IMAGENS RELIGIOSAS
IMAGENS RELIGIOSAS
realização:
Angelita Marques Visalli (org.) patrocínio:
978-85-7846-280-2
Coleção História na Comunidade – volume 8 9 788578 462802
IMAGENS RELIGIOSAS
Coleção História na Comunidade volume 8
Reitora Profa. Dra. Berenice Quinzani Jordão Vice-Reitor Prof. Dr. Ludoviko Carnascialli dos Santos Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. Dr. Amauri Alcindo Alfieri Pró-Reitor de Extensão Prof. Dr. Sergio de Mello Arruda Pró-Reitora de Graduação Profa. Dra. Angela Maria de Sousa Lima Diretora do Centro de Letras e Ciências Humanas Profa. Dra. Mirian Donat Chefe do Departamento de História Profa. Dra. Angelita Marques Visalli Coordenador do LEDI Organizador da Coleção História na Comunidade Prof. Dr. Alberto Gawryszewski
Angelita Marques Visalli (Org.)
IMAGENS RELIGIOSAS
Coleção História na Comunidade volume 8
Universidade Estadual de Londrina Londrina • 2014
Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina Copyright © dos autores Capa e editoração: Humanidades Comunicação Geral Imagem da capa: Simone Martini e Lippo Memmi, 1333, Anunciação com Santa Margarida e Santo Ansano (detalhe). Galeria Uffizi, Florença. http://en.wikipedia. org/wiki/Annunciation_with_St._Margaret_and_St._Ansanus#mediaviewer/ File:Martini_and_Memmi_madonna.jpg Imagem da contracapa: Anônima, séc. XV, Roda da Fortuna. Saint Augustin, La Cité de Dieu (Livres I-IX), traduit en français par Raul de Presles. Bibliothèque Nationale de France, Département des Manuscrits Français, 172, fol. 150r. http://www.gallica. bnf.fr Tiragem: 1000 exemplares Distribuição gratuita. Venda proibida.
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) I31 Imagens religiosas / organizador : Angelita Marques Visalli. – – Londrina : UEL, 2014. 90 p. : il.
Vários autores. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-280-2 1. Ídolos e imagens – Idade Média. 2. Maria, Virgem, Santa e a igreja – Culto. 3. Maria Virgem, Santa – Simbolismo. 4. Deus (Cristianismo) – Arte. 5. Livro de Horas. I. Visalli, Angelita Marques. II. Universidade Estadual de Londrina. CDU 940.1:2
Impresso no Brasil / Printed in Brazil Feito depósito legal na Biblioteca Nacional
SUMÁRIO
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Apresentação
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Introdução
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Imagens da Virgem Maria: criações e figuração
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Andre Luiz Marcondes Pelegrinelli
A Figuração de Deus na Iconografia Cristã Medieval Angelita Marques Visalli
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O Tempo Religioso nas Imagens Medievais: contradições e sobreposições Pamela Wanessa Godoi
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Referências Bibliográficas
APRESENTAÇÃO
A publicação deste oitavo livro, da coleção História na Comunidade, é a continuidade da realização de um desejo: dar transparência às atividades científicas produzidas pelos professores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em especial do Departamento de História, que participam do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI). É possibilitar um diálogo entre o saber científico e a comunidade. Em agosto de 2006, foi criado no Departamento de História da UEL, na forma de projeto integrado (pesquisa/extensão), o LEDI. Em sete anos de existência, este tem desenvolvido diversas atividades relevantes. Entre elas, podemos apontar: a realização do ENEIMAGEM (Encontro Nacional de Estudos da Imagem, 2007/9/11/13); a publicação da revista semestral Domínios da Imagem; exposições e cursos de extensão. Em 2008, o LEDI teve aprovado seu projeto junto ao PROEXT/2008- Programa de Extensão Universitária (ProExt Cultura), um programa dos Ministérios da Cultura e da Educação, realizado com a colaboração da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF), o que possibilitou o início da coleção História na Comunidade, a realização de exposições e produção de vídeos. Em 2008 tivemos a grata notícia da aprovação de nosso projeto junto ao Conselho Nacional Científico Nacional (CNPq) no edital Difusão científica. É com este que daremos a continuidade à coleção História na Comunidade, às exposições e à produção de vídeos. Para este projeto partimos da afirmação contida nas Diretrizes Curriculares para o Ensino da História na Educação
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Apresentação
Básica, que diz que as imagens, livros, jornais, fotografias, filmes etc. são documentos que podem ser transformados em materiais didáticos de grande valia na constituição do saber histórico. Os documentos possibilitam a reflexão e a construção de conceitos sobre o passado e permitem a formulação de questões sobre os conceitos já constituídos. Compreendemos a imagem como importante instrumento/documento para a formulação do conhecimento histórico. Na realidade, ela pode ser a mediadora desse conhecimento. Assim, o projeto proposto atua em duas frentes: primeira, proporcionar ao aluno um novo olhar sobre as imagens, não como meras ilustrações, mas ricas de conceitos e interpretações; segunda, ajudar o professor a trabalhar com a imagem como instrumento de ensino, como fruto de uma criação humana repleta de significados. Este livro foi concebido como mais um instrumento nas mãos dos professores na tarefa de dialogar com os alunos. Organizado pela professora doutora Angelita Marques Visalli, professora de História Medieval do Departamento de História da UEL, uma estudiosa em Idade Média, com destaque nas imagens produzidas no período. Composto por três artigos, escritos por componentes do LEDI, sendo um escrito pela organizadora e os outros dois por alunos orientados por ela: um, de Pamela Wanessa Godoi, do Programa de Pós-graduação em História Social; outro, de André Pelegrinelli, aluno da graduação do curso de História. Portanto, este trabalho desenvolvido pelo LEDI, abrange os três níveis da academia (doutor, mestre e graduado). O primeiro texto, escrito por André Pelegrinelli, intitulado “Imagens da Virgem Maria: criações e figuração”; o segundo pela professora Angelita Marques Visalli, intitulado “A Figuração de Deus na Iconografia Cristã Medieval”, por fim o terceiro escrito por Pamela Wanessa Godoi, intitulado “O Tempo Religioso nas Imagens Medievais: contradições e sobreposições”. Numa relação bem estabelecida,
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Imagens Religiosas
os autores pretendem ajudar na compreensão sobre o espaço que ocupa as imagens religiosas em nossa sociedade ocidental, hoje, cada dia mais importante em nosso dia a dia. Espero que este livro, da coleção História na Comunidade (composta por nove livros), contribua para o debate e o ensino de História, bem como, especialmente, possa ajudar no resgate de uma importante fonte de pesquisa: as fotografias familiares. Este material pode ser copiado, no todo ou em parte, devendo ser nomeada sua fonte. O download dos textos poderá ser realizado pela página do LEDI (http://www.uel.br/cch/ his/ledi/), bem como dos vídeos produzidos e das imagens que compõem a exposição. Alberto Gawryszewski Coordenador do LEDI
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INTRODUÇÃO Angelita Marques Visalli
Com o título de “Imagens Religiosas” apresentamos o oitavo número da Coleção História na Comunidade. Nossas escolhas quanto aos temas apresentados são reflexos de estudos realizados ao longo dos anos e ainda em desenvolvimento, em diferentes estados de maturação, respondendo às características de cada autor. André Pelegrinelli é aluno de graduação no Curso de História da Universidade Estadual de Londrina, pesquisa as imagens devocionais da Baixa Idade Média, Pamela Wanessa Godoi é aluna do Programa de Mestrado em História Social da mesma Universidade, e pesquisa imagens de Maria em manuscritos medievais. Esta que os apresenta é docente no mesmo curso e pesquisa a iconografia de Francisco de Assis. Temos em comum a participação no mesmo grupo de pesquisa, Cultura Medieval, e do LEDI – Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem, e voltamos nossas investigações para o campo das imagens medievais. A partir deste livro procuramos apresentar aos professores do ensino fundamental e médio, e aos leitores interessados no assunto, textos que apresentam uma proposta de entendimento sobre o lugar que ocupam as imagens religiosas em nossa sociedade ocidental. A expansão do uso das imagens (religiosas ou não) ocorreu nos últimos séculos da Idade Média, uma das razões da importância dos estudos sobre as figurações religiosas também. Então, a partir desse eixo, consideramos aqui uma reflexão sobre a figuração do tempo 9
Imagens Religiosas
medieval (linear e circular), sobre as variações na figuração de Maria e, finalmente, sobre a figuração de Deus na Idade Média. Com nosso trabalho esperamos contribuir para os que se interessam pela história, história da arte, religiões, enfim, pela produção cultural daqueles que nos antecederam e cujas referências estão em nós, em nossos gostos e desgostos, e não podem ser esquecidas.
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Imagens da Virgem Maria: criações e figurações André Luiz Marcondes Pelegrinelli
Religiões criam e produzem imagens. Milhões são as imagens de santos e santas espalhadas nas igrejas e casas de todo o mundo. Seguramente, após o crucifixo, a figuração mais presente é a mariana. Culturas e diferentes igrejas representam a personagem Maria, utilizada com fins devocionais, políticos e mesmo artísticos (desprovidos de intenção religiosa). Negra, oriental, européia ou indígena, múltiplas são as faces e cores. Em 1998, Luther Link lançava a obra “O Diabo: a máscara sem rosto”1; para o autor a “máscara diabo” teve diferentes rostos ao longo da história. A imagem de Maria também não tem rosto, é plural. Enquanto personagem construída culturalmente, cada período, local, sociedade, identifica e constrói o perfil mariano que lhe é mais útil: seu perfil de existência se dá a partir da realidade do grupo que a constrói. Essa personagem não é protótipo de imagem adaptada a cada realidade, é recriação a partir de cada conjunto cultural combinado à tradição religiosa precedente. Não há um modelo para a imagem de Maria, não existem características perenes nessa figuração, mesmo as características femininas tendem a ser relativizadas em figuraçôes contemporâneas. Buscaremos compreender melhor essa criação e recriação da imagem de Maria a partir de algumas dessas imagens Luther Link é professor do departamento de literatura da Universidade Aoyama Gakuin, Tóquio, em sua obra analisa como a figura do diabo foi utilizada com diferentes fins políticos religiosos entre os séculos VI e XVI, dando para cada fim uma figuração diferente. 1
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produzidas ao longo da história do culto mariano ocidental, ordenadas de modo cronológico em grandes temas que não se substituem, mas existem simultaneamente com momentos de maior destaque para esta ou aquela devoção/imagem. Quando utilizamos o termo “imagem” aqui, não nos prendemos à noção comum de imagem,que a pensa como tão somente uma ilustração, uma escultura, algo que necessariamente passe pelo campo da visão. Como o historiador francês Jean Claude Schmitt, preferimos pensar o termo “imagem” a partir do conceito “imago” (SCHIMTT, 1996, p. 4). A palavra em latim “imago” vai além da noção comum de imagem, carregando três diferentes conotações: 1) teológico-antropológica: define a noção de “homem” pela tradição judaico-cristã, nela o homem é imagem e semelhança de Deus (Cf. Gen 1, 27), tal noção define a relação entre a imagem e seu ente criador; 2) todas as criações simbólicas do homem: aqui se encontram as figuras de linguagem e as figuras materiais, aquilo que pode ser visualizado (costuma-se aceitar somente essa segunda noção de “imago” como “imagem”); 3) imagens mentais, imateriais, criações da imaginação, sonhos, etc. Partindo deste conceito, entendemos imagem como uma tela de Van Gogh, mas também como a imagem mental criada pelos textos de Hemingway; afinal, textos também projetam e criam imagens. Uma imagem pode ser inspirada em um texto, como as aquarelas de Antoine de Saint-Exupéry que ilustram sua magnum opus, mas também podem ser o próprio texto, que oferece imagens mentais da narrativa. Imagem pode ser uma ideia, um sonho. Assim, ao longo do estudo utilizamos a palavra “imagem” em todos seus sentidos, embora contemplemos mais aquelas que se encontram no campo do visual. A ampliação deste sentido de imagem nos leva a considerar, por exemplo, as imagens criadas pelos textos, pelo imaginário dos fiéis, pelos relatos de aparições, etc. 12
Imagens da Virgem Maria: criações e figurações
Definido nosso conceito norteador, passemos à exposição das imagens. A construção dessa personagem se dá junto da construção das outras imagens que dão início ao cristianismo: o cânon judaico-cristão.
