ISSN 1982-2766
domínios da imagem Revista do LEDI
ano 1 • n. 1 • novembro 2007
ISSN 1982-2766
Domínios da Imagem Revista do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História (LEDI) do Departamento de História e vinculada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina
DOMÍNIOS DA IMAGEM, LONDRINA, ANO I, N. 1, NOV. 2007
Universidade Estadual de Londrina REITOR: Wilmar Sachetin Marçal VICE-REITOR: Cesar Antonio Caggiano Santos DIRETOR DO CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS: Ludoviko Carnascialli dos Santos CHEFE DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA: Angelita Marques Visalli COORDENADOR DO MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL: Francisco César Alves Ferraz CONSELHO EDITORIAL Alberto Gawryszewski - UEL • Ana Heloísa Molina - UEL • Angelita Marques Visalli - UEL • Cláudia Eliane P. M. Martinez - UEL • Hernán Ramiro Ramírez - UEL • Isabel Aparecida Bilhão - UEL • Jorge Luiz Romanello - UEL • Márcia Rorato - UEL • Paulo Alves - UEL • Zueleide Casagrande de Paula - UEL • Terezinha Oliveira - UEM CONSELHO CONSULTIVO Daniel Russo - Université de Borgnone • Eddy Stols - Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica • Francisco Alembert - USP • Mauro Khoury - UFPB • Patrice Olsen - Illinois State University • Renato Lemos - UFRJ • Rodrigo Sá Mota - UFMG • Ulpiano Bezerra Menezes - USP CONSELHO CIENTÍFICO Agbenyega Adedza - Illinois State University • Ana Cristina Teodoro da Silva - UEM • Ana Maria Mauad UFF • Annateresa Fabris - USP • Annie Duprat - Université de Versailles Sante-Quentin-en-Yvelines • Áureo Busetto - Unesp • Cláudia Musa Fay - PUC / RS • Darío Acevedo Carmona - Universidad Nacional de Colombia • Luciene Lemkhul - UFU • Luiz Guilherme Sodré Teixeira - Fundação Casa de Rui Barbosa / RJ • Miriam Nogueira Seraphim - Unicamp • Renata Senna Garraffoni - UFPR • Solange Lima Ferraz - Museu Paulista • Vânia Carneiro Carvalho - Museu Paulista PROJETO GRÁFICO, CAPA E EDITORAÇÃO: Kely Moreira Cesário • Maria de Lourdes Monteiro IMAGEM DA CAPA: Pintura rupestre - Serra da Capivara - Foto: FUNDHAM (adaptada)
TIRAGEM: 500 exemplares Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Domínios da Imagem / Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História. Programa de Pós-Graduação em História Social. Londrina, PR. Ano I – n.1 – nov. 2007 Semestral ISSN 1982-2766 1. Imagem – Estudos – Periódicos. 2. Imagem – História Periódicos. I. Universidade Estadual de Londrina. II. Centro de Letras e Ciências Humanas. III. Programa de Pós-Graduação em História Social. CDU 2 Todos os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade legal sobre seu conteúdo à revista. A versão em língua inglesa dos resumos (abstract) é de responsabilidade da revista Domínios da Imagem. Pede-se permuta • Pédese canje • On demande échange • We wask for exchange • Si richiedle lo scambio
Sumário
“Imagens ordinárias” como signos eloqüentes - sistematização metodológica para a interpretação de capas de revistas ................................................................................................ 7 Ana Cristina Teodoro da Silva
Ensino de História e Imagens: possibilidades de pesquisa ....................................................... 15 Ana Heloisa Molina
Discutindo a imagem fotográfica ................................................................................................ 31 Annateresa Fabris
Comment est née “Marianne”? La caricature, médiatrice de la figuration de la République en France ................................................................................................................... 43 Annie Duprat
De l’icône à l’image du Christ, entre Orient et Occident (IXe-XIIIe siècles): une image “paradoxale” .................................................................................................................................. 55 Daniel Russo
La muerte simbólica de Jorge Eliécer Gaitán ............................................................................ 81 Darío Acevedo Carmona
Um Recorte Semiótico na Produção de Sentido: imagem em mídia impressa .................... 111 Isaac Antonio Camargo
A revista O Cruzeiro e o desenvolvimentismo: natureza e imagens do Brasil moderno no governo JK. .................................................................................................................................. 119 Jorge Luiz Romanello
Imagem e Acontecimento: o Mediterranismo de Joaquín Torres-García ............................ 137 Maria Lúcia Bastos Kern
Arte Parietal de Pompéia: Imagem e cotidiano no mundo romano .................................... 149 Renata Senna Garraffoni
Iconografia , imaginário e expansão marítima: elementos para a reflexão sobre o ensino de história ........................................................................................................................ 163 Thais Nivia de Lima e Fonseca
Apresentação
É com grande satisfação que apresentamos a revista Domínios da Imagem. Diante dos pedidos dos participantes do I Encontro Nacional de Estudos da Imagem, realizado em maio de 2007, na Universidade Estadual de Londrina, optamos por publicar, neste primeiro número, alguns ensaios lá apresentados e adiar o conteúdo que estava previsto para o número 01. Esse evento científico foi promovido pelo Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História – LEDI e contou com o patrocínio, entre outros, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Os textos aqui contidos, frutos de reflexões maduras e/ou resultados de pesquisas, de diversos pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras, de várias ramos do saber, comprovam-nos as potencialidades e a diversidade que se apresenta nos estudos das imagens. Caricatura política, imagem e ensino de história, imagem como fonte histórica, fotojornalismo entre outros temas são aqui abordados. A revista Domínios da Imagem é uma publicação do LEDI, um projeto integrado (pesquisa/extensão) do Departamento de História e vinculada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina. O objetivo do LEDI é, entre outros, integrar pesquisadores, nos diversos campos do saber, que tenham a imagem como fonte de pesquisa e que desejem desenvolver trabalhos em conjunto, trocar experiências e conhecimentos, como também, divulgar resultados. Neste sentido o LEDI atua em duas frentes: uma por meio desta revista; outra, por meio de encontros científicos, tal como foi o I Encontro Nacional de Estudos da Imagem, a que fizemos referência. Assim, Domínios da Imagem tem como objetivo difundir o diálogo intelectual entre pesquisadores que atuam em diferentes regiões do país e no exterior, bem como fomentar a interlocução entre distintas áreas que tratam dos domínios da imagem. Artigos sobre estudos da imagem se encontram dispersos em várias publicações científicas, em diversos campos científicos. Domínios da Imagem procura se consolidar com um espaço privilegiado para a difusão deste saber. Com periodicidade semestral, conta com um Conselho Editorial, formado por membros do LEDI, um Conselho Científico e um Conselho Consultivo, compostos por pesquisadores ligados a várias universidades brasileiras e estrangeiras. A partir do próximo número contará com espaço para artigos inéditos e resenhas de livros recentes que debatam o uso da imagem. Terá, também, um espaço para artigos clássicos, hoje de difícil acesso aos pesquisadores. Receberá artigos em português, francês, inglês e espanhol, possibilitando, assim, uma maior integração entre os estudiosos da imagem. Enfim, esta revista espera contribuir para o desenvolvimento dos estudos dos domínios da imagem, em um momento de destaque deste importante instrumento do conhecimento humano. Alberto Gawryszewski Ana Heloísa Molina Zueleide Casagrande de Paula Editores da revista DOMÍNIOS DA IMAGEM, LONDRINA, ANO I, N. 1, NOV. 2007
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“IMAGENS ORDINÁRIAS” COMO SIGNOS ELOQÜENTES – SISTEMATIZAÇÃO METODOLÓGICA PARA A INTERPRETAÇÃO DE CAPAS DE REVISTAS
“Imagens ordinárias” como signos eloqüentes - sistematização metodológica para a interpretação de capas de revistas* Ana Cristina Teodoro da Silva Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Assis). Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá. Autora de, entre outros livros, Iniciação à ciência e à pesquisa. Maringá: Eduem, 2005. actsilva@uem.br
RESUMO
O texto tem como objetivo explicitar alguns passos metodológicos utilizados no diálogo com um tipo particular de imagens: as capas de revistas contemporâneas. Nomearei as características que encontrei nas capas das revistas citadas e que são, ao mesmo tempo, sugestões metodológicas, como: seriação; periodicidade; justaposição de linguagens; recepção e figuras de linguagem. Espera-se contribuir para mostrar complexidades das “imagens ordinárias”, vendidas, “fáceis” além de comuns e de grande aceitação. O texto tem como base pesquisa feita com as revistas Manchete, Veja e Isto É Senhor nos anos de 1968, 1969 e 1989. PALAVRAS-CHAVE: imagem; metodologia; comunicação; revista.
ABSTRACT
Methodological steps will be indicated on dialogue with a kind of pictures: contemporaries’ magazine covers. The characteristics met on these pictures are, in the same time, methodological suggests and signs of a particular and actual picture, fragmented, “hyperlanguaged”. It contributes to show the complexity of “ordinary pictures”, easies, commons, very well accepted. This article results of a bigger research made with important Brazilians magazines (Manchete, Veja and Isto É Senhor) comparing the late 60’s to the late 80’s. KEY WORDS: picture; methodology; communication; magazine.
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Uma versão oral desse texto foi apresentado na mesa redonda “Estudos da imagem: tendências atuais”, no I Encontro Nacional de Estudos da Imagem, UEL, em 14 de maio de 2007.
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ANA CRISTINA TEODORO DA SILVA
“Imagens ordinárias” como signos eloqüentes sistematização metodológica para a interpretação de capas de revistas
Algumas idéias vieram a mente ao pensar em qual seria minha contribuição para os debates sobre as imagens na história. O conjunto das publicações da revista certamente produzem uma síntese do estado atual dos estudos com imagens no campo da história, assim como ocorreu no Encontro Nacional do qual fizemos parte. É fundamental para o conhecimento o pertencimento a um grupo que se dedica a uma questão comum, com suas diferenças, divergências e proximidades. Sentindo-me compreendida, conteúdo do continente oportunizado pelo grupo e suas produções, tento sistematizar alguns passos metodológicos que utilizei no diálogo com um tipo particular de imagens: as capas de revistas contemporâneas, com isso inserindo-me no campo dos estudiosos da imagem pela via das produções da imprensa contemporânea. Atualmente estudo a contribuição da semiótica de Charles Sanders Peirce à história e à educação, tal preocupação é fruto das inquietações teóricas e metodológicas do trabalho com a fonte imagética. O interesse pelas imagens especificamente foi despertado ao investigar as representações da juventude na imprensa contemporânea. 1 A importância da atenção ao visual é flagrante, o cuidado e a ciência que a chamada grande imprensa despende às suas imagens é significativo. 1 2
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Em outra etapa, estudei as revistas Manchete, Veja e Isto É Senhor dos finais das décadas de 1960 e 1980, períodos respectivamente de aprofundamento da ditadura militar com a imposição do Ato Institucional n. 5 (1968/1969) e da primeira eleição ‘democrática’ para presidente da república após a ditadura (1989). Foram trabalhados editoriais, cartas dos leitores e alguns números inteiros – como as edições especiais que visavam resumir períodos, mas, sobretudo, foram trabalhadas as capas. 2 Parto da premissa que nós pesquisadores somos sedentos por sistematizações metodológicas ao lidarmos com uma fonte desafiante. E penso que marcar proximidades e diferenças entre representantes do imenso conjunto de fontes e objetos que denominamos “imagens” pode ser proveitoso. Nomearei as características que encontrei nas capas das revistas citadas e que exporei aqui como: seriação; periodicidade; justaposição de linguagens; recepção e figuras de linguagem. Tais características não são exclusivas às capas de revistas, não foram por elas criadas, não as esgotam enquanto fonte, porém entendo que dispõem possibilidades de interpretação a essas imagens – quem sabe também a algumas outras.
SILVA, Ana Cristina Teodoro da. Juventude de papel: representação juvenil na imprensa. Maringá: Eduem, 1999. SILVA, Ana Cristina Teodoro da. O tempo e as imagens de mídia: capas de revistas como signos de um olhar contemporâneo. Assis, 2002. 240p. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista.
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“IMAGENS ORDINÁRIAS” COMO SIGNOS ELOQÜENTES – SISTEMATIZAÇÃO METODOLÓGICA PARA A INTERPRETAÇÃO DE CAPAS DE REVISTAS
Seriação As imagens corriqueiras são bastante interessantes. Álbuns de figurinhas, calendários, filmes classe “C”, retratos e milhares outros são oráculos, guardam algum mito, inspiram perguntar por que são tão bem sucedidos enquanto fenômeno comunicativo, porque perduram, de onde vieram, qual sua história. Clichês, redundâncias, repetições sem fim dos mesmos temas, posturas corporais, naturezas mortas ou paisagens. Trabalhar com a grande imprensa, boa parte das vezes, não significa lidar com imagens singulares, fantásticas ou criativas, muitas vezes significa lidar com “mais do mesmo”. É sem dúvida fundamental procurar o diferente, o que escapa à ordem, aquele arranjo imagético criativo ou mesmo original que ora ou outra aparece na imprensa. Porém o que quero destacar nesse momento são as repetições, é a eloqüência das repetições. Para quem trabalha com grande imprensa, quantificar e seriar conjuntos de imagens pode
gerar bons resultados. Quando trabalhei com os cadernos para jovens da Folha de S.Paulo, percebi em certo momento que poderia estabelecer uma ordem àquele material separando-os por temáticas que tivessem destaque, assim surgiu a seqüência argumentativa do trabalho. Com as capas de revistas não foi diferente. Alguns bons dados surgiram quando, por exemplo, juntei o conjunto de reproduções das 104 capas da revista Manchete relativas aos anos de 1968 e 1969. Como imagem principal, a absoluta maioria das capas trazia uma personalidade, sorrindo, feliz e bonita. A maioria mulheres, com destaque à vida em família de casais famosos. Simbolizando essa tendência, Sofia Loren aparece sozinha, bela, jovem, em recatada sensualidade. Mais tarde, casa-se, foto na capa; pouco depois, com o filho recém-nascido em outra capa. O conjunto tem a dizer sobre os papéis atribuídos a homens e mulheres, sobre os valores atribuídos a certo tipo de família, sobre ideais de juventude, beleza e felicidade que
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ANA CRISTINA TEODORO DA SILVA
certamente fazem parte do imaginário do público leitor. Lidar com grande imprensa é lidar com estereótipos, representados pelo que gosto de chamar “imagens ordinárias”, que se repetem, fornecem capital imagético cotidianamente, fazendo-nos pensar nos limites e interseções entre construção do imaginário e ideologia. Para encerrar esse tópico, enfatizo que tais discursos tornam-se mais evidentes quando arranjamos as imagens em séries para que as repetições sejam evidenciadas. É divertido quando grandes revistas produzem o mesmo arranjo para o mesmo tema na mesma semana! Como exemplo, cito as capas que representaram o segundo turno das eleições presidenciais de 1989: Lula e Collor de perfil, mudando apenas a posição, na Veja (Collor à esquerda) e Isto É Senhor (Lula à esquerda). Outro exemplo, a representação da morte de Frank Sinatra, ambas revistas com close em preto e branco do cantor, apenas os olhos em azul céu, a homenagear “the blue eyes”. Podemos imaginar os egos feridos dos editores ao constatarem o concorrente com a mesma idéia. Para nós, transparece nessas ocasiões como as capas trabalham em limites estreitos, utilizando clichês comunicativos.
Periodização Outra característica das imagens da imprensa é terem, como a própria imprensa, periodicidade. No caso das capas de revistas, são imagens pensadas para representar a semana e para durar uma semana, após o que se transformam em revista velha – ou fonte para pesquisadores. O tempo de execução é curto, alguns dias, algumas horas, a imagem central pode ser decisão 10
instantânea de um editor. O seu fazer é marcado pelo imediato. Signos envoltos em um contexto político, econômico, cultural, tecnológico, empresarial, com hora marcada para sair, expectativas para atender, prazo de duração determinado. Essa temporalidade ordenada, mensurável, gera um efeito narrativo na sucessão das edições. Alguns eventos são acompanhados desde a sua expectativa inicial, seu desenrolar, conclusão e balanço final. Como exemplo, uma eleição presidencial. As capas das revistas Veja e Isto É Senhor de 1989, se vistas em seu conjunto e em seqüência, mostram como as eleições foram a pauta privilegiada do ano, qual o ângulo de abordagem de cada revista, os grandes lances que envolveram a disputa. Suponho que essa seqüência ordenadora e diretiva é um dos elementos constitutivos das explicações que cada leitor dará àquela experiência que é testemunho. Não resisto à tentação (palavra bem apropriada) de usar um exemplo atual: a visita do Papa (estamos em maio de 2007). O Jornal Nacional prepara essa visita há meses, com inserções intercaladas da história de Bento XVI e dos papas em geral. Nas últimas semanas, a comparação com João Paulo II foi flagrante, matérias sucessivas de um e outro induziam à associação entre ambos. Uma leitura possível: ambos são papas, ambos são pedros. Com isso, procurou-se reprisar as visitas bemsucedidas - da perspectiva da Igreja - de João Paulo II ao Brasil, associando o imaginário criado de simpatia, simplicidade, de condutor de ovelhas do “santo” Papa à imagem do papa atual, que carece de tais qualificativos. Esse esforço não apareceu em apenas uma reportagem, certamente foi fruto de reflexão editorial que determinou uma seqüência de matérias em dias sucessivos, bem como a seqüência de certas matérias dentro do
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próprio jornal. Até a discussão sobre o aborto, em pauta no Congresso, foi utilizada. Nesse caso, diferentemente da repetição de estereótipos exemplificada no item anterior, cada cena evolui para outra, para outra etapa, em direção a um ápice, como uma novela, marcando uma sucessão de eventos. Outros exemplos do mesmo procedimento: eleições; copas do mundo de futebol, o panamericano. Na exposição oral exemplifiquei com a “corrida espacial” de 1969. A revista Veja produziu sete capas entre dezembro de 1968 e julho de 1969. Na primeira, ainda em dezembro, lembra que é natal na Terra e no espaço. Na segunda, em janeiro, pergunta “quem chega antes?” à Lua, Marte e Vênus – já que havia uma disputa entre Estados Unidos e União Soviética pelo predomínio do espaço, com todos os contornos da guerra fria. Em março, divulga-se foto espacial do Brasil e pergunta-se como o “país do futuro pode chegar ao futuro”. Finalmente em julho, após período de preparação e expectativa, capa com o astronauta se vestindo para ir à Lua. Em “edição histórica”, uma foto desfocada pretende documentar que “chegaram”! É o ápice da odisséia. Porém, já na outra semana, close em um Armstrong de cara feia a perguntar “que ganhamos com a lua?”, usando um capacete que faz menção ao Vietnã, Honduras, aos concursos de misses e outras questões em ebulição no período. Enfim, é interessante notar no conjunto das fontes, temas que são “pautas marcadas” pelas editorias dos meios, seja por interesses políticos, mercadológicos ou de autopromoção. Evidenciar as seqüências temáticas nas capas auxilia a compreensão da proposta editorial do meio ou dos acordos que o meio faz com anunciantes ou outros grupos de poder. A capa é a “cara da revista”,
é diferente de matérias assinadas, é editorial evidente, que utiliza todos os recursos possíveis de criatividade, explora o retângulo da revista; é associação do estampado em capa com a própria revista, é aparência, imagem de capa e imagem da revista confundem-se.
Justaposição de linguagens Não há uma ordem de importância nas características das imagens de capas que arrolo, porém essa seqüência veio a calhar, pois acabei de colocar a exploração do retângulo do suporte físico da revista pelos executores das capas. Para o preenchimento do retângulo, diversas linguagens são pensadas, justapostas no mesmo espaço ou disputando esse espaço. Assim tem-se, a maioria das vezes, o código fotográfico em uma imagem central. Um recurso comum é utilizar uma seqüência de fotografias, o “cineminha”, contando uma história. Na absoluta maioria das vezes uma manchete ou legendas – linguagem verbal – compõem o discurso induzindo determinada interpretação, então, já não se trata de fotografia apenas, mas de fotografia com legenda. Outras chamadas de capa, de número variável, são perfiladas usualmente nas laterais da capa; mais tirinhas como lembretes aparecem transversalmente nos cantinhos superiores ou em filetes acima ou abaixo nas capas. Soma-se a isso o próprio “logo” da revista, sempre o mesmo, procurando manter certa tradição. Inerente às linguagens visual e verbal, a escolha do tipo de letra, a composição do arranjo, o brilho, o contraste. Fundamentalmente as cores da fotografia, dos desenhos, do nome da revista, do fundo da capa; fundamentalmente os corpos,
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ANA CRISTINA TEODORO DA SILVA
presentes na ampla maioria das capas analisadas, com seus gestos e poses, com suas máscaras e disfarces. Tal justaposição característica das capas de revista, não permite falar apenas em fotografia ou apenas na manchete ou apenas nas cores, já que uma interfere na outra determinando sentidos da leitura no conjunto. Tais justaposições ocorrem simultaneamente, novamente o tempo. A temporalidade de leitura pode ser um “ao mesmo tempo”: manchete, imagem, legenda, cor, gesto, associados em um instante, pelo menos em um tempo curto. Aquele retângulo pulsa como um todo, e cada parte atrai o olhar, quer ser um retângulo sedutor pelo conjunto e pelas partes. É também característico da atualidade, como vemos não apenas em capas de revistas mas nas páginas da internet, nos outdoors, nos jogos eletrônicos, na linguagem cinematográfica de Hollywood: velozes, do olhar excitado, rápido, de quem passa apressado, o inverso da contemplação. Desde o estudo das representações juvenis na imprensa percebo que contemplar um anúncio publicitário é uma heresia, ninguém pára em frente a um outdoor, mas se parasse, romperia uma relação pré-concebida e produziria uma leitura inesperada. O ritmo dos anúncios, das capas das revistas nos cartazes pregados nas bancas enquanto passamos apressadas; do trailer estonteante do Matrix. É esse o exemplo que gostaria de trazer para esse tópico.
Recepção O público da capa da revista é bem mais amplo do que o público da revista, pois a capa é divulgada em cartazes afixados nas bancas de jornais, rodoviárias, aeroportos, 12
reproduzida em outdoors e outras revistas do mesmo grupo editorial, eventualmente na televisão, assim como, é claro, onde a própria revista está exposta, em caixas de supermercados e consultórios médicos. A capa deve ser o chamariz do leitor; e, como peça publicitária, chamariz do consumidor. Para ter o olhar sugado por uma revista de sucesso mercadológico, portanto, não é necessário ser assinante da revista nem decidir comprá-la. Sintomaticamente os publicitários tapam a capa da revista do assinante com outros anúncios, o assinante já está capturado. Talvez uma das mais interessantes características para se pensar a recepção das capas de revistas da grande imprensa seja interrogá-las como instrumento de autopromoção, como embalagem de um produto, peças que usam da persuasão para vender um produto, para convencer sobre determinado ponto de vista. Os institutos que esquadrinham a circulação e o potencial publicitário da mídia elaboram pesquisas sobre os hábitos dos leitores que contém dados sobre onde mais se lê a revista: na sala, no quarto, no banheiro, na espera do dentista; até como se lê, do começo ao fim, abrindo ao meio, aleatoriamente. Tais pesquisas indicam os espaços privilegiados para cada tipo e intenção de anúncio. As capas e as revistas, no entanto, não são apenas ideologia. Elas têm algo do leitor, já que há uma obsessão constante de seus produtores em procurar dados da recepção, em catalogar perfis e hábitos, o leitor incomoda - a leitura não é acomodada! Capas e revistas também não são representações puras do imaginário. É na tensão entre o imaginário e a ideologia que se situam, e a recepção é uma via flexível, aberta; da perspectiva da revista, a leitura é alvo de
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constante preocupação, sinal que não há uma ideologia totalitária. Por fim, a recepção da capa, mais fluida que a recepção da revista, é campo onde a ideologia se espraia, se confunde. Simultaneamente, a capa tem algo do grupo que tem seu olhar atraído àquela revista, sendo também representativa de imaginários. Em que público se pensa ao produzir a capa? Como seus produtores imaginam o público? São perguntas encaminhadoras.
Figuras de linguagem Outra característica das imagens de capa de revista é a utilização de figuras de linguagem, que aparecem ou na própria imagem central; ou na interlocução entre legenda e imagem ou no título central. No que diz respeito à composição de imagens, são freqüentes as hipérboles, os eufemismos, as ironias e as metáforas. A Isto É Senhor, em 1989, utilizava charges dos candidatos à sucessão presidencial vestidos de atletas, um tanto desengonçados, e disputando uma corrida, a “corrida eleitoral”. A Manchete, na década de 1960, utilizava frequentemente a hipérbole nos títulos verbais, com abusos de adjetivos e superlativos. A ironia comparecia em maior grau nas capas da Veja, no mesmo período. No exemplo a seguir, a metáfora presente na imagem, o mapa do Brasil é poça de água em um ladrilho. Na manchete, ironia, “ninguém segura esse país”, jargão militar que, nessa capa de 1989, significa um o país esvaindo-se pelo ralo.
A identificação das figuras de linguagem nas imagens remete-nos ao complexo da retórica, que sugere reflexões oportunas para quem trabalha com imprensa, em todas as suas modalidades textuais (verbais, visuais, na diagramação, destacadamente na publicidade). Assim encerro esse texto esperando ter sido capaz de indicar proximidades e distâncias entre as imagens compostas em capas de revistas e outras imagens, ao sugerir reflexões metodológicas que auxiliam a significar nexos históricos, a tornar visível a historicidade da fonte. Espero ainda ter contribuído para mostrar complexidades das que chamo “imagens ordinárias”, safadas, vendidas, comuns, mas de grande aceitação, “fáceis”, com aquele óbvio que confunde, encabula e constrange, em sua simplicidade.
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ENSINO DE HISTÓRIA E IMAGENS: POSSIBILIDADES DE PESQUISA
Ensino de História e Imagens: possibilidades de pesquisa
Ana Heloisa Molina Doutora em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina e do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina. Autora de, entre outros artigos, “Alegorias sobre o moderno: os quadros ‘Solidariedade Humana’ e ‘O progresso’ de Eliseu Visconti (1866-1944)”. Estudos Iberoamericanos. Porto Alegre. V. XXXI, 2005. anaheloisamolina@yahoo.com.br
RESUMO
Este texto propõe analisar alguns referenciais teóricos a respeito do conceito imagem, os meios e utilizações mais freqüentes em sala de aula pelos professores de história e principalmente o olhar de alunos do ensino fundamental e médio da rede pública quanto às especificidades das linguagens visuais e sua análise quanto ao uso em sala pelos seus professores.Desta forma, apontar os limites e os usos de imagens pelos professores de história e levantar, a partir das respostas dos alunos, as possibilidades de investigação da construção do conhecimento histórico. PALAVRAS-CHAVES: ensino de história; imagens; construção do conhecimento.
ABSTRACT
This text proposes the analysis of some theoretical references in respect to the concept of image, the means and the more frequent use of it, in the context of school classroom, by history teachers and principally the point of view of students from schools and high schools of Brazil’s public school system about the visual languages specificities and their analysis about the use of them by their teachers. Therefore, the article points the limit and the use of image by history teachers and tries to identify, from students answers, possibilities to investigate the construction of historic knowledge. KEY WORDS: history teaching; images; construction of the knowledge.
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ANA HELOISA MOLINA
Ensino de História e Imagens: possibilidades de pesquisa
“Os antigos retratos de parede Não conseguem ficar por longo tempo abstratos Às vezes os seus olhos te fitam, obstinados Porque eles nunca se desumanizam de todo. Jamais te voltes para trás de repente Poderias pegá-los em flagrante.” Magias. Rua dos cataventos e outros poemas. Mário Quintana
Algumas interrogações sobre a pluralidade de imagens que nos são dadas a ver na iconosfera atual são necessárias e respeitando as diferenças e as especificidades entre a palavra e a imagem, devemos considerar as interfaces e o diálogo no intervalo destes dois espaços culturais. No trajeto que vai das imagens indiciais (chamemo-las “imagens pictográficas”: das artes tradicionais, da fotografia e do cinema), às imagens imateriais (procedentes em sua maioria da lógica computacional), emergiu um panorama visual marcado pela complexidade narrativa, por uma estética centrada nos procedimentos e mesmo pelo excesso de uso e exposição. É a imagemvelocidade, guiada pela diretriz computacional, que marca hoje, consideravelmente, o atual panorama imagético. Modificou-se também a propriedade das imagens: elas já não são o exclusivo dos artistas, mas, desempenham funções sociais.
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A imagem expandiu, e, neste processo, adquiriu, em grande medida, o status de virtualidade. Neste universo em franca expansão como pensar a questão da visualidade como fenômeno social e como fonte de conhecimento histórico? Poderíamos iniciar tal discussão a partir do mecanismo de criação e reprodução da imagem, no progresso paralelo do conhecimento dos processos analíticos que permitem decompor a imagem. Na perspectiva do figurativo ao virtual, o simultâneo e a manipulação da matriz imagética proporcionam novas fronteiras de análise e recombinações. Os pesquisadores sobre o equipamento visual humano e os equipamentos mecânicos de produção de imagens do início do século XX não poderiam imaginar que poderíamos decompor e transformar o menor elemento constituinte da imagem, graças a outro aparelho, o computador. Desta forma, o pixel,
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ENSINO DE HISTÓRIA E IMAGENS: POSSIBILIDADES DE PESQUISA
para Couchot, transforma-se em ponto de convergência de duas linhas de investigação tecnológica: uma que procurava o máximo de automatismo na geração da imagem, outra, o domínio completo de seu constituinte mínimo. A imagem é, daí por diante, reduzida a um mosaico de pontos perfeitamente ordenado, um quadro de números, uma matriz. Cada pixel é um permutador minúsculo entre imagem e número, que permite passar da imagem ao número e vice versa2. Esta questão está proposta também por Annateresa Fabris3 quando questiona o status da imagem e analisa o modelo, produto de abstrações formais, que toma cada vez mais o lugar da imagem especular, marcando a passagem da natureza para a linguagem e redefinindo o regime da visualidade contemporânea. A imagem deixa de ser o antigo objeto óptico do olhar para converter-se em imagerie (produção de imagens), práxis operacional que insere o sujeito numa “situação experimental visual inédita”, acrescida pela possibilidade de integrar outros registros da sensibilidade corporal, sobretudo o tato.4
Entre o figurativo e o virtual existem intercâmbios e zonas fronteiriças de aproximação, como a hibridação. “Hibridação enfim entre o pensamento tecno-científico, formalizável, automatizável e o pensamento figurativo criador, cujo imaginário nutre-se num universo simbólico da natureza diversa, que os modelos nunca poderão anexar”5.
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Como o sujeito enquanto espectador e usuário de imagens criadas em computador, “experimentador” de videogames, em filmes, ficção, traillers publicitários, jogos, vinhetas entre tantos e outros se insere no mundo material e em um espaço e tempo simulado? Sobre tal questão, Philippe Quéau propõe que “A passagem iminente das tecnologias de telecomunicações e do áudio-visual ao todo-numérico anuncia-se como a ocasião de uma reconfiguração dos saberes e dos métodos, das escritas e das memórias, dos meios de criação e de gestão”6 Ainda avança em suas reflexões O fascínio pelos mundos virtuais e pelas imagens de síntese toca particularmente as jovens gerações. Este fascínio provém do fato de que não somente podemos criar pequenos “mundos” do nada, mas sobretudo pelo fato de que, num certo sentido, podemos habitar “realmente” esses mundos.” “O virtual nos estimula a colocar de forma nova a questão do real7.
Se a visão torna-se prioritária, seus suportes e mecanismos de reprodução e criação expandem-se. A máquina coloca outras possibilidades, inclusive de acoplar ao humano suas peças e elementos mecânicos e eletrônicos. No percurso histórico desta relação temos as ficções literárias e fílmicas clássicas como Frankstein ou o Prometeu Moderno de Mary Shelley (publicado em 01/ 01/1818), o robô Maria, no filme Metrópolis de Fritz Lang (1929) ou recentemente, Neo, personagem chave em Matrix (filme de 1999), onde a “Revolutions” (filme de 2003) estaria no mundo virtual dos bytes, tornando o humano a combinação binária de números.
COUCHOT, Edmont. Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes da figuração. In. PARENTE, André (org.). Imagem-máquina. Editora 34, p.38 FABRIS, Annateresa. Redefinindo o conceito de imagem. Revista Brasileira de História. Vol. 18, n.35,. 1998. p.45 Idem. p.46 Idem.p 47 QUÉAU,Philippe. O tempo virtual, In. PARENTE, André (org.). Imagem-máquina. Editora 34, p. 93 Idem. P.99
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Os estudos sobre imagem agregam muitas áreas do conhecimento e há muito vem ganhando corpo, especialmente pela Sociologia, Antropologia Visual, Semiótica e História da Arte, lembrando que esta última , em franca expansão, alarga suas fronteiras, ou melhor, refaz suas perguntas ao seu objeto de estudo. As visualidades, ou o conjunto de imagens em vários suportes, também abrangendo o virtual, retorna a sua origem e recai no figurativo, e é neste campo que circunscreverei minha fala. O figurativo remonta à condição humana básica em expressar por figuras, cores e formas os sentimentos, as críticas, as emoções que poderíamos dizer, vem das inscrições préhistóricas nas cavernas, em seu caráter místico, mas, também de registro de rituais e convenções sociais esboçadas em um grupo humano em conformação. Tais dimensões de expressão humana tomam proporções no que Guy Debord aponta como uma “sociedade do espetáculo”, onde as imagens ocupam todo espaço e a idéia do “presente perpétuo” e interpretação efêmera, informal altera e despotencializa a história. Só para lembrar a obra foi publicada em 1967, inspiradora de maio de 68 e traduzida no Brasil em 1997. Inicialmente em italiano, depois, traduzido para o francês. Suas reflexões, porém, não devem ser desconsideradas no quadro social, econômico, político e cultural vivenciado nos últimos decênios. Aqui indago: neste mar de imagens quais as significações e repertórios interpretativos utilizados na leitura de imagens? A transposição em linguagem textual auxilia a decifração visual, intercalando as
linguagens visual e verbal, pois, a descrição não deixa de ser a mediadora da explicação. Segundo Baxandall, “nós não explicamos um quadro, explicamos observações sobre um quadro”8. Outro historiador, Peter Burke9, aponta que imagens podem testemunhar o que não pode ser colocado em palavras. Minha intenção não é valorizar uma linguagem em detrimento de outra, mas, como outros autores apontam, o intercruzamento de vetores e fronteiras de estruturas de pensamento, ou seja, o que as palavras muitas vezes não conseguem expressar e o que uma imagem pode resignificar para outros somente sem a necessidade de verbalizar. Lembramos que este re-significar atrelase também ao repertório cultural, emocional e sígnico dos indivíduos participantes. Pensemos no exemplo de três cegos descrevendo uma parte do elefante: estes não teriam a dimensão plena do conceito elefante, e se por um lado, não possuem a visão, desenvolveram outros sentidos como o tato e o olfato e instrumentalizam ferramentas interpretativas através do como falar, escolhendo palavras e signos para expressar o que “vêem” com os dedos. Ao fazer uma leitura literal ou metafórica, descrevemos paisagens visivas, mas, muitas vezes não concatenamos uma lógica formalizada. “ É mais fácil identificar os elementos de uma pintura do que compreender a lógica de sua combinação”10. Para Peter Burke 11, as lógicas de combinação possíveis para a leitura de imagens, retomando, Ernst Gombrich, por exemplo, refere-se à reconstrução de um programa pictórico, um afunilamento significativo do projeto ligado à suspeita de Gombrich de que a
BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção. A explicação histórica dos quadros. São Paulo: Cia das Letras, 2006.p.31. BURKE, Peter. Testemunha ocular. História e imagem. Bauru: Edusc, 2004, p.38 Idem. p.50 11 Op.cit.. P.46 8 9
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iconologia de Panofsky era simplesmente um outro nome para a tentativa de ler imagens como expressões do “espírito da época”. Mais à frente, o autor complementa que para interpretar a mensagem, é necessário familiarizar-se com os códigos culturais; um pouco o que veremos no que Baxandall chamaria de “el ojo de la época”12 Dentre as imagens figurativas optei por pensar rapidamente as pinturas históricas13. Para Burke em um título muito sugestivo, “Pintores como historiadores do século XIX”, a grande era da pintura da história foi o século XIX, especialmente sua segunda metade.
Podemos refletir, entre outras possibilidades, as narrativas feitas pelos “pincéis da história” ou “a fabricação do Estado”, quais os tipos de história que eram pintados, quais os temas predominantes, a nacionalização do passado segundo os ícones nacionais, a ação de patronos e um segundo público: compradores de reproduções de pinturas históricas, gravuras ou litografias, o que poderíamos ampliar e incluir os livros didáticos e como esses remetem aos modos de enxergar o passado, as seleções do repertório visual e as retóricas visuais utilizadas. Neste aspecto, tomemos rapidamente o exemplo do quadro abaixo:
Quadro: A Primeira Missa no Brasil. Vítor Meirelles. 2,68 x 3,56m. 1861. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
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BAXANDALL, Michael. El ojo de la época.( Pintura y vida cotidiana en el Renacimiento. Arte y experiencia en el Quattrocento. Barcelona, Gustavo Gili, 1988, traduzido no Brasil como Olhar renascente). As considerações sobre pintura histórica estão em Pintores como historiadores na Europa do século 19. In. MARTINS, José de Souza e outros (orgs.).O imaginário e o poético nas Ciências Sociais. Bauru: Edusc, 2005
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O quadro Primeira Missa no Brasil, de Vítor Meirelles foi executado em um contexto, onde a ação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838, em conjunto com a Academia Imperial de Belas Artes, procurava demarcar os mitos fundadores de uma história nacional, fincada na proposta de narrativa delineada por Von Martius. O conceito de nação operado é eminentemente restrito aos brancos, sem ter, portanto, aquela abrangência a que o conceito se propunha no espaço europeu. Construída no campo limitado da academia de letrados, a nação brasileira traz consigo forte marca excludente, carregada de imagens depreciativas do “outro”, cujo poder de reprodução e ação extrapola o momento histórico preciso de sua construção.14
Para este “outro”, baseado nas experiências jesuíticas, objetiva-se trazê-los para o interior durante a implementação de um “processo civilizador”. Este discurso coaduna-se com os aspectos políticoestratégicos daquele momento, segundo Guimarães, onde a jovem monarquia , que constrói sua identidade a partir da oposição às formas republicanas de governo latinoamericanas, ao assegurar o controle sobre as populações indígenas fronteiriças garantirá o poder do Estado-Nação sobre este espaço. À Academia Imperial de Belas Artes com um sistema de ensino pautado em referências do modelo da Academia de Belas Artes da França modela referências visuais, especialmente para a pintura histórica, utilizando-se de pesquisas em documentos
históricos, mas, com uma composição plástica fundada em personagens com caráter heróico tendo ao fundo uma natureza exuberante a ser conquistada. Jorge Coli ao comentar a “invenção da Primeira Missa”, por Victor Meirelles, anota as recomendações de Araújo Porto-alegre para a composição deste quadro: Araújo Porto-Alegre, diretor da Escola de Belas Artes do Rio, catalisador do romantismo indianista, exercendo atividades literárias, ao mesmo tempo que plásticas, foi animador de uma cultura artística de cunho nacional, insistira para que Meirelles se embebesse do relato de Caminha: “Leia cinco vezes o Caminha, que fará uma cousa digna de si e do país”. Insistia também para que reproduzisse uma natureza tropical.15
Siman em um estudo sobre o imaginário de adolescentes mineiros acerca do descobrimento utilizando, em especial, o quadro Primeira Missa aponta que todos os alunos entrevistados identificaram a pintura “(...) dizendo ou o nome do quadro ou do que esse trata” frisando o quanto seja “(...) revelador de sua presença no repertório de representações dos estudantes”16 A autora avança nas considerações: (...) Não é de se estranhar essa facilidade na identificação, e isso poderá se explicar não apenas pela experiência mais recente e pessoal desses sujeitos pesquisados, mas pela sua presença no imaginário coletivo da nação. Ressalta-se que 21 alunos, ou seja, 25% do total, não se limitaram a atribuir ao quadro o seu próprio título e , em suas respostas, já podemos destacar alguns elementos de interpretação que remetem
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n.01, 1988.p.7 15 COLI, Jorge.A pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a invenção de uma história visual no século XIX brasileiro. In. FREITAS, Marcos César (org.).Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto,1998, p. 380 16 SIMAN, Lana Mara de Castro. Pintando o descobrimento: o ensino de história e o imaginário de adolescentes. IN. FONSECA, Thais N de Lima e SIMAN, Lana M Castro. Inaugurando a história e construindo a nação: discursos e imagens no ensino de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. 14
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ENSINO DE HISTÓRIA E IMAGENS: POSSIBILIDADES DE PESQUISA quer a visões historiográfica mais recentes – a invenção da descoberta - , quer a interpretações que associam a imagem ao surgimento da igreja no Brasil – leituras marcadas, certamente, por suas experiência culturais religiosas (...)17
Essas ponderações são importantes na medida em que constatam as interpretações visuais dos adolescentes, mesmo temporalmente afastados, dialogarem com as premissas da tradição de narrativa plástica da Academia Imperial de Belas Artes, agregado ao fato que, mesmo com visões historiográficas recentes incorporadas à leitura visual, não conseguem derrubar as primeiras impressões. Coli nos auxilia a refletir a força destas impressões ao comentar: “(...) sob a égide católica, associam-se, numa cena de elevação espiritual, as duas culturas. Criava-se ali o ato de batismo da nação brasileira. Momento prenhe de significados, que o projeto de construção de um passado histórico para o Brasil, ocorrido no século XIX, saberia explorar”.18 Desta forma, o impacto da imagem na imaginação histórica, segundo Francis Haskell citado em Burke 19, nos remete a como pinturas, estátuas, publicações e assim por diante permitem a nós, posteridade, compartilhar as experiências não verbais ou o conhecimento de culturas passadas e a maneira como estas experiências foram apropriadas, alimentando leituras ainda fortemente marcadas pelas suas premissas de origem, como citado no exemplo acima. Mesmo em um nível de saturação de nosso mundo de experiências por uma quantidade
crescente de imagens, pensemos os espaços de resistências. Entre pintores paisagistas da virada do século XIX ao XX, Claude Monet (1840-1926) e muitos impressionistas, por exemplo, rejeitavam o significado da paisagem e concentravam-se nas sensações visuais. Neste sentido, poderíamos começar a considerar as histórias das respostas às imagens e as tentativas de controle feitas em vários círculos de legitimação. O sujeito propriamente dito ou programa iconográfico aceito pelo artista e o motivo por ele escolhido ou abordado por razões artísticas, ou seja, a questão da gênese da obra interfere, assim, com a de seu modo de significação.20
Partindo desta indagação reflitamos com Klein: O que esse processo representa? Como é que eu posso saber o que isso representa?, como captar entre as significações igualmente possíveis de uma obra, aquela que é a “melhor” e como saber que ela é “melhor” que outras ? Não se trata de qualificar significados, mas, como se dispõem as diferentes camadas de significação ou categorias de assuntos, depois, os meios objetivos de interpretação de que se dispõe, enfim, o “limite em que o trabalho de decifração encontra o famoso círculo de hermenêutica: é preciso haver compreendido para compreender”21. Nesta mesma direção, Salgueiro nos auxilia a retomar as relações entre observador/imagem/discursos/decodificação. Estamos então diante de um objeto “deslocado” do seu mundo/tempo e sobre o qual se acumulam discursos de diferentes
SIMAN. Op.cit. p.157-158. COLI. Op.cit. p. 380. 19 BURKE, Peter. Op.cit. p.16 20 Klein, Robert. Considerações sobre os fundamentos da iconografia.In. A forma inteligível. SP; Edusp, 1998, p. 343 21 KLEIN. Op.cit.. P. 344 17 18
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A referência cultural particular a cada objeto analisado, a busca das suas condições de compreensão e percepção, as descontinuidades temporais das formas, a historicidade múltipla das obras, o tempo social da produção, circulação e recepção, as políticas culturais de reconfiguração ao integrarem coleções, museus, ou mercado da arte constituem elementos possíveis de intercruzamento de análises mais pertinentes ao objeto visual. Também, o que Burke chama de habitus visuais ou cognitivos em que se inscreve a obra desloca a atenção de sua análise para sua leitura, pois, o leque de possibilidades e diferenças entre os artistas e a montagem das diferenças na composição visual re-modela a dinâmica da memória e oferece outras possibilidades mais abertas à análise do figurativo. Neste leque de novos olhares sobre o figurativo, como nos remetemos a um dado conceito a partir da imagem canônica e viceversa? Ou como as pinturas de determinados fatos históricos cristalizam determinado conceito ? Neste universo imagético em constante transformação, como estabelecer elementos de leituras das imagens apresentadas? As leituras das imagens, ou melhor, as possibilidades de tradução em palavras do que se vê, também é uma tarefa conflitante. 22 23
Passa pela percepção, o que ainda não é representação. Para Julio Plaza Perceber uma coisa, contudo, não é ainda representa-la numa forma tangível. Nessa medida, a representação pressupõe mais do que a formação de um conceito perceptivo. Ela requer o que Arnheim chama de “conceito representativo”, ou seja, a tradução de “conceitos perceptivos” em padrões que podem ser obtidos de um estoque de formas disponíveis num médium particular, de modo que os “conceitos representativos” se tornam dependentes do meio através do qual eles exploram a realidade.23
A importância do meio está na influência das qualidades materiais do signo, o provocar sensorial e a materialidade. Consideremos como exemplo as diferenças entre uma fotografia, um desenho e uma gravura que representam um mesmo objeto. O viés proposto por Burke sinaliza outra condição possível de leitura. “Imagens são irremedialvemente mudas ”. Este autor complementa com um dizer de Michel Foucault “ o que vemos nunca está no que dizemos” e agrega ainda a declaração de Roland Barthes (1915-1980) “ Eu leio textos, imagens, cidades, rostos, gestos, cenas”. Se por um lado estas referências são operatórias, por outro a natureza estética da imagem parece resistir a esse tipo de análise, tornando-se, em certos casos e para certas imagens ou seus usos, limitativos. Na outra ponta, temos a idéia de que a imagem fala por si, portanto, sua compreensão é algo espontâneo, e desta forma, não necessitaria de códigos de inteligibilidade mais aprofundados. A linguagem visual não é universal. Seus significados obedecem a um sistema de representações que se orientam por convenções que implica o exercício
SALGUEIRO, Heliana Angotti . Prefácio. In. BAXANDALL, Michael.. Padrões de intenção. SP: Cia das Letras, 2006 PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. SP: Perspectiva, 1987. p.48
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estruturado de (de)codificação. Entre a imagem e o que se representa, existe uma série de mediações, que não restituem o real, mas, reconstrói, voluntária ou involuntariamente a apreensão do real. Como diz Miriam Moreira Leite, “(...) a imagem não explica a realidade. Convida a recriá-la e a revivê-la”24 A autora cita Bartlett (1932) onde “ (...) as imagens fluem entre si, condensam-se e combinam-se em cada experiência mental do indivíduo, podendo parecer do exterior inadequadas ou mesmo incoerentes”25 . O observador da imagem incorpora-a entre suas imagens mentais, transferindo-a de um tipo para outro de memória. No caso estudado pela pesquisadora é a fotografia, mas, podemos estender a outros tipos imagéticos. “Ao que é impossível descrever, torna-se indiscutível a prioridade da imagem visual,
por sua capacidade de reproduzir e sugerir, por meios expressivos e artísticos, sentimentos, crenças e valores”26. Pelo fato de nem sempre a imagem ser imediata, o exercício da escrita e da proposição oral complementam-se, não restringindo a percepção visual somente à organização intuitiva. A polissemia da mensagem visual envolve ramificações de associações, uma multiplicidade de símbolos e interpretações e possui como variável, um repertório cultural construído em meio às relações sociais e históricas, implicando também pela ótica do leitor, a seleção de significados, escolhendo alguns, excluindo outros. A imagem abaixo ilustra, em seu primeiro e melhor sentido, as considerações acerca da polissemia da mensagem visual.
Retirado de SAMAIN, Etienne.Questões heurísticas em torno do uso das imagens nas Ciências Sociais. In.BIANCO, B. Feldman e LEITE, Miriam L M. Desafios da imagem. Campinas: Papirus,1998. P.58 LEITE, Miriam M. Texto visual e texto verbal. In. BIANCO, Bela e LEITE, Miriam M. (orgs.). Desafios da imagem. Campinas; Papirus, 1998. p.41 Idem. p.43 26 Ibidem. p.44 24
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Uma imagem é carregada de significado mesmo que não se saiba formulá-la adequadamente em termos discursivos ou conceituais. (...) em torno de cada imagem escondem-se outras, forma-se um campo de analogias, simetrias e contraposições. Na organização desse material, que não é apenas visivo, mas, igualmente conceitual, chega o momento em que intervém minha intenção de ordenar e dar um sentido ao desenrolar da história – ou antes, o que faço é procurar estabelecer os significados que podem ser compatíveis ou não com o desígnio geral que gostaria de dar à história.27
Desta forma, o desígnio de minha narrativa, descrição ou interpretação, desenha as possibilidades de leituras, apreensões e sentidos. Apesar de refletir sobre a Exatidão, em seu texto nas propostas para o próximo (este) milênio, Ítalo Calvino, nos conduz ao poder das palavras imprecisas, vagas e indeterminadas, explorando as imagens construídas a partir do indefinido, do sabor e da poesia dos termos. Desta forma, as palavras não possuem a capacidade definitiva e exata de precisão e constroem pontes entre a imagem visiva e a expressão verbal. Por outro lado, a exploração do potencial semântico das palavras e suas conotações, comportam o que o autor alega sobre a multiplicidade e a visibilidade, condições essenciais naquele século e neste milênio. Partindo desta idéia indago: a”leitura” de imagens tornou-se “lugar comum”? Se assim o é, porque ainda a dificuldade de historiadores e professores de história em recolocá-la enquanto um documento que não seja ilustrativo e tomá-la como um viés potencialmente rico de possibilidades como também de limites? 27 28
Este panorama inicial, talvez abrangente, é para situarmos duas pontas de um mesmo processo: como são utilizadas as imagens no ensino de história pelos professores e como os alunos lêem tais imagens? Iniciemos pelos professores de história: quais são as dúvidas e os desafios colocados na construção do conhecimento histórico a partir da imagem? Os professores de história reconhecem as potencialidades da imagem enquanto ferramenta de comunicação pedagógica e com maior ou menor insistência recorrem às imagens, e as mais diversas, em uma situação geralmente de transmissão (notem que escrevi transmissão e não mediação) aos alunos de determinados conteúdos programáticos, para motivá-los em um momento de aprendizagem, captar a atenção ou estabelecer conexões com temas apresentados. Observamos, porém, um predomínio da palavra oral e da palavra escrita e uma insistência na comunicação, muitas vezes, pouco diversificada, restringindo o suporte visual meramente à ilustração de um conhecimento dado como devidamente elaborado. Pensar a imagem, em contexto educativo ou fora dele, tem sido, para nós, oscilar numa atitude de adesão/rejeição face aos modelos e instrumentos de tipo algorítmico, atomista, como são os da teoria da informação, da lingüística, da cibernética, da axiomática, em geral do estruturalismo.28
Variáveis interferem com o tipo e a quantidade de informação que vai ser extraída da mensagem. A exposição dos alunos a determinados elementos simbólicos (nomeadamente os que fazem parte da
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Cia das Letras, 1990. p.104-105. CALADO, Isabel.A utilização educativa das imagens. Porto: Porto Editora, 1994.p.20
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linguagem visual) tem conseqüências profundas no seu desenvolvimento e domínio de ferramentas interpretativas. Há caminhos incontroláveis da imagem, que levam da informação à evocação, à magia, ao devaneio, ao desinteresse, à saturação, à emoção. Calado ao pesquisar a utilização educativa das imagens por professores aponta algumas questões ,que acredito, possamos transpor em nossas salas de aula de história. Como os professores exploram as competências específicas da imagem? Qual a forma de tratamento dessa informação? Normalmente as funções associadas à utilização das imagens são: motivar, interessar, tornar compreensível o complexo/ abstrato, documentar, memorizar, mostrar novos aspectos, evocar, interligar, explorar aspectos ocultos, transmitir pontos de vista, emoções, tornar a aula mais atraente e convencer os alunos de um ponto de vista. A maneira de dispor os contextos ensino e aprendizagem a partir da imagem é normalmente aquele voltado à apresentação de novos assuntos, para a interrogação de idéias, na perspectiva de realizar uma síntese já apresentada, aplicações práticas com exercícios, avaliação e revisão de matéria.29 Desta forma, as imagens usadas em sala de aula não devem sê-lo gratuitamente, mas, é necessário conhecer seus componentes semânticos para adequá-los aos objetivos propostos. Assim, o desafio e o limite imposto ao professor de história serão de redimensionar e explorar as competências específicas da imagem, não somente para motivar e envolver, mas re-elaborar, recodificar, ordenar e organizar conceitos, transformando uma relação sócio-afetiva com a imagem em uma situação de cognição.
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Vejamos agora, na outra ponta, a ótica dos alunos quanto ao uso de imagens nas aulas de história. Em uma pesquisa com alunos do ensino fundamental (8ª série) e médio em 2006 com análises parciais, em uma amostragem de 30 questionários, verificamos as considerações do alunado para a pergunta: Nas aulas de história, quando você olha uma imagem, o que você procura observar? As respostas apontaram principalmente para aspectos gerais como: “a cor, gestos, objetos e roupas”, “o que os personagens estão fazendo”, “as tintas e traços, detalhes, coisas diferentes”, “coisas que não vemos em qualquer imagem”, “o que me ajudaria a aprender, lugares”; e as referências para semelhanças e índices de reconhecimento: “observar o físico da imagem para ver o que representa”, “semelhanças com os dias de hoje, saber como era a história antes”. As indagações quanto à pintura, cores e formas pontuo na bem-vinda influência dos colegas professores de artes, mas, além de aprender com eles e seu equipamento de análise, poderíamos ultrapassar nossos conceitos prévios, apropriando-nos de seus estudos e adequando-os ao nosso referencial, para não limitar a arte à pintura e provavelmente a uma única época. As referências no tocante a indícios de reconhecimento pressupõem, mesmo que vagamente, exercícios de leitura, em uma tentativa de identificar permanências e rupturas no interior do processo histórico. A questão dois propunha “para que serve a imagem na aula de história” e as respostas mais comuns podem ser agrupadas como “entender melhor o conteúdo”: “observar as pessoas daquela época”, “entender melhor o
CALADO. Op.cit.p.22.
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assunto, retratando alguns conhecimentos, aprender a história do mundo”, “confirmar um fato, mostrar e ensinar de um jeito em que seja menos teórica”, “acho que é para ajudar na cooemprenção (sic) da matéria”, “para nos mostrar integralmente o assunto discutido”, “ pra ver se nós aprendemos de um jeito mais legal” Estas respostas dialogam com os termos que podemos chamar de “motivação”: “para sabermos mais sobre a história e além de ”prender” o aluno, ou seja, se fazer com que ele se interessar mais pela aula ”, “ para entendermos melhor o cotidiano do que está sendo estudado na aula”, “ para aprendermos mais e para conhecer as coisas nos mínimos detalhes ”, “ serve então como uma ferramenta de ensino”,” imaginar como viviam, assunto seja mais explicável”, “a gente vai entendendo vendo como era as coisas antigamente ”, “ para nós ter uma “nossão” (sic) mais realista do assunto” “para não apenas ouvirmos o assunto”. O conceito de história associado a um conhecimento global e totalizante ainda permeia as respostas dos alunos, onde o “mostrar integralmente o assunto”, “conhecer o cotidiano” , “as coisas nos mínimos detalhes” e “ter uma noção mais realista do assunto” são indicativos das apreensões de nosso alunado quanto ao conceito de história em si e o conhecimento produzido pela historiografia mais voltada ao cotidiano e em perspectiva micro ou mais detalhada, contraditoriamente, em oposição ao integral proposto na resposta dos alunos. Estas contradições expõem muito mais as batalhas de discursos no interior da historiografia redimensionadas, em outra clave, ao conhecimento histórico escolar. A questão três solicitava enumerar as diferenças entre a imagem de uma fotografia, de uma pintura e a do cinema. Vejamos as 26
respostas: “Cinema é uma forma de voltar no tempo, aprender se divertindo; fotografia: entender o que houve, pintura: resgatar o passado de forma rápida”, “Cinema as pessoas se mexem, fotografia retrata uma parte da vida das pessoas, pintura retrata coisas da época”, “Cinema é quase perfeito”, “Cinema é mais real ”, “ Fotografia nos mostra a realidade, pintura nos mostra o que o pintor expressa e cinema é ficção”, “Pintura é mais fácil visualizar”, “Cinema é mais importante porque dá continuidade” (palavra muito utilizada nas respostas), “Pintura você vê a arte, cinema você vê a história”,”Cinema é o mais fácil de todos ”, “ Pintura é mais emocionante” . Aqui observamos o trânsito, ou certa confusão, sobre as especificidades de cada linguagem e o sentido emocional despertado pelas mesmas, sintetizado na frase “Fotografia = real, pintura = ilustração, cinema = veritico (sic)”, onde, além dos referenciais de realidade e verdade estarem transpostos nos adjetivos utilizados, há o predomínio de que o cinema é mais fácil de compreender a história, desvinculado do fato de ser também uma construção social e histórica como a pintura e a fotografia também o são. Para a questão número quatro foi proposta a relação do professor de história ao explorar em sala de aula algum tipo de imagem. As respostas indicaram, em sua maioria, que a aula fica mais prazerosa e a apreensão do assunto seria melhor . Os comentários adicionais foram: “Entendo melhor, pois a imagem não muda a aula, mas, sim ajuda a entender melhor o assunto” “Muda um pouco o jeito teórico da aula”, “Ajuda a aprender, só que eu tenho dificuldade ” “ É mais fácil entender porque quando tem uma imagem sobre certo assunto, você imagina”, “Não me ajuda porque eu me distraio assistindo filme
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ou outra coisa”, “Para mim passar filme, figuras em sala não ajuda nada só que a aula fica mais legal”, “Porque você imagina com a ajuda da figura o que aconteceu”. As relações entre imagem/ imaginação permitem algumas considerações. Não somente quanto a visualizar determinada situação, mas, como estas estabelecem, na medida em que são apontadas pelo professor, as relações do lugar social, o recorte político, os motivos, a composição, ou seja, como desvendar o enigma das imagens pela mediação da palavra. Outro aspecto a considerar seria que mesmo sendo mais fácil entender, nem por isso, garante a eficácia da aprendizagem, pois, o contexto e a maneira de expor a imagem em sala de aula ficaria restrito à novidade, ficando “mais legal”. Pelas falas dos alunos, verificamos que apesar da vivência do virtual, o real está no cinema ou na foto que mostra a realidade, o que podemos inferir, acerca da necessidade de elementos palpáveis para os jovens em definir o difícil conceito de realidade, no seu aspecto mais próximo ao significativo, como nos trechos : “mais verdadeiro”, “para sentir”. O como e em qual intensidade as apropriações são realizadas fica a especulação. Até que ponto as respostas dos alunos não indicam o uso das imagens em sala de aula como elemento ilustrativo ou corroborativo da fala do professor de história? As respostas que tocam sobre a disciplina ser menos teórica e “o assunto mais explicável” nos remete à organização do conhecimento histórico na medida que envolve saberes em seus mais variados níveis de abstrações em um grau de variáveis de habilidades cognitivas, que constrói conceitos e elementos de leitura em uma complexa arquitetura e hierarquia de estruturas de pensamento.Desta forma, a imagem é tanto uma estrutura quanto uma ponte para refletirmos acerca da organização de um dado conhecimento, especialmente, na sala de aula.
