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Editorial
A superação do Fascismo Se no primeiro número do nosso Boletim (número 0) nos limitamos a apresentar de maneira sumária Julius Evola aos nossos leitores, recolhendo o trabalho que outros tinham já iniciado, neste segundo número (número 1) decidimos começar a explorar de forma substancial o seu pensamento, apresentando aos nossos leitores textos até agora (tanto quanto sabemos) indisponíveis em português («O Fascismo e a Ideia Política Tradicional» e «Autodefesa»). Apresentado frequentemente como um fanático nazi-fascista pelos adversários (que nunca leram uma linha do que escreveu), e como antifascista por “defensores” tíbios (especialistas em citações truncadas e selectivas), a verdade, como quase sempre, é um “pouco” mais complexa do que isso e desafia alguns preconceitos e categorias ideológicas muito convenientes quando se trata de demonizar alguém, mas com muito pouca utilidade explicativa. Não pretendemos ser nós a responder à questão sobre o fascismo (ou antifascismo) de Evola, e, de maneira mais geral, sobre a relação entre a Tradição (ver o artigo “O que é a Tradição?”, na pág. 4) e o Fascismo. Pretendemos, isso sim, deixá-lo falar na primeira pessoa e sem intermediários, apresentando por isso dois textos fundamentais para a compreensão do seu pensamento em relação ao Fascismo: «O Fascismo e a Ideia Política Tradicional» e «Autodefesa». Evola foi um tradicionalista, um intérprete da Tradição, e fascista apenas na medida em que o Fascismo assumiu aspectos tradicionais. Ouçamo-lo: “Sejamos bastante claros a este respeito: contra os detractores, os que mudam de opinião e as medíocres figuras morais dos nossos tempos, nós não repudiamos o passado, antes reconhecemos todo o valor que o período Fascista teve na história italiana, bem como aquele que o período Nacional-Socialista teve na da Alemanha. (…) Quem quer que, como nós, apoiando uma ordem de ideias coincidente apenas em parte com o Fascismo (e o Nacional-Socialismo), tenha colaborado com estes movimentos apesar da consciência precisa dos seus aspectos incompletos ou desviados, fêlo contando precisamente com a possibilidade de desenvolvimentos futuros que esperançosamente os teriam eliminado. (…) Para lá do “mito”, para lá da nostalgia, para lá do luto pelo grande homem, o Fascismo pode ser usado como uma base apenas na medida em que foi uma manifestação e re-assumpção da grande tradição política europeia, daquilo que agiu de maneira formativa no plano espiritual, político e social antes da Revolução Francesa” («O Fascismo e a Ideia Política Tradicional», pág. 7). Mais do que fascista ou antifascista, Evola foi “supra-fascista” e grande parte dos seus esforços doutrinários foram precisamente no sentido de proporcionar aos Homens que se mantêm de pé entre as ruínas a possibilidade de superação do Fascismo.
