsito; e a falta de planejamento urbano e de uma política de trânsito e transportes para a capital agrava os problemas de mobilidade urbana. O modelo centro periferia é dominante e o modelo existente, de cidades dormitórios, com alta concentração de emprego na área 232

tombada produz um forte crescimento veicular dada a baixa qualidade do serviço de transporte coletivo fornecido na cidade. Os ônibus estão em péssimo estado de conservação e são muito antigos, existe um longo tempo de espera, o metrô atende a menos de 5% da população e as distâncias a serem percorridas são muito longas. Segundo dados do IBGE (2012), Brasília tem uma população de cerca de 2,6 milhões de habitantes, distribuídos em 31 núcleos urbanos ou Regiões Administrativas (RA) e no Plano Piloto do Distrito Federal. Para 2,6 milhões de habitantes existiam 1,2 milhão de veículos em 2013, que chegam a 1,5 milhão já em 2014 acompanhando a taxa média de crescimento de 6,5% registrada nos dez primeiros meses de 2013. A média de ocupação/carro vem piorando: em 2014 não chega a duas pessoas por automóvel, 1,86, enquanto que em 2010 era de 2,08 pessoas por automóvel. No Distrito Federal, a infraestrutura para o transporte coletivo apresenta baixo investimento e manutenção. Como bem aponta Ribeiro (2013), os terminais e paradas de ônibus são precários e deteriorados nos pontos mais periféricos; há carência de abrigos nas paradas de ônibus, as tarifas estão consideradas entre as mais altas do país; há pouca e precária acessibilidade para pessoas com deficiência. A imprensa local tem informado que, até agora, as ações para reverter o quadro de inviabilidade de locomoção – como corredor exclusivo e troca da frota de ônibus – têm sido construídas em ritmo lento, na contramão do crescimento avassalador da população. O governo do Distrito Federal (GDF) prometeu2 construir, até a Copa, 600 km de ciclovias a um custo de R$ 121 milhões. Até 2013 existiam 90 km prontos e mais 100 km em construção; até 2014 o GDF informa haver 433 km concluídos ou em conclusão, em 2015 e 2016 não houve mais construções devido ao ano eleitoral e mudança de governo com profunda retração de novas obras e a contenção de gastos. A intensa coluna diária de saída e entrada de veículos no quadrante sul/oeste onde está a RA II - Gama, a RA III - Taguatinga, a RA IX Ceilândia, a RA XII - Samambaia, a RA XIII - Santa Maria, a RA XV Recanto das Emas, a RA XVII - Riacho Fundo, a RA XX - Águas Claras e a RA XXI - Riacho Fundo II, que concentram quase 50% da população urbana de Brasília, é uma pressão rodoviária crescente sobre a área central (ver Figura 1). Exemplifica essa forma de estruturação a circulação de automóveis em Brasília, uma vez que os coletivos 233


não são uma opção possível para a maioria da população. Também segundo Ribeiro (2013), dentre os efeitos adversos gerados pelo aumento veicular, podem ser citados dois que impactam fortemente a população: elevação da quantidade de poluentes no ar e elevação da temperatura, ambos em função da emissão de gases aquecidos pelos veículos. Figura 1: Distrito Federal e as áreas de maior concentração de população

234

Em Brasília, tal como no resto do país, a tendência de a organização socioeconômica se refletir no espaço é confirmada pelas diferenças existentes entre as Regiões Administrativas e seu centro. A parte central de Brasília, o Plano Piloto, concentra as melhores habitações, serviços, ofertas de trabalho, infraestrutura, opções de lazer e serviços de saúde e educação. De uma perspectiva sociológica, Wirth (2005) define uma cidade como o local grande, denso e lugar permanente de indivíduos socialmente heterogêneos. Assim quanto maior, mais densamente povoada e mais heterogênea for uma comunidade, mais acentuadas serão as características associadas ao urbanismo. Tais diferenças estão presentes desde o início da cidade, quando a periferia era ocupada, principalmente, pela população mais pobre. Posteriormente, nos anos de 1980, a periferia também foi a alternativa encontrada pela classe média e média alta devido ao alto valor e baixa disponibilidade da terra na região central e seu entorno imediato. Um dos grandes investimentos para a copa de 2014 estava voltado para a estrutura viária e para a mobilidade urbana. Segundo estudos da Codeplan publicado em 20133, em junho de 2014, a população do Distrito Federal somados a 1.155 mil na periferia metropolitana, pressagiava que teríamos na Área Metropolitana de Brasília (AMB) aproximadamente 4 milhões de pessoas. A questão crucial de mobilidade em Brasília é reduzir o tempo gasto nas viagens ida e volta do trabalho num serviço de péssima qualidade. A saturação das vias urbanas (quase sem vias alternativas) e das rodovias distritais está num estágio tão avançado que qualquer chuva, acidente ou até pequena manifestação, é capaz de parar o trânsito. Em março de 2014, foram liberados R$ 1,59 bilhão para o DF pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dos quais, 60% dos recursos eram destinados para os eixos Norte e Sudoeste do Expresso DF. O restante seria para melhorias no Metrô (estudo para a expansão na Asa Norte); para o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) com expansão até a Asa Norte; para Ônibus de Trânsito Rápido (Bus Rapid Transit – BRT) Sul4 e Sudoeste. O BRT Sul já foi testado em fevereiro de 2014 e custou R$600 milhões – R$67 milhões a mais que o previsto inicialmente e foi entregue com um atraso de cerca de sete meses5. Entretanto, a distância entre as proposições urbanísticas e os problemas enfrentados nas cidades, a forma como se dá o processo de urbanização e a capacidade de resolução dos conflitos 235


urbanos levaram a uma simplificação do fenômeno urbano. Assim a necessidade de acomodar o excedente de população que acudiu ao planalto central para construir a capital, levou o poder central a construir milhares de habitações na periferia do centro, a mais de 30 quilômetros, em lugares sem infraestrutura, de onde a partir de suas cidades dormitórios, em percursos pendulares diários, deveriam se deslocar os trabalhadores e suas famílias para obter os serviços básicos na capital recém-implantada. À dispersão nas periferias e à segregação que ameaça as relações sociais opõe-se, diz Lefebvre (1972, p. 171), uma centralidade acentuada nas decisões sobre a distribuição da riqueza, o acesso à informação, o uso do poder e o tratamento da violência. Concordando com Castells (1980), ressaltamos que quanto mais importante é a aliança das classes sociais em uma determinada conjuntura, mais essencial é sua relação com o urbano. A problemática urbana é inteiramente a expressão da ideologia dominante. Em lugar nenhum isso é tão transparente quanto em Brasília, onde por trás do evidente caos urbano, existe uma lógica que atende a determinados interesses de uma minoria, aqueles que sempre estiveram ao lado do poder, influenciando o processo de planejamento da sociedade favorável ao capital, e não aos interesses da maioria da população.

MELHORIA NOS ACESSOS À CIDADE Outra das obras de mobilidade previstas para a Copa foram os acessos no entorno do aeroporto, ponto crítico de trânsito, e também a ampliação do Terminal de Passageiros, que consiste na Implantação do Módulo Operacional 2 e na reforma do Corpo Central do Terminal de Passageiros, que passaremos a discutir. O consórcio Inframerica (com a concessão até 2037) financia as obras de ampliação e reforma do aeroporto, que terá sua capacidade ampliada de 16 para 21 milhões de usuários anuais. O projeto é inspirado em experiências de cidades como Singapura, Hong Kong, Frankfurt e Miami, onde terminais aéreos são uma das vias principais do trânsito de bens e serviços. Seguindo o conceito de “aerotropolis”6, o aeroporto de Brasília será um centro comercial com diversas opções de entretenimento, lazer, gastronomia e hotelaria. O primeiro hotel está 236

pronto, a 200m do terminal, com previsão de construção de outros dois estabelecimentos na mesma área. As obras de acesso ao aeroporto, realizadas pelo GDF, constam da ampliação da DF-047, com túnel e via exclusiva para ônibus, e vias marginais para separar o trânsito local. A capital federal teve, ao longo de cinco décadas, um crescimento demográfico considerado alto, e o processo urbanizador formou um aglomerado que extrapolou problematicamente as fronteiras políticas do DF. Como consequência, há um intenso processo de migração pendular, caracterizado pela movimentação diária de milhares de pessoas para o centro econômico do DF, pressionando os equipamentos urbanos da cidade e aumentando o desemprego e a violência. De tempos em tempos surgem projeções para o crescimento e desenvolvimento do Distrito Federal e sua região de influência ou entorno: a última delas, encomendada a uma empresa estrangeira pelo governo local para incentivar investimentos no Distrito Federal, causou polêmica por não ter sido discutida com as organizações de classe e a população em geral. As projeções do GDF, para Brasília 2060, realizadas pela empresa Jurong Consultants Pte, de Cingapura7, preveem o aumento do fluxo de investimentos privados e estrangeiros, o favorecimento do desenvolvimento descentralizado, a diversificação da economia da região e, ao mesmo tempo, a preservação da área do Plano Piloto, tombada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como patrimônio cultural da humanidade. O plano prevê a expansão de três diferentes polos do DF. São eles: o Polo de Desenvolvimento JK, em Santa Maria, o Centro Financeiro Internacional, próximo a São Sebastião, e o novo aeroporto e cidade aeroportuária, próximo a Planaltina. Os megaeventos e os compromissos das suas cidades-sede pressupõem obras de infraestrutura, como a construção ou reforma de aeroportos, estádios e instalações esportivas, o que implica um novo ciclo de construção e valorização do solo urbano na cidade-sede. Em Brasília, no entanto, as pressões ambientais nesses ciclos são maiores. Tomemos como exemplo as formas de deslocamento da fração sudoeste do DF, que substitui 4 linhas de metrô e VLTs por 4 corredores de ônibus, na Estrada Parque Taguatinga – EPTG8 (a chamada Linha Verde), com todos os eixos rodoviários de 4 e 6 pistas sendo alargados para 10 a 12 pistas. Isso significa, minimamente, uma perda de 800 mil 237


m² de área verde. O alargamento destruiu a vegetação lateral ao longo dos 12,7 km e aterrou as nascentes e parte dos córregos do parque ecológico do Guará9. A população que mora em áreas com pouca vegetação não se beneficia da melhora no microclima que a vegetação é capaz de produzir. A escassez de vegetação é um fator de diferenciação entre as Regiões Administrativas, que infelizmente afeta de forma negativa as condições de vida em áreas periféricas. Para as classes desfavorecidas socioeconomicamente, somente restam as periferias de ambientes pobres e deteriorados. Fora do Plano Piloto e da Região Administrativa 1 (RA 1), nota-se a carência de áreas verdes, seja na fase de elaboração do plano urbanístico, de implantação ou em outro momento da fixação da população urbana. É possível verificar que a cidade perdeu vegetação saindo do Plano Piloto indo em direção à Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, passando pelo Guará, Vicente Pires e Águas Claras. Também é possível identificar um vetor de crescimento em direção ao Gama e à Santa Maria com acréscimo de áreas não vegetadas. As “áreas verdes” podem ser espaços apenas gramados, sem atividade fotossintética significativa, porém a existência dessas áreas possibilita que em algum momento haja vegetação no local. Quando não há previsão dessas “áreas verdes” a existência futura de vegetação está comprometida, pois não há onde inserir vegetação se o solo está construído ou pavimentado. Fato extremamente preocupante dado que uma das consequências geradas pelo processo de ocupação e desenvolvimento nas metrópoles é o fenômeno da ilha de calor urbana, que se verifica justamente nas regiões com solo exposto. Nesses lugares, quantidades de ar quente se fazem presentes em maior concentração, assim como no centro das cidades. E são essas condições que dificultam a evaporação e reduzem o poder de dispersão dos poluentes atmosféricos gerados, trazendo complicações para uma boa ocupação. Para a pesquisadora Ermínia Maricato, o processo de urbanização acelerado e concentrado cobra um alto preço: predação do meio ambiente, baixa qualidade de vida, gigantesca miséria social e seu corolário, a violência. O rápido e espetacular processo de urbanização brasileira, que combinou determinantes da expansão capitalista externa com favoráveis condições internas, constitui um movimento avassalador do ponto de vista social, cultural e ambiental. 238

Estudo de imagens de satélites realizado por Coelho (2012) observa a existência de grandes áreas, distantes do centro, com atividade fotossintética muito baixa. Locais como Ceilândia, Taguatinga, Samambaia e Recanto das Emas, que são espaços sem vegetação, construídas ou expostas, praticamente não possuem atividade fotossintética. Um pouco menos comprometidas estão Gama e Santa Maria, embora também acusem atividade fotossintética muito baixa (ver Figura 2).

Figura 2: Ocupação do solo segundo setores censitários em 9/ jul/2000. Fonte: Coelho (2012, p. 102).

Os setores censitários em 2010 indicam crescimento da área urbana. Grande parte dessas novas áreas era destinada ao uso rural, mas foram loteadas e passaram a ser de uso urbano, e diversos condomínios estão aí localizados. Em alguns desses locais, há mais áreas vegetadas e com maior atividade fotossintética, mas o que tem 239


contribuído para uma menor área edificada e, consequentemente, uma maior área vegetada é o relevo mais acidentado, dificultando o adensamento, como nas localidades próximas a São Sebastião. Pensar e trabalhar ambientalmente supõe a construção, desenvolvimento e aplicação de uma nova racionalidade, de toda uma revisão da teoria e a práxis social para compreender a origem, as manifestações e as implicações da dinâmica social de todas as inter-relações e interações permanentes e indissolúveis entre o meio humano, o meio natural e o meio construído. Essas formas de pensamento e trabalho são essenciais neste momento, quando poderiam estar associadas às novas categorias da mobilidade, da construção dos terminais e do desenvolvimento de novas centralidades. Fica, então, a questão: o novo terminal do aeroporto, pensado para ampliar a capacidade para 21 milhões de passageiros por ano está em consonância com as projeções para Brasília de 2060?

previstas inicialmente, como placas fotovoltaicas, aquecimento solar de agua, etc. Nas palavras de um dos gestores da Copa de 2014, em Seminário do BID em agosto de 2012, Brasília seria a única cidade-sede que faria a Copa em três quilômetros (Figura 3). O Comitê Brasília 2014 afirmou em 2012, antes da competição, que o público poderia usar o transporte coletivo sem restrições e circular a pé com tranquilidade por calçadas renovadas no centro da cidade. Para essa Copa “a pé”, seria feito um investimento em calçamento em toda a área central de Brasília. No entanto, nada disso aconteceu: as obras de calçamento vão ficar para depois da Copa, assim como os dois túneis para atravessar desde o centro de convenções para o estádio e para o parque da cidade. Tornando a dimensão social do investimento ainda mais duvidosa, o trabalho de Ribeiro (2013) mostrou que a porcentagem da população que seria afetada e teria acesso mais direto ao megaevento não chega a 2% do total de Brasília.

Figura 3: A Copa em 3 quilômetros.

SENSIBILIDADE E IDENTIDADE DO LUGAR? O ESTÁDIO MANÉ GARRINCHA Localizado ao lado do Setor Hoteleiro, o antigo estádio Mané Garrincha, com capacidade para 45 mil espectadores, foi demolido e, no mesmo espaço construiu-se o Estádio Nacional, para 71 mil espectadores, com investimento de R$671 milhões. A construção do novo estádio, apresentado para avaliação ao Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), fundamenta-se em conceitos de sustentabilidade simples, tais como o reaproveitamento de material de demolição (mais de duas mil toneladas) do antigo estádio na forma de brita para a pavimentação das áreas externas; reaproveitamento d’água de chuva (captada e armazenada em tanques instalados embaixo do campo de futebol); captação de energia solar; incorporação de mictórios a vácuo e construção de bicicletários que reduzem o número de vagas de estacionamentos permeáveis. Em 2011, segundo o Governo do Distrito Federal e os autores do projeto do novo estádio, Castro Mello Arquitetos, o projeto contava com 87 pontos de um total de 100 pontos necessários para alcançar a categoria LEED Platinum, mas o selo nunca foi concedido porque não foram atingidos os requisitos, e, por isso, foi abandonado um conjunto de medidas 240

241


Nesse setor, mesmo sem um arranjo paisagístico formal, existe uma série de lugares criados pelos espaços convergentes dos próprios edifícios e seus recuos obrigatórios, uma vez que a paisagem e as formas naturais do terreno constituíram as bases do projeto urbano em Brasília. Sua conservação permite a existência do senso do lugar, da sua identidade, sensibilizando o usuário para o contexto e tornando mais complexa e contínua a escala percebida. Nesse sentido é que se faz tão importante o acesso ao Lago, que na distância fica visível, mas é, efetivamente, inacessível. Justamente pela declividade se tem a dimensão real da paisagem, pensada no plano original de Lucio Costa como amenidades bucólicas, tais como campo de golfe, restaurantes e clubes, todos com baixo gabarito para não interferir na paisagem. Mas as invasões se sucederam em direção à beira do espelho d’água. Lucio Costa fez uma acertada leitura do sítio, acomodando seu projeto à forma daquele. Estabeleceu um vínculo com o espaço ao escolher para a localização da capital o triângulo contido entre os braços do lago. Esse triângulo ergue-se ligeiramente sobre os terrenos laterais mais baixos que chegam ao lago. Na linha do espigão estabeleceu o eixo Monumental e, acompanhando as curvas de nível que descem até o lago, acomodou o eixo Rodoviário. Isso dá ao “homem de Brasília” a sensação de segurança no lugar e o domínio visual sobre a paisagem, que é altamente legível, isto é, faz-se compreender com facilidade através de relações espaciais claras entre os seus elementos. As descontinuidades, por outro lado, resultado das invasões, impedem a leitura do espaço e, consequentemente, a apropriação prazerosa dele. De fato, existe um espaço raso sem sombreamento, sem umidificação na seca, sem proteção dos ventos indesejáveis ou amenização dos ruídos advindos das vias periféricas; em outras palavras, o espaço carece das medidas bioclimáticas amenizadoras mínimas imprescindíveis para o clima tropical do planalto central. Isso interdita qualquer possibilidade de pensar no uso de tecnologias inovadoras de pavimentos resfriados, com refletância e absortância da carga térmica, pensar também em galerias técnicas e em zonas de pedestres potencializando percursos e passagens cobertas com o intuito de criar zonas de sombras durante o dia e luminosidade durante a noite. Enfim, todas tecnologias que a capital modernista, comumente conhecida como museu de arquitetura a céu aberto, mereceria.

242

Outras obras do pacote Copa 2014 seriam concluídas depois da competição. O GDF decidiu contratar uma única empresa10 para executar várias obras de revitalização da área central de Brasília (tais como a urbanização e paisagismo do Complexo Ayrton Senna, a construção de um túnel entre o Centro de Convenções e o Estádio Nacional e outro túnel entre o Clube do Choro e o Parque da Cidade, para interligação das vias W4, W5 sul/norte a urbanização do Centro de Convenções Ulysses Guimarães), mas o Ministério Público suspendeu a licitação no entendimento de que deveria ser fracionada e não feita em bloco. Em 2011 o GDF tentou lançar, sem sucesso11, a licitação da extensa área verde na Quadra 901, espaço adjacente ao Estádio Nacional, mas surgiram entraves entre as empresas interessadas no espaço. Enquanto as grandes redes hoteleiras queriam que fosse licitado um único lote, as pequenas queriam a divisão em 14 lotes. Empresários estimavam que a Quadra 901 Norte mobilizaria 4 bilhões de reais em obras; somente o terreno, propriedade da Terracap, valeria de 700 a 800 milhões. A Quadra 901 se caracteriza, predominantemente, por grandes lotes com baixa densidade de ocupação e usos institucionais. Por ser o limite entre as Asas e os parques urbanos, trata-se de área sensível, que deve manter baixa densidade de ocupação, altura reduzida (o GDF propunha a construção de prédios de até 45 metros de altura) e intensa arborização. Nesse esforço, para reforçar as centralidades já existentes, a partir da concentração de investimentos públicos na capital, que buscava favorecer o capital imobiliário em detrimento de outras áreas urbanas da capital, o governo declarou que o objetivo do lançamento era aumentar a quantidade de leitos na capital federal e atender as demandas do mundial. Todavia, não existia um déficit quantitativo na rede hoteleira brasiliense. O déficit é apenas qualitativo e, portanto, a melhor solução para um evento como a Copa do Mundo de 2014 seria requalificar os leitos já existentes, por meio de políticas de incentivo (Figura 4). A estratégia do Estado e dos grandes capitais foi, no entanto, frustrada pela mobilização da sociedade: o parcelamento da Quadra 901 Norte foi incluído no Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico (PPCUB). O Plano de Preservação, por exigência da Unesco, para manter a condição de Brasília como Patrimônio da Humanidade, entrou 243


Figura 4: Área central. Escala gregária. Setores Hoteleiros idem.