Considerações finais Proponho uma provocação em dois sentidos: Primeiro instigar os professores quanto ao uso organizativo conceitual, de códigos, contextos e tecnologias sobre e com a imagem. Mesmo com a sua saturação pela virtualidade, vemos, mas, não enxergamos, naturalizamos nosso olhar, dessensibilizamos nossa percepção. Por outro lado investigar como os alunos percebem as imagens e as relacionam a uma construção de conhecimento histórico que não seja rotulado de mais real, menos ficção, mais movimento , mas, promotor de referenciais capazes de promover outras leituras visuais em seus mais variados suportes. Não no sentido de leituras “corretas” ou “incorretas” a partir de determinados códigos ou controle, mas, no indicativo de Burke, enquanto uma testemunha ocular, como uma história das respostas às imagens, percebendo, como ocorre na pesquisa em outros tipos de documentos, as fragilidades das interpretações. Não desconsidero as transformações tecnológicas e a decomposição em inúmeras possibilidades das imagens, mas, priorizo o predomínio do figurativo e a relação com as imagens fixadas em livros didáticos ou seus excessos e filmes como recursos e pensar o quanto nós, professores, não somos responsáveis por esta visão simplista e naturalizada dos acontecimentos, dos fatos, dos personagens em nossa narrativa histórica. Alegamos equipamentos avariados, necessidade de adaptações físicas na sala de aula, a dificuldade na manipulação de equipamento, desinteresse dos alunos, despesas e o cumprir o planejamento, mas, temos alguns aliados, como, menor número de re-explicações, os episódios imprevistos e enriquecedores, o diálogo mais fácil com os
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alunos e talvez uma maior fluência promovida pela possibilidade de imaginar. Ao mesmo tempo, ao falarmos sobre as inúmeras possibilidades da virtualidade promovida pela internet temos que considerar a exclusão digital que afeta a muitos e as contradições das realidades escolares não somente no país, mas, em uma mesma cidade e seu entorno urbano e rural, o que nos recoloca, em outro prisma, a possibilidade do uso da imagem em outro registro, como as propagandas, out doors, livros didáticos, revistas, jornais entre outros. Devemos considerar também as tensões, ambigüidades e contradições entre a imagem visual, o texto escrito e o contexto social de uma época, bem como, as formas de expressão visual, as metáforas e analogia, à retórica das imagens, ao dinamismo simbólico e a sua conexão com outros símbolos que dizem respeito à conceituação verbal e às categorias de entendimento. Samain nos alerta: Inútil tecer outras considerações sobre um tema conhecido: o da revolução perceptiva introduzida pela informática e por seus satélites, lugar de um saber e de um poder que se exercem diretamente sobre o corpo do observador. Pode-se gostar dela, podese recusa-la, resistir-lhe simplesmente ou, ao contrário, desejar que seja muito mais do que essa criança que ainda engatinha. Eis pontos de vista.30
Neste ponto de vista, devemos lembrar continuamente que a informática se insere em uma malha de relações sociais, tecnológicas, econômicas e institucionais não inocentes e no qual nos enredamos intrinsecamente. Aliada ou demonizada, inserida ou excluída em todas as possíveis
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probabilidades combinatórias, a informática é ferramenta social e educacional a ser mais explorada. Uma outra provocação aos professores: a proposição dentro da complexidade do conhecimento histórico em organizar conceitos a partir da imagem. Tomar a imagem em sua complexidade e leitura e estabelecer condições de conexões que não sejam somente para que o ensino de história seja mais “explicável”, conforme a observação do aluno. Ou seja, pensar a imagem enquanto potencialidade na organização de elementos e habilidades pertinentes ao ensino de história: discriminar, analisar, sintetizar, comparar, verificar permanências e mudanças, situar no tempo e no espaço a passagem e a ação de homens e mulheres. Se ainda hoje existem dubiedades e ambigüidades quanto a isto, abrir campo para outras investigações: como o aluno compreende e organiza conceitos a partir de imagens em pinturas, fotografias, caricaturas, cinema. As respostas apontam, mesmo com décadas de uso em sala de aula, das chamadas “linguagens culturais”, percepções ainda falhas quanto ao que é apresentado enquanto realidades e “verdades” ainda cristalizadas. O exercício da crítica restrito a estas posições correta ou incorreta, verdadeiro ou falso, estreitam as outras possibilidades de apresentação, pois, a multiplicidade dos personagens e agentes de um momento histórico também o é e muitas vezes, ao selecionar, recortar e matizar um tema, esquecemos que existe a árvore e a floresta, mas, cada árvore é única e a floresta , assim como a árvore, pode ser vista sob várias óticas.
SAMAIN, Etienne. Questões heurísticas em torno do uso das imagens nas Ciências Sociais. In. BIANCO, Bela F e LEITE, Miriam Moreira (orgs.). Desafios da imagem. Campinas: Papirus, 1998, p. 59.
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O deleite visual também desenvolve a percepção, mesmo quando valoramos como belo e feio,sendo no entanto, melhor apreciado na medida em que filtre os excessos não estacionando somente na leitura, mas, entender, estender e olhar de novo, onde os retratos nas paredes também nos espiam. Muitos pensam e não verbalizam, em uma sociedade de resultados imediatos, falar de fruição, estético, valores e olhar talvez sejam desnecessários. Ao permitirmos que se naturalize ver crianças portando armas ao invés de lápis, tinta e livros, é aceitar o inevitável da barbárie e renegar uma proposição esquecida das ciências humanas e o ensino: a formação humanística do indivíduo que necessita ser recuperada.
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DISCUTINDO A IMAGEM FOTOGRÁFICA
Discutindo a imagem fotográfica*
Annateresa Fabris Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo (USP). Livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Programa de Pós-graduação em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Autora de, entre outros livros, Imagem e conhecimento. São Paulo: Edusp, 2006. neapolis@ig.com.br
RESUMO O artigo analisa o lugar da imagem fotográfica no universo da cultura visual. Apresenta um debate acerca da centralidade adquirida pela visualidade e da alteração que seu predomínio provocou na cultura ocidental que estava acostumada a atribuir esse lugar ao verbal. Questiona qual é o estatuto da fotografia e a relação da imagem técnica com seus referentes a partir de três modelos teóricos. Indaga a respeito de como foi construída a história da fotografia e de sua relação com a história da arte. PALAVRAS-CHAVE: cultura; visualidade; palavra.
ABSTRACT
This article analyzes the place of photographic image in the universe of the visual culture. Presenting a debate about the centrality obtained by the visuality and the alteration that its predominance caused in the occidental culture that was used to impute this place to verbal language. It discusses the statute of photography and the relation between the technical image and its references from three theoretical models. It questions about how the history of photography was built and its relationship with art history. KEY WORDS: culture; visuality; word.
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Investigação realizada com uma bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
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“O mundo hoje está condicionado, irresistivelmente, a visualizar. A imagem quase substituiu a palavra como meio de comunicação. Tablóides, filmes educativos e documentais, películas de massa, revistas e televisão rodeiam-nos. Parece até que a existência da palavra está ameaçada. A imagem é um dos principais meios de interpretação, e sua importância está se tornando cada vez maior”.1 O que diria a autora desse texto, publicado em 1951 no Universal Photo Almanac, diante do atual panorama da imagem? Berenice Abbott estaria, sem dúvida, espantada com o domínio crescente da cultura visual e com sua presença em todos os aspectos do cotidiano sob forma de fotografias, de imagens digitais, interativas, fílmicas, videográficas, televisivas, médicas, transmitidas por satélite etc. Sua percepção de que a palavra estava perdendo terreno como meio de comunicação é corroborada nos dias de hoje por autores como Nicholas Mirzoeff, para quem “neste turbilhão da imagem, ver é bem mais do que crer. Não é apenas parte da vida cotidiana, é a vida cotidiana”.2 A idéia de que o visual constitui a vida cotidiana é central na argumentação de Mirzoeff. O autor norte-americano acredita que o surgimento da cultura visual como
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campo de estudo foi determinado pela necessidade de interpretar a globalização pósmoderna da visualidade como vida cotidiana, preenchendo a lacuna existente entre a riqueza da experiência perceptiva e a capacidade de analisá-la. Antes uma tática do que uma disciplina acadêmica, a cultura visual é apresentada como “uma estrutura interpretativa fluida, centrada na compreensão da resposta às mídias visuais tanto de indivíduos, como de grupos”.3 A centralidade adquirida pela visualidade está provocando uma alteração significativa no predomínio que a cultura ocidental estava acostumada a atribuir ao verbal. A crença na palavra como a forma mais elevada da prática intelectual, cuja conseqüência principal foi a de relegar a representação visual ao âmbito de um conhecimento de segundo grau, está sendo colocada em xeque a todo o momento. O mundo como texto, defendido até pouco tempo atrás por vertentes como o estruturalismo e o pós-estruturalismo, está cedendo lugar ao mundo como imagem, isto é, à tendência a visualizar a existência, mesmo no caso de fenômenos que não são visuais em si.4 Nesse universo constantemente povoado de imagens, no qual estamos aprendendo a pensar em termos visuais, qual é o estatuto
Abbott, Berenice. “Photography at the crossroads”. In: Trachtenberg, Alan, org. Classic essays on photography. New Haven: Leete’s Island Books, 1980, p. 179. Mirzoeff, Nicholas. An introduction to visual culture. London-New York: Routledge, 2000, p. 1. Ibid., p. 3-4. Ibid., p. 5-7.
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da fotografia? Trata-se de um estatuto, sem dúvida, paradoxal, uma vez que, desde a década de 1980, seu caráter homológico está sendo questionado pela emergência da imagem virtual. Considerando que a imagem eletro-óptica nada mais é do que uma série de impulsos codificados, dos quais não é possível imaginar a configuração, Paul Virilio afirma que a palavra “imagem” demonstra ser insuficiente, posto que a interpretação da máquina se diferencia da visão habitual.5 A simulação numérica, de fato, engendra uma nova dimensão do real, que Edmond Couchot denomina “um analogon purificado e transformado pelo cálculo”, por ser diferente da cópia, da representação e da duplicação. Esse analogon tem um modo de existência paradoxal: apresenta uma aparência perceptível, faz parte do real, mas é totalmente constituído por cálculos, distinguindo-se por isso do real. O universo da imagem numérica comporta duas maneiras distintas de configuração visual. O objeto pode ser descrito matematicamente ao computador que o visualiza na tela. É também possível partir do real, ou seja, de um desenho, de uma pintura, de uma fotografia, decompostos em pixels graças a câmaras especiais. A imagem transforma-se, desse modo, em imagem-matriz, o que lhe confere uma qualidade particular. Seu controle morfogenético não se baseia nem no plano – como na pintura e na fotografia –, nem na linha – como na televisão –, e sim no ponto. A estrutura matricial da imagem permite ter acesso direto a cada um de seus elementos e agir sobre eles. Mesmo nesse caso, a imagem que aparece na tela não possui tecnicamente nenhuma relação com
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qualquer realidade preexistente. Trata-se de números expressos de maneira binária na memória e nos circuitos do computador, que preexistem à imagem e a engendram. A imagem numérica não é o mais o registro de um vestígio deixado por um objeto pertencente ao mundo real. É resultado de um processo, em que o cálculo se substitui à luz, e o tratamento da informação toma o lugar da matéria e da energia. A lógica figurativa da representação óptica é substituída pela lógica da simulação, caracterizada por um espaço sem lugar determinado, sem substrato material, totalmente liberto do real.6 O fato de a fotografia poder ser alterada digitalmente aponta para uma morte iminente, ou haverá outras possibilidades para a imagem analógica na atual sociedade? Uma resposta parece surgir de imediato. A possibilidade de alteração digital da imagem indicial – da qual um dos exemplos emblemático é a capa de Time com um O. J. Simpson ainda mais negro que no retrato original para poder ser apresentado de maneira ameaçadora aos leitores brancos da revista – parece ter servido de mote a análises que discutem o valor de autenticidade da fotografia a partir de diferentes perspectivas. Um estudo fundamental nesse sentido é, sem dúvida, O ato fotográfico, publicado por Philippe Dubois em 1983, cuja diretriz é a discussão da problemática do realismo na fotografia. A relação da imagem técnica com seu referente é analisada a partir de três modelos teóricos: espelho do real (discurso da mimese); transformação do real (discurso do código e da desconstrução); vestígio de um real (discurso do índice e da referência).
Virilio, Paul. La machine de vision. Paris: Éditions Galilée, 1988, p. 152-153. Couchot, Edmond. La technologie dans l’art: de la photographie à la réalité virtuelle. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambon, 1998, p. 134-137, 145.
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Cópia exata do real no primeiro discurso, no qual se sobrepõem os conceitos de similaridade e realidade, verdade e autenticidade, a fotografia converte-se numa interpretaçãotransformação, culturalmente codificada, desse mesmo real no segundo modelo analítico. O terceiro discurso volta a colocar em pauta a questão do referente, tendo como base a constatação de que existe na fotografia “um sentimento de realidade incontornável”, apesar da consciência de todos os códigos nela implicados. A realidade primordial da imagem técnica é uma afirmação de existência. Por isso, a fotografia é, antes de tudo, um “índice”. Só depois pode tornar-se parecida (“ícone”) e adquirir sentido (“símbolo”).7 A análise de Dubois pode ser contrastada pela leitura de André Rouillé, para quem o confronto entre ícone e índice faz parte de um conjunto de oposições binárias: artista versus operador; artes liberais versus artes mecânicas; originalidade e unicidade versus similaridade e multiplicidade. A principal crítica do autor ao modelo do índice reside no fato de que ele reduz a fotografia ao funcionamento elementar de seu dispositivo, freqüentemente associado a um simples automatismo. Mesmo quando documental, a fotografia não representa automaticamente o real; ao contrário, “totalmente construída, ela fabrica e faz advir mundos”. A partir dessa idéia, Rouillé considera necessário investigar como a imagem produz um real. O que implica a análise da autonomia relativa das imagens e de suas formas em relação ao referente, bem como a reavaliação do elo entre escrita e registro.8
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O conceito de vestígio é também criticado por Mario Costa, que vê na fotografia um dispositivo produtor de imagens totalmente novas, cuja principal característica é ser “a primeira memória de máquina”. A novidade representada pela fotografia é analisada por Costa a partir de uma inversão das leituras corriqueiras sobre o funcionamento do aparato fotográfico. Não é o objeto que deixa a marca de sua presença na superfície fotográfica; é a tecnologia que o assimila como “conteúdo indiferente” de sua memória, evocando sua presença no interior do próprio funcionamento. Na passagem da presença como vestígio à presença mediada tecnologicamente, o fotógrafo desempenha uma tarefa específica: revela à técnica sua própria essência, captando-a num de seus aspectos, exibindo-a e usando como pretexto as próprias intuições visuais.9 O modelo do índice é, ao contrário, central nas considerações de uma série de autores contemporâneos, interessados na análise da relação entre fotografia e práticas artísticas. É o caso de David Green e Joanna Lowry, os quais atribuem dois níveis indiciais à imagem técnica. Lembrando que, para Charles S. Peirce, o signo indicial tem menos relação com suas origens casuais do que com o modo de aludir ao fato de sua própria inscrição, os dois autores afirmam que a fotografia é um índice pelo fato de ter sido feita e não simplesmente porque a luz foi registrada num trecho de película fotossensível. Também da ordem do índice é o ato fotográfico, “uma espécie de gesto performativo que aponta para um fato que acontece no mundo, como uma forma
Dubois, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1998. Rouillé, André. La photographie: entre document et art contemporain. Paris: Gallimard, 2005, p. 14-16. Costa, Mario. Della fotografia senza soggetto: per una teoria dell’oggetto tecnologico. Genova-Milano: Costa & Nolan, 1997, p. 35-36, 40. Cf. também do mesmo autor, “A superfície fotográfica”. In: Fabris, Annateresa; Kern, Maria Lúcia Bastos, org. Imagem e conhecimento. São Paulo: EDUSP, 2006, p. 179-192.
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de designação que arrasta a realidade para o terreno da imagem”. Exemplos dessa concepção podem ser encontrados no uso testemunhal da fotografia por parte de nomes como Nan Goldin, Jack Pierson, Corinne Day, Jurgen Teller e Wolfgang Tillmans, que propõem uma iconografia da miséria e do desassossego social e psíquico, próprios de modos de vida alternativos. Inscrevem-se também nessa categoria as fotografias instantâneas tecnicamente descuidadas, cujo objetivo é testemunhar a presença do fotógrafo no campo sensorial e fixar uma visão pessoal da imagem. Thomas Struth, Candida Höffer e Thomas Ruff, ao contrário, colocam o aparato fotográfico no centro de suas operações, e não a figura do fotógrafo. É a câmara que aponta para o mundo, operando como um agente designador. É ela que atua de maneira performativa para proclamar o acontecimento. Essas práticas, aparentemente diferentes, têm como traço de união a prioridade dada ao ato de designação da fotografia, que começa a minar as noções tradicionais de significado e referência.10 Se a questão da presença do referente na fotografia é fonte de disputas teóricas, a percepção da problemática pelo imaginário social desperta outro tipo de indagação. Apesar da existência de um sem número de estudos que analisam todas as manipulações a que uma fotografia pode ser submetida, ela continua sendo vista como uma prova irrefutável de verdade, da veracidade de um acontecimento, pela maioria das pessoas. A
afirmação de Lewis Hine de que a fotografia possui um “realismo adicional próprio”, impossível de ser encontrado em outras formas de ilustração, é testemunha de uma crença arraigada na objetividade do aparelho, que não consegue ser colocada em xeque nem mesmo pela advertência contra práticas fotográficas particulares. Ao mesmo tempo em que reconhece que a fé na integridade da imagem pode ser posta à prova por mentirosos que fotografam, Hine enfatiza que a fotografia não pode mentir, conferindo-lhe um estatuto de evidência inegável. 11 A fotografia parece estar imune a todo tipo de desconfiança quando transita pelo imaginário social, tanto que há imagens que se tornaram símbolos de um determinado momento, enfeixando em si um conjunto de valores não apenas visuais, mas também éticos e estéticos. É o caso da fotografia feita por Joe Rosenthal em 23 de fevereiro de 1945, que mostra o hasteamento da bandeira norte-americana no alto do Monte Suribachi, na ilha de Iwo-Jima. Embora a imagem mostrasse não o episódio original da tomada do monte, mas a troca de uma bandeira menor por outra maior, ela foi divulgada como um registro verídico do primeiro momento, tornando- se o epicentro da campanha de levantamento de fundos e fonte de inúmeras reproduções, entre as quais não podem deixar de ser mencionadas as esculturas comestíveis, mostradas no recente filme de Clint Eastwood, A conquista da honra (Flags of our fathers, 2005).
Green, David; Lowry, Joanna. “De lo presencial a lo performativo: nueva revisión de la indicialidad fotográfica”. In: Green, David, org. Qué ha sido de la fotografía? Barcelona: Gustavo Gili, 2007, p. 50, 61-62. Um testemunho do fotógrafo Tuca Vieira ajuda a ilustrar a afirmação dos autores sobre a imagem tecnicamente imperfeita. Mesmo acreditando que “as imagens mais importantes não se registram na câmera, mas na memória”, não consegue deixar de fotografar o corpo do homem cujo suicídio não conseguira evitar. Para dissipar a sensação de pesadelo, pega a câmara e começa a fotografar, mesmo se havia pouca luz. Para ter estabilidade, apóia os cotovelos no beiral do viaduto, no mesmo lugar de onde o homem havia pulado. “Ardendo de culpa, chorando em desespero”, faz ao todo treze fotografias, usando sempre “o mesmo enquadramento, com a frieza de variar a velocidade, com medo de tremer a imagem”. Cf. Vieira, Tuca. “Do viaduto”. piauí, Rio de Janeiro, 1(7), abr. 2007, p. 36. 11 Hine, Lewis. “Social photography. In: Trachtenberg, Alan, org. Op. cit., p. 111-112. 10
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O filme de Eastwood permite acompanhar a instrumentalização de uma fotografia por parte do governo dos Estados Unidos e todas as suas conseqüências no imaginário social e na vida dos que realizaram a ação documentada por Rosenthal, mostrando como ela contribuiu para o êxito do esforço bélico, mas há outra imagem emblemática, oriunda de uma outra guerra, que aponta na direção oposta. Trata-se da fotografia da pequena Kim Phuc, correndo em direção à câmara, gritando de dor pelas queimaduras provocadas pelas bombas de napalm usadas durante a guerra do Vietnã. A imagem da menina nua e assustada, cujos braços abertos evocavam a iconografia da crucificação, foi um choque para a sociedade americana, tanto que Jean Galard lembra que seu poder de desestabilização e mobilização venceu a força das armas. A fotografia de Nick Ut, repórter da Associated Press, tomada em 8 de junho de 1972, acabou por confrontar a América com um papel profundamente desagradável: o de carrasco de uma criança de olhar perdido.12 Se fotografias ajudam a vencer uma guerra ou a despertar a consciência crítica em relação a ela é porque a sociedade lhes confere o status de registro da verdade, por acreditar que é a própria realidade que se imprime na superfície da imagem. Esse poder da fotografia não se perdeu nem mesmo com a transformação da representação visual a partir da década de 1980, como atestam dois casos emblemáticos: o da princesa de Gales e o do papa João Paulo II. Nicholas Mirzoeff propõe uma leitura instigante da relação de
Lady Diana com a fotografia, graças à qual ela podia demonstrar sua qualidade de pessoa e não de representação abstrata da monarquia como a rainha Elizabeth II. Ser uma pessoa implicava ser imperfeita, ter dias livres, ser publicamente infeliz. O registro de todas essas situações nas fotografias atestava a existência da realidade num mundo virtual.13 A simbiose entre fotografia e realidade num mundo cada vez mais dominado pelas tecnologias da informação permite estabelecer um paralelo entre a construção da figura pública da princesa de Gales e o boom dos museus na década de 1980, regido por um paradoxo segundo a análise de Andreas Huyssen. O olhar lançado pela sociedade contemporânea sobre os objetos museológicos é um olhar que deseja resistir à imaterialidade progressiva do mundo, regido pela televisão e pela realidade virtual. Se a materialidade dos objetos parece funcionar como uma garantia contra a simulação, a relação do fruidor com ela, contudo, não escapa de todo da lógica da simulação. É a simulação da mise-en-scène espetacular das exposições que leva o público a buscar uma experiência autêntica, carregada de uma dimensão anamnésica.14 Embora Mirzoeff não trabalhe com a categoria da simulação, sua análise da relação da princesa de Gales com a fotografia acaba por remeter a ela, como demonstram vários momentos do capítulo “A morte de Lady Diana: gênero, fotografia e a inauguração da cultura visual global”. O autor mostra, por exemplo, a busca de uma adequação por parte de Lady Diana à
Cf. Orvell, Miles. American photography. Oxford-New York: Oxford University Press, 2003, p. 213; Galard, Jean. La beauté à outrance: réflexions sur l’abus esthétique. Arles: Actes Sud, 2004, p. 35-36. 13 Mirzoeff, Nicholas. Op. cit., p. 235. O filme A rainha (The queen, 2006), de Stephen Frears, é justamente regido pela contraposição entre o culto à imagem de uma pessoa construída pelos meios de comunicação de massa e a defesa da visão institucional por parte da rainha Elizabeth, quando da morte da princesa de Gales. 14 Huyssen, Andreas. “Escapando da amnésia – O museu como cultura de massa”. In: Memórias do modernismo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997, p. 243-250. 12
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demanda da mídia por corpos firmes e esbeltos, o que a leva a recorrer à bulimia e à prática diária e intensiva de exercícios físicos. O fato de ela reinventar continuamente a própria aparência é visto como uma vitória do público, tanto que é possível afirmar que este criou a princesa que desejava ver. Um outro dado presente nessa leitura reforça a idéia de que a simulação é a mola mestra da relação de Lady Diana com a fotografia. Lançando mão da idéia lacaniana de que o olhar é um processo de duas mãos, pois implica o olhar-se olhando para si mesmo, Mirzoeff chega à conclusão de que, para ela, era praticamente impossível ver a si mesma sem a mediação da fotografia.15 Um fato chama particularmente a atenção nessa história de vida totalmente construída pela fotografia: a fama da princesa foi forjada por imagens banais extraídas do cotidiano e nem um pouco cuidadas em termos de composição, que estabeleciam um contraponto dramático com os retratos oficiais da Família Real, aproximando-a da vida comum e das projeções dos leitores de tablóides e de jornais sensacionalistas. A chave da interpretação de Mirzoeff reside na equação que ele estabelece entre a “seqüência repetitiva ao infinito das fotografias de Lady Diana” e a própria fotografia, empenhada em testar sua (questionada) capacidade de contar a “verdade”. A imagem jornalística diária de baixa qualidade, combinada com as fotografias posadas das revistas, as aparições televisivas e os comentários escritos, nada mais faz do que afirmar o poder da
representação para documentar a vida cotidiana num momento em que esse tipo de visualidade está sendo minado pela ascensão da realidade virtual.16 Se a princesa de Gales é a prova cabal do poder conformador dos meios de comunicação de massa, as imagens do final da vida do papa João Paulo II apontam em outra direção. Numa sociedade que oculta a doença e a morte, que confia cada vez mais na cirurgia plástica e no condicionamento físico, as imagens reiteradas de um corpo velho e devastado pelo mal de Parkinson representam uma negação absoluta do hedonismo contemporâneo. A exposição pública de um corpo doente e frágil diante das câmaras fotográficas e televisivas não deixou de suscitar interrogações no próprio Vaticano. A imagem do pontífice pertencia ainda à esfera do mistério? Expressava uma mensagem de conversão? Era uma arma de evangelização? Ou não passava de um espetáculo intolerável, de uma espécie de hardcore da religião? Ao detectar no espetáculo oferecido pelo papa um “reality show permanente”, Edmondo Berselli usa duas imagens antitéticas que deveriam dar conta dos objetivos perseguidos pelo Vaticano: ostentar um ato de fé e produzir um evento midiático.17 A exposição do sofrimento do papa suscita uma indagação: é legítimo fotografar tudo? Uma resposta a essa pergunta pode ser encontrada nas reflexões de Jean Galard sobre as “boas imagens”, termo com o qual designa fotografias dramáticas, mas muito bem realizadas e, por isso mesmo, capazes de reter
Mirzoeff, Nicholas. Op. cit., p. 236, 244. Ibid., p. 240-241, 251. Na verdade, tudo se transforma numa “outra” realidade, se pensarmos que o comportamento da princesa Diana, das “celebridades” de uma revista como Caras ou dos participantes de programas tipo Big brother é a afirmação da vida como representação. 17 Berselli, Edmondo. “Calvario Wojtyla”. L’Espresso, Roma, L (34), 26 ago. 2004, p. 48-51. Na mão dupla assinalada por Berselli, poderiam ser lembradas algumas das fotografias de Oliviero Toscani para campanhas publicitárias da Benetton, em que a denúncia do sofrimento não deixa de ser também o modo de propagar uma marca. 15 16
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a atenção do observador. O conceito de “boa imagem” permite que o autor efetue uma distinção entre as fotografias-testemunho, que, a seu ver, não provocam nenhuma perplexidade em termos de legitimidade, e as fotografias belas, freqüentemente acusadas de utilizarem as pessoas “para servir a causa da beleza”. Nesse rol, inscrevem-se as imagens de Sebastião Salgado, acusado por alguns jornalistas parisienses de “tirar proveito do sofrimento”18, quando da apresentação da série Êxodos na Maison Européenne de la Photographie, no ano de 2000. Galard, que se sentiu tocado pelas imagens do fotógrafo brasileiro, acaba por redigir alguns anos depois La beauté à outrance (A beleza em excesso, 2004), a fim de compreender de maneira mais adequada o efeito contrário suscitado por elas. Interessado em mostrar o que viu e o que compreendeu, em dar visibilidade às forças econômicas e políticas que determinam a sorte de milhões de pessoas, Salgado não pode ser acusado de “tráfico estético”. As fotografias de Êxodos , contudo, não se confundem com os milhares de imagens dramáticas que se impõem a nossos olhos por uma característica: “elas detêm o olhar. Obrigam, ao mesmo tempo, a olhar para o drama do qual gostaríamos de nos desviar e a tomar consciência do estranho fascínio que nos prende (esteticamente?) à imagem da qual íamos fugir”. Se bem que “esteticamente” traga um ponto de
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interrogação, o que Galard pretende é investigar “se a disposição estética (a percepção da beleza em âmbitos nos quais não era esperada) é mobilizadora ou estéril, se permite um acesso ativo à compreensão da realidade ou se desnaturaliza tudo até a anestesia”.19 Salgado integra um grupo de fotógrafos, entre os quais se destacam ainda James Nachtwey e Stanley Greene, que adotam um “método lento” para fazer o próprio trabalho: vivem por certo período com os sujeitos que vão fotografar, compartilham suas emoções, mostram a “miséria dos seres humanos, sua vulnerabilidade, sua solidão, seu sofrimento, sua dignidade, sua grandeza”. Sem ser pressionado pela instantaneidade da reportagem televisiva, esse tipo de fotógrafo persegue um objetivo preciso: divulgar seu testemunho para mudar o mundo, para evitar que coisas semelhantes aconteçam no futuro. Para atingir esse objetivo, o fotógrafo “interessado” confere certa beleza ao horror para que ele se torne inesquecível, para que a imagem possa sobreviver. Afirma seu olhar sobre o mundo. Ao invés de veicular uma informação bruta – tarefa feita rapidamente pela televisão –, assume um ponto de vista subjetivo, fazendo do ato fotográfico um ato de interpretação.20 Para explicar a tomada de posição suscitada por muitas fotografias dramáticas divulgadas pela imprensa, acusadas de fundirem dor e beleza, Galard recorre, num
Galard, Jean. Op. cit., p. 9, 19, 21. Ibid., p. 20, 34. Ibid., p. 133-134, 141-144. Em artigo recente, o jornalista Igor Gielow propõe uma reflexão sobre a fotografia de imprensa, na qual afloram os aspectos antitéticos da “boa imagem”. A reflexão é provocada pelo segundo luto, em pouco mais de um mês, vivido por Edna Ezequiel. A dor pela morte do irmão Hélio da Silva, que se seguiu à da filha Alana, ambas ocorridas num dos morros do Rio de Janeiro, rendeu imagens divulgadas pela imprensa. A respeito do último registro, escreve Gielow: “A foto estava nos jornais de sábado passado. Será em breve apenas isso. Uma foto. Sem qualidade suficiente, é incerto que vá ser lembrada em algum daqueles prêmios que os ‘conscientes’ de países mais civilizados outorgam de tempos em tempos para parecerem sensíveis. Responsabilidade social é bom negócio, sabemos bem. (...) É tentador ao observador externo querer comparar as duas fotos em que seu drama foi congelado. Na primeira, de março, fica clara a maior dor concebível, a da morte de um filho. Já na segunda, uma espécie de anestesia incrédula parece tomar Edna”. Cf. Gielow, Igor. “A dor de Edna”. Folha de S. Paulo, 16 abr. 2007.
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primeiro momento, à própria natureza da imagem técnica. A fotografia refere-se à realidade, é um vestígio mecânico do que aconteceu, não podendo ser fonte de um olhar estético. A análise de uma série de obras de arte que representam cenas dramáticas e violentas leva-o a um segundo movimento: explicar a legitimidade do olhar estético. Este seria legítimo se a realidade é figurada, dada como ausente por um meio que impõe ostensivamente sua mediação como a pintura. Esse mesmo olhar, ao contrário, seria aberrante se a realidade é dada como presente pelo uso de um meio imperceptível como a fotografia. Essa conclusão parece ser insuficiente para o autor21, mas ela ajuda a compreender o mal-estar provocado por certas imagens; o que foi registrado em sua superfície obriga o observador a confrontarse com o horror, a tomar consciência de que determinados acontecimentos não são produtos da fantasia, mas de ações humanas. A busca do efeito de proximidade, de autenticidade por parte do público que se depara com fotografias de atualidade acaba sendo reconhecida pelo autor francês quando se debruça sobre um fenômeno oposto ao que foi descrito até agora: a transformação ocorrida, em certo momento, nas imagens jornalísticas, que deixam de lado a preocupação com qualidades artísticas para investir na imperfeição técnica e estética como garantia de uma tomada feita no calor da hora. Por que essas imagens feitas às pressas, sem qualquer preparo anterior, mal reproduzidas são capazes de emocionar mais do que fotografias bem enquadradas, bem iluminadas, pensadas de antemão? Que
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emoção é essa, cujo valor é acrescido se a miséria do outro é captada do modo mais fortuito, mais canhestro e, logo, mais autêntico?22 Construída ou tomada no calor da hora, a fotografia é vista pela sociedade como a evidência do que aconteceu no momento em que o operador voltou sua câmara para um determinado referente. O caráter testemunhal da fotografia, ainda tão prezado nesse momento em que as tecnologias da informação apontam para uma desnaturalização crescente do real, parece fornecer uma âncora a uma sociedade que não consegue romper de vez com a materialidade do mundo. Cabe aos estudiosos analisar os paradoxos e as contradições embutidos numa imagem quase imaterial, mas dotada de uma materialidade inequívoca aos olhos da maior parte das pessoas. Isso implica uma série de tarefas, a primeira das quais diz respeito à análise do espaço ocupado pela fotografia no interior da cultura. Embora a natureza conflituosa da arte contemporânea e sua vontade de romper com os pressupostos da visão moderna tenham encontrado na fotografia um terreno fértil para a experimentação de práticas cada vez mais voltadas para a ampliação do campo de abrangência do visual, é difícil não concordar com Bernardo Riego quando ele lembra que a transformação da imagem técnica num fenômeno cultural é muito mais tributária dos meios de comunicação de massa do que qualquer atividade acadêmica ou museológica. Os meios de comunicação de massa criaram uma iconografia fotográfica internacional, facilmente reconhecível por um
Ibid., p. 26, 32. Ibid., p. 124-126. É o caso das fotos feitas pelos celulares, principalmente em eventos traumáticos, como o 11 de setembro de 2001 ou os posteriores atentados de Madri e Londres, que vêm substituir “canhestras” imagens videográficas, como as que registraram a violência da polícia na Favela Naval, em Diadema (SP).
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espectador razoavelmente informado23, com cuja força de penetração não é possível comparar qualquer esforço historiográfico de sistematização e de divulgação de imagens dotadas de características próprias. A afirmação de Riego leva a pensar em outra tarefa necessária: indagar de que maneira foi construída até agora a história da fotografia. Não há dúvidas entre os estudiosos da matéria de que o modelo canônico estabelecido por Beaumont Newhall em The history of photography from 1839 to the present (História da fotografia desde 1839 até hoje, 1949) merece uma série de reparos, não só por propor um tipo de análise oriundo da história da arte, mas também por construir uma visão eurocêntrica, alheia às práticas sociais e à recepção cultural, focada em fotógrafos míticos, embora deixando de lado aspectos essenciais de sua atuação.24 A crítica ao modelo de uma história (nem tão) universal da fotografia traz uma conseqüência imediata: pensar de que maneira é possível abordar a imagem técnica, a fim de dar conta de sua complexidade. Uma questão crucial deve ser encarada de imediato: a fotografia deve ser analisada como um ramo da história da arte, como uma disciplina autônoma, ou deve ser reportada àquela rede de interações denominada cultura visual? A história da arte moderna não tem fornecido, até o momento, uma resposta satisfatória a essa indagação. A fotografia é, via de regra, ignorada nos manuais de história da arte e nas monografias dedicadas aos movimentos de vanguarda, mesmo quando ela é parte integrante da poética de artistas
como Aleksandr Rodtchenko, El Lissitzky, Max Ernst, Man Ray e László Moholy-Nagy, por exemplo. 25 Uma história autônoma da fotografia, pensada em termos de especificidade da imagem, de técnica e de usos sociais, deve, porém, demonstrar-se capaz de não obscurecer e não deixar de problematizar a relação conflituosa que ela manteve com o campo institucional da arte. A cultura visual, por sua vez, parece fornecer uma resposta parcial, se for lembrada a ênfase dada à recepção no âmbito de uma cultura de massa. Mesmo que a recepção, agora chamada de consumo por uma teórica como Meaghan Morris, permita analisar “sonhos e consolo, comunicação e confronto, imagem e identidade”, ou seja, modos de prazer e resistência despertados pelo universo visual26, isso responde apenas a um dos aspectos da fotografia, seu trânsito social. Para além da configuração de uma história autônoma da fotografia, uma resposta à indagação sobre uma abordagem possível da imagem técnica pode provir da problemática que as mídias atuais propõem à visualidade. Uma vez que elas colocam diretamente a questão do simulacro, uma das tarefas desejáveis seria indagar de que maneira a imagem técnica, apesar de seu estatuto mimético, contribuiu para a configuração desse conceito. Outra possibilidade, mais abarcadora, aponta tanto para uma história da arte quanto para uma cultura visual concebidas de maneira diferente das abordagens habituais. Carmelo Vega acredita que a fotografia possa ser incorporada a uma história da arte entendida
Riego, Bernardo. “From the ‘Newhall school’ to the ‘histories’ of photography: experiences and proposals for the future”. In: Fontcuberta, Joan, org. Photography: crisis of history. Barcelona: Actar, s.d., p. 52-53. 24 Cf. Ibid., p. 47, 49; Navarrete, José Antonio. “Good-bye, Mr. Newhall”. In: Fontcuberta, Joan, org. Op. cit., p. 62. 25 Vide a esse respeito: Fabris, Annateresa. “Uma outra história da arte?”. Locus, Juiz de Fora, 8 (2): 27-41, 2002; “Surrealismo e fotografia: uma proposta de leitura”. Porto Arte, Porto Alegre, (22): 7-16, maio 2005. 26 Apud: Krauss, Rosalind. “Welcome to the cultural revolution”. October, Cambridge, (77), summer 1996, p. 90. 23
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como história das imagens. Keith Moxey, por sua vez, embora não se referindo especificamente à fotografia, propõe pensar a cultura visual como uma disciplina interessada em todas as imagens identificadas com valores culturais, capaz de transformar a estética no lugar da diferença e de repensar as hierarquias estabelecidas a partir dos meios técnicos de produção.27 Outros caminhos podem e devem ser propostos para a análise de um produto
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cultural, ao qual Walter Benjamin conferiu um poder de choque. Um poder ainda pouco analisado em todas as suas implicações por uma historiografia preocupada sobretudo em desconsiderar, se não em ocultar, as profundas transformações que a imagem técnica trouxe para os conceitos de arte, de artista e de obra e para a configuração de uma nova visão da realidade, moldada por um artifício que a sociedade oitocentista considerou natural por motivos ideológicos.
Vega, Carmelo. “Reflections for a new history of photography”. In: Fontcuberta, Joan, org. Op. cit., p. 78; Moxey, Keith. “Animating aesthetics”. October, Cambridge, (77), summer 1996, p. 57-58.
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COMMENT EST NÉE «MARIANNE»? LA CARICATURE, MÉDIATRICE DE LA FIGURATION DE LA RÉPUBLIQUE EN FRANCE
Comment est née «Marianne»? La caricature, médiatrice de la figuration de la République en France
Annie Duprat Professora de Historia Moderna na Université de Versailles Saint-Quentin-em-Yvelines e do Centre d’Histoire Culturelle des Sociétés Contemporaines – CHCSC. Autora de, entre outros livros, MarieAntoniette. Une reine brisée. Paris: Perrin, 2006. annie.duprat@wanadoo.fr
RESUMO
“Marianne”, um símbolo da cultura clássica, foi apropriado pela população francesa, tornandose a personificação da República. Esta figura feminina venceu Hércules nos embates dos símbolos, por melhor representar, não só a Liberdade, mas a noção de República. Esta pesquisa se centrou entre os anos de 1830, de Delacroix, e 1848, do concurso da figura da República, e se propôe a estudar como as caricaturas, comumente denunciadoras e destruidoras de imagens, foram importantes fontes mediadoras da manutenção da imagem da República como uma mulher. PALAVRAS-CHAVE: “Marianne”; caricatura; República; França.
ABSTRACT
“Marianne”, a symbol of classic culture, was appropriated by French people, becoming the personification of Republic. This feminine figure won Hercules in a symbolic dispute because it is a better representation, not only of Liberty, but of Republic notion. This research is centred during the 1830’s, from Delacroix; and 1848, to the contest of Republic’s figure, and proposes to study of how caricatures, usually denouncer and destroyer of images, were an important historical source for the maintenance of feminine figure as the image of Republic. KEY WORDS: “Marianne”; caricature; Republic; France.
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Comment est née «Marianne»? La caricature, médiatrice de la figuration de la République en France
En France, l’instauration d’un régime républicain s’est opéré de façon à la fois brutale et impromptue, quelques semaines après la prise des Tuileries le 10 août 1792, l’emprisonnement du roi Louis XVI le 14 août, la victoire de Valmy sur les troupes austroprussiennes le 20 septembre et l’abolition de la royauté le 21. Sans être à proprement dire «proclamée», la République s’est installée de fait, dans les mots avant de l’être dans les actes législatifs. En effet, on peut lire en octobre 1792 dans La Feuille Villageoise, un journal destiné aux habitants des campagnes, l’observation suivante, à propos du décret mettant en place une nouvelle assemblée, la Convention nationale: «Le 21 septembre, la Convention nationale s’est constituée… elle est assemblée dans une crise révolutionnaire ; elle est assemblée sans la présence du roi ; elle est assemblée pour former un plan nouveau de gouvernement […]. Le président a déclaré qu’il faut abolir la race funeste des rois […] qui sont dans l’ordre moral ce que les monstres sont dans l’ordre physique […]. Les cours sont l’atelier des crimes […]. Le président a mis aux voix ce décret, adopté unanimement: la Convention décrète que la royauté est abolie en France. D’après cette résolution, il a été décrété qu’à l’avenir, toutes les lois et tous les actes publics seraient datés de l’an premier de la République1… »
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La raison d’une telle impréparation peut être trouvée dans le fait qu’un an plus tôt, lors de la tentative de fuite du roi hors des frontières du royaume, l’idée même d’une République avait été rejetée2. En effet, les esprits de l’époque considéraient qu’un régime républicain ne pouvait fonctionner correctement que dans un petit pays comme les Provinces-Unies ou dans le cadre d’une cité-état comme l’était Genève. L’établissement d’une République aux EtatsUnis en 1776 ne les avait pas encore convaincus car ce système était fondé sur une base fédéraliste. Dans le même ordre d’idées, aucune réflexion concernant la création d’un signe permettant de l’identifier n’a eu lieu. On cite souvent la proposition faite par les députés Camus et Grégoire, le 15 août 1792, d’un sceau destiné aux Archives Nationales comme étant la première image de la République française; pourtant, il n’en est rien, même si la figure ainsi choisie peut être considérée comme la matrice de toutes les suivantes car elle est directement inspirée par la figure de la Liberté telle qu’elle avait été établie à l’époque de la Renaissance par les auteurs d’allégories et d’emblèmes comme le plus fameux d’entre eux, l’italien Cesare Ripa3. On y reviendra plus loin.
La Feuille villageoise, numéro 51, octobre 1792. Voir Melvin Edelstein, La Feuille villageoise. Communication et modernisation dans les régions rurales pendant la Révolution, Paris, Bibliothèque Nationale, 1977. Timothy Tackett, Le roi s’enfuit. Varennes et l’origine de la Terreur, Paris, La Découverte, 2004. Cesare Ripa, Iconologie ou Explication nouvelle de plusieurs images, emblèmes et autres figures hyérogliphiques des vertus, des vices, des arts, des sciences... Tirée des recherches et des figures de César Ripa, desseignées et gravées par Jacques de Bie et moralisées par J. Baudoin, Paris, Villery, 1637
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Une allégorie classique: la Liberté L’allégorie de la Liberté a traversé les pays et les siècles au rythme de la diffusion des traductions de Ripa en Europe comme dans l’Amérique coloniale. Une quinzaine d’années avant la Révolution française, deux artistes, Charles-Nicolas Cochin et Charles Gravelot lancent en 1765 un Almanach iconologique annuel dans lequel figure encore une allégorie de la Liberté sous la forme d’une femme vêtue à l’antique et coiffée du bonnet phrygien. Le signe est donc bien établi à partir de 1789; il se retrouve souvent sur les vignettes des sociétés populaires ou des nouvelles municipalités, sur les drapeaux des sections ou des bataillons comme on peut le voir sur les estampes de Vieilh de Varennes mais il n’identifie pas précisément ce régime nouveau qu’est la République4. La question de la représentation du pouvoir dans un régime démocratique, par essence abstrait puisque fondé sur l’ensemble de la communauté de citoyens acceptant un certain ombre de valeurs communes, est délicate et l’histoire de l’élaboration de la figure de celle que les Français nommeront par la suite familièrement «Marianne» mérite d’être reprise pour mieux comprendre comment un signe allégorique relevant de la culture classique de l’élite a pu s’être approprié par le plus grand nombre au point de devenir familier. Le passage de la monarchie, qui part du principe de l’obéissance des sujets à un souverain héréditaire de droit divin, à la République, fondée sur la primauté de la Loi, ce qui suppose une relation de confiance entre les citoyens et leurs représentants, a de nombreuses conséquences, en particulier dans 4
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le domaine de la représentation. Tandis que la monarchie s’incarne dans la personne du roi et trouve matière à s’identifier dans le récit des cérémonies (mariages, obsèques, entrées royales, imagerie plus familière de la famille royale) et des hauts faits du prince (batailles, conquête de territoires ou signatures de traités) les bases mêmes sur lesquelles est fondée la République sont abstraites puisqu’elles ne sont pas incarnées dans une personne (le corps du roi) mais dans l’acceptation par le corps des citoyens d’un certain nombre de valeurs. Si le vocabulaire des iconologies, ces dictionnaires des signes à destination des artistes, s’épuise progressivement au cours du siècle des Lumières, il reste encore présent à la mémoire des contemporains et la dernière grande iconologie, lancée par Charles-Nicolas Cochin et Charles Gravelot, l’ Almanach iconologique, rencontre un grand succès; sa publication s’étend jusqu’en 1781 et constitue 17 volumes5. A la mort de Gravelot en 1773, Cochin reprend le flambeau et la publication se poursuit jusqu’en 1781; il préparait une refonte totale de l’ouvrage lorsqu’il disparaît à son tour en 1790, au moment même de l’explosion révolutionnaire. Le livre est à nouveau édité à Paris chez le libraire Lattré rue Saint-Jacques en 1791 sous le titre Iconologie par figures ou traité complet des allégories, emblèmes etc. ouvrage utile aux artistes, aux amateurs et peuvent servir à l’éducation des jeunes personnes, assorti d’un «discours préliminaire» qui est à la fois un bref historique du genre de l’iconologie et une défense de la permanence des signes; on lit en effet qu’il faut éviter «le néologisme, ou l’abus des nouveaux emblèmes». Le registre
Vieilh de Varenne, Description curieuse et intéressante des soixante drapeaux que l’amour patriotique a offerts aux soixante districts de la ville et faubourgs de Paris... Paris, Sorin, 1790. Gravelot (Charles) et Cochin (Charles-Nicolas), Iconologie par figures ou traité complet des allégories, emblèmes etc. ouvrage utile aux artistes, aux amateurs et peuvent servir à l’éducation des jeunes personnes, Paris, Lattré, rééd. 1791.
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des figures de l’iconologie de Gravelot et Cochin est toujours très classique et les commentaires explicatifs très sobres. Dans cette édition, on retrouve la classique «Liberté» (figure 1, à gauche) une femme: «tenant d’une main un sceptre et de l’autre un bonnet. Le sceptre exprime l’empire que par elle l’homme a sur lui-même. [A ses pieds] le chat, ennemi de la contrainte, achève de caractériser la Liberté». La description insiste également sur la présence des bateaux, au fond de l’image, et des oiseaux dans les airs «qui changent de climat avec les saisons» .
La Liberté est aussi «la mère des connaissances» ce qui explique la présence
de livres, d’une palette, d’une lyre, d’un compas et d’un bouclier qui rappellent les arts, les sciences et la guerre. Sous le titre «La Liberté» une nouvelle gravure est réalisée par le fils de CharlesNicolas Cochin (figure 1, à droite) qui présente des changements significatifs parce qu’ils sont clairement en relation avec les événements révolutionnaires qui viennent de se dérouler: le bonnet est posé sur une pique, la jeune femme foule aux pieds un joug brisé, tandis que derrière elle se tient: «la licence, jeune femme nue, échevelée, ayant une couronne de vigne sur sa tête. La couronne
Figure 1. Liberté par Gravelot et Cochin
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COMMENT EST NÉE «MARIANNE»? LA CARICATURE, MÉDIATRICE DE LA FIGURATION DE LA RÉPUBLIQUE EN FRANCE de vigne est relative aux excès où se portaient les bacchantes. La licence brise le frein de la raison, traverse, foule aux pieds un champ de blé et franchit la borne et la haie qui l’entoure».
Au premier plan à droite, les pieds entravés et le dos courbé, une femme ressemble à la figure de «l’esclavage» dont il est question plus loin dans la notice. On mesure l’impact de la Révolution entre la première figure, qui utilise sobrement une emblématique conventionnelle et la seconde, qui fait vivre en quelque sorte la notion de liberté, en montrant par le jeu du bonnet posé sur la pique que la liberté se conquiert, par la violence si nécessaire, mais que, tout en préservant de «l’esclavage», elle doit éviter «la licence». Au cours de la période révolutionnaire, de nombreuses allégories de la Liberté sont produites sur ce modèle; lorsqu’on y voit le triangle de l’Egalité, le faisceau des licteurs (pour le pouvoir de la Loi), la présence d’enfants (souvent un enfant blanc et un enfant noir associés pour la Fraternité), on peut estimer qu’il s’agit d’une allégorie de la République. En effet, s’il n’y a pas eu de concours artistique pour élaborer une figure officielle de la République, on a vu que dès le mois de septembre 1792, sur proposition du député Camus et de l’abbé Grégoire, un sceau spécifique pour les Archives Nationales avait été créé; il représente une femme débout, la main droite posée sur un faisceau de licteurs (le pouvoir de la Loi), la main gauche tenant une pique coiffée d’un bonnet de la Liberté. Entre 1789 et 1799, près des 2/3 des représentations de la République, sur les 6
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journaux, les correspondances officielles ou les affiches, proviennent de cette image sans qu’une norme n’ait été imposée. Durant l’an II (1794), un combat des symboles est livré entre les partisans d’un régime révolutionnaire autoritaire qui souhaitent imposer Hercule (ce demi-dieu antique étant investi de toute la force la force populaire, ce qui appartient au registre proprement révolutionnaire) et ceux qui sont partisans de l’allégorie féminine traditionnelle de la Liberté (ce registre est plus traditionnel car il renvoie également à l’iconographie mariale, très forte dans un pays catholique). Ce choix primitif, par défaut en quelque sorte, associe durablement l’idée de Liberté à celle d’une République féminine; malgré tous les efforts des patriotes les plus radicaux pour imposer la figure d’Hercule comme signifiant du Peuple, la Révolution et/ou la République s’efface derrière celle d’une femme. Cette observation, qui se fonde sur des pré-supposés politiques (la radicalité d’une Révolution jacobine qui se retrouverait dans la figure d’Hercule face à la modération d’une Révolution illustrée par la figure féminine) a conduit un certain nombre d’historiens, en particulier du «gender» nord-américain, a en tirer des conclusions faussées parce qu’elle ne prennent pas en compte le rythme de longue durée des représentations allégoriques6. On peut facilement démontrer que dans tous les décors et les projets étudiés, la figure traditionnelle de la Liberté (donc une figure féminine) s’est d’abord imposée, sans jamais perdre du terrain vis à vis de la figure masculine d’Hercule7.
Lynn Hunt, Politics culture and class in the French Revolution, Berkeley, 1984; id. « Pourquoi la République est-elle une femme ? La symbolique républicaine et l’opposition des genres », dans Révolution et République. L’exception française, Kimé, 1994, p. 358365 ; Antoine De Baecque, « The allegorical image of France, 1750-1800 : a political crisis of representation », Representations 47, summer 1994, p. 111-145. Annie Jourdan, « L’allégorie révolutionnaire. De la Liberté à la République », XVIIIème siècle, n°37, 1995, p. 503-532 ; id. « Libertés du XVIIIè siècle : concepts et images », Visualisation, concepts et symboles du XVIIIè siècle européen, ss dir. Roland Mortier, Berlin, Arno Spitz, 1999, p. 39-58; id. Les monuments de la Révolution. Une histoire de représentation, Paris, Champion, 1997.
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La Ière République, qui n’a pas eu de signe officiel d’identification, a également vécu une histoire aussi brève que tempétueuse, entre septembre 1792 et novembre 1799 (le coup d’Etat de Napoléon au 18 brumaire). Le mot de «République» comme les signes qui y renvoient sont alors interdits et désertent l’espace public. Lorsque la surgit Révolution de 1830, le tableau La liberté guidant le peuple par Eugène Delacroix rencontre un succès immédiat sans doute parce que le peuple a retrouvé dans cette figure féminine escaladant les barricades le souvenir des multiples «libertés» qui occupaient l’espace public de la France révolutionnaire. Mais le règne de Louis-Philippe Ier n’est pas un régime républicain et, à nouveau, le mot est proscrit même si le signe, par l’intermédiaire de l’art de la caricature, continue à exister. L’apport d’un genre populaire: la caricature Le XIXè siècle a été qualifié d’âge d’or de la caricature, non seulement parce que de très grands talents se sont déployés dans la presse française illustrée, mais aussi parce que les années qui séparent la fin de l’Empire de l’installation définitive de la République ont été fertiles en rebondissements politiques et en scandales de toute nature, sources d’inspirations constamment renouvelées. Mais ces caricatures, qui nous permettent de poser un regard distancié sur l’histoire, peuvent également nous aider à comprendre comment les allégories de la Liberté, qui appartiennent au genre savant de l’iconographie classique, ont été en quelque sorte adoptées par les dessinateurs pour figurer, au delà de la Liberté, la notion de République. La caricature va jouer un rôle important sous le règne de Louis-Philippe (1830-1848) dans l’adoption d’une figure
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féminine quasiment charnelle comme figure de la République. Notons également que la multiplication des fêtes des rosières (les jeunes filles convenables) et le développement du catholicisme au féminin caractérisé par diverses apparitions mariales a pu contribuer à renforcer le lien qui, finalement, transformera l’allégorie féminine de la Liberté en une allégorie de la République plutôt bonne fille sous le nom de Marianne. Mais pourquoi choisir d’observer les caricatures pour étudier les représentations politiques officielles? Parce que ces petites images vite lues et largement diffusées (en particulier par le journal de Philipon La Caricature) participent de la création d’imaginaires visuels, donc d’imaginaires mentaux. Devant être comprises rapidement, elles utilisent des codes déjà bien connus, mais qui n’ont pas de fixité sémantique, ce qui pose de multiples problèmes aux analystes qui cherchent souvent à montrer de façon théorique à quels dangers peuvent être confrontés les chercheurs; la caricature est l’expression d’un moment particulier de la vie des sociétés qui la génèrent. En effet, si représenter la République française sous l’image de Marianne nous apparaît évident, tel n’était pas le cas au cours du XIXè siècle comme en témoigne la trilogie de Maurice Agulhon (Marianne au combat, 1979 et Marianne au pouvoir, 1989 et Les métamorphoses de Marianne, 2001) Tel n’était pas non plus le cas durant la période révolutionnaire alors que tout va changer avec la Révolution de 1848. Pourtant, Maurice Agulhon n’envisage à aucun moment le rôle que les caricatures ont pu jouer dans la permanence du signe et son imprégnation culturelle. Il ne fait que constater la permanence de l’union de sens entre la Liberté et la République lorsqu’il écrit dans Marianne au combat:
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COMMENT EST NÉE «MARIANNE»? LA CARICATURE, MÉDIATRICE DE LA FIGURATION DE LA RÉPUBLIQUE EN FRANCE «La Liberté (en son image féminine traditionnelle) a été présente en juillet 1830 ; mais elle portait avec elle le souvenir de son ancienne union, scellée dans les combats, avec la République. De la première de ces deux évidences il ressort que le nouveau régime ne pouvait pas éliminer entièrement cette effigie, et de la seconde qu’il ne l’admettrait pas sans réticences8».