ÍNDICE Editorial 2 ————————– –—————————— ———————— 3 Evola e o pós-fascismo ————————– ————————–—————————— O que é a Tradição? 4 ————————– ————————–—————————— O Fascismo e a Ideia Política Tradicional 7 ————————– ————————–—————————— Os Fascismos e a Tradição Primordial 16 ————————– ————————–—————————— Autodefesa 19 ————————– ————————–—————————— Ungern-Sternberg 25 ————————– ————————–—————————— Tradição em rede 27 ————————– ————————–—————————— FICHA TÉCNICA Número 1 ————————– –—————————— ———————— 2º quadrimestre 2007 ————————– ————————–—————————— Publicação quadrimestral ————————– ————————–—————————— Internet: www.boletimevoliano.pt.vu ————————– ————————–—————————— Contacto: boletimevoliano@gmail.com ————————– ————————–——————————
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Opinião
Evola e o pós-fascismo Marcos Ghio ————————————————
Em concordância com o processo de globalização que hoje rege o planeta, o prefixo pós tem sido o termo utilizado para referir as distintas correntes de pensamento próprias de tal etapa. Assim, se a pós-modernidade significa viver plenamente o moderno nos seus efeitos, libertando-o de qualquer estéril idealismo que interfira com a sua expansão, as correntes pós no plano do pensamento político tentaram aplicar tais consequências no seu âmbito próprio. Tal aconteceu especialmente com as suas duas expressões antitéticas de esquerda e direita. Assim, o pós-comunismo representa uma postura que renunciou para sempre a teses conflituosas tais como a luta de classes, a ditadura do proletariado, etc., para se reduzir a um fenómeno light, gramsciano, limitado a meras reivindicações sociais ou culturais que não são outra coisa que uma via reformista de adaptação ao “curso irreversível” do processo histórico e moderno. O mesmo é dizer, esvaziar tal ideologia de todo o espírito revolucionário e anti-burguês que pudesse ter tido em algum momento. Faltava que também o Fascismo vivesse a sua experiência pós, isto é, que manifestasse plenamente aqueles veios modernos também presentes na sua doutrina, já denunciados no seu tempo por Julius Evola, nos seus escritos da revista La Torre nos quais contrastava os dois espíritos que combatiam no seu seio, o burguês e o legionário. O primeiro era apenas uma simples adaptação ao sistema moderno vigente; em vez de o corrigir ou rectificar, tentava tornarse parte do mesmo. Tal espírito burguês e conformista foi o que se viveu especialmente durante o primeiro Fascismo, conhecido como o
do Ventennio. A guerra permitiu que esta primeira vertente abandonasse rapidamente o barco, passando-se abertamente para o lado do inimigo e que, por contraste, o espírito legionário se plasmasse na República Social Italiana, cujo significado é o da resistência heróica ante o imparável avanço das forças do caos soviético-americanas. Mas o pós-fascismo, surgido logo a seguir à queda do Muro de Berlim e à “morte das ideologias”, consiste hoje em repudiar esta última etapa e regressar de forma aumentada ao espírito burguês antes mencionado. Gianfranco Fini, ex-líder do fascismo italiano no século passado, hoje confesso aderente à ideologia pós, mostrou até que limites pode chegar tal trabalho de esvaziamento doutrinário. Logo depois de ter visitado Israel, denunciado o Holocausto, repudiado Mussolini e usado a kipá, conseguiu alcançar o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Berlusconi. Um dos seus primeiros actos de governo foi justamente viajar até ao país a que devia o reconhecimento pelo
seu arrependimento e adesão à ideologia pós. Ali teve a honra de ser recebido por Sharon em pessoa. Grande foi a sua surpresa perante as indicações recebidas desta vez. Muito solto de corpo, o Primeiro-Ministro indicou-lhe de forma peremptória que, se quiser continuar a ter o seu “apoio”, deve impedir a difusão das doutrinas de Julius Evola. O chefe do sionismo compreendeu muito bem, seguramente devido à leitura incessante dos nossos comunicados, que não existe pensamento mais contrastante com o sistema hoje vigente no mundo do que o formulado à luz de tal corpo doutrinário. Talvez o seu compreensível medo se deva à possibilidade de que, da mesma maneira que o moderno só pode ser negado pelo que lhe é superior e não pela sua consequência mais sombria — o fenómeno pós —, também o fascismo possa ser negado nas suas facetas burguesas e conformistas que o transformaram num fenómeno escasso e insuficiente. Tal como disse Evola, somos supra-fascistas e não pós-fascistas. Somos antimodernos e não pós-modernos.
