AVESSO A moda vista de outro lado
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O barato e´ customizar! Entenda como o seu guarda-roupa pode dizer muito sobre você e veja que tem gente criando o próprio estilo Por Leandro Gonçalves
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ue atire a primeira pedra quem nunca perdeu minutos preciosos na seção de vestuário à procura “daquela” peça que seja a sua cara. Nesta busca quase implacável, que envolve uma garimpagem minuciosa de opções e várias provas de roupa, procuramos por aquilo que mais gostamos, que mais corresponde à imagem que queremos passar aos outros ou às nossas referências de moda. Porém, é a personalidade o fator determinante nesta equação. Afinal, trata-se de nossa característica mais íntima. Nesse sentido, a psicóloga junguiana Laura Rinaldi aponta que as roupas dizem muito a respeito de quem às vestem. Pois, por muito tempo, a vestimenta serviu para diferenciar as pessoas, seja em tribos ou classes sociais, por exemplo. “Hoje, vai além disso. É uma maneira de se comunicar, já que imprimimos nossa personalidade em nosso guarda-roupa”, explica. Sendo assim, cada peça, da blusinha ao jeans surrado, atua, portanto, como uma ferramenta de expressão da personalidade.
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Mas, não é sempre que encontramos uma peça ou composição que condiga com nossa personalidade ou, para falar de maneira mais direta, transmita quem verdadeiramente somos. Daí que, diante disso, muita gente recorre à personalização de roupas por meio da customização. Seja em casa ou com a ajuda de algum profissional mais experiente, há quem transforme peças comuns em verdadeiros artigos cheios de atitude e singularidade tendo em mãos tesouras, linhas e agulhas. Apaixonada por tudo que não seja atual, a pedagoga e artesã Karina Soares costumava recortar roupas antigas da mãe para transformá-las em novas peças. “Barras de veludo viravam blusas e bolsas costuradas à mão. Eram lindos por fora e terrivelmente acabadas por dentro!”, ri. A sorocabana conta que as criações logo conquistaram o gosto do público. Assim, ela procurou aprender a costurar na máquina de costura. O aprimoramento técnico e o gosto retrô levaram Karina a abrir seu próprio brechó no Facebook.
Chamado “É de retalho esse meu brechó”, a loja virtual de Karina buscou espaço em outras redes sociais. Hoje, a iniciativa soma 38,8 mil seguidores no Instagram,w onde a sorocabana pública quase que diariamente produtos entre roupas e acessórios. E não para por aí. A artesã ainda mantém um outro perfil, chamado “Minha Costura Arteira”, onde compartilha com mais de 3,7 mil seguidores confecções próprias, que transformam retalhos em peças com muito estilo. Com isso, a pedagoga não encontrou na customização de roupas apenas uma maneira de se expressar, mas também de levantar uma graninha. Porém, não são todos que têm a mesma facilidade em exteriorizar a personalidade através da vestimenta. “Regras, preconceitos e julgamentos podem reprimir alguns traços da personalidade. Porém, é preciso encontrar outros meios para canalizar esses traços, para que eles não nos prejudiquem internamente”, orienta Laura. Assim, a loja de Karina assume uma terceira função. A de servir como refúgio para quem compartilha dos mesmos gostos da sorocabana, mas que não consegue criar os próprios looks. “Garimpo peças vintage em bazares que mais tenham a ver com meu público e comigo mesma”, reitera. Assim, as customizações de Karina, que hoje se referem mais à restauração das peças que encontra, manifestam não só sua personalidade, mas a de seu público também. No entanto, Karina não é a única a ajudar as pessoas a se expressarem através das roupas. Em Bauru, São Paulo, uma imponente casa cor de rosa abriga a loja de moda feminina La Femme, especializada em customização de peças. A proprietária Monalisa Costa conta que a desconstrução e remodelagem de jeans e de abadás são os serviços mais procurados. “A maioria do público é composto por mulheres universitárias entre 17 e 25 anos, que costumam trazer referências do Pinterest”, detalha.