La seconde République, proclamée en février 1848, entreprend d’ouvrir un concours de la figure de la République (peinture, sculpture, gravure, médailles etc…); ce concours remporte un grand succès chez les artistes si on en juge par le nombre d’œuvres envoyées même si le concours a échoué et n’a pas atteint ses objectifs. Notre propos sera ici de rechercher comment, entre le 1830 de Delacroix et le 1848 du concours de la figure de la République, les caricatures utilisant des allégories de «femmes-Liberté» ou de «femmes-France» ou encore de «femmesRépublique» ont entretenu l’idée d’une figuration de la république comme une femme. La source la plus riche en ce domaine est le journal hebdomadaire La Caricature, fondé par Philipon en novembre 1830 et qui cesse de paraître en août 1835, en raison d’une loi de censure particulièrement brutale. Observer et compter Reste à identifier et à mesurer, année par année, la présence de ces «femmes-Liberté» que l’on peut aussi identifier comme des «femmes-République» dans plus de 500 planches (dans les 251 numéros du journal La Caricature parus entre le 4 novembre 1830 et le 27 août 1835). Sur 58 figures, une jeune femme est associée au bonnet de la Liberté (soit qu’elle 8
le porte sur la tête soit qu’il figure dans le champ de l’image), ce qui correspond à moins de 12 % du total, et confirme l’idée qu’il n’y a pas d’obsession républicaine dans l’équipe de Philipon: dans l’iconographie et dans les textes de son journal, le souvenir de la Révolution demeure brouillé, obscurci par les préoccupations du moment. Parmi les années citées en référence, 1790 supplante 1789 autant que 1792-1794, mais le souvenir de la liberté dans un monde où tout paraissait possible mobilise les collaborateurs du journal, atterrés par la médiocrité du « système ». La mémoire des années 1830-1835 a donc choisi l’année de consolidation des acquis de la Révolution, 1790, au détriment de l’année du basculement, 1789, et de celles des déchirements, qui sont autant de déchirures, 1792-1794. Considérons le flux de ces 58 figures année par année: • en 1831, 11 figures mettent en scène une femme porteuse du bonnet et 5 figurent le bonnet seul ou comme élément du décor (environ 16 % du total) ; • en 1832, 14 planches retiennent notre attention. Sur 6 d’entre elles, les jeunes femmes sont coiffées du bonnet de la Liberté, tandis que sur 5 autres elles sont soit têtes nues, soit têtes coiffées de tours, signe afférent aux villes dans l’iconologie traditionnelle. Mais la caricature se permet de détourner les codes qu’elle utilise et l’image, comme la lettre qui accompagne ces cinq planches fait référence explicitement soit à la France, soit à la Liberté. Enfin, le bonnet de la Liberté est présent, seul, sur 3 lithographies (14 % du total) ; • en 1833, 4 planches montrent des femmes coiffées du bonnet, 3 sont coiffées de tours et 5 planches présentent des bonnets seuls (12%) ;
Maurice Agulhon, Marianne au combat. L’imagerie et la symbolique républicaines, Paris, 1979, p. 67.
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• en 1834, les jeunes femmes, toujours coiffées, sont au nombre de 9 et le bonnet seul ne se rencontre que sur 2 planches (11 %) ; • en 1835 enfin, année amputée qui ne voit la publication que de soixante-douze lithographies, on ne compte que 2 jeunes femmes coiffées du bonnet de la Liberté et 3 coiffées de tours figurant encore la France (7 %). Un tel comptage minutieux sur un corpus assez modeste est important dans la mesure où il montre que le signe persiste, même si, progressivement, sa place se réduit (on passe d’environ 16 % du total en 1831, à 14 % en 1832, puis 12 % en 1833, 11% en 1834 et 7% en 1835). Devrait-on pour autant conclure à la disparition progressive des signes de la République dans les images du journal La Caricature ou y voir les effets conjugués de la censure et d’une actualité politique de plus en plus conflictuelle? Tandis que la Restauration des Bourbons s’était accompagnée du retour aux figures traditionnelles du pouvoir royal, le règne de Louis-Philippe, né dans des circonstances particulières, rompt avec les représentations symboliques traditionnelles du pouvoir. La situation de la monarchie de Juillet est ambiguë et s’inscrit davantage dans le cadre du non-dit, de l’élision, voire de l’évitement, que dans celui de la représentation ostentatoire. Louis-Philippe, « roi des barricades », ne trouve pas aisément sa place dans un quelconque système de signes de représentations, et ceci soulève l’importante question non plus seulement de sa légitimité, mais de son existence même. Tandis que le nouveau régime cherche à construire son identité, en particulier par la peinture, la
caricature occupe le territoire vide des imaginaires sociaux9. Les signes afférents à la Liberté et à la République, mécaniquement répétés et placés dans des séquences drolatiques, contribuent à occuper les vides de l’espace politique, à habituer l’œil, l’esprit, la conscience et la mémoire, à un nouvel imaginaire et donc à la possibilité d’un nouveau système politique: en bref, la caricature, de dénonciatrice et destructrice, se fait, à son insu, créatrice d’un nouvel imaginaire politique. Grâce aux caricatures, on peut étudier l’autre face de la représentation du pouvoir, l’image qui naît de la critique, de la dénonciation caustique, voire même de la calomnie, puisque telles sont les armes des journalistes et des dessinateurs satiriques: c’est l’image de la Liberté, de la République/Liberté et son association avec la France, France-République et France-Liberté, qui apparaissent dans la presse polémique et nous permettent de discerner «l’ombre portée» de la République de 1793 en 183010. Balzac, co-fondateur de La Silhouette avec Emile de Girardin, écrivait sur la caricature: «Cet art est une puissance11». Les événements qui se bousculent dès les premiers mois de la monarchie de Juillet stimulent l’ardeur des journalistes, et l’on trouve dans le journal La Caricature , des récits d’émeutes, d’insurrections réprimées et de barricades démantelées presque aussitôt que dressées. La presse dénonce alors par le texte et par l’image le triste état d’une France qui aspire à la liberté et les dessinateurs qui s’acharnent, par le dessin et par l’écrit, contre LouisPhilippe et son régime, car leur but est de déprécier cette monarchie du riflard, des pantoufles et des rodomontades inutiles; ils
Michaël Marrinan, Painting politics for Louis-Philippe : art and ideology in Orleanist France, 1830-1848, New Haven, Yale University press, 1988; Bronislaw Baczko, Les imaginaires sociaux, mémoires et espoirs collectives, Paris, Payot, 1984. Lettre d’une planche de Grandville en 1830. 11 Cité par Antoinette Huon, « Philipon et la maison Aubert », in Etudes de Presse, vol. 9, n° 17, 4, pp. 67-76. 9
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ne peuvent de fait militer ouvertement en faveur d’une République dont les contours politiques sont loin d’être clairs à leurs yeux, comme en témoigne Le carnaval politique de Grandville et Forest12.
Figure 3. Carnaval politique, par Grandville et Forest, dans La Caricature, 10 mars 1831 (détail)
Figure 2. Carnaval politique, par Grandville et Forest, dans La Caricature, 10 mars 1831
Sur la première procession (figure 2), la malheureuse femme-liberté porteuse du bonnet phrygien est prisonnière du Bonhomme Carnaval, tandis que sur la seconde, une image dans l’image sous la forme d’un petit tableau discrètement accroché au mur, figure une «République fantôme de cauchemar», qui porte un bonnet, mais tient une hache et une tête coupée (figure 3). On ne saurait mieux résumer le lancinant débat sur le lien entre Terreur et Révolution et la nature de la Terreur. 12
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Habituant le regard du public à être confronté à de fréquents combats entre une femme qui figure autant la France que la Liberté (donc la République) et le roi les artistes de l’équipe de Philipon introduisent l’idée d’un combat à mort entre les deux, comme en témoigne une lithographie de Desperret, sans titre (figure 4) publiée dans le numéro du 2 juin 1831. Rappelant les promesses de Juillet 1830, la forme de la femme-liberté qui s’apprête à poignarder le roi reproduit presque exactement l’ombre d’un Louis-Philippe hagard, fuyant le souvenir des Trois Glorieuses et de ses promesses13; il est intéressant de mettre l’inspiration de la caricature de Desperret en relation avec le célèbre tableau de Pierre-Paul Prud’hon La Justice et la Vengeance divine poursuivant le Crime, exposé avec un très grand succès en 1808. La création de cette ombre vengeresse rappelle au moins deux choses: tout d’abord, que les dessinateurs ont été nourris de culture
Le carnaval politique de Grandville et Forest, publié dans La caricature, n°16 en date du 17 février puis du n°19 en date du 10 mars1831. On nomme « les Trois Glorieuses » les journées révolutionnaires des 27, 28 et 29 juillet 1830.
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Figure 4. Sans titre, par Desperret, dans La Caricature, 2 juin 1831
classique et, ensuite, que le vocabulaire des signes n’est pas extensible à l’infini. Un autre système de gouvernement peut-il être possible pour que Chacun son tour en politique, comme l’indique le titre d’une lithographie de Grandville et Forest publiée le 27 décembre 1833? Auparavant, il faudra bien
trier le bon grain de l’ivraie, et peut-être même subir une nouvelle passion comme en témoigne cette Nouvelle cène (figure 5), de Bouquet publiée le 17 mai 1832. La femme-liberté qui a pris la place du Christ prononce aussi ses propres paroles, «en vérité, en vérité je vous le dis, il en est un parmi nous qui me trahira».
Figure 5. Nouvelle cène, par Bouquet, dans La Caricature, 17 mai 1832
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Après les références antiques et les références religieuses, les auteurs de caricatures trouvent aussi leur inspiration dans le jeu, comme en témoigne cette partie d’échecs anonyme en date du 11 oct 1832, Quand finira cette partie? (figure 6). LouisPhilippe, face à une femme-liberté à bonnet phrygien qui semble gagner la partie est aussi démuni que pouvait se trouver son ancêtre Louis XVI en 1792 face à un sans-culotte sur une gravure judicieusement intitulée
Repique est Capet14. La phrase, «quand finira cette partie?» est très ambivalente, et peut être placée dans la bouche de chacun des deux personnages, soit en signe d’espérance soit en signe de lassitude. Toutefois, un examen exhaustif des dessins du journal La Caricature montre que la présence d’une femme à bonnet phrygien ne renvoie pas uniquement à l’idée de «République», mais très souvent à l’idée de liberté en général, liberté de la presse en particulier15.
Figure 6. Quand finira cette partie? anonyme, dans La Caricature, 11 octobre 1832
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Annie Duprat, Le roi décapité. Essais sur les imaginaires politiques, Paris, Cerf, 1992, p. 188-199. Voir la lithographie Parodie du tableau de Proudhon : la justice et la vengeance divines poursuivant le crime, publiée le 13 février 1834 ; Machine infernale de Sauzet, du 20 août 1835. Entre 1830 et 1835, le dessinateur Decamps a décliné les vies multiples d’une « Françoise » presque devenue « Marianne ». Il la figure comme une jeune femme, le plus souvent enchaînée, mais aussi petite fille tenue en laisse le 5 mars 1831 sous le titre Françoise-Désirée-Liberté, née à Paris le 27 juillet 1830, ou, successivement, attachée au poteau d’exécution sur un Jugement de Françoise Liberté, le 27 janvier 1831, puis crucifiée sur une Exécution de Désirée-Françoise-Liberté le 12 juin 1834 ; elle est trahie au Mont des Oliviers sur Agonie de la Liberté au jardin des Oliviers de Bouquet, le 2 août 1832 ; mais elle a aussi remplacé le Christ sur des cènes renouvelées comme La Cène de Bouquet, le 17 mai 1832 ou sur la Scène révolutionnaire (sic) de Benjamin, le 25 décembre 1834.
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Au milieu des années 1830, le transfert d’une allégorie antiquisante et un brin pompeuse, la Liberté, vers une figure plus familière, proche de la Marianne de la IIIè République, a été opéré par l’art de la caricature grâce à des mises en scène et des mises en images permettant sa fusion avec la représentation de la République. Le langage de l’allégorie est alors devenu incompréhensible aux contemporains, comme le montre la réception du tableau de Delacroix, La Liberté guidant le peuple, dans lequel celui-ci, justement, reconnaît une «République», une «Marianne sur les barricades» que le peintre n’avait
certainement pas voulu peindre 16 . La généalogie iconographique peut s’écrire comme le passage insensible de la «Liberté» à la «République», puis, dans les années 1850, la personnification de la République sous le nom de Marianne. Avec la Commune de Paris et les débuts difficiles de la IIIè République, plusieurs Mariannes s’affrontent, de la vamp à la concierge ou de la République radicale à la République modérée, ces métamorphoses de Marianne sont bien connues17. Marianne, enfin se confond avec la France, comme en témoignent les étrangers lorsqu’ils évoquent notre pays18.
Sur l’identité de la femme sur les barricades, voir Annie Duprat, « Des femmes sur les barricades de juillet 1830 : histoire d’un imaginaire social », La barricade, Paris, Publications de la Sorbonne, 1997, p. 197-208. 17 Maurice Agulhon et Pierre Bonte, Marianne, les visages de la République, Paris, Gallimard, collection Découvertes, 1992 ; JeanMichel Renault, Les fées de la République, Paris, Pélican/Vilo, 2003. 18 Voir l’article de Nina Bernstein « Marianne, cette femme fatale qui agace Bush le macho » publié dans le New York Times en octobre 2003. 16
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DE L’ICÔNE À L’IMAGE DU CHRIST, ENTRE ORIENT ET OCCIDENT (IXE-XIIIE SIÈCLES): UNE IMAGE «PARADOXALE»
De l’icône à l’image du Christ, entre Orient et Occident (IXe-XIIIe siècles): une image «paradoxale»
Daniel Russo Professor de arte medieval da Universidade de Bourgogne, na cidade de Dijon, França. Diretor da Unité Mixte de Recherche 5594 ARTeHIS, membro da equipe de Etudes Médiévales e autor de, entre outras obras, Marie, Vierge à l’Enfant et Mère de Dieu. Recherches sur la formation et les développements de l’iconographie mariale en Occident, du IIIe siècle au milieu du XIIIe siècle, Thèse d’Habilitation à Diriger les Recherches, Paris: Université Paris-Sorbonne Paris IV, 2 vols., 393 p. , 110 ill. Daniel.Russo@u-bourgogne.fr
RESUMO
As relações intensas entre Bizâncio e Ocidente latino podem ser percebidas através da iconografia crística entre os séculos IX e XIII, ainda que a evolução desta no Ocidente e Oriente não tenha sido unívoca e convergente. Assim, a evolução da Maiestas Christi para o Cristo Juiz e Redentor implicou, em Bizâncio, no desenvolvimento de uma estrutura narrativa e do tema da Deisis , enquanto no Ocidente, Cristo abandona a forma da mandorla que o envolvia, apresentandose, por um lado, mais humano e humilde, explorando o tema da exposição das chagas, e, por outro, apresentando outros elementos para apresentá-lo em glória. PALAVRAS-CHAVE: iconografia medieval; Cristo; Bizâncio; Ocidente latino.
ABSTRACT
The intense relationship between Byzantium and latin Occident can be analyzed through the critic iconography from IX to XIII centuries, even though the evolution of it in Occident and Orient were not unique nor convergent. Thus, the evolution from Maiestas Christi to the Christ of judge and redemption implicated, in Byzantium, the development of a narrative structure and the Deisis theme, whereas in Occident, Christ renounced the almond shape that involved him, presenting him more human and humbler, exploring the theme of the exposition of sores and, at the other hand, introducing other elements to show him in glory. KEY WORDS: medieval iconography; Christ; Byzantium; latin Occident.
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De l’icône à l’image du Christ, entre Orient et Occident (IXe-XIIIe siècles): une image «paradoxale»
Entre les IXe et Xe siècles, dans le monde byzantin comme dans l’Occident latin, le Christ s’est défait de la majesté d’emprunt qui était la sienne pour acquérir des attributs qu’il possédait en propre. Au cours du XIe siècle, alors qu’il devenait un personnage parmi d’autres sur les icônes, sur les images, il évoluait vers un registre d’expression de plus en plus anecdotique. Vers 1130-1140, en Occident, il changeait soudain d’aspect à la suite d’une série de transformations qui le faisaient passer de la Maiestas Domini à la figure, double, du Juge et du Rédempteur. Le processus complexe se poursuivit jusque vers 1180, au centre de l’espace européen compris entre Loire et Rhin, puis se diffusa plus largement tout au long du XIIIe siècle. Ainsi, quoi de plus différent que le Christ accompagnant l’abbé saint Ménas, sur une icône du VIe siècle, et celui du Crucifix peint par le Maître de San Francesco, en Ombrie, dans les environs d’Assise, au XIIIe siècle? Dans l’icône1, le cadre était peint sur un lourd panneau de bois d’une seule pièce, au lieu d’avoir été construit tout autour, comme c’était le cas sur les plus anciennes réalisations du IIIe siècle2, mais les personnages montrés conservaient des proportions massives et des attitudes statiques, campés devant un paysage, les pieds sur le rebord du panneau (Ill. 1). Le sol était signalé par une étroite bande sombre, tandis qu’une ligne ondulée
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Ill. 1 : Christ et saint Ménas , VIe siècle, tempera sur bois, 57 cm / 57 cm. Musée du Louvre, Paris
aux trois quarts de la hauteur du panneau et une surface colorée descendant jusqu’au sol décrivait sans doute un paysage nilotique, tandis qu’au-dessus apparaissait ce qui pouvait être un ciel. Dirigés perpendiculairement au plan du cadre de bois, les regards des deux personnages, leurs yeux grands ouverts, portaient très au-delà de l’observateur, quel qu’il fût, vers un lointain mal défini, selon des lignes parallèles. Cernés de gros traits noirs, le Christ et l’abbé étaient figurés frontalement et parallèlement au mur. Il n’y avait pas de position privilégiée, ni par la
Le Christ et saint Ménas, VIe siècle, tempera sur bois, 57 cm / 57 cm. Musée du Louvre, Paris. Voir par exemple Héron et un dieu militaire, vers 200, tempera sur bois, 24,5 cm / 19 cm. Musées royaux d’Art et d’Histoire, Bruxelles.
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DE L’ICÔNE À L’IMAGE DU CHRIST, ENTRE ORIENT ET OCCIDENT (IXE-XIIIE SIÈCLES): UNE IMAGE «PARADOXALE»
distance, ni par l’angle de vue. La peinture organisait un espace de vision homogène, dont la limite extérieure était située aussi loin que le lointain désigné par le Christ et saint Ménas, aussi loin que pouvaient les voir les observateurs éventuels. Dans cette sphère de vision, tous les points de vue étaient équivalents entre eux, sans aucune prise en compte de rang hiérarchique ou de fonction sociale exercée au sein de la communauté. Seules comptaient les deux figures qui occupaient, avec leurs auréoles, presque toute la hauteur du panneau : à droite, le Christ barbu, identifié par l’inscription («Le Sauveur») et l’auréole crucifère, portant le livre des évangiles sous son bras gauche et entourant du bras droit l’épaule de l’abbé, supérieur du monastère de Baouit en Egypte. Deux inscriptions identifiaient l’abbé. Le Christ philanthropos, qui aimait l’humanité, passait son bras autour de l’épaule de saint Ménas comme pour l’accompagner jusqu’au royaume des cieux. Sur le Crucifix du Maître de San Francesco, une croix à tapis central découpé dans le panneau de bois3, était étendu le corps du Christ, les bras à l’horizontale suivant une ligne légèrement sinueuse, la tête penchée vers l’épaule gauche, les yeux mi-clos et le regard dirigé vers le plan du panneau, le bassin désaxé vers la gauche, les pieds vers la droite. Le corps offert au milieu du crucifix, exposé à la vue, adhérait à la surface de la croix peinte en bleu foncé. Du sang coulait des blessures infligées aux mains, aux pieds, par les clous qui y avaient été enfoncés et, sur le buste, au côté
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droit transpercé par la lance de Longin. Sur le tapis central, la Vierge et une sainte femme, à gauche pour l’observateur, saint Jean et un apôtre, à droite, participaient à la scène.4 Les plans se détachaient en parallèle au plan du panneau, d’avant en arrière, ainsi : le corps du Christ ; le cadre ; la surface peinte en bleu ; les figures des quatre autres personnages ; la surface dorée du fond. La Vierge tenait ses yeux baissés, les trois autres regardant vers le visage du Christ. Contrairement au schéma adopté sur le Christ et saint Ménas, dont les regards vers l’infini commandaient la sphère de vision, sur le Crucifix, les regards des cinq personnages délimitaient un espace enclos dans la peinture elle-même. Au XIIIe siècle, la scène se jouait devant un ‘public’, elle était située dans une autre sphère, qui prenait les dimensions d’un récit. Elle ne commandait pourtant aucun espace privilégié, restait visible d’un coup et de manière identique selon la place occupée par chacun dans la sphère de visibilité du Crucifix. Dérivé ou non des types byzantins de Christs crucifiés souffrants, le panneau du XIIIe siècle était surtout la réalisation pensée, méditée, vécue aussi, d’un maître qui savait composer un espace de représentation adapté aux conditions de visibilité de l’objet, disposé près de l’autel ou, plus vraisemblablement, suspendu au-dessus, intégré au déroulement liturgique des rites et des pratiques locales. La pertinence d’un modèle byzantin, tout fait, donné a priori, doit être redéfinie.5
Maître de San Francesco, Crucifix, tempera sur bois, 96 cm / 73 cm, Ombrie, v. 1265-1270. Musée du Louvre, Paris. Les quatre personnages étaient montrés les pieds posés sur la base du tapis central de la croix, la Vierge exactement sur la base, saint Jean et son compagnon, un pied sur la base, un pied en retrait. Le Christ était peint les pieds sur la ligne qui servait de point d’appui à la composition principale. Hans Belting, Bild und Kult. Eine Geschichte des Bildes vor dem Zeitalter der Kunst, Munich, C.H. Beck, 1990, (trad. fr. Frank Muller, Paris, Cerf, 1998), chap. 16, (« A la manière grecque. Icônes importées d’Orient »). Pour une discussion critique, Anne Derbes, Picturing the Passion in Late Medieval Italy. Narrative Painting, Franciscan Ideologies and the Levant, Cambridge University Press, 1996.
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De façon plus générale, par rapport à l’image du Crucifié, l’évolution entrevue ne levait pas l’indécision qui prévalait pour toute représentation christique6 : quel contenu privilégier en effet? Si l’on accentuait le pôle divin, on risquait de rejeter sur les marges l’historicité de la figure et son insertion dans l’histoire. Si l’on affirmait, d’un autre côté, que Jésus était Dieu, on voulait dire alors que le mystère inépuisable du divin surgissait avec lui, dans les contingences des formes de l’histoire humaine. Or, on ne pouvait pas le dire sans éprouver le vertige, puisque Dieu n’était ni concevable, ni maîtrisable. L’iconographie du Christ ne sortait pas de ce dilemme, bien au contraire elle l’intégrait à son propre développement. Car, à partir du IXe siècle, en Orient, en Occident, montrer le Christ dans sa double nature, Dieu et homme ensemble, c’était essayer de rendre visible toute la part d’indécision, mieux cerner aussi le passage entre l’au-delà et l’ici-bas, accentuer l’ici-bas et la dimension humaine située dans l’histoire7. Deux grandes phases rythmaient ces changements dans l’ordre visuel : d’abord, jusqu’au milieu du XIIe siècle, se produisait l’affermissement de la Maiestas Christi dans une iconographie inspirée surtout, mais pas seulement, de la vision apocalyptique de Jean8 ; puis, à partir des années 1130-1140, un peu plus tôt, un peu
plus tard suivant les aires géographiques, par retouches et glissements successifs, l’iconographie du Christ était reformulée et remise en situation sous l’aspect dominant d’un Christ Juge et Rédempteur. Au cours de ces deux moments principaux, dans un dialogue ininterrompu, fait d’échanges et d’emprunts continuels, à des époques contemporaines les unes des autres, l’art byzantin tenait toujours un grand rôle, assurément pas celui d’un modèle constant et quasi inchangé, mais plutôt celui du vis-àvis dans le vaste système alors en cours de réorganisation.
La Maiestas Christi , une iconographie renouvelée En signe de « m a j e s t é » 9 , était communément utilisée l’ancienne chaise curule du magistrat romain, revêtue d’un lourd coussin d’étoffe de couleur pourpre, le pulvinus . En Occident, sur un nombre important de manuscrits enluminés dans le diocèse de Constance, l’attribut employé pour le Christ en majesté changeait et paraissait résulter de la superposition de deux signes anciens, reliés organiquement entre eux, le globe et la mandorle10. Dans le même temps, en revanche, l’attribut impérial restait
Carlo Ginzburg, « Représentation : le mot, l’idée, la chose », Annales ESC, vol. 46, n° 6, 1991, pp. 1219-1234, (repris dans ID., A distance. Neuf essais sur le point de vue en histoire, Paris, Gallimard, « Bibliothèque des Histoires », 1998, pp. 73-88), pour une définition problématique de l’image christique. 7 Daniel Russo, « Le Christ entre Dieu et homme dans l’art du Moyen Age en Occident (IXe-XVe siècles). Essai d’interprétation iconographique », in J. Le Goff, G. Lobrichon, (éds.), Le Moyen Age aujourd’hui. Trois regards contemporains sur le Moyen Age : histoire, théologie, cinéma, Paris, Le Léopard d’Or, (Cahiers du Léopard d’Or, 7), 1997, p. 247-279 ; François Boespflug, « Pour une histoire iconique du Dieu chrétien… : une esquisse », in Histoire du Christianisme, t. 14, F. Laplanche (resp.), Anamnèsis, Paris, Desclée, 2001, p. 83-123 ; Jacques Le Goff, Le Dieu du Moyen Age. Entretiens avec Jean-Luc Pouthier, Paris, Bayard, 2003. Sur l’ambiguïté inhérente au champ de la représentation, Herbert Leo Kessler, Spiritual Seeing. Picturing God’s Invisibility in Medieval Art, Philadelphie, The University of Pennsylvania Press, 2000. 8 Yves Christe, L’Apocalypse de Jean, Paris, Picard, 1996. 9 Anne-Orange Poilpré, Maiestas Domini. Une image de l’Eglise en Occident, Ve-IXe siècles. Paris, Cerf, ‘Histoire’, 2005. Pour le moment carolingien, Trésors carolingiens. Livres manuscrits de Charlemagne à Charles le Chauve, Marie-Pierre Laffitte, Charlotte Denoël, éds., avec la collab. de Marianne Besseyre, Paris, Bibliothèque nationale de France, 2007 (catalogue d’exposition, 20 mars-24 juin 2007). 10 Galienne Francastel, Le droit au trône. Un problème de prééminence dans l’art chrétien d’Occident du IVe au XIIe siècle, Paris, Klincksieck, « Le signe de l’art », 1973, chap. 6 ; Anne-Orange Poilpré, « Charles le Chauve trônant et la Maiestas Domini. Réflexion à propos de trois manuscrits », Histoire de l’Art, vol. 55, 2004, pp. 45-54. 6
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inchangé, sous la forme d’un trône de plus en plus richement paré11. Le Christ était assis, le plus souvent, à l’intérieur de la forme composée du globe et de la mandorle, sur le globe seul ou à l’intersection du globe et de la mandorle, au centre d’une sorte de figure géométrique en huit. Dès le premier tiers du IXe siècle, le Christ était ainsi régulièrement entouré d’une gloire qui prenait une forme nouvelle, le cercle étant étiré pour former une amande ovale ou brisée aux deux extrémités dans le sens de la hauteur. Ce qui lui servait de trône était remplacé par le globe. Ce type de présentation du Christ en majesté, au cours du IXe siècle, apparaissait dans la production des ateliers carolingiens de Tours, qui travaillaient pour les commandes de la cour impériale12 : dans les Evangiles de Lothaire, vers 849 et 851, le Christ en majesté était montré, sur le feuillet 2 au verso, assis sur l’orbe terrestre et au cœur d’une mandorle brisée en haut et en bas, bénissant de sa main droite et tenant de son autre main le livre des évangiles13 (Ill. 2). L’orbe terrestre était inscrit à la base de la mandorle, dans sa partie inférieure, et effleurait le rebord intérieur. Les quatre Vivants étaient disposés dans les écoinçons du cadre peint sur le feuillet, laissant l’espace interne à la mandorle entièrement libre de toute autre figuration. Ainsi composée, l’image du Christ en majesté apparaissait au bas de la mandorle qui décrivait la sphère de vision céleste, comme en train de descendre vers le registre terrestre. Dans le temps vécu après l’Incarnation, le Christ Sauveur faisait irruption sous les yeux du destinataire du manuscrit. L’exemple, peutêtre le plus ancien, d’une composition qui
préparait celle-ci, était celui de l’Evangéliaire de Weingarten, réalisé à Tours vers 830, sous l’abbatiat de Frigiduse (807-834)14 : a u feuillet 1 verso, le Christ était assis sur l’orbe terrestre dans une mandorle ovale, très large, aux dimensions d’un cadre, à l’intérieur de laquelle prenaient place les anges qui soutenaient le globe et les quatre Vivants, dont chacun était entouré d’un espace propre formé par des nuages. Séparé du support divin par cette suite d’éléments visuels, le bord intérieur de la mandorle ne touchait pas l’orbe lui-même, de telle sorte que globe et mandorle ne formaient pas encore d’unité organique et
Ill. 2 : Christ en majesté, Evangiles de Lothaire, f° 2 v°, Tours, vers 849-851. Bibliothèque nationale de France, Lat. 266, Paris
EAD., « Charles le Chauve trônant et la Maiestas Domini », art. cit. supra. Herbert L. Kessler, The Illustrated Bibles from Tours, Princeton University Press, 1977. D. Alibert, « La majesté sacrée du ro i : images du souverain carolingien », Histoire de l’Art, vol. 40, 1989, p. 25 sq. 13 Evangiles de Lothaire, Christ en majesté, f°2 v°, Tours, vers 849-851. Bibliothèque nationale de France, Lat. 266, Paris. 14 Evangiles de Weingarten, Christ en majesté, f°1 v°, Tours, vers 830. Landesbibliothek Reg., HB. II. 40, Stuttgart. 11 12
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que le Christ en majesté n’était pas conçu pour montrer la présence du Verbe incarné sur terre. Dans l’Evangéliaire de Prüm, une mandorle très large et à peine brisée aux deux bouts était parcourue de nuages15. Incluse dans le champ de la mandorle, une inscription proclamait la divinité de Celui qui était assis sur l’arc de l’univers, «roi du monde», «gloire du ciel», Hoc sedet arce deus, mundi rex, gloria caeli. Pourtant, dans l’image, le Christ était assis sur un globe et non sur un arc-enciel, qui servait seulement d’appui à ses pieds. Les principaux éléments de la composition se trouvaient dans l’art chrétien et dans l’art byzantin, dès le IVe siècle. Les rapports entre tous ces objets n’étaient pas vraiment établis : ils pouvaient s’ordonner en un ensemble plus ou moins homogène ; ils pouvaient varier d’un cas à l’autre ; mais, ils gardaient leur identité en tant qu’objets indépendants susceptibles d’être dissociés les uns des autres. Ainsi, au Ve siècle, dans SaintGeorges de Salonique, à l’intérieur d’une Vision d’Ezéchiel, la majesté divine se tenait sur un arc-en-ciel. A Saint-Vital de Ravenne, dans la conque absidale, un Christ Emmanuel était assis dans une gloire supportée par deux anges. A Baouit, dans l’abside, au VIe siècle, une très large gloire avait la forme d’un œuf couché et soutenu par les anges. Dans SaintLaurent-hors-les-murs, à Rome, vers 578-590, le Christ était assis sur un globe, sans mandorle. Dans la basilique de Saint-Pierre, au VIIIe siècle, une mosaïque disparue montrait un cercle étoilé avec l’image d’un Christ assis, bénissant, que soutenaient des anges. A l’époque carolingienne, le pape Hadrien 1er (772-795) ordonna de disposer dans l’abside de Saint-Théodore une grande
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mosaïque qui reprenait celle de Saint-Laurenthors-les-murs. Au IXe siècle, l’une des enluminures du Cosmas Indicopleustès de la Bibliothèque Vaticane figurait un Christ trônant dans une gloire qui avait la forme d’une calotte d’abside et qui représentait le ciel. A la même époque, à Salonique, dans l’église Saint-Georges, une Ascension mettait en scène le Christ auréolé et assis sur un arc. Chacune de ces majestés du Christ offrait des aspects différents et, surtout, des rapports variés entre les éléments utilisés. Aucune n’associait graphiquement, dans l’espace de la composition, le globe à la mandorle. La formule employée dans l’Evangéliaire de Lothaire était neuve en raison de l’agencement formel choisi. Elle précédait, de peu, tous les développements exégétiques qui furent donnés à la figure du roi trônant, sous le règne de Charles le Chauve. Assis sur un trône, alors devenu un attribut impérial, celuici était regardé comme le garant le plus sûr de la continuité et du salut16. A partir de ce moment-là, dans l’Occident carolingien, les attributs de la majesté divine et ceux de la majesté impériale furent soigneusement distingués les uns des autres. Dans ce contexte de pensée, la forme du globe inséré à la base d’une mandorle fut mise au point. Il en allait différemment dans le monde byzantin, dès après la restauration des images (mars 843) : l’empereur Michel III (842-867) rétablit l’icône du Christ sur la Chalcè, la porte de bronze du palais impérial, puis dans la salle du trône et sur les monnaies d’or. Avec Basile 1er, il entreprit de restaurer et de décorer Sainte-Sophie par une série de mosaïques représentant des saints isolés grandeur nature, en commençant par l’image de la Vierge
Evangiles de Prüm, Christ en majesté, Tours, vers 852. Landesbibliothek Lat. Theol. 733, Stuttgart. Anne-Orange Poilpré, « Charles le Chauve trônant et la Maiestas Domini », art. cit., pp. 48-52.
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placée dans l’abside, en 867 17 . Mais l’affirmation impériale ne recouvrait pas celle de la majesté christique dont elle émanait encore, du reste, étroitement. Entre la fin du IXe et le début du Xe siècle, à Sainte-Sophie, dans le narthex, une mosaïque décorait la lunette au-dessus des Portes impériales : un empereur, sans doute Léon VI, était prosterné devant un Christ trônant, encadré de deux médaillons contenant, l’un la Vierge Marie intercesseur, à gauche, l’autre l’archange Michel, à droite. Le lourd dossier du trône, en forme de lyre, le geste de la bénédiction donnée par le Christ, couronné d’une auréole crucifère, encadré par les deux figures des intercesseurs, tout soulignait la prééminence de la majesté divine sur l’empereur recroquevillé au bas du siège, implorant la grâce de Dieu18. Au cours de la deuxième moitié du Xe siècle, une grande mosaïque fut installée dans le vestibule de Sainte-Sophie, au-dessus de la Belle Porte : Constantin et Justinien consacraient à la Vierge à l’Enfant, trônant sur un meuble monumental, posant ses pieds sur un piédestal d’honneur, l’un sa ville, l’autre son église. Revêtus des insignes impériaux, les deux empereurs étaient vus en pied, présentant les maquettes des deux édifices au couple divin19. Il n’y avait rien de comparable avec ce qui se passait dans l’Occident carolingien, même si les éléments formels étaient identiques dans toutes ces compositions. Vers les années 930-1000, l’attribut spécifique de la majesté du Christ passait dans
toute une série de manuscrits enluminés à Reichenau et dans d’autres grands ateliers de l’Empire ottonien 20. Sur le feuillet 5 des Evangiles de Géron enluminés à Reichenau, peu avant 969, à la demande de Géron, archevêque de Cologne de 969 à 976, le Christ trônait en majesté dans un cercle qui l’entourait21. Les quatre Vivants occupaient chacun un médaillon dans la circonférence qui recouvrait le feuillet peint. Le Christ bénissait et tenait de la main gauche le livre des Evangiles. Les pieds posés sur un escabeau, il figurait comme un personnage dans l’éternité du Royaume. Deux copies avaient été faites de l’ Evangéliaire : le Sacramentaire de Peterhausen (Reichenau, vers 980-985), dans lequel, au feuillet 41, le Christ en majesté était assis sur un trône dont la partie inférieure débordait en bas sur le cercle qui l’entourait22 ; les Evangiles de Hildesheim, réunis de 1013 à 1022, où le Christ en majesté se détachait sur un fond de couleur opaque, en forme d’amande tronquée à la base et brisée au sommet, l’ensemble ayant été disposé dans un cercle. Autour de l’an mil, dans la peinture des manuscrits toujours, l’attribut du globe dans la mandorle finissait de s’imposer dans des commandes de prestige. Les modèles tourangeaux étaient surtout connus dans les scriptoria rhénans. Une des grandes Bibles illustrées, dont Tours avait la spécialité, était restée à Trèves et le Christ en majesté qu’on y voyait fut repris par l’enlumineur d’un manuscrit qui provenait de l’église Sainte-Marie-et-Martyres 23 . La
Gilbert Dagron, Empereur et prêtre. Etude sur le « césaropapisme » byzantin, Paris, Gallimard, « Bibliothèque des Histoires », 1996. 18 Heinz Kähler, Cyril Mango, Die Hagia Sophia, Berlin, Gebr. Mann, 1967 ; trad. angl. Ellyn Childs, Londres, Zwemmer, 1967. Gilbert Dagron, Empereur et prêtre, op. cit. supra, chap. 6. 19 Gilbert Dagron, Empereur et prêtre, op. cit., chaps. 6 et 9. 20 Peter Lasko, Ars sacra (800-1200), Baltimore, « Pelican History of Art », 1975 (New Haven, Yale University Press, 1995), pour une présentation d’ensemble. 21 Péricopes de Géron, Christ en majesté, f°5, Reichenau, avant 969. Landesbibliothek ms. 1948, Darmstadt 22 Sacramentaire de Peterhausen, Christ en majesté, f°41, Reichenau, vers 980-995. Bibliothèque de l’Université, sal. IX. B, Heidelberg. 23 Bible, Christ en majesté, f°127, dernier quart du Xe siècle. Archives de l’Etat, ms. 701, Coblence. 17
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tendance n’était cependant pas générale. Dans deux couvents voisins, celui d’Echternach et un autre tout proche, deux manuscrits adoptaient la forme de la mandorle tourangelle, en amande, sans reprendre le globe comme siège du Christ en majesté, qui restait assis sur un trône rendu à l’ancienne manière, sous la forme du trône-coffre sans dossier24. A Cologne, plus particulièrement, dans des ateliers qui ne travaillaient pas pour la cour impériale, se multipliaient à partir de la fin du Xe siècle des variations sur le Christ en majesté, sans utiliser toujours les éléments de la tradition romano-byzantine. Dans les Evangiles du groupe Liuthar, enluminés à Cologne dans le deuxième quart du XIe siècle, le Christ Rédempteur était encadré de deux chérubins et assis sur un globe divisé en quartiers et illustré de scènes et de figures25. Dans l’Evangéliaire de Sainte-Marie ad Gradus, vers le milieu du XIe siècle, un Christ en majesté était inscrit dans un « huit » et avait les pieds calés sur un petit globe26. Dans les Evangiles de Gundold, le Christ en majesté était assis sur un globe sans mandorle27. En dépit d’une diffusion large, la formule associant l’attribut du globe à celui de la mandorle n’était donc pas employée uniformément partout. De plus, là où elle s’était imposée, dans les vieux centres carolingiens de Fulda, Cologne, Trèves, dans le diocèse de Mayence, ou encore à SaintGall, ou à Reichenau, dans le diocèse de Constance, elle fut vite soumise à un
enrichissement décoratif qui rompit la synthèse obtenue entre les deux signes visuels. Dans les Evangiles de Goslar , enluminés à la demande de l’empereur Henri III à Echternach, vers 1050-1056, le Christ en majesté reposait assis sur la boucle centrale que formaient deux cercles entrelacés en forme de « huit ». Une évolution graphique se dessinait en Occident vers un autre contexte de réalisation. En Orient, cette évolution avait été plus précoce et s’était effectuée sur d’autres bases.
Ruptures, fin Xe-XIIe siècle Dans le monde byzantin, les icônes sur panneau de bois conservées des IXe et Xe siècles restent aujourd’hui trop rares pour être comparées, par exemple, aux enluminures des manuscrits dans l’Empire. Pourtant, durant la période qui suivit la querelle des images, l’orientation était clairement affichée, y compris du point de vue technique. En effet, si durant les VIe-VIIe siècles, les icônes étaient peintes le plus souvent à l’encaustique, après l’iconoclasme, les artistes adoptèrent la tempera, qui permettait un aspect mat et des contours plus nets. De plus, le fond à feuille d’or, utilisé presque sans partage, constituait, cette fois, une négation de l’espace28, le personnage montré étant vu en buste comme dans l’Antiquité, mais très près du plan de l’image, dans un espace de profondeur minime et serré par les angles du panneau de
Il s’agit, respectivement, du Codex Aureus d’Echternach, Christ en majesté, p. 5, Nuremberg, Hs. 15612 et de l’Evangéliaire de la Sainte-Chapelle, Christ en majesté, f°1v°, Paris, Bibliothèque nationale, Lat. 8851). 25 Ms. 94, A II 18, Bibliothèque nationale, Bamberg. 26 Codex 753 b, Séminaire du Prieuré, Cologne. 27 Folio 10, ms. 402, Landesbibliothek, Stuttgart. 28 Voir, par exemple, l’icône de Saint Nicolas, Xe siècle, tempera sur bois, 43 cm / 33, 1 cm. Monastère Sainte-Catherine du Sinaï. En général, The Age of Spirituality, Kurt Weitzmann (dir.), New York, The Metropolitan Museum of Art ; sur l’évolution plus précise du VIe au Xe siècle, Kurt Weitzmann, The Monastery of Saint Catherine at Mount Sinaï, vol. 1, The Icons : From the Sixth to the Tenth Century, Princeton University Press, 1976. 24
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bois. La grande maîtrise de ces techniques concourait, à l’époque médiobyzantine, à faire évoluer l’icône vers une représentation divine, aperçue à distance, comme une évocation du monde céleste, en dehors d’un espace communautaire homogène. La tendance était renforcée par le choix d’un emplacement privilégié dans l’église pour exposer les icônes du Christ, de la Mère de Dieu, des saints, celui du templon, cette clôture séparant désormais le chœur de la nef. Les innovations techniques apportées à la peinture eurent un effet considérable sur toutes les autres images et sur le culte proprement dit. L’étape décisive fut franchie lors de l’introduction d’icônes narratives sur l’architrave peinte en continu, et réunissant les colonnes au sommet du templon. A partir du Xe siècle, les icônes narratives gagnèrent en nombre et en qualité29. Sous sa forme rapportée en images, le récit anecdotique ajoutait une tension nouvelle au répertoire iconographique et contribuait à l’évolution de l’icône vers le mode de la représentation (Ill. 6) 30 . L’impulsion paraissait venir des communautés monastiques et, en leur sein, de la dévotion privée de chacun des moines, spectateur ou propriétaire d’une icône. Déjà, sur la Crucifixion peinte à tempera sur bois, dans le courant du IXe siècle, de tout petit format, une inscription sur les montants peints du cadre était supposée parler au nom d’un de ces spectateurs ou propriétaires, qui s’adressaient au Crucifié en ces termes31 : « Qui ne serait frappé de peur et de tremblement à ta vue, ô Sauveur, cloué sur la croix ? Tu as déchiré le vêtement de la mort, mais tu es couvert de la robe de
l’incorruptibilité ». Les émotions intenses suscitées par l’icône se concentraient sur la nudité du corps glorieux du Christ sur la croix, les bras étendus à l’horizontale, le visage légèrement penché vers l’avant, vers le bas, du côté gauche, dans la direction de Marie. Celle-ci était drapée d’un long manteau de couleur sombre et portait l’index de sa main gauche à la bouche. En vis-à-vis, sur la droite, saint Jean tenait de sa main droite le livre ouvert des évangiles et pointait de l’index gauche vers le corps du Christ. Peut-être saisie lors des dernières paroles du Christ à sa mère, la scène n’en était que plus forte et renvoyait par saint Jean à l’équivalence visuelle entre le livre ouvert, tenu en main, et le corps offert sur la croix. Alors que les Crucifiés des périodes
Ill. 6 : Catholicon de Hosios Loukas, Stiris, Grèce, début du XIIe siècle. Vue intérieure vers le sud-est
Anna D. Kartsonis, Anastasis, the Making of an Image, Princeton University Press, 1986. Sixteen Ringbom, Icon to Narrative. The Rise of the Dramatic Close Up in fifteenth Century Devotional Painting, Abo, M. Ringbom, 1965 (trad. fr. Patrick Joly, Laurent Milesi, Paris, G. Monfort, 1997), chaps. 1 et 2 ; Otto Pächt, The Rise of Pictorial Narrative in Twelfth Century England, Oxford, Clarendon Press, 1962, pp. 46 sq., pour la discussion des rapports avec l’art byzantin des Xe-XIe siècles. 31 Henry Maguire, The Icons of Their Bodies. Saints and Their Images in Byzantium, Princeton University Press, 1996, pp. 48-99, pour une discussion sur ces attitudes face aux icônes, et plus particulièrement face à celles du Crucifié, à partir de la seconde moitié du IXe siècle. 29 30
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antérieures avaient été vêtus d’une longue tunique, l’humanisme post-iconoclaste s’attachait à présenter le corps dénudé, couvert d’un simple pagne. Le sentiment de honte, que devait éprouver le spectateur devant ce corps immolé nu, supportait activement celui de culpabilité ressenti pendant la méditation sur la Passion32. En disposant un cycle narratif sur le templon , on intégrait l’attrait exercé directement par les icônes à l’accompagnement liturgique du culte. La liturgie reproduisait l’institution de l’Eucharistie lors de la Cène, mais les prières commémoraient la vie du Christ dans sa continuité, avec la référence exprimée à l’Incarnation, à l’enseignement, à la mort sur la croix et à la Résurrection33. Les lectures suivaient aussi le cours de sa vie, à travers le cycle de l’année, depuis sa naissance (Noël) jusqu’à la descente de l’Esprit saint (Pentecôte), mais adoptaient une chronologie rigoureuse. Les icônes narratives servaient à encadrer visuellement ce que la liturgie célébrait. La plus ancienne architrave conservée daterait du début du XIIe siècle et comporterait douze séquences peintes : l’Annonciation, la Nativité, la Présentation, le Baptême, la Transfiguration, la résurrection de Lazare, l’Entrée à Jérusalem, la Crucifixion, la Résurrection, l’Ascension, la Pentecôte et la Dormition (Ill. 3’) 34. Chacune des séquences se réduisait à l’extrême pour offrir la plus grande visibilité possible. Le regard glissait,
de la sorte, du Christ monté sur l’ânesse lors de l’Entrée à Jérusalem, à la courbe sinueuse de son corps étendu souffrant sur la croix et à la Résurrection où, triomphant de la mort, il foulait aux pieds les portes de l’enfer en tirant Adam et Eve du tombeau. Manquait la séquence du Lavement des pieds. Cela indique que le cycle pouvait être développé ou, au contraire, raccourci. Les épisodes de la naissance et de la mort du Christ étaient le plus fréquemment amplifiés 35 . La fin
Ill. 3’ : Entrée du Christ à Jérusalem, provenant de l’architrave de l’église du Christ Pantocrator à Constantinople, XIIe siècle, émail sur argent doré, 36, 7 cm / 31, 3 cm. Pala d’Oro , basilique SaintMarc, Venise
Sur les développements du threnos en iconographie, Kurt Weitzmann, « The Origin of the Threnos, in M. Meiss, (dir.), De artibus opuscula XL, Essays in Honor of Erwin Panofsky, New York, Millar, 1961, pp. 476-490 ; Henry Maguire, « The Depiction of Sorrow in Middle Byzantine Art », Dumbarton Oaks Paper , vol. 31, 1977, pp. 161-170. Des développements dans la rhétorique, à partir du Xe siècle, au sein des écoles monastiques : Henry Maguire, Art and Eloquence in Byzantium, Princeton University Press, 1981, (1994). 33 Jaroslav Pelikan, Imago dei : The Byzantine Apology for Icons, Priçnceton University Press, 1990 ; Anna D. Kartsonis, Anastasis, The Making of an Image , op. cit. passim. 34 Fragments d’une architrave de templon, début du XIIe siècle, tempera sur bois, 45 cm / 118 cm environ pour chaque icône. Monastère Sainte-Catherine du Sinaï. 35 De même, dans les séquences des lamentations sur le corps du Christ mort ; Henry Maguire, Art and Eloquence in Byzantium, op. cit., pp. 91-108. 32
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recherchée, au travers de cette opération de montage, devait être de présenter les différentes étapes du salut de l’humanité opéré par le Christ selon un enchaînement visible pour tous, visiteurs et pèlerins. Le caractère sacré du templon entraînait donc des changements profonds dans les usages et la structure des icônes liées au culte, notamment l’adaptation à un cadre de vision élargi, toujours à distance des spectateurs, mais sans cesse ouvert à tous. L’autre série de modifications avait trait aux matériaux précieux désormais utilisés dans la confection des images et rendus plus que nécessaires par la clôture du rite très saint de l’Eucharistie. Entre toutes, les icônes des grandes fêtes resplendissaient d’émaux cloisonnés, de verre et d’or. Six icônes en émaux, appartenant au monastère royal du Christ Pantocrator , avaient été conservées, puisqu’elles avaient été emportées par les croisés, puis incorporées au retable de la Pala d’Oro, à Venise (Ill. 3’)36. Par leur taille, qui en fait les plus grandes plaques d’émaux byzantins conservées, et les
inscriptions retracées en lettres capitales, elles étaient bien adaptées à leur cadre architectural. Outre le cycle narratif, à la même époque on choisissait le thème de la Grande Deisis pour l’architrave du templon. Le centre de la composition était occupé par le Christ entouré de Marie et de saint Jean-Baptiste, tournés vers lui en prière. Jean était appelé le « Précurseur », soit le dernier des prophètes et des grands témoins du Sauveur. Tous étaient accompagnés de saints, placés de part et d’autre, eux aussi tournés vers le Christ et en prière : d’abord les saints Pierre et Paul, les premiers des apôtres, puis d’autres apôtres, des saints, des anges, distribués selon un ordre hiérarchique. Du Xe siècle, n’a été conservée aucune architrave décorée de la Deisis . Cependant, la même hiérarchie fut copiée sur des icônes privées et portatives. Ainsi, vers 945-959, un triptyque en ivoire, dit de Constantin VII Porphyrogénète, reprenait-il ce type iconographique (Ill. 4)37. L’ivoire avait
I l l . 4 : Triptyque de Constantin VII Porphyrogénète , 945-959, ivoire, 23, 6 cm / 28, 7 cm. Palazzo Venezia, Rome
L’Entrée du Christ à Jérusalem , provenant de l’architrave du templon dans l’église du monastère du Christ Pantocrator, Constantinople, XIIe siècle. Email sur argent doré, 36,7 / 31,3 cm, sans le cadre. Pala d’Oro, basilique Saint-Marc, Venise. Otto Demus, Byzantine Art and the West, New York University Press, « The Wrightsman Lectures III », Institute of Fine Arts », 1970 ; David Buckton, The Treasury of San Marco, Venice, Milan, Olivetti, 1984. 37 Triptyque de Constantin VII Porphyrogén,ète, vers 945-959, ivoire, 23, 6 / 28, 7 cm. Palazzo Venezia, Rome. 36
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été peint et doré. Ouvert pour la dévotion de l’empereur, le triptyque montrait un dispositif analogue à celui d’une iconostase : au centre du registre supérieur, la Deisis était formée du Christ debout, la tête auréolée du nimbe crucifère, tenant de la main gauche le livre fermé et les pieds posés sur un escabeau, puis de Marie et de saint Jean-Baptiste, les deux intercesseurs, respectivement sur la droite et sur la gauche. Le groupe dominait les principaux apôtres rangés au registre inférieur : de la gauche vers la droite, Jean, André, Pierre et Paul, Jacques. Sur la face extérieure des deux volets de bois, huit saints soldats étaient prêts à combattre pour la défense de la foi chrétienne et celle de l’Eglise, donc pour la paix de l’empire : tous portaient la croix, tenue en main ou inscrite sur leurs vêtements liturgiques ; certains, le livre fermé. Les saints évêques occupaient le rang supérieur. L’inscription implorait le Christ pour la protection de l’empereur et la conservation de la paix. Elle était le commentaire écrit de l’iconographie de la Deisis. La hiérarchie des saints devait garantir le fidèle, ici l’empereur lui-même, de la justesse de sa vénération38. Au XIe siècle, les espaces entre les colonnettes du templon, initialement laissés vides, se remplissaient et dissimulaient aux regards des visiteurs le sanctuaire de l’église, tout en assurant aux icônes un cadre de grandes dimensions. Désormais rangées plus bas, plus accessibles au public, les icônes avaient une portée d’autant plus forte. On pouvait les toucher, les baiser, leur allumer un cierge et leur parler directement. Le Christ bénissant régnait en maître sur ces compositions, accompagné des saints dont dépendait l’église et auxquels étaient adressés
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les vœux des donateurs. Sous ses aspects de reine des cieux et de mère de Dieu, Marie était aussi très présente. A terme, la fonction de représentation l’emportait définitivement. Ce fut aussi cette même fonction qui s’imposa à l’Occident, d’abord par un mouvement propre, ensuite à la faveur d’échanges ponctuels avec le domaine byzantin. Entre le milieu du XIe siècle et le début du XIIe, sur la carte de l’Europe, les foyers de diffusion de la nouvelle formule du Christ en majesté étaient presque tous situés dans les zones intermédiaires entre le cœur de l’espace féodal (entre Loire et Rhin) et ses périphéries : en Rhénanie, Bourgogne, Italie du nord et du centre, Provence, Languedoc, Catalogne, Anjou et Poitou. Le Christ en majesté y triomphait dans les décors des manuscrits, mais aussi des églises. A l’échelle monumentale et à l’extérieur, en sculpture, à l’intérieur, sur des mosaïques ou sur des peintures murales, des emplacements lui étaient obligatoirement réservés : en façade, dans la composition du tympan ; dans le chœur, au cul-de-four de l’abside. Nulle part mieux que dans l’aire dominée par l’abbaye de Cluny le processus ne fut plus abouti. Des années 1020-1030 jusqu’aux années 11301140, précisément en Bourgogne, sur différents sites de construction monastique, des innovations furent menées à bien en rapport étroit avec les milieux de pensée clunisienne et en synchronie avec la réflexion sur les rites et les pratiques sacramentaires. Selon l’idée d’une réforme spirituelle transcrite dans la pierre, l’église devait apparaître comme le lieu de référence pour la vie des moines, mais aussi pour celle des laïcs, par rapport au rythme du temps journalier et aux
Au XIe siècle, un moine exprimait ce sentiment en ces termes : « Je rends aux icônes sacrées et vénérables du Christ et des saints, exécutées avec des couleurs et d’autres matériaux, des honneurs et une vénération proportionnels à la vénérabilité de chaque prototype. » Il rejoignait les positions défendues par saint Jean Damascène pendant la querelle des images.