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Doutrina
O que é a Tradição? Julius Evola ———————————————— (tradução e notas de César Ranquetat Jr. — franquetat@yahoo.com.br)*
Há duas razões pelo qual hoje é oportuno precisar o conceito de Tradição em sua acepção particular, pelo qual se converteu muito corrente usar tal termo com letra maiúscula. A primeira razão é o interesse crescente que a ideia de Tradição como ponto de referência suscitou e continua suscitando nos ambientes de cultura e contestação de direita, em especial entre os pertencentes à nova geração. A segunda razão se refere ao facto que, ao mesmo tempo, e se pode dizer que justamente por haver se constatado tal interesse, se formularam intentos de sustentar uma interpretação caduca e tíbia do conceito de Tradição, quase para suplantar o originário e integral e substituí-lo com um conteúdo menos comprometido e mais acomodado, de modo tal de permitir a continuidade das routines de uma mentalidade em grande medida conformista. Se poderia falar, a tal respeito, usando um termo francês, de uma escamotage. E é assim como aconteceu, por exemplo, o distanciamento de certas pessoas, que atraídas em um primeiro momento pelo conceito de Tradição, terminarão aderindo a um “tradicionalismo católico”(1). Acerca do sentido interno de tal
distanciamento são bastante significativas as palavras expressadas por um escritor expoente desta direcção, em uma entrevista concedida por ele a Gianfranco de Turris. O escritor em questão reconheceu que da mesma maneira que outros de sua geração e das sucessivas, em um primeiro momento se interessou pela ideia tradicional, especialmente pelas suas aplicações políticas, mas logo distanciou-se sentindo que as coisas aconteciam como em uma “sã cura de helioterapia”, havia que “retirar-se do sol antes de ser queimado”. Evidentemente este não é senão um modo elegante para dizer que não se suportava a força de certas ideias formuladas sem atenuações, daí então o distanciamento e a adesão ao “tradicionalismo católico”. Um caso importante é o constituído por um livro, editado por Bompinani que se intitula: “O que é a Tradição?” Aparte do facto de que não se trata de uma exposição sistemática, senão de um grupo de ensaios que muitas vezes tem pouco que ver com o tema, o autor dá novamente uma versão tíbia da Tradição, com visíveis preocupações de carácter religioso e moralizante, o alarde expressado através de citações múltiplas de uma cultura variada vale mais para confundir que para esclarecer, dada a falta de um rigoroso quadro sistemático. É bastante visível que este livro foi justamente escrito em relação ao mencionado crescente
interesse pela ideia de Tradição. Há um aspecto que merece ser assinalado, o autor do livro em questão, que pretende dizer o que é ou que seria a Tradição, por certo não sonhou jamais de aproximar-se a tal ordem de ideias até não faz muito tempo quando andava junto com Moravia e com outros expoentes da intelectualidade esquerdista italiana. Ele ignora que o conceito integral de Tradição havia sido já formulado nos anos 20 por René Guénon(2) e seu grupo, e depois em nossa obra Revolta contra o Mundo Moderno, editada em 1934 na Itália e em 1935 na Alemanha, a primeira parte desta obra se intitula justamente “O mundo da Tradição”. O autor aludido cita apenas um par de vezes a contribuição da corrente guenoniana, entretanto ignora sistematicamente a nossa. Lamentavelmente ele dispõe de um círculo bastante vasto de leitores, pelo qual sua tíbia apresentação do que seria a Tradição resulta sumamente perniciosa. O autor em questão se perde em uma discussão quase teológico-escolástica quando afirma que a “tradição por excelência é a transmissão do conhecimento do objecto óptimo e máximo, o conhecimento do ser perfeitíssimo”. Isto poderá valer no campo contemplativo-religioso, e só com referência ao mesmo se pode dizer que a Tradição “se concreta em um conjunto de meios: sacramentos, símbolos, ritos, definições discursivas cujo
* O texto a seguir escrito por Julius Evola, compõe um capítulo de uma de suas últimas obras “O Arco e a Clava” (1968). O pensador italiano procura explicar a ideia de Tradição desvinculando esta de qualquer forma de tradicionalismo. Para Evola, a Tradição possui um conteúdo meta-histórico e supra-temporal. O autor analisa ainda o chamado método tradicional e o papel das elites na transmissão do conhecimento tradicional. 1. Para Evola a ideia de Tradição é algo mais vasto e universal que o catolicismo. Em sua obra “Os homens e as ruínas” afirma: “Deve, pois permanecer firma a ideia de que ser tradicional e ser católico não é a mesma coisa. Não só isto, por mais que possa parecer paradoxal a alguns, quem é tradicional sendo só católico em sentido corrente e confessional, não é tradicional senão pela metade do caminho. Repetimos: o verdadeiro espírito tradicional é uma categoria muito mais vasta que todo que é simplesmente católico.” 2. Para Guénon, tudo o que é de ordem tradicional tem uma relação com algo que é de origem supra-humana. A Tradição possui uma origem divina e não se confunde com mero costume ou hábito.