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“Minha personalidade está presente em tudo que toco” Karina Soares
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Fotos cedidas por Karina Soares
Aliás, ainda há como personalizar gastando pouco dinheiro. E quem dá a dica é a própria Karina. “Se a pessoa não sabe por onde começar, o YouTube está aí para mudar isso”, aconselha. Com a internet em mãos e com referências na cabeça basta apenas, segundo a sorocabana, não ter medo da tesoura, de cortar as peças ou de picá-las. Afinal, roupa é o que não falta - e tem muito brechó vendendo baratinho. “É barato ser consciente. Nosso planeta não tem mais espaço para as novidades que nosso consumismo exige”, provoca. Afinal, a customização de roupas alia a expressividade ao consumo consciente. ”Minha personalidade está presente em tudo que toco, nas peças que enxergo de longe pelo tecido, gramatura ou estampa que encontro em algum brechó”, afirma Karina ao explicar que reaproveita peças para tecer o próprio estilo, metaforicamente falando. “A customização transforma um vestido de trinta anos em uma peça mid, mais atual, que todo mundo gosta”, arremata, em reforço ao potencial de renovação trazido pela personalização de roupas. No final das contas, é o bem-estar que deve se sobressair. “A partir do momento em que colocamos uma roupa e nos sentimos confortáveis, podemos dizer que estamos materializando traços de nossa personalidade”, conclui Laura. Portanto, questionar se nos sentimos bem ou não com o que vestimos é um bom exercício para entender se estamos conseguindo nos expressar por meio de nosso guarda-roupa. Entender tal relação nos ajuda, também, a compreender um pouco mais sobre como lidamos com o mundo e com nossa autoimagem.
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Mostra aí o que você esconde embaixo das calças! A Revista Avesso perguntou ao público quais suas preferências de moda íntima masculina Por Leandro Gonçalves
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eja em casa, no trabalho ou em qualquer outro lugar, lá está ela. Apesar de não ser assunto frequente na mesa de jantar ou na roda de amigos, é ela quem nos acompanha faça chuva ou faça sol. Sem pestanejar, é quem nos conforta mais intimamente e nos dá “aqueeele” suporte, que ninguém mais pode dar, em diversos momentos. Mas, se você pensou que estamos falando de alguém especial, se enganou. A pauta aqui está no seu guarda-roupas, mais precisamente naquela gaveta que você conhece como ninguém. Provavelmente, você a guarda próxima às meias, ou em algum lugar mais discreto do armário. Estamos, afinal, falando da cueca, a peça mais popular da moda íntima masculina - e, convenhamos, a única para muitos. Prática, versátil e democrática, há modelos e estilos para todos os gostos, do clássico ao brega, dos
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tons sóbrios ao vermelho-paixão ou ao amarelo-gema-de-ovo, e por aí vai. Apesar de estar por baixo de todo o resto, as famosas “calças-curtas” também respeitam tendências. Quem viveu os anos oitenta, por exemplo, deve se lembrar da Zorba, marca brasileira que, de tão popular, tornou-se sinônimo para cueca no país. As peças da empresa caíram no gosto popular facilmente, tornando-a líder no mercado de moda íntima masculina. As tradicionais cuecas slip viraram tendência por causa do conforto proporcionado pelo tecido e pela costura, diferencial da Zorba frente às concorrentes. Tamanho sucesso perpetuou-se nos anos seguintes, fazendo da empresa um marco no vestuário masculino. Porém, pouco a pouco, outros modelos de cueca também ganharam a preferência dos homens. As cuecas boxer - ou, como dizem os va-
rejistas, as “cuecas de shortinho” - tornaram-se as prediletas das grandes marcas, como a Calvin Klein. Daí, foi um pulo para virarem tendência. A peça tornou-se desejo dos consumidores devido à publicidade, que passou a retratar a moda masculina de maneira mais apelativa e sensual. Assim, as boxer foram vendidas como símbolos da masculinidade e da conquista. A popularização das cuecas boxer fez com que as slips perdessem espaço na preferência do público. Tanto é que muitos, inclusive, se referem ao modelo mais tradicional como “cueca de velho”, “coisa broxante”, daí pra baixo. Como adepto da “forma Zorba de se vestir”, este repórter que aqui escreve ficou curioso em saber a opinião do público. Sendo assim, a Revista Avesso recorreu às redes sociais para perguntar aos leitores quais eram suas preferências (veja na próxima página).
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Modelo: Guilherme Ribeiro / Fotos: Leandro Gonçalves
/AVESSO/ A sós Já de cara, a enquete mostrou que cueca não é um assunto estritamente masculino. Uma em cada dez pessoas que responderam se identificam como pertencentes ao gênero feminino. Por outro lado, 91% dos entrevistados se veem como pessoas do gênero masculino. Em relação à faixa etária, 72,7% dos entrevistados tem entre 20 e 24 anos, enquanto 9,1% estão entre 25 e 29 anos de idade. Outros 9,1% têm entre 15 e 19 anos. Nove em cada dez entrevistados usam cueca. A preferência é pela cueca boxer (81,8%), seguido pela slip (45,5%) - aqui, os participantes puderam escolher mais de um modelo. Há, ainda, quem prefere o sungão (18,2%), a samba-canção (9,1%) ou, acredite se quiser, aqueles que optam por criar o bicho solto (13,6%). Como justificativa, os entrevistados apontaram o conforto (77,3%) e a estética (63,6) como conceitos indispensáveis na hora da escolha. Ou seja, preferem modelos que os deixem mais à vontade e que valorizem seus corpos. O preço, no entanto, é pouco considerado pelos leitores no ato da compra. Sobre as cuecas slip, em particular, as respostas foram antagônicas. 27,3% dos entrevistados acham o modelo ruim e desconfortável. Já 18,2% consideram as slips ótimas e confortáveis. Outros 18,2%, por sua vez, não gostam e nem desgostam do modelo mais cavado. Já 13,6% dos entrevistados não tiveram vergonha de dizer: “acho péssimo, não são confortáveis e parecem cueca de vovô. Sai fora!”. Mas, há ainda aqueles que defendem a slip. Tem gente que gosta porque acha o modelo sensual ou porque são mais baratas. E, para chutar lá longe a imparcialidade jornalística, são com eles que eu concordo. Porém, uma coisa é inegável. Assim como dito anteriormente, há cuecas para todos os gostos, às pencas. Então, o grande segredo é variar. Afinal, tendências vêm e vão num piscar de olhos e, sendo assim, ter diferentes opções no guarda-roupas é a melhor escolha.