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rites qui accompagnaient les processions et les inhumations des uns et des autres. L’exemple le plus frappant de cette élaboration toute nouvelle demeure, sans conteste, celui de l’implantation à l’ouest des églises d’un massif trapu, compact, appelé en Bourgogne la « galilée » 39. Cet espace construit en élévation aurait été directement en relation avec l’image communautaire du Christ en majesté entouré des quatre Vivants. A Cluny III, sur le tympan sculpté, puis au revers du mur de la façade, enfin en mosaïque dans l’abside, l’adéquation s’avérait parfaite entre la figure choisie et son contenu40. Ce qui s’imposait, c’était la présence de la théophanie johannique transformée, rendue plus explicite, par l’emploi de signes visibles désormais reconnus. En référence à Apocalypse 4, 6-7, un grand Christ en majesté venait s’inscrire en lieu et place de la croix figurée, jusque là, sur la lunette qui surmontait le seuil du lieu de culte, et reprenait des formes plus petites servant de décors aux reliquaires et autres ouvrages d’orfèvrerie. A la croix trophée, était substitué le Christ vu en majesté dans une mandorle aux formes souples et allongées. D’emblée, déjà à Cluny II, puis à Cluny III, ensuite dans toutes les maisons qui en dépendaient, un espace liturgique était spécialement réservé à ce genre d’illustration : l’avant-corps occidental à deux étages. En même temps, le terme de « galilée » n’était mentionné dans les textes que pour les monastères réformés par Cluny ou pour des communautés ayant adopté ses coutumes, ou en voie de le faire 41. Une
tradition se développait dans l’art de bâtir et dans son décor historié. En la suivant de plus près, il apparaît qu’elle renvoyait à l’exégèse suscitée, depuis l’Antiquité chrétienne, par les apparitions du Christ ressuscité après la Crucifixion, dont l’une fut annoncée par le Christ lui-même sur une montagne, en Galilée (Matthieu 26, 32 ; 28, 7, 16-20 ; Marc 14, 28 ; 16, 7). Saint Augustin avait commenté le nom de Galilée donnée à cette contrée du nord de la Palestine, avant d’avoir été repris et amendé par d’autres auteurs ecclésiastiques, de Grégoire le Grand jusqu’à Rupert de Deutz, au début du XIIe siècle, en passant par Bède le Vénérable, maillon indispensable, et des auteurs d’époque carolingienne, tel Heiric d’Auxerre dans ses homélies, notamment celle sur Pâques. Ses œuvres composées à Auxerre, dans le scriptorium de l’abbaye SaintGermain, furent copiées à destination de la bibliothèque de Cluny, pendant la période de la réforme de l’abbaye, à la fin du Xe siècle42. Elles exercèrent une influence considérable sur la pensée et l’action, de saint Odilon, abbé de 994 à 1049, qui fit entreprendre sous son abbatiat la construction de ce massif occidental, nommé ensuite la « galilée ». D’après tous les commentateurs, le mot désignait, par analogie avec l’apparition du Christ Sauveur devant les apôtres en Galilée, le passage de la vie terrestre à l’au-delà céleste, pour l’éternité et sur le modèle de Jésus Christ. A un deuxième niveau, il évoquait le terrible face à face des apôtres avec le Crucifié, moment de crainte, d’effroi,
Kristina Krüger, « Tournus et la fonction des galiléens en Bourgogne », in Avant-nefs et espaces d’accueil dans l’église entre le IVe et le XIIe siècle (Auxerre, 17-20 juin 1999), Paris, C.T.H.S., 2002, pp. 414-423. 40 Daniel Russo, « L’iconographie de la Maiestas Domini dans la mouvance clunisienne », in L’esprit de Cluny et ses prolongements (Pommiers, 28 juin 2003), Saint-Etienne, Actes graphiques, 2003, pp. 25-38. 41 Sur la phase d’expansion clunisienne, Didier Méhu, Paix et communautés autour de l’abbaye de Cluny, Xe-XVe siècles, Presses universitaires de Lyon, « Collection d’Histoire et d’Archéologie médiévales 9 », 2001. 42 V. von Büren, « Le catalogue de la bibliothèque de Cluny du XIe siècle reconstitué », Scriptorium, vol. 46, 1992, pp. 256-267. 39
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mais aussi de honte, voire de culpabilité, par rapport aux histoires de la Passion. Ce face à face annonçait celui des mortels avec le Christ ressuscité et revenant en majesté à la fin des temps. Comme à Byzance, mais d’après des voies toutes diverses, la représentation de ce moment dramatique reposait sur l’exaltation des sentiments, chez les moines, puis chez certains laïcs. Sur ce fond riche en exégèse, la signification de la « galilée » dans l’église prenait toute sa valeur au cours des processions qui se déroulaient à Pâques, le dimanche, jour de la fête de la Résurrection : elle était le lieu où l’on manifestait la vision du Christ ressuscité. D’après toujours l’action conduite par saint Odilon, l’étage de la « galilée » s’insérait aussi dans cette perspective. Connu pour avoir accru le nombre des services liturgiques pour les messes des défunts, il aurait décidé que les offices seraient dits à l’étage, afin de ne pas perturber le bon déroulement des heures canoniques43. Par conséquent si, au rez-dechaussée, on commémorait la Résurrection du Christ, à l’étage, on devait plutôt célébrer la mémoire des morts avec l’espoir de leur résurrection à la vie éternelle, au jour du Jugement dernier. Cet espace était alors mis en valeur par des décors peints, entre autres, et notamment par la grande image du Christ en majesté. A l’extérieur, au-dessus du portail de l’église, à l’endroit où les moines se rassemblaient en procession, était montrée dans toute sa gloire l’image du Sauveur victorieux de la mort et triomphant dans l’éternité. Reprise au revers du mur de la façade, dans l’église des Saints-Pierre-et-Paul, à Cluny III, juste au-dessus de l’espace
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d’accueil ménagé pour les processions, la même image sculptée, monumentale, était destinée à rester dans les mémoires quand, au retour des cortèges, les moines en franchissaient le seuil. Dans l’entre-deux, ils pouvaient avoir contemplé la composition en mosaïque et en peinture qui représentait, à nouveau, le Christ en majesté dans le cul-defour de l’abside. Au tout début du XIIe siècle, la même composition en peinture se retrouvait dans l’espace de la « galilée » à Saint-Philibert de Tournus, sur le voûtain de la travée centrale. Le Christ en majesté était sculpté sur le portail occidental de Montceaux-l’Etoile, sur celui d’Anzy-le-Duc, à l’entrée du narthex de Perrecy-les-Forges, sur le portail occidental du prieuré Saint-Fortunat de Charlieu et audessus de l’avant-nef de Sainte-MarieMadeleine de Vézelay. Ici, le Christ en majesté occupait le centre de la Pentecôte, avant même la restauration d’Eugène ViolletLeduc. Il n’y avait aucune solution de continuité entre ce qui était vu à l’extérieur, puis à l’intérieur : dans l’espace d’accueil, en effet, des chapiteaux étaient sculptés de scènes figurant les rites qui accompagnaient la fin de la vie et montraient des anges combattant les démons pour sauver une âme de l’enfer44. Le Christ trônait en majesté au cœur d’une mandorle, supportée par deux anges, assis le plus souvent sur un arc de cercle qui lui servait, à la fois, de siège et d’orbe terrestre. Il bénissait de la main droite, tenait le livre fermé de l’autre main, tandis qu’il était élevé aux cieux, ressuscité d’entre les morts. Au cours de la mise en récit du thème, et à la faveur de
Dominique Iogna-Prat, « Les morts dans la comptabilité céleste des Clunisiens aux XIe et XIIe siècles », in ID., Etudes clunisiennes, Paris, Picard, « Les Médiévistes français », 2002, chap. 4, pour tout l’arrière-plan historique et ecclésiologique. Marcello Angheben, Les chapiteaux romans de Bourgogne. Thèmes et programmes, Turnhout, Brepols, « Culture et société médiévales », 2003, pp. 209-229 ; pp. 281-288 ; pp. 297-314 ; pp. 427-434.
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l’exégèse clunisienne, l’image du Christ en majesté devenait aussi celle d’un Christ en Ascension45. A Charlieu, sur le tympan du portail ouest du prieuré Saint-Fortunat, toute la surface avait été sculptée46. Très simple, la composition était centrée sur le Christ inscrit dans la mandorle et encadré par deux anges. L’Ascension était suggérée par les anges qui soutenaient la mandorle, dont les ailes se déployaient parallèlement aux bords du tympan. De forme ovale, aux deux extrémités brisées, la mandorle accentuait harmonieusement la forme semi-circulaire de la lunette, au-dessus du tympan, et renforçait le jeu des courbes sur les auréoles qui nimbaient les trois personnages sculptés. A Cluny III, au groupe sculpté sur le tympan et représentant le Christ en majesté avec deux anges, avaient été ajoutés deux grands séraphins, dont le vol était dirigé vers le linteau, les quatre Vivants étant rejetés aux écoinçons, tout en haut47. Ces compositions recréaient un espace de vision communautaire, tant à l’extérieur qu’à l’intérieur, où chaque position était équivalente à la voisine, en dépit du rang tenu dans le monastère et de la fonction assumée en société. A l’instar de ce qui se passait pour les premières icônes, aucun point de vue n’était privilégié, donc mis en valeur. De même, en peinture, lors du premier quart du XIIe siècle, dans le cul-de-four de l’abside de la Chapelle-aux-Moines à Berzé-la-Ville, le grand Christ en majesté recouvrait de sa hauteur la surface entière de l’abside et
montrait l’ordre clunisien dans sa représentation d’Eglise universelle, à l’image de l’Eglise de Rome48. En chaque occurrence, le Christ siégeait sur l’arc-en-ciel, recouvert d’un coussin d’étoffe précieuse, dans l’ovale en amande, qui caractérisait alors les réalisations de la mouvance clunisienne. Par contre, dans la « galilée » de Saint-Philibert de Tournus, il prenait place sur le globe, qu’on avait disposé à l’intersection du bas de la mandorle, décrivant de loin une sorte de forme en « huit », comme sur les manuscrits cités des époques antérieures, carolingienne et ottonienne. Ces signes n’étaient pas neufs, mais prolongeaient l’utilisation qui en avait été faite auparavant, en la systématisant au service de la fonction de représentation. Le processus en cours rejoignait celui déjà amorcé dans l’Orient byzantin, mais par des voies et des moyens qui demeuraient propres à l’Occident, et en suivant des buts différents49. Un second type christique poursuivait sa carrière, celui du Christ en croix, remis à l’honneur dans le courant du Xe siècle et développé jusqu’au milieu du XIIe siècle, sur des supports de moindre proportion que les œuvres sculptées ou peintes, sur les façades ou dans les lieux de culte, exécutés d’ordinaire dans les livres peints, en orfèvrerie, en ivoire, en bois ou dans la pierre. La vision christologique que ce type impliquait demeurait ce qu’elle avait été dans l’Antiquité chrétienne. Au fil du temps, elle marquait plutôt les dévotions courantes au sein de l’Eglise. Le témoignage des prières, jusqu’au
L’hypothèse avait été déjà formulée par Emile Mâle, L’art religieux du XIIe siècle en France. Etude sur les origines de l’iconographie du Moyen Age, Paris, A. Colin, 1922, (1998), chap. 11, 2, pp. 398-406. 46 Daniel Russo, « L’iconographie de la Maiestas Domini dans la mouvance clunisienne », art. cit. n. 40, pp. 29-30. 47 K. Joseph Conant, Les églises et la maison du chef d’ordre, Mâcon, Protat, 1968, pp. 100-104, fig. 190, fig. 202 ; ID., « The Theophany in the History of Church Portal design », Gesta, vol. 15, 1976, pp. 127-134. En dernier lieu, Yves Christe, L’Apocalypse de Jean, op. cit., pp. 170-172. 48 Daniel Russo, « Espace peint, espace symbolique, construction ecclésiologique. Les peintures de Berzé-la-Ville (Chapelle-desMoines) », Mabillon. Revue internationale d’histoire et de littérature religieuses, vol. 72, 2000, pp. 57-88, en part. pp. 62-77. 49 Pour une vue d’ensemble, Ernst Kitzinger, Byzantine Art in the Making , Cambridge et Londres, Faber and Faber, 1977. 45
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XIIe siècle, le mettait bien en évidence : la psalmodie était adressée au Christ ( ad Christum), beaucoup moins au Père par le Christ (per Christum)50. Cette manière de lire les psaumes comme le chant de l’Eglise dirigé vers Dieu manifestait la tendance, alors prédominante, de regarder dans le corps du Christ sur la croix la divinité, donc la promesse du salut pour l’éternité. A cet instant de l’évolution, cela renforçait les conceptions denses vécues autour de l’image du Christ en majesté. Passées les années 1140, une nouvelle donne affecterait aussi cette répartition des thèmes et des signes iconographiques dans l’Occident latin.
Images en séries (milieu XIIe-XIIIe siècle) Depuis la fin de l’iconoclasme, l’architecture byzantine avait renoncé aux longs espaces processionnels des plans basilicaux au profit des plans centrés à coupoles. En entrant dans la nef, le visiteur devait embrasser du regard la totalité de l’église, même s’il était particulièrement attiré par la coupole et par le chœur. A Byzance, l’espace cultuel était centripète. L’évolution des icônes liées au templon ne pourrait, sans cela, pas être comprise. Constantinople possédait déjà un riche patrimoine d’églises. Dès lors, à l’époque médiobyzantine, ce furent surtout de nouvelles villes qui accueillirent les grands projets de construction : par exemple, Sofia, Venise, Kiev51. Partout, avec l’évolution de la liturgie, les processions qui appelaient la participation des fidèles laissèrent la place à
des rituels plus statiques, organisés autour d’apparitions en séries, lors de moments forts durant lesquels le clergé sortait de l’église pour présenter le Livre et le saint sacrement. Sur les icônes, les aspects anecdotiques s’en trouvaient d’autant plus favorisés qu’ils accompagnaient les temps marquants de la vie religieuse. Le degré de représentation dans l’image fut davantage encore poussé. Dans l’église, toutefois, la séparation était nette entre les images individuelles des saints, représentés sur le registre inférieur du mur, dans la nef, et les icônes, c’est-à-dire les peintures sur panneau de bois, accrochées sur l’architrave du templon ou exposées sur un support 52. D’ordinaire, si l’on cherche à recomposer l’ensemble des décors dans l’église, d’après ce qu’il en a subsisté, l’on voit que les saints étaient regroupés par catégories : militaires, moines, médecins, femmes, évêques. En Serbie, à Pskov, vers 1153-1156, et à Sopocani, en 1164, c’étaient des figures en pied, plus hautes que nature, qui étaient disposées en ordre serré sur tous les murs53. Elles étaient exposées au-dessus d’une plinthe basse, peintes à un niveau de regard accessible au fidèle qui les saluait en entrant. Au lendemain de la quatrième croisade, ce type de dispositif fut connu et réutilisé dans les décors à peintures de certains édifices, de petites proportions, en Occident, surtout dans les chapelles ou les oratoires des ordres religieux militaires. Dans le dernier tiers du XIIIe siècle, sur les murs de l’ancienne chapelle templière Sainte-Catherine de Montbellet, en Saône-et-Loire, des saints, sans doute les apôtres, des saintes, deux martyres,
Daniel Russo, « Le Christ entre Dieu et homme dans l’art du Moyen Age en Occident (IXe-XVe siècles) », art. cit., p. 252-253, pour des exemples. 51 Cyril Mango, Byzantine Architecture, New York, Abrams, 1976. 52 Hans Belting, Bild und Kult, op. cit., en part. chap. 9 et 10. 53 Cathédrale de la Transfiguration, du monastère Mirojski, Pskov, 1153-1156, restes de décors peints dans le bras sud du transept ; église de Sopocani, une rangée de moines peints à fresque, nef, 1164, Sopocani. 50
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Agathe et Catherine, cette dernière patronne de l’église, furent disposées sur les murs, tout autour, en pied et plus grands que nature54. D’autres décors, parfois dans de petits édifices ruraux, furent également entrepris sur ce modèle, dérivé de ce qui avait été fait, puis vu, dans le domaine byzantin, jusqu’aux premières années du XIIIe siècle. Selon la tradition de l’Eglise orthodoxe, le pèlerin ou le simple visiteur devait, d’abord, circuler dans l’édifice pour en vénérer les images des saints. La salutation de l’image commençait par la proskynèse, une triple révérence où l’on touchait le sol de la main droite, avant de se signer de la croix. Ensuite, on touchait et on embrassait l’image, rite grec de l’aspasmos. On s’entretenait enfin avec le saint, on lui adressait des prières et on lui offrait éventuellement un cierge pour appuyer sa requête. On restait dans la ligne définie par saint Jean Damascène, lors de la période iconoclaste, on l’avait approfondie et mise en pratique55. Entrer dans une église c’était, dans une large mesure, éprouver le contact d’amis qu’on se représentait, au sens propre, comme proches. Les images du Christ, au contraire, s’éloignaient de la portée des fidèles, opérant depuis la voûte ou la coupole, de manière plus spirituelle et plus profonde. Le Christ en majesté était réduit à une apparition en buste, la tête couronnée du nimbe crucifère, bénissant de la main droite et tenant le livre fermé de l’autre main. Ainsi, à la fin du XIe siècle, sur la coupole de l’église de la Dormition de Daphni, en Grèce, le Christ Pantocrator était
accompagné des prophètes figurés sur le tambour. Vers 1310-1315, sur la coupole, il dominait, toujours en compagnie des prophètes, la Chapelle funéraire de l’église de la Mère-de-Dieu-Pammakaristos, à Constantinople56. Mais à Palerme, vers 11431151, dans l’église Sainte-Marie-de-l’Amiral (la Martorana), le Christ trônait en majesté au sommet de la coupole, entouré de quatre archanges posés sur le tambour57 (Ill. 7). Dans un espace de contacts très proches entre les domaine byzantin et latin, plus spécifiquement romain, l’on adoptait la
Ill. 7 : Sainte-Marie de l’Amiral, ‘La Martorana’, Palerme, Sicile, 1143-1151. Vue de la coupole et des décors en mosaïque
D’ocre et d’azur. Peintures murales en Bourgogne, Dijon, Musée archéologique de Dijon-R.M.N., 1992, pp. 230-231, pour une première présentation du site. 55 Robert F. Taft, Le rite byzantin, bref historique, Paris, Cerf, 1996, pour un aperçu d’ensemble. Sur les rapports entre les pratiques liturgiques et les arts visuels, Thomas F. Mathews, Art and Architecture in Byzantium and Armenia, Liturgical and Exegetical Approaches, Aldershot, Variorum Reprints, 1995. 56 Hans Belting, Cyril Mango, Doula Mouriki, The Mosaics and Frescoes of Saint Mary Pammakaristos (Fetiye Camii) at Istanbul , Washington, Dumbarton Oaks Center, « Dumbarton Oaks Studies XVI », 1978. 57 Sainte-Marie-de-l’Amiral (la Martorana), Palerme, coupole, 1143-1151. Ernst Kitzinger, The Mosaics of Saint Mary’s of the Admiral in Palermo, Washington, Dumbarton Oaks Center, « Dumbarton Oaks Studies XXII », 1990. 54
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formule ancienne du trône pour rendre la majesté du Sauveur au sommet de l’église : le dispositif était inspiré de ce qui se faisait à Byzance, mais le type choisi renvoyait à Rome58. Dans ces décors, le Christ en buste s’affirmait au point culminant de la vénération dans l’église. A l’intérieur d’un médaillon, tenant le livre des évangiles clos de la main gauche et bénissant de la droite, ce Christ n’était pas une innovation. Il reprenait directement un schéma de présentation qui existait déjà au VIe siècle. Ce qui, par contre, correspondait à une invention formelle, c’était l’emplacement au sommet de la coupole. La première manifestation fut, sans doute, celle de Sainte-Sophie, au IXe siècle. De cette situation, d’où il embrassait physiquement l’espace ainsi dominé, lui était venu le titre de Pantocrator , c’est-à-dire à la fois « au pouvoir » et « possédant », c’est-à-dire pour les Byzantins, «qui contenait tout », par allusion explicitée dans l’image à Dieu qui renfermait et soutenait la création entière59. L’emplacement était crucial pour la signification de cette iconographie dans le déroulement des pratiques religieuses car, si le type était ancien, les contextes de son remploi ne l’étaient pas. Pèlerin, visiteur, fidèle, on entrait sous la présence de cette image pour s’assimiler au Christ : au-dessous d’elle, on était confronté au rituel de la liturgie dont la finalité n’était rien moins que cette transformation. Celle-ci avait lieu en deux étapes : la première, l’illumination, au cours de la première partie et à travers la lecture
des saintes Ecritures ; la seconde, la communion, donc l’union avec le Christ par la réception de l’Eucharistie. Selon le rite byzantin, l’évêque ou le prêtre l’administrait à l’entrée du bèma , sous la coupole, un nombre limité de fois dans l’année. La préparation étant minutieuse, comportant jeûne et confession, elle passait pour un rite d’assimilation au Christ. Celui-ci était donc, dans la forme concave de la coupole, l’image du fidèle après la communion. Il dominait l’espace circonscrit de la rencontre avec le divin. L’expérience était renforcée par les thèmes narratifs de la vie de Jésus, sur les voûtes, au-dessous de la coupole et suivait pour fil directeur le corps du Christ. A partir de l’Incarnation du « Dieu fait chair » et de la croyance dans le dogme, on attribuait des vertus miraculeuses et magiques au corps du Christ, à chacune de ses occurrences sur les images, et l’on pensait qu’il avait le pouvoir de se transformer, ainsi que tous ceux qui entraient en contact avec lui60. Par la vie d’homme menée sur terre, le corps du Christ apportait le salut à tous les hommes, alors que par sa présence sacramentelle dans le rite de l’Eucharistie, il représentait l’intercession établie entre l’homme et le divin. Un équilibre était réalisé, dans lequel l’image entrait pour beaucoup, surtout les scènes narratives qui recouvraient les voûtes autour de la nef. En Occident, à la même époque, la doctrine du salut était liée à la notion de rachat du péché par le sacrifice du Christ sur la croix. Il s’ensuivait la multiplication
Pour d’autres exemples, en architecture, mosaïque et peinture, de cette situation de la Sicile, au milieu du XIIe siècle, sur la frontière entre deux mondes, William Tronzo, The Cultures of His Kingdom. Roger II and the Cappella Palatina in Palermo, Princeton University Press, 1997, pp. 3-27, pp. 94-96. 59 Thomas F. Mathews, « Transformation Symbolism in Byzantine Architecture and the Meaning of the Pantokrator in the Dome », in R. Morris (dir.), Church and People in Byzantium, Birmingham, Center for Byzantine Studies, University Press, 1990, pp. 191-214, (repris dans ID., Art and Architecture in Byzantium and Armenia, Liturgical and Exegetical Approaches, op. cit.). 60 Henry Maguire, « Magic and the Christian Image », Alexander Kazhdan, « Holy and Unholy Miracle Workers », John Duffy, « Reactions of Two Byzantine Intellectuals to the Theory and Practice of Magic : Michael Psellos and Michael Italikos », in Henry Maguire (dir.), Byzantine Magic, Washington, Dumbarton Oaks Center, 1995, pp. 51-72, pp. 73-82, pp. 83-97. 58
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des croix, des crucifix et des crucifixions, comme thème principal, insistant sur le corps souffrant du Crucifié. En outre, dans la situation d’intercesseur, la Vierge Marie s’imposait de plus en plus à la place du Christ. Selon la pensée orthodoxe, au contraire, le salut s’accomplissait par l’Incarnation même : en se faisant homme, Dieu a transformé la nature humaine, ce qui était le point central de la théologie, la theosis ou la divinisation. Cette notion donna au corps du Christ un rôle capital dans l’art religieux. Le cycle des scènes narratives se déroulait dans la nef, en commençant par l’Annonciation et la Natvité, en se poursuivant par la Présentation au Temple, le Baptême dans le Jourdain et, scène typiquement byzantine, la Transfiguration, en grec metamorphosis. Selon le récit évangélique, Matthieu 17, 1-9, le Christ conduisait ses plus proches disciples, Pierre, Jacques et Jean, sur une haute montagne pour prier et, là, il était transformé en une vive lumière, tandis que Moïse et Elie apparaissaient à ses côtés, conversant avec lui. A Daphni, dans l’église de la Dormition, sur une mosaïque de la fin du XIe siècle, l’artiste avait montré le corps du Christ, vêtu d’un blanc étincelant et rayonnant, sept traits de lumière bleue et dorée : le Christ apparaissait comme transfusé par les dons de l’Esprit saint. Les sujets liés à la mort et à la résurrection du Christ comptaient parmi les plus importants de tout le cycle. Le Crucifié mort, la tête inclinée, était représenté à Daphni, toujours dans l’église de la Dormition, son corps semblant encore animé de vie : la peau restait
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brillante, les muscles fermes ; le double jet, d’eau et de sang, visualisait les sacrements du baptême et de l’eucharistie. Dans les actes du deuxième Concile de Nicée (787), le patriarche Jean Taraise remarquait61 : « S i nous avions vu une image de notre Seigneur crucifié, n’aurions-nous pas pleuré ? Car c’est là qu’on reconnaît combien Dieu s’est humilié en se faisant homme pour nous. » Il rattachait la mort du Christ non pas au rachat du péché, préoccupation majeure de l’Occident, mais au mystère de l’Incarnation. Il soulignait l’union indissoluble de Dieu et de l’homme, jusque dans la mort. Si le Christ était bien mort, la divinité l’habitait toujours. La représentation de la Crucifixion insistait donc sur cet aspect double et apparemment contradictoire. De surcroît, par la mort, le Christ devenait source de vie, car l’eau et le sang qui jaillissaient de son flanc étaient les signes des deux principaux sacrements, baptême et eucharistie. Dans l’église monastique de la Néa Moni, à Chios, une mosaïque, datée de 1042, montrait une Déposition de la croix, formant la séquence suivante dans la série des épisodes choisis. L’insertion de la scène renvoyait directement à l’un des moments les plus intenses de la liturgie byzantine, celui de la « Grande Entrée », où le diacre portait les offrandes de pain et de vin à l’autel. La cérémonie ouvrait sur l’Eucharistie, tandis que résonnaient les cantiques de l’hymne Cheroubikon. Déploration et Résurrection concluaient le cycle des mosaïques qui entouraient le fidèle placé sous la coupole. Aux XIe et XIIe siècles, on évoquait la Résurrection, ou Anastasis, par le récit plus
Texte et traduction du Décret sur les images, in François Boespflug, Nicolas Lossky, (dirs.) , Nicée II. 787-1987. Douze siècles d’images religieuses , Paris, Cerf, 1987, pp. 32-35 (trad. Marie-France Auzépy). Sur Jean Taraise, Marie-France Auzépy, « L’iconodoulie : défense de l’image ou de la dévotion à l’image ? », in ibidem, pp. 157-165. De façon plus large, Marie-France Auzépy, L’hagiographie et l’iconoclasme byzantin. Le cas de la Vie d’Etienne le Jeune, Aldershot, Ashgate Variorum, 1999 (‘Birmingham Byzantine and Ottoman Monographs’, 5) ; EAD., Les iconoclastes, Paris, 2007.
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théâtral du Christ délivrant Adam, tel que le rapportait l’évangile apocryphe de Nicodème 62. Le cycle tout entier pouvait reprendre les mêmes thèmes que l’architrave du templon, qui correspondaient à peu près aux grandes fêtes de l’année liturgique. Surtout, on s’en servait pour représenter, c’està-dire pour donner à voir et à imiter les faits et gestes majeurs du Dieu fait homme. Ainsi composé, le cycle d’images était inséré au parcours du fidèle dans l’église et l’environnait au-dessous de la coupole du Pantocrator. Enfin, les pratiques situées dans le bèma, autour de l’autel, relevaient de l’apanage du clergé. Masqué par le templon surchargé d’icônes, le bèma recevait une iconographie en rapport avec les rites qui se déroulaient à l’autel. A Sopocani, en Serbie, vers 1265, les décors peints dans le sanctuaire étaient répartis sur deux registres. En bas, une rangée d’évêques, grandeur nature, s’avançait des deux côtés, reproduisant l’accomplissement de la liturgie contemporaine : les évêques surgis du passé, saint Jean Chrysostome, saint Basile, saint Grégoire de Naziance, étaient vêtus du phelonion (une chasuble), décoré du motif de croix noires sur fond blanc, et portaient les manuscrits utilisés par le clergé pour ses prières secrètes au moment de l’Eucharistie. En haut, au deuxième registre, une autre procession évoquait la célébration de la Cène. Les apôtres, six de chaque côté, s’avançaient pour recevoir l’Eucharistie des mains du Christ, représenté deux fois, la première en offrant le vin, la seconde, le pain. Mains tendues en avant, les apôtres exprimaient leur ardent désir du corps sacramentel qui devait consacrer leur union mystique au Christ. 62
A travers le parcours dirigé dans l’église byzantine, entre les différents espaces aménagés pour faciliter la rencontre avec le divin, on avait multiplié les images et les icônes, celles-ci sur l’architrave du templon, celles-là sur la coupole, les voûtes tout autour, enfin dans la nef. Les liens étaient précis avec la liturgie, avérés la plupart du temps dès le XIe siècle et largement diffusés ensuite jusqu’au XIIIe siècle. Partout, le processus de la représentation faisait évoluer les modes figuratives en les poussant vers plus de récit, plus de gestes, plus de concret, pour faciliter la fusion avec Dieu. Les cycles d’images, tout comme les icônes, participaient à ce mouvement général. Le Christ en majesté s’était peu à peu défait pour s’adapter à des situations vécues et, surtout, aux lieux spécifiques des dévotions. Presque sans cesse en action, saisi au fil des épisodes de sa vie et de sa mort, Jésus Christ était rendu présent dans sa chair d’homme, mais pour mieux manifester sa divinité. Au sommet de l’église, couronnant tout l’édifice, il apparaissait en buste sur le fond de la coupole. Les vieux attributs étaient délaissés au profit des lieux plus vibrants de sa présence. La situation était très différente en Occident. Après 1140, le Christ juge l’emportait sur toute autre figure en majesté : de Bâle à Léon, en passant par Laon (1160), Chartres, où le portail méridional de la cathédrale Notre-Dame était sculpté entre 1212 et 1221, Notre-Dame de Paris, au portail central de la façade occidentale, vers 1223-1230, Amiens, Bourges, puis Reims. Lors de chacune des reprises on approfondissait le thème de l’ostension des plaies, l’attribut qui permettait de distinguer
Résurrection (ou Anastasis), mosaïque, vers 1042, église de la Nea Moni, Chios. En ressuscitant du monde souterrain, le Christ a brisé la porte et saisi Adam au poignet. Sur la gauche de la scène, étaient montrés David et Salomon, celui-ci représenté barbu, sous les traits de Constantin IX Monomaque, le fondateur de l’église. Doula Mouriki, The Mosaics of Nea Moni on Chios, 2 vols., trad. angl. Richard Burgi, Athènes, Banque commerciale de Grèce, 1985.
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le type nouveau. La croix monumentale était alors placée derrière le Christ juge, ou évoquée par le nimbe crucifère autour de sa tête, ou encore portée par deux anges disposés audessus ou à côté. Dans le même temps, on dénudait le torse du Christ et on coiffait sa tête de la couronne d’épines. Le Christ de la seconde Parousie était supplanté par un Christ plus humain qui affichait les traces laissées par le supplice qu’il avait enduré sur la croix. Le type ancien du Christ crucifié servait de base à la nouvelle formulation, tandis que celui de la majesté inspirait les attitudes et la pose assise. De ce point de vue, le Christ homme et juge était aussi une figure de la majesté divine. Les transformations affectaient de la même façon les autres participants à la scène. A partir du tympan sculpté sur le portail méridional de Chartres, les quatre Vivants cédaient la place aux anges porteurs des instruments de la Passion : ils étaient deux à Chartres et à Paris, et ils ne portaient que la croix et la lance ; puis ils passaient au nombre de quatre à Laon et à Bourges, et ils tenaient aussi les clous et la couronne d’épines. Entre-temps le Christ avait abandonné la gloire, en forme de mandorle, qui l’enveloppait à Chartres, sur le Portail royal, et qui le distinguait du monde des hommes. Cependant, à mesure que se reconstruisait un Christ en majesté, plus humain et plus humble, apparaissait un autre type plus glorieux, plus rayonnant, celui du Triomphe ou du Couronnement de la Vierge Marie. En Ile-de-France tout particulièrement, vers 1180-1200, on prenait l’habitude de faire correspondre au Christ juge du portail principal un Triomphe de la Vierge ou son Couronnement, soit en façade de transept, soit sur un portail latéral de la façade 63
occidentale. A Notre-Dame de Senlis, l’intronisation de la Vierge était sculptée sur le tympan de la façade occidentale (vers 1170-1180)63. Au XIIIe siècle, à Chartres, à Paris, à Saint-Yves-de-Braine, à Dijon, à Bourges, à Strasbourg, on soulignait la présence mariale dans l’environnement immédiat du Christ juge. Elle était devenue l’intercesseur privilégiée après le Christ médiateur, souvent exposée à une place de choix. A Reims, le Couronnement de la Vierge devait être situé en haut de la façade occidentale, dans le galbe de la calende qui surmontait le tympan central. Sur ces réalisations, plus le Christ s’humanisait, plus il se réclamait de la souffrance rédemptrice, et plus Marie s’élevait et triomphait. Il est vrai qu’alors la majesté était, pour le Christ, celle de la croix, devenue le signe par excellence de son sacrifice et du rachat de l’humanité. Pour des raisons analogues à ce qui se passait dans le domaine byzantin, par-delà les nombreux échanges entre les deux rives de la Méditerranée, le corps du Christ en croix s’était affirmé comme le ressort principal de l’iconographie christique. A la différence d’avec Byzance, cependant, son corps saignait abondamment par toutes les plaies ouvertes, en des filets de sang qui ruisselaient sur le bois du gibet. Sous l’effet de la douleur, au soir de sa vie, le Christ était soulevé sur la croix, sa tête retombait sur l’épaule droite. Bien insérés dans les rituels du cycle de Pâques, ces grands Crucifix de bois peint accompagnaient visuellement les offices du vendredi saint, aux vêpres, quand on jouait et mimait devant l’autel le sacrifice du Christ, l’ Adoratio crucis , puis dans la nef, la Déposition de la croix, Depositio crucis, enfin l’Elevatio, de nouveau près de l’autel. Venues
Marie-Louise Thérel, A l’origine du décor du portail occidental de Notre-Dame de Senlis. Le Triomphe de la Vierge-Eglise. Sources historiques, littéraires et iconographiques, Paris, C.N.R.S., 1984.
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de Constantinople à Rome, à la fin du VIIe siècle, ces pratiques liturgiques étaient inscrites dans le cycle pascal et largement diffusées tout au long du XIIIe siècle en Italie centrale, mais aussi dans le reste de l’Europe occidentale. Elles se trouvaient directement en relation avec les grands Crucifix suspendus à la voûte du chœur, au-dessus de l’autel, ou posés non loin sur un socle64. Encore une fois, mais pour des raisons tout autres, les pratiques se rapprochaient de celles du monde byzantin et ouvraient à d’autres échanges possibles sur un fond, toutefois, d’incompréhensions réciproques.
Réinterprétations et relectures occidentales Du IXe au XIIIe siècle, entre Orient et Occident, les relations furent incessantes, le long des routes maritimes et commerciales, au gré des vicissitudes politiques ou diplomatiques, des emprunts culturels et artistiques. Pourtant, l’iconographie suivit une voie originale à l’est comme à l’ouest, jalonnée d’innovations mais aussi de retours nombreux et puissants aux traditions constituées. Les XIe et XIIe siècles marquèrent des changements profonds, ici et là, pour atteindre des résultats comparables, mais pas nécessairement convergents, tant les pratiques liturgiques, les rôles dévolus aux images dans les églises, s’avéraient très variés d’un espace à l’autre. Dès le Xe siècle, surtout entre le XIe et le XIIIe siècle, à Byzance, le processus de représentation provoquait la refonte totale de l’art religieux au profit de structures narratives
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qui affectaient, désormais, les icônes sur l’architrave comme les images dans la nef. En Occident, un autre mouvement tout aussi profond avait commencé à faire sentir ses effets sur le Christ en majesté, au cours des XIe et XIIe siècles, avant d’aboutir à une vision doloriste plus appuyée au XIIIe siècle. A partir de ce moment, les deux voies se recoupaient sans jamais se confondre, suscitant de multiples emprunts d’un côté comme de l’autre. Certes, en apparence, les formules byzantines connurent une seconde vie ailleurs que dans le monde byzantin, transplantées chez des peuples très divers, dans des environnements nouveaux. Leur richesse, leur complexité, ne pouvaient être appréciées qu’en partie dans ces situations plutôt inhabituelles. Les manuscrits byzantins circulèrent peu à l’extérieur du monde hellénophone, pour la simple raison qu’on ne pouvait pas les lire. Des traductions furent effectuées, mais ne portèrent que sur un choix d’œuvres limité. L’art voyagea mieux, et plus facilement. Les œuvres étaient recherchées, plutôt bien acceptées, adaptées à différents usages, même si pas toujours comprises et, en général, coupées du contexte précis de leur utilisation. Trois exemples doivent être relevés pour finir, correspondant tous trois à des points de pénétration byzantine en Occident, entre Xe et XIIIe siècles. D’abord, dans l’Empire ottonien, après le mariage d’Otton II avec Théophano, la nièce de l’empereur Nicéphore II Phocas, l’alliance matrimoniale avec la famille impériale de Constantinople allait donner une forte
Solange Corbin, La Déposition liturgique du Christ au vendredi saint. Sa place dans l’histoire des rites et du théâtre religieux, Paris et Lisbonne, 1960. Pour les grands Crucifix de bois peints en Italie centrale, Daniel Russo, « Saint François, les franciscains et les représentations du Christ sur la croix en Ombrie au XIIIe siècle », Mélanges de l’Ecole française de Rome, vol. 96, 1984, pp. 647-717. Selon une problématique de l’ « importation » des types grecs et des « images parlantes », Hans Belting, Bild und Kult, op. cit., chap. 16. Enfin, suivant la perspective théorique d’étude des actes de langage « efficaces », Irène Rosier-Catach, La parole efficace. Signe, rituel, sacré, Paris, Seuil, « Des travaux », 2004, pp. 387-452 (« L’analyse logique-linguistique de la formule : Ceci est mon corps » ) .
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impulsion aux échanges de tout genre entre les deux cours. Notamment, Otton II put être appelé imperator Romanorum augustus, « auguste empereur des Romains », titre inscrit au-dessus de sa tête sur l’ivoire sculpté qui commémorait l’événement, en 97265. La souveraineté lui était conférée par le contact direct avec la main du Christ posée sur sa tête, qui montrait ainsi que ce principe découlait de la divinité. Sans doute, pour la circonstance, le couple reçut-il un costume royal : en effet, la princesse portait le loros, l’écharpe, de rigueur pour un couronnement ; Otton n’était revêtu que du sagion, le manteau à motifs cordiformes, sans les autres attributs de la royauté. En bas à gauche, un évêque italien au service d’Otton, le donateur, était montré prosterné au pied du tabouret sur lequel le Christ se dressait, plus haut que les deux personnes royales. Le manteau et la présence du donateur révélaient que l’ivoire avait pu être travaillé en Italie, d’après des modèles byzantins. Partager les insignes impériaux équivalait à partager l’autorité de l’empereur byzantin, mais dans un autre contexte et suivant une réinterprétation sur place. En Italie, ensuite, les apports byzantins passaient par trois voies principales : au XIe siècle, dans le Latium, le monastère bénédictin du Mont-Cassin 66; au siècle suivant, le royaume de Sicile passé sous la domination normande ; entre XIe et XIIIe siècle, à part, Venise. Quoiqu’il prêtât allégeance au pape, le monastère du Mont-
Cassin était sous la protection des gouverneurs byzantins de l’Italie du sud. Quand il reconstruisit l’église, l’abbé Desiderius (10581087) fit venir de Constantinople des portes de bronze, du mobilier liturgique en argent et des artisans mosaïstes pour la décoration, avec aussi des enlumineurs de manuscrits. En raison de ses liens personnels avec Hugues de Semur, abbé de Cluny (1049-1109), ainsi que d’un séjour de celui-ci au Mont-Cassin, de nombreuses innovations, vues sur place, durent parvenir jusqu’à Cluny, sur le chantier de la grande abbatiale de Cluny III, mais aussi sur celui du prieuré de Berzé-la-Ville 67. Presque tout ayant disparu du Mont-Cassin, il est difficile de se faire une idée exacte de l’importance et de la nature de ces emprunts. De toute façon, il s’agissait d’emprunts faits à partir du monastère de l’abbé Didier, l’un des foyers artistiques les plus brillants de l’époque, et non pas à partir de Byzance directement. A ces réinterprétations s’ajoutèrent celles des milieux clunisiens, comme nous l’avons souligné. Sous la domination normande, et en particulier sous le règne du roi Roger II (11301154), la Sicile s’ouvrit davantage aux apports byzantins. Roger II prit le titre de « roi » et choisit de se faire représenter en empereur de Byzance, couronné par le Christ, imitant en cela Constantin VII Porphyrogénète qui, sur l’ivoire du couronnement en 945, avait été figuré auprès du Christ qui posait la couronne sur sa tête68. Mais il portait sur sa chlamyde le motif de la fleur de lys des rois de
Le Christ bénit l’empereur Otton II et Théophano, panneau commémorant le couronnement du couple impérial, 982-983, ivoire, 18, 6 cm / 10, 8 cm. Musée national du Moyen Age, Paris. Janic Durand (dir.), Byzance. L’art byzantin dans les collections publiques françaises, Paris, R.M.N., 1992. 66 Hélène Toubert, « La renovatio grégorienne à Rome et au Mont-Cassin », « Rome et le Mont-Cassin. Nouvelles observations sur les fresques de l’église inférieure de Saint-Clément à Rome », « Le Bréviaire d’Oderisio (Paris, Bibliothèque Mazarine, ms. 364) et les influences byzantines au Mont-Cassin », in Ead., Un art dirigé. Réforme grégorienne et iconographie, Paris, Cerf, 1990 (trad. ital. Lucinia Speciale, Rome, Jaca Book, 2001). Voir aussi Julie Enckell-Julliard, Au seuil du salut. Les décors peints de l’avant-nef de Farfa en Sabine, Thèse de Doctorat, Lausanne-Poitiers, 2004 (dirs. Serena Romano, Eric Palazzo), pour l’appréciation de cette conjoncture iconographique à partir du site de l’abbaye de Farfa. 67 Daniel Russo, « Espace peint, espace symbolique, construction ecclésiologique. Les peintures de Berzé-la-Ville (Chapelle-desMoines) », art. cit., pp. 58-62. 68 Le Couronnement de Constantin VII Porphyrogénète, 945, ivoire, 18, 6 cm / 9, 5 cm. Musée Pouchkine, Moscou. 65
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France. Il fit décorer le sanctuaire de la chapelle palatine, à Palerme, en suivant le projet iconographique d’ensemble d’une église byzantine de haute époque, à dessein, et en l’adaptant toutefois au cadre de l’architecture normande (Ill. 8)69. La nef, par exemple, marquait un retour très net à la manière proto-byzantine avec les murs recouverts de scènes inspirées par l’ancien et le nouveau Testament. Dans le détail, certains épisodes étaient traités à la manière byzantine. La Création d’Eve, notamment, était proche de l’enluminure sur le même thème, appartenant au manuscrit byzantin de l’Octateuque, conservé à la Bibliothèque apostolique vaticane et daté du milieu du XIIe siècle 70 . L’illustration de l’Octateuque, composé des huit premiers livres de la Bible, de la Genèse au Livre de Ruth, fut entreprise à Byzance au XIe siècle et, avec plus de cinq cents scènes, constitua un vaste répertoire souvent utilisé. Le texte de Genèse 2, 21-23, consacré à la création de la femme, et l’illustration qui l’accompagnait, s’avéraient essentiels, dans le domaine byzantin, pour comprendre les relations entre l’homme et la femme71. Selon la lecture de l’épisode par Procope de Gaza (v. 465-v. 528), dont le commentaire suivait le texte de l’Octateuque, la femme fut créée pour l’homme, et non par l’homme. Elle était physiquement inférieure à celui-ci, mais égale à lui devant Dieu en nature et intelligence. Le commentaire insistait sur le fait que Dieu créa la femme à partir d’une côte d’Adam, et non de la poussière dont il l’avait formé, pour lui insuffler
Ill. 8 : Appartements du roi Roger II de Sicile, Palais des Normands, Palerme, Sicile, 1154-1166. Décors de marbre et de mosaïque
une affection naturelle pour elle. Plus que la miniature de l’Octateuque, la mosaïque montrait le face-à-face entre Eve et son créateur, ayant pris ici la forme humaine du Christ. En quelques dix ou vingt ans, cette image fut reprise dans le nord de l’Europe, en Allemagne, puis en Angleterre, dans une lettrine historiée de la Genèse dans la Bible de Winchester, vers 1180 : Dieu s’avançait, toujours sous la forme du Christ, et prenait par le bras Eve, qu’il bénissait de la main droite, un peu comme dans la Résurrection, le Christ saisissait par le bras Adam, et parfois
William Tronzo, The Cultures of His Kingdom, op. cit., pp. 28-62. La Création d’Eve, 1154-1166, mosaïque. Chapelle palatine, Palerme ; la Création d’Eve, Octateuque, milieu du XIIe siècle, tempera sur parchemin, f° 37 r, 39, 5 cm / 31, 3 cm. Bibliothèque apostolique vaticane, ms. gr. 746, Cité du Vatican. Otto Demus, The Mosaics of Norman Sicily, Londres, 1950 ; Ernst Kitzinger, « Mosaic Decoration in Sicily under Roger II and the Classical Byzantine System of Church Decoration », in W. Tronzo (dir.), Italian Church Decoration of the Middle Ages and Early Renaissance. Functions, Forms and Regional Traditions (Villa Spelman, Florence), Bologne, 1989, pp. 147-165 ; John Lowden, The Octateuchs, University Park, PA, 1992 ; William Tronzo, The Cultures of HisKingdom, op. cit., chap. 1 et 2. 71 Angeliki E. Laiou, Dieter Simon (dirs.), Law and Society in Byzantium, Ninth-Twelfth Centuries, Washington, Dumbarton Oaks Center, 1994. 69
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Eve72. Sur ce détail là, l’inspiration byzantine paraissait directe. Mais nul ne saurait dire si le commentaire de l’Octateuque était connu en Sicile après le milieu du XIIe siècle, ni si le mosaïste avait pu y avoir accès d’une manière ou d’une autre. Venise enfin, ville byzantine en plein cœur de l’Europe, rivalisait avec Constantinople par l’architecture de la basilique Saint-Marc, commencée en 1064 et achevée sous le doge Vitale Falier (1086-1096), en suivant le projet de l’église disparue des SaintsApôtres de Constantinople 73 . Les faits iconographiques furent tout autres. Ici, dans les décors à mosaïques entrepris sous le doge Falier, poursuivis jusqu’au XIIIe siècle, Byzance se continuait74. Au-dessus de l’atrium, sur les mosaïques qui recouvraient la coupole, illustrant le cycle de la Genèse, l’on choisissait au XIIIe siècle pour base du projet un (ou des) manuscrit(s) enluminé(s) à peu près identique(s) à la Genèse du manuscrit Cotton (Codex Cotton Otho B. VI, British Library, Londres), dont on utilisait les schémas narratifs pour figurer la création d’Eve par Dieu : sur la gauche, Dieu, ayant revêtu l’aspect du Christ fait homme, ôtait la côte à Adam endormi ; sur la droite, il achevait de modeler Eve, debout, qu’il tenait par le bras droit75. On reprenait les interprétations des théologiens byzantins pour tenir un discours sur la femme mieux adapté que tout autre à une audience du XIIIe siècle. Plus avant dans l’intérieur de
l’église, les grandes voûtes occidentales supportaient les images de la Crucifixion et de la Résurrection. Contrairement aux églises byzantines pourtant, où chaque voûte était occupée par une composition en tableau, à Saint-Marc, les voûtes en berceau avaient été décorées en registres horizontaux superposés, à la manière occidentale. Le succès de ces images fut tel qu’elles servirent hors de Venise qui devenait, à son tour, un foyer artistique de première importance en Occident. Le manuel de l’artiste de Wolfenbüttel, dans le deuxième quart du XIIIe siècle, l’indiquait clairement76. Ce manuscrit de douze feuillets fut réalisé dans un atelier vénitien, vers 1240, puis utilisé en Allemagne dès la génération suivante. Dans le Christ de la Résurrection, il était facile de reconnaître le même personnage que celui représenté sur les mosaïques de SaintMarc77 : il se déplaçait à grande enjambée, un pan de son manteau tournoyant derrière lui. Mais il saisissait les poignets d’Adam et d’Eve, chacun d’une main. L’artiste avait adapté le motif byzantin peu de temps après sa création. Venise constituait donc un cas doublement à part : ayant reçu les formules byzantines, elle s’imposait elle-même au principe de formulations neuves dans l’iconographie du Christ ; elle restait largement ouverte aux modèles venus de Byzance au XIIIe siècle. Elle servait ainsi de point de rencontre entre deux mondes.
La Création d’Eve, lettrine de la Genèse, Bible de Winchester, vers 1180, tempera sur parchemin. Bibliothèque de la cathédrale, Winchester. 73 Helen C. Evans, William D. Wixom (dirs.), The Glory of Byzantium : Art and Culture of the Middle Byzantine Era, A.D. 843-1261, New York, The Metropolitan Museum of Art, 1997, pour des exemples contemporains d’architecture. 74 Le butin de guerre rapporté de la quatrième croisade fut à l’origine d’une nouvelle vague d’art byzantin à Venise. Sur l’épisode des chevaux de l’hippodrome de Constantinople, transportés à Venise et installés sur la loggia au-dessus du grand portail de SaintMarc, Michael Jacoff, The Horses of San Marco and the Quadriga of the Lord, Princeton University Press, 1993, pp. 21-53. 75 Herbert L. Kessler, The Cotton Genesis, Princeton University Press, 1986, pp. 16-29, pour la discussion des images de la Genèse en relation avec le manuscrit Cotton. Sur cette séquence des mosaïques dans la basilique Saint-Marc, Penny Howell Jolly, Made in God’s Image ? Eve and Adam in the Genesis Mosaics at San Marco, Venice, Berkeley, Los Angeles, Londres, University of California Press, 1997, chaps. 3 et 6. 76 Hugo Buchthal, The Musterbuch of Wolfenbütel and Its Position in the Art of the Thirteenth Century, Vienne, Byzantina Vindobonensia XII, 1979. 77 La Résurrection, deuxième quart du XIIIe siècle, dessin à l’encre sur parchemin, 16, 1 cm / 12 cm. Codex Guelf 61, 2 Aug. Octavo, f° 92 r. Herzog August-Bibliothek, Wolfenbüttel. 72
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LA MUERTE SIMBÓLICA DE JORGE ELIÉCER GAITÁN
La muerte simbólica de Jorge Eliécer Gaitán
Darío Acevedo Carmona Doutor em História pela Universidad de Huelva. Professor titular da Universidad Nacional de Colombia. Autor de, entre outros livros, Escritos sobre Historia Social y de Historia Política Colombiana. Medellín, 2003. rdaceved@unalmed.edu.co
RESUMO Este texto se propõe a discutir como o líder político liberal colombiano Jorge Eliécer Gaitán foi representado nas caricaturas políticas publicadas nos periódicos de seus inimigos, com o objetivo de destruir sua imagem pública. Para tanto, vinculava-o aos mais variados matizes políticos e o mostrando, entre outros adjetivos, como violento e corrupto. PALAVRAS-CHAVE: Gaitán; caricatura; História da Colômbia.
ABSTRACT This text proposes to discuss how Colombian liberal politician leader Jorge Eliécer Gaitán was represented in political caricatures published in some periodical journals by his enemies, with the aim of destructing his public image. For so, they connected him to some of the most different politic aspects and showed him, among other adjectives, as violent and corrupt. KEY WORDS: Gaitán; caricature; Colombia history.
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DARÍO ACEVEDO CARMONA
La muerte simbólica de Jorge Eliécer Gaitán
Para una gran mayoría de la población, el asesinato de Jorge Eliécer Gaitán representó una de las más grandes frustraciones en la vida del país. El caudillo liberal había creado una expectativa de mejoramiento y de reforma social y una atmósfera positiva impregnaba el ambiente cargándolo de renovadas esperanzas en un mañana promisorio. En un período de tiempo relativamente corto, Gaitán se había convertido en el año 1947 en jefe único del liberalismo colombiano. Dejó de ser el causante de la derrota del partido en las elecciones presidenciales del 46, cuando se enfrentó al candidato oficial Gabriel Turbay, para asumir la dirección con el reto de reconquistar el poder en las elecciones de 1950. Ya no era el divisionista sino el unificador de su colectividad. Al momento de su muerte, su prestigio y su arrastre de multitudes era de dimensiones colosales. Aún en su propio partido, los jefes que no simpatizaban con sus ideas, con sus tácticas y con su estilo, que tenían por populista, y que lo habían criticado o le habían disputado el liderazgo, no tuvieron más remedio que aceptarlo como jefe único. No haberlo hecho les hubiera representado la muerte política. El partido conservador, por su parte, tenía conciencia de que Gaitán era un rival ante el cual la derrota electoral y la pérdida de la presidencia eran inevitables; por ello, sus dirigentes desde diversos medios y escenarios, lanzaron una intensa ofensiva para desprestigiarlo. El periódico laureanista El
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Siglo, arremetió desde mediados del año 47 con titulares de primera página, editoriales y caricaturas contra la imagen del caudillo y de su movimiento. Desde entonces y hasta los días previos a su muerte, no escatimaron epítetos, adjetivos de grueso calibre, acusaciones de distinta índole, asociaciones con ideologías totalitarias, analogías con el desorden y la anarquía, asociación con delincuentes y pillos, alusiones a promesas demagógicas, etc., con los cuales pretendían detener y afectar su creciente popularidad. Todo ello parecía tener como estímulo o causa el deseo de Gómez de ganar la presidencia para el siguiente período. El impacto del 9 de abril sobre la mentalidad de las gentes pudo conducir a una distorsión de la perspectiva histórica. A suponer, por ejemplo, que el asesinato de Gaitán y el 9 de abril constituyen el punto de inflexión de nuestra historia, a pensar que ahí se partió en dos la historia nacional, como gustan decir los hacedores de frases, y a dejar de reconocer que tales episodios no fueron otra cosa que la expresión de tensiones larvadas en un largo proceso de intensas y apasionadas rivalidades políticas entre liberales y conservadores. Rivalidades que seguían aflorando en la vida política cotidiana, no obstante que el recuerdo de la última de las guerras civiles en que se habían precipitado, la de los mil días (1899-1902) parecía ser algo muy lejano y ya superado. La fractura de la sociedad colombiana entre dos agrupaciones irreconciliables, la de los
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partidos tradicionales liberal y conservador, en vez de morir, revivía con inusitada energía en éste tipo de coyunturas. Los pormenores de la evolución de los episodios y hechos que se produjeron en aquellos momentos, han sido esclarecidos por varios investigadores -Eduardo Santa, Herbert Braun, Arturo Alape, Gonzalo Sánchez- e incluso, es posible encontrar abundante información en documentos testimoniales (publicados como libros) de protagonistas de los acontecimientos –Carlos Lleras Restrepo,
José María Nieto Rojas, Rafael Azula-1. Sin embargo, no contamos con suficientes estudios que se ocupen, con propiedad, del análisis de la producción discursiva, es decir, de las ideas, que permita apreciar el conjunto de valores y visiones en las que se apoyaron liberales y conservadores para enfrentarse en términos tan destructivos 2. Hemos considerado oportuno reproducir abajo algunas fotografías (4) con diversas semblanzas de Gaitán antes de entrar a hablar de su caricaturización, para que el lector tenga ocasión de hacer las debidas comparaciones.
Fuentes: arriba de izquierda a derecha, Gaitán Jaramillo, Gloria. Bolívar tuvo un caballo blanco, mi papá un Buick. Tomo I, s. e. Santafé de Bogotá, 1998, p. 306 y p. 132. Abajo de izquierda a derecha, Melo, Jorge Orlando, (Director Académico) Enciclopedia Temática de Colombia. Tomo II, Círculo de Lectores, Santafé de Bogotá, 1991, p. 513 y Gaitán, Gloria. Op. cit. p. 385. Descripción: en la parte superior, a la izquierda, Gaitán acudiendo a las urnas. A la derecha, con su hija única, Gloria. En la línea inferior, a la izquierda, en pose de orador y a la derecha, acompañado por seguidores. 1
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Cfr. Santa, Eduardo. Qué pasó el 9 de abril? Ediciones Tercer Mundo, 2ª edición, Bogotá, 1983; Braun, Herbert. Op. cit.; Lleras Restrepo, Carlos. De la república a la dictadura. Editorial Orgra, Bogotá, 1955; Nieto Rojas, José María. La batalla contra el comunismo en Colombia. Empresa Nacional de Publicaciones, Bogotá, 1956; y Azula Barrera, Rafael. De la revolución al orden nuevo. Editorial Kelly, Bogotá, 1956. Cuyos títulos expresan ya la visión programática e ideológica resumida de las miradas de los autores. Santa es un historiador de extracción liberal, Lleras Restrepo era uno de los tres grandes jefes del liberalismo, Nieto era un parlamentario conservador originario de Boyacá y Azula fue el secretario privado del presidente Ospina Pérez. Véase, Perea, Carlos Mario. Porque la sangre es espíritu. Instituto de Estudios Políticos y Relaciones Internacionales (IEPRI) Universidad Nacional de Colombia y Aguilar Editorial Santillana, Santafé de Bogotá, 1996; Acevedo, Darío. Op.cit.; en los cuales se intenta un análisis de los editoriales, discursos y titulares de prensa de la época.
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La primera condición que debía reunir un personaje para ser caricaturizado era la de haber protagonizado algún hecho específico de cierta relevancia, haber tenido algún tipo de figuración política, claro que además de lo anterior el personaje debía acreditar una trayectoria política de tal forma que no fuese un desconocido. Las primeras caricaturas sobre Gaitán fueron obra de Ricardo Rendón y de José “Pepe” Gómez cuando Gaitán apenas estaba iniciando su fulgurante carrera política y ya descollaba en el Congreso y en ensayos disidentes con la conformación de la Unión de Izquierdas Revolucionarias -UNIR- en 1933, proyecto desde el que pretendía instaurar un socialismo a la colombiana. En aquellos años eran otros dirigentes los que se ganaban los dibujos zahirientes de los caricaturistas. Lo más sonado que hizo entonces fue el debate que adelantó en la Cámara de Representantes (cámara baja del Congreso colombiano) contra el gobierno de Miguel Abadía Méndez por la “masacre de las bananeras”. En dicho debate logró demostrar la responsabilidad del gobierno, del ministro de Gobierno –Ignacio Rengifo- y del general de la policía Carlos Cortés Vargas, en la represión injustificada y aleve de las tropas contra los trabajadores bananeros que realizaban una huelga contra la empresa estadounidense United Fruit Company. Lo cierto del caso es que estos dos caricaturistas tenían sus ojos sobre otras personas de mayor rango e importancia que la que reunía Gaitán, sin embargo, dejaron sobre él su testimonio que se aprecia en los siguientes dibujos. En este primer dibujo de Gaitán hecho por Rendón, no se alcanza a plasmar una intención destructiva de la imagen del caudillo. Rendón era un buen retratista y como tal le hizo retratos tipo caricatura a más de un dirigente nacional. Así pues, en esta lámina no hay nada más allá de la línea algo exagerada con la que se resaltan los rasgos 84
Fuente: Colmenares, Germán. Ricardo Rendón: una fuente para el estudio de la opinión pública. Fondo Cultural Cafetero, Bogotá, 1984, p. 238.
físicos sobresalientes del personaje como también algunos relativos a su presentación: el pelo engominado, el uso de corbatín que muestran cuan preocupado era Gaitán en cuidar su apariencia, de otro lado las líneas angulosas de su rostro aindiado. En suma una versión muy benévola.
“La última zambra: la gente con un exceso/ de ingenuidad increíble,/ esperaba que el congreso/ después de tanto proceso/ le haría la vida vivible./ Mas vio que en forma inaudita/ imperaba la violencia/ y que era una guachafita/ de política jesuita/ con dietas y presidencia./ Y llena de indignación/ salió al fin de su sorpresa/ al terminar la función,/ y desentabló el salón/ y echó abajos a la empresa.” Fuente: González, Beatriz. José “Pepe” Gómez. Historia de la caricatura en Colombia. Fascículo 2, Banco de la República, Biblioteca Luis Ángel Arango Editores, Bogotá, 1987, p. 18; y publicada originalmente en: Fantoches, noviembre 23 de 1929.