A primeira imagem: Entre os textos bíblicos e as imagens de catacumbas (séc. I – V) O cânon cristão oferece as primeiras descrições que possibilitaram as diferentes construções da imagem de Maria. Em Lucas, Maria é descrita como uma “virgem desposada com um varão chamado José” (Lc 1, 27), “cheia de graça”. As poucas referências a Maria nos Evangelhos não levam em conta as suas características físicas. Outras referências quanto à imagem da Virgem Maria aparecem em trechos que não se referem diretamente a ela, mas que a tradição se incumbiu de ligá-las. Para compreender esse processo é importante conhecer a metodologia de amplificação, de Santo Agostinho (PELIKAN, 2000, p. 49), adotada pelos cristãos e muito utilizada na exegese produzida por estes. Esse método consiste em buscar significados no texto bíblico que não necessariamente eram o significado original; é o que ocorre com a assimilação da figura da Virgem Maria com Míriam, a Sabedoria dos Provérbios, a Noiva do Cântico dos Cânticos, a Mulher do Apocalipse, etc. Seus respectivos autores poderiam não ter como objetivo se referirem a Maria, mas, os exegetas posteriores amplificaram o possível significado intencionalizado por aquele que escrevia. Maria, em grego, vem do hebraico Míriam, personagem retratada como irmã de Moisés e Aarão no livro do Êxodo. O texto narra que, ao atravessar o Mar Vermelho, os israelitas entoaram um canto a Iahweh e “Míriam, irmã de Aarão, tomou na mão 13
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um tamborim e todas as mulheres a seguiram com tamborins, formando coros de dança” (Ex 15, 20). Míriam é descrita louvando a Deus. Maria, no Evangelho de Lucas também é descrita em tal prática ao entoar “Socorreu Israel, seu servo,/ – conforme prometera aos nossos pais – / em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre!” (Lc 1, 55). No livro de Provérbios de Salomão, a Sabedoria (substantivo feminino) é interpretada pelos autores cristãos, dentro dessa ótica de amplificação de Agostinho, como Maria, que exclama “Iahweh me criou, primícias de sua obra,/ de seus feitos mais antigos.” (Prov 8, 22). Interessante figuração é a de Maria como a Noiva do Cântico dos Cânticos. A Amada se caracteriza fisicamente “Sou morena, mas formosa” (Can 1, 5a), o que oferece a possibilidade de que posteriormente surjam representações negras de Maria (Aparecida, Guadalupe, Czestochowska, Montserrat, etc.).O autor parece contrastar a tez morena das servas e escravas, ocupadas com os trabalhos externos, com a pele clara das jovens nobres.
Figura 1 – Nossa Senhora de Czestochowska, séc. XII-XIII.
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Imagens da Virgem Maria: criações e figurações
No Livro do Apocalipse de São João, encontramos referências a uma personagem que pode ser interpretada como Maria. No capítulo 12 o autor descreve uma Mulher “vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas; estava grávida e gritava” (Ap 12, 1-2). Outra referência que foi interpretada como Maria e possibilitou uma alta gama de figurações é a comparação de Maria com Eva. Eva sucumbe à tentação da serpente, e a profecia de Iahweh para a serpente é clara: “Porque fizeste isso / és maldita entre todos os animais domésticos / e todas as feras selvagens. / Caminharás sobre teu ventre / e comerás poeira / todos os dias de tua vida. / Porei hostilidade entre tua linhagem e a linhagem dela. / Ela te esmagará a cabeça / e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 2, 14-15). Maria é pensada como segunda Eva, seu papel no plano salvífico anula o erro da primeira. Um jogo de letras permite que Eva dê lugar a Ave, e essa comparação será partilhada por muitos dos pensadores da imagem de Maria.
Figura 2 – Berthold Furtmeyr. Baum des Todes und des Lebens. Salzburger Missale. 15jh. A iluminura opõe Maria e Eva, a primeira oferecendo salvação, a segunda perdição.
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Importante também são as imagens criadas a partir dos textos apócrifos e por eles2. Orígenes, Pedro de Alexandria, São Justino e outros Padres da Igreja citaram em suas obras o Proto evangelho de Tiago. Esse texto, possivelmente do século II e atribuído ao discípulo Tiago Menor, filho de Zebedeu, relata a história de Maria, de seu nascimento através de Joaquim e Ana à promessa de casamento com José. Nos revela a preocupação dos autores do segundo século com nossa personagem; a popularização desse texto fez com que a Igreja, embora sem reconhecer como canônico, assumisse algumas tradições dele como, por exemplo, a paternidade de Joaquim e Ana para com Maria ou as imagens do “Casamento da Virgem”. Se a figuração mariana nos textos bíblicos e apócrifos tem a sua importância garantida pela releitura que estes tiveram e têm no ambiente religioso cristão, elas não foram as únicas imagens pensadas nos primeiros séculos, com relação a imagens visuais, a arte cristã nas catacumbas também figurou Maria. Entre essas imagens, destaca-se a primeira de que temos registro: Maria com o menino na Catacumba de Priscila, Roma. Na pintura, do século II, uma mulher segura uma criança em seus braços. As primeiras construções próprias para o culto cristão surgem após o decreto de liberdade religiosa no Império Romano através do Edito de Milão, em 313. A construção de locais próprios para os ritos cristãos contribuiu para o aumento do número de imagens religiosas, entre elas a de Maria, uma vez que boa parte da figuração religiosa se encontra nas paredes destes locais. Imagens de uso doméstico só se tornariam mais populares quase oito séculos depois.
Livros apócrifos são aqueles escritos nos primeiros séculos do cristianismo e cuja autenticidade ou importânciapara a construção das crenças a doutrina oficial não reconheceu; apesar disso, alguns destes livros obtiveram grande fama e circulação. 2
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Figura 3 – Maria e o menino. Séc. II, Catacumbas de Priscila.
Neste período criou-se, através de fórmulas e decretos, uma das mais fortes imagens de reconhecimento de Maria: Virgem e Mãe de Deus. O Credo Niceno-Constantinopolitano foi elaborado no Primeiro Concílio de Nicéia, em 325, e parte de sua fórmula proclamava: “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos [...]. E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, 17
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e Se fez homem”. Anos mais tarde, em 431, o Concílio de Éfeso declararia Maria como Mãe de Deus.
Theotokos: A imagem da Mãe de Deus (séc. V – XII) “Se alguém não confessar que Emanuel é verdadeiramente Deus e que portanto a Santa Virgem é a mãe de Deus (Theotokos) – pois ele dela nasceu de modo carnal e como a Palavra de Deus revestida de carne – que seja excomungado” (DEZINGER, 1963, p. 46). Assim, o Concílio decretava que Maria sendo mãe carnal de Jesus, poderia e deveria ser chamada e considerada Mãe de Deus, a Theotokos. Nesse contexto, surgem os ícones de Maria como Theotokos. Representação tradicionalmente bizantina, foi e continua sendo muito reproduzida no Ocidente, mostra Maria com o menino Jesus em seus braços, vestidos ambos em roupas finas, com traços e cores em estilo bizantino, aplainado, sem perspectiva. A mais famosa delas é a imagem da Theotokos Hodegetria (hoje chamada de Ícone de Nossa Senhora das Neves ou Salus Populi Romani), que se encontra na Basílica de Santa Maria Maior. A imagem representa a Virgem com o menino em seus braços. Ele realiza um sinal de benção com a mão direita, e na esquerda segura um livro (ou em outras versões, um pergaminho). Ambos aureolados e vestidos em roupas finas. A imagem data do século XII ou XIII (SCHMITT, 2007, p. 113), apesar disso, relatos de Teodósio, do século VI atestavam a presença de uma imagem semelhante a essa na Basílica e acrescenta: fora pintada por São Lucas, um dos evangelistas (BOYER, 2000, p. 19). Essas imagens, cercadas por lendas que creditam sua produção a mãos não humanas, chamamos achéiropoiètes, “não feita por mãos humanas”, em grego. São imagens que supostamente foram criadas por mãos divinas. Esses relatos funcionavam como prova 18
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indubitável da santidade e legitimidade do culto às imagens. Alinhado a isso, os relatos de milagres através das imagens, presentes principalmente a partir do século IV, colaboraram na disseminação delas. Uma imagem milagrosa não só é depositária de práticas devocionais ordinárias, mas refúgio e alento para os sofrimentos e medos, demonstra a busca por interferência sobrenatural concreta no mundo vivido.Quanto maior o número de milagres realizados através de uma imagem, maior a sua popularização.
Figura 4 – Salus Populi Romani, Basílica de Santa Maria Maggiore.
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Tal como a imagem acima, os Ícones são imagens bidimensionais, geralmente produzidas em painéis de madeira e móveis, permitindo usos para além do local em que está instalado. A teologia cristã oriental da imagem reconhece o ícone como um protótipo do ser representado. No Ocidente essa regra é válida não apenas para o ícone, mas para toda representação religiosa. Na teologia cristã, o ícone não é o ser ali representado, mas faz a mediação. O ícone de Nossa Senhora das Neves não é a presença e matéria de Maria, mas permite um transitus, uma elevação da alma do que crê ao encontro com a personagem. Há um distanciamento entre o ser figurado no ícone e uma representação mimética, naturalista, o que reforça a sacralidade da imagem; a maioria dos ícones, por exemplo, figura as divindades apenas do tronco para cima, afastando-o de uma possível assimilação com um referencial humano, que se apresentaria de corpo inteiro. Entre os ícones marianos a figuração enquanto Theotokos é aquelacom maior número de exemplares. As grandes festas marianas desse período: Anunciação, Purificação, Assunção, Natividade de Maria, colaboraram na disseminação do culto à Virgem. É no fim da Alta Idade Média que começaram a surgir as imagens-estatuetas, tridimensionais, que se popularizariam séculos posteriores junto às mudanças da espiritualidade do baixo medievo.
Uma mãe mais próxima: disseminação da imagem de Maria no Baixo Medievo (séc. XIII-XV) O século XII dá inicio a uma importante reforma espiritual na história do cristianismo, e entre suas conseqüências, no século posterior surgem as ordens mendicantes. A proposta de Francisco de Assis, fundador dos franciscanos, e Domingos de Gusmão, fundador dos dominicanos era não mais a de se afastar 20
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do mundo3, mas de viver em seu meio. O campo próprio de missão dos mendicantes eram as cidades. Esses movimentos atraíram a simpatia dos leigos e, através da presença e pronta resposta deles, multiplicaram-se as procissões em que as imagens eram levadas à frente dos fiéis. Michelet afirma que “no século XII, Deus mudou de sexo” (apud BASCHET, 2000, p. 473). Há um impulso do culto à Virgem, supervalorização. Se a necessidade é a de uma religiosidade mais próxima do fiel, de “humanização do sagrado”, Maria passa a ser muito mais representada com o Menino Jesus ou em dor. Oglerius Tridino (1150-1214), abade cisterciense, escreveu o tratado “De compassione Mariae” em que refletia sobre as dores de Maria ao ver seu filho sendo crucificado. Ordens foram criadas a partir desse culto, como os mendicantes da Ordem dos Servos de Maria na Florença de 1240. O sínodo provincial de Colonia, Alemanha, de 1423, estabeleceu a festa das Dores. O franciscano Jacopone da Todi compôs o célebre hino Stabat Mater Dolorosa. O culto à Mater Dolorosa não está restrito somente ao momento da Cruz. Segundo a tradição, engloba os sete momentos de sofrimento de Maria: 1) A profecia de Simeão sobre Jesus; 2) A fuga da Sagrada Família para o Egito; 3) A perda do Menino no Templo em Jerusalém; 4) O encontro de Maria e Jesus durante a Via Crucis; 5) Maria aos pés da Cruz; 6) Maria recebendo o corpo do filho que foi retirado da Cruz; 7) Maria observando o corpo do filho ser sepultado. A criação da imagem de uma Maria dolorosa implica na valorização da figura particular dessa personagem, com o tempo, a figura da dolorosa se desprende das cenas de crucificação e ganha figuração própria. A expressão é de luto. A imagem produzida por Adriaen Isenbrant (Figura 6) a apresenta com a cabeça baixa, mãos levemente cruzadas, a atmosfera de A espiritualidade da Alta Idade Média, dos mosteiros, via o afastamento do mundo como importante via para a ascese espiritual, desde a teologia agostiniana do pecado original a sociedade secular; o “mundo” é visto como perigoso e não facilitador para este caminho de ascese. 3
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dor dessas imagens é composta principalmente pelas expressões e cores escuras, alternando entre o preto e o roxo.