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Mulheres comuns diversidade nas passarelas urbanas Veja como a moda também está nas periferias, onde a variedade é uma tendência que veio pra ficar Por Leandro Gonçalves
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m um banheiro à parte, diante de um grande espelho estrategicamente posicionado, a secretária Natália Faria faz dos minutos anteriores à ida para o trabalho um momento íntimo. Vaidosa, é no reservado espaço que ela prepara desde uma maquiagem básica à um penteado casual com a ajuda da prancha, dentre outros cuidados. Assim como tantas outras, Natália é uma mulher comum. Mas, a moda se faz presente também em seu cotidiano. Afinal, estilo não é um artigo exclusivo para as passarelas.
Nesse sentido, Natália é um exemplo de que também há uma “veia fashion” nas periferias, já que é moradora do bairro Nova Esperança, na região norte de Bauru, São Paulo. Cheia de charme, a secretária faz parte de um conjunto de mulheres que, apesar de não ocuparem as capas de revista, são repletas de estilo e personalidade. Tais personagens, munidas de experiência, comprovam que há moda para além da alta costura, repleta de peças caras e, muitas vezes, “meh”, sem graça.
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/AVESSO/ Persona Diante disso, a Revista Avesso procurou entender um pouco mais sobre a preferência dessas mulheres, a começar por Natália. A bauruense é detentora de um guarda-roupas repleto de peças casuais. “Às vezes, eu tento dar uma ousada, mas não me sinto muito confortável. Prefiro aquilo que seja o mais simples possível. Jeans, calças brancas ou pretas…”, relata. “Gosto muito de acessórios como pulseiras, relógios e anéis, tudo biju”, brinca. Dessa maneira, Natália encarna a mulher de estilo discreto, pronta para a rotina. De maneira geral, as mulheres do cotidiano condizem com aquilo descrito por Natália. Pois, apesar da incalculável variedade de estilos, peças mais confortáveis e casuais predominam, ainda mais no calor. Para se ter uma ideia, roupas como blusas bem soltinhas e shorts jeans dominam as ruas do centro comercial de Bauru. Nas vitrines das lojas de varejo, com preços mais populares, quem predomina são as peças mais leves, perfeitas para o dia a dia puxado que envolve trabalho, lazer e família. Outra tendência além do conforto é a miscelânea de opções, uma verdadeira salada de cores, cortes e estampas. Há variedade para atender qualquer gosto. Nos manequins, têm peças mais floridas, outras mais sóbrias... lisas ou estampadas, muita renda, detalhes em strass e sejá lá o que mais possa haver. O varejo reflete, portanto, o caráter eclético de um público que costuma consumir para cuidar da própria imagem e, assim, dar aquele up na autoestima. Só vermelho Tal variedade está também no guarda-roupa da dona de casa Rosana Sene, que de cara já diz ter um estilo próprio. “Gosto de roupas sociais e não muito de peças esportivas, a menos se for para caminhadas”, detalha. Rosana ainda gosta de vestidos, dos mais variados cortes, e de sapatos de salto alto. Porém, a cor vermelha é o elemento que se destaca no estilo de Ro-
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“Eu sou muito eu, não tem essa de moda. Se eu bater o olho, gostar, vestir e achar que é a minha cara, eu vou usar” Rosana Sene sana. A moradora do Jardim Silvestri, na zona noroeste de Bauru, é apaixonada pela cor da própria paixão. O gosto peculiar faz com que sempre haja vermelho em suas composições. “Eu uso aquilo que eu gosto, não ligo para marcas. Gosto de malhas com bom caimento, peças mais femininas… tudo combinando. Você nunca vai me ver usar algo que não combina”, reitera. Loira desde os quarenta anos, a dona de casa não liga para aquilo que vê na mídia. “Eu sou muito eu, não tem essa de moda, de época, de ‘o fulano passou na televisão’… se eu bater o olho, gostar, vestir e achar que é a minha cara, eu vou usar”, completa. O quê elas buscam Assim como determina os velhos manuais do bom jornalismo, decidimos ir às ruas e gastar as solas dos sapatos para entender um pouco mais do estilo desse público. Afinal, é preciso ver para crer. Ao andarmos pelas quadras do Calçadão da Batista de Carvalho, no centro de