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En esta caricatura, Pepe Gómez deja ver su manera de apreciar el trabajo de los congresistas: un ambiente de algarabía, de desorden, de circo, de contradicciones e improductividad. No hay rumbo ni coherencia. Allí sobresale la figura de Gaitán (el que resbala sobre la mesa) quien ya hacía sus primeros pinos con el debate por la masacre de las bananeras. Hacia 1940, cuando fue nombrado ministro de Educación por el presidente Eduardo Santos, volvemos a topar con caricaturas que fueron publicadas en El Siglo. Desde esa época lo dibujaban exagerando sus principales características físicas: muelón, aindiado y negroide, las cuales eran usadas con el claro propósito de mostrarlo como un tipo peligroso, vulgar y de baja calaña. Además, se le muestra asociado a la masonería con el fin de cuestionar sus dotes morales para el manejo de un asunto tan delicado como la educación de la juventud colombiana. A propósito de esto último, se dijo en un editorial de éste periódico lo siguiente: “La persona y los antecedentes del doctor Gaitán no dejan margen para optimismo alguno sobre lo que puede representar en escándalo, atropello, exhibicionismo, petulancia, manía innovadora y actividad malsana y atolondrada, su paso por el ministerio (...). El doctor Gaitán es un hombre inteligente, de fácil palabra, de condiciones oratorias. Su cultura es más superficial que profunda (...), su imaginación es corta (...). La cultura del doctor Gaitán se reduce a un mosaico de logomaquias y fraseologías nacionalistas que estuvieron de moda en las postrimerías del pasado siglo y primeros lustros del presente. Por lo tanto es ateo, materialista, positivista (...). No es hombre de activo comercio intelectual. Está pasmado (...), puede servir para la demolición pero no para construir (...). Es un agitador no es un estadista.”3 3
El gobierno de Santos había trazado una directriz de amparo para acoger en condiciones especiales a los republicanos españoles que huían de la dictadura franquista en España. Varios de esos intelectuales fueron vinculados a centros educativos y contribuirían al desarrollo de nuevas pedagogías y corrientes científicas y literarias. Por tal razón, a Gaitán, responsable de la implementación de estas políticas desde dicho Ministerio, se le dibuja como protector de revolucionarios, izquierdistas, anarquistas y revolucionarios españoles, por lo tanto era considerado un “rojo”, “procomunista”, “ateo” y “anarquista”. Tales epítetos resumían la mirada conservadora según la cual Gaitán era toda una afrenta a la cultura nacional y un peligro o amenaza para el espíritu católico. Una vez se retiró del ministerio, los caricaturistas continuaron en su tarea de desprestigio de los gobiernos liberales y de su obra. En el período presidencial siguiente, la dirección del fuego se orientó contra López Pumarejo y la corrupción oficial, en especial la de la familia presidencial. Por ello Gaitán dejó, transitoriamente, de ser objeto de ataques.
“Te he aplaudido tanto Te he pedido tanto Te lo he pedido tanto He esperado tanto Que ahora si me vas a conceder el milagro.” Fuente: El Siglo, febrero 2/40, p. 4ª.
El Siglo, febrero 2/40, p. 4ª.
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Gaitán le reza a una imagen de Eduardo Santos, en el cesto de la basura han quedado abandonados sus viejas ideas y programas de izquierda con las que fundó la UNIR y a las que renuncia para ser ministro de Educación en este gobierno. Aquí encontramos una alusión sarcástica a su arribismo. En el editorial de la fecha se dijo: “Es fatal entregar el alma de los niños y la mente de la juventud al azar de las caprichosas quimeras de un exhibicionista”. El encabezado es un juego de palabras con el apellido del presidente Santos. La leyenda redondea la faena del que es capaz de rezar aún en contra de su incredulidad de izquierdista con tal de escalar posiciones de poder. Un segundo momento en la caricaturización de Gaitán se detecta hacia mediados de 1945, cuando el caudillo decide lanzarse a la candidatura por la presidencia aun en contra del sentir y del deseo de las directivas oficiales de su partido. Este hecho explica que su figura sea objeto de la mordacidad e ironía de los caricaturistas de los diarios liberales. En efecto, tanto El Tiempo como El Liberal voceros del santismo y del lopismo respectivamente, arremetieron contra Gaitán por medio de editoriales y caricaturas en las que trataban de mostrar que el caudillo le estaba haciendo el juego al conservatismo, que sus consignas eran las del otro partido y que andaba en tratos con el laureanismo. Cuando menos, se advertía que su candidatura era divisionista y conducía a una derrota segura del liberalismo en las elecciones presidenciales del año 46. El historiador Herbert Braun acota que “en cierto sentido, Gaitán estaba ideológica y políticamente más cerca de los conservadores. Su crítica al capitalismo en nombre de un 4 5
orden moral más elevado hacía vibrar en ellos cuerdas afines” y va aún más lejos cuando afirma que: “Laureano Gómez respaldó al “candidato del pueblo”, y hasta un mes antes de las elecciones El Siglo llevaba la vocería no oficial del liberal (...) Las relaciones entre los dos eran lo bastante estrechas como para alimentar rumores posteriores de que los conservadores habían financiado la campaña del caudillo.”4
Además, reconoce Braun, la dirigencia conservadora estimulaba la división en las filas de su rival a sabiendas de que de esa manera podía alcanzar más fácilmente la victoria. De ahí que el hostigamiento a que fue sometido Gaitán por los líderes del liberalismo oficialista tuviese como motivación el temor a perder el poder como consecuencia de la actitud rebelde de éste. No es de extrañar, por tanto, que el periódico El Liberal llegara a decir sobre él cosas del siguiente calibre: “Lo que ocurre es que el señor Gaitán siguió explotando por su cuenta todos esos pretextos, a fuerza de demagogia, y formando con ellos una bandera que en realidad arrebató a otros amigos conservadores y liberales.”5
Y días más adelante: “El hecho es que (...) los conservadores asisten a las manifestaciones gaitanistas por orden de sus directorios (...), los conservadores sueñan con que se repita en 1946 lo ocurrido en 1930 (...). El señor Gaitán no ha sido nunca liberal. Él es ante todo gaitanista. Su implacable ambición personal no se liga solemnemente a ninguna idea, a ninguna doctrina (...) No entendemos, ni podemos compartir en ninguna forma que
Braun, Herbert. Op. cit. pp. 156-57. El Liberal, septiembre 25/45, p. 4ª.
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Por su parte, el diario El Tiempo consignó su pensamiento en varios editoriales, en uno de ellos, titulado “La candidatura Gaitán” se afirmaba: “En la formación intelectual del doctor Gaitán, dejó honda huella el contacto con la autocracia latina (...). Hasta ahora la candidatura del doctor Gaitán parecía contar con la simpatía de algunos sectores del conservatismo, que la utilizaron como una punta de lanza contra el partido liberal (...). Realmente el único personaje visible del movimiento es el propio candidato, y la responsabilidad de los excesos, del fragoroso tumulto, de la violencia organizada con todas sus nocivas consecuencias, no puede localizarse en nadie distinto a su inspirador intelectual.”7
En otro editorial titulado “Liberalismo, conservatismo, gaitanismo” se insistía en descalificar a Gaitán: “(...) y ante las dos candidaturas (Turbay y Ospina) está, asimismo, la del doctor Jorge Eliécer Gaitán, fruto de una agitación personalista, adelantada en forma tenaz y aguerrida contra el régimen liberal, y que por tanto no puede considerarse como disidencia de nuestro partido (...). El doctor Gaitán hizo suyas todas las tesis oposicionistas más encarnizadas y violentas que “El Siglo” había venido presentando contra las administraciones liberales (...)”8.
Razones no les faltaban a los conservadores para estar felices con la situación creada por Gaitán en las filas de sus rivales. Desde mediados 1945 los
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editorialistas de El Tiempo y de El Liberal habían expresado sus reservas frente a los métodos de movilización y organización de masas puestos en marcha por el movimiento gaitanista en las principales ciudades del país. En efecto, ya para entonces, Gaitán había impuesto un nuevo estilo de proselitismo político inédito en la historia colombiana que consistía en apelar al pueblo, en convocarlo a las calles, a las plazas públicas, en la realización de multitudinarias marchas y movilizaciones en el marco de una estricta disciplina y orden. La política con él dejó de ser asunto de unos cuantos convencionistas que se reunían en espacios cerrados como restaurantes y clubes a dirimir las candidaturas y a hacer planes. Eso asustó y alarmó enormemente a los líderes tradicionales que se referían a esas prácticas con términos desdeñosos y despectivos: “espectro de anarquía”, “tumulto desbordado”, “muchedumbres apasionadas”, etc. El acto de proclamación de su candidatura tuvo lugar en la plaza de toros “La SantaMaría” situada en un lugar céntrico de la capital el 23 de septiembre de ese año y fue un evento meticulosamente preparado. Durante una semana, llamada por la organización “La semana de pasión”, en los barrios populares y en las principales ciudades del país se llevó a cabo diversos actos preparatorios en los que se anunciaba la convención. Según Braun, “las sedes gaitanistas de los barrios se convirtieron en centros de información política y en lugares de reunión donde se efectuaban bazares, bodas y primeras comuniones. Servían como centros culturales e incluso, ocasionalmente, como hospitales temporales”9, las gentes
El Liberal, octubre 1/45, p. 4ª. El Tiempo, marzo 20/46, p. 4ª. El Tiempo, abril 2/46, p. 4ª. Véase Braun, Herbert. Op.cit. p. 175 y en las páginas subsiguientes se puede leer un extraordinario relato sobre la proclamación de la candidatura de Gaitán, desde una metodología en que el autor revela su empatía con la obra de Elías Canneti Masa y Poder.
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desfilaban con antorchas, coreaban consignas y lemas, agitaban banderas, entonaban cánticos, voceaban por todas partes el periódico semanario Jornada fundado por el propio Gaitán, en suma se movían llevados por una gran mística y fe en el caudillo.
exhibían con orgullo y frenesí este tipo de carteles en las marchas y en las concentraciones multitudinarias organizadas por la JEGA (Organización Jorge Eliécer Gaitán, sigla que recoge las iniciales de su nombre)10. Según El Siglo, a la convención asistieron más de 50.000 personas, el interés manifiesto de este diario por sacar provecho se puede apreciar en la circunstancia de que durante una semana dedicaron amplio espacio a las crónicas, comentarios y al discurso de Gaitán. Mientras los diarios liberales omitieron referirse a la misma o lo hicieron con términos desobligantes o minimizaron su importancia. No obstante, las páginas de opinión si dejaron traslucir los temores crecientes de las directivas oficialistas, así, el diario liberal La Razón citado por Braun, diría: “El circo de Santamaría ha sido siempre destinado a los espectáculos de género bárbaro, como los toros, el boxeo, etc. Ningún sitio más apropiado para lanzar la candidatura del doctor Gaitán que éste.”11
Fuente: Gaitán, Gloria. Op. cit. p. 233.
Este cartel de propaganda electoral fue uno de los más conocidos y usados por los seguidores del caudillo. El puño de su mano derecha alzado en señal de combate, el rostro en una expresión de fortaleza y vehemencia y la leyenda clara y simple con la que se señalaba el rumbo: “a la victoria”. El cartel es toda una novedad en aquellos años cuando la política se empezó a tomar las calles y las plazas de pueblos y ciudades. Sus seguidores
La irónica alusión al carácter bárbaro del gaitanismo es clara. A la vez, en El Tiempo se calificó el evento como “una bizarra conjunción de lo dramático y lo grotesco” y se afirmó que el gaitanismo estaba en poder de “avalanchas multitudinarias” en donde pesaba más el instinto que la razón. Enrique Santos “Calibán”, editor del mismo, en su columna Danza de las Horas reconocería que su fuerte arraigo entre las masas se entendía mejor por el hecho de que
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Cfr. Barnicoat, John. Los carteles. Su historia y su lenguaje. Colección Comunicación Visual, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 1972.Los carteles de manera más clara que la caricatura se habían convertido en instrumento auxiliar de la agitación política y social en Europa desde el siglo XIX con las aparición de las grandes movilizaciones obreras, y sindicales y de los partidos revolucionarios y anarquistas. 11 Braun, Herbert. Op. cit. p. 187.
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“Gaitán les habla en un lenguaje más fácil de entender, y se dirige a sus pasiones y no a su razón”12. Las críticas editoriales se expresaban gráficamente a través de la caricatura editorial, en particular Adolfo Samper en El Liberal le dedica varios cuadros en los que lo dibuja como un servidor de los propósitos de Laureano Gómez de dividir al liberalismo, tal como se puede apreciar en las siguientes viñetas:
En la leyenda Gómez dice: “-Por estar embelesada con el Príncipe me dieron las doce!” Fuente: El Liberal, enero 9/46, p. 4ª.
Fuente: El Liberal, agosto 26/45, p. 4ª.
Laureano Gómez, feliz, lleva en hombros a Gaitán, quien se presta a la maniobra divisionista. Es de las pocas ocasiones en que Samper dibuja a Gómez con cara alegre, con lo cual afirma su mensaje en el sentido de que Gaitán es manipulado por éste. Es tal la satisfacción que sonríe cuando Gaitán lo arrea como si fuese un caballo, con una de sus consignas distintivas: “Laureano, a la carga”.
12
En una parodia del famoso cuento de los hermanos Grimm: Cenicienta o El zapatito de Cristal, Gaitán hace las veces del Príncipe que corteja a la Cenicienta representada por Gómez quien luce una sonrisa de irónica satisfacción. Se presenta a Gaitán como un líder dispuesto a aliarse con el enemigo con tal de lograr sus fines, es decir, es un oportunista e inescrupuloso. Veamos ahora cómo desde el otro bando, El Siglo aprovechó la ocasión para estimular la división en las toldas liberales. Las caricaturas y los editoriales revelan una visión no tan destructiva de Gaitán, se resalta su consigna de “restauración moral de la república”
El Tiempo, septiembre 24/45, p. 4ª.
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de la cual se consideran precursores ya que ese fue el espíritu de su batalla contra el segundo mandato de López Pumarejo. Ilustremos esto con lo que se dice en un editorial a propósito de Gaitán y de sus metas: “El doctor Gaitán trata de convencer a su partido de que necesita una verdadera cura de salud, una enmienda radical que lo rehabilite ante la opinión (...). Su ambición es loable y sería perfecta si no adoleciera su movimiento de ciertos vicios de violencia y de peligrosos distintivos clasistas (...). Pero, con todo, es un esfuerzo generoso que, de triunfar sobre los intereses creados, contribuiría en algo a salvar a su colectividad del desastre definitivo.”13
Es indudable que aquí hay un cambio de posición respecto de los juicios propalados cuando ocupó la cartera de Educación en 1940 y es claro también, que dicho cambio estaba mediatizado no tanto por las afinidades programáticas con Gaitán como por circunstancias de conveniencia electoral, pues los conservadores sabían a ciencia cierta que sólo podrían alcanzar el triunfo enfrentando a un liberalismo dividido. El desarrollo ulterior de los acontecimientos, que muestra un cada vez más fortalecido liderazgo gaitanista refrendado en las dos elecciones realizadas en 1947 pone fin a ese paréntesis de tratamiento benévolo hacia el caudillo liberal. Un tercer momento en la caricaturización de Gaitán se da cuando éste se consolida como jefe de su colectividad y se proyecta como candidato único para las elecciones presidenciales del año 1950. El órgano laureanista vuelve a la carga contra Gaitán tal como lo había hecho en los años cuarenta. En los titulares de primera página, en los editoriales y en la caricatura, el tema central, el objeto principal de los ataques será de lejos Jorge Eliécer Gaitán, el gaitanismo y los 13
conflictos entre estos y las demás tendencias del liberalismo. Como hemos dicho, El Siglo se había ensañado en el pasado con otros personajes rivales, también lo hará luego de la muerte de Gaitán con Echandía y con Lleras Restrepo. La línea consistía en vapulear a los personajes más destacados del partido opositor en sus aspiraciones presidenciales. A Gaitán le pintan como un falangista, agitador comunista, líder desbocado o derrotado, como un ser violento y anárquico y hasta con facetas animaloides. Sus rasgos físicos fueron explotados con especial saña, desde sus dientes prominentes, hasta el color mestizo de su piel, sus líneas indígenas, y además, su baja condición social. La utilización de estos elementos se hacía de forma graciosa y agresiva a la vez, la idea consistía en mostrarlo como un ser ordinario, de baja ralea y malos modales, como un arribista que no podía disimular su origen humilde pues sus formas de vestir y de hablar lo delataban como un tipo vulgar y brusco. Los zapatos rotos y con taches de refuerzo eran indicio de ordinariez, tosquedad y mal gusto, cabe anotar que el uso de calzado no estaba plenamente generalizado, las gentes del campo utilizaban alpargatas o caminaban a pié limpio, cuando alguien daba el tránsito al uso de zapatos, las incomodidades de la adaptación quedaban en evidencia, pero era un símbolo de progreso, de civilización, quizá a Gaitán se le quería presentar como un advenedizo a la vida urbana moderna. Para entender mejor el empleo de recursos racistas por parte del diario El Siglo, el historiador norteamericano James Henderson puede darnos unas buenas pistas. En una biografía intelectual que escribió sobre Laureano Gómez, sostiene que aunque éste era crítico del racismo anglosajón y nazi:
El Siglo, abril 4/46, p. 4ª.
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LA MUERTE SIMBÓLICA DE JORGE ELIÉCER GAITÁN “(...) no podía resistir el deseo de utilizar ocasionalmente el denuesto racista cuando ello podía ayudar a sus propósitos. Es así como durante los años treinta y cuarenta los caricaturistas de El Siglo exageraban en forma burda los rasgos faciales de los adversarios políticos que parecían tener alguna huella de ancestro africano.”14
Sin embargo, decir que esta actitud era un recurso ocasional de Gómez riñe con la evidencia empírica, ya que por una parte en los discursos de Gómez, en editoriales de su diario y en otras circunstancias, se refirió en forma despectiva a lo negro, a lo indio, a lo africano y a la condición judía, usando términos muy despectivos; y, de otro lado, lo de Gómez no estaba al margen sino que más bien se correspondía con una tradición de pensamiento, de la cual también hacían parte algunos intelectuales liberales, que consideraban el mestizaje como un lastre de nuestra cultura, un factor explicativo del atraso económico-social y hasta una de las razones de la violencia política. La revisión sistemática del diario laureanista entre 1945 y abril de 1948 nos permitió encontrar los siguientes datos: más de 90 caricaturas, cerca de 40 registros editoriales y una altísima cantidad de titulares de prensa, de tono destructivo y mordaz contra el caudillo liberal. Este número de referencias es particularmente notable a partir de mediados de 1947: 19 editoriales y 45 caricaturas hasta diciembre, y 18 editoriales y 41 caricaturas hasta fines de marzo de 1948. ¿Razones? La más coherente es la que tiene que ver con el hecho de que Gaitán se había convertido en un fenómeno de masas y que había sido reconocido jefe único del liberalismo por todas las tendencias y eso causaba pánico entre los conservadores que 14 15
soñaban con Gómez como nuevo presidente. El sueño se les había convertido en pesadilla. La exposición analítica de las caricaturas que haremos a continuación tendrá una lógica temática, no se realizará según la cronología de los acontecimientos aunque no dejará de tener presente en cada faceta temática el orden cronológico de publicación de las mismas. Hecha esta advertencia metodológica podemos decir que las representaciones sobre el caudillo liberal en las caricaturas analizadas se pueden apreciar en el cuadro abajo15. Cuadro: Facetas de Jorge Eliécer Gaitán FACETAS Gaitán Jefe - Jefe liberal - Jefe fascista - Jefe comunista - Jefe de bandidos - Jefe oligarca - Jefe monárquico (César, Napoleón, Duce) - Otros Asociado con la violencia Asociado con fraude electoral Asociado con corrupción En asuntos propios del liberalismo Asociado con el comunismo Asociado con sindicalismo y huelgas En tratos o enredos con prensa liberal Asociado con el gaitanismo
Nº de REPRESENTACIONES 75 28 9 8 6 4 3 17 27 16 13 36 9 6 10 10
A continuación presentaremos de manera desagregada las principales representaciones o facetas. Gaitán fascista Las ideologías de extrema derecha en auge en Europa, en particular la fascista, empezaron a suscitar miradas de simpatía entre algunos sectores juveniles del partido Conservador colombiano en la década del treinta del siglo XX. Los jóvenes conservadores Gilberto Alzate Avendaño, Augusto Ramírez Moreno y Silvio Villegas, conformaron un agrupamiento al que le dieron por mote “los
Cfr. Henderson, James. Las Ideas de Laureano Gómez. Ediciones Tercer Mundo, Bogotá, 1985, p. 254. La suma de referencias no es equivalente con el número de láminas analizadas porque en muchas de ellas se encuentran varios tópicos y facetas.
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leopardos” para señalar de esa forma su arrojo y su espíritu de combate. Ellos de forma clara reivindicaron su militancia con dicha ideología y su apoyo al régimen de Mussolini. Laureano Gómez fue más cauto, puesto que, aunque se sentía atraído no dejó de puntualizar las limitaciones del fascismo en materia religiosa así como su desacuerdo con la exaltación exagerada del nacionalismo. En todo caso, fue Gómez el que recibió la mayor parte del agua sucia cuando a mediados de los años cuarenta el fascismo cayó en desgracia y cuando haber sido simpatizante o amigo de esta corriente empezó a ser visto como un lastre y algo indigno. Ser acusado de fascista ya no era, como años atrás, motivo de orgullo sino de pena. Así pues, no es raro que en el debate político, en su afán por desprestigiar a su contendiente los partidos apelaran al recurso de tildarlo de fascista. Sin embargo, no deja de parecer ilógico que un vocero de ideas de extrema derecha como El Siglo le enrostrara a su rival simpatías con esta tendencia que muchos liberales de la época y estudiosos actuales le achacaban al sector laureanista. Aunque Laureano Gómez simpatizó durante la segunda guerra mundial con los países agrupados en el Eje (Alemania, Italia y Japón), se preocupó por dejar en claro que el régimen de sus simpatías era el falangista liderado en España por el dictador Francisco Franco. Escribió sus opiniones sobre el nazismo y el fascismo, inclinando más sus simpatías por éste último, aunque años después lo excluyera de sus preferencias, para quedarse con el falangismo español. Luego de la derrota militar del Eje, el laureanismo inicia un viraje para desprenderse de una mácula que ellos sabían 16 17 18
los podía perjudicar en sus aspiraciones de poder, por ello entonces, asumen el fascismo como una ideología nefasta y peligrosa y por eso se la endilgan a Gaitán. Para que ello no apareciera como una cosa caprichosa, dibujaban al caudillo a la cabeza de manifestaciones de multitudes que portan teas, -tal como en efecto ya las venía realizando- a la manera como lo hacía Mussolini en la Italia de los veinte, y también recordaban que el jefe liberal había realizado estudios de Derecho en la Italia fascista16. De esa forma le daban consistencia a un mensaje con el cual trataban de mostrar las tendencias o gustos dictatoriales de Gaitán. Ornamentos simbólicos como la camisa negra, las botas militares, el saludo con mano derecha alzada y cuadros de Mussolini en el escenario, complementaban el mensaje que se quería transmitir a la opinión. El impacto buscado por los caricaturistas era claro en el sentido de proyectar una imagen totalitaria del caudillo, no hay que olvidar que ya para 1947, los responsables del genocidio en Europa eran juzgados y condenados por crímenes contra la humanidad, el nazismo y el fascismo eran ideologías proscritas y en barrena, de tal forma que quien apareciese como tal era objeto de descrédito político. En un editorial se decía que Gaitán pretendía ganarse las masas liberales para “conducirlas por los mismos caminos fascistas del unirismo (...), está ensayando el nazi-fascismo con las masas de su partido”17. En ocasión anterior le habían enrostrado su viaje a Italia “Roma bullía otra vez en la mente del caudillo delirante”18. No obstante y para ser precisos, fue el liberalismo el que abrió fuegos en este tipo de señalamientos contra Gaitán. Desde la
Veáse, Braun, Herbert. Op. cit. pp. 114 y ss. El Siglo, febrero 28/48, p. 4ª. El Siglo, diciembre 17/47, p. 4ª.
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campaña presidencial del 45-46, los métodos de movilización de masas, las formas de propaganda y la exacerbación de las emociones y pasiones de la multitud por él utilizadas, produjeron en los círculos directivos mucho temor y comentarios adversos. El liberalismo, decían, no podía someterse a las muchedumbres ciegas y enardecidas, por eso convocaron a respaldar a Turbay frente “al peligro fascista” que encarnaba Gaitán19. En términos similares se expresó el partido comunista, aliado del oficialismo liberal desde el primer mandato de López Pumarejo, los comunistas apoyaron a Turbay pues consideraban que “Gaitán es un aventurero peligroso con rasgos fascistas” según lo reseña H. Braun en el texto ya citado.
portan antorchas encendidas en actitud enajenada. Es una asociación evidente de sus cualidades carismáticas y oratorias con las técnicas del fascismo. Para entonces, Gaitán había institucionalizado los viernes liberales en el Teatro Municipal de Bogotá. Los ojos abiertos del caudillo indican delirio, embriaguez.
La leyenda dice: “Momento en que el jefe único y sus alegres muchachos se disponían a tomarse... unos rones en el café del Atrio.” Fuente: El Siglo, julio 19/47, p. 4ª.
Fuente: El Siglo, julio 16/47, p. 4ª.
Aquí aparece con traje de militante fascista haciendo el saludo característico de ésta corriente, se dirige a un auditorio de personas que le escuchan servilmente y que 19
Nueva analogía de sus métodos de movilización de masas con los del fascismo. Gaitán organizó varios desfiles con antorchas y ello fue aprovechado por sus rivales para mostrarlo como un jefe con pretensiones fascistas. Aquí va acompañado por Darío Echandía a su izquierda, detrás de éste Darío Samper y luego de sombrero y gafas Armando Solano (todos ellos directivos del liberalismo) El “café del Atrio” (al que alude la leyenda) era un bar donde se reunían los seguidores
El Tiempo, diciembre 10/45, p. 4ª.
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de Gaitán. El Pato Donald, que es el caricaturista, aparece siguiendo la corriente en actitud de trivializar la marcha. Los zapatos rotos, recurso usual de los caricaturistas de El Siglo, insinúan debilidad, falta de firmeza en el punto de apoyo del movimiento o de la persona o vulgaridad. Gaitán Comunista La situación del comunismo en Colombia no era muy diferente de la que vivía en otros confines: era una fuerza con escasos apoyos y perseguida, era mirado como un fantasma amenazante igual que como lo fue en Europa en el siglo XIX según la afortunada metáfora de Marx. Servía de chivo expiatorio a los gobernantes que querían atribuirle todos los males habidos y por haber, era el responsable de todos los conflictos y desbordamientos sociales. En fin, se le mostraba en unas dimensiones muy lejanas a su peso real en la política criolla. En efecto, el Partido Comunista que había sido fundado a mediados de 1930 sobre las ruinas del Partido Socialista Revolucionario criticado por sus comportamientos putchistas, logró echar algunas raíces en el movimiento sindical urbano y en sectores agrarios en los departamentos de Boyacá, Cundinamarca y Tolima. Su escaso arrastre de multitudes era compensado por una gran capacidad para hacerse sentir desde su aparato de propaganda. La estigmatización de esta ideología se remonta en Colombia al siglo XIX cuando las orientaciones del Papado consignadas en el Syllabus y en otros documentos fueron asumidas como parte de la plataforma de lucha del conservatismo y de la institución clerical. Sin embargo, fue en la década de 20
1930, una vez el liberalismo retomó el poder y dio inicio a un proceso reformista de la sociedad, que el Partido Conservador y el alto clero convirtieron la denuncia contra el comunismo en materia consuetudinaria, en campaña sistemática, en asunto sagrado; pero, esta vez, procedieron a señalar los posibles nexos directos e indirectos, francos y embozados del liberalismo colombiano, que según ellos hacía causa común con los comunistas para instaurar un régimen pro soviético y ateo. Desde entonces, ningún dirigente ni periódico liberal escapó a tal señalamiento, al estigma de ser acusado de tendencias o militancia comunista. Esta modalidad retórica es apreciable tanto en la lucha programática como en el no menos expresivo duelo que se libraba a través de la prensa, y en particular es posible hacerle un seguimiento por medio de la producción de caricaturas editoriales. Los ataques a Gaitán en este terreno también fueron sistemáticos y reiterativos. Ello es explicable si tenemos en cuenta que desde la segunda mitad del siglo XIX, más concretamente desde la restitución del Concordato entre el Estado colombiano y el Papado en 1887 20, el conservatismo colombiano y la jerarquía católica nacional habían elevado a canon programático la lucha contra esta ideología. De comunista, además de masones y anticlericales fueron tildados el Partido Liberal y sus dirigentes más conspicuos, en especial desde el régimen de la “revolución en marcha” de López Pumarejo acusado y dibujado como comunista, bolchevique y sindicalista, de la misma manera que lo fueron otros dirigentes liberales. Se puede pensar que todo esto era producto de la exageración propia de la lucha
Veáse, Acevedo, Darío. La mentalidad de las elites sobre la violencia en Colombia: 1936-1949. El Áncora Editores-IEPRI Universidad Nacional de Colombia, Santafé de Bogotá, 1995, capítulo 3.
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sectaria y de la retórica propagandística en razón de que históricamente está comprobado que ello no fue así. Sin embargo, el asunto no puede simplificarse tan a la ligera ya que cuando se detecta que dichas alusiones, referencias y analogías entre liberalismo y comunismo eran parte de la retórica política hacía ya un buen tiempo y que ello se hacía de manera sistemática, y que además era vivido y sentido así por la población conservadora y católica, lo que debe reconocerse entonces es la existencia de una acendrada convicción colectiva que servía de acicate para la lucha contra los liberales. La imagen propagada sistemáticamente terminaba por cumplir la función de hacerlo ver como comunista de verdad ante la militancia católico conservadora. Es decir, topamos ahí con una convicción colectiva que tenía efectos tangibles en la vida real, en las relaciones sociales, pues condicionaba el accionar de unos y otros según estuviesen ubicados en el espectro político. Ahora bien, como recurso propagandístico, era un pretexto de primer orden en cuanto la elite clerical y conservadora sabía que el mensaje calaba en un país todavía muy rural, tradicionalista, fuertemente creyente en lo religioso y muy influenciado por las orientaciones del clero. Dibujar a Gaitán o referirse a él como un comunista o instrumento de dicha corriente, daba réditos políticos y electorales, por lo menos así debían pensar los responsables de la campaña antigaitanista. Comunismo y gaitanismo, según ésta, iban de la mano propiciando desórdenes, promoviendo el
caos, las huelgas, los atentados, conspirando contra la población y sus referentes o valores religiosos más sagrados. El oso (símbolo de Rusia comunista), la hoz y el martillo (emblema y signo del comunismo) presentados con una carga negativa y descalificadora, la figura siniestra y maquinadora de Stalin, al lado de bombas, en escenarios en los que Gaitán y/o el gaitanismo atacan los símbolos de la democracia, del orden y de las instituciones republicanas, encarnadas por marianas, son recursos con los que se pretendía consolidar la imagen comunista del caudillo liberal. También en los editoriales era clara la asociación que se le hacía con el comunismo, como por ejemplo en el siguiente comentario: “El señor Gaitán no pierde la esperanza de hacer algo sonado antes de que se reúna la conferencia (Panamericana), por eso desde tierras venezolanas procura mover sobre Colombia ciertas avanzadas comunistas (...). He aquí el máximo baldón del gaitanismo: el resuelto propósito de entregar a Colombia a la dictadura marxista.”21
En titulares de prensa se le relaciona con complots internacionales, con planes de huelgas subversivas: “agentes comunistas venezolanos tratan de provocar movimientos subversivos en conexión con los camaradas colombianos. Gaitán, Antonio García y Montaña Cuellar22, principales agitadores del movimiento”23, “paro total comunista en Latinoamérica para sabotear la reunión Panamericana”24 rezaba un titular a cinco columnas, “Gaitanismo y comunismo contra Colombia” 25 . El diario conservador de Antioquia, El Colombiano, también consignó
21
El Siglo, febrero 7/48, p. 4ª. Antonio García era un intelectual de tendencia socialista no adscrito a ningún partido y Diego Montaña Cuellar era un dirigente del Partido Comunista que dedicó buena parte de sus actividades en aquella época a la orientación de los sindicatos de trabajadores petroleros. 23 El Siglo, enero 24/48, p. 1ª. 24 El Siglo, febrero 5/48, p. 1ª. 25 El Siglo, enero 27/48, p. 1ª. 22
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similares comentarios: “la opinión pública conoce por ejemplo, las estrechas relaciones existentes entre el señor Gaitán y los agitadores comunistas” 26 . Éste tipo de lenguaje era usado con gran frecuencia, citar todo lo que se decía haría farragoso nuestro relato, por eso nos hemos limitado a unos cuantos ejemplos.
Gaitán se utilizaba mucho en la primera y última acepción.
La caricatura contiene el siguiente diálogo: “Gaitán: - Y eso fue todo lo que trajeron? Ellos: - Hasta donde nos alcanzaron los cartuchos, mi amo.” Fuente: El Siglo, enero 28/48, p. 4ª.
Fuente: El Siglo, enero 11/48, p. 4ª.
En traje de bolchevique, conduce un coche tirado por el oso comunista que es empujado por el dirigente comunista y asesor de los sindicatos petroleros Diego Montaña Cuellar. A manera de cebo del animal, un cactus “huelgas”, para hacer caer en él al “país” (el pie descalzo de un hombre del pueblo) Los ojos cerrados en muchas de las figuras pueden indicar malicia, visión estrecha, sumisión o intenciones ocultas. Para el caso
26
De nuevo con traje de guardia bolchevique y con casco y botas de fascista, llevando en sus manos las riendas del oso, recibe un parte de guerra de los dirigentes liberales Roberto Salazar Ferro y Juan Lozano y Lozano (el de gafas) quien lleva en sus hombros un morral con calaveras de víctimas de sus acciones violentas. Amarrado en la pared el símbolo comunista asociado con el caos. Violencia, caos, comunismo, fascismo, servilismo, se enlazan en esta lámina. El mensaje también es claro en denunciar el tipo de relación que tiene con sus seguidores, de servilismo, por eso lo tratan de “amo”.
El Colombiano, enero 22/48, p. 1ª.
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Gaitán violento Textual y gráficamente, la figura de Gaitán es asociada con hechos de violencia política. Como es ya reconocido en los trabajos de muchos investigadores de este período y sobre el tema de la violencia, en la década del cuarenta estaba en curso un proceso ascendente de confrontación retórica y física entre liberales y conservadores en los más disímiles escenarios. Mientras las directivas de los dos partidos se lanzaban acusaciones entre sí, los choques y las masacres se sucedían escapando cada vez más al control de las autoridades. Se trataba no de una guerra convencional al estilo de las que se dieron en Colombia en el siglo XIX, como bien lo ha explicado el historiador inglés Malcolm Deas 27 , sino más bien de un fenómeno espontáneo, no planeado, del que nadie quería responsabilizarse. Gaitán y su partido fueron señalados como artífices, gestores y propiciadores de los hechos de sangre contra la población conservadora, unas cuantas referencias pueden ilustrar lo que queremos decir: en un editorial dedicado a criticar la oposición de Gaitán al proyecto de acuerdo de reforma electoral se dijo: “Esa fue la solemne y pública notificación a todos los matones falsarios y electoreros de que cédulas y registros falsos, continuarán siendo usados (...). Ante los ojos del país queda descubierto el responsable único de las nefandas muertes por causa política que afrentan la cultura nacional. Se llama Jorge Eliécer Gaitán.”28
El alto número de láminas con tal contenido es indicativo de una actitud que
era común a las elites de los dos bandos, a saber: recriminar siempre al otro, achacarle toda la culpa de los hechos violentos. Gaitán fue dibujado como un personaje simiesco, como un bandido, armado de rulas, pistolas, fusiles y escopetas, con las manos untadas de sangre y en escenarios en los que hay cementerios de víctimas conservadoras. A su lado hay muertos, paisajes de desolación, casas de gente humilde incendiadas. Su rostro es adornado con gestos agresivos, sus ojos, siempre cerrados, estarían ocultando sus pecados o su vergüenza. En la retórica conservadora la violencia política es atribuible a la ausencia de normas y procedimientos claros en el sistema electoral y a la corrupción del régimen liberal en ésta materia. Los ejemplos son abundantes, como un editorial que titulaba “escándalo en el Consejo de Estado”29, en cuyo contenido se sustenta la idea del fraude electoral del liberalismo durante los 16 años en que gobernó; también se leen titulares del siguiente tenor: “monstruoso fraude liberal se prepara en Norte de Santander”30. El mensaje que se reiteraba, sobre todo en las coyunturas electorales, era el de que el liberalismo se había sostenido en el poder apelando al fraude y por ende a la violencia. El presidente Mariano Ospina en su mensaje de año nuevo de 1948 se expresaba en estos términos: “(...) el fraude desencadena la violencia y no es posible eliminar esta si antes no se han purificado convenientemente las fuentes del sufragio (...). La paz política y el orden social del país se basan en la verdad electoral (...)”31.
27
Cfr. Deas, Malcolm. “Algunos interrogantes sobre la relación guerras civiles y violencia” en Sánchez, Gonzalo y Ricardo Peñaranda, compiladores. Op. cit. pp. 41 a 46. 28 El Siglo, diciembre 28/47, p. 4ª. 29 El Siglo, marzo 12/47, p. 4ª. 30 El Siglo, marzo 6/47, p. 1ª. 31 El Colombiano, enero 3/48, p. 4ª.
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De manera reiterada y hasta obsesiva, la prensa azul insistía en la estrecha relación entre fraude electoral y violencia, el primero es la madre de la segunda, y como quiera que los liberales se negaban a reformar el sufragio, eran entonces los responsables de la misma, sus inspiradores y sus directos autores, por eso hablaban del “matonismo liberal” como el autor de los asesinatos políticos contra dirigentes conservadores, practicado por: “forajidos y malhechores reclutados por los gobiernos liberales”32. Y se dolían de la negativa del liberalismo a la revisión de la cedulación:
los fastos de la república”34. Sostenían que era violento porque desde el Ministerio de Educación apoyó a los rojos emigrados de la Guerra Civil Española que buscaban protección en Colombia lo era también por las amenazas de huelgas generales y la convocatoria de paros contra el régimen, por su peculiar forma de instigar al pueblo y por su verbo “enardecido y demagógico”. Gaitán era violento – insistían sus detractores – porque se negó a impulsar desde el Senado la reforma del Código Electoral y este era el punto de partida de la violencia:
“Si el fraude no se extirpa radicalmente no podrá evitarse la violencia, esa mancha pavorosa que destruye nuestro prestigio de pueblo culto y democrático.”33
“Los conservadores campesinos han caído por centenares víctimas de la violencia de las turbas gaitanistas, desenfrenadas por el estímulo de su directiva y corrompida por el ejemplo de la patanería parlamentaria (...). El horrendo fenómeno de los homicidios por causa política continúa en el país porque el doctor Gaitán lo estimuló al lanzarse él mismo por los atajos de la iniquidad y la diatriba (...) y al oponerse a la revisión de la cedulación.”35
El señalamiento fue reforzado por la versión lanzada por Laureano Gómez en el sentido de que en poder de los liberales había un millón ochocientas mil cédulas falsas. Las acusaciones de fraude electoral enrostradas desde tiempo atrás contra la dirigencia roja, se extendían a los líderes liberales según la ocasión y su grado de importancia. Gaitán es alcanzado por tal campaña en el momento en que es reconocido jefe de la colectividad y candidato a la presidencia. Además, se decía que Gaitán era violento porque salió en defensa de los acusados de la matanza de conservadores en Gachetá de enero de 1939 y al haber sido electo a la Cámara de Representantes por tal provincia, por eso decían que él: “representa, pues (...) de modo auténtico, la voluntad del propio sector liberal que perpetró el más abominable de los delitos políticos de que tenga memoria
Claro que no seríamos justos si no reconociéramos que en la campaña electoral del 45-46 Gaitán también recibió de parte de las tendencias santista y lopista acusaciones de estar estimulando la violencia con los métodos que utilizaba para movilizar a sus seguidores, métodos que asociaban con sus tendencias ideológicas pro fascistas: “Realmente el único personaje del movimiento es el propio candidato, y la responsabilidad de los excesos, del fragoroso tumulto, de la violencia organizada con todas sus nocivas consecuencias, no puede localizarse en nadie distinto a su inspirador intelectual. Los métodos aplicados son de una típica extracción fascista (...). Una minoría
32
El Siglo, agosto 13/47, editorial, p. 4ª. El Siglo, diciembre 4/47, p. 4ª. 34 El Siglo, febrero 8/40, p. 4ª. 35 El Siglo, enero 21/48, p. 4ª. 33
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LA MUERTE SIMBÓLICA DE JORGE ELIÉCER GAITÁN resuelta, audaz y resentida, resuelve por la violencia apoderarse de las plazas públicas y dar la impresión física de que con ella se halla el país (...)”36.
Casi dos años después, cuando el caudillo había desactivado las acusaciones de sus pares en el liberalismo, los conservadores lo presentan a los ojos de los lectores como “(...) uno de los directores de tan disolventes métodos de barbarie”37, para por medio de la violencia asegurar el fraude electoral. En la misma línea se referían a su movimiento en términos clínicos, como si se tratara de una anomalía síquica que induce a la violencia:
Gaitán es el “Gato Bandido” (título de una fábula del poeta colombiano Rafael Pombo que narra la historia de un gato que decide hacerse malo), que pronuncia una de las consignas peculiares de Gaitán “a la carga”, y como jefe del liberalismo va armado de revólver y espada. En sus espaldas porta otras armas en las que se lee “gases”, en alusión a un debate promovido por el caudillo contra unas importaciones de gases lacrimógenos ordenada por el gobierno de Ospina Pérez.
“Qué es el gaitanismo? El gaitanismo es una epidemia, es una enfermedad, una especie de intoxicación que lleva a sus víctimas a odiar la paz, el bien ajeno, el orden y que las precipita a la violencia (...). Doctor Gaitán: las restauraciones no se hacen con violencia y hojarasca oratoria.”38
La leyenda dice: “De jefe de partido a jefe de cuadrilla” Fuente: El Siglo, noviembre 24/47, p. 4ª.
La leyenda completa dice: “Michín dijo a su mamá - voy a volverme pateta- y el que a impedirlo se meta- en el acto morirá” que es fiel a la leyenda original de la fábula y que acá es usada para indicar sus intenciones violentas. La figura traviesa del Pato Donald que representa al caricaturista huye del gato y así reafirma la idea del peligro que representa Gaitán.” Fuente: El Siglo, noviembre 1/47, p. 4ª. 36 37 38
Se toma como pretexto para mostrar su faceta de violento, la presentación en el Congreso de los proyectos de reforma a la Policía Nacional y al arancel aduanero, los cuales fueron considerados como lesivos para el país y de corte comunista por parte de la bancada conservadora. La estampa es
El Tiempo, marzo 20/46, p. 4ª. El Tiempo, enero 18/48, p. 4ª. El Tiempo, febrero 7/48, p. 4ª.
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claramente la de un tipo arrabalero, de baja condición, en actitud violenta que exhibe cráneos de sus víctimas, a manera de trofeos. Una campesina observa impávidamente. Gaitán dictador Una de las facetas más difundidas del caudillo es la relativa a sus pretensiones dictatoriales. En primer lugar, por su calidad de jefe único de un partido que era considerado hegemonista y arbitrario, en segundo término, por las influencias que habría recibido en su viaje a la Italia fascista, también, porque era un aliado de los comunistas y, por último, por su talante y su egocentrismo. Desde los diarios liberales se le endilgaba su ascendencia con el modelo autocrático fascista, El Tiempo, por ejemplo, llegó a decir en un editorial que: “En la formación intelectual del doctor Gaitán, dejó honda huella el contacto con la autocracia latina, y en su intimidad quisiera realizar entre nosotros el tipo de Duce y del Condottiere. La estatua de Colconi, soberbiamente erguida en la plaza de Venecia, desasosiega sus sueños de impaciencia y ambición. Las tropas de choque, organizadas por el candidato de la restauración moral, han venido actuando con eficacia estrepitosa en los centros poblados, con el ánimo de infundir pavor en los electores liberales, amenazándolos con el mitin y el tumulto, e impidiendo antidemocráticamente el libre ejercicio del derecho de reunión y coartando la libertad de palabra.”39
39 40 41
Claro que la posición de este diario no siempre fue la misma, recordemos que su propietario y fundador, Eduardo Santos, lo nombró ministro de Educación durante un trecho de su mandato presidencial y que luego, cuando el enemigo a derrotar fue Laureano Gómez, convocó a su partido a respaldar a Gaitán como jefe único del mismo. Juan Uribe Cualla, directivo conservador allegado al laureanismo, lo calificaba de líder “omnipotente y soberano”40. Un editorial firmado por Inocencio Franco -que puede ser el seudónimo de algún dirigente cercano a Laureano Gómez o quizás él mismo- se refería a Gaitán en estos términos: “Usted tiene en el fondo de su ser, aun cuando usted no lo crea, una contextura totalitaria”41. Adjetivos de hombre soberbio y vanidoso, y cosas por el estilo, se le endilga en otros editoriales, en los que se le asigna dotes de arbitrariedad y de poco amigo de la ley. Por ello es dibujado como un Napoleón, o como El Duce, o alguien cercano a Stalin, o un César romano. Por supuesto, estas imágenes están en correspondencia con la retórica conservadora de los editorialistas desde la que se insiste de manera implacable en la tarea de destrucción simbólica del caudillo. Esas dotes imperiales o autoritarias se le achacan en el manejo de los asuntos de su partido, en el que había logrado –decían- poderes incontrolados y desmesurados desde que asumió la jefatura única del mismo. Se le muestra como persona ambiciosa, capaz de cualquier cosa para lograr sus propósitos arribistas.
El Tiempo, marzo 20/46, p. 4ª. Obsérvese cómo el editorialista habla de “tropas de choque” y de sus métodos antidemocráticos. El Siglo, junio 14/47, p. 4ª. El Siglo, octubre 4/47, p. 4ª.
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Fuente: El Siglo, enero 30/48, p. 4ª. Fuente: El Siglo, diciembre 20/47, p. 4ª.
Como un Napoleón herido y derrotado, su movimiento -un caballo acechado por un gallinazo- está muerto. Enrique Santos “Calibán” es quien conduce el avión “danza de las horas”, nombre de su columna en El Tiempo, desde el cual le lanza bombas y desde donde, según El Siglo, se trataba de ponerle zancadilla al caudillo, eso explica las bombas arrojadas contra él. En este tipo de creaciones, el artista trata de sacar partido de los conflictos que viven sus rivales al atizar sus diferencias. El uso de la figura icónica de Napoleón facilitaba entre el público una fácil y gráfica apropiación de la idea imperial o dictatorial.
Gaitán como un César en el circo romano en el que ha puesto a combatir en términos desiguales a su oso (“el comunismo”) con una dama indefensa (“la tranquilidad nacional”). Entre los soldados de su guardia se aprecia a Juan Lozano primero a la izquierda de Gaitán, Jorge Uribe Márquez (segundo a la izquierda) y Diego Luis Córdoba (en la extrema derecha de la lámina) como la guardia Pretoriana. Todos armados con lanzas. El león en el brazo de la silla es un signo clásico de poder. Es de las pocas láminas en las que aparece con ojos abiertos que podría indicar goce sádico, por el brillo que tienen, satisfacción con el sufrimiento de la nación, o también puede indicar conciencia de lo que se hace.
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Gaitán jefe liberal La designación de Gaitán como jefe máximo del Partido Liberal que tuvo lugar en junio de 1947, es para la dirigencia conservadora, en especial para el ala laureanista, el fruto de la manipulación, de la demagogia, de la contemporización con la corrupción del régimen liberal precedente. Es, además, el producto de la entrega a los métodos más cuestionables de la práctica política, al desenfreno del sectarismo y del tumulto. La importancia dada a Gaitán en calidad de jefe, se refleja en la gran cantidad de caricaturas en las que aparece como líder o conductor liberal (28 de manera explícita) En ellas se le pinta en una variada gama de facetas: ventrílocuo de Eduardo Santos, divisionista o víctima de tretas divisionistas de parte de sus rivales, en especial de Enrique Santos “Calibán”, manipulando a la izquierda comunista, con ímpetus dictatoriales, ciego y sordo, trapecista, caminante de la cuerda floja, tramposo, sectario, amenazante, instigador de desórdenes y de huelgas, en tratos con el comunismo, impulsando proyectos “macabros” desde el Senado, azuzando la violencia, haciendo el doble juego de participar en el gobierno de la Unión Nacional y a la vez promover entre sus seguidores una política anticolaboracionista, organizando complots contra el gobierno y contra la Conferencia Panamericana. Días antes de dicha Conferencia que tuvo lugar en Bogotá, El Colombiano y El Siglo publicaron noticias sobre una supuesta conspiración contra el evento propiciada por dirigentes comunistas del continente entre los que estaría Gaitán. Desde noviembre de
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1947, Laureano Gómez, nombrado por el gobierno jefe de la misión colombiana, advertía que: “Hay un colombiano, uno sólo, el jefe del partido liberal, el doctor Gaitán, que está pensando en la manera como deslustra, mancha y entorpece el funcionamiento de la conferencia, y nos exhiba ante los huéspedes de honor como un pueblo inculto y salvaje (...)”42.
El caudillo era dibujado en trances difíciles, lidiando con su partido anarquizado y dividido que es asemejado a un caballo brioso, desbocado o partido en dos, o a un hombre viejo y enfermo que no quiere decir sabiduría sino achaque, fin del ciclo vital, cercanía de la muerte, a un burro cansado y sin fuerzas que es sobrecargado de trabajo, a un cadáver que va en carroza fúnebre conducida por él. Sus copartidarios son mostrados en actitud de disgusto con el nuevo jefe y buscando la manera de ponerle zancadilla, de “aguarle la fiesta”. Antes de ser proclamado candidato liberal y jefe único, Eduardo Santos barajó otras alternativas como la de una dirección dual con Darío Echandía; López Pumarejo ya no lo miraba con buenos ojos e impulsaba el nombre de Lleras Restrepo para contrarrestar su ascenso meteórico. Todas esas discusiones y debates internos en el liberalismo eran explotados al máximo por los caricaturistas y editorialistas conservadores para crear desconcierto e incertidumbre en las filas rivales, por ello en un comentario sobre su consagración como jefe único, se dijo que ese era un “acto de demencia colectiva del liberalismo”43. Uno de esos editoriales resume gráficamente lo que representaría para el país
El Siglo, noviembre 16/47, p. 4ª. El Siglo, diciembre 13/47, p. 4ª.
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la presencia de Gaitán en el palacio presidencial, algo así como “un mico en un pesebre”, allí, al hacerse el balance de su gestión como jefe de las mayorías liberales en el Congreso del año 1947, se agregaba: “el saldo? un director ignorante en la ciencia del gobierno, engreído, que sólo cuenta para mantenerse con una garganta demagógica y una soberbia pertinaz (...)”44.
y la Iglesia Católica colombiana tejieron una leyenda de horrores y espanto.
Fuente: El Siglo, marzo 24/48, p. 4ª.
Fuente: El Siglo, octubre 2/47, p. 4ª.
Gaitán conduce un caballo brioso y desbocado, que ha perdido los estribos “escándalos” y que representa a un liberalismo partido en dos. Se trata de insinuar que con los debates propiciados por él en el Congreso, en vez de producir la unidad en su partido lo que hace es dividirlo irremediablemente. El sombrero grande evoca a los revolucionarios mexicanos de 1910 sobre los cuales el Partido Conservador 44
Gaitán trata de cambiar las herraduras de un caballo (“unidad dinámica” de su partido) que lleva en una carroza (“la higiene”) al liberalismo muerto. Es pues, el jefe sepulturero del liberalismo. En ese momento se había roto la Unión Nacional por segunda vez. La corona de la demagogia y la rueda del fraude complementan la imagen negativa que se quiere proyectar sobre el jefe y su colectividad. En el horizonte se insinúan los gallinazos y una enorme nube como marco de la tragedia. El caricaturista juega desde fuera de la escena llevando su corona de condolencias. El encabezamiento es una asociación con el fin que tuvo Mussolini, cuando huía con algunos de sus seguidores por el camino del Aventino, que se convirtió
El Siglo, diciembre 17/47, p. 4ª.
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en su sepultura, Gaitán como él, va al desastre. Hasta la herradura (símbolo de suerte) rueda por el suelo. Gaitán corrupto En su vida pública, Gaitán nunca se vio envuelto en escándalos derivados de casos concretos de corrupción, como en cambio si sucedió con otros jefes liberales. En el texto biográfico del historiador Braun se muestra cómo el asunto de la moral pública constituía uno de los ejes centrales del discurso gaitanista45. Su llamado a la “Restauración Moral de la República” estaba fuertemente inspirado en los escándalos en que se vio envuelto el Régimen Liberal durante el segundo gobierno de López Pumarejo. Este hecho puede servirnos para medir cuán importante era para él el comportamiento moral de los gobernantes, fuesen del partido que fuesen. Sin embargo, El Siglo no encontraba coherente que el caudillo que había denunciado la corrupción del gobierno liberal, se dejara seducir por este partido para que lo liderara. Ahí se había producido –en su entender- una claudicación. Por eso, en adelante, no dejó de incluirlo en sus diatribas contra las inmoralidades de los dirigentes y gobernantes de tal colectividad. La crítica era contra el Régimen Liberal y por tanto, todos aquellos que tuviesen algún vínculo con él, estaban manchados por todos los pecados incluyendo por supuesto el de corrupción. Gaitán será tratado como un traidor a la causa de la restauración moral porque se pasó a las filas corruptas, porque retornó a la oficialidad en calidad de jefe único y ello implicaba una
concesión, es decir, se hacía solidario con la causa de la defensa de los gobiernos liberales hasta ese año. Los editorialistas se mofan de su consigna de restauración, diciendo que es restaurador del “odio sectario y del manzanillismo”46. Pero, las alusiones al caudillo en esta materia eran de corte genérico y muy en la línea de buscar su desprestigio asociándolo con los escándalos en que se vieron involucrados sus antecesores, como López Pumarejo, como queriendo decir que “el que entre la miel anda algo se le pega” o “dime con quien andas y te diré quien eres”. Las caricaturas no se referían a hechos específicos, a escándalos en curso, aunque sí tenían un corte propagandístico y una clara intención de afectar su imagen. Se le dibuja tramando con sus lugartenientes la repartición del presupuesto de la Nación (representado por una torta), o volando en un oso alado en pos del mismo. En lo que más énfasis pusieron en esta temática fue en lo referente al fraude electoral. Gaitán es tratado como uno de los responsables del mismo (encontramos 16 caricaturas alusivas al asunto), en pose de falsificar cédulas, negándose a aprobar el proyecto de reforma electoral impulsado por el gobierno de Unión Nacional de Ospina Pérez en el año 47, cargando cestos con cédulas falsas o haciendo operaciones estadísticas ilógicas e irregulares. Hacia finales de 1947, los editoriales de El Siglo fueron particularmente duros contra Gaitán por el papel que jugó al frente de la bancada liberal del Congreso en la discusión de la reforma electoral. Le criticaron con dureza su retiro de la comisión encargada de discutir el proyecto e interpretaron tal hecho
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Cfr. Braun, Herbert. Op. cit. pp. 156 y ss. En el terreno de la moral, señala Braun, “Gaitán estaba ideológica y políticamente más cerca de los conservadores. Su crítica del capitalismo en nombre de un orden moral más elevado hacía vibrar en ellos cuerdas afines”. 46 El Siglo, mayo 26/47, p. 4ª.
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como una jugada para ir en busca de las cédulas falsas, más adelante le dirían que: “el medio no sólo propicio, sino obligado, para que el fraude se realice es el de la violencia (...)”, pero éste “necesita una materia prima: la cédula falsa”. Luego acusan al caudillo liberal del fracaso de la misma y del consecuente incremento de la violencia47. Valoración que reiterarán más adelante cuando en un editorial afirman lo siguiente: “La violencia se origina inequívocamente por el fraude electoral; y por lo tanto la responsabilidad última y definitiva de las matanzas está en quienes se oponen a la limpieza y saneamiento de los instrumentos de identificación electoral. Esta responsabilidad está personificada en el doctor Gaitán.”48
En esta viñeta Gaitán pronuncia un discurso en un banquete de directivos liberales a altas horas de la noche (indicio de conspiración): Darío Echandía (a su derecha), Darío Samper -enseguida del anterior, Plinio Mendoza Neira (en la parte inferior de la lámina), enseguida de éste Pedro Eliseo Cruz; a la izquierda de Gaitán está José Joaquín Castro y enseguida de éste, el intelectual Luis López de Mesa. En el centro de la mesa, una lechona –que representa el “presupuesto” nacional- alude a la repartición dolosa del erario público en que incurren los comensales. La leyenda es una burla a su estilo oratorio y a su manera de referirse al pueblo, como también una ironía a su demagogia: hablando de hambre en medio de tal comilona. El caricaturista juega socarronamente en la escena, al salir corriendo con una manzana buena antes que se descomponga. Gaitán y gaitanismo
La leyenda dice: “Gaitán: -Este pueblo lo que tiene es hambre...Es el tremendo problema beológeco, sociológeco y poléteco del pueeblo colombeano”(sic) Fuente: El Siglo, octubre 29/47, p. 4ª.