Figura 5 – Adriaen Isenbrant. Our Lady of the Seven Sorrows. 1518-1535. Chiesa di Nostra Signora, Bruges.
A recorrência do tema da Dolorosa nas imagens encontrava grande popularidade junto aos fiéis. Ao representar a Virgem em dor, em uma atitude humana, concreta, cotidiana, contribuía para sua popularização; havia assimilação, a partir do fiel, de sua dor e da dor figurada em Maria.
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Outra representação fértil no período da Baixa Idade Média é a de Maria com o menino, que sofre alterações na representação ocidental se comparada à bizantina: diminuem as roupas e elementos de luxo. Por vezes acompanhada da figura de José (como figuração da Sagrada Família), de outros santos, como São João Batista ou o padroeiro do local ou figura de apreço especial daquele que encomendava a obra. Como as regras para a pintura sacra ocidental não eram tão rígidas quanto às do Oriente, uma ampla gama de possibilidades permitia maior liberdade e criatividade ao artista e ao comitente.
Figura 6 – Ambrogio Lorenzetti. Madonna e a criança. 1319. Pinacoteca de Brera, Milão.
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A potência miraculosa existente em cada imagem legitima e reforça sua sacralidade. No Oriente, expresso nos ícones, no Ocidente expresso em toda expressão visual cristã. A experiência mendicante e o reforço desta para com a participação leiga aumenta a presença das imagens associadas a potências miraculosas: são principalmente os leigos, e não os clérigos, que preenchem as apertadas ruas medievais em procissões que carregam imagens. A Baixa Idade Média também viu a proliferação das imagens estatuetas, não só da Virgem, mas de todo ser religioso: santos, Cristo, etc. As imagens-estatuetas surgem da adaptação dos relicários4, que tomaram formato de estatueta humana e depois perderam a relíquia, assim, o objeto estatueta continuava a receber a mesma contemplação e função dos relicários. Os relatos de milagres por parte de imagens provocam o aumento das peregrinações e uma maior troca cultural-religiosa no Ocidente. As funções das imagens religiosas cristãs não se limitam somente ao culto, algumas possuem essa função específica, como os ícones, outras apresentam diferentes funções, como ornamento e memória; em sua quase totalidade, essas funções se confundem e se cruzam, criando imagens que apresentam maior caráter devocional, narrativo ou ornamental mas que não anulam as demais. As imagens narrativas tiveram um grande aumento na Baixa Idade Média; ciclos narrativos com a vida de santos e santas se tornaram comuns. A imagem da “Coroação da Virgem”, por exemplo, “narra” o episódio em que, após a assunção é coroada, recordando assim a sacralidade da personagem e a afastando de outras figurações mais humanas; partilhando a glória celeste, ela passou a ser vista como co-redentora da humanidade (BASCHET, 2006, p. 471). A corte humana é vista como reflexo da corte Recipientes adornados nas quais se colocavam as relíquias de santos para contemplação pelos fiéis. 4
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celestial, a necessidade de um rei celeste é a mesma daquela partilhada pelo rei terrestre. A instituição clerical também é reforçada hierarquicamente; a Reforma Gregoriana aumentou a concentração de poder sob a figura papal.
Figura 7 – Fra Angelico. Coroação da Virgem. 134-1435. Galleria degli Uffizi, Florença.
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A imagem que constrói identidade: Imagens de Maria pós Concílio de Trento (séc. XVI – XX) O Concílio de Trento (1545-1563), surgido em meio à Reforma Protestante, mais do que ser um contra-ataque à Reforma, definição muito simplória do concílio, buscou redimensionar o catolicismo em uma nova sociedade. Quanto à Virgem, Trento, ao reafirmar a doutrina do pecado original, decretou que Maria Santíssima nasceu imune dessa marca (Sessão VII, DS 1573)5.A crença nesta imaculada conceição de Maria deu logo origem à imagem de Nossa Senhora da Conceição. Característica dessa figuração, Maria é envolvida em vestes que dão idéia de leveza, trazendo novamente a figura da lua aos pés e acompanhada de crianças anjos, se não de corpo todo, ao menos pequenas cabeças de anjo aladas.
Figura 8 – Bartolomé Esteban Murillo. La inmaculada concepción de los Venerables. 1678. Museu do Prado, Madri.
Apesar desse decreto, o dogma da Imaculada Conceição esteve por muito tempo envolvido em debates e só foi decretado enquanto dogma em 1854 pelo papa Pio IX (DENZINGER: 1963, p. 385. 5
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O Concílio também discutiu sobre o uso das imagens no culto cristão. Elas deveriam continuar sendo permitidas, porém com um controle maior sobre a forma como a divindade deve ser representada (BESANÇON, 2003, p. 220). Por exemplo, quando da Anunciação, Maria não deveria ser representada com o bebê já formado em seu ventre. Na cristianização da América, assim como na Europa, cada ordem religiosa adotou uma invocação mariana para impulsionar seu culto. Os carmelitas continuaram com a devoção que já incentivavam, a da Nossa Senhora do Carmo; os franciscanos com a Imaculada Conceição e Nossa Senhora dos Anjos; os mercedários com Nossa Senhora da Mercê; os dominicanos propagavam o culto de Nossa Senhora do Rosário e d’Atocha; os augustinos da Virgem da Consolação, do Bom Conselho (Colômbia) e do Bom Despacho (Brasil); os trinitários a Nossa Senhora dos Remédios; os capuchinhos à Divina Pastora; os servitas a Mãe Dolorosa; os jesuítas à Senhora de Loreto e da Luz, posteriormente ao Sagrado Coração e Nossa Senhora da Ajuda e do Bom Conselho; os jerônimos veneraram a Virgem de Guadalupe. A cristianização da América encontrou grande dificuldade; não era fácil para os indígenas assimilarem uma divindade tão distante da realidade americana; a proximidade cultural era muito maior entre os astecas e Quetzalcóatl6 do que os astecas e Cristo. Um grande propulsor para a efetiva cristianização dos indígenas foi a proximidade estabelecida entre a Virgem Maria e seu fiel, as divindades femininas; a figura da deusa-mãe já era conhecida dos indígenas. Anne Baring e Jules Cashford (2005), ao escrever uma história das divindades femininas identificam Maria como uma recriação em longa duração dessas deusasmães, o que facilitava sua adoção. Divindade mesoamericana, seu nome significa “serpente emplumada” e é considerado a principal figura do panteão mesoamericano. 6
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A legenda da aparição da Virgem de Guadalupe é bem significativa. Após o encontro de Juan Diego, indígena novohispano, Nossa Senhora teria gravado sua imagem no manto que Juan Diego utilizava. A imagem de Nossa Senhora de Guadalupe carrega uma tradição segundo a qual quem a pintou foi o próprio Deus, assim como a imagem supostamente produzida por São Lucas, considerada como achéiropoiète. Aquela imagem era diferente dos outros modelos europeus que ele conhecia, possuía traços étnicos indígenas. A Virgem de Guadalupe se identifica com a figuração da Mulher do Apocalipe: a lua abaixo de seus pés, pisando o dragão e revestida de céu. A partir da construção dessa imagem pela Igreja colonial, a figura de Maria passava a assumir o lugar dos outros deuses indígenas, a Virgem de Guadalupe alcançou tamanho sucesso que foi considerada Imperatriz da América. Atualmente, a Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, na Cidade do México é a segunda basílica mais visitada, ultrapassada somente pela Basílica de São Pedro, no Vaticano. No Brasil, a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida reflete bem o processo de construção dessas virgens nacionais: encontrada por caboclos no rio Paraíba no século XVIII, a imagem da Assunção de Maria estava desfigurada, negra. A imagem de uma Virgem Negra encontrou boa recepção e popularidade em um país com sua maioria étnica negra. Isso a legitima: fala a mesma linguagem do fiel. A assimilação com a Dolorosa se dava por conta da proximidade com o fiel, ao partilhar sentimentos; imagens como Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora de Guadalupe não partilham sentimentos, partilham etnias.
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Imagens da Virgem Maria: criações e figurações
Figura 9 – Virgem de Guadalupe, séc. XVI. Basílica de Guadalupe, Cidade do México.
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Imagens Religiosas
Dos diversos países das Américas, boa parte deles tem como seus santos padroeiros figuras marianas, e entre essas a maioria se refere a um culto ligado à imagem. Listamos os países americanos quepossuem como padroeira imagens. Todas são da Virgem, e a maioria segue aquela mesma linha que se dá no México e no Brasil: aparece a marginalizados, índios, caboclos, pede a construção da um santuário e deixa sua imagem como prova. A imagem carrega uma longa história de milagres através do objeto. A maioria delas são imagens estatuetas, com exceção da Virgem de Guadalupe, México; de Nossa Senhora da Altacrácia, República Dominicana; e de Nossa Senhora de Chiquinquirá, Colômbia. País
Padroeira
Argentina
Nossa Senhora de Lujan
Bolívia
Nossa Senhora de Copacabana
Brasil
Nossa Senhora Aparecida
Colômbia
Nossa Senhora de Chiquinquirá
Costa Rica
Nossa Senhora dos Anjos (difere da devoção europeia)
Cuba
Nossa Senhora do Cobre
El Salvador
Nossa Senhora da Paz
Equador
Nossa Senhora do Quinche
México
Virgem de Guadalupe
Paraguai
Nossa Senhora do Caacupê
República Dominicana Nossa Senhora da Altacrácia Uruguai
Nossa Senhora do Trinta e Três
Venezuela
Nossa Senhora do Coromoto
Os séculos XIX e XX são marcados por mudanças importantes na sociedade. A busca pela razão, o processo de secularização e laicização da sociedade marcaram uma nova fase do culto mariano. Diante da necessidade de reafirmação da 30
Imagens da Virgem Maria: criações e figurações
religião católica, Maria não só é cultuada, mas passa a ter uma relação mais íntima com seus fiéis: as aparições se tornaram mais constantes. Nesse período, a Igreja reconheceu sete aparições como legítimas: Rue Du Bac (Paris, França, 1830), La Salette (França, 1846), Lourdes (França, 1858), Pontmain (França, 1870), Fátima (Portugual, 1917), Beauraing (Bélgica, 1932-1933) e Banneux (Bélgica, 1933). As aparições seguem modelos muito próximos: em sua maioria os videntes são crianças, não conhecem as orações básicas, são pobres e Nossa Senhora afirma que possui importantes notícias para transmitir à humanidade, pede aos devotos que ocorram ao local a fim de realizar penitência e levar à conversão, por vezes faz alusão à figura dos espaços do Inferno, Céu e Purgatório. Há um cenário apocalíptico, de que deve haver pressa nas conversões (STEIL, 2003, p. 29). A legenda da aparição de Nossa Senhora das Graças, em Paris, 1830 a Santa Catarina Labouré, cria a medalha de mesmo nome da aparição, acompanhada das promessas de graças para aqueles que usassem a pequena imagenzinha. Junto ao escapulário e o rosário, são objetos-imagens que para o fiel facilitam o transitus religioso. Em uma das faces da medalha está presente a figura de Maria, de braços abertos com raios saindo de suas mãos estendidas, aos pés esmaga a serpente, abaixo da serpente um globo e em torno da sua imagem a jaculatória “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós, que recorremos a Vós”. No lado reverso a letra M, de Maria; a Cruz, símbolo da redenção; doze estrelas; o livro do Apocalipse diz que a mulher usava uma coroa com 12 estrelas; junto a estes, dois corações, o primeiro com uma coroa de espinhos, assimila a imagem da paixão de Cristo, o segundo, ferido por uma espada, a imagem da Dolorosa. Alguns elementos são constantes há séculos nas figurações marianas, como a serpente esmagada pela cabeça, tradição desde o jogo de palavras do Gênesis de Eva e Ave; alusões 31
Imagens Religiosas
à figura da Mulher do Apocalipse (estrelas e o globo) também se inserem nessa constância de longa duração. Nossa Senhora de Fátima e de Lourdes são as mais populares no Brasil. A imagem de Fátima apresenta duas variantes: a primeira apresenta a cena da aparição, a segunda variante é somente a imagem da Virgem vestida de branco, coroada, e com destaque em seu coração; a segunda é mais comum em estatuetas ou imagens que apresentam a Virgem somente de rosto. A aparição em Lourdes, França, foi muito associada a uma gruta, onde se diz que apareceu a Virgem; assim, em muitos casos, a imagem está neste local. Lourdes fortalece a relação entre a figuração de Maria e a imagem de grutas; atualmente várias das figurações das imagens marianas estão relacionadas a estes locais. Aos pés da imagem de Lourdes, rosas douradas, tradicionais da história de sua aparição. A construção das imagens está associada em muitos dos casos com a narrativa da aparição, não apenas figurando o narrado, mas recriando-o, inserindo novos elementos, retirando outros.