244

na pauta de discussões da Câmara Legislativa do Distrito Federal. As entidades de classe dos arquitetos e urbanistas, assim como as principais faculdades de Arquitetura e Urbanismo da cidade, através de seus representantes e juntos com o Instituto de Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (IPHAN), votaram contra o projeto no Conselho de Planejamento (Conplan) e, posteriormente, os parlamentares, ante a forte pressão social, recusaram-se a votar o projeto de lei no encerramento do ano de 2013. Segundo a ONG “Urbanistas por Brasília”12, também merecem ser analisadas com seriedade as distorções da lei, como, por exemplo, a existência de grande quantidade de leitos tipo “Flat” ou “Apart hotel” na área tombada que são ocupados, de fato, como residências. Essa distorção é estimulada pela legislação distrital que permite que o IPTU comercial das unidades (alíquota de 1% sobre o valor do imóvel) seja reduzido para IPTU residencial (alíquota de 0,30%) após mero preenchimento de formulário junto à secretaria de Fazenda do GDF. Esse desvirtuamento é verificado na quase totalidade dos oito novos empreendimentos hoteleiros de Brasília localizados no Setor Hoteleiro Turístico Norte (SHTN) e Setor de Clubes Esportivos (SCE), na Orla do Paranoá, os quais foram concebidos, comercializados e ocupados como “residencial com serviços”, ou seja, condomínios fechados, de alta renda e com vista para o lago Paranoá. Institui-se, assim, um novo formato de privatização da Orla, empreendido pelas camadas sociais mais ricas e influentes da cidade. Somente o uso pleno da Quadra 901 será capaz de proteger os avanços predatórios dos incorporadores imobiliários. Acredita-se que se deve propor um uso cultural do espaço, nos moldes do Centro George Pompidou de Paris e do conjunto SESC Pompeia de São Paulo. Assim, seriam criados, num único espaço, articuladores culturais,

sem comprometer a tranquilidade das superquadras contíguas com base em elementos cuja característica básica é o seu dinamismo, sua capacidade de dar um sentido, uma direção ao desenvolvimento cultural de uma região desprovida de espaços dessa natureza, abrigando midiateca, biblioteca, cines (como o da Asa Sul), centro de artes, galerias, auditórios. Uma concepção como essa requer um espaço livre, muito aberto, de uso irrestrito, com três ou quatro subsolos de garagem para serem administrados numa parceria público ou? privada que geraria renda para manter o centro cultural. Reconhecendo a especificidade do contexto, a articulação cultural em espaço livre público sobre estacionamento de gestão pública ou privada construído no subsolo, com espaço central de qualidade ambiental, propiciaria a reconfiguração urbana na adjacência, preservando a permeabilidade com o entorno, estabelecendo conexões e continuidade e favorecendo a criação de espaços ativos, intensamente utilizados para circulação e permanência dos pedestres. Ressalta-se, ainda, que a destruição do espaço urbano perceptível geralmente acontece quando este se reduz a um simples fato quantitativo fragmentado com objetos arquitetônicos desconexos em torno de espaços externos que se apresentam como vazios residuais.

CONCLUSÕES Brasília é a única cidade-sede que, de fato, sediou os eventos relativos à Copa numa área de três quilômetros. O público comprovou a estreita relação que existe entre a qualidade dos espaços e as atividades externas, pelo menos através do desenho do entorno físico, uma vez que influi nos modelos de atividade que se desenvolvem na cidade. Na cidade, tudo gira nas proximidades do estádio, ao redor da torre de TV e no caminho em que o eixo monumental se abre para a esplanada dos ministérios e desce até o Lago. Tudo isso influi no número de pessoas e acontecimentos que usam o espaço e no tipo de atividade que nele pode ser desenvolvida. Dado que as obras de calçamento, assim como os dois túneis para atravessar do centro de convenções até o estádio e o parque da cidade, ficaram para depois da Copa, a permeabilidade do tecido urbano fica 245


comprometida. Assim a questão posta em pauta pela celebração da Copa, a estrutura urbana do centro de Brasília, especialmente nos Setores Hoteleiros, com uma circulação crítica para o pedestre, que não conta com caminhos contínuos nem qualificados, não foi solucionada. Brasília continuará sem separação entre as vias de pedestres e as de tráfego motorizado, nas quais frequentemente falta espaço até mesmo para calçadas. Além disso, o mau tratamento das áreas sob os embasamentos assim como o avanço das garagens do subsolo na área pública, implantadas incongruentemente em relação ao terreno natural, constituem barreiras que privatizam o espaço público, confundem os pedestres e aumentam a distância dos percursos. O legado da Copa poderia ter sido a solução desaas questões. Brasília possui, como unidades morfológicas básicas, vias e áreas verdes em vez de ruas e praças típicas das cidades tradicionais. Esses espaços arquitetônicos foram dados aos usuários já prontos e, por esse motivo, as atividades que hoje neles se desenvolvem são o fruto da decantação do tempo e de ações empreendidas pelos moradores que se apropriam adequadamente deles. Na cidade projetada de Brasília não existem edifícios com alto grau de adjacência, o que não significa que assistamos a uma coleção de edifícios agregados de qualquer forma como em algumas deterioradas cenas urbanas (Romero 2001, p. 159). A noção de “legado” quase incorporada ao megaevento, com o adensamento da quadra 901 Norte, colocava em risco o patrimônio e podia provocar adensamento da área tombada há mais de 25 anos13. A visão da cidade desenvolvida por Lucio Costa – massa edificada que se organiza em torno de eixos e centros – coloca-nos frente a uma maneira de pensar o espaço urbano e a atividade urbanística a partir de concepções e “maneiras de pensar” próprias da arquitetura. Nesse sentido, a cidade é concebida enquanto construção, como espaço edificado e, portanto, sujeita às mesmas leis que regem a concepção do espaço arquitetônico. Pensar e trabalhar ambientalmente supõe a construção, desenvolvimento e aplicação de uma nova racionalidade, de toda uma revisão da teoria e a práxis social para compreender a origem, as manifestações e as implicações da dinâmica social de todas as inter-relações e interações permanentes e indissolúveis entre o meio humano, o meio natural e o meio construído.

246

REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. “La Cuestión Urbana”, Editora Siglo XXI, México, 1980 COELHO, J. Machado. Evolução urbana em Brasília entre 2000 e 2010, dissertação de Mestrado, UnB, Brasília, 2012. COSTA, L. Brasília revisitada, 1985-1987: complementação, preservação, adensamento e expansão urbana, in Leitão, F. (organizador). Brasília 1960 2010: passado, presente e futuro. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Brasília. 2009 GEHL, Jan. La humanización del espacio urbano. Editorial Reverté, S. A. Barcelona. 2006. LEFEBVRE, Henri. “O Pensamento Marxista e a Cidade”, Editora Ulissea, Povoa de Varzim, 1980. _____________ “La Revolución Urbana”, Alianza Editorial, Madrid, 1972 RIBEIRO, Rômulo José da Costa. Copa do mundo no centro oeste do Brasil. In Desigualdade regional e as politicas públicas: Copa do mundo de 2014: impacto e legado. Artur Zimerman (org.). P 64 – 95. Univ. Fed. do ABC. 2013 ROMERO, Marta Adriana Bustos. Arquitetura do lugar: uma visão bioclimática da sustentabilidade em Brasília. Editora Nova Técnica, são Paulo, 2011 ___________________________. Arquitetura Bioclimática do espaço público, 4a Reimpressão Editora UNB, Brasília, 2015 WIRTH, Louis. El urbanismo como modo de vida, Publicado originalmente em 1938, no número 44 do American Journal of Sociology, tradução espanhol de Victor Sigal e publicada por Ediciones 3 (Buenos Aires, 1962). www. bifurcaciones.cl. num.2, otoño 2005.

247


Notes 1 9,80 % da população de Brasília mora na área central (tombada) e aí se concentram 47,72% dos empregos formais (IBGE, 2012; PDAD, 2012). 2 O Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade – PDTU, aprovado em 2011 pela Câmara Legislativa do DF (CLDF), deveria ter sido enviado pelo GDF para a CLDF em 2009, e já tinha 36 anos, sendo que deveria ter sido refeito a cada 10 anos e revisado a cada 5. O PDTU abrange obras nos quatro principais eixos de circulação no DF: região sul (Gama, Santa Maria e o Plano Piloto); o sudoeste (Recanto das Emas, Núcleo Bandeirantes); no oeste (Ceilândia, Samambaia e Águas Lindas de Goiás); eixo norte (Sobradinho e Planaltina de Goiás).

hoteleiro do Setor das Grandes Áreas Norte (SGAN), onde se encontra a Quadra 901. Esses artigos preveem “ações de revitalização” dos setores centrais do Plano Piloto, entre os quais se inclui o Setor Hoteleiro Norte (SHN). 12

ONG que reúne arquitetos em defesa de Brasília.

13 Tanto as regras de ocupação quanto a forma (ou desenho) do Plano Piloto foram protegidos quando foi tombado pelo Governo do Distrito Federal em 1987 e pelo Governo Federal em 1990.

3 “Codeplan discute impacto das projeções demográficas para 2030” in Brasília em Debate - Ano 2013, no 5, Dezembro, p. 35. 4 Começa com dois ramais: em Santa Maria e no Gama na altura do Catetinho, que se transformam em um só. Descem pela BR-040, passam pela floricultura, entram pela pista para o aeroporto, passam pelo túnel do balão da Dona Sarah e seguem até o viaduto Camargo Corrêa. 5

Segundo o jornal Correio Braziliense de 22.02.2014, p. 26.

6 Termo criado pelo professor norte-americano John Kasarda, para caracterizar situações em que um aeroporto engloba zonas de desenvolvimento aeroporto-indústria, hotel, logística, entre outros. 7

Empresa responsável pela parte técnica do estudo.

8

Que de parque hoje não tem nada.

9 Além da EPTG não ter condições de substituir o volume de passageiros que deveria ser transportado pelo metrô, a impermeabilização causa as enchentes em Vicente Pires e na parte baixa do Park Way, de modo semelhante ao alagamento da W-3 Norte pela impermeabilização do Noroeste. Na atualidade, o GDF está fazendo o segundo corredor (Santa Maria / Gama / Plano-Piloto, a Linha Laranja) e com isso destruirá a vegetação ao longo dos quase 37 km de extensão e impermeabilizará mais de 1 milhão e 850 mil m² (50 m x 37.000 m). 10 Porém, em março de 2014, uma decisão da 1a vara da fazenda pública do DF determinou a suspensão de licitação de obras estimadas em mais de R$ 305,4 milhões, que serão concluídas depois da competição. 11 O GDF e a Terracap utilizaram os artigos 112 e 113 do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF (PDOT) como amparo legal ao projeto

248

249


CIDADE ENCLAUSURADA: O CAMPUS JOAQUIM AMAZONAS – UFPE E O RECIFE

Luiz Amorim Universidade Federal de Pernambuco - Recife, PE

Cristiano Nascimento Fundação Joaquim Nabuco - Recife, PE

A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) foi instituída pelo Decreto-Lei da Presidência da República nº 9.388, de 20 de junho de 1946 com a denominação de Universidade do Recife (UR). Foi formada pela aglutinação de instituições de ensino superior já existentes, como a Faculdade de Direito do Recife, criada em 1827 – a primeira desta natureza no Brasil – a Escola de Engenharia de Pernambuco (1895), a Faculdade de Medicina do Recife (1920), com as unidades anexas de Odontologia e Farmácia, a Escola de Belas Artes (1932) e a Faculdade de Filosofia (1941), todas localizadas nos bairros centrais do Recife. Em 1947 foram iniciados os esforços para o planejamento e construção da Cidade Universitária, posteriormente denominada Campus Universitário Reitor Joaquim Amazonas e referido a seguir como Campus da UFPE. Após o estudo de viabilidade de sua implantação nos bairros de Santo Amaro e Joana Bezerra, no centro expandido do Recife; Ibura, na Zona Sul; e Várzea, na Zona Oeste, a escolha recaiu na última opção, em terras de uma propriedade antigamente chamada Engenho do Meio. O bairro guardava naquela altura características ligadas ao seu recente passado rural – grandes glebas não urbanizadas, arruamentos em processo de consolidação, baixa densidade habitacional e construtiva e infraestrutura urbana precária. Entretanto, sua localização era privilegiada por situar-se às margens da terceira perimetral do sistema viário radial concêntrico do Recife – na verdade um trecho da BR-101, rodovia federal de 250

integração nacional que liga todas as capitais do Nordeste Oriental – e na proximidade da conexão de dois importantes eixos radiais urbanos – as avenidas Caxangá e Abdias de Carvalho – com o acesso ao interior do estado por uma estrada que pouco depois se tornaria uma importante rodovia federal – a BR-232. Sob tal ponto de vista, tratavase de um local estratégico para implantação de um equipamento tão caro às expectativas do Recife, que almejava se apresentar como a “Capital do Nordeste”. Neste contexto, a implantação de uma Cidade Universitária (posteriormente chamada de “CDU” no jargão popular) representa um novo processo de ocupação da periferia da cidade, além do estabelecimento de um centro polarizador da expansão da malha urbana do Recife para o sentido Oeste do território. O primeiro projeto para o novo campus foi desenvolvido pelo arquiteto italiano Mario Russo (UFPE, 1985; CABRAL, 2006), em 1949. Era fundamentado em preceitos do urbanismo moderno de matriz associada à Carta de Atenas (CIAM,1933), sendo observados, por exemplo, na distribuição de atividades em setores funcionais classificados segundo os campos do conhecimento científico, a concepção de edificações sobre pilotis dispostas em um amplo e contínuo espaço público e a separação entre vias de trânsito de veículos e vias para movimento exclusivo de pedestres. Tais características destoavam dos bairros circunvizinhos da Várzea e do Engenho do Meio. O primeiro, um arruado histórico com típicos padrões de ocupação identificado com a maneira de construir portuguesa; o segundo, uma ocupação mais recente, caracterizada por parcelamento típico dos novos subúrbios das cidades brasileiras: malha regular e lotes com dimensões próximas a 12 m x 30 m. No entanto, o traço marcante da primeira versão do projeto de Russo residia em eixos viários que conectariam a Cidade Universitária ao entorno já consolidado, procurando uma integração entre a cidade das ciências, os subúrbios circunvizinhos e as vias radiais e perimetrais próximas. O plano foi revisto e detalhado em 1951 e 1955 (UFPE, 1985; CABRAL, 2006), ainda sob a coordenação de Mario Russo. Nestas versões, os princípios estruturadores anunciados originalmente são mantidos, apesar a introdução de significativas alterações na relação do conjunto universitário com a estrutura urbana circundante. O 251


Figura 1: Campus Reitor Joaquim Amazonas: dentro do contexto urbano. Fonte: Google Maps.

afastamento de Russo da coordenação dos trabalhos se deu em 1956, seguido da reestruturação da equipe e das estratégias de implantação da Cidade Universitária. A nova equipe técnica ficou responsável pelas subsequentes modificações nos traçados iniciais para o desenvolvimento do plano urbanístico revisado, bem como na formulação de políticas de implementação. Disto resulta o Plano Urbanístico de 1957, que define, na sua maior parte, sua configuração atual.

Os registros documentais do seu desenvolvimento posterior (UFPE, 1985; PROPLAN-UFPE, 2004) revelam apenas as situações temporais da estrutura urbana, pois não foram desenvolvidos planos urbanos completos. As evidências – documentos e projetos – demonstram uma política institucional interessada na consolidação do isolamento e posterior enclausuramento da Cidade Universitária, motivados pelos crescentes índices de violência urbana no Recife e o consequente sentimento de insegurança da comunidade universitária. Paradoxalmente, observa-se recentemente uma ocupação desordenada dos espaços livres do seu interior que, vale ressaltar, não reflete uma intenção do corpo técnico da universidade, mas decorre do atendimento pontual das necessidades de cada uma das unidades pedagógicas da UFPE. Desta forma, a Cidade Universitária, que inicialmente se conformava como uma exceção em meio ao contexto urbano préexistente em relação aos seus aspectos morfológicos, hoje reproduz as características do seu exterior, embora se mantenha fisicamente isolada dele. Em outras palavras, ao assumir uma fisionomia mais urbana intramuros, perde o contato com a vida urbana extramuros (AMORIM et al, 2005). Complementarmente, a visão de Russo de uma vida universitária plenamente associada ao cotidiano da cidade, seja como meio de transição entre bairros e destes para o centro da cidade ou como espaço público para o usufruto de acadêmicos e residentes, vai assumir tons utópicos com o passar das décadas. As seções subsequentes descrevem como ocorreu tal processo.