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fim é o de desenvolver no homem aquela parte, faculdade, potência ou vocação, que lhe coloca em contacto com o máximo do ser que lhe seja consentido, colocando-o por cima de suas constituições corpórea ou psíquica, o espírito ou intuição intelectual”. Se nestes termos é reconhecida a definição de uma hierarquia “entre os seres relativos e históricos, fundada em seu grau de distanciamento a respeito da ideia do puro ser”, é evidente que aqui se fixa em esfera abstracta, e isso se confirma pelo fato que o autor em tela alimenta uma espécie de rechaço pelas formas de realidade política, por tanto também por tudo o que é Estado, hierarquia política e imperium, em conformidade com certas concepções espiritualistas cristãs (co mo aparece claro também no “tradicionalista” Leopold Ziegler). É um facto que a Tradição se manifesta em sua plena potência formativa e animadora justamente no domínio da organização político-social, para conferir à mesma um significado e uma legitimação superior. Como um exemplo importante que persistiu até à época moderna se pode indicar o Japão(3). Podem-se distinguir dois aspectos da Tradição, um referido à metafísica da história e a uma morfologia das civilizações, o segundo a uma interpretação “esotérica”, ou seja, de acordo com a dimensão em profundidade do diferente material tradicional. Sabe-se que o termo tradição vem do latim tradere, ou seja, transmitir. Assim o mesmo tem um conteúdo indeterminado, pelo qual se observa seu uso nos contextos mais variados e profanos. “Tradicionalismo” pode significar conformismo, e acerca disso Cherterton disse que a tradição é a “democracia dos
mortos”, assim como na democracia a maioria se conforma à opinião de uma maioria de contemporâneos, do mesmo modo acontece no tradicionalismo conformista o qual segue a da maioria daqueles que viveram antes de nós. Quiçá poucos saibam que o termo Kabbala tem literalmente o sentido de tradição, mas aqui é em relação com a transmissão de um conheci-
mento metafísico e da interpretação “esotérica” da correspondente tradição, pelo qual nos aproximamos acerca daquilo do que é a Tradição. No que se refere ao domínio histórico, a Tradição vincula-se àquilo que poderia denominar-se como uma transcendência imanente. Trata-se de uma ideia recorrente de que uma força do alto actuou em uma ou outra área ou em um ou outro ciclo histórico, de modo que valores espirituais e supraindividuais constituíram o eixo e o supremo ponto de referência para a organização geral, a formação e a justificação de toda realidade e actividade subordinada e simplesmente humana. Esta força do alto
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é uma presença que se transmite, e esta transmissão de dita força, que se encontra por cima das meras contingências históricas, constituía justamente a Tradição. Normalmente a Tradição tomada neste sentido é levada por quem se encontra no vértice das correspondentes hierarquias, ou por uma elite, e em suas formas mais originárias e completas não há um separação entre o poder temporal e autoridade espiritual(4), sendo a segunda, em matéria de princípios, o fundamento, a legitimação e o crisma da primeira. Como exemplo característico se pode citar a concepção extremo-oriental do soberano como “terceira força entre o céu e a terra”, concepção que se reencontra na realeza nipónica cuja tradição persiste até hoje. No aspecto aqui indicado de uma “transcendência imanente”, o tradere, a transmissão se refere não a algo abstracto e contemplativo, mas a uma energia que por ser invisível não é menos real. Aos chefes e a uma elite cabe a tarefa de transmissão dentro de determinados marcos institucionais, variáveis, mas homologáveis em sua finalidade. É bastante evidente que a mesma está mais garantida se pode ser paralela a uma continuidade de estirpe ou sangue tutelada por normas rigorosas. De facto, quando a cadeia de transmissão se interrompe, é sumamente difícil restabelecê-la. Nesta perspectiva a Tradição é a antítese de tudo o que é democracia, igualitarismo, primazia da sociedade sobre o Estado, poder que vem de baixo e coisas similares. Para o segundo aspecto da Tradição, é necessário remeter-se ao plano doutrinário, e aqui o ponto de referência e o que pode denomi-
3. Para o pensador italiano o Japão era até à II Guerra Mundial um exemplo claro de harmonia entre desenvolvimento técnico e manutenção do espírito tradicional. 4. Segundo Evola, em tempos primordiais, na “Idade de Ouro” não havia a distinção entre poder temporal e autoridade espiritual. O detentor do poder político era também uma autoridade espiritual, a figura da realeza sacerdotal exprime esta ideia.