Figura 10 – Gruta de Nossa Senhora de Lourdes. Lourdes, França.
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Imagens da Virgem Maria: criações e figurações
A figuração mariana no tempo presente: o maior número de imagens (pós Vaticano II) O Concílio de Trento influenciou de maneira definitiva a Igreja Católica, mas, a atual conformação da instituição e de seus cultos encontra não só nesse concílio grande berço de influência, mas, mais recentemente, no Concílio Vaticano II (1962-1965). Ao versar sobre a arte religiosa, os autores deixaram clara a posição da Igreja no tempo presente com relação às imagens: “Mantenha-se o uso de expor imagens nas igrejas à veneração dos fiéis. Sejam, no entanto, em número comedido e na ordem devida, para não causar estranheza aos fiéis nem contemporizar com uma devoção menos ortodoxa”7. A constituição Lumen Gentium em seu capítulo VIII estabelece que a tradição com respeito ao culto da imagem da personagem estudada é válida e deve ser incentivado, no entanto pede que se recordem aos fiéis que “a verdadeira devoção não consiste numa emoção estéril e passageira”8 Se o discurso do Vaticano II aconselha os presbíteros a não incentivarem o culto à imagem através da emoção, por outro lado, o Documento de Aparecida (2007), de suma importância para a Igreja nas Américas reconhece e aceita uma relação carinhosa com as imagens de Maria no universo da piedade popular.9 São sete as aparições reconhecidas pelo clero, mas milhares são os relatos que não foram reconhecidos ou que estão em processo de reconhecimento. As aparições de Medjugorje, Bósnia e Herzegovina,por exemplo, não são oficialmente reconhecidas pelo Vaticano. Apesar disso, desde 1981 diz-se que todos os dias a figura de Maria aparece no sol ao fim da tarde, o que atrai milhões de peregrinos todos os anos. Como nas outras Sacrosanctum Concilium, Cap. VII, 125 Lumen Gentium, Cap. VIII, 67. 9 V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe – Aparecida, 1331 de Maio de 2007, Documento Final, Cap. VI, 261. 7
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Imagens Religiosas
aparições, os relatos dizem que apareceu a videntes desde que eram crianças e também apresenta um apelo a conversão. Em Medjugorje, Nossa Senhora se apresenta como Rainha da Paz. No local das aparições, uma estatueta foi erguida. Maria repousa sua mão direita sobre o coração, e com a esquerda estende a mão ao fiel, e o convida à conversão. A túnica não cobre um de seus pés para mostrar que, com ele, ela esmaga a cabeça da serpente; a imagem figurada é a de misericórdia, a mão sobre o coração é muito indicativa nesse sentido; por outro lado, a continuidade do esmagar a cabeça da serpente traz a idéia de vitória sobre o mal. O não reconhecimento de aparições não produz imagens “oficiais”, assim, uma maior pluralidade de figurações diferentes se apresentam: criações, adaptações de modelos anteriores, etc. O exemplo da aparição não oficial em Londrina-PR pode contribuir para compreendermos melhor esse fenômeno. Patrícia, 30 anos, diz receber a visita de Nossa Senhora desde os 13 anos. Ela se apresenta como Mãe da Graça, e no local foi construída uma gruta na qual centenas de fiéis se juntam todas as semanas para a oração do terço e por orações de cura e libertação. O caso é acompanhado pela arquidiocese da cidade, mas não havendo reconhecimento, não há uma imagem “oficial”, produzida para circulação. Dessa forma, os fiéis utilizam uma imagem de Nossa Senhora das Graças, com uma coroa própria e sempre acompanhada de rosas, características da história das aparições. Isso faz com que esta imagem não seja a de Nossa Senhora das Graças, mas da Mãe da Graça. Não são as características do objeto estatueta em si, mas do contexto em que está inserida: gruta, rosas e coroa que a definem como Mãe da Graça; uma nova figuração é criada a partir de um modelo anterior ao qual se unem ou retiram atributos e gera uma outra figuração. A produção em massa e as indústrias levaram no último século a produção de imagens a uma escala jamais vista. Milhares são as imagens produzidas todos os dias seguindo o 34
Imagens da Virgem Maria: criações e figurações
mesmo modelo e comercializadas em lojas, igrejas, feiras, etc. Inumeráveis estampas são enviadas por correio, escapulários e terços são carregados aos milhares pelos fiéis. O acesso as imagens domésticas é fácil e barato.
Figura 11 – Tatuagem com temática mariana. Acervo particular.
O culto a Maria se reflete em todas as áreas. Sua imagem está estampada em adesivos de carro, tatuagens, jóias, etc., e, inclusive, nas redes sociais. A página “Nossa Senhora, cuida de mim”, maior página mariana brasileira no Facebook,conta com mais de 1,450 milhões de seguidores (julho/2014). No meio do conteúdo, notícias do papa, propaganda de lojas religiosas e 35
Imagens Religiosas
principalmente imagens marianas. Há uma lógica bem definida na veiculação dessas imagens nessa página: uma imagem de Nossa Senhora em qualquer uma de suas devoções, acompanhada por uma mensagem de benção. Há uma ligação direta entre a imagem e a espera da graça.
Figura 12 – Imagem vinculada na página “Nossa Senhora, cuida de mim”. Facebook.
A permanência de certas imagens e temáticas na longa duração ainda é percebida. Em outubro de 2013, o Papa Francisco em uma solene celebração renovou a consagração do mundo a Nossa Senhora, dirigindo suas orações a uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Outras figurações mais antigas, como a Theotokos Hodegetria, também; por exemplo, nas Jornadas Mundiais da Juventude, que no Brasil, em 2013, atraíram 6 milhões de participantes, foi carregada pelos fiéis. 36
Imagens da Virgem Maria: criações e figurações
Embora comumente se aceite uma aproximação maior entre a imagem de Maria e a Igreja Católica, sua figuração não é exclusiva da instituição, tampouco de motivos religiosos. Em 1982, um grupo de teólogos protestantes luteranos publicou o Manifesto de Dresden na Revista Spiritus Domini. Nesse texto, eles argumentavam contra a recusa e indiferença por parte de igrejas evangélicas à figura de Maria pois, segundo eles, Lutero foi devoto de Maria e não via nessa questão algo a afastá-lo da igreja romana; em outra ocasião, fora do âmbito religioso, o artista francês Souasig Chamaillard, em 2007, polemizou ao criar uma série de estatuetas da Virgem Maria vestida como Power Ranger, Barbie, Vampira, etc.10. A imagem de Maria, em seu uso não religioso se torna até mesmo militante. O Coletivo de Gays, Lésbicas, Transexuais e Bissexuais de Madri (Cogam) lançou no ano de 2010 o Calendário Laico. Nele cada mês era figurado com livres interpretações de imagens marianas famosas reconstruídas com referências ao movimento LGBT. Encontramos, por exemplo, uma Virgem de Guadalupe Drag Queen e uma Nossa Senhora das Graças seminua. Em uma dinâmica de longa duração, os seios despidos de Maria que, no século XV amamentavam o pequeno Menino Jesus, são reinterpretados com forte apelo sexual. Mais de dez mil cópias foram vendidas. A questão aqui não repousa sobre usos dos elementos da figuração mariana pela arte contemporânea, uma vez que a imagem de Maria não é reduzida aos propósitos religiosos (não existe uma imagem), mas a criação constante de novos modelos através da inclusão, retirada de elementos ou total recriação. A transgeneridade do calendário aqui apresentado põe em choque o último protótipo que poderia direcionar a criação de marias: a identidade de gênero.
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http://www.soasig-chamaillard.com
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Figura 13 – Soasig Chamaillard. Super Maria, 2007
Imagem mariana: uma figuração oscilante Angelita Visalli ao estudar o papel de Maria como Mãe de Misericórdia, no século XIII, ressalta que Maria desempenhou um papel que Jesus não podia mais desempenhar.Uma vez que os temas da punição divina, da justiça e da vingança já estavam penetradas demais na percepção religiosa dos fiéis (VISALLI, 2004, p. 208), Maria foi a alternativa adotada. Maria continua a 38
Imagens da Virgem Maria: criações e figurações
ser a alternativa encontrada, uma vez que as referências bíblicas são escassas; em oposição, por exemplo, à imagem de Cristo, ela é maleável, servindo mais facilmenteàs intenções de cada criador. Ao cantar para sua prima Isabel, a imagem bíblica de Maria dizia “Doravante as gerações todas me chamarão de bemaventurada” (Lc 1, 48). De fato, a criação de imagens marianas têm atravessado gerações, adaptando-se, relendo-se, criandose a partir de modelos pré-existentes ou propondo marias completamente novas. A imagem da Virgem Maria não possui referenciais em si mesma, é criada em relação a alguém. Nos debates sobre a legitimidade do culto às imagens durante a Alta Idade Média, os teólogos carolíngios rejeitavam a sacralidade da imagem icônica por si própria alegando que, quem decidia escrever sob a imagem feminina o nome de “Maria” ou “Vênus” era o artista (SCHMITT, 2007, p. 59). Para eles, designar uma imagem como Maria não estava, portanto, ligado a sua figuração, mas à intenção de quem a criou. Maria e o Diabo ocupam posições contrárias no plano da salvação cristã, mas, na história das imagens religiosas elas dividem uma mesma característica: ambos, como acentuado por Link, não têm rosto. O conjunto demonstra a inexistência de um único rosto sagrado; não há um só personagem do coro celestial que possua imagem própria e imutável.Mesmo Cristo tem sua imagem plasmada por cada intenção criadora. A Corte Celestial é uma corte sem rosto, que recebe as máscaras dos medos e encantamentos frente ao Mistério.
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Imagens Religiosas
Figura 14 – Raquel de Medeiros Deliberador. Livre interpretação de “Corte Celestial”, Fra Angelico. Acervo particular.
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A Figuração de Deus na Iconografia Cristã Medieval Angelita Marques Visalli
No ambiente cristão, como Deus foi figurado? A questão da possível figuração de Deus até hoje anima os ambientes religiosos, e mesmo sustenta alguns pontos de diferenças entre as diversas denominações religiosas. Procuramos aqui trazer a questão abordando-a a partir da historicidade das figurações de Deus, ou pelo menos, daquelas que possam traduzir as questões mais representativas para acompanharmos os variados modos de sua apresentação até o fim da Idade Média. Este limite temporal não é aleatório. Consideramos o final desse período uma referência fundamental para a mudança e multiplicidade nas figurações de Deus, assim como, quanto às outras figurações religiosas: as imagens proliferaram em relação aos temas e aos seus suportes. A riqueza iconográfica e as características das imagens religiosas refletem o lugar que cada comunidade religiosa concede às imagens. Os cristãos investiram amplamente nas imagens, diferentemente de judeus e muçulmanos que as rejeitaram em função da interdição contida no Antigo Testamento. A interdição às imagens contida nos 10 Mandamentos (ou Decálogo) se apresenta no contexto da afirmação de um Deus único: Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. (Êxodo, 20,1- 4).
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Imagens Religiosas
O judaísmo dos primeiros séculos da era cristã não representou Deus antropomórfico, em forma humana, mas sua ação foi identificada de modo indireto, como na identificação da “mão” que dos céus se dirige aos homens. É o caso das pinturas na sinagoga de Douros-Europos.
Figura 1 – Visão de Ezequiel. Pintura mural, Sinagoga de Doura-Europos, séc. III.