UNIVERSIDADE: A INSTITUIÇÃO Para a compreensão da relação entre a Cidade Universitária da Universidade do Recife e sua vizinhança, faz-se necessário entender sua estrutura organizacional e os princípios que a fundamentam. O Estatuto da Universidade do Recife (UR), datado de outubro de 1946, é a peça legal que organiza e rege o seu funcionamento segundo unidades administrativas e pedagógicas. As primeiras eram formadas pela Reitoria, Conselho Universitário, Conselho de Curadores e Assembleia Universitária. Ferraz (2016) ressalta que a Reitoria cumpria o papel de órgão executivo principal, cuja atribuição incluía a coordenação, 252

253


supervisão e fiscalização de todas as atividades universitárias. O Conselho Universitário era o órgão deliberativo superior, composto pelos gestores das unidades acadêmicas, representantes das suas congregações e representantes docentes e estudantis. O Conselho de Curadores, com membros indicados pela reitoria, tratava das questões orçamentárias. As unidades pedagógicas eram as Faculdades ou Escolas (segundo denominação de origem, como a Faculdade de Direito do Recife e a Escola de Belas Artes de Pernambuco) e os Institutos Especiais. Suas estruturas seguiam arranjo semelhante às unidades administrativas, segundo unidades executivas, deliberativas e consultivas. Eram formadas por Diretoria – órgão executivo, Congregação – dedicada aos assuntos pedagógicos, Conselho Técnico-Administrativo – dedicado às questões administrativas e financeiras, e unidades departamentais. Os Institutos Especiais tinham por função dar suporte às Faculdades e Escolas no âmbito do ensino e da pesquisa. Sua estrutura gestora também estava definida em unidades departamentais. Tal modelo gestor consagra as unidades de ensino superior já existentes e dá unidade ao conjunto pela constituição da administração executiva central e dos órgãos consultivos e deliberativos, sempre compostos por representantes das unidades pedagógicas. Portanto, a criação da Universidade do Recife reconfigurou os arranjos institucionais preexistentes, principalmente as relacionadas ao prestígio e poder, não apenas no interior de cada unidade pedagógica, como também, e, principalmente, no contexto da nova instituição. Tais aspectos foram relevantes, como será visto adiante, para a configuração dos planos urbanísticos e da ocupação recente da Cidade Universitária. O arranjo institucional é alterado em 1975, com a publicação do Estatuto da UFPE, como era agora denominada, tanto na esfera administrativa, quanto na esfera pedagógica (FERRAZ, 2016). À gestão institucional central (Reitoria), são adicionados os órgãos superiores já existentes – o Conselho Universitário e o Conselho de Curadores, os conselhos de Administração e o Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão. Maior alteração se dá, no entanto, na esfera pedagógica. As Faculdades e Escolas são suprimidas e substituídas por Centros Acadêmicos e os campos específicos de conhecimento são associados às unidades departamentais, que reúnem os docentes 254

e são responsáveis pela oferta de cursos de graduação e de pósgraduação, bem como pelo desenvolvimento de atividades de pesquisa e de extensão universitária. Completam as Unidades Pedagógicas, os Órgãos Suplementares: Biblioteca Central, Editora Universitária, Hospital das Clínicas, Núcleo de Educação Física e Desportos, Núcleo de Processamento de Dados e Núcleo de Televisão e Rádio. Os Centros Acadêmicos obedecem à taxonomia de campos profissionais e científicos: Sistema Comum de Ensino e Pesquisa Básico e Sistema Profissional e Pesquisa Aplicada. O primeiro corresponde aos centros de Artes e Comunicação, Ciências Exatas e da Natureza, Ciências Biológicas e Filosofia e Ciências Humanas. O segundo reúne os centros de Educação, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências da Saúde, Tecnologia e Ciências Jurídicas. As alterações estatutárias estabeleceram maior complexidade administrativa. Os Centros Acadêmicos, por exemplo, são geridos por uma unidade executiva (Direção) e uma unidade deliberativa (Conselho Departamental, este composto pelo diretor e vice-diretor do centro, pelos coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação, chefes de departamento, representantes discentes e diretor e vice-diretor do centro. As unidades departamentais repetem tal estrutura (chefe e comissão diretora), bem como os cursos (coordenação e colegiado). O modelo gestor definido pelo Estatuto de 1975 amplia a estrutura administrativa, redefine o papel de docentes, servidores e alunos, e, particularmente, a estrutura de poder na instituição. As direções de centro passam a ter maior importância do que as unidades administrativo-pedagógicas, agora constituídas por departamentos e coordenações de curso. Desta forma, o palco para os conflitos e negociações, como definição de prioridades administrativas, a abertura de concurso público para contratação docente e a distribuição de recursos, passa a acontecer nos conselhos departamentais, antes de chegar ao fórum máximo da universidade - o Conselho Universitário. O arranjo institucional é relevante por estabelecer as demandas a serem atendidas pelo projeto urbano, pelas unidades edilícias e, de forma relevante, entre os limites do campus universitário e as áreas circunvizinhas. A análise que se segue procurará estabelecer relações entre a visão institucional projetada por gestores e sua reificação por meio de planos, projetos e obras.

255


PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS Para refletir sobre as características dos projetos urbanos elaborados para o Campus da UFPE e sua constituição como importante sistema de espaços públicos da franja oeste do Recife com efeito no processo de urbanização da sua área envoltória, foram estabelecidos procedimentos analíticos circunscritos aos fundamentos da teoria da lógica social do espaço (HILLIER, HANSON, 1984). A escolha por tal abordagem se justifica por permitir a representação, descrição e análise de padrões morfológicos e associação a padrões de uso e ocupação do espaço. A teoria observa o assentamento urbano como um sistema bipolar, estruturado entre os acessos para as edificações e a área externa ao assentamento. O sistema espacial entre estes dois polos medeia a interface entre os habitantes do lugar e aquela entre estes e os visitantes (HILLIER, HANSON & PEPONIS, 1987a; HILLIER, HANSON & PEPONIS, 1987b). A estrutura urbana pode ser medida por meio das propriedades sintáticas do tecido urbano, representada, neste caso, por seu mapa axial – a representação dos espaços abertos e contínuos do tecido urbano, segundo o conjunto do menor número de maiores linhas de acessibilidade e visibilidade (HILLIER & HANSON, 1984). Sua descrição numérica é de ordem relacional, portanto, topológica. A escolha pela dimensão axial se deve ao interesse de observar a estrutura global do Campus da UFPE e da sua área vizinha. O sistema espacial pode ser descrito segundo distintas medidas, sendo a de maior interesse a de integração. A medida de integração está diretamente relacionada à noção de profundidade. Na representação axial, a profundidade entre duas linhas é dada pelo número de passos que intervêm na passagem da primeira para a segunda. Uma linha “rasa”, ou seja, de fácil acessibilidade, integra o conjunto. Por sua vez, uma linha “profunda” se situa em posição mais remota, topologicamente falando, em relação às demais. Em síntese, a medida de integração é uma medida de centralidade, que identifica em que medida uma linha está mais ou menos central com relação ao sistema espacial. O valor de integração é, portanto, a expressão da profundidade média de qualquer linha para as demais do sistema espacial. Os sistemas mais rasos, ou de maior integração, apresentam fácil 256

acessibilidade, pois os deslocamentos de cada espaço para todos outros é feito por meio de um pequeno número de espaços, ou linhas axiais, intervenientes. Já os sistemas mais profundos, ou mais segregados, apresentam um grande número de espaços intervenientes. Nos mapas, os valores mais altos são representados pelas cores mais quentes; os baixos pelas cores mais frias, gradativamente (ver Figuras 2 a 9). O núcleo de integração, representado por 10% das linhas mais integradas (ou 25% em sistemas espaciais menores do que 100 linhas) é de particular interesse para compreender os efeitos da configuração nos padrões de movimento de pedestres e veículos, como também na distribuição de usos e ocupações no tecido urbano. A força do núcleo de integração de desempenhar este papel de local de destinação coletiva pode ser descrita pela relação entre a integração média do sistema espacial da área estudo e a integração média dos espaços que compõem o núcleo. Quanto maior a diferença, maior a sua centralidade.

Figura 2: Núcleo de integração, Campus João Amazonas, 2005.

257


CONJUNTO URBANO

258

Conectividade

Comprimento da linha (metros)

Integração global (Rn)

Integração local (R3)

Integração de raio médio (RR)

Integração global (Rn)

Número de linhas

Força do Núcleo

Os diversos planos urbanísticos e a cartografia disponível foram tratados digitalmente para possibilitar as suas análises configuracionais. Além do material gráfico cedido pela Pró-Reitoria de Planejamento da UFPE (PROPLAN – UFPE), tomou-se por base o documento intitulado Campus Joaquim Amazonas: Plano Diretor Físico (UFPE, 1985), que reúne os diversos projetos urbanísticos desenvolvidos entre 1958 e 1985. As análises são desenvolvidas em duas escalas. A primeira observa os projetos para o Campus da UFPE e a segunda desenvolve ensaio analítico por meio da sua inserção no sistema espacial circundante como encontrado em 2005. É evidente que o parcelamento urbano naquela data é função de inúmeras variáveis – normativa municipal, propriedade da terra, vias previamente existentes, por exemplo. A própria configuração do campus deve ter influenciado a maneira como o tecido urbano foi construído. No entanto, o ensaio permite analisar os efeitos das decisões tomadas pela equipe técnica da universidade no que se refere ao isolamento ou integração entre o campus e os bairros circunvizinhos. Os resultados obtidos são sintetizados na Tabela 1.

Número de linhas

OS PLANOS URBANÍSTICOS

NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO

Ano

Estudos sistemáticos demonstram existir uma correlação positiva entre os valores de integração e os padrões de movimento (HILLIER et al, 1993; HILLIER, 1996). As atividades dependentes de intensa co-presença e co-ciência entre usuários, portanto, dependentes do movimento de pedestres, buscam localizarem-se em espaços mais integrados, enquanto que as atividades que demandam maior isolamento, buscam espaços mais segregados (HILLIER, 1989; PEPONIS et al., 1989).

1949

164

2,598

0,110

1,398

1,580

1,580

2,084

17,000

1,491

1951

146

2,890

0,134

1,218

1,567

1,567

1,833

15,000

1,505

1955

125

3,184

0,133

1,483

1,798

2,019

2,240

13,000

1,511

1957

191

3,058

0,104

1,087

1,621

1,450

1,506

19,000

1,385

1985

130

2,923

0,133

0,988

1,483

1,330

1,385

13,000

1,401

2005

244

2,910

0,093

0,899

1,426

1,275

1,318

24,000

1,467

Tabela 1: Resumo das medidas sintáticas.

O PLANO URBANÍSTICO DE 1949 A primeira versão do plano urbanístico carece de maior precisão técnica, talvez por resultar das primeiras conjecturas do arquiteto Mario Russo e da a equipe do Escritório Técnico da Cidade Universitária (ETCU) acerca das demandas institucionais da recém criada universidade. Já denuncia, porém, sua afiliação ao urbanismo moderno, segundo os princípios da Carta de Atenas (1933), observados na setorização do campus universitário segundo as áreas de conhecimento e a disposição de edificações sobre pilotis em um espaço verde contínuo, próprio para o usufruto da população universitária e dos residentes em seus arredores. O campus seria acessado por vias conectadas aos principais logradouros existentes na circunvizinhança, principalmente por meio do assim denominado Eixo Monumental (sentido Leste-Oeste), ligação 259


entre os bairros de Engenho do Meio (Leste) e Várzea (Oeste). Desta forma, a cidade universitária se constituiria como uma nova centralidade local e passagem entre dois bairros. Complementarmente, o acesso às unidades administrativas e pedagógicas se daria por vias de circulação local. Deve-se observar a preocupação dos arquitetos com a separação entre as vias destinadas a veículos e aquelas destinadas a pedestres.

As vias de acesso aos conjuntos de ensino e pesquisa e de moradia, estas situadas em três grandes setores, se afastam sistematicamente dos grandes eixos de destinação coletiva, estabelecendo os padrões de segregação para os distintos setores de formação universitária. As vias locais de pequena dimensão são responsáveis pela redução da dimensão média das linhas do sistema (110,0 metros). Este sistema hierárquico de vias e suas grandes visuais, permitidas pela distribuição rarefeita de edificações sobre pilotis, são as principais características deste plano, que contribuem para estabelecer um sistema que apresenta uma média de integração global alta (1,58).

Figura 3: Campus Reitor Joaquim Amazonas: perspectiva de 1949 (CABRAL, 2006).

Figura 4: Campus Reitor Joaquim Amazonas: plano urbano de 1949 (UFPE, 1985), mapa de integração e núcleo de integração (AMORIM, LOUREIRO, NASCIMENTO, 2005).

O PLANO URBANÍSTICO DE 1951 O mapa de acessibilidade revela o efeito das várias ligações entre o campus e as vias do entorno. As linhas de maior integração compõem a via de contorno do campus e penetram em seu interior, o que permitiria, caso tal proposta fosse reificada, fácil acesso de sua vizinhança imediata. O Eixo Monumental é a linha mais integrada do sistema projetado, confirmando, do ponto de vista configuracional, seu papel articulador e integrador de todo o conjunto. Deve-se ressaltar que a Praça Magna, circundada pelas edificações que abrigariam a administração central – a Reitoria, as atividades culturais, como o Teatro, e cerimoniais, como a Sala Magna – estaria na confluência das linhas mais integradas do sistema (as secantes e as vias de contorno), configurando-se como uma importante centralidade. Nessa circunstância, as dimensões sintáticas (centralidade) e semânticas (lócus do poder) estariam em perfeita confluência. 260

Em 1951 o plano inicial é adequado às condições objetivas de construção do conjunto universitário. Neste já estão incluídos os projetos da Faculdade de Medicina (1949) e do Hospital das Clínicas (1950-51), de Russo, situados no setor nordeste do Campus. A prioridade dada ao setor de saúde se deveu à necessidade de oferecer condições de ensino que a edificação que a abrigava, localizada no bairro do Derby, não permitia. Além disso, a faculdade utilizava o Hospital Pedro II, do governo do estado, como hospital universitário. Portanto, novas instalações hospitalares se faziam necessárias em substituição às do edifício da instância de saúde estadual. As mudanças mais significativas no plano urbano podem ser encontradas no acesso ao bairro da Várzea, com a introdução de rotatória redutora de velocidade, na inclusão de anel viário interno e na 261


Figura 5: Campus Reitor Joaquim Amazonas: plano urbano de 1951 (UFPE, 1985) ), mapa de integração e núcleo de integração (AMORIM, LOUREIRO, NASCIMENTO, 2005).

duplicação do Eixo Monumental a partir da, agora denominada, Praça Cívica. O mapa axial mostra o efeito destas mudanças no padrão de integração global do conjunto. A linha de penetração leste, de acesso direto à Praça Magna, feita por meio de viaduto sobre rodovia federal (BR 101), fragmento do Eixo Monumental proposto no Plano de 1949, passa a ser a linha mais integrada do sistema. O novo arranjo espacial evidencia a centralidade da Praça Cívica, espaço público por excelência, além das áreas de uso coletivo nos interstícios entre as edificações. O plano já ensaia os sistemas de acesso às diversas unidades de ensino. Surgem acessos diretos das vias periféricas para o Campus, evitando-se o Eixo Monumental, e aparece o anel viário interno norte, articulando a secante noroeste aos conjuntos previstos para abrigar as áreas de engenharia, energia nuclear, química e filosofia. Este anel interno será desenvolvido nos planos subsequentes, configurando a estrutura urbana necessária para o seu progressivo enclausuramento, como será visto adiante.

é mais evidente na gleba Oeste, previamente ocupada pelo conjunto das engenharias e pelo acesso ao bairro da Várzea pela extensão do Eixo Monumental. O arranjo dos conjuntos pedagógicos segundo campos do conhecimento fica mais evidenciado com o deslocamento dos cursos de engenharia para o setor central e o de artes para a face Sudoeste, zoneamento este que será revisto posteriormente. Por outro lado, a área destinada aos cursos e serviços da saúde já se encontra consolidada e o setor desportivo permanece no sítio previsto. Poucas serão as alterações sofridas no setor nos anos subsequentes. Estas modificações geram consequências significativas na integração do campus: a) a obstrução do fluxo de veículos para Oeste promove seu isolamento do histórico bairro da Várzea, aumentando, portanto, a profundidade do conjunto; b) o conjunto Eixo Monumental/ Praça Cívica tem sua centralidade mantida, principalmente quanto ao conjunto universitário, mas se torna mais profundo com relação ao exterior. Estas propriedades estão expressas nos valores médios de integração global (Rn 1,483), média (Rr 2,019) e local (R3 1,798), que são as mais altas do conjunto de planos e situações estudadas. Ou seja, a decisão por reduzir a acessibilidade para as áreas de circulação externa teve como consequência a simplificação do tecido proposto e redução de profundidade.

O PLANO URBANÍSTICO DE 1955 Em 1955 é consolidado o isolamento do campus em relação ao bairro da Várzea, com a interrupção do eixo monumental na confluência com via interna norte-sul. As secantes, no entanto, permanecem como forma de valorização urbanística da Praça Cívica e garantia de acesso aos setores Norte e Sul do campus. O plano não apresenta soluções precisas, sugerindo se constituir de uma proposta ainda em desenvolvimento. Esta imprecisão do plano 262

Figura 6: Campus Reitor Joaquim Amazonas: plano urbano de 1955 (UFPE, 1985) ), mapa de integração e núcleo de integração (AMORIM, LOUREIRO, NASCIMENTO, 2005).

263


Figura 7: Campus Reitor Joaquim Amazonas: plano urbano de 1957 (UFPE, 1985), mapa de integração e núcleo de integração (AMORIM, LOUREIRO, NASCIMENTO, 2005).

264

O PLANO URBANÍSTICO DE 1957

O CAMPUS DA UFPE EM 1985

O afastamento de Russo da coordenação dos trabalhos, em 1956, leva à reestruturação da equipe e das estratégias de concepção urbanística. O Plano Urbanístico de 1957 definiu, em sua maior parte, a configuração atual do Campus Universitário Reitor Joaquim Amazonas. Sua principal característica é a redução das conexões viárias entre o seu interior e as vias públicas circunvizinhas, como anunciado no plano anterior por meio da interrupção das secantes, a consolidação de anel interno de circulação e a simplificação do acesso ao conjunto universitário, com inclusão de rotatória no lugar do viaduto e trevo presentes desde os primeiros riscos. Esta última solução deve ter sido tomada tendo em vista os custos para sua construção. As unidades pedagógicas são distribuídas em setores mais bem definidos: na área situada a Nordeste encontram-se as unidades pedagógicas de saúde; ao Norte as ciências da natureza – química e física; a Oeste e ao centro, margeando o Eixo Monumental, as ciências humanas e sociais aplicadas; a Sudoeste, as engenharias; ao Sul, as artes, incluindo arquitetura; e a Sudeste, a educação física. Já as principais unidades administrativas continuam sendo dispostas na Praça Cívica – no entanto, a Reitoria é deslocada para o final do Eixo Monumental, com o interesse de acentuar a monumentalidade no conjunto urbano projetado. O anel interno em pista dupla é o responsável, juntamente com a interrupção das secantes, pela redução nos valores de integração, estabelecendo o início de uma curva descendente no padrão de acessibilidade do conjunto. Este é o plano que apresenta a menor força (1,385) do núcleo de integração.

O levantamento físico de 1985, data de elaboração do último plano diretor urbanístico1 realizado pela equipe técnica da Pró-Reitoria de Planejamento (UFPE, 1985), herdeira do ETCU, mostra a consolidação dos setores dedicados às Ciências da Saúde e Ciências Biológicas, localizados a Nordeste e Norte do Eixo Monumental; o das Ciências Humanas, das Ciências Linguísticas, Letras e Artes, na face Oeste; o de Ciências Sociais Aplicadas, ao centro; o Núcleo Esportivo, localizado a Sudeste; o das Engenharias a Oeste; e o de Ciências Exatas e da Terra (hoje da Natureza) a Sul. O setor de serviços gerais e de administração física do campus é instalado no extremo Sudoeste do sítio, segregado em relação ao conjunto. Algumas unidades-chave propostas nos planos anteriores não foram implementadas e outras foram abandonadas. As unidades residenciais previstas, por exemplo, foram suprimidas por diversas razões. A concepção de uma cidade universitária à luz daquelas encontradas nos Estados Unidos da América, que oferecem residências para o Reitor, professores e estudantes, nunca se viabilizou, e os motivos são diversos. As universidades norte-americanas fomentam uma grande mobilidade docente e discente, algo que só começa a acontecer mais recentemente nas universidades públicas brasileiras. Outro fator se deveu ao longo tempo necessário para a construção das edificações para abrigar as unidades pedagógicas e, consequente, suas transferências dos bairros centrais do Recife para o novo campus. Complementarmente, a expansão dos subúrbios recifenses permitiu a oferta de moradia e serviços nos bairros adjacentes pelo mercado privado. Finalmente, a cessão de terreno para a construção da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e, nos anos subsequentes, de suas unidades complementares – Clube dos Funcionários e Centro de Treinamento, inviabilizou a implantação dos usos previstos para os terrenos contíguos à BR 101 e ao longo da via de acesso ao bairro de Engenho do Meio. Deve-se destacar, porém, que uma das residências universitárias incluídas no Plano de 1957 e o Restaurante Universitário foram edificados apenas com pequenas modificações nas suas respectivas implantações, sendo próximas a como previstas nos diversos planos urbanísticos. 265


Figura 8: Campus Reitor Joaquim Amazonas: situação em 1985 (UFPE, 1985) ), mapa de integração e núcleo de integração (AMORIM, LOUREIRO, NASCIMENTO, 2005).