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nar-se a unidade transcendente e oculta das diferenças tradições(5). Pode tratar-se de tradições de tipo religioso, mas também de outro género, tais como sapiênciais ou de mistérios. Aquilo que foi chamado de “método tradicional” consiste em descobrir uma unidade ou correspondência essencial de símbolos, de formas, de mitos, de dogmas, de disciplinas, mais além das expressões múltiplas que os correspondentes conteúdos de significado podem assumir nas diferentes tradições históricas. Tal unidade pode resultar a partir de uma penetração em profundidade do diferente material tradicional: indagação — isto deve ser destacado — que deve ser distinta das investigações da denominada ciência comparada das religiões universais, a qual se atém à superfície e tem um carácter empírico e não metafísico. A faculdade requerida, é aquela que se pode denominar como “intuição intelectual ou espiritual”, intuitio intellectualis(6). Só a possessão desta rara capacidade intelectual pode dar o sentido da medida e prevenir o que se poderia denominar a “superstição da Tradição”. Com efeito, há pessoas que se entregam à fantasia e que descobrem em tudo conteúdos tradicionais, ainda quando os mesmos são imaginários ou se trata de contextos espúrios e primitivos. É o análogo do chamado “delírio interpretativo” dos freudianos, os quais querem ver em tudo a acção dos complexos sexuais. A origem das formas tradicionais é um problema complexo. No que diz respeito ao primeiro dos aspectos aqui aludido, ou seja, o aspecto histórico é muitas vezes formulada a ideia de uma tradição primordial, da qual derivaram as sucessivas e particulares tradições. Mas se permanecemos no plano histórico, este conceito deve ser
articulado. A hipótese de uma tradição primordial hiperbórea e nórdico-ocidental no que se refere ao grupo de civilizações tradicionais da área indo-europeia, não se pode fazer demasiado uso no que concerne, por exemplo, às formas tradicionais extremo-orientais, as quais devem remeter-se a um diferente tronco de origem. Mas aqui pode impor-se o ponto de vista a seguir para o segundo aspecto do problema, que é a explicação de concordâncias e de correspondências essenciais de conteúdos tradi-
“
A introdução da ideia de tradição vale para libertar toda tradição particular de seu isolamento, remetendo o princípio gerador da mesma e de seus conteúdos essenciais a um contexto mais vasto, em termos que são de uma efectiva integração.” cionais. É simplista e em parte supersticiosa a ideia de personagens “iniciados” e similares, que nos vários casos operaram conscientemente na origem de toda tradição. Ainda se a ideia quiçá não pode ser aceita por todos sem dificuldade, igualmente muitas vezes se deve pensar em influências(7) por assim dizer, que intervêm na história e nos desenvolvimentos das tradições por detrás dos bastidores, sem que os representantes das mesmas se dêem conta. Há casos também de um “voltar a brotar” de uma única influência com notáveis distâncias de espaço e tempo, portanto, sem uma transmissão materialmente relevante, quase como um redemoinho que desaparece em um determinado ponto da corrente de um rio para