Entre os islâmicos, do mesmo modo, não há figuração de Deus. O Corão não apresenta uma interdição tão evidente como a lei mosaica, mas expressa a rejeição às imagens, o que se justifica em grande parte em função da sobreposição islâmica às práticas pagãs e o comum culto às imagens. De todo modo, a identificação de Alá ao criador de todas as “formas”, implicou na consideração de que quem realiza uma figuração, assume uma atribuição divina, o que o torna reprovável. Ainda que ao longo dos séculos, a questão da recusa islâmica quanto à figuração de animais e homens tenha sido relativizada, em relação à imagem de Deus, isto não se configurou. A recusa é bem conhecida. No universo cristão, a afirmação da encarnação 42
A Figuração de Deus na Iconografia Cristã Medieval
de Deus como um princípio bastante característico da fé foi uma questão determinante para o desenvolvimento de sua figuração, como veremos a seguir. No ambiente cristão, antes mesmo da definição teológica sobre as diferentes naturezas de Deus, que acabou por determinar a Trindade (Deus é Pai, Filho e Espírito Santo)1, as imagens apresentavam alguns olhares sobre ele. Podemos definir três tipos básicos: uma referência simbólica, como a mão que do céu se manifesta, o criador e juiz, como na imagem que apresentamos acima; como pássaro que expressa o Espírito Santo; por fim, como homem, o filho encarnado, Cristo. Este último possui uma referência muito mais rica que os dois primeiros, afinal Deus ao fazer-se homem tornou legítima sua figuração, como veremos a seguir. Por fim, ainda podemos acrescentar a figuração de Deus como a Trindade.2 O fato de ter sido possível, entre os cristãos do ocidente, a proliferação das imagens religiosas, o desenvolvimento de diversas funcionalidades e temas tem sido motivo de estudo de várias áreas. Este processo foi muito lento. Não temos como determinar uma datação precisa porque não houve uma normatização quanto às figurações religiosas na Antiguidade, nem no período medieval, mas podemos afirmar que em torno do ano mil, algumas mudanças importantes se operaram e podemos dizer que o século XII foi especialmente rico para o desenvolvimento da iconografia cristã, um século de agitação cultural em vários aspectos e bastante criativo quanto às imagens de Deus. Para apresentarmos as figurações durante o Medievo, e podermos chamar atenção para o que há de específico, precisamos, contudo, conhecer as referências anteriores. No campo da história isto é fundamental, pois precisamos de parâmetros para 1 2
Esta definição ocorreu no Concílio de Nicéia em 325. Diante da extensão do tema, preferimos excluir desse texto as figurações da Trindade.
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Imagens Religiosas
considerar as mudanças e continuidades. Quanto às imagens, estas se constituem sempre a partir dos repertórios anteriores e contemporâneos à sua criação (imagens, textos). Na Antiguidade, segundo o estudioso das imagens de Deus, François Boespflug, sua figura pode ser observada a partir de três fases: uma primeira identificada como Arte Paleocristã, das primeiras imagens da Era Cristã ao século IV; uma segunda que se alonga até meados do século V, denominada Arte Teodosiana, e uma terceira que se estende até meados do século VII. Reparemos que a classificação não se adéqua à divisão tradicional dos períodos históricos (a Idade Antiga tradicionalmente é estendida até 453, com o fim do Império Romano no Ocidente). Classificações sempre correspondem à nossa necessidade de organizar o conhecimento, portanto, não condizem com o movimento constante da vida. As expressões culturais no passado não podem, portanto, ser obrigatoriamente compactadas nas classificações e divisões temporais. Nessa primeira fase, dos primeiros séculos das imagens de Deus, a figuração de Cristo não tendeu a ser apresentada isolada, mas sim, inserida em alguma narrativa e, muitas vezes, não se apresentou como a figura central. Um exemplo são as imagens da cena do Batismo, onde percebemos, apesar da destruição da pintura mural, a apresentação de Cristo como criança, enfatizando a figura de João como o homem adulto e mestre. A importância de Cristo é evidenciada em seus gestos e não exatamente em sua pessoa.
Figura 2 – Batismo de Cristo. Afresco. Catacumba de Pedro e Marcelino. Roma, meados do séc. IV.
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A Figuração de Deus na Iconografia Cristã Medieval
Nos primeiros tempos do cristianismo, Cristo foi evidenciado como aquele que atuava no mundo, revertendo condições ou situações indesejadas, e como referência do Paraíso no pós-morte. Grande parte destas imagens identificadas ao período do cristianismo primitivo, a Arte Paleocristã, foram executadas sem grandes investimentos, realizadas nos espaços de culto e de encontro de cristãos, ainda sujeitos à censura e perseguição romana.
Figura 3 – O Bom Pastor. Pintura mural. Catacumbas de Priscila. Roma, séc. III.
Não podemos desconsiderar o lugar para o qual foram produzidas. As catacumbas recebiam os mortos. Esse lugar adotado para a reunião dos cristãos era aquele em que se reforçavam as solidariedades da sua comunidade, e onde se reafirmavam as esperanças no devir: Jesus se apresentou como referência do espaço idílico após a morte. O tema do Bom Pastor, referência à parábola da ovelha perdida (Lc, 15:5), possui forte identidade com as antigas representações de Hermes ou Orpheu.
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Figura 4 – Hermes Kriophoros (o que leva o cordeiro). Museu Barracco. Roma, cópia tardo-romana de original grego do século V a.C.
Os milagres realizados por Cristo tomaram importância especial desde início de século IV, nesse contexto de alargamento do cristianismo entre a população pagã, além da comunidade de origem judaica. Suas primeiras figurações tenderam a apresentálo como aquele que salva e protege. Como taumaturgo Cristo interfere no mundo, como nas abundantes cenas do milagre da mulher que, ao tocar nas vestes de Cristo, cura-se de violenta hemorragia (Mt 9:20-22). A figura de Deus-Pai raramente se apresenta. Em alguns sarcófagos, encontramos esculpidas cenas da Criação, nelas Deus se apresenta como homem de barba, criador que dá a vida pelo verbo.
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A Figuração de Deus na Iconografia Cristã Medieval
Figura 5 – Cura da mulher hemorrágica. Pintura mural. Catacumba de Marcelino e Pedro. Roma, séc. IV.
A partir da liberdade de culto e da absorção do cristianismo como religião do Estado (este foi adotado como religião do Império em 380), outras formas de figuração foram desenvolvidas. Nesta segunda fase, se apresentou um elemento distinto, a divinização de Cristo. A figura de Cristo em majestade se disseminou e o sinal da cruz tomou uma importância específica, vinculada à sua figura, mas seu sentido é diferente daquele refletido ainda hoje nos ambientes cristãos. A cruz aqui não traduzia fragilidade ou dor, mas seu contrário. Quando o primeiro imperador romano se converteu, este foi movido pelos sentidos de vitória e força que a nova religião poderia conferir. Ele teve um sonho antes de uma batalha, em 312, e despertou com a mensagem impregnada em seu pensamento: ”Sob este símbolo vencerás”. Assim como os deuses pagãos conferiam a vitória a seus seguidores, esta foi prometida 47
Imagens Religiosas
a Constantino. A cruz, instrumento do martírio e morte de Deus encarnado, apresentou-se como signo de conquista e poder.
Figura 6 – Cristo em majestade, detalhe. Mosaico. Igreja de Santa Prudência. Roma, séc. V.
A cruz, por trás da cabeça de Cristo, aureolado, identifica-o pela força e glória. Sentado em seu trono, soberano que governa o mundo, impera a partir do espaço das basílicas. Estes grandes templos foram promovidos pela autoridade imperial, a qual absorveu as obrigações de expansão e fortalecimento da religião cristã. Grandeza e autoridade, força e riqueza são os sentidos repassados pela imagética nesse período. Além da referência imperial, a valorização da divinização de Cristo se justifica na afirmação da sua natureza, como foi estabelecido no primeiro concílio de Nicéia em 325. Neste concílio a vertente ariana, defendida especialmente pelo 48
A Figuração de Deus na Iconografia Cristã Medieval
bispo Ário, afirmava que Cristo fora criado por Deus, o que implicava na consideração de sua não-existência anterior. A vitória do princípio de que Cristo não foi criado, mas possuía a mesma natureza do Pai, no espaço conciliar, favoreceu a nova apresentação iconográfica. A partir do concílio, a insistência no conceito ariano foi tornada heresia e a divinização da figura de Cristo nas imagens das basílicas se tornou preponderante, tornando sua figura um aspecto sobre-humano e cada vez mais raramente se apresentou rodeado por seus apóstolos. Ainda que continuemos encontrando imagens com características narrativas, que se referem a passagens da vida de Cristo, estas se tornaram cada vez mais raras, e sua iconografia centrou-se sobre sua pessoa, sobre sua estampa. Entre meados do século V e o século VII, na terceira fase identificada por Boespflug, apresentou-se a figura de Cristo em Glória. Esta imagem se identifica como apogeu do poder imperial da porção oriental do Império Romano, que conhecemos como Império Bizantino. Cristo se identifica com a ideia de soberania e força, da qual a imagem do Pantocrator (Onipotente) se tornou referência. Cristo, aquele que vence a morte, rodeado por anjos, juiz absoluto, sentado sobre um globo ou trono, governa o mundo e julga os homens.
Figura 7 – Cristo em Glória. Mosaico. San Vital Ravena, 550.
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No Império Bizantino, sobrevivente às migrações e conquistas bárbaras que aceleraram a crise romana e levaram ao fim da estrutura administrativa no ocidente, a unidade imperial vinculada ao patriarcado se manteve. Esta antiga porção oriental do Império, mais próxima das tradições judaicas e de uma tendência à sedimentação das formas, acabou por engessar as representações religiosas fundada na tradição veterotestamentária. As figurações de Deus tenderam a se estabilizar, além de identificarem-se aos ícones. A expressão “ícone” se origina de vocábulo grego que designa simplesmente imagem, mas entre os historiadores do ocidente, a expressão acabou por designar a imagem religiosa que se destina à veneração. A grande maioria dos ícones mais antigos foi destruída. Poucos são os exemplares anteriores à crise iconoclasta. O mais antigo ícone de Cristo de que temos conhecimento foi produzido entre o século VI e VII. Como nos aponta a filósofa Marie-José Mondzain, a identificação do ícone não estava centrada na coisa, o objeto-imagem, mas na relação estabelecida entre o observador, a coisa e o ser transcendente. (MONDZAIM, 2006, p. 220) A veneração centrada no objeto seria, no entanto, a partir de sua proximidade com seus protótipos: as imagens denominadas acheiropoita (não feitas por mãos) possuíam uma condição especial.
Figura 8 – Cristo Pantocrator do Sinai. Mosteiro de Santa Catarina, séc. VI.
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O ícone Ainda que não nos caiba aqui uma discussão aprofundada sobre o conceito de ícone e as diferenças entre relação, identificação e presença do sagrado quanto aos objetos materiais, as observações da filósofa Marie-José Mondzain podem contribuir para nossa reflexão: Pode-se dizer que o que o ícone imita não é a visão do homem sobre as coisas, mas o olhar imaginado por Deus sobre os homens [...]. O ícone é definido como símbolo ‘econômico’, ou seja relacional, e não como entidade imitativa. (MONDZAIM, 2006, 220).
A diferença entre a imagem, a coisa, e o ser a que ela se refere, o protótipo, expressão usualmente utilizada pelos teólogos, não comprometeu as práticas devocionais. Como no caso da imagem da Santa Fé, cujo culto no século XI, foi inicialmente criticado e posteriormente legitimado pelo monge Bernardo de Angers (SCHMITT, 2007,188-193). A imagem religiosa não pode ser pensada somente como representação, pois implica no reconhecimento de uma força esperada, possível, ainda que não constante. A presença milagrosa não é, mas pode estar.