266

A Praça Cívica, elemento estruturador de todos os planos urbanísticos precedentes, não foi implementada. A construção do edifício sede da Reitoria, nos anos de 1960, em terreno situado na face leste da rodovia federal BR-101, na área prevista para a construção de residência para professores e funcionários, teve por consequência a deturpação definitiva do conceito inicial deste espaço. Apenas a Biblioteca Central foi construída no Eixo Monumental, constituindo a única edificação de destinação coletiva edificada no centro geométrico e configuracional do campus por muitos anos.2 Do ponto de vista de integração espacial, o eixo monumental continua a reunir as linhas de maior acessibilidade do conjunto, revelando o equívoco da decisão de deslocar a Reitoria e inviabilizar a construção da Praça Cívica. O espaço de destinação coletiva, por ser o mais raso e, no caso, mais próximo de todos os setores pedagógicos, revela-se vazio de usos e destituído do valor simbólico que a ele teria sido atribuído. Outro aspecto importante ressaltado pela análise de acessibilidade é a importância dos vazios urbanos centrais na construção de um sistema urbano fragmentado. A área prevista para abrigar o Horto Universitário não foi ocupada, transformando-se em uma barreira para a integração entre o Eixo Monumental e o setor Sul. Como consequência, os valores de integração em suas diversas escalas caem (Rn=0,988; R3=1,483; Rr-1,330). Fica evidente neste momento de implantação do Campus da UFPE uma estrutura morfológica caracterizada por um sistema espacial centrado no Eixo Monumental, com setores isolados ao Sul e falta de conexão entre setores ao Norte, além da consolidação da lógica de limitação de acesso entre o campus e os bairros circundantes.

O CAMPUS DA UFPE EM 2005 A situação mais recente do Campus, representada em planta cartográfica datada de 2005, apresenta um quadro de expansão significativa da superfície edificada e, paradoxalmente, uma diminuição da sua área. Novas unidades foram construídas, como por exemplo, o Centro de Ciências Biológicas (CCB), o Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA) e outras unidades de pesquisa nos setores ligados à saúde e pesquisas biológicas; o Centro de Informática (CIn), a Área II, o Departamento de Oceanografia e unidades de investigação vinculados ao Centro de Tecnologia e Geociências (CTG); bem como as unidades de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Outros centros são ampliados segundo parâmetros presentes nos respectivos projetos originais, como o Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), o Centro de Artes e Comunicação (CAC), o Centro de Educação (CE) e o Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN). Esta fase é caracterizada pela inexistência de um plano ordenador de construção e ampliação das unidades pedagógicas, existentes e novas, o que promoveu a introdução de novas unidades ao sabor das demandas e das áreas disponíveis para a construção. Esta solução revela uma mudança quanto aos critérios de zoneamento utilizado pelos técnicos da PROPLAN, fugindo do princípio de ordenamento por setores segundo campos do conhecimento. De fato, o acesso a fontes de financiamento governamental, tais como o programa Finep (Financiadora de Estudos e Projetos de Inovação e Pesquisa), permitiram que unidades departamentais e laboratórios de pesquisa obtivessem recursos para a ampliação ou construção de unidades laboratoriais, sem estudos prévios de implantação. A densidade construtiva ainda aumentou consideravelmente com a cessão de área localizada à sudeste do Campus, destinada para a expansão do setor esportivo, para a construção do Centro Regional de Ciências Nucleares. A redução da área disponível criou maiores limitações para a expansão das unidades universitárias, tanto no que se refere à configuração dos espaços públicos, quanto às restrições impostas às novas edificações. A construção da Concha Acústica e do Centro de Convenções, nos anos de 1990, e, mais recentemente, o novo restaurante universitário, construído em área contígua à Biblioteca Central, retoma ligeiramente a 267


Figura 9: Campus Reitor Joaquim Amazonas: situação em 2005 (UFPE, 1985) ), mapa de integração e núcleo de integração (AMORIM, LOUREIRO, NASCIMENTO, 2005).

ideia da Praça Magna. No entanto, a solução arquitetônica encontrada para os dois primeiros consolidou a forte segregação e isolamento entre as partes Norte e Sul do campus. Com isso, a ideia de um centro cívico de direta e fácil acessibilidade de todas as partes do conjunto urbano universitário tornou-se remota. Além do mais, a concepção arquitetônica dos dois conjuntos favorece o isolamento do espaço público, pouco contribuindo para a melhoria o fortalecimento do Eixo Monumental com área pública de uso coletivo. Importantes investimentos foram feitos, porém, na criação de áreas de convívio, lazer e desporto no campus, para usufruto da comunidade acadêmica, como também dos moradores dos bairros circunvizinhos. As obras mais relevantes foram o parque para lazer contemplativo ao redor de lago no setor Noroeste e de pista de cooper e equipamentos para ginástica ao longo do Riacho Cavouco. Estes espaços são intensamente utilizados pela população vizinha, principalmente no início e no final do dia e nos finais de semana. Alguns espaços, no entanto, continuam vazios, particularmente os interstícios entre as edificações cujo tratamento urbanístico é inexistente ou ineficiente, como por exemplo entre os departamentos de Farmácia, Odontologia e Reabilitação, localizados na face Norte do campus. Outras são aquelas ainda não ocupadas e sem definição de uso, como a área prevista para o Horto Universitário, onde se encontram os vestígios arqueológicos das edificações do Engenho do Meio, e para ampliação do Núcleo de Educação Física e Desporto, tanto na direção do CCEN, quanto do Eixo Monumental.

As medidas sintáticas revelam algumas destas modificações, mas também reforçam a tendência apontada anteriormente de contínua interiorização do Campus Universitários Joaquim Amazonas. O ‘efeito T’, expresso pela maior integração das vias componentes do Eixo Monumental e da Avenida Arquitetura (perpendicular àquela), é reforçado pelo conjunto de vias periféricas de pequena dimensão e alta densidade, particularmente no conjunto formato pelo CCB e CCS, pela maior densidade ocupacional na Área II, e pela redução de acessos ao Campus, agora restritos é entrada e saída pelo Eixo Monumental. Ficam estabelecidas, portanto, as seguintes condições: •

• • • •

Definição de núcleo de maior acessibilidade no eixo central e no anel de circulação interno, com maior evidência para as vias de penetração Norte-Sul; Consolidação da segregação dos setores educacionais ao Sul e Sudeste, correspondentes ao CCEN, CIn, Área II e Núcleo de Educação Física, como resultado das barreiras urbanas e dos projetos arquitetônicos que interiorizam as atividades coletivas; Definição de espaços públicos com baixo nível de constituição; Aumento do número de linhas axiais (244) e diminuição do comprimento médio das linhas (0,093Km); Diminuição dos valores médios de integração em todos os raios, demonstrando como o sistema tornou-se mais profundo; Como consequência, o núcleo de integração tem valores de integração média reduzidos, mas a Força do Núcleo aumenta, pela existência de um número significativo de vias de baixa integração.

As áreas de maior acessibilidade são pouco constituídas e não apresentam atividades que possam usufruir destas condições de acessibilidade. No Eixo Monumental, a Biblioteca Central é o edifício que melhor se articula com o espaço público pela localização do acesso principal e pela proximidade da via pública. Esta mesma relação não é percebida no Centro de Convenções, onde as atividades previstas são desenvolvidas em nível superior ao da via pública. O NTI, pelo afastamento do Eixo Monumental, pela ausência de área de transição protegida das intempéries entre o interior e o exterior e a inexistência de aberturas que integrem os ambientes de trabalho com 268

269


o exterior, também não favorece uma interação com o espaço público. Em termos sintéticos, pode-se afirmar que o Eixo Monumental tem um grau de formalidade alto, ou seja, alta integração e baixa constituição (HOLANDA, 2002). A Figura 10 apresenta uma simulação da relação de acessibilidade dos diversos planos e situações com o cenário urbano em 2005. As linhas axiais em destaque representam o núcleo de integração, composto por 10% das linhas mais acessíveis.

Figura 10: Campus Reitor Joaquim Amazonas: núcleo de integração – planos urbanísticos e fato urbano (AMORIM, LOUREIRO, NASCIMENTO, 2005).

270

Nesta simulação, o núcleo de integração revela o progressivo isolamento do campus do conjunto urbano vizinho. Se nos planos de 1949 e 1951 os principais eixos de circulação (monumental e secantes) buscavam uma relação direta com o entorno imediato, o plano de 1955 interrompe o eixo monumental, reduzindo a conectividade com os bairros ocidentais. Mesmo assim, o conjunto é bem integrado ao entorno. O plano de 1957 estabelece o princípio morfológico de isolamento, mantido nos anos seguintes, e seu efeito é claro. O eixo monumental é o único espaço público do campus a compor o núcleo de integração em 2005, demonstrando como o campus e sua vizinhança se desenvolveram distintamente, apesar de manterem laços profundos de interdependência.

DAS EDIFICAÇÕES E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO PÚBLICO As propriedades mais marcantes do Campus da UFPE desde os primeiros planos são a baixa densidade edificada, o afastamento das edificações das vias públicas internas e circundantes e o predomínio de blocos retangulares sobre pilotis destinados à unidades pedagógicas, com a face maior orientada para Leste. Apenas as edificações destinadas às unidades administrativas e às atividades de integração da comunidade acadêmica – como a Sala Magna, biblioteca, ginásio esportivo e o teatro – assumem orientações e formas mais livres. Estas características predominantes caracterizam a primeira fase de concepção edilícia e urbanística. Os edifícios projetados por Russo e equipe e pelos seus sucessores diretos, como a Faculdade de Medicina (Mario Russo, de 1949, hoje denominada de Centro de Ciências da Saúde), o Hospital das Clínicas (Mario Russo, 1951), Faculdade de Engenharia (projeto original de Mario Russo, posteriormente alterado por Reginaldo Esteves e docentes daquela faculdade, hoje denominado de Centro de Tecnologia e Geociências), a Faculdade de Filosofia (projeto de Filippo Melia, de 1964, e hoje denominado Centro de Filosofia e Ciências Humanas), são representantes deste período, que dura até a primeira metade dos anos de 1960. Novos parâmetros para a elaboração de projetos são introduzidos pelo Manual sôbre [sic] o planejamento integral do campus 271


universitário (ATCON, 1970), elaborado pelo consultor Rudolph Atcon, norte-americano convidado pela Diretoria de Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura, para estabelecer novas bases para o ensino superior público federal brasileiro. O documento oferece novas bases para a concepção urbana e o desenvolvimento de projetos de edificações, cuja ênfase reside na construção de edificações horizontais, com o objetivo de reduzir os custos de manutenção e facilitar futuras expansões. O Centro de Artes e Comunicação, projeto dos arquitetos Reginaldo Esteves e Adolfo Jorge, de 1973, é o exemplo típico da nova orientação (Figura 11). A edificação com três pavimentos (térreo e mais dois superiores) foi imaginada como uma grelha estrutural tridimensional, sendo expansível a depender da necessidade de crescimento. Apesar de estar suspenso sobre pilotis, foi concebido de forma a permitir a circulação da comunidade acadêmica na transição entre edificações vizinhas ou mesmo entre áreas externas do campus da UFPE. O plano original permitia o ingresso no edifício pelo Eixo Monumental – seu acesso principal, e por suas faces Norte, Sul e Oeste. Outros representantes desta segunda fase são os centros de Educação, projeto de Waldecy Pinto, Renato Torres e Antônio Pedro Pina Didie, e o de Ciências Exatas e da Natureza, de Reginaldo Esteves. As unidades de Terapia Educacional e Fisioterapia representam o que poderia ser denominada de terceira fase edilícia do campus, mais evidente a partir dos anos de 1990. No entanto, a construção de novas edificações para o atendimento das demandas de ampliação de unidades existentes e da criação de novos departamentos, núcleos, centros e institutos, vem sendo feitas sob a égide do enclausuramento, espelhando a mesma lógica de relacionamento com a malha urbana circunvizinha. Como consequência, os parâmetros de segurança e controle de acesso foram adicionados às recomendações do manual de Atcon. Se por um lado, o aumento da densidade construtiva favoreceu a formação de espaços urbanos mais vivos, por outro lado, a redução do número de acessos às unidades pedagógicas e administrativas com o objetivo de aumentar o controle e a fiscalização sobre a circulação de pessoas e objetos tem tido efeitos significativos no uso e ocupação das áreas limítrofes aos edifícios e das áreas de circulação e lazer. Os acessos aos edifícios são importantes na malha urbana porque 272

Figura 11: Foto do átrio de entrada e planta do pavimento térreo do CAC – original. Fonte: lA2 e Guerra (2015), respectivamente.

273


estabelecem a relação entre o sistema de espaços contínuos e públicos e o sistema de espaços fechados e privados. A localização de tais acessos é fundamental para a geração de fluxos de pedestres e de veículos, bem como para a promoção de locais de interação entre usuários. A ausência de constituições em espaços públicos pode ter efeitos danosos. Vias não constituídas, também chamadas de vias cegas (HOLANDA, 2002), são evitadas por pedestres porque, intuitivamente, são percebidas como sendo perigosas. Dos diversos pontos de acesso ao Centro de Artes e Comunicação, por exemplo, apenas um deles foi mantido: aquele voltado para Centro de Filosofia e Ciências Humanas (Figura 12). A Figura 13 mostra como se dá o padrão de movimento e ocupação nesta área. As linhas representam o movimento de pedestres, observados ao longo de dias úteis, e as superfícies a presença de interação direta entre usuários no mesmo período. Fica evidente a importância da localização dos acessos para as edificações para gerar movimento e promover o encontro de usuários. Figura 12: Planta do pavimento térreo do CAC – atual (Guerra, 2015)

Figura 13: Padrão de movimento (AMORIM, LOUREIRO, NASCIMENTO, 2005).

Obras recentes no seu jardim Leste são um exemplo flagrante do processo de enclausuramento por que passam as unidades pedagógicas e administrativas da UFPE: grades impedem seu acesso pela área pública do campus, sendo apenas acessível pelo interior da edificação (Figura 14).

274

275


Figura 14: Fotografia da área. Fonte: Acervo de Amanda Guerra.

276

O mesmo fenômeno é percebido nos centros de Tecnologia e Geociências e de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), cujos pisos térreos, originalmente em pilotis, foram ocupados para atender à demandas acadêmicas, como espaços administrativos e pedagógicos. Os efeitos de tais ocupações são sentidos na redução de áreas para o convívio da comunidade acadêmica em áreas de uso público e não controlado e na redefinição dos fluxos de pedestres. Como consequência, observa-se a confluência dos movimentos programados de usuários para os acessos do CAC e do CFCH, o que traz certas vantagens para a geração de encontros não programados entre usuários dos dois centros. Assim sendo, a ocupação e enclausuramento do térreo de algumas edificações têm trazido, mesmo que de forma fragmentada, uma qualidade própria das áreas urbanas extramuros. É evidente que certas qualidades arquitetônicas são perdidas, mas, por outro lado, o espaço público passa a ser mais estruturado. No entanto, tais condições são

apenas efeitos secundários das intervenções nas edificações, não tendo sido projetadas para estabelecer alterações no espaço público e como poderiam ser usados. Se por um lado a tendência de enclausuramento e redução do número de acessos às unidades acadêmicas ainda se faz presente, por outro lado, o acesso para o bloco original do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), fechado até recentemente, foi reaberto, talvez em atendimento às recomendações constantes no relatório técnico Estudo de Uso e Ocupação do Campus Joaquim Amazonas – UFPE (AMORIM; LOUREIRO; NASCIMENTO, 2005). O estudo observou a existência de inúmeras vias públicas não-constituídas (sem acesso a edificações), dentre estas, a Avenida dos Economistas, onde se situa o CCSA – uma rua com alto valor de integração e significativo movimento de pedestres, utilizado diariamente por usuários que circulam entre o Eixo Monumental e o setor Norte do Campus. A reabertura do acesso tornou a via mais segura. Além disso, as recentes unidades destinadas ao Núcleo Integrado de Atividades de Ensino (NIATE), projetadas pela Diretoria de Planejamento e Projetos da UFPE para abrigar salas de aulas destinadas para os diversos centros acadêmicos, retomam o princípio do edifício sobre pilotis (Figura 15). Seus térreos foram concebidos como espaços de uso público, extensão das áreas livres circundantes, espelhando os mesmos princípios que ordenaram a concepção das edificações da primeira fase do Campus da UFPE. Exceções no conjunto projetado.

Figura 15: Núcleo Integrado de Atividades de Ensino (NIATE). Fonte: Acervo de Luiz Amorim.

277


Outro efeito direto da progressiva ocupação das áreas livres do Campus é o retorno das edificações verticais no cenário urbano. As recomendações de Rudolph Atcon (1970) são progressivamente esquecidas à luz das demandas do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)3, iniciado em 2007 com vigência até dezembro de 2012, e de convênios específicos para a construção de laboratórios e núcleos de pesquisa, como o Departamento de Engenharia de Produção (projeto de Z Arquitetura) e o Laboratório Integrado de Tecnologia em Petróleo, Gás e Biocombustível (LITPEG, projeto do Antônio Amaral, da Diretoria de Planejamento e Projetos da UFPE), ligado à empresa estatal de exploração de petróleo no Brasil, a Petrobras.

UMA SÍNTESE Em resumo, a concepção inicial de Mário Russo para o Campus Universitário Joaquim Amazonas o conformava como uma exceção em meio ao seu entorno de arrabalde ainda em consolidação. Isso de dava por suas características urbanas e edilícias – baixa densidade, amplos espaços livres públicos, edificações concebidas segundo princípios compositivos comuns e integração e continuidade com a malha viária circundante. Mesmo com as sucessivas mudanças ocorridas no plano do campus, a transferência das unidades pedagógicas do centro do Recife para o bairro do Engenho do Meio se fez progressivamente até os anos de 1970, salvo o Centro de Ciências Jurídicas, herdeira da Faculdade de Direito do Recife. Com o crescimento da oferta de cursos, o Campus e os bairros de Engenho do Meio e Várzea constituíram elos de interdependência, notadamente para responder à crescente demanda de moradia e serviços para a comunidade acadêmica – tanto a que apenas circulava pelo equipamento, como a daqueles indivíduos que passavam a fazer do bairro a sua nova moradia. Devido a tal tendência, paulatinamente, o campus passa a absorver os hábitos do seu exterior para si (maior densidade, grau de aleatoriedade, oferta de serviços, comércio ambulante, etc.), ao mesmo tempo em que, negando os princípios de permeabilidade à malha viária 278

circundante contidas no plano urbanístico original, vai se tornando uma exceção do ponto de vista espacial, agora pelo isolamento físico. É verdade que a abertura de novos acessos nas faces Oeste e Norte tornaram o sistema espacial mais acessível. Porém, as constituições – os pontos de efetivo contato entre edifícios e espaços abertos de circulação de pedestres – permanecem limitadas, conferindo, portanto baixo valor de urbanidade (HOLANDA, 2002) nos espaços universitários. A perspectiva futura é a manutenção das características construídas nos últimos 50 anos – o isolamento do entorno, mesmo com maior adensamento de edificações – ou seja, afastando-se do ideal inicial de Mario Russo. Como estrutura morfológica, enfim, o Campus Joaquim Amazonas nunca fez parte da cidade que o circunda, caracterizando-se como um sistema à parte. Entretanto, a capacidade atrativa do seu programa e, quiçá, a própria condição de exceção, se constituíram como principal referência para o desenvolvimento deste setor Oeste da Cidade do Recife, que já passa a adquirir características de uma sub-centralidade, como é comum a seus bairros mais tradicionais. Depois de quase setenta anos da decisão de se instalar a universidade, a densidade moderada e a existência espaços livres e verdes nos bairros do entorno ainda lembram o passado de arrabalde. Contudo, sem dúvida, trata-se hoje de uma área urbana, inclusive ainda com capacidade atrativa para empreendimentos imobiliários em habitação coletiva para o público de classe média, certamente como compensação ao esgotamento de outros sub-centros mais antigos. Resta saber como a mudança no padrão de ocupação do solo se relacionará com as próprias transformações do campus e da população universitária. Estando ainda em andamento, este processo merece ser observado e descrito em estudos subsequentes, complementares às bases lançadas por esta pesquisa.