voltar a formar-se em outro ponto. É o que se deve pensar em muitos casos de correspondências tradicionais, em elementos particulares, mas também nas estruturas de conjunto de determinadas civilizações, as linhas de vinculação com a superfície são inexistentes, algo imponderável entra em jogo servindo-se ao máximo de elementos de sustentação. Por exemplo, a génese da antiga romanidade, em tudo aquilo onde esta reproduz formas variadas da tradição primordial indo-europeia, pode ser visto sob este aspecto. Enfim, se deve considerar o caso de que a influência em questão actue sucessivamente, ou seja, no desenvolvimento posterior como tradição de uma matéria originária, transformando-a, enriquecendo-a e também a rectificando. Em certa medida, isto parece ter acontecido na formação da tradição católica a partir da matéria proporcionada pelo cristianismo primitivo. A introdução da ideia de tradição vale para libertar toda tradição particular de seu isolamento, remetendo o princípio gerador da mesma e de seus conteúdos essenciais a um contexto mais vasto, em termos que são de uma efectiva integração. Para desdenhá-la se encontram tão só eventuais pretensões de exclusivismo sectário(8) e de privilégio. Reconhecemos que isto pode molestar e criar certa desorientação em quem se sentia muito seguro em uma determinada área restringida. Entretanto, para outros, a concepção tradicional abrirá horizontes, infundindo uma superior segurança, com a condição de não confundir o jogo, como no caso daqueles “tradicionalistas” que colocaram a mão na Tradição só por uma espécie de condimento para a própria tradição particular reafirmada em todas suas limitações e em todo seu exclusivismo.
5. Conceito criado por Frithjof Schuon. 6. Termo usado pela escolástica medieval. A intuição intelectual não se confunde com a intuição sensível e com a razão. 7. Esta ideia de Evola concorda com sua concepção tridimensional da história. Para este autor além das dimensões de superfície, que compreendem as causas, os factos e os dirigentes visíveis, o devir histórico possui também uma dimensão profunda, subterrânea em que agem forças e influências decisivas de origem não humana e que actuam de forma subtil. 8. Característico de todas as formas de tradicionalismos e fundamentalismos.
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Doutrina
O Fascismo e a Ideia Política Tradicional Julius Evola* —————————————– —————————————–——————
É bem sabido que “neofascista” é a palavra agora utilizada, tanto pelos meios democráticos como comunistas, para designar aqueles que, em Itália e noutros locais, se mantêm de pé e no combate por uma ideia política mais elevada. Além disso, e de certa maneira, esta designação foi aceite por estes próprios grupos. Foi assim criada uma situação não desprovida de equívocos e perigos que frequentemente joga a favor do adversário. Daí, entre outras coisas, o facto de se falar, de maneira obviamente pejorativa, de “nostalgias”. De facto, o papel desempenhado, entre as forças que acabamos de mencionar, pelo que se pode chamar de mitologização é óbvio: o Fascismo e Mussolini foram transformados num mito, e aquilo que é focado, de maneira geral, é uma realidade historicamente condicionada bem como o homem que foi o seu centro, ao invés de uma ideia que pode ser válida em si e por si, independentemente destes condicionalismos, uma ideia, portanto, que não pode ser confinada ao passado como objecto de “nostalgia” mais ou menos néscia, mas que pelo contrário continua hoje bem definida e retém todo o seu significado. Sejamos bastante claros a este respeito: contra os detractores, os que mudam de opinião e as medíocres figuras morais dos nossos tempos, nós não repu-