O ícone Pantocrator apresenta uma imagem de Deus que revela a pessoa, com características físicas bem marcadas, e nos remete ao aspecto profético apontado no Antigo Testamento. Muito diferente das imagens dos primeiros séculos cristãos, fundadas em aspectos narrativos, centradas nas ações, percebemos a afirmação das imagens de culto nas pinturas das paredes das igrejas e nas távolas (tábuas), que apresentam a 51
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figura estampada de Cristo, como à fixar seu lugar na reafirmação das profecias do Antigo Testamento. Cristo se consolida como o Salvador do mundo, como juiz dos homens. No Ocidente Europeu, o Império Romano deu lugar a vários reinos e seus soberanos seriam os novos responsáveis pela promoção da construção e embelezamento das casas religiosas, pela apresentação das imagens que reforçariam a identificação do espaço sagrado. Com a reorganização imperial dos carolíngios, a partir do ano 800, as expressões arquitetônicas e imagéticas identificadas com o antigo Império Romano tomaram especial relevo. Articuladora de um processo de expansão da fé cristã, em espaços pagãos, e do fortalecimento da religião na Cristandade (através da Reforma e da dinamização das cópias de livros), a corte imperial tinha, primeiramente, uma posição bastante cautelosa em relação às imagens. Este período foi bastante rico quanto às discussões em torno das imagens religiosas, particularmente motivadas pela conhecida historicamente Iconoclastia Bizantina. É interessante percebermos que as discussões em torno da possibilidade de culto às imagens envolveram teólogos, papas, bispos, patriarcas e imperadores. Apesar de no Ocidente medieval, a população praticamente ter passado ao largo destas determinações, em Bizâncio o assunto era comum nas ruas e, de todo modo, a questão provocou profundas consequências, tanto no Ocidente, como no Oriente. Em 730, o Imperador bizantino proibiu a veneração das imagens e promoveu sua destruição maciça. No ocidente, a repercussão do papado foi negativa e a defesa das imagens foi apresentada em concílio realizado especialmente para decidir sobre a questão, convocado pela Imperatriz bizantina: este foi o segundo Concílio de Nicéia, em 787.3 As justificativas se Apesar de um período de reafirmação do culto, somente em 843, esse é restabelecido definitivamente, como hoje se apresenta na Igreja Ortodoxa. 3
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fundamentaram nas funções positivas do uso da imagem, segundo havia apresentado o papa Gregório I, no ano 600, em uma carta dirigida a um bispo que havia mandado destruir as imagens em sua região4. As funções apresentadas fundamentaram o uso das imagens religiosas no Ocidente. Essas serviriam, então, para a instrução, principalmente para os leigos que podiam, assim, compreender; para fixar o conhecimento na memória; e para promover a compunção, favorecendo a prece. A primeira das funções foi bastante repetida no decorrer do século passado, fazendo ecoar a justificativa de que a imagem medieval cumpriria a função de “letras de analfabetos”. Percebemos que, essa poderia ser uma das funções apontadas pelo papa, mas não somente ela. Além disso, ainda outras “funções” se apresentariam. Estas justificativas nos apresentam o modo como o clero (o papado) percebia o uso da imagem e fundamentaram um caminho mediano: não se trataria de culto à imagem, mas seu emprego seria lícito e recomendável. A confecção e veneração dos ícones de Cristo, da Virgem, dos anjos e santos foram afirmadas baseadas na distinção entre a adoração (possível somente a Deus) e a veneração propriamente dita, realizada através de gestos como a prosternação. As referências imagéticas cristãs do período Carolíngio são conhecidas especialmente através das miniaturas em livros. O chamado Renascimento Carolíngio implicou, entre muitos outros investimentos5, na produção de manuscritos, realizados principalmente nos scriptoria dos mosteiros beneditinos.
SÃO GREGÓRIO MAGNO. Epistola ad Serenus. XI, 10. O Renascimento Carolíngio traz consigo também uma unificação militar em proporções consideráveis para o período, onde o poder militar esteve disseminado; e uma aproximação ainda maior entre os poderes da Igreja e dos homens. 4 5
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Percebamos, contudo, que toda a discussão em torno do uso das imagens estava voltada para aquelas bidimensionais, ou seja, para as pinturas. As imagens em forma de estátuas não estavam em consideração. A tradição de combate ao paganismo, tão viva ainda com o alargamento recente do espaço cristão para o leste pelos Carolíngios, tornou inviável o desenvolvimento de uma estatutária cristã no Ocidente, e no Oriente Figura 9 – Cristo em Majestade. Bíblia de Carlos, o Calvo. Biblioteca (Bizantino) a consideração dos Nacional da França. Saint-Martin ícones não se estendeu às figuras de Tours, 845. BnF, Manuscrits, tridimensionais. Latin 1 fol. 329v. Mas em torno do ano mil, no ocidente, uma nova situação se apresentou. A Cristandade não precisou se afirmar internamente (ainda que práticas de identidade pagã sejam reconhecíveis em vários costumes dos cristãos), o que possibilitou um certo relaxamento quanto à questão. Uma grande mudança foi certamente, a proliferação das imagens tridimensionais. Essas primeiramente se apresentaram como invólucros das relíquias, objetos especialmente carregados de sacralidade, reconhecidos pela sua capacidade de favorecer a interferência divina. Os milagres em torno das relíquias atraíram os fiéis, constituindo vários núcleos de peregrinação, dentre os quais o de Santiago de Compostela será um dos mais conhecidos. Numa das rotas da peregrinação a Compostela, desenvolveu-se o culto a uma santa que bem pode nos ajudar a entender esse processo. É o caso bem documentado do culto de Santa Fé de Conques, evidenciado particularmente pelo estudo de Jean54
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Claude Schmitt (2007), historiador medievalista que tem se dedicado ao estudo das imagens. Como “majestades” eram chamados esses relicários, que se apresentavam em forma humana, caracterizadamente ornados com pedras preciosas. A exuberância das pedras e metais preciosos é característica dos objetos que envolvem o ofício litúrgico e o espaço religioso – uma característica bem marcante das expressões artísticas medievais que refletem bem os gostos e valores de seus comitentes (os promotores da sua criação), a aristocracia leiga ou religiosa. Figura 10 – Estátua Santa Fé de Conques. França, séc. X – XI.
Figura 11 – Santa Fé de Conques. França, séc X- XI. Detalhe das pedras.
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Segundo a legenda, Santa Fé foi uma jovem martirizada no começo do século IV, mas seu culto se disseminou somente no século IX, quando atraiu grande número de peregrinos em busca de seus milagres. Favorecidos com várias informações sobre seu culto (temos o texto hagiográfico6 e a imagem-relicário), sabemos que suas relíquias foram roubadas de outra igreja (edificada para ela na cidade de Agen) e trazidas para Conques – a disputa e o mercado de relíquias era bastante vivo em função da atração de milagres e peregrinos aos santuários. Apesar das desconfianças manifestadas pelo religioso que escreveu sobre ela, o monge Bernard d’Angers, no começo do século XI (Majestas sancte Fidis), em relação à aparência de idolatria de seu culto, este mesmo se recompõe ao longo do texto e reafirma a eficácia da presença da santa na imagem, principalmente a partir dos milagres que ele mesmo afirma ter acompanhado. Sua argumentação de que a imagem favorece a memória da santa (segundo ele próprio, justificativa dada por ela a um descrente da legitimidade de sua imagem), certamente não diz respeito à relação dos fiéis. As relíquias permitiram, assim, o retorno da estatutária (GINZBURG, 2001, 99), mas essas tenderam a se tornar dispensáveis, a ponto dos devotos “esquecerem” dos restos sagrados no interior das imagens, ao longo do tempo (caso de trabalhos de restauração que “descobrem” relíquias em seus interiores). Assim como esse período apresentou o retorno do culto às imagens tridimensionais, uma outra referência importante, também bastante refletida por Jean-Claude Schmitt, é o aparecimento dos crucifixos. A imagem de Cristo na cruz está tão “naturalizada” em vários ambientes cristãos que dificilmente pode-se imaginar que durante a metade da existência do Hagiografia é um texto que apresenta a história do santo, escrito muitas vezes no contexto da divulgação de seu culto e de seu processo de santificação. 6
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cristianismo, essa não foi uma imagem conhecida. A imagem da cruz, como vimos, foi adotada como símbolo de vitória, mas a presença de Cristo nela só se apresentou no século XI, e se expandiu enormemente nos séculos seguintes. Ao considerar as imagens de Deus no período, percebe-se a proliferação de cenas e objetos referentes à Paixão. A iconografia de Deus se modificou, ampliou-se principalmente em função, do que Boespfug chama de “contemplação devota”. Além do tema da Paixão, outros temas se desenvolveram, como os da Mater Dolorosa e da Natividade. Tratase de inventividade, “sem precedentes”, como afirma Figura 12 – Cimabue. Crucifixo. Igreja de São Domingos. Arezzo, 1268-1271. Boespflug (166). Desenvolveu-se uma sensibilidade exacerbada a partir de motivos paralelos, particularmente em torno da Mãe de Cristo.
Figura 13 – Giotto. Crucificação. Afresco. Capela Scrovegni. Pádua, 1304-6.
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Ainda que as figurações de Deus nos séculos anteriores tenham se fundamentado numa perspectiva cristológica, percebemos uma tendência à humanização do divino que podemos associar a um fenômeno mais abrangente. Essas expressões figurativas acompanharam as Figura 14 – Giotto. Lamentação. Afresco. mudanças no campo da Capela Scrovegni. Pádua, 1304-6. devoção e não podem ser examinadas sem a consideração da maior importância da religiosidade dos leigos. Se as imagens-relicários responderam às necessidades dos leigos de aproximação de seus objetos de culto, se as imagens de Cristo e sua mãe em sofrimento traduziram a emotividade de uma experiência religiosa mais interiorizada e pessoal, estamos acompanhando também um processo de participação mais ativa dos leigos na vida religiosa.
Figura 15 –Giotto. Natividade. Afresco. Capela Scrovegni. Pádua, 1304-6.
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O século XII é caracterizado por vários fenômenos (crescimento urbano e comercial) e entre eles, por um despertar cultural do laicado, expresso nos mais diversos aspectos da vida, o que podemos perceber pela maior abundância de produção e veiculação cultural (literária, arquitetônica, imagética) voltada para os leigos e disseminadora de seus valores. A participação religiosa dos leigos pode ser bem percebida nos diversos movimentos religiosos que se espalharam por toda a Europa ocidental e traduziram a vontade de participar mais ativamente de seu próprio universo religioso, de experimentar de seu projeto de salvação. As expressões religiosas dos leigos se fazem acompanhar da poesia religiosa, do canto, das expressões exacerbadas como a dos flagelantes. O historiador Johan Huizinga, no princípio do século XX, descreveu assim essa emotividade, a partir do olhar do pesquisador: Um leitor dos nossos dias, ao estudar a história da Idade Média baseada em documentos oficiais, nunca poderá fazer uma ideia da emotividade extraordinária da vida medieval. Ao quadro desenhado inteiramente pelas penas oficiais, mesmo que provenham de origens da maior confiança, faltar-lhe-à um elemento: o da veemente paixão que arrebatava por igual os príncipes e o povo. (HUZINGA, 1978, p.22).
A Igreja havia se delineado, no decorrer dos primeiros séculos medievais, como uma congregação de especialistas do sagrado, e a maior parte do povo cristão se colocava como espectador e não efetivamente participante da vida religiosa. Como se houvesse duas categorias de cristãos, os clérigos seculares e, ainda mais que estes, os monges (os verdadeiros religiosi), e os leigos. A expansão das imagens certamente não se restringiu às suas possibilidades didáticas, como muito se julgou ser (as imagens como “Bíblia para os iletrados”), mas se associou às demandas e 59
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desejos de uma população que pretendeu experimentar, viver a relação com o sagrado. Relacionada a essa renovação religiosa entre leigos, a Igreja absorveu uma parte importante dessa efervescência. As ordens mendicantes inauguraram uma relação de convívio com os leigos e, não à toa, tiveram no recurso das imagens uma forma extremamente importante de expressão e contato com aqueles. Os doadores e comitentes se fazem representar mais comumente junto às figuras sagradas. Abaixo, Enrico Scrovegni oferece a Capela Arena em cena do Juízo Final. Alguns buscaram uma conformidade com o Cristo marcada em seus próprios corpos, as marcas de Cristo em sua pele, como Francisco de Assis, o primeiro a apresentar as marcas dos estigmas; outros, a maioria, aproximavam-se de Deus, trazendo-o para o espaço doméstico, para o culto doméstico, com recursos muitas vezes indiretos, como a invocação de seus intermediários (o culto à Maria emerge com força nesse período).
Figura 16 – Giotto. Juízo Final, detalhe. Afresco. Capela Scrovegni. Pádua, 1306.
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Imagens de culto, imagens narrativas, as figurações de Deus, no grande movimento que gradualmente libera as imagens religiosas, apresentam também várias possibilidades. Certamente, essa continuidade na apresentação das formas se manteve em função da tradição que caracterizava o universo religioso, e no final da Idade Média, percebe-se a preocupação com a contenção de algumas formas de expressão (como a Trindade). Mas as imagens já ocupavam um lugar destacado no universo devocional cristão e podemos perceber sua múltipla funcionalidade: objeto Figura 17 – Giotto. de veneração, ornamento, instrução, Estigmatizacão de Francisco de Assis. Museu do Louvre. memória, proximidade dos santos França – Paris, 1295-1300. e da vida espiritual etc. Algumas funções podem ser mais ou menos destacadas, segundo cada caso, e vamos constituindo outras ao longo do tempo, como na sua consideração como objeto de valor cultural ou histórico, que implica a sua preservação, o que nos ajuda a entender melhor nosso passado e nossa identidade presente.