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Un alto porcentaje de caricaturas tiene múltiples sentidos, se referían o insinuaban más de una situación o lectura, así por ejemplo, cuando Gaitán es dibujado como comunista, podemos encontrar referencias a la violencia, a su propensión al autoritarismo. También cuando aparece en calidad de jefe liberal lo podemos ver asociado con distintas facetas, la del violento, el maquinador, el responsable del fraude electoral, el demagogo, el desbocado, el ciego, el aventurero, el enterrador. En general pues, nos topamos con creaciones de carácter polivalente. Nada bueno, ninguna virtud podía tener Gaitán. Los símbolos, que en su explicación histórica se caracterizan por su
El Siglo, diciembre 28/47, p. 4ª. El Siglo, febrero 5/48, p. 4ª.
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ambivalencia o por su multiplicidad, son utilizados por los dibujantes en un sentido preciso y unívoco, bien invirtiendo su función simbólica -un ángel pero maligno- o bien reafirmando uno de sus sentidos negativosel cerdo, la hoz y el martillo o el oso, por ejemplo. Sus rasgos físicos peculiares y sus cualidades personales, desde sus prominentes dientes, su aspecto aindiado, su color moreno (el ser mestizo en suma), hasta su forma de hablar, de mirar y de vestir, sus modales, hicieron parte del arsenal de recursos que utilizaron sus detractores para mostrarlo como un ser agresivo, peligroso, negativo. Como bien dice Braun: “Todo lo que de físico había en Gaitán se volvió profundamente simbólico (...). La mayoría de sus retratos muestran a un Gaitán de tez oscura, con los ojos entrecerrados, en un signo culturalmente reconocible de sospecha y desconfianza considerado característico de la “malicia indígena”. Gaitán se presentó invariablemente con una sonrisa sarcástica, la boca abierta, los dientes expuestos en una mueca amenazante.”49
Pero Gaitán en vez de arredrarse, convirtió aquello que sus enemigos le señalaban como defectos, en poderosa arma de propaganda. Él se quiso parecer cada vez más a las gentes del común, sin abandonar su brega por ingresar a los clubes de la alta sociedad bogotana. Braun relata la anécdota de un fotógrafo a quien Gaitán le pidió el favor de que lo retratase lo más feo posible, él, que era conocedor de las artes de la propaganda, sabía que así le llegaría más fácil a un pueblo cansado con los tradicionales, distantes, emperifollados y acartonados dirigentes
políticos del país, a los que se refería como “la oligarquía”. La campaña sistemática de destrucción de la imagen del caudillo desde los editoriales y las caricaturas, ambientada con noticias de primera página en las que se informaba de acciones de delincuentes comunes que se le achacaban a la turba o chusma gaitanista, contribuyó sin duda a la gestación de un clima de intolerancia y pugnacidad política en el que muchas cosas podrían suceder, incluso un atentado personal. El novelista y amigo personal del líder, José Antonio Osorio Lizarazo, en una apasionada biografía sobre Gaitán dijo a este respecto: “Los grandes diarios, los directorios políticos, las personas serias, ratificaron el método de lucha consistente en preterir a Gaitán, desconocer sus hechos y realidades, desfigurar el movimiento, restarle importancia y mostrarlo como una inepta bufonada. Publicaban fotografías de rateros y de ebrios, de pequeños delincuentes y de prostitutas, aplicándoles el calificativo de gaitanistas.”50
Según el historiador Braun51, en los días previos a su asesinato, muchos gaitanistas temían por la vida del jefe, él mismo lo intuía, pero no creía que se atrevieran a hacerlo. No obstante lanzó una voz de alerta “si me matan vengadme”. A la campaña de descrédito no escapó tampoco su movimiento, el gaitanismo, ni la organización de sus más fieles seguidores, la famosa JEGA (Organización Jorge Eliécer Gaitán, sigla que recoge las iniciales de su nombre) atacados con la misma saña y virulencia que el caudillo, incluso después de su crimen como se puede apreciar en las siguientes láminas en las que
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Cfr. Braun, Hebert. Op. cit. p. 159. Cfr. Osorio Lizarazo, José Antonio. Gaitán: vida, muerte y permanente presencia. Carlos Valencia Editores, 2ª edición, Bogotá, 1982, p. 268. 51 Cfr. Braun, Herbert. Op. cit. pp. 245 y ss: “el asesinato estaba en la mente de todos. Era algo demasiado predecible. Su muerte era algo inevitable. Era demasiado peligroso y demasiado temido por los jefes de ambos partidos.” p. 251. 50
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el caricaturista se esfuerza por representar las calidades negativas o defectos de sus seguidores. Gaitán se había ocupado personalmente en la conformación de su propia organización desde la campaña por la presidencia, eso se correspondía con su desconfianza frente a las estructuras orgánicas de su partido en las que el mayor juego lo tenían los dirigentes tradicionales y los jefes de los directorios nacionales, departamentales y municipales. La JEGA era una estructura compleja en la que se mezclaban personas de diversa calidad intelectual y procedencia social, en ella tenían cabida profesionales y hombres del común y estaba conformada por seis grupos: intelectuales, empresarios, estudiantes y profesionales, trabajadores, capitanes populares y combatientes heroicos, cada uno de ellos con funciones especiales que iban desde la organización de comités de apoyo, propaganda, preparación de eventos, marchas y manifestaciones, venta del semanario Jornada, acopio de recursos financieros, venta de discos con discursos del caudillo, campañas de adoctrinamiento, fabricación de banderas y estandartes, organización de mítines y de actos de presión y un sin fin de actividades que daban cuenta de una nueva forma de hacer política que causó gran alarma entre las elites políticas. A la JEGA se la responsabilizó de varias acciones de carácter violento: pedreas contra El Tiempo cuando este dejaba de mencionar a Gaitán en sus páginas, ingreso de sus seguidores a sitios elegantes para difundir su pensamiento, saboteo a movilizaciones de sus rivales y a los discursos de los demás dirigentes del partido que en el pasado habían sido hostiles con su caudillo. Las huestes gaitanistas, a diferencia de las otras, sobresalían por el ruido que provocaban, por su música, sus coros, sus consignas y en fin,
por su militancia apasionada. Por ello, suscitaron miradas recelosas de la burguesía nacional y de los políticos tradicionales que veían en todo esto una señal de anarquía y de confusión. Las caricaturas sobre la JEGA y en general sobre los seguidores de Gaitán constituyen testimonio elocuente de esa visión de las elites, del terror y el espanto que suscitaba entre ellos la acción de las “turbas” y del “tumulto”, de ahí quizá su contundente sesgo programático e ideológico, las viñetas no se refieren necesariamente a hechos concretos o a determinadas personas, además, la campaña detractora era integral, cubría al líder y a su movimiento.
Fuente: El Siglo, enero 17/48, p. 4ª.
Un grupo de negros (lo negro, según Cirlot, es lo referido a la parte baja y oscura del ser humano, las tinieblas) -que según el encabezamiento es el gaitanismo- apuñala a un hombre civilizado, en el suelo hay restos óseos de otros asesinados, que también pueden sugerir canibalismo. Es claro el matiz
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racista que se insinúa contra los negros como una raza incivilizada y violenta. Esta caricatura está muy relacionada, como lo demuestro en otra parte de éste texto, con una frase de Laureano Gómez en una conferencia dictada en noviembre de 1947 en la que sostuvo que Gaitán quería entregar el país a una “horda africana”.
Fuente: El Siglo, enero 29/48, p. 4ª.
El gaitanismo es un ser siniestro, violento, armado de rula “restauración” y revólver, sin cabeza, con pies animaloides y con el símbolo comunista de la hoz y el martillo en el pecho. Una de sus manos chorrea sangre de unas víctimas que yacen en el suelo. La ausencia del rostro puede sugerir que no se atreve a asumir su responsabilidad en los actos de violencia o que carece de conciencia moral y por ello es capaz de hacer cosas abominables, también puede significar carencia de fuerza espiritual pues la cabeza es la sede de ésta. Todos los simbolismos aquí son usados en sentido negativo: sangre, cuerpo sin cabeza, rasgos animales, muertos y la hoz y el martillo.
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No hay duda de que durante los últimos nueve meses de vida de Gaitán, se adelantó una campaña sistemática en su contra. Se había tornado extremadamente peligroso para la dirigencia conservadora, para el alto clero, para los propios jefes de su partido y en general para las clases altas que ellos representaban. La ridiculización corría pareja con la agresividad. La mordacidad pisaba los terrenos de la destrucción de su imagen. El objetivo era cerrarle el paso al poder, impedir que triunfara, no se sabe sí al precio de su vida. Pero no quiero plantear una relación de causa-efecto entre la campaña y el crimen. Años atrás, El Siglo había procedido con igual virulencia contra la elite liberal, en particular contra la figura de Alfonso López Pumarejo y, luego del asesinato de Gaitán, la emprendería contra quienes lo sucedieron en la dirección del partido. Igual pasión destructiva se detecta en los dibujos de Adolfo Samper y en los de otros caricaturistas liberales contra Laureano Gómez en El Liberal, El Tiempo y El Espectador. Ni López ni Gómez fueron asesinados. El tono sectario y agresivo en el debate político que se expresaba en la prensa, era en cierto sentido, parte de una tradición del politizado periodismo colombiano; de otra parte, de un estilo que guardaba semejanzas con los desarrollos del género en el mundo del periodismo occidental en el que la mordacidad y la ironía eran corrientes, y, por último, de una táctica de combate político a la que apelaban nuestros partidos en aquellos años. Aunque se puede pensar que era más propia de las fuerzas de extrema derecha, en el medio nacional también fue usada por el periodismo liberal. Si bien en Colombia la extrema derecha no apelaba -salvo algunas palabras y consignas provocadoras de Laureano Gómeza los llamados a utilizar la violencia física, en
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cambio si la propiciaba simbólicamente desde una retórica agresiva e implacable contra su rival, sobre el cual dejaban caer los más destructivos denuestos y calificativos, o imágenes siniestras de corte apocalíptico: el “otro” (monstruo, simio, cerdo, salvaje, bárbaro, etc.) era la hez, la perdición, la ruina del país, la amenaza al orden y a la ley, la violación de los valores sagrados, el sacrificio de las buenas costumbres y las sanas tradiciones. Es decir, se gestó ese ambiente negativo que las ideologías maximalistas necesitan crear para favorecer o apuntalar sus estrategias de tipo mesiánico y que configuran el escenario de una vivencia mítico-religiosa de carácter intenso, en la que se conjuga la retórica con el ceremonial, con los rituales, con las movilizaciones y con las expresiones simbólicas, tal como lo explica Sergio Daniel Labourdette al referirse a la política como un campo de vivencias míticas y de confrontación de creencias y certidumbres: “La formación de grandes movimientos masivos demuestra que las adhesiones se despiertan por motores mítico-simbólicos y no por argumentaciones racionales. Los militantes y los simpatizantes así como los adversarios manejan explicaciones míticas, y se incorporan o desertan de acuerdo con la plenitud de los mismos.”52
No se requería una conspiración para que Gaitán fuera asesinado. En el ambiente flotaba entre algunos sectores sociales influyentes y núcleos de opinión, la sensación de un peligro gravísimo si el país llegaba a caer en sus manos, y entre una sensación colectiva de miedo y un individuo que se 52 53
apropiara del deber de salvar a la sociedad de las garras del caudillo siniestro no había sino un paso. La atmósfera política indispensable para el crimen había sido creada con la sistemática destrucción simbólica de la imagen de Gaitán. De acuerdo con lo sucedido, se puede deducir que la amarga lección del 9 de abril no fue asimilada por las elites, por el contrario, unos meses después de la luna de miel de la revivida Unión Nacional entre los partidos con la que se conjuró el alzamiento popular, estos volvieron a sus viejas querellas y el país se precipitó de nuevo en un oscuro callejón de venganzas en el que una desbocada retórica de violencia corría simultáneamente con la sangre de millares de víctimas. La llamada “Violencia” llegaba a su clímax. La gama de apelativos y adjetivos denigrantes empleados contra Gaitán es bien amplia y es ilustrativa de la existencia de la campaña que en contra de su imagen estaban desarrollando sus oponentes. Ahí encontramos una parte del proceso de representación del otro como enemigo, que es de la esencia de la política e imprescindible en los grupos o colectividades que se lanzan a luchar contra un rival al que necesitan someter o exterminar53. Para concluir traemos a cuento el editorial del diario El Colombiano editado en Medellín, correspondiente al 10 de abril de 1948, un día después del asesinato. En la capital antioqueña el gaitanismo y el mismo caudillo no gozaban de una acogida generosa, la influencia conservadora y clerical era muy fuerte y quizá por ello no alcanzaron los niveles
Labourdette, Sergio Daniel. Op. cit. pp. 135 y ss. Cfr. Luque, Enrique. Antropología política. Ensayos críticos. Editorial Ariel, S.A., Barcelona, 1996, p. 36. Al respecto, éste antropólogo español se encarga de demostrar la importancia que en la política tiene la construcción de un campo de relaciones amistosas y conflictivas. Amigos y enemigos son nociones infaltables en la lucha política, de ahí el esfuerzo de los colectivos por dotarse de identidades desde las cuales se elabora la noción de amigo y de enemigo: “cualquier colectividad (sea la que corporiza el Estadonación, sea la del poblado amazónico o neoguineano) necesita, además, representarse al otro como amigo o como enemigo antes de poder aliarse con él o luchar contra él”.
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de respaldo que tuvieron en otras ciudades y regiones. Sin embargo, el día del asesinato de Gaitán, hubo serios brotes de desorden y amotinamientos, El Colombiano, por ejemplo, estuvo a punto de ser incendiado por grupos de personas que estaban protestando. El editorial revela no sólo el miedo a la destrucción sino también un intento por granjearse el respeto de los gaitanistas al usar un lenguaje tan diferente al que usualmente utilizaban contra el caudillo, que parecería que estuvieran refiriéndose a un mártir del conservatismo. De entrada el lector se encuentra con una serie de titulares y subtítulos en los que se le atribuye la responsabilidad del crimen a los comunistas: “golpe comunista -los liberales fueron víctimas de premeditado engaño comunista”, “sangrientamente se cumplió la consigna roja contra la Panamericana”, “gaitanistas y comunistas saquearon ciudades y almacenes”, “Gaitán víctima del comunismo”, “el comunismo tenía preparado el asesinato del doctor Gaitán”. Como se puede ver, hay un cambio de enfoque, Gaitán pasa de ser considerado un aliado a víctima de los comunistas y se insiste en la existencia de un complot de los rojos contra la Conferencia Panamericana. El comentario editorial es mucho más elocuente e ilustrativo del viraje sobre Gaitán, veamos algunos apartes: “Hasta en las circunstancias de su muerte, el doctor Gaitán nos recordó su semejanza espiritual con otro de los grandes paladines del liberalismo, el general Uribe. 54 Almas gemelas, templadas en la lucha, de un carácter vigoroso, todas sus inquietudes las dirigieron hacia el servicio público, al que supieron entregarse con desinterés y nobleza. Es a hombres así, de tan recia personalidad, de tan vertical intransigencia en la lucha por las
ideas, a los que Colombia debe su grandeza y su decoro. Desde un campo político opuesto nosotros lo reconocemos sin ambages (...), su voz se dejó escuchar con un brillo y una elocuencia que apenas si encuentran precedentes entre los hombres públicos de Colombia (...). La muerte del doctor Gaitán es, pues, motivo de intenso dolor para esta patria nuestra que hoy iza a media asta su bandera, en homenaje al ilustre desaparecido (...)55.
No exageramos al decir que estas palabras parecen estar dirigidas a una persona muy diferente a aquel que era considerado anarquista y peligroso sujeto que con sus veleidades fascistas y sus métodos populacheros –según decían- ponía en riesgo la institucionalidad y el orden. Vistos los sucesos en perspectiva histórica, uno no puede pensar que esas palabras sean sinceras o que se correspondan con unas líneas de acción que decían todo lo contrario del caudillo; así que resulta por lo menos cruel, que palabras tan encomiables y elogiosas sólo se puedan escribir ante el hecho patético de la muerte del rival. ¿Pura retórica? o ¿Una jugada para desembarazarse de la ira popular? Eso no nos corresponde juzgarlo, sólo queremos registrar el hecho lamentable de que en las controversias político-partidistas de aquellos años, era necesario morir para encontrar algún remanso de paz y de reconocimiento en la palabra de los rivales. Así había sucedido también con la muerte de los líderes liberales Olaya Herrera en 1937 y Gabriel Turbay en 1947. Suena a hipocresía no a caballerosidad, pues lo cierto del caso es que corridos unos pocos días, cuando aún estaba vigente el duelo, los dirigentes de los dos partidos tornaron al lenguaje agresivo y procaz para desvirtuarse mutuamente.
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Se refiere al general Rafael Uribe Uribe, caudillo liberal con gran ascendencia en su partido en las bregas políticas y militares desde fines del siglo XIX y comienzos del siglo XX quien murió asesinado brutalmente por un par de artesanos que le destrozaron a hachazos el cráneo en las gradas del Capitolio Nacional en octubre de 1914 en Bogotá. 55 El Colombiano, abril 10/47, p. 4ª.
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UM RECORTE SEMIÓTICO NA PRODUÇÃO DE SENTIDO: IMAGEM EM MÍDIA IMPRESSA
Um Recorte Semiótico na Produção de Sentido: imagem em mídia impressa
Isaac Antonio Camargo Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor do Departamento de Artes da Universidade Estadual de Londrina. Autor de, entre outros livros, Reflexões sobre o pensamento fotográfico: pequena introdução às imagens e à fotografia. Londrina: Eduel, 1997. isaac_camargo@hotmail.com
RESUMO
Este trabalho aborda alguns aspectos relacionados à identidade das imagens, tomando-as por meio das qualidades sensíveis que as determinam, enquanto ocorrências, segundo os modos como são realizadas, tendo por meta investigar seu processo de significação tomando por referência teórica a Semiótica Discursiva. PALAVRAS-CHAVE: imagem; mídia impressa; Semiótica Discursiva.
ABSTRACT
Abstract: This article discusses some aspects related to the identity of images, considering them through out the sensible qualities that determine those images as occurrences, according to the ways they are produced, having as aim to investigate their signification process taking as theoretical reference the Discoursive Semiotics. KEY WORDS: image; press media; Discoursive Semiotics.
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Um Recorte Semiótico na Produção de Sentido: imagem em mídia impressa
A ocorrência imagética Primeiramente faz-se necessário definir Imagem como uma manifestação sensível. Sua presença no mundo é dada pelas qualidades que a caracterizam, evidenciam e fazem dela uma ocorrência produtora de sentido. São diversos os sentidos que as imagens propõem, tal é a gama de informações que articulam, seja pela simples existência visível, onde sua instauração eidética a coloca como um campo significativo ou pelas relações que estabelece com outras áreas do conhecimento, proporcionando o desenvolvimento de outros discursos, inclusive, o surgimento de relações interdiscursivas em que novos conteúdos podem ser articulados. A palavra Imagem, como a conhecemos, vem do latim: Imago e corresponde à idéia de semelhança que, por sua vez, teve origem no Grego Mimésis, correspondendo à idéia de imitação, o que em última instância, se refere a algo a que ela equivale, substitui ou simula, algo que está fora dela, no mundo e que, por conseqüência, não é ela própria. Com o passar do tempo, entendeu-se que as imagens habitam o mundo, no contexto da cultura, do mesmo modo que outras construções culturais também o habitam. Os modos de observar e interpretar o mundo, segundo as diferentes ciências, são também meios de construir imagens do mundo, mesmo que estas imagens sejam mentais e não visuais.
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Para efeito de aproximação, neste trabalho, vamos tomar a Imagem como uma unidade visual orgânica, manifesta e indivisível, apreendida na sua totalidade. Voltando à etimologia, podemos tomar a via que nos dá o entendimento de que a imagem corresponde à idéia de semelhança, deduzimos então que ela é sinônimo de identidade ou de identificação com algo que exista anterior ou exterior a ela. Durante muito tempo foi justamente a busca pela semelhança que orientou o caminho da criação e uso das imagens, como também de suas leituras. O avanço dos sistemas de criação e distribuição das imagens no mundo, fez com que elas se desprendessem da relação de similaridade com o visível e se aproximasse das relações sociais e culturais que dão significação às imagens, assim, elas ficam mais próximas da constituição das narrativas, do que da simples descrição das coisas do mundo. Enquanto narrativas, elas se propõem a estabelecer diferentes diálogos com o mundo e não serem apenas representações dele. Portanto, as imagens passaram a falar e não apenas reproduzir ou documentar o visível, assim sendo, deixaram de espelhar o visível e passaram a apresentar o visível. Neste caso, a imagem é também promotora de discursos, passa a contar histórias, descrever ou falar a respeito de algo. Enquanto documento, ela é motivo ou motivação de boa parte da epopéia humana, acelerada pelo surgimento da fotografia, do cinema, da televisão e dos sistemas digitais.
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UM RECORTE SEMIÓTICO NA PRODUÇÃO DE SENTIDO: IMAGEM EM MÍDIA IMPRESSA
Nos seus primeiros tempos era uma ilusão do visível, que encantava e atraía, depois é a ilusão do cinético que movimenta e conduz os olhares pela magia da ação recriada nos fotogramas ou na animação digital. Além da aparência que as imagens assumem, parecendo-se ou não com o que conhecemos no mundo, vamos entendê-las também por meio de sua manifestação sensível, ou seja, por meio das qualidades que apresenta, pelas estratégias que dispõe ou articula mediante os meios de sua construção plástica. Tomando por base a relação do ser humano com o mundo natural, é fácil notar que ele é apreendido por meio das qualidades sensíveis que o mundo possui, acessadas pelos sentidos. Em relação ao campo da visualidade, uma estratégia comum à constituição das imagens, é o transladamento destas qualidades do mundo para elas e é, por meio das estratégias discursivas ou constitutivas, que estas qualidades se transformam no conjunto de referenciais plásticos ou visuais que são, por fim, identificados no modo de construir ou de configurar as imagens no contexto da cultura. Para os estudos iconográficos, das imagens, estas qualidades assumem a função de valores plásticos, podendo ser entendidos sob três aspectos distintos: luminosos, espaciais e temporais. É deste modo que são discursivizados, ou seja, articulados e apreendidos no contexto social e entendidos no contexto cultural. A ocorrência e o modo de articulação destes valores também se constitui em sentido e não apenas a imitação daquilo que se vê no mundo. Deste modo é possível falar de valores luminosos, espaciais e temporais. Os valores luminosos podem se referir à variação de intensidade da luz, portanto é possível falar de luz e sombra; podem ser referir à variação de freqüência, portanto, é possível falar de
cor. Os valores espaciais se referem à dimensão e a profundidade, portanto dão conta da tridimensionalidade que temos no mundo. Quanto aos valores temporais podemos nos referir aos modos de observação do mundo, quer seja pelo deslocamento de algo no espaço, pelas marcas dos gestos numa obra, manifestos pelo fazer de um autor. Por fim, ler imagens é descobrir como suas qualidades sensíveis ou seus valores plásticos significam no contexto do qual resultam ou no qual se inserem. Portanto, é possível restringir melhor o entendimento de imagem, considerando-a uma configuração visual de qualidades sensíveis, capaz de produzir significação. A partir daqui, é possível pensar na existência semiótica das imagens, portanto, para a semiótica discursiva, vamos entendê-las como textos.
Semiótica e imagem Para a Semiótica discursiva toda manifestação capaz de significar é um texto, quer seja verbal, gestual ou imagético. Neste campo, a significação resulta da união de dois planos da linguagem: o Plano da Expressão e o Plano do Conteúdo. O Plano da Expressão é a instância em que as qualidades sensíveis, as substâncias expressivas e demais elementos da linguagem assumem uma estrutura formal, nas diferentes manifestações apreendidas. O Plano do Conteúdo é o lugar em que nasce a significação, o lugar onde as variações e diferenças se manifestam por meio do ordenamento das idéias, conceitos e valores inerentes à cultura para realizar os efeitos de sentido necessários para o entendimento e compreensão do discurso em si. Portanto, o sentido, ou significado, se dá pelas
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combinatórias, pelas relações entre os dois planos e o contexto revelado por meio do próprio texto, ou seja, a partir de sua Enunciação, ou seja, como a imagem é constituída no intuito de realizar o sentido. Em se tratando de imagens que ocorrem na mídia impressa, devemos observar que estas ocorrências não implicam apenas nas figuras iconográficas, mas também na articulação diagramática destas figuras com o todo da página. Estamos entendendo por mídia impressa, o conjunto de publicações, como jornais, revistas e livros que atuam na sociedade com vistas a coletar, editar e difundir informação por meio de um discurso verbo/visual. Portanto, a análise recai sobre o Discurso, ou seja, sobre o Texto Manifesto, onde as idéias, valores e conteúdos são colocados em funcionamento na estrutura da linguagem ou da manifestação analisada, seja verbal, visual, sonora etc. Por isso que, para entender como um Texto significa, é necessário analisar o Discurso (sua manifestação) considerando o encadeamento realizado para construí-lo e, a este encadeamento, podemos chamar de Percurso de Significação. O Percurso de Significação se refere à análise dos encadeamentos que ocorrem entre o Plano da Expressão e o Plano do Conteúdo, para descobrir de que modo o sentido se realiza, ou seja o quê, a quem e como o texto diz. A manifestação, ou seja, a colocação em discurso, depende de sua realização por meio de uma ocorrência que transforme o virtual em real, é a partir daí que a vemos como Enunciação. A Enunciação pressupõe aquele
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que diz ou seja, o Enunciador que, por sua vez, incorpora duas instâncias do discurso: Enunciador e Enunciatário, (o que diz e a quem se diz). O Enunciador reúne os procedimentos discursivos, dando-lhe forma mediante os valores, argumentos e dispositivos da cultura configurando o discurso que carrega em si a significação. Para que se entenda o Percurso da Significação há que vê-lo de um modo acessível à compreensão, neste caso, ele é visto como uma Narrativa. A Narrativa é o encadeamento de ocorrências formais, como uma seqüência ordenada, cujo objetivo é operar valores e conquistas com vistas à sanção dos sujeitos da enunciação que se realiza num programa. No Programa Narrativo é que o sujeito da narrativa assume um contrato, é manipulado para aquisição da competência necessária para a realização da performance e obtenção da sanção. A manipulação consiste num compartilhamento de valores entre sujeitos, o que manipula e o que é manipulado. Há três tipos de manipulação: Provocação; Sedução; Intimidação e Tentação. É ainda na Narrativa que se encontram os modos de constituição das Pessoas, do Tempo e do Espaço, cujas estratégias dão-lhe veracidade. A partir do momento em que consideramos a imagem como um texto manifesto, constituída por um plano de expressão e um plano de conteúdo, vamos observar como estas duas instâncias se apresentam numa imagem. É então possível, identificar na imagem, aquilo que chamamos de Narrativa?
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UM RECORTE SEMIÓTICO NA PRODUÇÃO DE SENTIDO: IMAGEM EM MÍDIA IMPRESSA
Folha de S. Paulo, 30 de setembro de 2006
Tomando como exemplo a página de rosto da Folha de S. Paulo, edição do dia 30 de setembro de 2006, vamos observar como que estes planos são realizados e de que modo o sentido é construído por meio de uma narrativa verbo/visual. Pode-se dizer que o plano da expressão corresponde aos aspectos plástico-visuais da manifestação, ou seja, às qualidades sensíveis observadas por meio das substâncias de expressão usadas e dos modos como estas substâncias são articuladas na configuração da imagem como tal, neste caso, é possível observar que os aspectos sensíveis são manifestos por meio dos elementos plásticos identificáveis como: Luminosidade e Espacialidade, sendo que o efeito de
Temporalidade é produzido pelo percurso visual no campo diagramático, neste caso, constituído pelo todo da página do jornal. No que diz respeito à luminosidade podemos analisar os valores tonais e cromáticos, e verificar como estes elementos aparentam na imagem as suas qualidades sensíveis. Aspectos iconográficos da página, as fotos e demais figuras que compõem o conjunto significante. Além das figuras, podemos entrever a estrutura gráfica da página com suas letras, fontes, tamanhos, manchetes, rubricas etc. Podem entrar também os elementos publicitários e chamadas para reportagens especiais, informativos e o próprio texto que, em colunas, ordena os caminhos do olhar. Além disso, podemos ainda observar o que é revelado nas e pelas imagens, como também, o modo como se revela o conteúdo das imagens. Neste caso em especial, o foco da primeira página é a apreensão de valores de posse de auxiliares do presidente, em campanha, para compra de suposto dossiê sobre seu oponente, mostrado na foto na parte superior da página. A outra imagem, de tamanho igual à primeira está na parte inferior da página e mostra uma pessoa acompanhada/conduzida por outra que lhe apóia o ombro, pela aparência do rosto e da mão, conclui-se que é o presidente Lula, escoltado por assessores e segurança, coberto por um capuz que o esconde. Uma foto menor, maços de dólares, interliga as duas fotos maiores. Em baixo, pequenas imagens dão conta de outras questões de menor importância, já que o tamanho das imagens assim o diz. Pois, dimensão e posição no espaço definem o nível de importância das imagens na mídia impressa. Fotos grandes e letras grandes, posicionamento no alto da página são, comumente, indicadores de importância.
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Todos estes aspectos dão conta dos componentes estésicos destas informações que, na instância do conteúdo, deve se revelar como um componente do próprio sentido, ou seja, sua significação. Tomando agora como referência o plano do conteúdo, podemos partir da observação de como, certos aspectos da configuração plástica, implicam, interferem ou explicitam o processo significativo. Em primeiro lugar podemos focar as estratégias da constituição da imagem em busca das estratégias de construção dos seus significados. Cabe ressaltar, que esta proposição é apenas analítica, já que plano de expressão e plano de conteúdo constituem uma só unidade, apenas distintos no contexto da análise, pois, no mundo natural, um e outro não se distinguem. Este é o caráter da semiótica discursiva , o desenvolvimento de uma metalinguagem para analisar as diferentes ocorrências textuais em busca da significação. Neste caso o que se propõe como plano de conteúdo é a organização encadeada de imagens e texto. A manchete, posicionada logo abaixo da marca do jornal, diz: “Fotos mostram dinheiro do dossiê” seguida da rubrica: “PT tenta no superior tribunal eleitoral, sem sucesso, impedir a divulgação das imagens pela imprensa”. As demais chamadas para o assunto dão conta do percurso do dinheiro e sua finalidade. Por meio deste processo cognitivo, baseado na associação de idéias, é possível deduzir que o dinheiro, de posse de petistas, era destinado a compra de um dossiê que comprometia o candidato de oposição ao presidente Lula. A imagem superior mostra o dinheiro todo, a imagem intermediária mostra dólares e a imagem inferior mostra o presidente em situação constrangedora, em razão da chuva daqueles dias, é obrigado a cobrir-se com um 116
moletom de capuz, que lhe cobre a visão, esta imagem é facilmente associada às fotos de marginais que procuram esconder o rosto quando fotografados, logo, a relação entre o dinheiro da foto principal, e a imagem da foto de baixo, leva à apreensão do sentido de uma relação espúria entre o candidato e o dinheiro. Neste aspecto, em nenhum momento houve qualquer alusão explícita a esta relação, mas para bom entendedor, meia palavra e algumas imagens bastam. Na Mídia Impressa, no jornal, por exemplo, lidamos com uma única Manifestação que une os dois tipos de Discursos, o verbal e o visual. Embora o discurso verbal possua um tipo de estrutura, e o visual outro, os dois discursos constroem narrativas capazes de nos informar e produzir efeitos de sentido suficientes para nos convencer de algo ou nos revelar uma dada ocorrência no tempo e no espaço sem que tenhamos que fazer malabarismos extremos para entender o dito, neste caso, ao estudarmos a mídia impressa, não podemos tratar a imagem ou o verbo separadamente, devemos entendê-los em conjunto, pois o significado se dá na conjunção e não na disjunção entre estas duas instâncias sígnicas.
Imagem e mídia impressa: Relações produtoras de sentido Sabemos, no contexto do jornalismo impresso, que a configuração imagética de suas páginas se constitui num discurso sincrético, este tipo de discurso pressupõe a interrelação de, pelo menos, duas instâncias discursivas na construção de um só significado. É o caso dos Objetos Noticiosos, que são utilizados na mídia impressa ou televisiva em que mais de uma estrutura de
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UM RECORTE SEMIÓTICO NA PRODUÇÃO DE SENTIDO: IMAGEM EM MÍDIA IMPRESSA
linguagem é operada na construção de sentido. Neste caso, diferentes elementos ou substâncias expressivas são ordenadas, organizadas, manipuladas para gerar competência e realizar performances, imagem, texto, som, movimento tudo isto pode ser utilizado pelo jornalismo televisivo, por exemplo, para construir uma só significação, é justamente a significação construída na relação entre os diferentes elementos significantes que produz cognição. Se observarmos cada um deles em separado, provavelmente, não teremos o mesmo efeito do que se observarmos o todo articulado e organizado. Podemos dizer, grosso modo, que esta é uma relação onde as qualidades sensíveis das imagens são associadas às qualidades informativas da mídia, construídas verbalmente, quer seja no jornal impresso ou televisivo. A produção de significação, com base na relação imagem e texto na mídia se constitui num todo manifesto, por isso, sua análise pode ser feita sob a égide do Sincretismo, ou seja, onde duas ou mais linguagens se unem para a realização de um só discurso. Portanto, podemos dizer que há um tipo de construção verbo/visual que é amparada pela estrutura imagética da página impressa, que podemos considerar a partir de sua estrutura diagramática, ou seja, o modo como é organizada a distribuição dos elementos significativos na página. Esta Articulação diagramática orientada pela presença verbo/ visual no contexto midiático assume a condição de narrativa, por meio da qual absorvemos o discurso usado para a distribuição da informação. Deste modo é que se instaura o sujeito da enunciação. O sujeito é a instância da Enunciação que assume a organização do conteúdo informativo (destinador) e subsume
a instância receptiva (destinatário). O sujeito é, ao mesmo tempo, aquele que diz e aquele que ouve, pois é constituído segundo os parâmetros de entendimento, condicionantes educacionais e sociais que amparam a cultura em que o jornal se manifesta. Aspectos da memória, históricos ou pessoais, relações entre os diferentes discursos das diferentes mídias são superpostos para construir sentido. Nem tudo é dado no texto, mas parte do que se constrói como sentido é recuperado por meio das vivências e memórias do destinatário, cujas ações são previstas antecipadamente pelo destinador. Por exemplo, o lugar de onde se olha uma imagem, o ponto de observação constituído numa fotografia, se caracteriza como a posição do sujeito que enuncia, por meio desse olhar que as demais instâncias, tempo e espaço, se desenvolvem. Ângulo, profundidade, planos, iluminação, tudo isto é estratégia discursiva, dando a ver ou obliterando coisas que interessam ao significado. São justamente as estratégias de organização do espaço midiático que dependem de atualização por parte dos destinatários (leitores), para apreensão de suas mensagens e informações. O que implica, inclusive na condução do olhar, organizando e valorando os dados e informes que compõem a notícia e lhe dão significado. Uma estratégia comum na mídia que se utiliza das imagens, é ordenar o sentido por meio da manipulação imagética ao instituir o que podemos chamar de sedução estésico/ cognitiva que resulta das concatenações, dos diálogos possíveis entre o texto e o contexto onde o investimento no sensível, como luzes, cores, formas, tipos gráficos, diagramas, imagens, gráficos, fotos etc. constituem um universo significante poderoso. Além disso podemos destacar também o que chamaríamos de manipulação pelas
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falas, ou seja o uso das manchetes, das rubricas, dos títulos, das legendas e outros modos de construir significação a partir de estruturas frasais que orientam o destinatário
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para o raciocínio lógico/cognitivo dando-lhe a sensação de que foi ele quem construiu o sentido e não o resultado de um processo discursivo manipulatório.
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A REVISTA O C RUZEIRO E O DESENVOLVIMENTISMO: NATUREZA E IMAGENS DO BRASIL MODERNO NO GOVERNO JK
A revista O Cruzeiro e o desenvolvimentismo: natureza e imagens do Brasil moderno no governo JK
Jorge Luiz Romanello Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Assis). Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. ediromanello@yahoo.com.br
RESUMO
O objetivo neste texto é discutir a forma como a natureza integrou o elenco de temas da revista O Cruzeiro no período de 1954 a 1961. A definição deste corte temporal específico deu-se em função de diversos fatores. Naquele contexto, a economia e a cultura passam por modificações rápidas e importantes, provocando impactos variados em várias esferas da sociedade brasileira, um estudo mais aprofundado da década permite perceber profundas alterações no debate em torno do desenvolvimento econômico e da própria escolha do modelo de capitalismo a ser adotado no Brasil, ao mesmo tempo em que ocorriam importantes mudanças nos sistemas de comunicação de massas, com a inauguração da televisão e o amadurecimento do fotojornalismo nas revistas ilustradas, entre outras. PALAVRAS-CHAVE: natureza; desenvolvimento econômico; sistemas de comunicação de massas.
ABSTRACT
The aim of this text is to discuss the way nature was present in the cast of themes of O Cruzeiro magazine from 1954 to 1961. The definition of this temporal clipping is due to many factors. In that context, economy and culture were going through rapidly and important modifications, causing diverse impacts in some spheres of Brazil ’s society. Making a profound study of the decade, allows us to realize the deep alterations in the debate about the economic development and the choice of a model of capitalism to be followed in Brazil, at the same time, there were happing important transformations in mass communication system, with the inauguration of television and the maturation of photojournalism in illustrated magazines, among others. KEY WORDS: nature; economic development; mass communication system.
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JORGE LUIZ ROMANELLO
A revista O Cruzeiro e o desenvolvimentismo: natureza e imagens do Brasil moderno no governo JK
Os resultados aqui apresentados, são parte de uma pesquisa de doutorado inédita intitulada “A Natureza no Discurso Fotográfico da Revista O Cruzeiro: paisagens e imaginários no Brasil desenvolvimentista 1954-1961” iniciada no ano de 2001 e concluída no ano de 2006 no programa de pós graduação em história da UNESP de Assis. O meu objetivo com a escolha deste recorte é discutir uma leitura possível de algumas séries de representações da natureza, que integraram o elenco de temas da revista O Cruzeiro no período de 1954 a 1961. Possuindo grande importância no cenário cultural e político do país, O Cruzeiro atingia um público de mais de três milhões de leitores em meados da década de 1950. Pessoas de diversas faixas etárias e sociais, de ambos os sexos, que consumiam semanalmente idéias, propagandas e uma série de outros produtos, veiculados principalmente por meio de grandes quantidades de fotografias majoritariamente em preto e branco, e algumas coloridas que articuladas nos padrões editoriais do fotojornalismo, definiam o perfil da publicação. No período estudado, – seguindo uma longa tradição já característica da revista ao longo de sua história – a natureza foi objeto explícito de algumas reportagens de O Cruzeiro, no entanto, era de forma indireta, na abordagem de uma infinidade de assuntos, que o tema mais aparecia nas páginas da revista.
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Algumas vezes a tônica das coberturas ressaltava aspectos exóticos e peculiaridades da paisagem e da geografia e mesmo da cultura e das tradições dos povos de várias regiões do planeta, como no caso das reportagens internacionais sobre o Pólo Sul e a Patagônia. Já em outras caracterizavam a produção sob variadas abordagens, como no caso das reportagens sobre a construção das usinas hidrelétricas e das estradas na selva onde as imagens promoviam o espetacular. Como convite a modernização, publicava-se artigos sobre os desenvolvimentos da agricultura, ou denuncia de práticas arcaicas no cultivo da terra e na criação de animais e até no subaproveitamento de diversas riquezas naturais. Integrando o cotidiano da publicação também de outras formas, é possível encontrar a natureza enquanto elemento definidor das paisagens urbanas, como seu complemento, ou mesmo como contraponto para o asfalto ou o concreto que caracterizam estes espaços. Também era possível encontrar reportagens sobre os namorados que passeiam nos jardins, ou ainda, quando o tema –bastante recorrente – eram as praias, que na maioria das vezes eram representadas como uma espécie de “faixa limite” entre os domínios da natureza, representados pelo mar e os domínios do homem representados pelas cidades. Dentro dessa diversidade, neste trabalho foram elaboradas várias tipologias, sendo que Natureza e fontes de riquezas, Natureza e
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desenvolvimento econômico, e Natureza e Aspectos do Mundo Rural, serão discutidas neste texto. No contexto mais amplo da publicação percebe-se, portanto, que a natureza foi representada nas suas mais diversas perspectivas, algumas vezes ocupando o centro de foco, como o tema principal das matérias e reportagens, mas também como pano de fundo ou mesmo uma moldura para a cobertura de diversos outros assuntos. Tais procedimentos forneceram suportes para que a revista construísse uma série de discursos sobre a cidade e o campo, o progresso e o atraso, ou a própria paisagem, instituindo ou reafirmando valores. A partir do estudo aprofundado de algumas reportagens que caracterizam estas tipologias, procura-se entender, a concepção de natureza que O Cruzeiro ajudou a forjar, os valores que projetavam e os mecanismos utilizados para atingir estas finalidades. A definição deste corte temporal específico deu-se em função de que no período de 1956 a 1961, confluíram diversos fatores econômicos políticos e culturais de grande importância para a sociedade brasileira. E entre eles talvez os mais importantes tenham sido: o processo de industrialização acelerada e a o planejamento e a execução de grande número de obras públicas. Recuar a pesquisa ao ano de 1954, período, portanto, anterior ao início do governo JK, e avançá-la por um período posterior ao seu término, em março de 1961, foi um procedimento metodológico fundamental, na medida em que permitiu uma comparação de padrões editoriais, temáticos e entre o tipo de discursos imagéticos produzidos. Acompanhar detalhadamente todo o desenvolvimento do governo de Juscelino, período central na elaboração e emissão dos princípios do
nacional desenvolvimentismo, por sua vez permitiu avaliar e quantificar as séries estudadas. Vale ainda lembrar a própria importância, ressaltada por uma série de especialistas, que da década de 1950 teve na história de O Cruzeiro. Uma fase marcada pela glória, em que associavam-se as grandes tiragens a um fotojornalismo sintonizado com as vanguardas da época. A média geral de fotos publicadas por edição, incluindo as utilizadas em propagandas, era de aproximadamente 200, sendo que menos de 10% delas coloridas. Foram selecionados ao todo cerca de 390 artigos e reportagens, especificamente relacionados ao tema, de um total aproximado de 600 inicialmente arrolados. Na execução desta pesquisa foram consultados todos os 417 exemplares da revista circulados no período de 1954 a 1961, aproximadamente 52 edições por ano (cerca de 70% deles em originais e 30% em microfilmes), com uma tiragem semanal média de 550.000 exemplares. No conjunto selecionado, a distribuição dos assuntos deu-se da seguinte maneira: Natureza e paisagens 50 artigos, Natureza e desenvolvimento econômico 74 artigos, A Natureza entre o urbano e o rural 262 artigos. As análises se desenvolveram de modo a procurar primeiro entender o sentido que a revista desejou fornecer aos conjuntos de fotografias que compunham cada reportagem. Neles foi analisada a interação do conjunto formado pelas imagens, título, subtítulos, legendas e boxes. Em um segundo momento, a atenção voltou-se para as possíveis articulações que as representações criavam entre os diversos temas e os imaginários do desenvolvimento econômico, do progresso e outros. Sempre que possível, privilegiou-se o
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estudo das páginas iniciais das matérias e reportagens, por se considerar que este era um espaço estratégico já consagrado para a elaboração e emissão de discursos, uma vez que ali, se introduzia o assunto, ao mesmo tempo em que se anunciava a abordagem que seria seguida. O contexto das reportagens era quase sempre o resultado de uma articulação direta das fotografias, a um título impresso em tipos grandes, aos subtítulos e legendas e ao próprio texto. A “foto manchete”, era o elemento principal da reportagem e não raro ocupava quase todo o campo formado por duas páginas abertas da revista. O título pretendia conduzir a leitura inicial do conjunto, enquanto os outros elementos encarregavam-se de complementar as informações anunciadas. Em se tratando de conteúdos a reportagem deveria ser abrangente, procurando atrair o interesse do maior número possível de leitores, de ambos os sexos, de idades e origens sociais variadas. No plano do conteúdo a fotorreportagem em geral busca contar histórias que interessem a um grande número de leitores de diferentes sexos, idades e classes sociais. Para isso tanto vale abordar o cotidiano das pessoas comuns, que assim se sentem retratadas pela revista, como trazer para seus lares realidades inteiramente estranhas ao seu mundo, seja pelo exótico ou pela sofisticação, que igualmente as atrai. Na forma, a reportagem fotográfica procura situar o leitor no espaço e no tempo. É comum a abertura ter uma grande foto de impacto, que muitas vezes já dispõe o assunto geograficamente e/ou retrata os personagens
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da história. O encadeamento das imagens seguintes vai situar o leitor no tempo, ou através da construção de uma seqüência fotográfica que funciona como um pequeno filme, ou de imagens isoladas que, mesmo não formando uma série cronológica, vão sempre se dispor como imagens concatenadas.1 Dependendo da importância e do espaço destinado à veiculação do assunto, seu desenvolvimento continuava por um número variável de páginas, sempre amparadas em muitas fotografias. O conjunto ao final deveria apresentar-se como uma “história contada”. Em muitos casos, principalmente quando se tratava de reportagens menores, substituíase a foto manchete por um número padrão de 5 a 8 fotos divididas em duas páginas. Salvo raras exceções, a predominância dos elementos visuais, reduzia significativamente o espaço destinado a edição dos textos. A escolha do estudo das fotografias deu-se em função de seu grande poder comunicativo do mundo contemporâneo. Parte significativa desta força advém da poderosa associação com o real que ela produz, Graças a sua natureza físico-química – e hoje eletrônica – de registrar aspectos (selecionados) do real, tal qual estes de fato se parecem, a fotografia ganhou elevado status de credibilidade. Se por um lado, ela tem valor incontestável por proporcionar continuamente a todos, em todo o mundo, fragmentos visuais que informam das múltiplas atividades do homem e de suas ações sobre outros homens e sobre a Natureza, por outro, ela sempre se prestou e sempre prestará aos mais interesseiros usos dirigidos.2
SILVA, Silvana Louzada da. Fotojornalismo em revista: o fotojornalismo em O Cruzeiro e Manchete durante os governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart. 2004. Dissertação (mestrado), Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói. p.36. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê editorial, 2000. p. 19-20.
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Tocando ao mesmo tempo no campo da imaginação, [...] as imagens, no jogo de revelar e ocultar, constituem-se numa dialética da construção do mundo do homem e de seus dilemas: a vida, a doença e a morte. As imagens, contudo, não são dados, meras evidências indiciárias, mas construções imaginárias. Elas não se reduzem a evidências documentais, objetivas, elas são, enfim, simbolizações construídas histórica e socialmente.3
No que tange a abordagem fotográfica de um tema, as escolhas começam no próprio ato fotográfico, aí, “[...] o uso de um determinado tipo de lente, abertura do diafragma da câmara e o tempo de exposição da película à luz definem a imagem” 4 , assim como seu caráter informativo.Como se sabe, a inserção de fotografias nas páginas dos jornais, revistas e outros tipos de publicação estrutura-se dentro de normas de apresentação gráfica e outras modalidades de intervenção técnica, produzindo, assim, o efeito de narrativas visuais A fotografia utilizada na imprensa, o seu maior produtor, tem caráter e predominância informativa, nos jornais, mais do que nas revistas. É que os ‘vazios’ de textos encontram os seus complementos nas imagens e viceversa. Qualquer notícia acompanhada de uma fotografia desperta mais interesse do que outra notícia sem imagem.5 Entre a simples idéia de uma foto, e sua publicação, ocorrem portanto várias operações. A mensagem jornalística é toda
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constituída por inúmeros procedimentos: “[...] a angulação define a condução do comportamento da mensagem, a edição determina o que deve ser publicado, em que página, com que título. A coleta de dados é o levantamento da notícia em si.”6 Entende-se que o trabalho com as imagens na imprensa de circulação nacional permite, além de explorar seu potencial para a comunicação, perceber sensibilidades, projetos e várias outras características do período estudado, pois parte-se do princípio de que ela responde às demandas – política, social, cultural – do contexto em que foram produzidas, da mesma forma com que ajuda a estabelecê-las, transformando-se assim em veículo privilegiado para o estudo dos imaginários e da memória conforme postula Ana Cristina Teodoro da Silva, [...] a imprensa de circulação nacional é uma das produtoras privilegiadas do imaginário da nação, é um dos lugares da memória. É rica em exemplos sobre como a memória histórica é gerada de acordo com os interesses do presente; no caso, de acordo com a imagem que calha ao meio de comunicação, no momento. Fenômenos associados à memória histórica estão presentes na urdidura deste trabalho: sua constituição através da importância investida em um fato; a associação do fato a palavras e imagens; a apropriação e recriação de um fato em um momento distinto; o lembrar e o esquecer e mesmo as associações afetivas geradas pela rememoração.7
Imprensa e Fotografia jornalística configuram-se, portanto, em fonte e objeto dessa pesquisa.
DINIZ, Ariosvaldo da Silva. A iconografia do medo (imagens, imaginário e memória da cólera no século XIX). In: KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro (org.). Imagem e memória: ensaios em antropologia visual. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. p. 115. NEIVA Jr, Eduardo. A Imagem. São Paulo: Ática,1994. p. 73. LIMA, Ivan. A Fotografia é a sua linguagem. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. p. 17-18. BIAGI, Orivaldo Leme. O imaginário e a guerra da imprensa: um estudo sobre a cobertura realizada pela imprensa brasileira da Guerra do Vietnã na sua chamada “fase americana” (1964-1973). 1996. Dissertação (mestrado), UNICAMP, Campinas. P 22-23. SILVA, Ana Cristina Teodoro da. O tempo e as imagens de mídia: capas de revistas como signo de um olhar contemporâneo. 2003. Tese (doutorado), UNESP, Campus de Assis. p. 17.
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Natureza e desenvolvimento econômico Em meados da década de 1950, o Brasil vivia uma era de mudanças que atingia quase todos os aspectos da vida do país. Vargas se suicidara, e algum tempo depois assumia a presidência, por eleição, Juscelino Kubitschek, prometendo banir do país o subdesenvolvimento, o atraso e a pobreza, pregando o desenvolvimento por meio de um Plano de Metas cientificamente traçado, que promoveria no país o avanço em ritmo de 50 anos em 5. Para Warren Dean, tais concepções integravam-se em um contexto onde todos os atos em favor do desenvolvimento econômico – entre eles a devastação da natureza – eram justificáveis e pautavam-se na concepção de um objetivo maior, cujos resultados produziriam benefícios para toda a sociedade, esta articulação, criava um álibi, uma justificativa genérica que podia ser usada como argumento em discursos de qualquer ordem. O desenvolvimento, mais que uma política governamental, significava um programa social de enorme abrangência, energia e originalidade. A idéia de desenvolvimento econômico penetrava a consciência de cidadania, justificando cada ato de governo, e até de ditadura, e de extinção da natureza. Acima de tudo, nas representações do Estado, nos meios de comunicação e no imaginário popular, o desenvolvimentismo econômico se vinculava à erradicação da pobreza.8 O desenvolvimentismo promoveu mudanças estruturais profundas na economia,
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mas foi atuando fundamentalmente na criação da imagem do Brasil como país do futuro, estimulando um anseio de modernização na sociedade – principalmente por meio da elaboração e da articulação de representações que enquadravam o projeto no padrão de modernidade da época – e na capacidade de fazer com que aqueles discursos obtivessem grande aceitação por parte da sociedade brasileira, que aquele projeto teve seu maior impacto. Seguindo esta lógica, a construção de Brasília, por exemplo, ultrapassava em muito o enorme desafio de edificar uma nova e moderna capital em uma região distante do país, o feito, significava também naquele momento a superação atraso. Os “Diários Associados”, um conglomerado de mídia de propriedade de Assis Chateubriand, participaram – ainda que nem sempre de forma direta – na campanha eleitoral de Juscelino, integrando-se em seguida ao coro de propaganda do desenvolvimentismo. Com o passar dos anos, e o considerável sucesso alcançado pelo governo de JK, ampliaram as relações de interesses entre o presidente, interessado no apoio da mídia, e o poderoso empresário Chateubriand, interessado nas verbas publicitárias, nas vantagens pessoais e políticas que tais relações produziam9. Pertencente ao grupo, a revista O Cruzeiro foi um dos mais importantes amplificadores daquele ideário, atuando diretamente nas propagandas das ações de governo e na divulgação das obras que se realizavam, mas foi principalmente com um discurso de
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Cia das Letras, 1996. p. 281. Vale lembrar que o “apoio” oferecido por Chateubriand, não implicava necessariamente em qualquer tipo de concordância ou discordância com as políticas levadas a cabo por JK. Era comum inclusive que houvesse posições antagônicas dentro da própria equipe de repórters e editores da revista, que interferiam na elaboração das matérias, e que predominavam na sua condução as relações de puro interesse que freqüentemente forjados sob a tensão das chantagens políticas e trocas de favores.
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evangelização modernizadora da sociedade, que mais promoveu o desenvolvimentismo, utilizando-se para isto da agilidade e da grande comunicabilidade proporcionadas pelo fotojornalismo A modernização como uma meta, aparecia de forma mais direta nas peças publicitárias, na ênfase dos valores urbanos, na pregação da mecanização da agricultura, na defesa do aproveitamento das riquezas naturais regionais, ao mesmo tempo em que de maneira indireta, muitas reportagens sobre as praias cariocas – fotografadas de todos os ângulos e perspectivas – eram aproveitadas como veículo para a afirmação do um estilo de vida urbano da Cidade Maravilhosa. Assim, de várias formas e, com grande freqüência, faziase uma apologia daqueles valores, exaltandose a modernidade presente nos temas abordados, ou criticando neles a sua ausência. Natureza e desenvolvimento econômico No contexto em que o país viva naquele momento a questão da produção de energia compatível com as demandas de uma sociedade industrial apresentava-se como ponto nevrálgico. A produção industrial brasileira baseavase em um modelo energético impróprio – além de devastador – para sustentar as expectativas de crescimento do setor, principalmente porque tinha na lenha a sua grande matriz. Minas Gerais, por exemplo, com seu conglomerado de 12 usinas siderúrgicas instaladas em 1950, [...] provocavam a derrubada de 2650 km2 de matas. [...]. Um importante setor metalúrgico estava em crescimento [...]. Embora alguns dos fornos fossem elétricos,
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a maioria necessitava de cargas de lenha [...]. Em 1950, a demanda anual de matas das indústrias metalúrgicas nestes dois estados e no Rio de Janeiro pode ter chegado a 140 km2. [...] Estima-se que, em 1948, lenha e carvão vegetal representavam 79% de toda a energia consumida no Brasil [...]. No sudeste, a queima de lenha e carvão por certo não era menor que 50% do consumo de combustível, apesar de volume significativo na geração de energia hidrelétrica e do aumento da capacidade da região de importar combustíveis fósseis.10
A tensão gerada por tal realidade, instituía um paradoxo entre discursos e práticas, pois se de um lado a necessidade de superação desta situação serviu como argumento em favor da modernização, municiando a propaganda que associava aquela condição ao atraso e mesmo à escravidão, de outro – mesmo depois de reiteradas constatações do problema e da edição de diversas leis de proteção das reservas de matas nas décadas anteriores – não se fazia praticamente nada de efetivo para preservar as florestas, principalmente a mata atlântica de tal devastação, ainda que fosse com o objetivo estratégico de se garantir as reservas desse tipo de insumo, para o uso das futuras gerações, perspectiva que inspirava discursos protecionistas desde o final do século XIX. Refletindo um problema estrutural do desenvolvimento da economia capitalista no Brasil, para Warren Dean essa condição derivava da própria história da evolução dos setores energéticos no país, segundo ele, “O Brasil ingressou na era Industrial extremamente carente de um de seus prérequisitos: combustíveis fósseis de hidrocarbono. Como a Suécia e a Itália, o Brasil postergou a aplicação plena das técnicas industriais até a inserção do dínamo elétrico. [...] Mas a energia elétrica era, na
DEAN, op. cit., p. 268- 269.