279


REFERÊNCIAS AMORIM, L.; BRASILEIRO, C. ; LUDERMIR, R. Da conservação do espaço da arquitetura: o Instituto de Antibióticos. In: Anais do 8º Seminário Docomomo Brasil. Rio de Janeiro: Docomomo-Rio, 2009. p. s/n.

HILLIER, B. et al. Natural movement: or, configuration and attraction in urban pedestrian movement. Environment and Planning B: planning and design, Londres, v. 20, p 29-66, 1993. HOLANDA, F. O espaço de exceção. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.

AMORIM, L.; LOUREIRO, C.; NASCIMENTO, C. Estudo de Uso e Ocupação do Campus Joaquim Amazonas – UFPE, Relatório de trabalho. Laboratório de Estudos Avançados em Arquitetura, Recife, 2005.

LOUREIRO, C., AMORIM, L. O mascate, o juiz, o bispo e os outros: sobre a gênese morfológica do Recife. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Recife, v. 1, n. 3, 2000.

AMORIM, L.; NASCIMENTO, C. . Da integração ao isolamento: gênese e desenvolvimento do Campus da UFPE. In: Anais do 4a Conferência do PNUM Morfologia Urbana e os Desafios da Urbanidade. Brasília: FAU-UnB, 2015. v. 1. p. s/n.

PEPONIS, J. et al. The spatial core of urban culture. EKISTICS, v. 56, n. 334/335, jan-feb/mar-abr, p. 43-55, 1989.

CABRAL, R. Mario Russo: um arquiteto racionalista italiano em Recife. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2006.

PROPLAN-UFPE. Plano diretor – versão preliminar. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2004. Mimeografado. UFPE. Campus Joaquim Amazonas: Plano Diretor Físico. Recife: UFPE, 1985.

CIAM. Carta de Atenas. Assembleia do CIAM. Atenas, 1933. FERRAZ, R. Campus Joaquim Amazonas: da relação entre a gestão institucional e a conservação de um patrimônio urbano. Recife: Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano [dissertação de mestrado], 2016. GUERRA, A. O CAC pulsa: dos princípios ordenadores às dissonâncias recentes. Recife: Universidade Federal de Pernambuco. Graduação em Arquitetura e Urbanismo [trabalho de curso], 2015. HILLIER, B. The architecture of urban object. EKISTICS, vol. 56, nº 334/335, jan-feb/mar-abr, p.5 –21, 1989. HILLIER, B. Space is the Machine: a configurational theory of architecture. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. HILLIER, B., HANSON, J. The Social Logic of Space. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. HILLIER, B.; HANSON, J.; PEPONIS, J. Creating life: or, does architecture determine anything? Architecture & Comportement / Architecture & Behavior, Lausanne, v. 3, n. 3, p. 233-250, 1987a.

Notas 1 A atual administração da UFPE, sob a direção do Magnífico Reitor Anísio Brasileiro, desenvolve novo plano diretor, cujo resultado será levado à comunidade universitária para discussão. 2 Na década de 1990 foram construídos o Centro de Convenções e a Concha Acústica. 3 O Reuni foi criado pelo Decreto nº6096, em cumprimento ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) com o objetivo de “criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais.”

HILLIER, B.; HANSON, J.; PEPONIS, J. Syntatic analysis of settlements. Architecture & Comportement / Architecture & Behavior, Lausanne, v. 3, n. 3, p. 217-231, 1987b.

280

281


RUPTURAS ESPACIAIS E TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO PRIVADO EM ESPAÇO PÚBLICO:

A DIEGESE DA RUPTURA ESPACIAL I

A ESPETACULARIZAÇÃO DO COTIDIANO EM UMA EXPERIÊNCIA EM TAPEROÁ, PARAÍBA, BRASIL

Eliezer Rolim Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB

Através da experiência ocorrida em Taperoá com as gravações da minissérie A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, produzida pela Rede Globo de Televisão e com direção de Luiz Fernando Carvalho, quando a Globo invadiu Taperoá com uma equipe de 600 pessoas, entre técnicos e atores, durante seis meses, teve início a investigação sobre o espaço privado ordinário transformado pelas rupturas espaciais em um espaço público espetacularizado. Trabalhamos com o conceito de diegese, uma escrita dramatúrgica de cinema que diz respeito à dimensão ficcional de uma narrativa. Utilizamos o conceito de diegese a partir dos estudos de narrativa cinematográfica aplicados por Gérard Genette à narrativa literária, que considera a diegese o conjunto de acontecimentos narrados numa determinada dimensão espaço-temporal, “l’univers spatiotemporel désigné par le récit” (GENETTE, 1972, p. 65). Tomamos por personagens parte dos moradores da comunidade Chã da Bala e como cenário o território em torno das residências. Como base para a construção das cenas, utilizamos o material colhido em entrevista direta na cidade de Taperoá. O objetivo é mostrar as transformações subjetivas que a pesquisa presenciou, ao longo de quatro anos, formando um mosaico de relações que se encontram e se justapõem à outra rede de (des)entendimentos urbanos e sociais. Percebemos que nessa complexidade de relações sociais e espaciais justapostas e antagônicas estabeleceram-se relações de micropoderes determinadas pela transformação do espaço privado em público pela criação de um espaço espetacularizado ou hiper-real. 282

Em Taperoá, enquanto toda a cidade se incorporava ao movimento da minissérie e abria suas portas para o evento, MA, uma senhora moradora da comunidade Chã da Bala, sentia-se revoltada e ultrajada. Acreditava que tudo aquilo de nada servia a não ser para espalhar a desordem e a discórdia na cidade. Foi vista como uma louca pela comunidade e, muitas vezes, as pessoas se recusavam a dialogar com ela, pois a achavam intransigente e irredutível a qualquer negociação com a equipe de produção. A discussão que a equipe de produção da Globo travava era exatamente como convencer as pessoas da comunidade a deixarem suas casas e, assim, liberarem suas fachadas para colocar uma cenografia sobreposta a suas residências. MG, outra proprietária, prima de MA, sentia uma dificuldade imensa de deixar aquelas duas casas em que habitava, pois aquilo representava para ela um santuário, onde guardava preservada a memória de seus ancestrais, mas ficou calada. Lelis, como produtor local, tomou a palavra e disse: “Paguem bem que eles saem”. Dessa forma, o casal de produtores partiu para a negociação, de porta em porta da comunidade Chã da Bala. A proposta era evacuar toda a população de suas residências, de modo que aquele espaço se tornasse um estúdio a céu aberto. Diplomaticamente, Lelis refez a negociação, mostrando que Taperoá conseguiu ser escolhida porque a Comunidade Chã da Bala representava um típico conjunto de arquitetura de época e, dessa forma, aquela casa não podia despertencer ao todo aleatoriamente. Depois negociou: MA ficaria ali e ainda alugaria a fachada da sua casa. Uma proposta bastante sensata, pois não intervinha na proposta da equipe da Globo, nem MA sairia de sua residência e tudo continuaria bem. Da mesma forma, quando MG soube da proposta chamou LFC e, enquanto o diretor tomava café com bolo de batata, negociou também sua permanência. A produção pagou um aluguel de R$ 500 (quinhentos reais) ao mês, durante os três meses de gravação, pelas fachadas de cada casa, e o dobro para quem alugasse a casa vazia. MG e MA foram as únicas donas das casas, além da residência de Lelis, a permanecerem com gente no local durante as gravações. Naquela mesma noite, a comunidade Chã da Bala parecia estar passando por um vendaval. JH alugou sua casa e ajudou nas 283


negociações da calçada oeste, de modo que todos alugaram suas casas e os caminhões de mudança já enchiam a rua. Era um movimento que lembrava as evacuações de cidades em pé de guerra: móveis e utensílios domésticos se amontoavam diante das casas esperando para serem transportados; os moradores formavam um entra e sai com bagagens diversas.

A Possessão Espetacular

Figuras 1a e 1b: Trabalho de sobreposição da cenografia nas residências da comunidade Chã da Bala. Fonte: www. taperoá.com, 2006.

284

Acontecia, finalmente, a céu aberto, a fabricação, em madeirite e gesso, da cenografia (Figuras 1a e 1b). Por uma questão de sustentação e de suporte, a cenografia se fixava diretamente nas fachadas das casas, deixando uma distância de cerca de 80 cm das paredes, de modo que as portas reais das casas podiam ser acessadas por trás dos tapumes da cenografia. Assim, materializava-se naquelas calçadas um cenário sobreposto às casas reais, formando um grande pátio vazio em torno das duas calçadas, fechadas nas duas extremidades por uma capela, de um lado, e um muro de arcos, do outro. Depois vieram as caçambas de areia; foram mais de cem, para cobrir o calçamento da Chã da Bala. Os postes de energia e telefone também foram retirados e colocados pelo solo, o que possibilitou um dia de blackout na comunidade. No final da primeira semana de trabalho, aconteceu um fato pitoresco. Foi quando os marceneiros começaram a montar a cenografia e perceberam que se tratava não exatamente de casas, mas sim de túmulos semelhantes aos que existiam no antigo cemitério de Taperoá. Aquilo era um mau presságio para muitos marceneiros supersticiosos, que ficaram incomodados pelo fato de que aquela construção pudesse atrair a morte para junto deles. Foi preciso

o cenógrafo conversar com eles e dizer que o diretor queria algo diferente e aquilo era uma homenagem aos ancestrais de Taperoá, e que não eram exatamente túmulos, mas apenas um “aproveitamento de certas características tumulares, ricas em texturas e arabescos antigos”, muitos deles já existentes nas fachadas de algumas casas. Existia uma atmosfera semelhante àquela que antecedia a montagem de parques de diversão e circos nas cidades do interior. Aquilo tudo se assemelhava a um grande teatro, em sua melhor temporada. Além dos trabalhadores criando as cenografias diretamente nas fachadas, os assistentes correndo de um lado para a outro, os artesãos fabricando adereços, as costureiras elaborando os figurinos, tudo parecia ser orquestrado de maneira muito organizada e rapidamente tomava proporções descontroláveis. Logo começaram a aparecer nas calçadas próximas, onde havia sombra, grupos de curiosos sentados em pequenos tamboretes como se estivessem se preparando para assistir a um espetáculo circense. Os jovens, em vez de irem à praça, marcavam encontro em frente à Chã da Bala, de forma que era comum, à noite, encontrar todas as pessoas naquele lugar para comentar sobre os trabalhos da cenografia que se transformava a cada dia, ouvir comentários dos atores que estavam para chegar e, principalmente, porque ali qualquer um poderia ser facilmente escolhido para trabalhar na minissérie. Em seguida, surgiram os vendedores ambulantes com seus espetinhos, pipocas e picolés. Os arredores da Chã da Bala se transformaram numa ambiance alegre e festiva, onde as pessoas iam passear e se divertir. A produção alocou sete casas espalhadas na cidade, com mobília e empregadas domésticas. Uma das casas foi de um juiz aposentado que, durante a minissérie, mudou-se para a sua fazenda. A casa é uma das melhores da cidade, está localizada próxima à Chã da Bala. Foi alugada com toda mobília dentro, inclusive roupa de cama, mesa, banho e a empregada doméstica. Existia um clima de prosperidade tão grande em Taperoá, que das cidades vizinhas chegavam encanadores, eletricistas e marceneiros para serem empregados. Nunca o comércio de Taperoá obteve tanto lucro em tão pouco tempo, principalmente, na venda dos gêneros de primeiras necessidades, como os alimentos que figuravam na cesta básica.

285


Outro setor que teve grande desenvolvimento foi o da informática. Apesar de Taperoá já conviver com o advento das mídias digitais, desde o ano 2000, com a chegada da banda larga na cidade, foi com a chegada dos atores e técnicos que as salas de lan house ficaram superlotadas. Os atores, jornalistas, técnicos e turistas precisavam se comunicar: logo começaram a surgir várias lan houses instaladas em garagens ou em pequenas salas improvisadas, para dar vazão à demanda. Com elas, vieram os adventos de blogs, sites e redes sociais, que contaminaram a juventude do lugar. Os adolescentes, com seus celulares, fotografavam tudo e registravam em seus blogs, sites ou redes sociais. O número de fotos tiradas com os artistas globais representava uma nova modalidade de competição entre os jovens adolescentes. Dessa forma, as comunicações virtuais foram responsáveis pela multiplicação da ideia do espetacular em Taperoá. O primo de MG tinha um pequeno comércio onde vendia produtos hortigranjeiros para a cidade. Ele costumava trazer um caminhão de verduras e frutas que vinha de Campina Grande abastecer por uma semana a cidade. Com o advento da minissérie, ele precisava comprar dois caminhões de hortigranjeiros e, por isso, teve que alugar outro galpão para armazenar os produtos. O consumo em Taperoá foi duplicado, ou de outra forma, a população de poder aquisitivo cresceu pela presença exclusiva do estado espetacular. MA tinha duas primas que, na sua juventude, ganhavam dinheiro costurando para as famílias de Taperoá; depois, já idosas, deixaram o ofício e se aposentaram, mas durante a minissérie elas voltaram à ativa e coordenaram os trabalhos de dezenas de costureiras. Uma vez que os figurinos tinham que ser feitos para muitas pessoas e em tão pouco tempo, a produção empregou mais de 80 costureiras. A produção abriu frentes de trabalho, principalmente, para marceneiros, artesãos, empregadas domésticas, pedreiros e costureiras. Em setembro, tiveram início as gravações. A cidade inteira parou diante dos muros da cenografia e ficava disputando as pequenas aberturas do muro na tentativa de presenciar melhor o espetáculo das câmeras. MG ficou muito aborrecida, pois ficou presa em sua casa e foi proibida de entrar no pátio da Chã da Bala, onde aconteciam as gravações. O diretor LFC percebeu o mal-estar e perguntou se ela estava gostando. MG foi direta: “A gente tá trancada na própria casa e não tem direito de ver nem o que vocês estão fazendo”. Então, ele 286

chamou o casal de produtores e disse que os moradores que ficaram na Chã da Bala podiam assistir tudo. Dessa forma, MG logo se tornou figurante e acompanhava o diretor até a tenda de onde se escolhiam as imagens da minissérie. Em Taperoá, as noites nunca foram mais as mesmas. Pais de família proibiam seus filhos adolescentes de saírem de casa à noite. MA não conseguia assistir a suas novelas na TV, passatempo perdível apenas para as missas da matriz aos sábados e domingos, que também eram prejudicadas, muitas vezes, pelo barulho dos tiros ocorridos nas gravações. Essas pequenas mudanças nos espaços privados se tornaram de grande significância, uma vez que começaram a ser frequentados por um intenso número de indivíduos que usufruíam dele como se fossem seus donos. Pela primeira vez, desde muito tempo, alguma coisa nas ações ordinárias do cotidiano dos cariris velhos dava lugar a outros espaços, outras ações, outras mentalidades. As ruas pareciam tomadas de um carnaval fora de época pelos artistas que exibiam seus figurinos e se comportavam com uma liberdade que, talvez, nem exercesse em suas cidades onde moravam, mas, ali, como tudo era espetáculo, o comportamento também era espetacular. De agosto a janeiro, os taperoenses passaram seis meses de profundas mudanças e presenciaram eventos que ficaram na memória do lugar, como cenas espetaculares que não foram exibidas na minissérie. Foram cenas que tiveram a participação de muitos figurantes, de forma que o espetáculo mudava os costumes cotidianos das refeições e das horas de repouso dos taperoenses. MA nos relatou sobre uma missa concelebrada em latim por mais de cinquenta padres na qual ela cantou, rezou e chorou. Só depois, descobriu que todos eram atores e figurantes, inclusive ela. Também MG ficou deslumbrada pelas quadrilhas de época dançadas com mais de cem pares.

A Representação do Real A possessão do espetáculo sobre as pessoas da comunidade Chã da Bala começou espacialmente quando retirou de seus moradores o espaço privado cotidiano para instalação do espaço único e público. Somente quando a cenografia foi sobreposta às casas, o tempo e o espaço reais da comunidade foram transformados no que era também uma representação armorial dele mesmo. Foi erguido o gerador 287


de tudo aquilo que é irreal, de tudo aquilo que é ficção, de tudo que é representação de uma realidade. Estava armado o espetáculo invertendo o real, transformando-o em produto: O espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto. Ao mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma em si a ordem espetacular à qual adere de forma positiva. A realidade objetiva está presente dos dois lados. Assim estabelecida, cada noção só se fundamenta em sua passagem para o oposto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente (DEBORD, 1994, p. 15).

Toda a cidade de Taperoá esteve direta ou indiretamente possuída pelo espetáculo, de modo que todas as horas desses seis meses estiveram ligadas, de alguma maneira, às gravações, fosse pela proibição de barulho imposta à cidade durante elas ou pelas festas promovidas pelos atores nas ruas, fosse pelas noites insones de seus moradores travestidos em beatos, cangaceiros e cavaleiros medievais, que participaram de um grande teatro ou, simplesmente, pelo fato de todas as pessoas, população, atores e produção estarem todos os dias e todas as horas coabitando um espaço público espetacularizado. O espaço único, realidade da cidade cenográfica, era, na verdade, a comunidade Chã da Bala, travestida, sitiada pelos refletores, técnicos e artistas e transformada em um estúdio da Rede Globo de Televisão a céu aberto. De forma semelhante, a realidade vivida de Taperoá se transformou, pela ordem espetacular, no momento em que foi tomada pela contemplação do espetáculo. Se de um lado, a cidade teve sua realidade alterada pela ficção do espetáculo, por outro, a realidade mais objetiva que existia era exatamente a ficção, executada pelo trabalho dos técnicos, artistas, artesãos e figurantes. A outra realidade ordinária, contida no espaço privado, ficou em segundo plano, pois todos os horários foram alterados em função do estado das ações ocorridas no espaço único. Dessa forma, o cotidiano espetacularizado se estabeleceu no cotidiano ordinário pela contemplação do espetáculo ou pela incorporação dele. Podemos dizer que MG e MA representam a resistência dos moradores à posse dos seus territórios. 288

No entanto, durante o processo de resistência, MG foi incorporada ao trabalho espetacular. Ela fornecia água, dava entrevistas, fazia lanches para os diretores e, ainda, era figurante. Enquanto MA representava a resistência mais radical, recusava-se, a todo o momento, a tomar parte em qualquer ato do espetáculo; no meio do processo, ela também foi tomada pelo espetáculo, quando parou seus afazeres cotidianos para contemplar as cenas e admirar o trabalho plástico dos artesãos, até, finalmente, movida pela fé que sempre teve, terminar como figurante de uma missa. De uma forma mais clara, o espetáculo se tornou real para a cidade de Taperoá, quando as horas vividas foram compartilhadas entre a fusão de dois sistemas: o real e o fictício, o público e o privado, e coexistem pela contemplação espetacular, causando uma alienação recíproca aos que coabitam o mesmo espaço urbano tornado cenográfico.