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Imagem ou arte? Por todo o texto empregamos a expressão imagem em lugar de arte, ainda que as figuras que apresentamos possam ser encontradas normalmente em quaisquer livros de arte e possam ser identificadas como exemplos de Arte Paleocristã, Greco-Romana, Românica, Gótica etc. Nossa escolha se fundamenta no princípio de que o que compreendemos como arte hoje não existiu para aqueles que a produziram e observaram. Hoje, compreendemos a arte como expressão que provoca sensações e sentimentos, fundados numa originalidade que faz valorizar seu criador – o artista. Isto explica a extrema riqueza da produção artística do mundo contemporâneo... Tantas linguagens, tantos suportes, tantos temas e possibilidades... Mas para períodos mais recuados, isto não se apresentou desse modo. A tendência a pouca variação das formas e conteúdos ao longo de vários séculos, em relação ao nosso tempo, nos aponta para situações distintas. O artista (artifex), apesar de bastante valorizado pela capacidade de executar com maestria seu trabalho, não possuía a autonomia que percebemos na execução no nosso tempo. A ênfase tendia a recair no objeto executado e se apresentava uma valorização especial daqueles que o patrocinavam. No campo das imagens religiosas, estas poderiam adornar, ensinar e fazer recordar princípios e narrativas bíblicas, favorecer o sentimento religioso. Poderiam ainda materializar a presença divina, tornando visível uma realidade que se considerava inquestionável, nesse caso, a realidade e presença de Deus.
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O Tempo Religioso nas Imagens Medievais: contradições e sobreposições Pamela Wanessa Godoi
Que horas são? Uma pergunta cotidiana, e a que os conhecedores do relógio responderiam com uma pequena olhadela no aparelho celular, no pulso ou até mesmo na parede mais próxima. Mas nem sempre os homens tiveram relógios como os nossos, nem tão bonitos como os de hoje, nem tão precisos.
Figura 1 – Big Ben, Londres.
É desses aparelhos que hoje são tão comuns, e parte itegrante em todos os momentos de nossa vida é que retiramos o sentido do tempo. Esse tempo, que nos parece tão natural, tem lá sua história e segue o ritmo que a humanidade lhe imponha.
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Imagens Religiosas
A busca pelo controle deste devir dos acontecimentos é também um grande pedaço da história do homem. Ao voltarmos para o passado, e/ou para sociedades diferentes, encontramos maneiras diferentes em lidar, com isso a que chamamos de tempo: a rotatividade da Terra, uma natureza, ou como Norbert Elias escreveu em seu livro, com as “sequências observáveis de acontecimentos” (1998, p. 15). Essas sequências podem ser vivenciadas e organizadas de diversas maneiras: podemos ter como base o tempo pela indicação da luz e da escuridão e definir isso como dia e noite; podemos ver ainda mais complexidade e perceber as mudanças relacionadas ao clima, ao tamanho e posição da lua e das estrelas e nomear de estações; podemos também definir a passagem do tempo pelas mudanças físicas ocorridas: o envelhecer do homem, o amadurecer das frutas, o crescer das árvores. Para Norbert Elias o tempo é o símbolo humano para interação. As sociedades mais complexas necessariamente precisam de um controle maior dessa sensação da passagem dos acontecimentos. O tempo é parte indispensável nas relações dos homens; sem ele, ou melhor, sem uma forma padronizada de tratá-lo, temos dificuldades de nos relacionar. Faz parte do acordo entre os participantes de uma mesma comunidade estar envolvidos no mesmo tempo para poderem se entender; o tempo tem lugar central nesse relacionamento. O indivíduo é apenas parte desse coletivo, que de modo geral aceita o devir mais ou menos da mesma maneira. O conceito de tempo não é formulado individualmente, todos os homens de uma sociedade estiveram envolvidos na maneira em que o tempo era entendido. Os homens necessitam da determinação desse tempo para que toda a comunidade funcione (ELIAS, 1998, p. 13). Porém o tempo também não é apenas uma invenção do homem, ele tem sua categoria de natureza. Ou seja, ainda que o 64
O Templo Religioso nas Imagens Medievais: contradições e sobreposições
controle do tempo seja feito em conjunto pela sociedade, e que essa dependa do funcionamento desse controle para manter, ainda que com dificuldades, o relacionamento entre seus envolvidos, o fenômeno faz parte da categoria de natureza que percebemos, ainda que tenhamos dificuldade de conceituar. O tempo parece fazer parte de uma existência natural; explicá-lo não é tarefa tão simples. Esse texto não buscou entender a natureza do tempo; procurou apontar a existência de uma historicidade. Buscou também evidenciar as formas de utilização desse fenômeno pela religião, e as maneiras de representá-lo em um período específico que teve como particularidade a predominância de um tempo vivenciado e entendido prioritariamente pela religião, a Idade Média. Nas sociedades onde os calendários funcionam com mais facilidade, o tempo parece evidente (ELIAS, 1998, p. 18); já em sociedades onde o controle do tempo não está concluído, como era o caso medieval, a sensação da passagem dele é um fenômeno envolvido com os mistérios da natureza. O fenômeno do devir dos acontecimentos é melhor caraterizado quando colocado na categoria das manifestações naturais. Somente uma sociedade com os controles de tempo mais complexos e aprimorados têm condições de conceituar o tempo de maneira mais definida, ainda que a conceituação também seja repleta de ressalva, mesmo nessas sociedades mais sofisticadas. A passagem do tempo é tudo aquilo que acontece entre o nascimento e a morte do indivíduo e ainda que o tempo que esteja sendo vivido seja importante, a questão da passagem é que pode nos levar mais longe, para a busca de um entendimento do início e um fim. Encontramos aí a religião. Acredita-se que as primeiras formas de expressar a crença em algo exterior, partindo de um mesmo grupo, tiveram a ver com o momento do sepultamento dos corpos de homens pré-históricos (ELIADE, 2008, p. 313 a 331). 65
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Ao fim da vida reconhecemos à necessidade de algo para explicar, definir, e também justificar, todo o tempo que estivemos em meio às nossas comunidades. Neste tempo procuramos entender, nomear e caracterizar as etapas que podem estar à frente, e a maneira que o fim poderá chegar. Foi assim que a religião passou do momento da morte para fazer parte de toda a vida. É se é no tempo vivido que a religião ira atuar, o interesse da religião também ira ser incluído nas inquietações do aprimoramento do controle do tempo. Com a preocupação de como poderia ser o tempo após a morte, vem também o cuidado com o tempo antes desse momento. Muitas religiões, se não todas, tem sua maneira em lhe dar com o tempo. Na religião cristã, o tempo pós-morte é o momento de colher os frutos ou pagar por aquilo que foi feito em vida; ele não se insere no tempo vivido, e nem tem um tempo próprio; contudo, a preocupação com esse momento trouxe a reflexão de como se deve encaminhar o tempo durante a vida. Na Idade Média encontramos essa predominância da religiosidade no tempo. Do século V ao século XV, aproximadamente, podemos perceber como as crenças cristãs se movimentaram para entender e organizar os acontecimentos. Notamos como essas organizações ainda influenciam muito nossas vidas e percebemos que várias das opções e dos problemas medievais, com relação ao tempo, ainda são também os nossos. Primeiro é importante ressaltar que a organização do tempo medieval não estava unificada e bem concluída como a nossa; ainda que existam calendários e alguns tipos de relógios, a contagem do tempo não era única para toda a sociedade medieval. É nesses séculos que conseguimos perceber um grande, porém lento, aprimoramento do controle temporal. Como uma música sendo composta, essa afinação social do tempo se deu com base nas notas de Deus. O Deus cristão é único, 66
O Templo Religioso nas Imagens Medievais: contradições e sobreposições
Ele criou todas as coisas, e criou também o seu povo escolhido. Os judeus andaram pela Terra por séculos até que deles veio o Deus Filho; Ele nasceu de mulher judia, como prometido, e trouxe a salvação a todos; agora, não só aos judeus, mas todos os homens da Terra passaram a ter direito de fazer parte dessa comunidade. O início foi narrado, e dele notamos o entrelaçamento da criação do mundo, e da conexão divina e humana. Mas o tempo ainda não acabou; o fim vem com o Juízo Final. Ele começou com e por Deus, e por Ele foi modificado e por Ele será concluído. Essa é uma das maneiras pela qual a crença medieval entendeu o tempo, e é nessa narrativa linear de começo, meio e fim que encontramos algumas das principais referências temporais dos homens no medievo. Porém nem só de Deus se fez o tempo medieval. Nesse momento havia uma ligação muito forte com a terra; vivia-se nela, e dela; e importante nessa cultura da terra era entender o ritmo da natureza; era preciso saber e conhecer períodos de chuva, de frio, de neve que se intercalam e vão e vêm com a passagem do tempo. Um tempo circular, que rodeia o próprio tempo e que está sempre acabando e renascendo. O dia chega ao fim com a escuridão e, assim que for embora, trará novamente o dia, um novo dia e uma nova noite, e de novo e novamente. Essas são duas das principais referências do tempo no medievo, a religião cristã com sua narrativa que construiu o tempo de forma vetorial, uma linha reta com alvo certo no fim escatológico, e a referência natural da passagem do tempo circular, em que tudo tem sempre um recomeço. Tempos que podem ser claramente percebidos nos livros de Horas. Estes livros, que na Baixa Idade Média tiveram grande prestígio, eram feitos para que o fiel pudesse ter o controle das rezas que deviam ser recitadas diariamente; assim que terminasse uma oração, outra estaria aguardando a passagem do tempo para ser rezada. Uma após a outra, até o fim do dia, que no próximo amanhecer recomeçaria. 67
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As rezas dos livros utilizaram-se da medida circular do tempo, já bem entendida por essa sociedade, para organizar o culto a Deus; os livros de Horas eram normalmente feito com as orações do ano. Interessante cuidado com o tempo, que buscou apresentar a linearidade da história de Cristo se repetindo. O nome do livro vem de sua utilização; segundo Faillace, “os livros de horas são também chamados de Horas, devido à palavra latina Horae que assinala o momento em que se iniciam os Ofícios” (FAILLACE, 2009, p.18). As orações lembram à narrativa cristã, do nascimento, crucificação e ressureição de Jesus. Esse tipo de objeto ajudou muito no controle e na sofisticação da contagem do tempo religioso, mas seu objetivo não estava somente no campo do tempo. Sua eficácia passou pela preocupação que toda a sociedade começou a expressar com o cuidado ao culto prestado a Deus. Controlar o tempo fez parte de sua funcionalidade, porém ele era feito com outros objetivos relacionados ao momento de estreitar a relação do homem com Deus. É na relação imagem-texto-função, que encontramos uma grande evidência da sobreposição das duas principais alusões temporais do medievo. Enquanto o texto traz as orações e as preocupações com o tempo de Deus, as imagens procuram lembrar que aquelas orações são para determinados períodos do ano, indicados por suas referências iconográficas. Observemos um dos livros de Horas mais conhecidos: “As Riquíssimas Horas do Duque de Berry”. Esse livro está em uma grande coleção de cerca de 70 livros iluminados do Duque de Berry; João de França era o seu nome de batismo, ele foi importante duque e reconhecido por seu gosto pelas artes; encomendou, além dos vários livros iluminados, obras de
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arquitetura e ourivesaria. Nascido em 1340 e morto em 1416, tinha íntimas relações e parentesco com reis franceses, e não viu o fim da produção do livro, finalizado em 1416 ou 1417, depois de sua morte. O livro iluminado, característico da Idade Média, é um manuscrito com o texto copiado e com imagens pintadas junto ao texto. As imagens são feitas segundo a técnica conhecida como iluminação; também eram chamadas de miniaturas, devido ao verbo latino miniare, que quer dizer pintar com o minium, uma tinta de cor vermelha. Com o tempo o verbo que indicava desenhar ou pintar: iluminare foi sendo mais usado e a técnica ficou conhecida como iluminação. “As Riquíssimas Horas” foram iluminadas pelos três irmãos Limbourg — Paul, Hermann e Jean, artistas flamengos contratados pelo duque de Berry por volta de 1405. Neste lindo livro as imagens feitas no calendário são indicações dos afazeres cotidianos ligados às estações do ano. Muitos especialistas da arte indicam esse livro como um importante objeto para observar as especificidades da paisagem, já que suas imagens destacam as formas e cores dessas paisagens ao longo do ano. Em janeiro temos o mês do Ano Novo, com festa e a entrega de presentes. Em algumas famílias não se davam presentes no Natal, como hoje; esses presentes eram dados no primeiro dia do ano. Como em todos os meses do calendário, acima temos o arco do zodíaco que divide os dias e as semanas do mês. No mês de janeiro os dias não foram preenchidos; abaixo temos a cena da festa. O duque que encomendou o livro está sentado do lado direito, atrás da mesa, e é possível identificá-lo não apenas por sua aparência, mas principalmente por suas vestes.