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JORGE LUIZ ROMANELLO época, de difícil aplicação econômica a muitas demandas a que os combustíveis fósseis atendiam em outros países.”11
Circulando por diversas esferas da sociedade, o assunto freqüentava as páginas de variados tipos de publicação. Atuando na interlocução destes problemas desde meados da década de 1940, por exemplo a chamada “imprensa nacionalista” colaborava para manter os temas relativos à produção de energia no cerne dos debates. Naqueles promovidos pela Revista do Clube Militar, quando as discussões tratavam de minerais estratégicos como a Monazita e fontes de energia como a Eletricidade e Petróleo, predominava uma concepção de que a sua produção ou exploração, deveriam ser nacionalizadas, segundo, Plínio Ramos de Abreu, É também publicada conferência do engenheiro Rodrigues Monteiro, realizada em 05 de abril de 1950 no auditório do Clube Militar, sobre ‘o problema da eletricidade no Brasil’ reprovando privilégios concedidos à Light, que exercia monopólio do setor no eixo Rio – São Paulo. 12
Estes entre outros itens considerados estratégicos, faziam parte de um extenso Programa de Metas que geravam propostas e planos de ação para desenvolver a economia do país. Fundindo-se ao ideário desenvolvimentista, o assunto circula nas páginas de O Cruzeiro, e o descompasso entre produção e demanda deste insumo básico para o desenvolvimento industrial, acentuava sua importância. As reportagens sobre
produção de energia, são representadas na revista principalmente pela exploração do petróleo, e geração de energia hidrelétrica – alicerces da chamada indústria de base – recebeu também atenção a criação de empresas de extração e processamento de minérios.. Não constituindo objeto novo na fotografia, a abordagem da natureza como “Natureza Produtiva”, foi trabalhada por Vânia Carneiro de Carvalho13, em séries de pinturas e de fotografias do Brasil do século XIX. Sobre as imagens da produção, a autora contempla que, A natureza neste caso adquire interesse fotográfico na medida em que está engajada no processo produtivo. A fotografia procura dar conta de todo o circuito de produção – fazenda/ferrovia/porto – no qual a ferrovia figura como o símbolo mais expressivo da modernização. Além de cumprir uma das etapas essenciais ao capitalismo, isto é, agilizar a circulação de mercadorias, a ferrovia significa a presença da indústria em um país basicamente agrário. Ela realiza imaginariamente o desejo de participação dos valores gerados nas economias centrais, com as quais procura criar vínculos abolindo o “exótico” e o provinciano da sua natureza, transformando-a em imagem do progresso, do domínio do processo produtivo, em prova documental da prosperidade que o país poderia oferecer; em resumo, transformando a natureza em imagemmercadoria.14
A comparação do material imagético encontrado em O Cruzeiro – analisada a partir das tipologias estabelecidas – permite perceber em meados do século XX a
Idem, p. 266. RAMOS, Plínio de Abreu. A imprensa nacionalista no Brasil. In: ABREU, Alzira. (org.) A imprensa em transição: o jornalismo brasileiro nos anos 50. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 82. 13 CARVALHO, Vânia Carneiro de. A representação da natureza na pintura e na fotografia brasileiras do século XIX. In: FABRIS, Annateresa (org.). Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo: Editora da Universidade São Paulo, 1991. (Coleção texto & arte; vol.3). p. 198 -261. 14 Id. Ibid., p. 217. 11 12
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permanência da abordagem, embora relativamente modificada pelo uso de novos equipamentos fotográficos e pela linguagem introduzida pelo fotojornalismo. Na cobertura da construção das hidrelétricas, dadas as dimensões em geral monumentais das obras, as fotografias aéreas – técnica que agrega indiretamente outros significados à imagem produzida –, constituíram-se em artifício dos mais usados na medida em que permitiam captar a proporção das obras em relação ao entorno. O uso desta técnica, documentava o processo de transformação da natureza pelo homem, a partir de um ângulo privilegiado, que ajudava inclusive a caracterizar o esforço e o investimento envolvidos. Já na primeira série de revistas pesquisada correspondente ao ano de 1954, detecta-se a presença do tema, seja na veiculação de uma propaganda institucional da empresa elétrica Light, na forma de um artigo sobre a construção da usina subterrânea “Nilo Peçanha”15 – situada no estado do Rio de Janeiro – ou em reportagens como “Mais Meio Milhão de Kilowatts a Serviço do Brasil”16, sobre a inauguração da mesma usina. No período subseqüente, reportagens sobre outras usinas em processo de construção ou modernização, procuravam denotar o empenho dos governadores de vários estados da união investindo em infraestruturas que ajudassem a colocar aquelas regiões na vanguarda do processo de industrialização. Nesse sentido, o caso de Minas Gerais durante o governo de JK (19511955) foi emblemático, como a base de sua administração seria:
energia e transporte [...]. Tendo como meta prioritária retirar Minas da condição de estado agro-pastoril e lançá-lo na fase da industrialização, a despeito de uma situação financeira precária, marcada por uma dívida volumosa, Juscelino desdobrou o plano inicial em duas etapas, A) eletrificação e estradas, e B) industrialização. O plano relativo à energia elétrica, em linhas gerais, previa o incentivo à iniciativa privada [...].17
“Culpa de JK: Minas dá Choque”18, sobre a inauguração de uma usina, na cidade mineira de Itutinga em 1956, torna-se oportunidade perfeita para associar o vanguardismo de JK ex-governador de Minas Gerais, com as suas ações, não menos arrojadas, já como presidente recém eleito. Ocupando quase todo o espaço das duas páginas do seu campo de abertura, uma tomada aérea permite estabelecer um contraste entre a obra – no caso uma enorme barragem – e a paisagem do entorno. No centro do foco, as instalações da usina, representadas pelo grande muro de concreto, e, ao fundo, parte de um lago que o extraquadro sugere enorme, destacam a imponência da obra. Atuando como escala, prédios e outras instalações de grande porte apequenam-se ao lado dos paredões por onde a água começa a verter. Inaugurando simbolicamente o funcionamento da usina em uma foto menor ao lado, JK posa ligando uma chave, que iniciava seu funcionamento. Fotografar o presidente realizando aquele ato reforçava seu papel de homem realizador, uma vez que entregava uma grande e importante obra, o uso do adjetivo “criador de energia” por sua vez associava-o ao desenvolvimento do país.
O Cruzeiro 24/04/1954. Propaganda institucional da empresa Light. p.93. O Cruzeiro 11/12 /1954. Textos e fotos de Alceu Pereira. p.124-125. 17 ABREU, Alzira Alves de...[et al.]. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930. Vol. III. Rio de Janeiro: Editora FGV;CPDOC, 2001. p.4821. 18 O Cruzeiro 10/11 /1956. Reportagem de Olavo Drummond. p.12 e 13. 15 16
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No Estado de São Paulo, as estratégias não eram muito diferentes, lá [...] o governo Jânio [Quadros] conseguiu também [...] projetar diversas usinas hidrelétricas, realizar obras na usina de Salto Grande, Limoeiro, Euclides da Cunha, Barra bonita, Jurumirim e Graminha [..], o que representou considerável aumento nas obras ligadas ao aumento da produção de energia.19
Na reportagem sobre a construção da usina de Salto Grande, no interior do Estado, o título ordenava: “Tire o Chapéu a São Paulo: civilização da eletricidade”.20 (Figura 1) Repetindo mais uma vez o modelo, novamente uma foto aérea, ocupava cerca
de dois terços das duas páginas iniciais da reportagem, nela uma série de obras, em cujo centro se destaca um grande lago represado por uma barragem de iguais proporções. Outros elementos como estradas, pontes, e estruturas indefinidas de concreto em meio a montes de terra revolvida, complementam a cena, ao mesmo tempo que servem de escala para o tamanho da represa. Ao lado, uma foto menor mostra uma espécie de rotor, suspenso por um gancho. O comentário do box informa que “As gigantescas turbinas de Salto Grande estão colocadas e aptas a rodar.”
Figura 1 - O Cruzeiro de 15/02/1958
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ABREU, 2001, op. cit., p. 2955.Verbete Jânio Quadros. O Cruzeiro 15/02/1958. Textos de Jorge Ferreira e fotos de Henri Ballot. p.88-101.
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Da forma como foram apresentadas, o tamanho das “gigantescas turbinas”, podem ser deduzidas: tanto pelo contrataste com as instalações formadas por um prédio de dois andares, quanto pela associação com a outra imagem. O subtítulo assinala um sentido de libertação por efeito da modernidade, baseada no direito de consumir eletricidade, descrita como uma energia socialmente redentora, ao passo que a autoria é creditada ao governador, Jânio Quadros, Milhões de criaturas humanas arrancadas da escravidão da lenha – 2.400.000 HP serão produzidos, num gigantesco empreendi-
mento do governo paulista, para garantir a expansão do parque industrial e agropecuário do maior estado da União – Jânio Quadros recoloca São Paulo na liderança da produção da energia elétrica em todo o país.
A legenda de uma pequena foto do tipo “boneco” 21 do governador reforça este sentido, afirmando que “Jânio reabilita milhões de paulistas.” Em 7 de novembro de 1959, a revista veiculava uma foto da construção da usina hidrelétrica de Furnas, acompanhada da significativa manchete: “23 discursos e um só tema em almoço tropical: os KW do Rio Grande, que modificarão o retrato econômico do País: furnas: Brasil de amanhã”22.(Figura 2)
Figura 2 - O Cruzeiro de 07/11/1959
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Designação utilizada para fotos de rosto, em geral publicadas em pequenos formatos, que ajudam a inserir personagens nas reportagens, integrando-os como autores, vítimas, ou simplesmente participantes do assunto reportado. O Cruzeiro 07/11/1959. Textos de Elias Nasser e fotos de Badaró Braga e Walter Luiz . p.46-51.
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A natureza é representada em terceiro plano por um imenso vale coberto por restos de mata, que a imagem sugere, ainda estavam em processo de derrubada, o plano intermediário funde-se com o primeiro plano, mostrando obras de um grande lago em formação, que contrasta em tamanho com o vale. Outros elementos que compõe a imagem, tais como caminhões, dragas, postes, construções, equipamentos pesados e estruturas de grande porte, no contexto, ficam do tamanho de alfinetes e botões de camisas. A legenda referente a essa foto avisa: “Retrato do futuro: Furnas fornecerá Kw fartos e baratos a uma vasta região brasileira. Teste de maturidade técnica e política, afirma o senhor Lucas Lopes”. A foto panorâmica tirada de um lugar alto, a grande distância da cena retratada cria uma paisagem baseada em contrastes. Natureza indomada, representada de forma colossal de um lado; de outro, homem, representado por máquinas, jipes, caminhões e construções, símbolos da racionalidade e do engenho humanos, em uma luta para que essas forças naturais fossem domadas. Ocupando parte do terço restante do campo, uma foto mostra Juscelino discursando com as mãos abertas. A legenda interpreta este ato como a expressão do gigantismo envolvido na construção da hidrelétrica afirmando que só as: “Mãos de Presidente ajudam a explicar Furnas para o Brasil dos dias futuros. Uma das grandes metas de JK”. Ou seja, somente um metafórico gesto de mãos abertas para explicar algo tão grande. A monumentalidade, que as imagens evocam, reforçadas pelos títulos em questão, associa diretamente a Natureza com “a geração de Kilowatts” que, deveriam ser 23
usados enquanto o meio de criar o desenvolvimento econômico. Um importante elemento, presente no material sobre a construção de hidrelétricas, como pode ser visto, é o vínculo das figuras dos administradores públicos e as obras e com seus resultados benéficos. Esse tipo de relação poderá ser encontrado em muitas outras representações que multiplicando praticamente a mesma abordagem. O tema da construção de estradas é outro que, caracteriza-se de maneira importante no período, constituindo uma série de reportagens que transformam um assunto cotidiano em veiculo de idéias e discursos sobre o desbravamento das selvas, a modernidade e a expansão nacional. No período estudado, a primeira reportagem a respeito circulou em 1954 com o título de”Bandeirantes das Estradas”23. Nela, a revista faz um libelo aos motoristas, tratados como heróis anônimos: “O nome, não importa, eles são os motoristas de estradas que carregam “o sangue do progresso “que trafega por “artérias empoeiradas”. As estradas são descritas como lugares por onde corre a riqueza do país, e ao mesmo tempo como lugares perigosos. Os motoristas, “heróis anônimos” são descritos como figuras de personalidade ímpar, ligados a difícil profissão, como que a um vício “[...] apesar de tudo, como marinheiros, eles estão presos a sua profissão, como a um vício.” Eram os profissionais do asfalto que além de dirigir, consertavam e socorriam caminhões tombados e atolados. As precárias condições das estradas tornam-se freqüentemente um tipo de sujeito oculto no discurso das fotos e legendas por meio de metáforas, tocando muito
O Cruzeiro 09/10/1954. Texto e fotos de João Martins. p. 74 e 75.
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indiretamente no assunto, como foi o caso de,”Estradas do Diabo”24. Ao título curioso o texto dá continuidade, denunciando que tal estatuto definia também as condições em outros lugares do país. Sua Exa., o Doutor Belzebu, saiu lá das profundezas e foi amassar as estradas de rodagem lá do interior de Goiás. Aliás, as de Minas Gerais devem entrar, também, no âmago dessa sinceridade.
Questão retomada em reportagem específica cerca de um mês depois, em “Rio Belo Horizonte em sete horas. Respira Minas Gerais”25 (Figura 3). Constituída por três fotos em duas meias páginas que dividem com o texto o espaço da reportagem, tinha como foco principal um viaduto, construído em uma estrada que liga os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Apresentado como parte de
um extenso conjunto obras congêneres composto por “[...] nada menos que 757 metros de obras de arte foram construídas pelo atual governo no ano passado. Entre essas obras, a mais importante é o Viaduto do Córrego das Almas”, composto por mais de 250 metros de comprimento, o viaduto aparece enquanto uma peça vital, um importante elo que permitiria funcionamento de toda a corrente, representada pela moderna estrada asfaltada, retratada em uma da fotos. As duas outras fotos que retratam o viaduto foram tomadas de uma perspectiva lateral, à distância, de forma a aproveitar ângulos que valorizassem a engenhosa ponte, construída em curva, que desta perspectiva parece encravar-se na paisagem. Neste caso a natureza tornava-se a escala para o tamanho, e para a complexidade da tarefa
Figura 3 - O Cruzeiro de 02/02/1957 24 25
O Cruzeiro 04/12/1954. Reportagem sem autoria definida e Fotos de Keffel Filho. p. 82D. O Cruzeiro 02/02/1957. Reportagem de Augusto Villas Boas. p.42 e 42A
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realizada, ajudando o leitor perceber as dificuldades geográficas que foram vencidas para a sua execução.26 Segundo as legendas, a rodovia representava um avanço para os estados ligados por ela, “São 450 quilômetros de estrada, 300 deles em Minas, tudo pavimentado. Do Rio a Juiz de Fora foram aproveitados os 200 km da União Indústria.”, e também integravam parte do corpo de obras iniciadas pelo presidente Juscelino Kubitschek, quando ainda governador do estado de Minas Gerais, poucos anos antes. No final de 1958, a construção da Belém Brasília produziria uma reportagem intitulada “Monstros de Aço Abrem a Rota BelémBrasília”27, e com ela se inaugurava uma subsérie sobre a construção de estradas em meio a selvas. Começava a se constituir na revista um modelo épico de esforço hercúleo na construção de rodovias como a Belém-Brasília e mesmo a BR2 – que teve alguns trechos construídos em regiões de selva – onde “O homem nunca havia pisado”. O início desse hino de louvor público ao progresso mostrava grandes máquinas de terraplanagem, fotografadas em um plano muito fechado, de forma que suas características próprias de tratores de esteira estacionados um ao lado do outro se deformassem, criando uma surreal mistura de elementos. Complementando a cena, um homem posicionado, ao canto da foto, parece fugir em pânico daquelas monstruosidades. Outro texto legenda da reportagem reforça a concepção, relacionando o
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desmatamento produzido pela abertura da estrada a um ato de progresso, A selva amazônica que desafiava o progresso desde os tempos do Grão-Pará, está sendo afinal dominada pela máquina e pelo homem. Centenas de quilômetros de modernas rodovias cortam a selva bruta, transmitindo o fluxo de civilização ao “hinterland” caboclo, escravizado pelo mono-extrativismo da borracha. Um punhado de homens está mudando a fisionomia da Amazônia para integrá-la na unidade geográfica e econômica do país.28
Dando seqüência à divulgação desse modelo de modernidade, nas páginas seguintes um subtítulo informa, por sua vez, ao leitor que “Os veículos poderão correr a 100 ou 120 Km por hora em pleno coração da Amazônia”, pregando que a partir de então se instaurava o direito pleno de ser moderno pois brasileiros adquiriam o poder de deslizar sobre quatro rodas pelo meio da floresta, até então tida como inóspita e indomada porque inacessível. A partir de 1959, institui-se um período pródigo na cobertura do assunto, mas talvez, mais importante que a quantidade de artigos veiculados, tenha sido a introdução de outras modalidades de discursos. É certo que elementos que já integram o imaginário da construção das estradas continuarão presentes, mas outros se incorporam e, devido a sua repetição, permitem entrever novos conteúdos. A reportagem “Nossa Senhora da Selva Abençoa a Belém Brasília”, (Figura 4) por exemplo, agrega o caráter religioso ao tema. Sobre esta curiosa “aparição”, em lugar tão remoto, o texto comenta que em certa ocasião,
A mesma análise pode ser aplicada à foto menor. O Cruzeiro 11/10/1958. Texto de Arlindo Silva e fotos de Ubiratan de Lemos. Idem p.60
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Figura 4 - O Cruzeiro de 07/03/1959 [...] dois sacerdotes beneditinos de Brasília, em suas andanças pelas cercanias de Açailândia, encontraram um grupo de pequenas árvores, cobertas de cipós e orquídeas, cuja silhueta lembra a imagem da virgem Maria com o Menino Jesus ao colo. Viram naquela figura, criada pela natureza, uma manifestação da presença divina entre aquele exército de homens que passavam sacrifícios, apanhavam enfermidades na mata. Suportavam a tortura da saudade e o martírio dos mosquitos. Era uma inspiração para aqueles trabalhadores denodados que tinham deixado longe seus lares, suas esposas e seus filhos. Voltando ao acampamento, contaram seu singular achado e, em seguida, turmas de trabalhadores dirigiram-se até a imagem da Virgem e diante dela tiraram seus chapéus de palha e persignaram-se. Nossa senhora da Selva foi o nome que os humildes e rústicos deram à imagem esculpida pela natureza em plena mata e a elegeram padroeira da estrada. 29
Elaborado desta maneira, o texto sugere que as forças divinas apóiam a empreitada, 29
oferecendo, através da natureza, um curioso objeto de culto cristão aos humildes “[...] caboclos com seus chapéus de palha”. Meio “aparecida”, Nossa Senhora da Selva tornase fonte de esperança e conforto para os trabalhadores braçais envolvidos. A outra foto constrói também uma imagem do religioso, e, embora as bênçãos à estrada venham da silhueta vegetal, conforme indicado, a estátua que servirá ao culto que se realizou será uma imagem feita pelas mãos do homem, artesanal ou industrialmente, de algum material cerâmico. Representação da “mais civilizada” fé, por assim dizer, foi trazida de Brasília para a reprodução do evento da “Primeira Missa”. Defronte a um altar, um sacerdote vestido de branco oficia o culto, enquanto um grupo de pessoas, todas em trajes sociais, algumas de joelhos assistia. Segundo a legenda “[...] são [...] JK, ministros e altas autoridades”.
O Cruzeiro 07/03/1959. Texto de Arlindo Silva e fotos de Ubiratan de Lemos. p. 40..
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Assim duas religiosidades distintas manifestam-se no mesmo espaço natural. Uma completamente vinculada a ele, emanando mesmo dele, serve aos simples. Uma maioria formada por milhares de trabalhadores anônimos “Nossa Senhora da Selva, que foi descoberta por padres beneditinos, virou lenda para os trabalhadores braçais que rasgam a Belém-Brasília.”. Os outros envolvidos, o presidente, os ministros e “altas autoridades”, são os que formam um grupo especial, que também presta suas homenagens, mas a Nossa Senhora de Fátima, representada por uma imagem tradicional, feita, de cerâmica. Os discursos elaborados a partir daí ora articulam o momento a uma versão heróica da história da colonização do Brasil, ora reafirmam a batalha contra a selva, os operários, por exemplo, formam: “Uma Legião de Bravos que Faz a História do Brasil no Inferno Verde”, enquanto um intelectual presente discursa “[...] numa clareira aberta na mata, que está sendo usada como campo de pouso, o Reitor Pedro Calmon rememorou feitos heróicos da colonização do Brasil”. Em outro momento, o texto-legenda comenta a foto aérea tomada da estrada, destacando o “Trabalho de Bandeirantes” anunciava: “[...] eis um trecho da Belém–Brasília, um sulco aberto num oceano verde. Através dela o vaqueiro dos pampas abraçará o caboclo amazônico.”. Formando uma linha de força vertical, a estrada aparece como uma estreita clareira em meio á mata. Já o presidente – personagem cujas palavras chegam ao leitor por intermédio do repórter, posicionado como testemunha ocular da história – segundo a versão da revista, comemora o feito de integração de áreas antes inóspitas, ao Brasil moderno: “[...]VIVA O BRASIL, disse JK ao hastear a
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bandeira na selva.”, ato civilizador por excelência, ao realizá-lo, Juscelino simbolicamente anexava ao país uma nova região. Embora esta já integrasse formalmente a nação, no nível do imaginário ocupava nela um lugar obscuro, desconhecido e pouco definido, porque pouco habitado ou totalmente desabitado, longe portanto da civilização e conseqüentemente do alcance da modernidade. Ao fundar-se a estrada que cortava a selva, colocava-se fim às sombras que envolviam “terras onde nunca tocara a luz do sol”, e na medida em que se desenvolviam projetos de colonização das margens da rodovia – implementados muitas vezes com o assentamento dos próprios operários que a construíam –, povoava-se o deserto, impedindo-se com isto que elas se tornassem dutos isolados de civilização em meio à imensidão de matas selvagens. Ou seja, tratava-se de consumar a apropriação da selva para além da construção das rodovias. Em outro momento, JK aparece, pilotando um trator de esteira, arremete contra uma árvore, experimentando pessoalmente, ao lado do mais humilde operário, o sabor e a proclamada dureza da batalha contra a selva. Logo acima, a imagem mostra uma grande árvore, e entre elas o texto: “O garboso jatobá resistiu 45 minutos ao trator presidencial e exigiu duas máquinas possantes para que tombasse. Eis um exemplo da dureza da luta.”. O subtítulo comenta que há um preço nessa luta, que homens morreram nesse embate: “A Floresta Virgem vingou-se de seus mais ousados conquistadores”. Sob uma outra foto há o seguinte comentário: Foto da BelémBrasília. Sayão e Rui de Almeida mortos em ação. JK e Waldir Bohuid, comandante da batalha contra a selva.”
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Figura 5 - O Cruzeiro de 12/09/1959
Nada melhor para definir uma situação de guerra que o uso de uma terminologia militar; que transformava aqueles homens, de engenheiros mortos acidentalmente, em comandantes mortos no campo de batalha. A escolha dessas palavras, também reenquadra o empreendimento na categoria de guerra do homem contra a natureza, nessas reportagens a forma como o assunto foi abordado fornece bons indícios do imaginário sobre o assunto no período. Produzidos em meados da década de 1950, estes discursos integram o tema às idéias correntes na época sobre a necessidade de apropriação e integração das áreas “selvagens” à civilização, realçando uma das características mais poderosas do imaginário, agregar valores e discursos de várias épocas e lugares, podendo
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atualizá-los dinamicamente, a partir dos anseios e valores presentes na sociedade. Ainda em setembro do mesmo ano, vazado em grandes letras brancas sobre uma foto aérea, muito escura, que sangra duas páginas, o título “Belém-Brasília: a selva vencida”30 (ver figura 5) retoma o assunto. Em meio a uma densa vegetação, a estrada é representada por uma fenda larga e clara, um trilho totalmente desmatado em meio à selva, ao lado da qual é possível ver uma pequena clareira em que alguns casebres servem de base de operações para as atividades dos engenheiros e operários. Abaixo, outra foto menor mostra quando “Whaldir Bohund testemunha o entusiasmo de JK no dia em que foi derrubada a última árvore da BR 14”. Logo abaixo, o texto-
O Cruzeiro 12/09/1959. Reportagem de Benjamin Soares Cabello e Fotos de Jean Solari. p. 64-72.
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legenda confirma a vitória do homem, sua conquista em uma luta de titãs e o benefício que sua construção trará à região, “A BelémBrasília é uma realidade – Epopéia daqueles que venceram a Floresta amazônica. Em 60, a Amazônia ligada ao resto do País por via rodoviária e integrada na economia nacional.” O uso de fotos aéreas, não é recurso novo em O Cruzeiro, como já foi visto. Neste caso específico, porém, não é no destaque da grandiosidade da própria obra que reside o valor mais intrínseco do seu uso – como ocorria com as fotografias de construções de usinas hidrelétricas, mas exatamente na produção do efeito contrário, da valorização do contexto inóspito em que ela se insere. Pode-se perceber que no que diz respeito à qualidade dos enunciados nos títulos é uma paulatina mudança, da denúncia, da caracterização do assunto como “Bandeirantes das Estradas” e “Estradas do Diabo” para um estágio intermediário com dizeres como Respira Minas Gerais e por fim “A Selva Vencida”. Por comparação, nota-se que eles se modificam significativamente do que eram no período anterior e posterior a 1956 a partir de quando passam a ser encontradas inúmeras alusões ao heroísmo dos comandantes da batalha contra a selva que tinha as operações de logística dirigidas do interior de um avião por um coronel do exército, dos engenheiros – dois deles mortos por árvores que caíam – e aos soldados, trabalhadores braçais, em geral nordestinos que enfrentavam toda sorte de dificuldades, de machados na mão e na pilotagem das motoniveladoras, para fazer avançar as obras no ritmo de quilômetros por dia.
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Considerações finais Para concluir, gostaria de dizer que por meio dos exemplos citados aqui – que não passam de indícios do volume e da proporção com que reincidem as diversas imagens do país –, é possível perceber na revista O Cruzeiro do período, a elaboração de modelos para o Brasil e para os brasileiros, alguns direta ou indiretamente definidos como exemplos a serem seguido e outros a serem evitados. Neste contexto a Natureza, com muita freqüência, transformava-se em veículo ou suporte dos discursos que se criavam. O tema do desenvolvimento econômico foi sistematicamente representado nas páginas da revista. Aparecendo das mais variadas formas, materializa-se simultaneamente nas propagandas e na cobertura de um sem número de assuntos, entre eles o das construções de usinas hidrelétricas e das estradas que cortavam as selvas, discutidas aqui. Associando padrões, modelos e valores, das mais variadas formas, valendo-se de uma vasta gama de imagens de todos os tipos, O Cruzeiro ajudava a criar o Desenvolvimentismo, participando ativamente da difusão de um modelo. Se em muitos momentos a revista pegou carona na grande receptvidade e apelo que o tema possuía junto aos mais diversos setores da sociedade brasileira daquele período, destacando o gigantismo de um país, que segundo os discursos, arrancava do atraso e da pobreza para a modernidade, certamente em outros a revista foi também responsável por criar, ainda que parcialmente, aqueles padrões e modelos, evidenciando também através destes exemplos, sua importância para as pesquisas na área de história.
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IMAGEM E ACONTECIMENTO: O MEDITERRANISMO DE JOAQUÍN TORRES-GARCÍA
Imagem e Acontecimento: o Mediterranismo de Joaquín Torres-García
Maria Lúcia Bastos Kern Doutora em História pela Université Paris 1, Sorbonne – França. Pós-doutora pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, EHESS – França. Professora Titular do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e do Programa de pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Pesquisadora do CNPq. Autora de, entre outros livros, Imagem e conhecimento. São Paulo: Edusp, 2006. mlkern@pucrs.br
RESUMO O presente texto propõe refletir a relação da imagem e do acontecimento, as complexidades relativas à sua representação e à sua interpretação, destacando as distintas temporalidades no seu interior. Tomaremos como estudo de caso o projeto estético nacionalista Mediterranismo (1907-1917) de Joaquín Torres-García. PALAVRAS-CHAVE: imagem; acontecimento; Mediterranismo.
ABSTRACT The present text proposes to discuss the relationship between image and knowledge, the complexities related to the representation and its interpretation, emphasizing the distinct temporalities inside its interior. As a case study, this text attempts to analyze the nationalist and esthetic project Mediterranism (1907-1917) of Joaquín Torres-García. KEY WORDS: image; event; Mediterranism.
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Imagem e Acontecimento: o Mediterranismo de Joaquín Torres-García
Introdução O presente estudo tem em vista refletir sobre a intricada relação da imagem e do acontecimento, as suas complexas e distintas temporalidades, bem como as questões relativas à representação e à sua interpretação. Segundo Michel Poivert 1, as imagens podem desempenhar duas funções distintas: como mudança de concepção formal e assim instauradora de novas percepções, de crise e de acontecimento; e/ou como representação e instauradora do acontecimento. A imagem ao ser resultante de invenções e instituir novas modalidades de representação e/ou novos procedimentos técnicos, favorece a crise na medida em que ela estabelece a crítica em relação às demais imagens e exige, assim, certo tempo para ser absorvida. O acontecimento visual transforma a modalidade de representação e modifica a percepção de mundo, condicionando o público a reorganizar a sua compreensão do mesmo. Portanto, a imagem pode destruir ou colocar em questão a inteligibilidade do mundo estabelecida e construir outra a partir de elementos perturbadores, que se formalizam em nova representação e se constituem como acontecimento. Para tal, o acontecimento exige dos atores a consciência do tempo e das condições históricas para projetarem as suas experiências na construção de novas imagens. 1 2
No plano da representação, o acontecimento se repete e as variantes o afirmam, muitas vezes, em motivos iconográficos, que auxiliam na articulação dos fatos e do processo de entendimento dos mesmos, bem como das condições históricas em que se produzem. Com isto, a tentativa de autonomização do acontecimento, como fato de linguagem, não é pertinente. O importante é verificar que a obra que gera sentido se constitui como traço do acontecimento, naquilo que ele produz de mudança de representação. Para Poivert, 2 a representação e o acontecimento constituem duas noções e uma dupla aparentemente inseparável. Entretanto, a dificuldade está em compreender que nenhuma relação de simetria dirige a conexão da imagem e do acontecimento. No âmago destas relações, o acontecimento não se constitui jamais como o “conteúdo” da imagem, ela também não é o seu significante. Sua relação é dialética, seja contraditória e recíproca. Para ele, dois dogmas tenderiam a ser separados por ordem hierárquica: 1. aquele que consiste em estabelecer o primado dos fatos e de sua fecundidade histórica, concedendo à imagem o papel de veículo difusor; logo, uma consideração secundária; 2. outro que, ao contrário, dá ao acontecimento o estatuto de puro fato de linguagem e de primazia à representação, relegando o fato bruto na
POIVERT, M. L’Evénement comme experience. In: Les images comme acteurs de l’histoire. Paris: Hazan, Jeu de Paume, 2007. p. 13-27. Ibidem, p. 13-27.
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obscuridade da experiência. Ele identifica nessas premissas: primeiro, uma concepção de história positivista; e a última de história construída pela ciência da linguagem: o fetichismo da experiência vivida e em sua oposição, a ortodoxia do discurso. Essa dualidade é resultante do ressentimento da história na modernidade e da desilusão face ao progresso, isto é, um sentimento de falência da experiência. A sensação de que a experiência não possibilita apreender nada gera o investimento na representação como meio de manter uma relação com o mundo. Em oposição à noção de falência da experiência na modernidade, ele defende que a relação da imagem e história restabelece a dialética entre experiência e representação, afirmando que o acontecimento antes de qualquer coisa deve ser pensado como relação com outros acontecimentos. Para Alain Badiou,3 o acontecimento se define na dialética da apresentação e da representação. Isto significa que a experiência do acontecimento ao se apresentar e representar, numa certa ordem de ações, sofre um processo de recepção, que exige uma forma de compreensão da mesma. A partir da ótica de Louis Marin, poderia se destacar que a representação intensifica a presença do acontecimento, reduplica a sua presença. Como o acontecimento se constitui enquanto processo, as imagens têm o poder de presentificá-lo no seu transcurso, bem como de instaurar questões sobre o mesmo. Entretanto, elas se condicionam às convenções culturais, ao olhar do autor e das trocas que ele estabelece com outras imagens do passado e do presente.
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A imagem como componente cultural é construída sob ótica da memória, das releituras de outras imagens ou diálogos e da imaginação. O visível do acontecimento enquanto representação não é assim a sua cópia, visto ser resultante de múltiplas variáveis e da interpretação do acontecimento pelo autor da imagem. Com isto, não se pode considerar a representação de forma unitária. Ela é criada a partir da memória, isto é, de distintos tempos históricos, sem esquecer de que seus componentes formais também devem ser considerados, pois eles podem se configurar como acontecimento. Eles apresentam particularidades próprias da visualidade que permitem o afastamento do caráter meramente fenomenal da imagem e colaboram com a observação de outras evidências, contribuindo, assim, para o processo de interpretação. Logo, a imagem não pode ser pensada apenas sob ângulo do momento em que ela é criada. É necessário se identificar as sobrevivências presentes na mesma, os encontros de temporalidades contraditórias que elucidam a intricada rede de conexões com as quais ela é elaborada. Neste sentido, Gilles Deleuze demonstra que a “imagem não é presente”, mas um “conjunto de relações de tempos”.4 Didi-Huberman no livro Devant le temps, (2000)5 se refere à questão da temporalidade da imagem e defende o anacronismo como meio fecundo de se entender as obras, quando afirma que o historiador não pode se contentar em fazer a história da arte sob ângulo da euchronie, isto é, sob ângulo conveniente do artista e seu tempo. As imagens visuais
BADIOU, A. L’être et l’événement. Paris: Seuil, 1988. IN: POIVERT, M. Op. Cit. DELEUZE, G. Le cerveau, c’est l’écran. IN: DIDI-HUBERMAN, G. L’image brûle. ZIMERMANN,L. Penser par les images. Nantes: C. Defaut, 2006. p. 28. DIDI- HUBERMAN, G. Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images. Paris: Minuit, 2000. p. 10 e 39.
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exigem que se aborde sob ponto de vista de sua memória, isto é, das “suas manipulações do tempo” e dos diálogos que elas estabelecem entre si em distintos momentos históricos. Muitos estudiosos, do final do século XIX e início do século XX, já identificam nas suas análises a presença de sobrevivências de outros passados, como espécies de memórias inconscientes. Como é o caso, por exemplo, dos estudos de Aby Warburg sobre as obras de Botticelli - “O nascimento da Vênus” e “A Primavera” - nos quais verifica a permanência de expressões e gestos da Antigüidade. A partir dessas sobrevivências, Warburg focaliza dois conceitos importantes que serão objeto de análise pelo filósofo francês: sintomas e pathosformal. 6 Para Didi-Huberman, uma das grandes forças da imagem é possibilitar ao mesmo tempo o sintoma, como interrupção do saber, e o conhecimento, como interrupção do caos. Os sintomas podem ser identificados nestas temporalidades distintas e, às vezes, contraditórias com as quais a imagem é criada. Nelas, se pode verificar as diferentes memórias e interrogar as suas presenças na imagem. As relações de tempo não são jamais vistas pela percepção comum. Interpretar exige paciência, a imagem deve ser olhada, questionada, para que história e memória sejam entendidas. Olhar não á simplesmente ver, nem observar com mais ou menos competência. Ele pressupõe a implicação, delibera uma experiência, isto é, 6
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uma explicação. As criações humanas só são suscetíveis de interpretação e de explicação pelo caminho da compreensão implicativa, de uma tomada de consciência sobre si mesmo. Logo, o objeto de conhecimento é reconhecido por estar intimamente em constituição pelo sujeito que conhece. Para tal, ele deve dialogar com a imagem, interrogá-la e estabelecer certa intimidade com a mesma. 7 O estudo de caso: O Mediterranismo O presente estudo tem em vista analisar as idéias norteadoras do projeto estético nacionalista – o Mediterranismo (19071917) - de Joaquín Torres-García8 e as suas pinturas como acontecimento, conectado com o programa cultural e político – o Novecentismo (1906-1931) – encetado por Eugenio D’Ors e a administração pública da Catalunha. Parte-se do pressuposto de que a obra do artista uruguaio se constitui como acontecimento, pelo fato da mesma introduzir novas formas plásticas e de representação, bem como construir a memória nacional e exercer o papel de difusão do nacionalismo catalão. O Mediterranismo origina-se em paralelo ao movimento Novecentista, liderado pelo escritor, e ambos se constituem em projeto de emancipação da Catalunha, face ao centralismo do governo espanhol e da perda de parte de suas colônias na América e África.9 Desde este momento, o catalanismo,
WARBURG, A. Essais florentins. Paris: Klincksieck, 1990. p. 49-100. A noção de sintomas de Warburg lhe permite identificar as manifestações artísticas como fenômenos vinculados à história e evidenciar os seus diferentes sentidos e temporalidades presentes nas obras. Ele trabalha essa noção a partir do processo de comparação entre as obras em distintos momentos históricos, tendo em vista verificar as permanências e questioná-las. O conceito de pathosformal inaugura uma nova percepção do Renascimento. Esse conceito é elaborado através da observação das representações das imagens, dos gestos e movimentos das figuras, de diferentes estados psíquicos. A partir do pathosformal, ele verifica o caráter híbrido da arte do Renascimento, rompendo com as visões homogeneizadoras do formalismo de Wölfflin e do historicismo. DIDI- HUBERMAN, G. L’image brûle. Op. Cit., p. 28. Torres-García (1874-1949) reside em Barcelona de 1892 a 1920, quando se muda para Nova Iorque e em 1922 retorna para Europa (Itália e França). A partir de 1898, a Espanha perde parte de suas colônias: Cuba, Porto Rico, Filipinas e, mais tarde, Marrocos.
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progressivamente, deixa de ser um movimento regionalista liderado por uma minoria e assume o caráter coletivo de uma ação política de teor nacionalista, tendo como objetivo a autonomia. Certos segmentos sociais se sentem altamente prejudicados com as perdas das colônias, visto que a Catalunha detinha com as mesmas importantes relações comerciais, sobretudo no setor da indústria têxtil. Torres-García em suas reflexões revela, inicialmente, o mal-estar reinante no final do século XIX e menciona numa conferência proferida em 1894, no Círculo Artístico São Lucas, a necessidade de resolvê-lo a partir de um projeto “cultural e moral”. Desde 1901, o artista evidencia em suas pinturas e artes gráficas representações referentes à Antigüidade clássica, nas quais predominam as Vênus e musas junto à paisagem do Mediterrâneo, templos e fontes. Como se pode observar nas capas da revista Pél & Ploma, de julho de 1901. Nesse momento, em Barcelona, predomina a pintura trabalhada pela ação da luz sobre a natureza, de teor impressionista, o Modernismo, o naturalismo e, nas artes gráficas o desenho, cujas formas e construções espaciais são livres e semelhantes às obras gráficas de Toulouse Lautrec. Torres-García produz obras gráficas, como por exemplo, “Carnaval”, s/data, segundo esta acepção. Ele conhece a obra de Puvis de Chavannes, em Barcelona (1896), e identifica nesta questões que possibilitam criar o projeto estético e solucionar o mal estar por ele vivenciado. Chama atenção do artista que Chavannes “sacrifica o detalhe, elimina o acidental e o particular”. O desenho é
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resultante do fazer intelectual, que permite atingir a síntese, a amplitude expressiva e a simplicidade primitiva.10 As primeiras pinturas e trabalhos gráficos de Torres-García seguem esses procedimentos formais e permitem a emergência do Mediterranismo, como projeto estético direcionado à coletividade e à retomada da memória nacional. As suas intenções diferem daquele olhar nostálgico de Chavannes em relação ao passado clássico que desapareceu, tendo em vista que o uruguaio busca no passado o momento fundador da cultura catalã, para programar a modernidade. D’Ors e Torres-Garcia consideram que a arte ao assumir a expressão coletiva poderia exercer o papel ético, cívico, construtivo e preparar o futuro da sociedade catalã. O projeto de modernidade ao identificar-se com o nacionalismo tem o objetivo de se contrapor às decadentes manifestações do Modernismo e do Simbolismo. Eles negam os excessos ornamentais, o individualismo e o internacionalismo que esses movimentos provocaram na cultura da Catalunha, assim como os seus vínculos com valores espirituais da Idade Média. O discurso do uruguaio se opõe também às vanguardas européias, por suas práticas efêmeras e individualistas. É nesse contexto de descontentamento e de consciência da necessidade de mudanças que surge o Mediterranismo, no qual a paisagem é representada por seu caráter estético, simbólico e formador de identidade. 11 O nacionalismo catalão, liderado pelas elites políticas e intelectuais, adota a pintura de Torres-Garcia como a sua representação emblemática e apresenta um programa modernizador que consegue a adesão, cada
PONS, Juan S. Torres-García. La fascinació del clàssic. Barcelona: Caixa de Terrassa, 1993. p. 31. O Mediterranismo emerge num momento em que alguns artistas na França e Itália retomam os valores da plasticidade grecoromana, como por exemplo, Maillol, cuja obra exerce um grande fascínio entre os artistas catalões.
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vez maior da sociedade local. Peculiariza-se pela convicção de que a Catalunha constitui uma “entidad distinta, por la raza o por la cultura y por la tradición” (...) que se fundamenta “sobre bases más profundas que el ressurgimiento lingüístico”. 12 Para muitos intelectuais, como Torres i Bages, é a homogeneidade do pensamento e da língua que revela o caráter do povo. Acrescenta ainda que a família, a terra e o trabalho se constituem a grande árvore da pátria. 13 No mural “Idade de Ouro da Humanidade” (1915), o artista uruguaio representa estes valores. 14 Torres-Garcia se identifica com o pensamento deste intelectual, quando executa as suas pinturas e representa temas pautados nos atributos permanentes da Catalunha e a simboliza com a imagem da divindade Palas Atenea, identificada pelo pensamento, e sempre ambientada pela paisagem do Mediterrâneo. Como se pode observar no fragmento superior do mural “Catalunha Eterna”, (1913). Para a formulação da estética nacionalista, ele projeta a arte baseada na paisagem idealizada da Catalunha e na recuperação das tradições clássicas locais. Os achados arqueológicos das culturas grecoromanas da Costa Brava e de Ampúrias (1907) são valorizados e tornam-se os paradigmas da estética do Mediterrâneo, assim como as pinturas pré-históricas descobertas em Barcelona. A pintura de Torres-García é constantemente reconhecida como sinônimo
do Novecentismo por Eugenio D’Ors, pois ao retomar as raízes artísticas oriundas dos achados arqueológicos ele expressa o seu nacionalismo e edifica a noção de paisagem nacional. Para D’Ors, “Toda la extensión de un inmenso horizonte se abre dentro de nosotros (...). Es un horizonte azul, en que está la serenidad del Padre Mediterráneo. (...) mar nuestro ! “ 15 O escritor destaca a beleza do mar e da “pequeña montaña de gusto helénico” 16 que detém na Antigüidade um papel significativo nas mitologias, como o lugar dos deuses. Podem-se observar estas questões no fragmento central do mural “As Artes”, (1916), no qual a paisagem mediterrânica é bela, equilibrada e serena, porque tanto o escritor como o artista configuram a síntese ordenada da natureza e dotada de atributos simbólicos. Com isto, eles fixam os limites e normatizam a sua representação. D’Ors 17 estabelece as relações desta paisagem e dos achados arqueológicos com a cultura grega do passado, criando o mito da Catalunha grega: “pequeña cabeza de Venus (...) encontrada em Ampúrias (...) quieras, en recuerdo y amor de la vieja Cataluña griega, darle un sentido clásico a la moderna Cataluña confusa”.18 Deve-se destacar que as reflexões teóricas do escritor e de Torres-García são publicadas em revistas e jornais, e que D’Ors consagra na imprensa a obra do uruguaio. Torres-García escreve em catalão e produz um discurso persuasivo dirigido a convencer o leitor da necessidade de criação de uma arte própria para a Catalunha, sendo assim
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CARR, Raymond. España 1808-1939. Barcelona: Ariel, 1979. p. 519. Torres-García escreve e fala catalão, sendo por isto muito bem recebido pela intelectualidade nacionalista. 13 PONS, J. Torres-García. La fascinació del clàssic. Op. Cit., p. 108-9. 14 Torres-García, sob encomenda oficial, executa vários murais para o Palácio Geral da Catalunha. 15 JARDÍ, E. El Novecentismo catalán. Barcelona: Aymá, 1980. p. 24. 16 Ibidem, p. 35. 17 Ibidem, p. 23. 18 Posteriormente, ele abandona a visão de cultura vinculada ao meio natural e aos símbolos antigos da Catalunha, em prol da cidade de Barcelona e dos símbolos que evocam a sua modernidade. Para D’Ors, a cidade do futuro deveria ser dominada pelas artes.
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muito bem quisto pelas elites intelectuais e políticas. No artigo “La nostra ordinació y el nostre camí” (1907), ele defende a premência de ordenar as idéias sobre a arte e afirma que esta teria que vir “deste mar (...), das oliveiras e pinheiros, da(s) vinha(s), das laranjas, deste céu azul e, sobretudo, do homem daqui, a nossa religião, as nossas festas, a nossa vida!” 19 Ele salienta ainda que as representações pictóricas do pescador, do coletor de frutas têm o mesmo valor e beleza que a do atleta nas antigas olimpíadas e de uma divindade mitológica. Estes valores estão representados nas pinturas: “Jovens” (102 x 130 cm), 1906, “Mulheres do povoado” (óleo s/tela, 74 x 100 cm), 1911, “Laranjeiras beira mar”, óleo s/ cartão, 1912. Ele produz a sua pintura, observando os tipos sociais, nas suas atividades cotidianas, e procurando a simplicidade e a essência da arte. As formas vão se depurando, como aquelas das artes arcaica e clássica, e sendo construídas em relação com o lugar, enquanto espaço singular, propiciando, assim, uma nova representação da Catalunha. O lugar edificado pelo artista é o da ordem, nela ele representa as práticas culturais e configura o mito da Catalunha Eterna. Assim, ele destaca nas pinturas a harmonia dos homens e de suas obras com o meio natural, integrando a arquitetura antiga com a paisagem.20 O artista recupera o valor da terra, como fenômeno decorrente da necessidade de buscar a sua essência, fecundidade e riqueza, procurando revelar a vitalidade da mesma,
em prol de um projeto coletivo. Torres-García acredita que, desta forma, a arte da Catalunha seria singular e atingiria a sua essência, 21 bem como despertaria na população o sentimento de pertencer ao país e, conseqüentemente, uma postura ética coletiva. Ele pensa que a partir do processo de recuperação das tradições culturais é que se dará o fenômeno que denomina de “a nossa renascença atual”, porque o passado “se encontra nas formas mais ou menos modernizadas da arte da antiga Catalunha”. 22 A sua pintura mural, como por exemplo, em “Mon Repòs” (1915), peculiariza-se pelo uso de formas semelhantes aquelas apresentadas na cerâmica grega, pelo espírito de síntese e por figuras monumentais e frontalistas, cujas formas se originam, muitas vezes, da arte arcaica grega e das pinturas de Pompéia. As temáticas predominantes são relativas às atividades rurais e alegorias, calcadas na relação entre a mitologia grecoromana e o homem da Catalunha. As tonalidades predominantes são terrosas e ocres, contrapostas ao branco e as pinturas têm como cenário a costa mediterrânica, representada por seu caráter harmônico e suas riquezas naturais e culturais. Podem-se verificar também estas questões em “Duas figuras colhendo frutas”, (têmpera, 33x 45 cm) 1914.23 Para a execução desses murais, ele viaja à Itália (1912) com o fim de estudar os procedimentos técnicos dos afrescos, sendo
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TORRES-GARCÍA, J. La nostra ordinación y el nostre camí. IN: Empori 4, abril 1907. p. 190. Ao valorizar determinadas árvores, ele se pergunta ainda se a oliveira, tão comum na região mediterrânica, não será a árvore de Palas. De fato, na Grécia, a oliveira foi atribuída à deusa de Atenas e sempre exerceu um papel econômico significativo no mundo mediterrânico. Entretanto, D’Ors considera esta árvore como símbolo da raça, já que representa “uma lição de catalanidade eterna, de tradição, de patriotismo mediterrânico, de espírito clássico. JARDI, E. El Novecentismo catalán. Op. Cit., p. 25. 21 TORRES-GARCÍA, J. Dialegs. IN: Escrits sobre art. Barcelona: Ed. 62, 1986. p. 138. 22 Ibidem, p. 40-41. 23 Como, por exemplo, em “Mulheres do povo” (1911), “Duas figuras recolhendo frutas” (1914), “Arquitetura com figuras clássicas” (1914), “Figuras de camponeses” (s/d.), “Homem e mula” (s/d.), dedicada a Xenius (pseudônimo de D’Ors) etc. 20
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atraído por aqueles pintados em têmpera seca. Nessa viagem, ele admira as pinturas de Giotto, pela simplicidade de suas composições, clareza das idéias expressas, gestos harmônicos e sobriedade da cor. Identifica-se com as pinturas de Pompéia pela construção arquitetônica do espaço e as grandes extensões de cores, rompidas apenas pelas figuras. Da arte etrusca e das pinturas das catacumbas, lhe chama atenção o ritmo frontal e a disposição das figuras num só plano, muitas vezes em forma de friso. Os estudos e croquis que ele excuta durante a viagem são utilizados em Barcelona para execução das pinturas murais. Nelas se identificam as idéias que formalizam o seu projeto, bem como certas construções espaciais e formais das distintas práticas artísticas com as quais o artista entrou em contato, na Itália. Na pintura “A Filosofia introduzida no Parnaso como a XI Musa” (óleo s/tela, 1,24 x 3,85 cm), 1911, o artista representa a entrada da filosofia no parnaso pela mão de Palas Atenea, para se constituir como guia das musas, isto é, das artes. Nela se evidencia o seu idealismo artístico e a representação estruturada em planos, sendo as figuras distribuídas enfileiradas e, em geral em posição frontal, e os seus gestos contidos. A Palas Atenea, que simboliza o pensamento catalão, que simboliza o pensamento catal arte da Catalunha a partir desses pressupostos e se destaca pela dimensão maior que as demais musas. As formas são despojadas de detalhes, construídas pela linha do desenho e pelo modelado dos volumes coloridos, numa paisagem estruturada em planos de cores. Nesta, predominam os tons ocres, terrosos e verdes, assim como a representação das montanhas e das árvores (pinheiros, louros e oliveiras) do Mediterrâneo. A distribuição das figuras enfileiradas num plano está presente 144
na arte etrusca, em Giotto e em certas pinturas de Puvis de Chavannes, como, por exemplo, a efetuada para o anfiteatro da Sorbonne (1888). Torres-García opta pelo espaço em planos, muito utilizado por artistas antes da descoberta da perspectiva científica, e pelos artistas modernos. Ele utiliza os tons ocres e terrosos que considera como típicos da paisagem local e que são também encontrados nas cerâmicas gregas e nas pinturas pré-históricas da Catalunha. Nelas o artista identifica as raízes da verdadeira arte catalã. A cor, ao mesmo tempo em que se constitui como signo nacional, tem, muitas vezes, a finalidade de construir a plasticidade da obra, em oposição à noção de arte como imitação do real. Os contornos escuros e bem definidos estão presentes na cerâmica grega e na pintura moderna. Ele procura aliar a essas práticas os temas e a retórica clássica com formas arcaicas e procedimentos técnicos primitivos para recuperar o passado histórico da região e facilitar a comunicação em prol do projeto de modernidade da Catalunha. O primitivo é intencional, tendo em vista que o artista procura criar uma nova forma de expressão visual, vinculando-o com o moderno e com a proposta de identidade cultural. A sua sintonia com o moderno se evidencia não só nas imagens, mas também nos textos que publica desde 1913, quando começa a formular os conceitos de estrutura e plasticidade em oposição à noção de arte enquanto imitação. Estas questões estão, por exemplo, presentes na obra “Arquitetura com duas figuras clássicas”, (têmpera, 55x62 cm) 1914. Verificase nesta pintura a bidimensionalidade do espaço e os contornos salientes, bem como a estrutura arquitetônica em madeira rústica com os pregos à vista. Essas tensões entre o moderno e o clássico são procedimentos que aliados à técnica do afresco não são muito praticados por artistas de seu tempo.
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Na primeira pintura mural executada para o Palácio Geral da Catalunha, em Barcelona, “Catalunha Eterna” (1913), ele apresenta os atributos permanentes da Catalunha como a árvore da pátria (oliveira) e o pensamento nacional, representado pela Palas Atenea e por uma vestal que mantém aceso o fogo da língua. Na parte central, a Catalunha Eterna é representada pela figura entronizada, envolvida pela paisagem do Mediterrâneo e pelas mulheres que simbolizam os dons da terra e da cultura. Na parte inferior, os homens trabalham a terra (à esquerda) e outros (à direita) se dedicam à vida contemplativa. A Catalunha é representada pela mulher porque fala a língua local, que é nesse momento estimulada pelas elites. A ordenação da narrativa tem a finalidade de torná-la acessível para o grande público e concretizar a sua proposta de regeneração da cultura nacional. Para que o projeto estético e ético tenha sucesso, Torres-García recria a paisagem do território, a partir de sua concepção plástica, tendo o fim de valorizá-la já que esta se encontra até então como espaço esquecido em suas singularidades, buscando assim instaurar novas significações culturais e ideológicas. Os murais revelam a presença de distintas temporalidades, a retomada dos temas alegóricos, abandonados em geral pelos artistas modernos, e de técnicas em desuso. A adoção da têmpera e de recursos técnicos e artesanais primitivos evidencia o desejo do
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artista de resgatar as práticas artísticas nacionais para sintonizar com as representações das atividades culturais e econômicas locais e temas clássicos de caráter universal. Torres-García tem em vista criar a arte da Catalunha a partir de valores eternos, da ordem em oposição à desordem, que ele acredita reinar nas artes daquele momento. O uruguaio, no seu projeto de autonomia e modernidade, busca diferenciar a arte catalã da arte estrangeira, porém sem esquecer os valores eternos e universais. Como se pode observar, as imagens dos murais revelam as diferentes memórias, as distintas temporalidades e a tensão entre os componentes formais variados, mas nenhum deles está nas pinturas ao acaso. É a partir de um estudo criterioso que ele articula o passado com o presente, tendo em vista o devir e a construção de novas formas pictóricas, nas quais as suas concepções e conceitos de arte estão inseridos. Torres-García, como artista da modernidade, acredita no seu papel enquanto ator social no sentido de conduzir, através de sua obra, as mudanças e ordenar o mundo em que vive. Para atingir as transformações planejadas para a Catalunha, ele elabora um projeto dogmático que conecta a memória, o território e o homem, e instaura novos valores e significados.24 Ele faz das suas imagens acontecimento, ao criar novas formas plásticas de representação, bem como de construção visual de seu projeto nacionalista.
O artista ao idealizar em seus murais a “Catalunha Eterna”, projeta uma nova sociedade, justa e igualitária, que não se concretiza. No final da Primeira Guerra Mundial, ele toma consciência da política econômica encetada pela burguesia, assim como das limitações das entidades oficiais para o entendimento da renovação plástica do seu Mediterranismo. A sua visão ideológica modifica-se e também os seus murais apresentam temas sociais e formas mais modernas. Frente a esta situação, ele abandona o seu programa artístico e dá continuidade às suas investigações. No entanto, muitas idéias formalizadas no Mediterranismo permanecem em fases posteriores de sua obra teórica e plástica, como é o caso do Universalismo Constructivo.
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MARIA LÚCIA BASTOS KERN
“Mulheres do povoado”, óleo sobre tela, 74 x 100 cm., 1911.
“A filosofia introduzida no Parnaso como XI musa”, óleo sobre tela, 1,24 x 3,85 cm, 1911.
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IMAGEM E ACONTECIMENTO: O MEDITERRANISMO DE JOAQUÍN TORRES-GARCÍA
“Mon Repòs”, afresco da residência de Torres-García, 1915.
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MARIA LÚCIA BASTOS KERN
“Catalunha Eterna” afresco, Palácio Geral da Catalunha, 1913.
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ARTE PARIETAL DE POMPÉIA: IMAGEM E COTIDIANO NO MUNDO ROMANO
Arte Parietal de Pompéia: Imagem e cotidiano no mundo romano
Renata Senna Garraffoni Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Atua no Centro de Pensamento Antigo (CPA) e do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE), ambos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Autora de, entre outros livros, Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas. São Paulo: Annablume/Fapesp. 2005. resenna93@hotmail.com
RESUMO
O artigo apresenta um debate acerca da relevância dos estudos sobre as sociedades antigas, do dialogo entre a Arqueologia e a História e de como os historiadores abordaram seus estudos a respeito de tal tema. Chama a atenção para as muitas intervenções humanas que as cidades antigas sofreram, mas, como é possível por meio da pintura parietal e dos grafites, promover novas interpretações desse passado. Trata das fontes, e destaca os conflitos e contradições da cidade da Campânia promovidos entre grupos rivais. Esta análise é feita por meio do grafite que permitiu construir outras significações do cotidiano apontando a rivalidade para muito além dos grupos comumente estudados. Destaca que a imagem como uma fonte independente é capaz de expressar significados estéticos e simbólicos, ajuda a construir uma interpretação mais complexa do acontecimento estudado. PALAVRAS-CHAVE: cultura material; grafite; imagem.
ABSTRACT
The article discusses about the relevance of studies on ancient societies, the dialogue between Archeology and History and how historians conduct their researchers on this theme. It pretends to emphasize human intervention that ancient cities went through, but, how it is possible, analyzing wall painting and graffiti from Pompeii, making new interpretations of the past. Studying the historical source, it detaches the conflicts and contradictions of the city of Campânia promoted by opponent groups. This analysis is based on those graffiti that allowed the construction of other signification of the daily life, showing the rivalry besides those groups usually studied. Emphasizes that image, as an independent historical source, is able to express esthetic and symbolic meanings, and helps us to build an interpretation more complex of the studied event. KEY WORDS: material culture; graffiti; image.
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Arte Parietal de Pompéia: Imagem e cotidiano no mundo romano
Introdução Caminhar pelas largas avenidas de Roma ou as estreitas vielas das cidades romanas que se espalharam pela Europa, norte da África ou Oriente é sempre uma experiência particular. As ruínas que ali permanecem ainda hoje impressionam pela sua beleza arquitetônica e diversidade de estruturas, proporcionando aos passantes uma percepção fragmentada das cidades antigas. Em cada momento histórico, estes fragmentos despertaram reações distintas: em alguns períodos as estruturas remanescentes foram reutilizadas na construção de novos edifícios, em outros a preservação foi tema de discussões e lutas para a manutenção da memória dos antepassados1. Modernamente, em especial a partir do século XIX, as cidades romanas passaram a serem exploradas pela Arqueologia que, então, nascia como disciplina científica atrelada à História2. Neste novo contexto, em que os estados nacionais começavam a se delinear, a idéia na qual um povo se definia por uma língua e um território comum modificou a relação dos europeus com seu passado (Funari e Cavicchioli, 2005).