A DIEGESE DA RUPTURA ESPACIAL II A segunda Ruptura Espacial iniciou-se a partir do dia 22 de dezembro, quando finalizaram as gravações, e duraram exatos seis meses, até a derrubada da cenografia sobreposta às casas dos moradores. Esse segundo momento tem início com uma Cena de Comunicação Política, o grande showmício, que teve a presença do Governador do Estado da Paraíba, Cássio Cunha Lima, o Prefeito de Taperoá, Deoclécio Moura Filho, Ariano Suassuna e o diretor da minissérie, LFC. O evento festivo tinha uma finalidade: representava um novo momento para Taperoá, no qual recebia oficialmente sua identidade como cidade cenográfica, ao mesmo tempo em que se transferia para os moradores a responsabilidade de preservação da cenografia. Até o final do dia 23, toda a equipe de produção, atores e técnicos da minissérie deixaram Taperoá. De modo que esse segundo momento é caracterizado pela posse da cenografia pelos moradores. O retorno da comunidade à vida cotidiana será totalmente influenciado pelas mudanças espaciais criadas pela presença da cenografia sobreposta. Esse retorno se caracterizou pela volta da comunidade ao espaço privado de suas residências, mas, especialmente, irão perceber que ele também é público e espetacular. 289


Figura 2: Calçada leste da Chã da Bala transformada no espaço único. Fonte: www.taperoá.com, 2007.

290

Naquele dia MG se levantou bem mais tarde que de costume, pois havia um silêncio tão grande em Taperoá, de modo que ela acordou com os gritos do leiteiro. Rapidamente, vestiu-se e foi receber apenas um litro de leite, afinal naquele dia não precisava fazer cocadas. Foi quando olhou para aquilo que era a Chã da Bala e achou estranho, esquisito e pensou: “O que seria aquilo sem os atores, sem as câmeras?” (Figura 2). Foi quando avistou um caminhão trazendo os primeiros moradores de volta às suas casas. JH, com sua família, também estava voltando. Pararam diante de sua casa, ou melhor, diante da réplica da igreja de Acauã, e sua filha mais nova perguntou: “Papai, cadê nossa casa?” “Está atrás da igreja”, respondeu o pai (Figura 3). “E por que ela não sai daí para a gente voltar pra casa?” JH pegou a filha nos braços, levou-a para dentro e mostrou que poderiam ficar ali e morar normalmente. Mas a menina replicou: “Eu quero minha casa de volta”. JH mostrou que aquilo era um cenário, algo que funcionava como uma casca e que depois iria sair. “Quer dizer que isso é uma casca que depois vai cair?”. “Exatamente como uma casca”, respondeu o pai. MA estava limpando a sua fachada, ou melhor, o seu cenário, desde que amanhecera o dia. Em voz alta amaldiçoava todos os construtores daquela cenografia, enquanto tentava retirar as carcaças de animal morto, xique-xique e objetos reciclados usados na caracterização do cenário. Aquilo atraía insetos e se assemelhava a um depósito de lixo em frente à sua casa. Em sua revolta, MA percebia que seria difícil conviver com um cenário sobreposto à fachada, pois não tinha condições de abrir as janelas nem a porta principal, de modo que para entrar e sair teria que usar o portão dos fundos da casa. O sentimento

de invasão, ocorrido durante a Ruptura l, em MA, dera lugar a uma sensação de liberdade cerceada, afinal, nenhum carro poderia chegar à sua casa, de modo que o gás, o leiteiro, o carteiro e a feira tinham que ser trazidos pelos fundos da casa. Para assegurar a permanência da cenografia, a prefeitura de Taperoá designou um serviço de vigilância que se alternava em dois turnos, de modo que havia sempre um guarda da prefeitura vigiando o cenário. Esse fato deixava muito claro o interesse do prefeito em realmente criar um Centro Cultural no lugar da Capela cenográfica e, assim, atrair a atenção dos turistas. Na calçada oeste, a casa de uma das moradoras teve todo seu sistema de esgoto entupido, provocando a retirada de parte do piso que o recobria. Nessa casa, havia funcionado a parte de vestuário, maquiagem e cabelo da minissérie, e muitos fios de cabelo usados nas perucas das atrizes escaparam para o ralo, causando o entupimento. Num primeiro momento, todos os moradores tentavam resgatar seu espaço privado, seu cotidiano perdido, a paz devastada. MA e MG tiveram seus telhados comprometidos pelas passagens dos técnicos que andavam sobre eles a qualquer hora do dia ou da noite, para afinar refletores ou colocar uma passarela de ferro. Somente MG repôs cinco carroças de telhas. Ambas lembraram que haviam assinado um termo com a produtora onde estava previsto que, quando terminassem as gravações, eles entregariam tudo como se encontrava antes. A comunidade Chã da Bala percebeu que não havia realmente como fazer cumprir essa cláusula do contrato com a produção da minissérie, afinal aquela cenografia sobreposta havia dilatado o espaço, de modo que não estava mais ali a Chã da Bala, composta de casas simples e

Figura 3: Calçada Oeste da Chã da Bala transformada no espaço único. Fonte: www.taperoá.com, 2007.

291


antigas, mas, sim, a representação cenográfica de uma Taperoá mítica, uma composição única que também não se encontrava descrita no romance da Pedra do Reino, porém, exatamente uma alegoria composta pelo cenógrafo João Irénio, para uma minissérie de LFC. De qualquer forma, estava ali, pousada sobre o cotidiano, uma cidade cenográfica, de modo que outro espaço se formava rompendo com a realidade. Um dia, pela manhã, antes que o sol nascesse, Lelis inspecionou a cenografia palmo a palmo, estava preocupado com as chuvas de verão que acontecem nos carris no final de ano, chamadas como chuva da manga ou do caju, por servirem para assegurar a produção dessas frutas. Lelis percebeu que a estrutura da cenografia estava assegurada, depois andou até a Capela erguida no centro e de lá contemplou aquele lugar. Sentiu-se realizando sua profecia, afinal havia comprovado para todo o mundo que Taperoá serviria perfeitamente como uma cidade cenográfica. Depois entrou na Capela, a única parte da cenografia construída a pedra e cal e que servira como depósito para armazenar as esculturas de santos compostos de cimento para a minissérie. Eram mais de cem esculturas e limitavam a entrada dos visitantes. Por essa razão, as esculturas foram transferidas para um apêndice da casa de JH, na calçada oeste, onde funcionara a cenografia da cadeia. Nessa época nossa pesquisa visitou Taperoá e, depois, como pesquisadores, tentamos entrevistar algumas pessoas da Chã da Bala. Fomos recebidos por MG que nos mostrou cada recanto e contou os detalhes das gravações. Percorremos toda a cenografia e quando chegamos em frente ao que seria a casa de MA, ela saiu de sua casa com certa dificuldade e disse: “Cuidado! Tire as mãos do meu cenário. Isso aqui tudo é tombado”. Mais tarde tentamos entrevistá-la e perguntamos: A senhora poderia nos responder algumas perguntas? Não, eu não posso. Por favor, não grave nada, não quero falar. Eu sofri muito. Eles casaram e batizaram. Tinha uma turma terrível, os trabalhadores da produção. Eu não gosto de declarar essas coisas, não. Desculpe. Eu tenho fé em Deus que outra dessa não acontece (MA, entrevista).

Somente depois de desligado o gravador, ela nos concedeu a entrevista. Mesmo mantendo seu jeito ríspido, foi uma forte 292

contribuinte para a nossa pesquisa e terminou nos convidando para tomar suco de caju no interior da sua casa. Quando os moradores perceberam que aquele espaço era também público e privado, espontaneamente, desenvolveram uma forma de receber os visitantes, que não atrapalhava o desempenho de ações domésticas de cada um. Na maioria dos casos, a visitação evitava o sol escaldante, de modo que ocorria nas primeiras horas da manhã ou no final da tarde e, curiosamente, poucas vezes à noite. Não obedecendo à mesma ordem, Lelis era o primeiro a ser chamado através de um guia: um menino da Chã da Bala batia à sua porta e avisava da visitação. Lelis falava da história da Chã da Bala, da cultura do lugar e das origens das famílias tradicionais de Taperoá. Seguia a calçada leste, parava em frente à casa de MG. Enquanto Lelis discretamente se recolhia à sua casa, MG entrava em cena, sempre com um sorriso nos lábios, e contava todos os detalhes das gravações. Depois encaminhava o pessoal até a Capela e, quando alguém pedia água, ela, prontamente, o levava até o interior da sua casa. Aproveitava para mostrar como preservava toda a memória dos seus pais, com seus móveis de época, as fotos dos ancestrais e, somente depois, o turista descobria o sabor das cocadas de leite. Logo que um turista experimentava “a cocada de leite que o LFC adorava”, todos vinham comprar aquela iguaria apetitosa. MA sempre mantinha distância, parecia não gostar daquilo. Saía de sua casa, de cara fechada, na hora da visitação, para varrer a calçada e praguejar alguma coisa. Seu jeito explosivo terminava chamando a atenção, e fazia questão de mostrar as coisas desagradáveis que aconteceram, o que se revelava também uma grande atração. De certa forma, havia uma competição velada entre as duas primas pela atenção dos visitantes. Cada uma, à sua maneira, funcionava como um atrativo vivo de depoimentos e sensações das pessoas do lugar, de modo que, como lados de uma mesma moeda, ambas compunham um quadro realista daquele tempo-espaço modificado pela cenografia. Ficava clara a mudança de mentalidade de ambas em reconhecer suas casas como espaços públicos e patrimônios tombados. Faziam ver que eram mantidas com seus ferrolhos torneados em ferro, as janelas de traves de madeira, os caminhos de mesa em renda e as colchas de retalhos coloridos nas camas, como se todos seus familiares mortos estivessem para chegar. 293


Na calçada oeste acontecia algo interessante. Como a cenografia da igreja era a mais marcante do conjunto, todo visitante se dirigia até ela e, somente depois de chegar próximo, descobria que era uma casa e ali habitava a família de JH. Todos queriam entrar na igreja e, como era composta de dois pavimentos, muitos queriam subir. Mas, para chegar até o segundo pavimento, o visitante teria de passar pela sala da casa e isso tornava a visita muito invasiva. De modo que a maioria dos visitantes não era convidada a adentrar na igreja e permanecia somente em sua frente. MG esclarecia que ela era uma réplica da igreja original, onde Suassuna foi batizado na fazenda Acauã, no município de Sousa. Quando as chuvas de verão chegaram, a cenografia resistiu, mas na casa de MA as coisas ficaram difíceis. A saída da água pluvial que escoava do telhado foi fechada por parte da cenografia. Eram dez horas da noite quando a chuva caiu com grande força e começou a invadir o interior da casa, descendo pelo teto. MA, vendo a inundação, muniu-se de uma alavanca e, enfrentando a chuva e os relâmpagos, quebrou parte da cenografia que impedia a descida da água pluvial. O sistema de telefonia que havia sido enterrado também apresentou problemas com as chuvas. Depois do ocorrido, MA se dirigiu até casa de JH e foi pedir sua intervenção como autoridade: como vereador que era poderia intervir para resolver os problemas que a cenografia estava causando. JH percebeu que tinha um pensamento totalmente contrário do seu. Para ele, a preservação era uma questão de honra, enquanto para MA era uma questão de limpeza pública. Por isso, achou melhor levar a questão ao plenário da câmera. Três dias depois, houve uma reunião de emergência na Câmara dos Vereadores, na qual ficaram asseguradas, por maioria, a permanência da cenografia e a liberação dos fios dos telefones para voltarem à parte externa da casa. MG fez um apelo em vão e, desesperada, em nome de seus ancestrais, que foram os primeiros habitantes de Taperoá. Por fim, os moradores conseguiram que a prefeitura abrisse as duas partes extremas da cenografia, de modo que a comunidade Chã da Bala voltasse a ser liberada para o fluxo de automóveis. Isso também significava a liberação do acesso para o carro do lixo, a entrega do gás, do leiteiro e da feira. A administração do prefeito deixou bem claro que precisava manter a cenografia, pois fora um 294

pedido do governador do qual a prefeitura não queria discordar. No entanto, para MA, esse argumento soou como uma questão política partidária. MA sempre soube que tudo em Taperoá terminava nas instâncias políticas formadas por famílias tradicionais, mesmo assim perguntou: “Quer dizer que vamos manter o cenário sem receber nada como aluguel?”. Todos os moradores permaneceram em silêncio. MA percebeu que estava no meio dos partidários do governador e saiu revoltada da reunião, pois não entendia como devia manter um cenário que era público em sua casa, que era um espaço privado, sem pagar aluguel. JH estava dentro de sua igreja num dia de domingo, quando resolveu fazer uma inspeção no depósito onde estavam guardadas as esculturas dos santos usadas nas gravações. Quando estava saindo de casa, percebeu uma família de católicos que se benzeram ao passar diante de sua residência. Achou aquele comportamento bizarro, afinal aquilo era apenas uma cenografia de uma igreja e por isso ele nunca se benzeu para entrar em sua casa. Mas seguiu adiante e entrou naquela sala onde era a cadeia da minissérie. Lá percebeu, horrorizado, que muitas esculturas tinham desaparecido. Chamou rapidamente o vigilante que estava trabalhando e perguntou sobre o fato. O vigilante não soube dizer nada, nem ele nem os outros, mas alguém chegou até JH e disse que as esculturas estavam espalhadas na cidade como uma epidemia. A maioria das casas de Taperoá havia adquirido aquelas esculturas como souvenir e exibiam-nas em suas casas ou jardins, de modo que a cidade apresentava aquelas esculturas brancas, de um metro de altura. Nos jardins ou nas salas, a última moda em Taperoá era exibir um souvenir da Pedra do Reino. JH sentiu-se traído, afinal ele se responsabilizara por aquele material que, na verdade, faria parte do Centro Cultural Ariano Suassuna. Quando descobriu que as esculturas eram adquiridas por pequenas gorjetas pagas aos vigilantes noturnos e, muitas vezes, foram vendidas pelos próprios moradores da Chã da Bala como souvenirs para turistas, JH sentiu a necessidade de uma ação mais ousada. Colocou todas as esculturas que restaram num caminhão e depositou no local que representava o território de seu legítimo dono, na fazenda de Suassuna. Era final do mês de junho e MG ralava cocos, enquanto assistia à TV, para fazer suas cocadas. MA estava limpando a frente de sua casa, ou melhor, parte da cenografia que cobria sua casa. Retirava algumas 295


teias de aranha fixadas numa parte alta, de modo que teve de subir numa escada. Foi sem querer que ela bateu fortemente ali, e parte da madeira que fechava o forro do nicho desabou, aparecendo um grande cupinzeiro, para seu espanto. Aterrorizada, gritou para que toda a comunidade escutasse. MG parou de ralar seus cocos, correu até à porta e foi seguida por JH e outros moradores. Todos estavam surpresos com o grande cupim que se mostrava debaixo do cenário. Logo começaram a seguir o caminho do cupim e perceberam que 70% do cenário estava comprometido. MA disse: “Chegou a hora de derrubar isso, o cupim vai invadir nossas casas e, lembrem-se, que nossas casas são tombadas”. Mas JH foi de opinião contrária, afinal tudo aquilo era histórico. Ele lembrou a importância de conservação daquela cenografia para a cidade, dos possíveis projetos dos quais a prefeitura iria se beneficiar. JH acreditava que os cupins eram uma praga comum, que depois de uma simples dedetização estaria resolvido. Decidiram então acabar com os cupins. Portanto, começaram a retirar parte da madeirite já deformada pela praga. Foi quando encontraram uma cobra alojada na parte de baixo da janela de MA e sapos na casa de MG. Devido às fortes chuvas, a madeira tinha desforrado e criado nichos úmidos apodrecidos, que répteis usavam como esconderijo. A discussão sobre a permanência da cenografia correu por toda a cidade, tornando-se o assunto mais comentado nas esquinas de Taperoá. Lelis, como profissional dos sets de filmagem, foi procurado e, como conhecedor, confirmou: “Não se podia preservar uma cenografia, não havia a menor possibilidade, madeira compensada com o tempo ela esfolia, desforra, não havia a menor possibilidade de impedir que ela se destruísse. O tempo é um pintor de ruínas (...)” (LELIS, 2012). No entanto, a comunidade Chã da Bala ficou dividida sobre a questão. De um lado, estavam os moradores da calçada leste, encabeçados pelas primas MG e MA que queriam a derrubada da cenografia e, de outro, os moradores da fachada oeste, encabeçados por JH. A discussão chegou às rádios de Taperoá e o povo da cidade se pronunciou sobre o assunto. Na sua grande maioria, optavam pela permanência da cenografia, pois aquilo representava para eles um troféu, um marco histórico na cidade, além de ser um atrativo para a visitação turística e deixar dinheiro para a cidade. A discussão se estendeu por mais de duas semanas, até que um morador da calçada 296

oeste, quando tirava os cupins de sua cenografia, encontrou um inseto curioso, que foi logo identificado como o terrível barbeiro. MA e MG sentaram à noite na calçada e conversavam sobre os fatos acontecidos. Estavam aterrorizadas com a quantidade de insetos e répteis que ainda podiam estar ocultos nas suas casas. Estava espalhado o terror e MG tinha insônia somente em pensar no barbeiro encontrado. Precisavam de uma saída com urgência; foi quando MG deu a ideia de colocar a produtora na justiça, afinal, eles ficaram de tirar aquele cenário e não cumpriram, mas perceberam que não adiantaria, pois o tempo da justiça seria lento, principalmente com uma produtora sediada em Recife. Antes de se recolherem para dormir, MA propôs se dirigirem com um advogado até o juiz da cidade. Na manhã seguinte, as duas primas, silenciosamente, se dirigiram ao juiz da cidade, a quem relataram todo o sofrimento que estavam passando. O juiz intimou o prefeito, JH e a comunidade Chã da Bala, para uma audiência que parou o movimento da cidade. As pessoas se aglomeravam diante do cartório onde estava acontecendo a reunião, esperando o veredicto do juiz. Finalmente, às doze horas, o Juiz decretou a retirada da cenografia que, por ser composta de materiais perecíveis, estava atentando contra a saúde pública. O prefeito e JH se retiraram da reunião. As primas MA e MG voltaram para a cidade cenográfica e soltaram uma dúzia de fogos em cumprimento da promessa que MA fizera à Nossa Senhora da Conceição. JH e o pessoal da calçada oeste ficaram todos muito tristes, fecharam suas portas, saíram da comunidade e só voltaram depois da derrubada da cenografia. No entanto, JH reivindicou que permanecesse o seu cenário da réplica da igreja que, por ser maior e mais possante, ainda não tinha aparecido os insetos lá. Como uma forma de resistência, JH ainda manteve sua cenografia por um ano e meio, até que apareceram os mesmos problemas e ele teve que retirar tudo. Essa resistência por parte de JH foi vista pelas primas MA e MG apenas como uma jogada política; elas acreditavam que JH, por ser um representante político da cidade, precisava mostrar obediência ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), do qual o governador fazia parte e, portanto, manteve o cenário. Em entrevista, ele comentou, tempos depois à nossa pesquisa, Em entrevista que deu tempos depois à nossa pesquisa, percebese claramente a ideia de preservação por parte de JH. Talvez, por ser 297


a pessoa melhor informada e mais politizada da cidade, ele acreditava realmente que os governantes iriam rever aquela situação e agir de forma com o que foi combinado, que seria realmente a construção de um Centro Cultural Ariano Suassuna. Realmente, foi uma jogada política de JH não retirar o seu cenário naquele momento junto com a comunidade; sua resistência representava, acima de tudo, uma lealdade partidária aos Tucanos. Ele esperava uma decisão do governador, de modo que a retirada de seu cenário só veio acontecer, coincidentemente, quando o governador Cássio Cunha Lima teve seu mandato cassado em 2008. Durante a quebra da cenografia, houve uma tentativa por parte dos moradores da calçada leste de retirar também a capela central, mas, como fora a única parte da cenografia construída em pedra e cal, ela resistiu. Quando a cenografia sobreposta foi retirada e deu visibilidade às casas dos moradores, notava-se muito mais a capela erguida (o artefato cenográfico) no meio da rua do que as simples casas desfiguradas da Chã da Bala. Continuava ali a cenografia, não mais em sua totalidade; agora ela estava reduzida a fragmentos, a capela central, um artefato cenográfico responsável pela terceira ruptura espacial.