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Figura 2 – montagem dos 12 meses. Calendário, As Riquíssimas Horas do Duque de Berry, 1416-17.
Interessante perceber que atrás dele há uma espécie de círculo que seria a proteção contra as chamas do fogão; esse círculo também dá a impressão de uma auréola em volta de sua cabeça. A auréola é símbolo de santidade, privilégio de Deus e dos santos. O duque não estava neste grupo, mas a opção de
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uma imagem circular atrás dele, que é objeto funcional cotidiano e ao mesmo tempo joga com um símbolo de destaque divino, demostra uma das interessantes opções dos iluminadores, que buscaram evidenciar seu mecenas. Em fevereiro temos o arco na parte de cima preenchido e abaixo uma cena do inverno. Possivelmente umas das cenas mais antigas de neve da Europa (JANSON, 1993). Em primeiro plano vemos algumas pessoas no interior de uma casa se aquecendo ao lado de animais e uma outra que parece correr para chegar ao refúgio. Ao fundo dois trabalhadores seguem a vida cotidiana: um corta a lenha e outro, mais acima, parece andar ao lado de um animal levando algo pelo caminho desenhado. Uma imagem onde o branco da paisagem se destaca na representação; para os leitores do livro, era evento diário neste mês. Março traz mais uma cena dos trabalhos cotidianos do mês. Com o fim do inverno era chegada a hora de iniciar a semeadura. À frente um homem e um boi se destacam nos campos do castelo de Lusignan, representado ao fundo. Abril também apresenta a imagem de uma propriedade do duque, o castelo de Dourdan; traz também o cotidiano deste mês, que com a chegada da primavera é cheio de festas e de encontros nos campos. Em maio outra cena de um encontro festivo, com homens e mulheres a cavalo passeando com o castelo ao fundo; possivelmente o mesmo castelo que encontramos na cena produzida no mês de junho: o Palais de la Cité, neste mês que tem na frente da cena a representação da colheita dos campos feita nessa época do ano; tem também a bela imagem da SainteChapelle. Reparemos no detalhe:
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Figura 3 – Junho. Calendário, As Riquíssimas Horas do Duque de Berry, 1416-17.
A igreja, com suas longas torres góticas, está localizada ao lado e eleva sua torre central com a cruz até o limite da cena. Percebemos como a casa de Deus esteve presente, concretamente, na paisagem desse período. Sendo representada nesta imagem, a Santa Capela chama atenção por sua notoriedade. Ao trabalhar nos campos, ao longe se avistava o grande castelo e a linda igreja. Em julho temos outro castelo ao fundo, e o trabalho do fim da colheita e dos cuidados com os animais. Em agosto, mês da caça, apresenta-se na cena essa função, exercida prioritariamente pelos nobres. Ao fundo o castelo de Etampes e, em primeiro plano, homens e mulheres nobres montados a cavalo, com cães e pássaros que auxiliavam na caça. 72
O Templo Religioso nas Imagens Medievais: contradições e sobreposições
Em setembro está desenhada uma das mais belas iluminuras do livro: a imagem do castelo de Saumur, ao fundo; conta com ricos detalhes de sua arquitetura e, à frente o trabalho do mês: a colheita das uvas. No mês seguinte, outubro é hora de recomeçar o trabalho de semeadura dos campos; vemos na cena do calendário uma notável distinção técnica do período: sombras nos personagens. Uma relação com a luz diferente da que era feita até então (JANSON, 1993). A imagem de novembro não foi pintada pelos irmãos Limbourg; após a morte desses, Jean Colombe concluiu a pintura abaixo do tímpano zodiacal (JANSON, 1993). Ela traz um camponês com porcos, comendo próximos a ele. Dezembro finaliza o ano com a caça ao javali; muitos cães atacam um animal sob o olhar atento de homens e com o fundo representando o castelo de Vincennes, por muito tempo residência real francesa. Temos assim uma produção do fim da Idade Média que sobrepõe o tempo de Deus e o tempo cotidiano. O entrelaçamento dessa sobreposição também foi estudado por Jacques Le Goff, importante historiador francês do período medieval, que apresentou um trabalho sobre essa relação do tempo religioso, que ele chama de “tempo da Igreja” e o tempo cotidiano nas cidades, que ele chama do “tempo do mercador” (LE GOFF, 1995, p. 43-73). Outro tempo cotidiano entra em cena: o tempo do trabalho prioritariamente nas cidades. Próximo ao século XII as cidade começaram a ganhar mais força e se destacar. Nela encontramos uma figura importante para o crescimento da sociedade: o mercador. Durante toda a Idade Média o mercador existiu, mas é com a cidade que sua relação com o tempo ficou mais clara e pode ser observada como indício da mudança no controle do tempo. A atividade do comércio exige um conhecimento do tempo que não é só aquele dos ciclos naturais; pede também um aprimoramento da medida de tempo. O mercador, que 73
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trabalhava com o tempo de espera da venda até o pagamento, com o tempo que levava o transporte das mercadorias e com a variação dos valores durante o tempo, se tornou membro de um grupo que exigiu maior complexidade social. O tempo era dotado financeiramente de um valor; ainda que os excessos fossem extremamente condenados pela Igreja, o tempo do mercador valia dinheiro. Essa sociedade lentamente aceitou esse valor, e foi preciso participar do aprimoramento do seu tempo. O controle passou também a ser mais complexo, e a busca por relógios mais precisos e calendários mais unificados cada vez mais fez parte desse mundo. Aqui vale lembrar que o desenvolvimento das cidades foi bastante complexo e suas relações com a Igreja e com o mundo rural não são antagônicas. O próprio Le Goff apresentou essas relações em seu livro “o Apogeu da cidade Medieval” (LE GOFF, 1992). O “tempo do mercador” não foi antagônico ao tempo do campo, e nem mesmo ao tempo de Deus. Foi mais uma sobreposição que participou do aprimoramento do controle do tempo feito durante o período medieval. Todos esses tempos terão o seu fim no Juízo Final, como narrou o cristianismo. Aquele último momento do tempo, quando Deus julgará todos os homens e separará os bons e os maus, condenando os segundos ao inferno eterno e os primeiros ao paraíso perpétuo. A representação desse momento foi muito comum no medievo. A grande quantidade e variedade das imagens com o tema do Juízo Final demonstra como o último tempo teve papel importante na visualidade do período medieval. Uma das mais conhecidas representações é a pintura de Michelangelo, feita na Capela Cistina já no período moderno, entre 1537 e 1541.
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Figura 4 – Michelangelo. Juízo Final. Capela Cistina. Vaticano, 1535-41.
A cena pintada na parede da igreja apresenta uma opção de divisão dos acontecimentos em vários espaços diferentes e união desses pelo fundo azul. É o fim dos tempos com tudo acontecendo ao mesmo tempo. Outras imagens anteriores utilizam-se do mesmo recurso de divisão e união do espaço. Notamos também que a opção pela cena do Juízo Final foi produzida em outros objetos. O Tríptico do Juízo Final pintado por Bosch tem sua data por volta de 1482. Foi feito em óleo sobre madeira e mede 1,63 metros de altura por 2,42 metros de largura. Apresenta no lado esquerdo a representação do pecado original remetendo ao início dos tempos; no centro o Juízo Final com a volta e o julgamento de Deus, e do lado direito o inferno como contraponto do paraíso.
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Figura 5 – Jheronimus Bosch. Tríptico do Juízo Final. Museu Groninge. Bourges, 1450–1516.
Outro objeto em que vemos a imagem do Juízo Final é um vitral da catedral de Bourges; feito no século XIII, a imagem apresenta no centro, com um grande destaque, Deus abençoando os homens.
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Figura 6 – Juizo Final. Vitral da catedral de Bouges, século XIII.
Isso nos mostra que além de ser comum no período medieval, sendo representado em vários suportes, o Juízo Final também foi produzido de várias formas, permitindo que o artista apresentasse o fim dos tempos da maneira que melhor convinha ao suporte e também à imaginação. Mas, como vimos, agregado a esse tempo linear, temos também o tempo circular. Uma das figuras mais representativas desse tempo é a chamada Roda da Fortuna.
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Imagens Religiosas
Figura 7 – A Roda da fortuna. Miniatura de l’Hortus Deliciarum de Herrade de Landsberg.
A roda faz parte de todo um simbolismo ligado ao movimento; em um sentido amplo, a roda pode ser interpretada como o símbolo de todo o universo. No período medieval, o tema da Roda da Vida ou Roda da Fortuna foi bastante difundido. Em resumo, sua concepção era de que os acontecimentos da vida seguiam um ciclo circular. Como representado acima, o indivíduo estava no alto da roda quando estava bem; usa-se como opção para representação desse bom momento a coroa que simboliza um grande poder; porém ao girar a manivela, a Fortuna derruba-o e ele perde sua coroa, seu poder, e aparece representado de ponta-cabeça, claramente desconfortável; nesse momento nada tem; seguindo o ciclo, logo ele sobe e se refaz para novamente chegar ao topo da roda. Interessante perceber nesta iluminura como a figura feminina que representa a Fortuna parece se divertir com o movimento que provoca. 78
O Templo Religioso nas Imagens Medievais: contradições e sobreposições
Percebemos que o tempo cristão era prioritariamente linear, escatológico, que segue até o Juízo Final; porém a passagem de tempo no cotidiano teve um sentido circular, trazendo para as imagens essa confluência entre o linear e o circular. A sobreposição dos movimentos do tempo é uma característica percebida na produção imagética desse período. Lidar com essa ambiguidade trouxe dificuldades na organização, principalmente do tempo ligado aos ritos religiosos; uma das saídas foi a relação possível entre a imagem e o texto, feita, por exemplo, nos livros de Horas; enquanto um se preocupou com o tempo de Deus, a outra aproximou o objeto do cotidiano de seus utilizadores. Essa frutífera relação não priorizou e nem hierarquizou nenhum das características relacionadas com o sentimento da passagem dos acontecimentos; buscou, sim, contemplar as duas formas: linear e circular; com o ritmo e a melodia, compôs-se uma partitura que pode ser regida pelos homens, agradando a Deus.
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Figura 15 –Giotto. Natividade. Afresco. Capela Scrovegni. Pádua, 13046. Disponível em: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Midwife_ Salome_(Cappella_degli_Scrovegni).jpg, acesso em 25/08/2014. Figura 16 – Giotto. Juízo Final, detalhe. Afresco. Capela Scrovegni. Pádua, 1306. Disponivel em: http://fr.wikipedia.org/wiki/Enrico_ Scrovegni#mediaviewer/Fichier:Giotto,_scrovegni,_enrico_ scrovegni_dona_agli_angeli_una_riproduzione_della_cappella_ degli_scrovegni_(1302).jpg, acesso em 25/08/2014. Figura 17 – Giotto. Estigmatizacão de Francisco de Assis. Museu do Louvre. França – Paris, 1295-1300 – Disponivel em: http:// pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Axtase_de_S%C3%A3o_Francisco_ com_os_Estigmas#mediaviewer/Ficheiro:Giotto._Stigmatization_of_ St_Francis._1295-1300._314x162cm._Louvre,_Paris.jpg, acesso em 25/08/2014.
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Sobre os autores
André Luiz Marcondes Pelegrinelli Aluno do curso de História da Universidade Estadual de Londrina. Angelita Marques Visalli Docente de História Medieval do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. Pamela Wanessa Godoi Aluna do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina.
IMAGENS RELIGIOSAS
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realização:
Angelita Marques Visalli (org.) patrocínio:
978-85-7846-280-2
Coleção História na Comunidade – volume 8 9 788578 462802