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História e Arqueologia tornaram-se as ciências que definiam métodos e técnicas para ordenar o passado, dar-lhe um sentido para construir as identidades nacionais e as fronteiras dos países que se formavam. Dentro do âmbito do positivismo, da busca pelo passado ‘tal como ele realmente aconteceu’ nas palavras de Ranke, as primeiras coleções de documentos foram estabelecidos. Durante décadas, a objetividade da Ciência foi fundamental para que os intelectuais definissem as linhas de estudos baseadas em descrições das fontes e, também, separassem os materiais a serem preservados ou descartados. Em geral, preservou-se tudo aquilo que representava a grandiosidade dos romanos, focando as interpretações nas narrativas sobre os grandes homens e em suas conquistas bélicas. É somente no século XX que estas certezas começam a serem questionadas. A partir das trilhas abertas por Marc Bloch e Lucien Febvre, a chamada Escola dos Annales construiu diversos campos de reflexão sobre a relação dos homens com seu passado. A idéia na qual o presente influencia a interpretação do passado, a percepção que o estudioso é, antes de tudo, um sujeito que interfere na
Rafael de Urbino, durante o Renascimento italiano, é um dos primeiros a destacar a importância de preservar Roma, a qual chamou de “Cidade Eterna”. Sobre esta questão, cf., por exemplo, Teodoro, 1994; Nesseralt 1984; Burns, 1984. É importante destacar que na Europa a Arqueologia surgiu derivada da Filologia e História, preocupada em estudar os vestígios materiais do ocidente, diferente do que ocorreu na América. Para maiores detalhes, cf., por exemplo, Funari e Cavicchioli, 2005.
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construção de seu corpus de documentos ou a recusa ao totalitarismo e o imperialismo que produziam interpretações unilaterais das experiências passadas formaram uma postura particular, na qual intelectuais se reuniram em um espírito de busca por interpretações menos lineares da História. Esta perspectiva foi fundamental para ampliar a percepção do que é um documento histórico, até então entendido como texto, construindo uma História baseada em uma multiplicidade de fontes e de métodos interpretativos calcados na interdisciplinaridade (Le Goff, 2001). É dentro deste contexto que se insere a presente reflexão sobre a arte romana. Considerando que a preservação da arte parietal romana não é somente técnica, mas também estética e política e partindo do pressuposto que o estudo deste tipo de documentação requer um esforço interdisciplinar, ou seja, um diálogo entre História e Arqueologia, gostaria, nesta ocasião, de propor uma discussão sobre o cotidiano romano, suas incertezas e conflitos, tendo em vista a rixa de torcedores ocorrida no anfiteatro de Pompéia no ano de 59 d.C. Para tanto, procurarei fazer uma reflexão sobre a importância de Pompéia para se pensar o mundo romano e, em segundo lugar, discutirei como as imagens presentes nas paredes desta pequena cidade da Campânia romana podem ser consideradas um importante corpus de documento para uma análise do dia a dia das pessoas que circularam por estas ruas antigas. Escavando Pompéia Pompéia, localizada próxima à bacia de Nápolis, no sul da Península itálica, é considerada pelos estudiosos um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo antigo. Muitos acreditam que esta cidade
surgiu como um núcleo de agricultores e pescadores oscos na Idade do ferro. Desde o século VIII a.C., Pompéia foi habitada por diferentes povos e, por se localizar próxima ao mar, sempre favoreceu a circulação de pessoas. Assim, oscos, etruscos, gregos, samnitas e romanos circularam por este espaço em diversos períodos tornando a cidade um importante local de comércio e veraneio (Cavicchioli, 2004). Soterrada pelo vulcão Vesúvio no ano de 79 d.C., Pompéia permaneceu desaparecida até o século XVIII, quando as primeiras incursões foram feitas no local. Somente em 1763 foi confirmado que as ruínas ali presentes eram da cidade de Pompéia, pois foi encontrada uma inscrição dedicada à cidade (Funari, 2003). No entanto, como neste momento a Arqueologia como disciplina ainda não existia, as primeiras escavações foram feitas de forma aleatória, procurando preservar aquilo que a nobreza napolitana do momento acreditava ser mais valioso. Neste contexto, muito se perdeu, em especial pela falta de preservação e constantes saques. Muitos estudiosos de Pompéia, como Varone (1998), apontam a necessidade de se entender este contexto, pois a de retirada de objetos de valor artístico de sítios abandonados e o hábito de colecionar antiguidades era uma prática comum no momento. Embora durante este período Pompéia tenha sido visitada por pessoas que defendiam o fim destas pilhagens, Etienne (1994) afirma que, somente no século XIX, a cidade passar a ter uma intervenção mais sistemática e menos destruidora. Mesmo que em alguns momentos o interesse tenha sido menor pela escavação, sabemos que Victorio Emmanuele, rei da Itália e seu unificador, aponta Fiorelli como responsável pelo estudo de Pompéia. É somente com Fiorelli que a
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cidade passa a ter uma exploração mais científica e Etienne destaca que foi este homem quem dividiu a cidade em regiões e quarteirões (insulae), sistema de demarcação utilizado até hoje pelos arqueólogos, além de ter escavado o prostíbulo e outras regiões da cidade. Se Fiorelli é um dos mais importantes arqueólogos do século XIX, responsável por uma escavação menos destrutiva, Amadeo Maiuri é o superintendente mais polêmico do século XX. Mauiri ocupou o cargo entre 1924 e 1961 desenvolvendo seus trabalhos a partir de financiamentos do governo fascista de Mussolini. Embora boa parte de Pompéia tenha sido escavada neste período, estudiosos criticam as restaurações inadequadas por ele propostas que mais indicavam uma percepção fascista do que era o Império do que uma estética romana propriamente dita. Suas restaurações visavam à propaganda do regime fascista, tornando Pompéia o orgulho nacional, substrato para as idéias de superioridade italiana moderna, já que estes descendiam de um povo conquistador. Cavicchioli (2004) ressalta ainda que, durante direção de Maiuri, muitos objetos foram retirados de seus contextos originais, em especial os que feriam a conduta de moralidade fascista como as pinturas e objetos com representações sexuais ou fálicas, descritas na época como pornográficas. Atitudes como esta restringiam o acesso ao material escavado em Pompéia, bem como alteraram os contextos nas quais foram encontrados. Estas considerações acerca da escavação de Pompéia, embora tenham sido apresentadas de maneira sucinta, permite uma reflexão particular: o que hoje 3
consideramos o sítio arqueológico de Pompéia é um local que passou por diversas intervenções sejam elas naturais, como a erupção do Vesúvio que preservou alguns de seus aspectos, mas destruiu outros e as escavações do local. Tais escavações foram permeadas por saques, atravessadas pela estética napolitana do século XVIII, pelas primeiras escavações científicas, pelo fascismo de Mussolini e pela destruição dos bombardeios durante a II Guerra. Assim, o que hoje se preservou não deve ser entendido como uma ilustração direta do que era uma pequena cidade administrada pelos romanos no século I d.C., mas um sítio arqueológico que sofreu alterações naturais e humanas. Neste sentido, mais do que estudarmos o cotidiano de Pompéia como um reflexo do dia a dia romano, a idéia seria pensar este local na sua especificidade, nas suas tensões e conflitos, entendendo o mundo romano não como uma sociedade homogenia, mas formada a partir de uma pluralidade de sujeitos. Esta perspectiva possibilita o questionamento de parâmetros culturais absolutos para os romanos que foram estabelecidos pela historiografia ao longo do século XX e foca na experiência de vida, enfatizando sua fluidez e contradições3. Se por um lado as intervenções alteraram a estrutura da cidade, por outro é importante ressaltar que nem sempre Pompéia esteve no centro das interpretações dos estudiosos. Durante muito tempo foi considerada um mero depósito de evidências e muitos classicistas recorriam à cidade para comprovar o que tinham lido nos textos romanos. Com o desenvolvimento da Arqueologia, em especial de vertentes de pensamento que questionaram a idéia na
Sobre a importância da História do cotidiano para desmistificar interpretações absolutas da sociedade, cf., por exemplo, Dias 1998.
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qual a Arqueologia servia para escavar dados para suprir a História, a relação entre ambas disciplinas se alterou 4 . Assim, muitos estudiosos têm trabalhado em uma perspectiva dialógica, ou seja, ao invés de utilizarem a cultura material como ilustração do texto, cada artefato passou a ser interpretado em seu contexto, ora preenchendo lacunas da documentação escrita, ora conflitando com ela. A partir do exposto, ressalto que minha aproximação de Pompéia e seu cotidiano é feita tendo por base um viés que considera as intervenções no sítio e seus limites e visa uma interpretação da cultura material a partir de suas particularidades, pois como afirma Dommelen (1997), a Arqueologia permite o estudo de caso redefinindo a situação do local em que os artefatos foram encontrados. Dentro do universo cultural de Pompéia e sua diversidade, enfocarei, nesta ocasião, as paredes da cidade, pois nelas é possível notar expressões imagéticas e epigráficas das mais variadas espécies: pinturas de refinados estilos, grafites que tratam desde ofensas pessoais a poesias amorais, passando por ironias e charadas, além de propagandas eleitorais ou dos espetáculos públicos. Como a idéia é pensar os conflitos e contradições desta cidade da Campânia, gostaria de me deter a um estudo de caso específico: a rixa que ocorreu no anfiteatro. Há diferentes tipos de registros sobre este evento. O mais conhecido é o relato de Tácito, nos Anais (XIV, 17) e a arte parietal, seja a pintura como os grafites, é pouco valorizada, pois tradicionalmente é empregada para ilustrar a descrição do historiador romano. No entanto, uma leitura cuidadosa das imagens destas paredes em seu contexto original e 4
desobrigada de comprovar o relato de Tácito pode fornecer indícios para pensarmos as formas de identidade nesta cidade. Para tanto, seria interessante, antes de interpretarmos as evidências, tecermos alguns comentários sobre a arte parietal romana. Arte parietal romana: as pinturas e os grafites As paredes da cidade de Pompéia, que sobreviveram à erupção do Vesúvio, tornaram-se um importante corpus de pinturas e inscrições acerca do mundo romano. Seguramente, Pompéia possui apenas uma fração dos estilos de arte parietal que se desenvolveram no mundo romano, mas foi a partir dela que foram estabelecidas as cronologias e as tipologias ainda no século XIX. Como basearei minha análise em duas categorias imagéticas distintas, a pintura e os grafites, é interessante pensar o contexto de estudo de cada uma delas. Iniciemos pelas pinturas. Funari e Cavicchioli (2005) afirmam que embora tenham existido pinturas portáteis, em geral feitas em painéis de madeira, a partir do século I a.C. as pinturas de parede passam a fazer parte da estética artística romana. Os autores destacam, também, que a técnica pictórica mais comum era o afresco. A parede era preparada com uma capa de cal e pó de mármore e os extratos de preparação poderiam conter até sete camadas, em uma tentativa de refinar a parede e, ao mesmo tempo, evitar umidade e infiltrações. Em geral a pintura era feita antes da última camada, desenhada por um pintor mais experiente que delineava a decoração e o trabalho era completado por seus ajudantes. Tais pinturas, segundo Funari e Cavicchioli, poderiam ser realizadas nas paredes internas ou externas
Sobre o questionamento da idéia da Arqueologia como “serva” da História, cf. Funari et Zarankin, 2001; Funari, Jones et Hall, 1999; Storey, 1999.
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da casa, sendo que estas últimas recebiam menos cuidados e foram consideradas, pelos estudiosos modernos, com menos valor artístico. As pinturas variavam de acordo com o contexto, isto é, dependendo do cômodo, da luminosidade, dos móveis e do efeito que se queria proporcionar, tornando-se, assim, uma arte complexa, organizada e planejada. Dada a diversidade, Ling (1991) afirma que as pinturas mais elaboradas foram as mais estudadas por historiadores da Arte, sendo que o primeiro a estabelecer as diferenças e os tipos de estilo foi Augusto Mau, em 1882. Apesar das críticas e complementos posteriores, a divisão em quatro estilos proposta por Mau segue sendo utilizada até hoje. De maneira resumida, é possível afirmar que o critério empregado por Mau foi cronológico estabelecendo a seguinte evolução: Estilo I “estrutural ou mármore fingido” (do séc. III a.C. até séc. I a.C.) – relevo criava a impressão de placas de mármore; Estilo II “estilo arquitetônico” (séc. I a.C.) – perspectivas falsas, colunas e outros tipos de imitação arquitetônica; Estilo III “estilo ornamental” (final do séc. I a.C. até início do séc. I d.C.) – ornamentação rica e delicada, muitos motivos egípcios; Estilo IV “estilo fantástico” (início do século I d.C.) – estilo rebuscado e forte presença de elementos da mitologia5. No que diz respeito à evolução e transformações deste estilo há um grande debate. O próprio Mau afirmou que as transformações eram algo externo a Pompéia, enquanto que Little (1945), já nos anos de 1940, discordava desta postura, argumentando que, embora haja uma influência helênica, os estilos de Pompéia teriam se modificado a partir dos gostos 5
locais, com a inclusão de elementos teatrais e satíricos que expressariam as escolhas da elite pompeiana. Além de um debate interno sobre estes estilos e suas modificações, há também uma discussão acerca de quais pinturas poderiam ser enquadradas nestes estilos. Há uma grande quantidade de pinturas de jardins e peristilos, por exemplo, que não fazem parte destes estilos e foram denominadas de populares. Entre estes pinturas estão as cenas cotidianas, como a rixa no anfiteatro ou as chamadas pinturas eróticas. Tal diferenciação indica que os critérios de catalogação não são neutros, são construídos a partir da perspectivas dos estudiosos e, como afirmam Funari e Cavicchioli, muitas vezes, expressam quais os aspectos da cultura romana se pretendem preservar. Se por um lado os sistemas de pintura foram catalogados e têm sido sistematicamente estudados, por outro, os grafites de parede ainda são pouco conhecidos. Desde o século XIX, todas estas inscrições de cunho popular são catalogadas no CIL, Corpus Inscriptionum Latinarum, mas foram poucos os estudiosos que se dedicaram a interpretá-las, se compararmos com as pesquisas acerca das pinturas dos IV estilos. Segundo Feitosa (2005: 59-61), até há pouco tempo, o volume IV, destinado a região vesuviana, contava com quase onze mil grafites. A grande maioria deles é copiada conforme os originais, mas há muitos que são anotados a partir da pontuação e interpretação do paleógrafo que o transcreveu. Esta ressalva é muito importante, pois temos que estar conscientes que a leitura que fazemos destes grafites pode ser influenciada pela anotação de outros.
Para maiores detalhes sobre os estilos, cf. Funari e Cavicchioli, 2005: 115-116.
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Mas o que seriam estes grafites? Diferentemente das inscrições oficiais que eram pintadas para serem vistas a longa distância, os grafites eram pequenos e precisavam ser vistos de perto. Sulcados nas paredes com um estilete (em latim graphium), os grafites produziam uma relação distinta com o público: eram pessoais e o leitor tinha que se aproximar da parede para poder enxergá-los. Em geral eram escritos em ambientes fechados, embora muitos sejam encontrados nas paredes externas das casas pompeianas. Impulsivo, imediato e espontâneo o grafite é um registro singular que marca um momento específico ou uma necessidade pessoal de deixar registrado uma insatisfação, uma piada ou uma declaração de amor tornando-se, portanto, uma fonte de inestimável valor para o estudo dos anseios e paixões cotidianas a partir de uma perspectiva coletiva6. Seus tipos são variados alguns são simples inscrições, outros são acompanhados de desenhos e, por isso, devem ser analisados em conjunto. A particularidade deste tipo de registro, além de sua espontaneidade, é a possibilidade de adentrar a estética das camadas populares, tão pouco documentada. Se as pinturas são feitas por meio do contrato de pintores, os grafites são cunhados de próprio punho por aquele que deseja expressar sua mensagem. Neste sentido, analisar este conjunto de documentação sobre a rixa no anfiteatro nos propicia uma leitura da perspectiva local, no calor da hora, um tipo de registro diferente do proporcionado por Tácito, escrito a posteriori com claras implicações políticas7. Observemos, então, estes registros. 6
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A rixa no anfiteatro de Pompéia (59 d.C.) Tácito, no relato mencionado, aponta os moradores de Nucéria e Pompéia como os principais atuantes no confronto ocorrido no anfiteatro de Pompéia, em 59 d.C. Pesquisadores modernos sugerem que a desavença ocorrida durante o combate de gladiadores está relacionada à reorganização dos limites territoriais: o estabelecimento da nova colônia neroniana em Nucéria em 57 d.C. acabou por agravar uma situação tensa de longa data (Castrén, 1983: 108-113). Pompéia fazia parte de uma confederação junto com Nucéria, extinta por volta de 216 a.C., na qual os samnitas constituíam o grupo predominante. Em finais do século I a.C. após guerras e conflitos locais, Nucéria se encontrava restabelecida e lutou ao lado dos romanos quando estes tomaram, definitivamente, a região8. De acordo com Pesando (2001), os distintos processos de formação da cidade de Pompéia desempenhariam um papel importante para a compreensão do conflito em questão. Antigos habitantes de períodos anteriores à chegada dos romanos e os novos que vieram após a conquista circulavam pelas ruas de Pompéia com distintos interesses políticos e econômicos. Embora o estopim do confronto tenha sido a reunião para presenciar um espetáculo de gladiador, o texto de Tácito não deixa claro o local em que o confronto ocorreu. Por outro lado, a pintura de parede, que atualmente se encontra no Museu Arqueológico Nacional, situado em Nápoles, sul da Itália, centraliza o conflito no anfiteatro (figura 1). Observemos a pintura:
De acordo com Funari: “o grafismo popular diferenciava-se, desde o início, pelo seu caráter coletivo: não se trata de refletir um mundo distante, como no interior das mansões, mas de retratar, nas paredes externas, a vida concreta, as paixões populares em sua imediaticidade.” (Funari, 1989: 39). Sobre a questão da imediaticidade do grafite cf, também, Barbet, 1987. Para esta ocasião me deterei a análise da pintura e dos grafites. Mas para uma análise em conjunto com o texto de Tácito, cf. Garraffoni, 2005: 136-141. Sobre os diversos conflitos na região até a chegada dos romanos, cf. Bomgardner, 2002: 50-53.
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Figura 1. Pintura parietal pompeiana da casa de Actius Anicetus - reg. I, ins. 3, 23 (in: LA REGINA, 2001: 333).
Originalmente, este afresco fazia parte da decoração do peristilo da casa de Actius Anicetus (reg. I, ins. 3, 23). Tradicionalmente, o peristilo de uma casa romana é aberto, rodeado de colunas e comporta um jardim, características do espaço em que a pintura foi encontrada. Sendo assim, esta pintura, datada de época nero-flaviana, se destaca por sua exterioridade e exposição ao tempo, em um local que ficava à vista de todos aqueles que se movimentavam pela casa. Por retratar cenas de episódios cotidianos, tal pintura não se encontra na tipologia proposta por Mau no século XIX, como comentei nas linhas anteriores, mas é estudada 156
como sendo de cunho “popular”. Zevi (1991), afirma que as “pinturas populares” são representações figurativas que trazem cenas do dia a dia como as procissões religiosas a uma divindade, cenas de tavernas, lupanares, de gladiadores, caçadas ou espetáculos nos anfiteatros, por exemplo. A grande maioria destas pinturas se encontra, atualmente, no Museu de Nápoles, pois é somente no início do século XX que se estabeleceu um programa de preservação e restauro. Zevi aponta como suas principais características a indiferença com a questão espacial e dimensional da cena e o fato de ser uma pintura de ocasião, de exposição e,
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por isso, quase sempre localizada em paredes externas das casas. Além de terem pouca duração (eram bastante econômicas), tais pinturas retratam cenas de caráter histórico e local, sendo seu grande expoente a representação da briga no anfiteatro. De acordo com Zevi, o protagonista da cena em questão é o próprio anfiteatro. De fato, se olharmos atentamente a representação percebe-se que um dos aspectos centrais de sua composição é a estrutura arquitetônica. O pintor preocupouse em retratar o anfiteatro com o toldo de proteção solar quase no centro, mas não esqueceu da muralha, da palestra e de uma pequena construção de pedra próxima a escadaria. A posição em que colocou o anfiteatro e o seu tamanho, muito maior que os outros elementos da cena, nos instiga a pensar que pretendia destacar o epicentro do conflito. O próprio recurso empregado pelo pintor de contrapor a escadaria, em forma de triângulo, ao centro da arena, em forma oval, dirige o olhar do passante às cenas de combate na arena e nas arquibancadas, ponto este que, segundo Zevi, sairiam as principais linhas de fuga da pintura. Muito se discutiu sobre o fato da escadaria representada não corresponder às proporções originais. Realmente, ao comparar com as escadas do anfiteatro é possível perceber que há um número menor de arcadas que a representada na pintura. No entanto, considerando a afirmação de Zevi na qual em tais pinturas não haveria uma preocupação exata com as dimensões dos edifícios, acredito que o pintor não fez uma reprodução do anfiteatro “tal como ele realmente era” mas recriou-o ao seu estilo, de uma maneira que nos permite ver seu interior e exterior.
Esta particularidade nos parece muito significativa, pois possibilita uma dinâmica específica da cena: as pessoas estariam em combate no interior e ao redor do anfiteatro. Se observarmos com atenção, a maior quantidade de pessoas está na parte de cima da pintura, isto é mais próxima do anfiteatro, enquanto que sua presença mais abaixo é esporádica predominando a vegetação e um pequeno comércio de ambulantes por motivo do munus. Os corpos das que estão mais próximas do anfiteatro estão inclinados e os movimentos são semelhantes, transmitindo uma idéia de correria e luta corporal, enquanto que as outras figuras abaixo ou estão paradas olhando o episódio ou recolhendo seus pertences nas barraquinhas. Tudo indica, em minha opinião, que o pintor teria pintado na parede do peristilo da casa de Actius Anicetus um momento específico do conflito entre pompeianos e nucerinos, deixando em sua perspectiva do evento representações de aspectos que não aparecem no texto de Tácito, como o comércio ocasional de uma cidade da Campânia. Além disso, a própria necessidade de retratar o episódio em um local da casa que poderia ser visto com freqüência por seus moradores e visitantes também nos parece relevante, pois esta seria uma maneira de manter viva a lembrança do conflito. Se a pintura foca o anfiteatro produzindo uma referência mais explícita aos combates de gladiadores que o texto de Tácito, alguns grafites o fazem de uma maneira mais clara ainda. Para esta análise, selecionei quatro grafites, um com expressões e acompanhado de desenho e outros três constituídos apenas por palavras. Observemos o primeiro deles (figura 2).
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gladiadores sobre uma inscrição que faz referência à derrota dos nucerinos. Observemos a inscrição: Campani uictoria una cum nucerinis peristis
Figura 2. Grafite parietal sobre a rixa de torcedores em Pompéia – CIL IV, 1293 (in: Langner, 2001, imagem no 1138 de seu catálogo).
Este grafite se encontra na parede externa da casa Dioscuri (reg. VI, ins. 9, 6) localizada na rua Mercúrio. Esta casa possui duas entradas e uma ampla fachada. Escavada entre 1828-1829 e conhecida pela riqueza de pinturas do IV estilo em seu interior (Baldassare, 1993), esta casa se situa nas imediações do forum de Pompéia, o que nos faz imaginar uma região com grande circulação de pessoas das mais variadas etnias e condições sociais. Com um grande muro revestido de estuco branco para imitar uma parede de bloco de mármore, característica das pinturas de época republicana, a parede externa da casa foi alvo dos “grafiteiros” romanos nesta movimentada região da cidade. No caso do grafite em questão, percebese, de imediato, que é composto por um conjunto de figuras e um texto em latim. A figura situada à esquerda representa a subida de um homem ao podium e à direita, acima da inscrição, um gladiador vestido com elmo e escudo segurando uma palma, símbolo do vencedor. Os dois desenhos são referências diretas a um momento específico dos combates de gladiadores: a premiação do vencedor. Podium, palma e a figura de
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(CIL IV, 1293) [Campanos, em uma única vitória, vocês pereceram com os nucerinos] Segundo Moeller (1970), o termo campani causou controvérsias entre os estudiosos. Há autores que consideram campani um grupo aristocrático samnita (antigos moradores de Pompéia), idéia que questiona. Para o autor, o texto de Tácito é fundamental para rechaçar esta suposição. Analisando termos empregados por Tácito como oppidana lasciuia ou ualidore pompeianorum plebe, Moeller afirma que os participantes do conflito seriam membros das camadas populares e descarta a participação de grupos aristocráticos. Sua postura visa ressaltar que fãs dos combates ou do circo e teatro poderiam participar ativamente da vida política da cidade, inclusive em momentos de conflitos como este de 59 d.C. Embora o grafite sozinho não traz elementos suficientes para precisarmos quem seriam os campanos, ele indica a percepção de diferentes grupos em conflito. Enquanto Tácito menciona uma luta entre pompeianos e nucerinos, o grafite, localizado perto de um local muito movimento, traz o registro que ressalta que, além dos nucerinos, os campanos também saíram derrotados, trazendo um novo elemento para o conflito. Ao aliar este a um segundo grafite, encontrado no lado ocidental do lupanar notase o posicionamento de outros grupos rivais:
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ARTE PARIETAL DE POMPÉIA: IMAGEM E COTIDIANO NO MUNDO ROMANO
Puteolanis feliciter omnibus nucherinis felicia et uncu(m) Pompeianis etecsanis (CIL IV, 2183) [Para os puteolanos “boa sorte”, para os nucerinos coisas boas e gancho para os pompeianos e pitecusanos.] Este grafite apresenta uma oposição entre dois grupos: puteolanos e nucerinos/ pompeianos e pitecusanos. De acordo com as anotações do CIL o grafite foi escrito em dois momentos: em primeiro lugar teria sido escrita a linha de “boa sorte” aos puteolanos e nucerinos e, depois, a parte seguinte da frase teria sido escrita por outra pessoa, pois as letras são distintas. Neste sentido, a expressão et uncu(m) pompeianis petecsanis teria sido acrescentada por um partidário dos primeiros. Uncus é um substantivo que pode significar qualquer tipo de gancho, mas também um em específico utilizado para arrastar cadáveres, o que indica um desejo de liquidar e humilhar os pompeianos e pitecusanos. As desavenças entre os grupos podem ser encontradas em um outro grafite situado na estrada de Mercúrio. Em uma das paredes lê-se: Nucerinis infelicia Mentul... (CIL IV, 1329)
[Para os nucerinos desgraça Caralho...] Assim como o caso do grafite anterior, este também é escrito em dois momentos. Em primeiro lugar aparece o desejo de desgraça e infelicidade aos nucerinos, uma provocação, um xingamento. Segundo Mommsen, mentul... foi acrescentado por outra mão, posteriormente, o que nos faz pensar que um
nucerino ou simpatizante da cidade usou o termo mentula, ae (falo, pênis) em um sentido apotropaico, isto é, para afastar o azar que uma frase como esta poderia representar. Tanto este grafite como o do prostíbulo me pareceu interessante na medida em que apresenta uma dinâmica particular neste tipo de escrita: nos dois casos a ofensa ou saudação foi complementada por terceiros, indicando que este tipo de comunicação fazia parte do cotidiano daqueles que passavam pelas ruas e edifícios de Pompéia. Mesmo que ambos não mencionem a rixa de torcedores, tais grafites são indícios de que as desavenças entre nucerinos, pompeianos e moradores de outras cidades vizinhas eram parte do dia a dia da cidade e de conhecimento da população local. Sintomático, portanto, que tais provocações estivessem em locais de grande circulação de pessoas, em muros próximos ao forum e num prostíbulo, bem distantes do anfiteatro, local onde se deu o espetáculo em que eclodiu o conflito armado. Tanto a pintura como os grafites nos oferecem relatos particulares de alguns dos conflitos pompeianos e muito distintos do de Tácito. As questões locais emergem em detalhes enquanto que nos Anais são aglutinados pelo termo oppidana lasciuia. Por meio das fontes materiais o anfiteatro assume um papel mais central, assim como as disputas locais: nucerinos, puteolanos, pompeianos, pitecusanos, campanos são mencionados em distintos ambientes da cidade ampliando nossa noção dos grupos rivais que poderiam estar presentes na rixa. Assim, mais do que ilustrar o relato de Tácito, a pintura e os grafites apresentam uma interação mais popular do confronto e não somente uma briga dirigida pelo ex-senador, como propõem estudiosos que se restringem ao relato dos Anais. Neste sentido, é possível afirmar que a pintura e os grafites são fontes que nos levam
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a perceber que os espectadores dos combates não eram passivos, mas formavam grupos que poderiam tomar diferentes partidos nas disputas. Além disso, tais fontes também indicam que as estruturas de segregação, como as entradas separadas para as camadas sociais dos anfiteatros, não impediram a reorganização das pessoas e a explosão do conflito latente. O exemplo de Pompéia, portanto, torna-se significativo, pois apresenta pessoas que mesmo compartilhando um gosto em comum pelos combates, não tinham uma atitude apática como muitos estudiosos argumentam: a diversidade de opiniões entre os espectadores emerge com força nestas fontes e poderia, como em muitos outros casos, acirrar conflitos. Considerações finais A análise da rixa a partir da cultura material, ou seja, da pintura parietal e dos grafites, proporciona um olhar particular sobre o evento. Embora tradicionalmente o relato de Tácito tenha sido considerado a principal fonte para compreender o episódio, um estudo interdisciplinar, que considere a imagem como uma fonte independente e capaz de expressar significados estéticos e simbólicos, ajuda a construir uma interpretação mais complexa deste acontecimento. A partir do registro imagético é possível entender o evento em uma perspectiva local, conhecer os diferentes grupos envolvidos bem como refletir sobre a sua abrangência no momento, pois o fato de se pintar o episódio e manifestar os descontentamentos em grafites indica uma reorganização das identidades locais que nem sempre foram pacíficas. Se por um lado a rixa de torcedores em Pompéia é um acontecimento único registrado na Campânia, por outro ela indica,
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também, os conflitos que permeiam a presença romana em suas colônias. Ter em mente este conflito e suas diferentes representações significa estar atento às diferentes possibilidades de ação humana, em especial em locais públicos que reúnem muitas pessoas. Os anfiteatros congregam experiências humanas e percepções de espaço que se modificam de acordo com a região em que foram construídos, causando espanto, admiração ou potencializando conflitos entre aqueles que os freqüentavam. Agradecimentos Gostaria de agradecer a Angelita Marques Visalli (UEL – Universidade Estadual de Londrina) e a comissão organizadora do I Encontro Nacional de Estudos da Imagem pelo convite para participar do Evento organizado pelo LEDI. Gostaria de mencionar, também, meus agradecimentos aos colegas Marina Régis Cavicchioli, Lourdes Feitosa e Pedro Paulo Funari pelo diálogo em todos estes anos, além do apoio institucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e do NEE (Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp). Bibliografia citada Fontes: Tácito (1986), Annals (trad. J. Jackson), Londres, Harvard University Press, Coleção Loeb.
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Iconografia, imaginário e expansão marítima: elementos para a reflexão sobre o ensino de história
Thais Nivia de Lima e Fonseca Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutora pela Universidade de Lisboa, Portugal. Professora do Departamento de Educação e do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Autora de, entre outros livros, História & Ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. thais@fae.ufmg.br
RESUMO
A proposta do texto é discutir a questão do imaginário dos descobrimentos presente em fontes iconográficas no ensino de história. Neste sentido, aborda viagens marítimas e as apropriações feitas pelo ensino de história mediadas pelos livros didáticos e outros mecanismos como o vídeo e a internet. PALAVRAS-CHAVE: iconografia; imaginário; expansão marítima.
ABSTRACT
The proposal of the text is to discuss the imaginary of discoveries presented in iconographic documents used to teach history. This way, it focuses maritime journeys and the appropriations made by history teaching, mediated by didactic books and other mechanisms as video and internet. KEY WORDS: iconography; imaginary; maritime expansion.
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Iconografia, imaginário e expansão marítima: elementos para a reflexão sobre o ensino de história
A historiografia contemporânea tem valorizado substancialmente a iconografia, retirando-a do âmbito quase exclusivo da História da Arte, no qual ela ficou encerrada durante muito tempo, e a História Cultural tem sido o campo privilegiado, mas não único, para a sua farta utilização como fonte de pesquisa. Não necessariamente como efeito dessa situação, mas estimulado por ela, o ensino de História está cada vez mais familiarizado com o uso das imagens. Na verdade, há muito tempo, desde quando elas passaram a integrar o material predominante nas aulas de História por meio dos livros didáticos. Eles são, sem dúvida, o principal suporte de circulação de documentos iconográficos na escola, e isso desde o século XIX, quando já se registrava a preocupação com a utilidade das imagens para o ensino de História. Atualmente, além dos efeitos de uma historiografia atenta aos novos objetos, às novas abordagens e à diversidade de fontes, a proliferação da comunicação visual em suas mais diversas modalidades impõe a reflexão sobre a produção, as apropriações e o significado das imagens nas sociedades humanas em várias épocas. Expressão e testemunho dos universos culturais nos quais estão inseridas, as imagens, analisadas histórica e culturalmente, são fundamentais para a compreensão dos modos de viver e dos sistemas de valores de indivíduos e de coletividades, de suas relações sociais e de
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poder. Não se pode esquecer, ainda, de seu poder de persuasão, de presentificação e de perpetuação de determinadas representações, “propriedades” muito acentuadas quando se trata da difusão de imagens pelo ensino. Tratar da questão do imaginário dos descobrimentos presente em fontes iconográficas, no ensino de História, implica numa dupla abordagem: a do imaginário construído pelos europeus e presente no momento das viagens marítimas dos séculos XV e XVI e a do imaginário reapropriado e perpetuado, entre outros mecanismos, por este ensino, com a mediação dos livros didáticos e de outros mecanismos, como o vídeo e a internet. A desconstrução de toda essa arquitetura é uma operação possível na pesquisa sobre o ensino de História praticado e sobre a história deste mesmo ensino. Assim, por meio desta temática, procurarei indicar algumas possibilidades investigativas e também didáticas, considerando o ensino de História no Brasil num período de intensificação da incorporação de imagens nos livros didáticos, como foi a década de 1990, momento também marcado pela busca do estreitamento entre a produção historiográfica mais recente e o ensino de História. Mas ouso também pequenas incursões a outros momentos do século XX. Como recurso analítico, procuro perceber a presença e funções da imagem neste ensino por meio da sua análise na perspectiva do imaginário.
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Os descobrimentos portugueses tiveram seu perfil cultural marcado por crenças e valores que pareciam pouco condizentes com o avanço técnico e científico tão propalado como condição primordial para a realização da empresa marítima. A historiografia tradicional, tanto em Portugal quanto no Brasil, sempre procurou enfatizar a face “moderna” do Portugal quatrocentista, em tudo pioneiro diante de seus vizinhos europeus, e afastado do feudalismo clássico, de natureza estagnadora. Um exame mais acurado, contudo, aponta para a presença marcante do imaginário de herança medieval nas viagens portuguesas do século XV, a impor dificuldades que pouco tinham a ver com problemas técnicos. Estes nem sempre conseguiam superar as crenças, já muito conhecidas, sobre a natureza fantástica e perigosa do “mar oceano”, habitado por seres fantásticos de toda espécie, movido por clima hostil, repleto de armadilhas que ameaçavam o retorno seguro dos viajantes. Considerandose que o imaginário é reconhecido socialmente e percebido subjetivamente, dotado de existência histórica efetiva, não se pode tratá-lo como irreal, fantasioso ou ilusório, sob pena de cometermos o mesmo deslize atribuído à historiografia tradicional, segura da idéia de progresso, de civilização e de verdade, rígida em sua visão do tempo linear, que não admite a coexistência de tempos e ritmos diferentes. Perceber o imaginário como uma vivência histórica concreta a fazer sentido para os homens do seu tempo é condição para que se possa compreender como era possível, para navegadores, governantes, cosmógrafos e cartógrafos, crer nas possibilidades científicas da realização de viagens marítimas de longa distância e ao mesmo tempo esperar encontrar monstros e seres fantásticos em suas jornadas. Como nos lembra Mary del
Priore, “para nossos antepassados os monstros não eram uma representação, e sim um fato” (DEL PRIORE, 2000, p.15). Isso torna ainda mais significativa a presença de tal discussão no ensino de História, uma vez que é um caminho para a reflexão acerca da cultura, do tempo, da alteridade e da relativização histórica. A convivência das populações européias com esses elementos do fantástico e do maravilhoso não era, portanto, incomum. Se o medo do oceano e a construção de suas representações monstruosas esteve, a princípio, ligado às invasões, pelo mar, de povos não cristãos na Alta Idade Média, a retomada cristã dos territórios ocupados levou à “cristianização do mar” (KRUS, 1998, p. 99). Ao mesmo tempo em que crescia a devoção a santos navegadores, o mar passava a ser também rota para o Paraíso e os templos cristãos ostentavam pinturas e esculturas com temas marinhos, inclusive aqueles saídos do bestiário clássico, como sereias e tritões. Além disso, a propagação desse imaginário se fazia, também, pela difusão dos relatos e descrições de viagens, orais e escritos, reforçados estes últimos pelas imagens publicadas nos livros e bastante difundidas, como Les secrets de l’histoire naturelle, de Charles d’Angoulême (sec. XV); Livre des Merveilles, de Odoric de Pordenone (sec.XIV); La manière et les faitures des monstres (sec.XIV). As referências imaginárias acompanhavam os navegadores, numa mobilidade tal que permitia o aparecimento do reino das amazonas na África e na América, deslocavam o Paraíso terrestre da Ásia também para a América, forçando adaptações à realidade que certamente colaboraram para dar maior longevidade às imagens há muito construídas sobre o maravilhoso. O reino do Preste João foi, como já acentuaram vários estudos, um
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dos elementos mais constantes desse imaginário quatrocentista. Na Crônica de D. João II, escrita entre 1530 e 1533 por Garcia de Resende, relatava-se, entre tantos atos do dito rei português, a ordem dada em 1486 para uma expedição terrestre com vistas ao encontro do reino do Preste João, a quem “levaram suas cartas [de D. João II], em que lhe dava conta de tudo o que pela costa de Guiné tinha descoberto, para saber se algumas daquelas terras eram perto de seus Reinos, e senhorios, para por elas se poderem comunicar, e prestar, e fazer com que a fé de Jesus Cristo fosse exaltada, mandando-lhe notificar o grande desejo que tinha de se poderem conhecer, e terem verdadeira amizade” (RESENDE, 1991, p. 94) Doze anos mais tarde, já no reinado de D. Manuel, o Venturoso, a procura pelo reino do Preste João não havia esmorecido e no roteiro da viagem de Vasco da Gama o autor relatava que estando a expedição em Moçambique, foram informados “que o Preste João estava dali perto, e que tinha muitas cidades ao longo do mar, e que os moradores deles eram grandes mercadores e tinham grandes naus; mas que o Preste João estava muito dentro pelo sertão, e que não podiam lá ir senão em camelos” (ROTEIRO, 1998, p.47). A cartografia tem sido um campo privilegiado para a análise desses elementos do imaginário presentes nesses instrumentos destinados à navegação e à definição do espaço físico, e profundamente associados aos avanços científicos do alvorecer da época moderna. Como uma forma de expressar o conhecimento do mundo, a cartografia, sobretudo entre os séculos XV e XVII, traria em si uma compreensão ampla acerca desse conhecimento, incluindo não somente aquilo que, para nós, habitualmente caracterizaria um mapa – os acidentes geográficos, a topografia, a localização das cidades e dos 166
caminhos, a vegetação – como também as representações do “mundo vivo” das áreas cartografadas, isto é, seus habitantes, sua fauna, sua flora, seus costumes. Os profusos elementos iconográficos presentes na cartografia européia neste período integravam, portanto, uma ampla leitura do mundo representado, incluindo os aspectos desconhecidos, referidos a antigas tradições culturais. Percebe-se o caráter híbrido dessa cartografia como um espaço fronteiriço e representativo dos encontros, cada vez mais intensos, entre culturas distintas e a necessidade imposta aos europeus de dar inteligibilidade aos mundos “descobertos”, dotando os mapas de um “cenário” que permitisse a visibilidade daquilo que, de certa forma, ainda fazia parte do universo incógnito (BORGES, 2001). É dessa forma que a cartografia irá expressando, iconograficamente, sua compreensão das novas terras e novas gentes. A princípio profundamente impregnada das referências mais remotas do imaginário, ela vai, progressivamente, acrescentando e eliminando elementos, à medida em que o conhecimento se aprofunda com o avanço da expansão. Ao lado dela, os livros, sobretudo aqueles de relatos de viagens, apareciam também ilustrados da mesma forma. Na análise dessa questão não se pode, portanto, restringir-se ao século XV, o dos descobrimentos propriamente ditos. Ao longo dos séculos XVI e XVII as representações iconográficas e escritas relativas aos descobrimentos e seus desdobramentos foram profusas, realizadas tanto por portugueses quanto por outros europeus. Quando pensamos naquelas relativas ao Brasil, por exemplo, não há como deixar de mencionar também os holandeses e os franceses. Se a carta de Pero Vaz de Caminha e os outros relatos conhecidos sobre a chegada
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dos portugueses à América são modestos em referências ao maravilhoso e ao fantástico, não deixam de indicar a presença de concepções trazidas por eles, como a idéia de um mundo cristão e civilizado, contrastado com a barbárie de povos que sequer podiam se comunicar como os europeus e que, segundo eles, não tinham crença ou fé. Para Paulo Roberto Pereira a carta de Caminha é um testemunho da “reformulação de valores no confronto com o outro”, tendo colaborado para “o fim da literatura fantástica a respeito de povos e regiões desconhecidas” (PEREIRA, 1999, p. 64-65). Há certo exagero nesta afirmação, sobretudo se considerarmos documentos posteriores, tanto escritos quanto iconográficos. Se não há referências a monstros e seres fantásticos, Caminha não deixa de enfatizar a exuberância da natureza da terra e de seus habitantes, elementos fortemente enraizados no imaginário sobre o Paraíso terreal, na visão edênica que os europeus terão, a princípio, sobre a América. Além disso, a construção das representações do continente como terra de desordens e de barbárie deve muito ao imaginário ligado às concepções religiosas acerca do bem e do mal, do Paraíso e do Inferno, atribuindo ao Novo Mundo, sua natureza e seus habitantes toda sorte de associações com o diabólico. As práticas da antropofagia foram, neste sentido, fortes consolidadoras desse imaginário e marcaram profundamente as experiências de muitos europeus, portugueses ou não, em seus contatos com a América. A obra de Hans Staden, editada pela primeira vez em 1557, talvez seja uma das mais emblemáticas neste sentido, constituindo-se em notável documento escrito e iconográfico sobre a questão. As referências a esse mundo diabólico, no qual homens devoram homens, estenderam-se pelos séculos XVI e XVII, quando esses mitos são recontextualizados e
superdimensionados no Brasil, a ponto de continuarem a acender a curiosidade e o medo dos europeus até o século XIX, como se pode constatar em relatos de viajantes como o francês Auguste de Saint-Hilaire, ansioso por seu encontro com os índios Botocudos em Minas Gerais, afamados por seu canibalismo. A presença dessa temática no ensino de História tem sido marcada, principalmente, pelos livros didáticos, cada vez mais ilustrados. Embora as ilustrações já estivessem sendo usadas em livros didáticos brasileiros desde meados do século XIX, foi a partir das primeiras décadas do século XX que elas se tornaram peças importantes no ensino de História do Brasil. Pouco a pouco, junto aos textos narrativos, foram sendo incluídas ilustrações, visando fazer com que os alunos aprendessem também “pelos olhos”, como sugeria Jonathas Serrano no início do século XX, espelhando-se no francês Ernest Lavisse, que insistia na necessidade de fazer com que as crianças vissem cenas históricas, para compreender a história. A preferência dos autores e dos editores recaiu sobre imagens que dessem um certo de grau de “veracidade” aos fatos narrados nos livros, que não só estivessem em sintonia com as principais obras da historiografia que lhes serviam de referência, mas também se harmonizassem com o estilo narrativo e épico dos textos didáticos. As imagens deveriam, na verdade, atuar como “registros visuais” dos fatos narrados nos textos. Assim, sobressaíram como representações predominantes, num primeiro momento, os retratos dos chamados “grandes vultos” envolvidos na empreitada marítima, juntamente com imagens oriundas de dois grupos de fontes. No primeiro, europeus que estiveram no Brasil do século XVI ao século XIX, como Jean de Léry, Hans Staden, Jean Baptiste Debret, Johann Moritz
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Rugendas. Vistos como testemunhas oculares do passado do país, seus registros eram considerados verossímeis e fidedignos, em consonância com a concepção de história predominante, na qual os documentos encerrariam a verdade. No segundo grupo as obras de pintores brasileiros do século XIX e inicio do XX, como Pedro Américo, Victor Meirelles, Benedito Calixto, Antônio Parreiras e Oscar Pereira da Silva, autores da chamada escola acadêmica, por meio de obras que representam episódios consagrados pela historiografia oficial. As obras desses artistas continuam, na verdade, a integrar o elenco de imagens na produção dos livros didáticos de História. Parte significativa dos livros didáticos produzidos na década de 1990 abordou o tema dos descobrimentos de forma etapista e, fundamentalmente, determinista e fatalista, apresentando a história portuguesa como um caminho necessariamente voltado para o destino da expansão marítima, pela tradicional reunião das “condições favoráveis” para a expansão, únicas em Portugal, o que daria ao país o papel pioneiro no processo. Conseqüentemente, a chegada dos portugueses ao Brasil foi vista como um efeito quase “natural”. O enfoque épico acentua o seu caráter heróico, simplificando um processo complexo, que esteve longe da harmonia e do consenso. A ausência de conflitos é expressa pela afirmação predominante de uma perfeita conjugação de interesses entre os vários grupos sociais portugueses, empenhados num grande projeto nacional, tendo a aventura atlântica como eixo. Percebe-se ainda a pouca atenção dada às questões culturais inerentes ao processo histórico, no tocante aos condicionantes presentes, não apenas no movimento da expansão marítima portuguesa, como também no processo de colonização. Entre algumas das 168
representações mais recorrentes ligadas às viagens portuguesas, há as que se referem ao caráter épico das viagens atlânticas e ao tom enaltecedor dado ao processo protagonizado pelas nações ibéricas. Havia uma preocupação de reforçar a idéia do perigo que as viagens marítimas do século XV representavam para os europeus em geral e para os portugueses em particular. As palavras “perigo”, “aventura”, “aventureiros”, “riscos”, “preocupação”, “morte”, “mistério”, “desconhecido”, “desafios”, “obstáculos”, “façanha”, “ousadia” eram recorrentes nesses textos e geralmente reforçadas por ilustrações que representavam embarcações enfrentando os perigos dos mares, perigos reais e naturais ou perigos imaginários, situações de tensão enfrentadas tanto em alto mar quanto em terra, nos contatos com povos desconhecidos dos europeus. O acento no caráter épico das navegações era ainda mais forte, através de um recurso cada vez mais comum nos livros didáticos, ou seja, a comparação entre as viagens atlânticas do século XV e as viagens espaciais do século XX. Ao mesmo tempo que a superioridade técnica dos navegadores portugueses era enaltecida, dando-lhes a primazia no processo de expansão, os autores desses livros ressaltavam a precariedade das embarcações, construindo um discurso contraditório. Assim, em alguns momentos indicavam a grande experiência em navegação e construção naval dos portugueses como sua vantagem em relação aos outros europeus e, em outros, a fim de acentuar o tom heróico e épico daquelas empreitadas, ressaltavam a fragilidade e a precariedade, tanto dos navios, quanto das condições de navegação, valorizando o corajoso enfrentamento dos mares protagonizado pelos portugueses no século XV. Superficiais, os textos não exploravam essa situação culturalmente rica,
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absolutizando as duas condições - a da superioridade naval e a do perigo das viagens -, perdendo a dimensão da complexidade e da pluralidade da história vivida. Esta valorização da epopéia era ainda reforçada pela ênfase que recaía sobre as crenças comuns aos europeus no limiar do século XV, ligadas à existência de seres malignos habitantes dos mares, à geografia pouco segura do planeta, tudo aumentando as possibilidades do perigo e da morte iminentes. Muitas vezes, os textos didáticos dos anos 90, no entanto, ao invés de trabalharem essas questões como parte do universo cultural europeu do período, enfatizavam uma visão preconceituosa, tratando tais crenças apenas como fruto de superstição e de ignorância, olhando-as com as referências do senso comum do homem contemporâneo. Essa atitude acabava por contribuir para a consolidação de visões de mundo autocentradas, desprovidas de um sentido de alteridade, de compreensão do outro, levando seus leitores - em geral crianças e adolescentes - a tomarem seu próprio mundo como referência padrão para a compreensão dos demais, estabelecendo comparações que poderiam levar à formação de concepções conservadoras e preconceituosas. Além disso, deixavam entrever a idéia de que a modernidade, entendida como a expressão do mundo contemporâneo, curaria todas as superstições e ignorâncias, e que a ciência seria a redentora da mentalidade civilizada. Como as imagens estariam balizando todas essas concepções, muito fortemente presentes no cotidiano do ensino de História, no momento em que se discutia a maior conexão entre a historiografia e o ensino, nos anos 90? Como discutir, ainda hoje, o imaginário como elemento conformador das representações que os homens fazem de si e
do mundo? Como tornar essa discussão útil e necessária para a pesquisa sobre o ensino de História? O uso da iconografia no ensino de História, como parte da produção de conhecimento, implica no seu tratamento na perspectiva do trabalho com as fontes de pesquisa do historiador. Como qualquer outro documento, a imagem é expressão e testemunho de um determinado universo cultural, de uma determinada conjuntura, situados no tempo. Da mesma forma que no trato de documentos escritos, o historiador, ao utilizar a imagem como fonte, não pode prescindir de uma análise que leve estas questões em consideração: a produção do documento, por quem, quando, com que objetivos, qual a sua estrutura, qual a origem e o destino do discurso, de que elementos se compõe. Trata-se, enfim, da prática da velha crítica documental, da qual todos ouvimos falar em nossos cursos de graduação, mas que pouco usamos na sala de aula do ensino básico. Além disso, deve-se estar atento à necessidade de confronto com outros documentos iconográficos e, se for o caso, com documentos de outra natureza, como os escritos e os da cultura material, por exemplo. A iconografia existente sobre o imaginário dos descobrimentos é rica quantitativa e qualitativamente mas, curiosamente, o material mais utilizado nas salas de aula é pobre em imagens sobre o tema. Não obstante muitas edições recentes de livros didáticos tratem do imaginário medieval europeu a respeito de terras desconhecidas, são poucos os documentos iconográficos incorporados a esses textos. Quando aparecem, são algumas gravuras mostrando monstros atacando navios, seres fantásticos que habitariam as terras incógnitas, ou reproduções de mapas antigos, decorados com elementos desse imaginário. Vale
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lembrar, no entanto, que o ensino de História tem sido significativamente enriquecido com a publicação, desde o final dos anos 80, de interessante material paradidático dedicado à temática das navegações e da expansão marítima européia da época moderna, incorporando a discussão sobre o imaginário, por meio da utilização de fontes escritas e iconográficas, em análises sustentadas pela História Cultural. Assim como a maioria das imagens presentes nos livros – cujo sentido implícito é a confirmação da veracidade dos fatos narrados nos textos – a iconografia sobre o imaginário europeu da época dos descobrimentos é apresentada para confirmar que os europeus estavam errados a respeito daquilo que imaginavam ser o mundo da época, reforçando, portanto, uma idéia de falsidade, de ignorância e de superstição, isto é, tudo aquilo em que o espírito racional e moderno não deve acreditar. Seriam imagens canônicas, mas ao inverso de seu sentido original, isto é, estão incorporadas ao imaginário coletivo no sentido contrário. Está aqui um bom ponto de partida para a pesquisa sobre o tema, aplicada ao ensino de História usando-se as imagens: por que as crenças em monstros e maravilhas, em reinos fantásticos e riquezas sem conta não eram absurdas para os europeus naquela época? O que determina que o comportamento do homem contemporâneo deva ser diferente? Ele é absolutamente diferente? Quais as possibilidades da permanência de crenças semelhantes nos nossos dias? O exame da cartografia dos séculos XIV, XV e XVI é um interessante ponto de partida para a reflexão sobre o imaginário dos descobrimentos no ensino de História. Ela expressa de maneira significativa o universo cultural europeu do final da Idade Média e 170
do início dos tempos modernos, pois representa uma visão científica do mundo e está, ao mesmo tempo, impregnada de elementos de uma visão mítica: ao lado das definições geográficas, por exemplo, os mapas apresentavam indicações da existência de mundos míticos – como o reino do Preste João e a célebre ilha Brazil – até a localização exata do Paraíso, além da ocorrência de habitantes indesejáveis e perigosos espalhados pelo “mar tenebroso”. A análise conjunta desses mapas com textos da época, alusivos a todos esses elementos, é um procedimento eficaz se se deseja desconstruir noções arraigadas acerca de barbárie e civilização, atraso e progresso, ciência e superstição. Este é um exercício de relativização e de reflexão sobre a historicidade dos universos culturais, sobre as situações de permanência e de mudanças, situando as condições de construção de sistemas de valores e de suas relações com as dinâmicas sociais em determinadas épocas. Vale também para a reflexão sobre a relação entre o passado e o presente e as diversas formas de apropriação de um pelo outro, com suas possibilidades de distanciamento e/ou aproximação. Por fim, atendo-me brevemente às questões praticas do ensino de História, penso que o trabalho em sala de aula com o documento iconográfico, cotejado a outros, como por exemplo, para o tema em análise, os diários de viagem de navegadores dos séculos XV e XVI, é um exercício de desconstrução e, ao mesmo tempo, construção de conhecimento que, embora já elaborado historiograficamente nos meios acadêmicos, pode ser reelaborado pelo estudante do ensino básico. Se o resultado “historiográfico” é mais ou menos previsível, o procedimento metodológico tem grande valor como forma de iniciação à atividade
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investigativa, ao final da qual resultarão conceitos fundamentais para a compreensão do processo histórico, sobretudo o entendimento da história como experiência vivida e como construção intelectual. Falar nessas práticas implica, também, na sua realização junto aos estudantes de graduação, futuros professores. É necessário jamais perder de vista a íntima relação entre o ensino e a pesquisa, em suas mais diversas dimensões: a relação entre a produção acadêmica do conhecimento histórico e sua discussão e efetivação na graduação; a relação entre este conhecimento e o ensino básico; a relação entre o ensino de História na escola básica e a prática de procedimentos de pesquisa e de produção do conhecimento nesta escola. Se não há fórmulas para se “criar” um bom professor ou bom pesquisador, isolar as práticas do ensino e da pesquisa, desde os cursos de graduação, é comprometer a formação tanto de um quanto de outro. Mesmo aquele que optar por jamais entrar numa sala de aula de 5a série, se seguir a carreira acadêmica acabará diante da tarefa de formar aqueles que um dia o farão. Talvez devamos nos lembrar com mais frequência das motivações que nos levam a nos dedicarmos ao estudo da História, da satisfação que temos em “vivê-la”, e de como seria lamentável negar tudo isso às crianças e aos jovens, apartando da formação acadêmica a preocupação com o ensino e deixando-o à mercê da mera transmissão de saberes. Lembremo-nos de Fernand Braudel, para quem “a viagem que é sua lição [de História] não deverá conduzir a terras mortas. É uma forma de incursão na vida passada em toda a sua ebulição. O adolescente que nos ouve tem a tendência de preferir o presente a este passado de idéias abstratas. Faça-os viver na realidade da história, entre as coisas
concretas” (BRAUDEL, 2001, p. 123). Para isso, a imagem no ensino de História pode dar a vivacidade que queremos para ele, incentivando incrivelmente reflexão.
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A Revista Domínios da Imagem é uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História – LEDI, um projeto integrado (pesquisa/extensão) do Departamento de História e está vinculada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paraná-Brasil. Tal iniciativa tem como objetivo difundir o diálogo intelectual entre pesquisadores que atuam em diferentes regiões do país e no exterior, bem como fomentar a interlocução entre distintas áreas que tratam dos domínios da imagem. A Revista Domínios da Imagem tem periodicidade semestral, com chamada periódica para o recebimento de artigos e resenhas. Conta com um Conselho Editorial, formado por membros do LEDI, um Conselho Científico e um Conselho Consultivo, compostos por pesquisadores ligados à várias universidades brasileiras e estrangeiras. Solicitamos aos nossos colaboradores que enviem seus trabalhos para o endereço abaixo mencionado atendendo as seguintes especificações: • Os textos aqui publicados são de inteira responsabilidade do(s) autor(es); • Todo o material deve ser encaminhado em envelope contendo: 3 (três) cópias impressas em papel A4 (210x297mm), sendo 1 (uma) identificada e 2 (duas) sem identificação; • 1 (uma) cópia idêntica em CD-Rom; • 1 (uma) folha contendo os seguintes dados de identificação: seção para a qual envia o trabalho (artigos ou resenhas), título do texto, nome completo do(s) autor(es), instituição a que pertence, titulação, endereço completo, telefone, fax e endereço eletrônico; • Os textos devem ter a seguinte formatação: editor Word for Windows, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço entrelinhas 1,5 cm. e com margens de 3 cm; • Todos os textos deverão ser apresentados após revisão ortográfica e gramatical; • Os artigos terão a extensão de 08 a 20 laudas, no máximo, incluindo imagens; • As notas deverão ser colocadas no final do texto, podendo nelas constar referências bibliográficas e/ ou comentários críticos ficando as referências restritas exclusivamente ao espaço das notas. Da remissão deve constar, entre parênteses, o nome do autor, em caixa alta, seguido da data de publicação da obra e do número da página, separados por vírgulas. Exemplo: (FRANCO, 1983, p. 114); • Os artigos serão acompanhados de título, resumo de, no máximo, 10 linhas e de 03 palavraschave em português e em inglês; • Os artigos e as resenhas em inglês, francês e espanhol serão publicados na língua original, sem a necessidade de título, resumo e palavras-chave em português; • As resenhas poderão ter entre 03 e 05 páginas e deverão vir acompanhadas de 03 palavraschave em português e em inglês; • As fotografias, ilustrações e/ou gráficos deverão vir em preto e branco, com resolução mínima de 300 dpi, desde que as fontes sejam devidamente mencionadas e autorizadas, respeitando a legislação em vigor. • Abaixo do nome do autor deverá constar a Instituição à qual se vincula, bem como titulação máxima;
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