A CENA DA RUPTURA ESPACIAL III A terceira ruptura espacial se deu a partir da derrubada da cenografia sobreposta às casas dos moradores, em 2008, e se estendeu até o final de 2012, quando concluímos a pesquisa de campo (Figura 4). Essa se tornou a mais importante das rupturas, pois, diferente das duas primeiras, sua existência é resultante de um processo cheio de desdobramentos sociais e políticos. Sua transgressão espacial está centrada, primeiramente, na resistência de uma única parte da cenografia, por seis anos, diante das intempéries, dos desmandos e dos descasos dos poderes. Num segundo momento, ela se estabelece como única causa espacial das transformações ocorridas em torno da comunidade. Na verdade esse fragmento cenográfico é apenas uma resultante do processo de espetacularização, que se desdobra numa dinâmica contínua de desterritorializações. A sua grande diferença em relação às 298

outras rupturas é que nela não existe mais uma cenografia completa. Todas as mudanças de uso dos espaços públicos em privados aconteceram em torno de uma única construção, um fragmento que ficou intacto no meio da comunidade Chã da Bala e se estabelece como gerador de um espetáculo silencioso em que as lembranças e as narrações se solidificam como espaço mítico.

Figura 4: Destruição da cenografia justaposta nas residências. Fonte: Prefeitura Municipal de Taperoá , 2009.

Espaço Cenográfico como memória do espaço coletivo O que torna a experiência de Taperoá pitoresca é a resistência dos moradores diante das sobreposições de cenários, bem como a retomada dos moradores pela posse do território espetacular. Ao mesmo tempo em que os moradores tentam se inserir no cotidiano espetacularizado, são subvertidos pelo hiperespaço que contrapõe sobreposições dos usos públicos e privados e provoca em suas vidas novas ações táticas e estratégias, para a manutenção de um cotidiano ordinário. O cotidiano dos moradores foi alterado, passando do espaço privado e pacato das cidades do interior para espaços públicos, hiperespaços, conectados a uma sociedade eletrônica, um semiárido de cotidiano virtualizado, plugado às redes sociais. Com o tempo e 299


espaço alterados pelo cotidiano virtualizado, o artefato cenográfico provoca uma crise de sentidos, desestabilizando as sagradas instituições de tudo que era privado na cidade, estabelecendo-se o espetáculo como teatro a céu aberto e como conexão das redes virtuais, no qual as propagandas, as mercadorias e as opiniões dilatam todas as formas de diálogo. A criação do artefato cenográfico em Taperoá e todas as suas rupturas espaciais não teriam a mesma expansão sem a virtualização das imagens e a globalização possibilitada pela explosão das novas tecnologias digitais. Dessa forma, o artefato cenográfico em Taperoá é um produto direto do processo dialético da globalização, no qual as intensificações das relações espaciais acontecidas na cidade, pela gravação da minissérie, deslocaram-se em direções diversas e retornaram de forma interativa pelas redes de comunicação. Nesse processo de comunicação virtual, a cidade cenográfica da Pedra do Reino se tornou Taperoá, transformando o espaço privado em público, o espaço real em espaço de ficção. As novas tecnologias de multimídia estimularam a interatividade do evento ao exibirem as imagens da cenografia e ao apresentarem para o mundo uma cidade alegórica como real. Tais imagens foram divulgadas em caminhos e alternativas dialógicas e cresceram em progressão exponencial, de tal modo que os visitantes chegaram de lugares distantes à procura de um lugar que, na realidade, não existia. Na terceira ruptura, o cotidiano da cidade de Taperoá voltou ao movimento normal, no entanto, em torno da presença do artefato cenográfico aconteceram diferenças no uso do espaço urbano. A mudança de mentalidades se tornou nítida, através dos novos empreendimentos, visíveis nas novas fachadas das casas comerciais e, principalmente, no aumento da criação de serviços e das associações. Em contraponto, ficou visível o aumento da prostituição e o uso das drogas que, antes, dava-se de forma velada, agora se mostrando visivelmente. Com a construção do Tribunal de Justiça, de uma Escola Pública para o Ensino Médio e do Hospital Municipal de Taperoá, houve uma invasão de novos profissionais na área da justiça, educação e saúde. Grande parte desses novos profissionais veio de cidades circunvizinhas e começou a habitar na cidade ou a passar parte da semana hospedada em pousadas.

300

Com o surgimento de cinco pousadas na cidade, percebeu-se que os comerciantes de Taperoá investiram seu capital no setor de hotelaria. O índice de pacientes, alunos e professores circulando na cidade triplicou. Comprovadamente, através da exposição da mídia, Taperoá chamou atenção para ela, a ponto de facilitar os trâmites de liberação de verbas dos recursos federais, em Brasília.

Espaço Espetacularizado da cenografia Depois da derrubada do cenário, no espaço vazio da comunidade Chã da Bala foi construída uma praça como tentativa de restaurar o espaço e os moradores começaram a perceber o desapontamento no rosto dos visitantes diante do que ficou da cenografia, um pedaço da cenografia, que chamamos aqui, artefato cenográfico. Depois do espetáculo terminado, a presença do artefato se transformou em espaço livre e público, incorporado na narrativa descrita pela memória dos seus habitantes, começando a ser uma nova representação dele mesmo. Quando algo não mais existe é preciso que falemos sobre ele ou representemos sua presença. Assim, o artefato como a ilha inusitada, descrita por Deleuze (2005), está separado de seu continente; o cenário da minissérie. Sozinho, forma um espaço “derivado, nascido de uma desarticulação, uma fratura”, daquilo que era hegemônico. Não compõe mais uma cenografia em sua inteireza, mas sobrevive pela absorção daquilo que o retinha e restitui-se ao público como espaço público. Berenstein (2009) é categórica ao falar do processo de espetacularização urbana. Ela mostra que está cada vez mais explícito esse processo e sua crítica já se tornou recorrente no meio acadêmico, mesmo que, muitas vezes, com outros nomes: cidade-cenário, cidademuseu, cidade-genérica, cidade-parque-temático, cidade-shopping, em resumo: cidade-espetáculo. Esse processo de mercantilização espetacular das cidades, Berenstein o define como um pensamento hegemônico, único ou consensual. Ela atrela diferentes nomes para falar do mesmo processo, tais como: estetização, culturalização, patrimonialização, museificação, musealisação, turistificação, gentrificação, privatização, disneylandização, shoppinização, cenografização, etc., mas conclui que todos esses processos são indissociáveis das estratégias de marketing ou mesmo do que se 301


chama branding (construção de marcas), que buscam construir uma nova imagem para as cidades contemporâneas. Debord (1977) define o âmago do irrealismo em nossa sociedade como espetáculo, resultado de um modo de produção mercantilista das imagens existentes em nossa contemporaneidade. Esse espetáculo se apresenta também como a própria sociedade unificada, por exemplo: Copa do Mundo 2014; crimes bárbaros contra a liberdade humana; celebridades envolvidas com sexo, drogas e rock and roll; imagens do Armagedon, num mundo globalizado em que a sociedade almoça e janta junto e diante de imagens numa velocidade nunca antes vista. Essas imagens são compartilhadas mundialmente numa rede espetacular, ao mesmo tempo em que trabalhamos, educamos nossos filhos, nos conectamos às redes sociais ou simplesmente quando assistimos passivamente à televisão. Dessa forma, nossa vida cotidiana tomou uma dimensão globalizada espetacularizada. Cenografias urbanas, arquitetura dos sentidos, alegorias pós-modernas, em suma, mercadorias de consumo criando cotidianos espatacularizados: tais espaços espetaculares funcionam semelhantemente aos cenários dos espetáculos teatrais; acoplados a grandes eventos internacionais constituem o que Harvey (1999) denominou de empresariamento urbano como resultado do capitalismo do final do século XX, quando os espaços públicos privados, agora na condição de mercadorias, são ajustados à ordem econômica mundial. O espaço urbano passa a integrar o circuito de reprodução e valorização capitalista. Seria a cenografia um belo e prático instrumento de criação atmosférica, para que o espetáculo se instalasse no cotidiano urbano? A invasão da cenografia no mundo urbano contemporâneo, sua evasão do teatro e sua exibição nas praças, monumentos, memoriais, museus, viadutos e pontes, deflagrou o cotidiano espetacularizado? Depois de destruída a cenografia sobreposta às casas dos moradores, o artefato cenográfico deixado no meio da praça se reterritorializa sobre a cidade (Figura 5). Podemos dizer que Taperoá se desterritorializou ao se tornar uma cidade cenográfica da TV Globo durante as gravações; mas, hoje, com o artefato cenográfico deixado no meio da avenida, ele territorializa a Rede Globo em Taperoá. Ao mesmo tempo, trata-se de algo completamente diferente: não mais a cenografia, nem uma imitação daquela cenografia da minissérie, mas uma ruptura de subjetividades. 302

Para seus moradores, aquele artefato representa uma memória da produção da minissérie, da passagem da Rede Globo por Taperoá, um tempo permanente que não termina de passar. Mas, para os visitantes, aquele artefato cenográfico representa, entre múltiplas coisas, um portal que acessa o imaginário literário de Suassuna e resgata conjuntamente o sentido de pertencimento do lugar, a tal topofilia (TUAN, 1980), que faz do espaço e suas subjetividades um local de valores refletidos nas relações sociais, culturais e econômicas. Essa multiplicidade de subjetividades é uma realidade constante na criação cenográfica urbana. Desterritorializado em seu próprio mundo, perdido em meio ao cotidiano dos sertanejos, os edifícios atravessam, impávidos, seis anos de abandono e morte. Largados em meio à cidade, como troféus estranhos, criaram um novo território, simbólico, carregado de lembranças, estranheza e imaginação. Escreve uma história nova na urbanidade pacata dessa cidade de 13.000 habitantes, cravada nos cariris velhos.

303

Figura 5: A última imagem do artefato cenográfico, já sem teto. Fonte: Arquivo da pesquisa, dezembro, 2012.

303


Como a origem daquela cenografia era o romance A Pedra do Reino (SUASSUNA, 2004), o resto de cenografia se tornou uma fantasia dela mesma. No entanto, como leitura da arquitetura do mundo real, era um pastiche de Taperoá. Com a preservação do portal, Taperoá tentava manter uma identidade televisada, exibida em horário nobre. Somente assim continuava participando intensamente da sociedade espetacular das cidades cenário. Rapidamente, globalizou-se através da internet, continuou existindo como a cidade cenográfica da Pedra do Reino, mesmo sem o restante da cenografia. Somente a cenografia, carregada de poderes puramente sensoriais, chamada pelos puristas como a arte prostituída da arquitetura, aquela que se traveste de coisas fáceis para provocar emoções fortes, podia ser utilizada como instrumento de espetacularização urbana naquela região abandonada do semiárido, criada para uma minissérie, para produzir belas imagens televisivas, para emocionar telespectadores. É, na verdade, uma cenografia hegemônica, criada pelo poder da Rede Globo no interesse de vender um produto, a fábula de A Pedra do Reino. Propagada por um veículo de massa, através de imagens daquela gente e daquelas paragens que são os bens imateriais dos sertões armoriais de Suassuna. Podemos dizer que a cenografia manteve-se pelo seu caráter de preservação cultural, pelo seu poder de resgate da memória literária de Suassuna e por permanecer aberto feito um portal sensível dessa cidade ancestral que habita no imaginário nordestino. A existência do espetáculo em Taperoá descreve a presença da trajetória do consumo pelo espetáculo em terras pobres e áridas. Sua gente, misto de tapuias, kiriris, mouros e judeus, acostumados a enfrentar engenhos da ação dominante do tempo, não permaneceram submissos às ações calculadas das estratégias da espetacularização que geraram todas as relações de poder; ao contrário, como previu Certeau (1996), elaboraram, desde o primeiro encontro, táticas e astúcias em troca de seus territórios ou da permanência de micropoderes dentro da dominação espetacular. O artefato cenográfico resultante da minissérie definhou durante seis anos diante dos olhos do poder municipal. A perda do telhado do artefato foi a última ação do tempo que a administração municipal resolveu não perceber. A construção da praça pela prefeitura e por parte da família de MG na frente do artefato foi uma tentativa de resgatar o espaço coletivo, confirmando a lógica patrimonial, a qual

opera sobre a ordem especular, absorvendo a história da comunidade, de seu povo e a “coloca em exposição como princípio de integração e de reprodução da cultura” (JEUDY, 2003, p. 76). Situado fora do valor de mercado, o artefato mantém seu potencial simbólico, porém confronta-se com a contradição patrimonial. Não pode ser tratado como produtos de marketing, no entanto, não há desenvolvimento cultural sem comercialização (JEUDY, 2005). Como o artefato representa uma significação identitária de uma região e de uma cidade, ele termina participando do fenômeno de globalização da preservação museográfica, em defesa de uma negativa de perda de identidades culturais, dos bens materiais e imateriais de um povo, de uma nação. Mas isso não assegura sua preservação. Pelo processo de reflexividade (JEUDY, 2005), somente a preservação de sua identidade assegura sua permanência. No entanto, sua permanência está condicionada a jogos políticos, administrativos e sociais. A presença do artefato cenográfico no espaço da comunidade Chã da Bala possibilitou a visibilidade de um espaço de significação cultural, através de uma sobreposição de lógicas espaciais que se cruzam, se interpenetram e se apresentam de forma simultânea. Podemos afirmar que o espaço alterado pelo artefato deu significação e possibilitou fluxos múltiplos que o define hoje como um espaço diferencial. No entanto, as questões de público, privado, patrimonial e cultural não foram gerenciadas de forma satisfatória. A lógica empresarial que transforma os espaços históricos em atração capitalista não chegou a criar nenhuma ação determinante pelo poder público. Exatamente por isso, o artefato cenográfico de Taperoá se mostra como um exemplo singular de esquecimento e abandono público que marcha para uma derrocada final, salvo pelo poder simbólico que ele reflete. No entanto, em Taperoá se mantêm as mesmas lutas das oligarquias, das famílias latifundiárias, tão bem narradas na literatura de Suassuna. Se a história do artefato parece uma crônica de uma morte anunciada, sua existência, no entanto, não se define como um fiasco. A morte lenta do artefato faz parte da história dos monumentos e de todos os espaços de representação construídos na sociedade contemporânea. Seus valores e sua permanência só se estabelecem quando os consensos dos que fazem o poder são beneficiados. A sua memória depende dos interesses políticos.

305


Cenografia e imagem na produção do Espetáculo É de grande importância, no entanto, distinguir as similitudes da cenografia com a imagem na era da espetacularização urbana. A cenografia é a materialização da imagem real da coisa, assim como uma imagem também é uma reprodução de uma coisa real. Ambas têm a mesma característica; não são a coisa que representam, mas se tornam a coisa que elas reproduzem de forma diferente. Sabemos que uma imagem fala mais que mil palavras, no entanto, diferentemente da cenografia, ninguém pode adentrá-la e percorrer seus espaços, sentir seu volume e tatear suas texturas. A imagem é um reflexo, enquanto a cenografia se estabelece fisicamente no espaço tridimensional. Quanto ao tempo, ambas podem ser efêmeras, mas a efemeridade de uma cenografia será sempre maior que o da imagem reproduzida. Foucault (1999) classifica tal similitude pela comunicação que elas fazem com as mesmas influências e com as mesmas paixões; assim, superpõe-se uma semelhança que é o efeito visível da proximidade. Dentro da classificação de similitudes propostas por Foucault (1999), a cenografia e a imagem estariam mais para uma espécie de conveniência, a qual ele chama de emulação, como se elas fossem libertadas da lei do lugar e atuassem imóveis, como se a conveniência espacial houvesse delas se rompido, e todos os elos da cadeia desatados e, assim, cada uma reproduzisse seus círculos de semelhança da coisa que representam, mas de maneira distante. Ele compara a emulação ao reflexo do espelho. A imagem e a cenografia refletem as coisas, mas não são elas. Posso vendê-las e usá-las, mas nunca vou ter a coisa real. Elas refletem o mundo e transmitem a sensação do real na maioria das vezes melhor que a realidade, e, por isso, transformam-se em mercadoria. No mundo globalizado, as imagens em software photoshop produzem corpos belos, rostos jovens e paisagens exuberantes, em que as cores das coisas são impressionantes e os belos espaços nos fazem comprar passagens turísticas. Mas não é o que, na realidade, mostram. Cenografia e imagem, lados de uma mesma moeda, tornaram-se instrumentos da economia capitalista: pastiches, souvenirs, mercadorias do mundo pop para a sociedade do consumo. Nessa lógica espetacular de criação de imagens, Berenstein (2009) alerta que esse é um processo de construção de consensos. Os 306

espaços públicos contemporâneos, assim como a cultura, também são vistos como estratégicos para a construção e a promoção de imagens de forma consensual. Assim, em nenhum momento, no uso da cultura e dos bens imateriais de Taperoá para a minissérie, questionou-se sobre as dificuldades e problemas urbanos, nem foram problematizadas as causas da economia estagnada de uma cidade do semiárido de uma cultura periférica. A obra de Suassuna foi utilizada como construção de consensos ao permitir que a cidade cenográfica de Taperoá fornecesse as imagens publicitárias para consumo televisivo imediato. O portal abandonado em Taperoá funciona como recurso de qualidade semântica, no sentido de atuar sobre a dimensão dos significados que conduzem, estrategicamente, à mensagem estética projetada pela cenografia como portal cultural, ponto de passagem de um lugar inóspito e insignificante para um mundo imaginário, espetacular, globalizado. Hoje o portal não caracteriza nem dez por cento da cenografia utilizada na minissérie da Pedra do Reino, mas é apenas parte dela, como poderíamos chamar assim, um artefato cenográfico. Contudo, o artefato se estabelece como um dos pontos de partida dessa pesquisa como indicativo, gerador das transformações urbanas cotidianas em espetaculares. Como elemento agenciador, o artefato cenográfico territorializa novas subjetividades, reinventa um novo cotidiano, um cotidiano espetacularizado, ao mesmo tempo em que é também significante memória, como todos os artefatos largados ao longo das guerras e das civilizações. Os artefatos bélicos são expostos hoje nos jardins dos espaços militares ou em desfiles ou simplesmente nas fachadas das fortificações. Assim como os cenários, provocam em nossos sentidos uma reação de reaproximação com o todo do qual faziam parte. Os artefatos como fragmentos quebrados emitem subjetividades ao exibirem suas formas, sugerem espaços de resistência, territórios memoriais, portais espaciais de tempo. Extirpados de uma realidade passada, continuam a sê-la, e, por menores que sejam tais objetos, sua exibição provoca imediatamente uma sensação real, pois eles são e estão ali como continentes.