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Bauru, questionamos aos lojistas locais quais as preferências das clientes. Pois, no final das contas, é por lá que elas procuram por peças para renovar ou complementar o guarda-roupas. Cercada por tecidos de todas as cores e cortes, a comerciante Célia Regina conta que não há uma tendência que se sobressaia, visto que cada cliente tem seu próprio estilo. “Tem das mais bregas às mais ‘normais’, depende”, brinca. “Tem gente que prefere peças mais florais, outras mais lisas… é muito relativo”, completa. Célia ainda conta que, de tão eclético, o público busca por peças que ela jamais pensou que conseguiria vender. Por isso, a comerciante já teve que resgatar diversas roupas que tinha deixado de lado. Desta maneira, a diversidade brasileira é refletida no gosto. Assim como há mulheres com diferentes maneiras de ser, também há uma multiplicidade de estilos e preferências. Algo que beira o inimaginável. “Tem quem queira o que está mais na moda e aquelas que buscam por algo mais antigo, uma calça de cintura alta…”, exemplifica Célia. Para ela, a moda é espontânea, pois as tendências vêm e vão, ainda mais tratando-se do ramo em que atua. A lojista está à frente do Brechó Belas Roupas, onde revende peças semi-novas.
Modelo: Natália Faria / Fotos: Leandro Gonçalves
Elas não querem imitar a Maria da Paz Engana-se quem pensa que as mulheres da periferia querem se vestir como as personagens que veem na televisão. Incluindo até mesmo a boleira Maria da Paz, vivida pela atriz Juliana Paes na novela “A Dona do Pedaço”, da Rede Globo. Apesar do sucesso em audiência, a obra de Walcyr Carrasco não é mencionada como inspiração pelas mulheres que procuram por peças no Calçadão. Pelo contrário, elas buscam por roupas que condizem com seu próprio estilo. Com isso, a atitude e a emancipação tornam-
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-se as grandes tendências. Afinal, elas sabem que são donas do próprio nariz e que imitar o que veem na tevê é coisa do passado. “As clientes procuravam por peças que viam em novelas antigamente. Hoje, nem tanto”, reitera a costureira Zenaide Nogueira, dona do Brechó da Zé, também no centro de Bauru. “Agora, buscam por calças jeans de cós alto, estampas floridas, saias de bolinha, camisolas antigas…”, acrescenta. A aceitação do próprio corpo e a diversidade das medidas são outras tendências entre as mulheres da periferia. A lojista Silvia Regina conta que recebe pedidos de todos os tamanhos. “Pedem muito por roupas de numeração 44 para cima, que são mais difíceis de encontrar em lojas comuns”, explica. Silvia é sócia do “Achei!... Brechó”, uma loja a poucas quadras dos comércios de Célia e Zenaide, parceiras de ramo. Juntas, elas dividem a clientela que busca por bons preços, qualidade e variedade. Determinadas, as clientes não chegam à loja de Silvia com uma peça já em mente. Na verdade, gostam mesmo é de garimpar, ou seja, vasculhar e analisar cada opção. “A maioria fica à vontade. Olha, vê o quê gosta… e se pede ajuda, a gente ajuda”, relata. Tal liberdade reflete na relação das clientes com Silvia, que inclusive já sabe de cor e salteado o gosto de algumas. Assim, quando determinada peça chega ao brechó, ela já tem para quem ligar e garantir a exclusividade. Diferentemente das semanas de moda pelo mundo afora, onde prevalecem os gostos mais abstratos e inacessíveis, nas ruas quem comanda é a diversidade. Assim, mulheres dos mais variados estilos desfilam pela cidade, em que as calçadas funcionam como verdadeiras passarelas urbanas. Com peças diversificadas, demonstram que, no final das contas, a personalidade é que deve prevalecer na construção de um bom look, da secretária à dona de casa, sem exceções.
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Pitaya
Tangerina
Cereja e mirtilo
Jabuticaba
Modelos por ordem de exibição: Cezar Augusto, Laura Gallinari, Karoline Tozo e Fabio Aguiar Fotos por: Bru Vatiero, Isabela Almeida , Julia Bergamaschi, Leandro Gonçalves e Leonardo Oliveira