307


Artefatos cenográficos – Ilhas desertas Fazendo uma relação com o conceito elaborado por Deleuze (2005), para compreendermos a formação das ilhas originárias e continentais, poderemos entender como funciona o artefato cenográfico na invenção do cotidiano espetacular em Taperoá. Assim como a ilha, o artefato está separado de seu continente, o cenário da minissérie. Sozinho, forma um espaço “derivado, nascido de uma desarticulação, uma fratura”, daquilo que era hegemônico. Não compõe mais uma cenografia em sua inteireza, mas sobrevive pela absorção daquilo que o retinha. Como na ilha, o artefato é também aquilo a que se deriva e, como a ilha, “é também a origem”, dessa forma, o artefato cenográfico se transforma também naquilo que sempre foi de origem. Como Deleuze não exclui separação e criação, podemos dizer que o artefato retoma o movimento de sua produção. O movimento da imaginação do homem que, criando uma ilha totalmente original, como a cenografia da minissérie, criou uma ilha “tão somente-derivada”. Essa seria a razão, segundo Deleuze, de que toda ilha-artefato é e permanecerá sempre deserta. Nesse universo de imaginação, “o homem não rompe o deserto, apenas sacraliza-o” (DELEUZE, 2005). Podemos dizer que aquele artefato em Taperoá nunca será habitado por seus moradores, pois ele é, em si, o sonho do homem, geografia recriada por seu imaginário. Túmulo deserto que convive cotidianamente com uma cidadecontinente, envolvendo-a por todos os lados. No entanto, mais que ser um deserto, ele é deserdado do cotidiano. Por mais que aquele artefato represente toda a saga fantástica da Pedra do Reino, e sua inclusão no mundo virtual da mídia, ele não deixa de ser uma ilha deserta, pois não há uso de seus moradores daquele artefato no cotidiano da cidade. Para modificar essa situação, seria preciso “operar uma redistribuição geral dos continentes, do estado dos mares, das linhas de navegação” (DELEUZE, 2005). Com isso, podemos dizer que o estado real do artefato é ser ilha e, como essência material, ser puramente imaginário, e não real; mitológico, e não somente geográfico, mas por esse poder de criar novos territórios deixa de ser ilha e se faz continente. A primeira dedução que fazemos é sobre a invenção do artefato. A criação dos artefatos está submetida aos caprichos dos homens, 308

que inventam seu destino segundo seus interesses. Assim, como o lendário Cavalo de Troia, os artefatos têm destino certo e função definida no contexto urbano. Podem ser erguidos de forma camuflada, como na história de Troia, ou aparentemente visíveis como no caso de Taperoá, mas a sua construção no espaço urbano é sempre realizada, seguida de uma mise en scène, na qual os poderes estabelecem metas e definem novas imagens identitárias daquele lugar que irão nortear o espaço como um marco gerador, uma invenção capaz de transformar o cotidiano urbano. A segunda dedução que o torna artefato cenográfico é a sua capacidade de dilatar o espaço, de gerar novos territórios, ao mesmo tempo em que cria uma ruptura no espaço circundante de forma espetacular, rompendo a convenção do cotidiano ordinário da cidade. Funciona, primeiramente, como uma ilha, que não fazendo parte daquele espaço por sua forma estranha e diferenciada, depois rompe com o cotidiano das formas estabelecidas para criar novos territórios. Uma terceira dedução se torna evidente na forma subjetiva de reinventar o espaço cotidiano. Assim como ilhas territorializam seus novos mares silenciosamente, também os artefatos cenográficos os fazem criando espaços imaginários e subjetivos; dessa forma, ocupam espaços imateriais ou espaços de representação, de pura emulação. Assim, os artefatos cenográficos se relacionam diretamente na criação das imagens signos urbanos, favorecendo a expansão do estado espetacular.

309


REFERÊNCIAS BERENSTEIN, Jacques Paola. Notas sobre espaço público e imagens da cidade. Arquitetos, 110.02, ano 10, jul. 2009. CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano. 2. ed. São Paulo: Vozes, 996. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DELEUZE, Gilles. A Ilha deserta e outros textos: 1953-1974. São Paulo: Iluminuras, 2005. _______. A imagem-tempo: cinema 2. São Paulo: Brasiliense, 2005. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: 1926 -1984 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. _______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. _______. Des Espaces Autres (conférence au Cercle d’études architecturales, 14 mars 1967), in Architecture, Mouvement, Continuité, n°5, oct. 1984, p. 46-49. GENETTE, Gérard. Discours du récit, Figures III, Paris, Seuil, 1972. Nouveau discours du récit. Paris, Seuil, 1983. HARVEY, David. Condição pós-moderna. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1999. GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Entre cenografias: o museu e a exposição de arte no século XX. São Paulo: Universidade de São Paulo/FAPESP, 2004. JEUDY, Henri Pierre; JACQUES, Paola Berenstein. Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: EDUFBA; PPG-AU/FAUFBA, 2006. _______. Critique de l’esthétique urbaine. Paris: Sens &Tonka, 2003. _______. L’asence de l’intimité. Paris: Circé, 2007. _______. Espelho das cidades. Rio de janeiro: Casa da palavra, 2005. SUASSUNA, Ariano. A Pedra do Reino. São Paulo: José Olympio, 1971. TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.

310

311


SOBRE OS AUTORES JOSÉ AUGUSTO RIBEIRO DA SILVEIRA (Org.) Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFPB (CT,1982), aperfeiçoamento em planejamento urbano pela Escola Nacional de Habitação e Poupança (ENHAP, 1984), especialização em Gerenciamento da Construção Civil pela USP/UFPB (USP,CT,1993), mestrado em Desenvolvimento Urbano pela CAC-UFPE (MDU,1997) e doutorado em Desenvolvimento Urbano pela CAC-UFPE (MDU,2004). Atualmente é Professor Associado no Departamento de Arquitetura do Centro de Tecnologia da UFPB, onde coordena o Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado - LAURBE, com atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária. Leciona na graduação (curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo) e na pós-graduação (Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo-PPGAU e Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana e AmbientalPPGEUA). É professor-pesquisador líder do grupo de pesquisa Planejamento Urbano e Transportes-CNPQ. Tem experiência nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase na área de Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: acessibilidade, uso do solo, áreas centrais, expansão intraurbana, sistemas de transporte e morfologia da cidade. E-mail: ct.laurbe@gmail.com

ANGELINA DIAS LEÃO COSTA (Org.) Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2001), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2003) e doutorado em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas (2007). Atualmente é professora/pesquisadora na Universidade Federal da Paraíba. É professora/pesquisadora atuante no grupo de pesquisa Qualidade, Acessibilidade, Tecnologia e Conforto do Ambiente Construído - CNPQ. Tem experiência nas áreas de Tecnologia do Ambiente Construido, com ênfase em conforto 312

ambiental e acessibilidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Acessibilidade Ambiental, Tecnologia do Ambiente Construido, Qualidade do Projeto e Percepção. Atualmente é professora associada no Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Tecnologia da UFPB, onde coordena o Laboratório de Acessibilidade - LACESSE, com atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária. Leciona na graduação (curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo) e na pós-graduação (Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo-PPGAU). E-mail: angelinadlcosta@yahoo.com.br

MILENA DUTRA DA SILVA (Org.) Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (2006), possui mestrado em Botânica pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (2008), doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (2012) e pósdoutorado em Arquitetura e Urbanismo (expansão urbana x modificação da paisagem/supressão da vegetação) pela Universidade Federal da Paraíba (2012-2015). Atualmente é professor/pesquisador na Universidade Federal de Alagoas/Penedo, na área de Ecologia Vegetal. É professor/pesquisador atuante no grupo de pesquisa Ecologia, Biodiversidade e Sustentabilidade - UFAL-CNPq, Fitomorfologia Funcional e Interações Antrópicas - FITANTROP - UFRPE-CNPq, PLANEJAMENTO URBANO E TRANSPORTE - UFPB-CNPq, SERGEOSensoriamento Remoto e Geoprocessamento - UFPE-CNPq, e Estudos Geoambientais - UFPB-CNPq. Tem experiência na área de Ecologia Vegetal, com ênfase em Diagnóstico e Monitoramento da Vegetação, atuando principalmente nos seguintes temas: Análise ecológica da vegetação, Análise da Paisagem, Expansão Urbana x Supressão de Vegetação. E-mail: milena.silva@penedo.ufal.br

313


ALEXANDRE AUGUSTO BEZERRA DA CUNHA CASTRO

CRISTIANO FELIPE BORBA DO NASCIMENTO

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (2011), mestrado em Engenharia Urbana e Ambiental pela Universidade Federal da Paraíba (2014). Atualmente é professor/ pesquisador nas Faculdades Integradas de Patos-PB. Tem experiência nas áreas de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Infraestruturas Urbanas e Regionais, atuando principalmente nos seguintes temas: Expansão Urbana, Morfologia Urbana, Sintaxe Espacial e Mobilidade Urbana. E-mail: alexbccastro@hotmail.com

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFPE (2005), aluno de mobilidade na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (2003 a 2004), com aperfeiçoamento em Urban Heritage Strategies pela Erasmus University de Rotterdam (IHS, 2011), mestrado em Desenvolvimento Urbano pela UFPE (MDU, 2008) e doutorado em Desenvolvimento Urbano pela UFPE (MDU, 2013). Foi membro do Conselho Fiscal do DOCOMOMO Brasil (2013 a 2016). Atualmente é Analista em Ciência e Tecnologia no Centro de Estudos da História Brasileira da Fundação Joaquim Nabuco, onde coordena o Programa Institucional ‘Educação pela Cidade’. Professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE MDU e do Mestrado Profissional em Ciências Sociais para o Ensino Médio da Fundação Joaquim Nabuco - MPCS. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em morfologia urbana e edilícia e conservação da arquitetura moderna, e desenvolve estudos sobre a relação entre a cidade contemporânea e ações coletivas, tecnologia, fotografia, cinema, produção audiovisual e acervos digitais. E-mail: cristiano.borba@fundaj.gov.br

BIANCA ANTUNES Jornalista formada e mestre pela ECA-USP, pós-graduanda em urbanismo na Escola da Cidade. Atua há 13 anos na difusão da arquitetura. É editora da revista AU – Arquitetura e Urbanismo (Editora PINI) desde 2009, e foi editora-assistente da mesma revista de 2004 a 2009. É autora de livros de arquitetura pela editora C4 e BEI e organizadora do livro Entrevistas (Editora PINI). E-mail: bianca@pini.com.br

314

315


EDSON LEITE RIBEIRO

EMANOELLA BELLA SARMENTO S. E. MATIAS

Arquiteto e urbanista graduado em 1978 pela Universidade de Guarulhos; especialização em Controle do Ambiente em Arquitetura, pela Universidade de Brasília UNB (Programa PIMEG/ARQ / CAPES) em 1983; mestrado em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (1988); Doutor em Engenharia Civil (Engenharia Urbana) pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – USP (1994). Professor aposentado do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, tendo trabalhado no mesmo entre 1978 e 2010, atuando no grupo de pesquisa: Planejamento Urbano e Transportes (CNPq) e no Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE/DA/CT/UFPB). Trabalhou como pesquisador convidado no Département de Génie Civil et Urbanisme – INSA/Lyon – França (2008); Trabalha atualmente como Analista de Infraestrutura (Desenvolvimento Urbano) concursado do Ministério do Planejamento, em exercício descentralizado na Secretaria Nacional de Habitação Ministério das Cidades, desde 2010. Professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIEURO – Brasília, desde 2011 até hoje. Tem experiência e tem se dedicado nas áreas do Meio Ambiente, Qualidade de Vida Urbana, Paisagismo e Estrutura, morfologia e funcionamento da Cidade. Recentemente tem também trabalhado com estudos sobre habitação de interesse social; setores habitacionais no contexto urbano. E-mail: edlribeiro@gmail.com

Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (2011), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (2015). Atualmente é professora na Faculdade Santa Maria, em Cajazeiras. É pesquisadora voluntária no Laboratório de Acessibilidade, da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em acessibilidade, atuando principalmente nos seguintes temas: avaliação pós-ocupação, qualidade do projeto, ergonomia do ambiente construído. E-mail: emanoellasarmento85@gmail.com

ELIÉZER LEITE ROLIM FILHO Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (1985), mestrado em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (2001) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (2013). Atualmente é professor/ pesquisador na Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência nas áreas de Teatro, Cinema e Arquitetura, com ênfase em Espaço Urbano Espetacularizado, atuando principalmente nos seguintes temas: Cenografia, ambiences espetaculares, e espaços sensíveis. E-mail: eliezerrolim@gmail.com 316

GLEICE AZAMBUJA ELALI Graduada em Arquitetura e Urbanismo (1982) e em Psicologia (1987) pela UFRN(UFRN), tem mestrado e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela USP (1996 e 2002). Atualmente é docente da UFRN, mantendo atividade didática e de pesquisa na graduação e pós-graduação, relacionada a Projeto Arquitetônico e Psicologia Ambiental. Temas de interesse: relações pessoa-ambiente como subsídio à projetação arquitetônica, avaliação do ambiente construído, percepção ambiental. Pesquisadora com bolsa de Produtividade do CNPq, vinculada aos grupos Inter-Ações Pessoa-Ambiente (UFRN) e Projetar (UFRN), participa da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP - GT Psicologia Ambiental coordenadora nas gestões 2008-2010 e 2010-2012), da Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído (ANTAC - GT Qualidade do Projeto) e da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (ANPARQ - várias diretorias; presidente 2013/2014). E-mail: gleiceae@gmail.com

317


JOVANKA BARACUHY CAVALCANTI SCOCUGLIA

LUIZ AMORIM

Arquiteta e Urbanista, docente e pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo/CT/UFPB e do PPGAU/UFPB. Mestre em Ciências Sociais (UFPB), Doutora em Sociologia (UFPE) e Pós-Doutora em “Sociologie Urbaine e Antropologie” (Université Lumière Lyon 2, membro do “Groupe de Recherche sur la Socialisation” – GRS - CNRS, atualmente Institute Max Weber, 2008). É bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq desde 2010. Publicou 05 livros: “Cidade, habitus e cotidiano familiar”, “Revitalização urbana e (re) invenção do centro histórico de João Pessoa 1987-2002” (2004), “Cidadania e patrimônio cultural” (2004), “Imagens da cidade: cenários, patrimonialização e práticas sociais” (2010) e organizou o livro “Cidade, Cultura e Urbanidade” (2012). Coordena o Laboratório de Estudos sobre Cidades, Culturas Contemporâneas e Urbanidades – LECCUR vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo e ao PPGAU/UFPB e é líder do Grupo de Pesquisa “Cidade, cultura contemporânea e urbanidade” registrado no Diretório de grupo do CNPq (desde 2010). E-mail: jovankabcs@gmail.com

Arquiteto e urbanista pela Universidade Federal de Pernambuco (1982) e PhD em Advanced Architectural Studies pela Bartlett School of Graduate Studies - University College London (1999). Atualmente é Professor Titular do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, onde atua no Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo e no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU). É professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba. É pesquisador 1B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), onde foi membro titular do Comitê de Assessoramento de Arquitetura, Demografia, Geografia, Turismo e Planejamento Urbano e Regional (CA-SA) entre 2010 e 2013. É editor da Revista Thésis, membro do Space Syntax International Steering Committee e dos comitês editoriais das revistas Arquitextos, Ambiente Construído (on line), The Journal of Space Syntax (JOSS), Revista de Morfologia Urbana e da Editora FRBH. É autor do livro Obituário Arquitetônico: Pernambuco modernista, co-autor de Delfim Amorim-arquiteto e coorganizador de A casa nossa de cada dia e Cidades: urbanismo, patrimônio e sociedade. E-mail: amorim.l@gmail.com

LAURA SOBRAL Arquiteta e urbanista (FAU-USP e Universidade Politécnica de Madri), mestranda da FAUUSP, onde pesquisa a produção social de espaços públicos. É sócia da MUDA práticas, empresa idealizadora e realizadora de projetos culturais no espaço público, que une os temas cultura e cidade. É uma das iniciantes da ocupação A Batata Precisa de Você no Largo da Batata, em São Paulo, que incentiva o potencial de uso da praça com urbanismo tático, prototipagem de mobiliário urbano e promoção de atividades culturais.

318

MARTA ADRIANA BUSTOS ROMERO Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1978), especialização em Arquitetura na Escola de Engenharia – USP da Universidade de São Paulo (1980), mestrado em Planejamento Urbano pela Universidade de Brasília (1985) e doutorado em Arquitetura pela Universitat Politécnica de Catalunya ( 1993), pós doutorado em Landscape Architecture na Pennsylvania State University (2001). Atualmente é professora titular na Universidade de Brasília. É professor/pesquisador coordenadora do grupo de pesquisa A Sustentabilidade em Arquitetura e Urbanismo-CNPQ. Tem experiência nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Reabilitação Ambiental Sustentável, atuando principalmente nos seguintes temas: Sustentabilidade, Bioclimatismo, Desenho urbano. E-mail: romero@unb.br 319


PAULO VITOR NASCIMENTO DE FREITAS

TRÍCIA CAROLINE DA SILVA SANTANA RAMALHO

Graduado em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba (2013) e mestre em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade Federal da Paraíba (2016). Tem experiência nas áreas de Geografia e Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Socioeconomia Urbana e Técnicas de Análise e Avaliação Urbana e Regional, atuando principalmente nos seguintes temas: Mobilidade urbana, Qualidade em Serviços de Transporte Público e Aspectos Sociais de Sistemas de Transportes. E-mail: paulogeo5@gmail.com

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade da Amazônia –UNAMA (2000), especialização em Gestão Ambiental Urbana pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN (2013), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN (2003) e doutorado Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN (2015). Atualmente é professor/pesquisador na Universidade Federal Rural do Semi-Árido- Ufersa. É professor/pesquisador atuante no grupo de pesquisa Estudos em Engenharia, Meio Ambiente e Geotecnologias - GEEMAG -CNPQ. Tem experiência nas áreas de Planejamento da paisagem, com ênfase em Projeto de Espaços Livres Públicos, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia Ambiental, Relações Pessoa-ambiente no ambiente construído, Percepção Ambiental e Avaliação do Ambiente Construído. E-mail: tricia.santana@ufersa.edu.br

VERÔNICA MARIA FERNANDES DE LIMA Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1991), Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (1997) e doutorado em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (2008). Atualmente é professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no Curso de Arquitetura e Urbanismo, no Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU e no Mestrado Profissional em Design - MPDesign. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Desenho Urbano, atuando principalmente nos seguintes temas: desenho urbano, sistemas de espaços livres e metodologias de intervenção. Projetos de pesquisas atuais: Os sistemas de espaços livres públicos e a urbanidade – um diagnóstico da situação dos espaços livres na cidade de Natal; Os espaços livres públicos e a urbanidade: a contribuição do desenho urbano na construção de cidades saudáveis. Autora de vários artigos científicos e de dois livros: Desenho Urbano: uma análise de experiências brasileiras; Estudos de casos nas áreas centrais de Curitiba, Rio de Janeiro e Recife. Natal: EDUFRN, 2014; Felipe Camarão: construindo seu lugar. Natal: EDUFRN, 1995. E-mail: verolima04@gmail.com

320

VIVIANE GOMES MEDEIROS Formada como técnico em edificações pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte (2010), também possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2015), onde realizou intercâmbio através do programa Ciências Sem Fronteiras na Holanda. Durante o intercâmbio, concluiu o curso de Dinâmicas Urbanas pela CAH Vilentum, no período de 2013 a 2014. Durante um ano e meio, participou da pesquisa “Os sistemas de espaços livres públicos e a urbanidade – um diagnóstico da situação dos espaços livres na cidade de Natal”, onde hoje, já formada, é arquiteta colaboradora. Tem experiência de trabalho em arquitetura e urbanismo desde 2011, entre estágios, cargos comissionados e trabalhos como autônomo, sendo a sua preferência: arquitetura paisagística, espaços públicos e o âmbito urbano, seu planejamento e desenho. Atualmente trabalha como colaboradora em empresa cujo foco é a arquitetura paisagística, e como autônoma em projetos em escalas diversas. E-mail: vivianemedeiros@gmail.com 321




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.