diamos o passado, antes reconhecemos todo o valor que o período Fascista teve na história italiana, bem como aquele que o período Nacional-Socialista teve na da Alemanha. No entanto, Mussolini não pode ser ressuscitado, nem podem ser restauradas as premissas gerais que tornaram possível o advento do Fascismo histórico e o seu desenvolvimento. Temos de tornar claro que não nos podemos contentar com este penoso reconhecimento, e que meras nostalgias e mitologizações não nos servirão no cumprimento das tarefas que somos hoje chamados a assumir. Como dissemos, é necessário não dar armas aos adversários. O que caracteriza sempre a “mitologização” é a “idealização”, ou seja, a acentuação do positivo e a eliminação do negativo relativamente ao objecto. Quem quer que, ao contrário dos “neofascistas” da nova geração, tenha vivido durante o Fascismo e, portanto, tenha tido experiência directa dos homens e do sistema, sabe que nem tudo foi ideal. Enquanto o Fascismo existiu, e uma vez que era um movimento de reconstrução em marcha e com possibilidades ainda não esgotadas, não era correcto criticá-lo para além de um determinado ponto. Quem quer que, como nós, apoiando uma ordem de ideias coincidente apenas em parte com o Fascismo (e o Nacional-Socialismo), tenha colaborado com estes movimentos apesar da consciência precisa dos seus aspectos incompletos ou desviados, fê-lo contando precisamente com a possibilidade de desenvolvimentos futuros que esperançosamente os teriam eliminado. Mas agora que o Fascismo se encontra ultrapassado enquanto realidade histórica, a nossa atitude já não pode ser a mesma. Em vez da “idealização” própria do “mito”, torna-se necessário um traba-
* Este texto foi traduzido a partir de uma versão em inglês. O editor tem consciência dos riscos inerentes a uma tradução em “segunda-mão”, mas, entre uma tradução em “segunda-mão” e tradução nenhuma, a escolha torna-se óbvia. Qualquer imprecisão ou atabalhoamento do texto fica a dever-se ao tradutor e nunca ao autor do texto.
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lho de diferenciação: para distinguir o positivo do negativo, para reassumir, para desenvolver adequadamente e afirmar apenas o positivo. Por outro lado, portanto, os epítetos “fascista” e “neofascista” não devem ser adoptados indiscriminadamente. Devemos apoiar e identificar-nos apenas com o que o Fascismo teve de positivo, e não com aquilo que o não foi. Só desta maneira poderemos evitar ser facilmente manobrados pelos adversários, que consideram naturalmente conveniente, por meio de um processo oposto ao da “idealização”, construir um mito oposto do Fascismo, sublinhado apenas os seus aspectos problemáticos de forma a denegrir e lançar o opróbrio sobre a sua totalidade. Este processo, notemos de passagem, porque não nos preocupa aqui directamente, foi aplicado ainda com maior sucesso na Alemanha do que na Itália: é incrível como a jovem geração alemã tem seguido da forma mais passiva aqueles que lhe apresentam a totalidade do Nacional-Socialismo como um conjunto de horrores e aberrações, dando a tudo o mesmo valor, visto que, no caso alemão, a mencionada diferenciação, devido às relações do nazismo com uma
tradição política que lhe era superior e anterior, deveria ter sido muito mais fácil do que em Itália. Além disso, e para lá dos seus atributos negativos e positivos claramente identificáveis, e devido ao seu carácter de movimentos de restauração ou reconstrução ainda em marcha que acabamos de mencionar, estas correntes nacionais continham várias possibilidades e tendências pouco diferenciadas, e apenas o futuro poderia mostrar quais teriam prevalecido, se a catástrofe militar e o enfraquecimento dos povos não tivesse travado este processo. A unidade geral em Itália e na Alemanha não excluiu tensões de alguma importância no seio dos seus sistemas. Isto demonstra a ilegitimidade da “mitologização” e a necessidade de selectividade: o Fascismo não pode ser aceite indiferentemente, como um todo. Temos de saber claramente de que é que nos estamos a declarar partidários, de entre as várias possibilidades que o Fascismo, como qualquer movimento análogo do passado, continha duma maneira ainda indiferenciada. Além disso, se pensarmos nos dois Fascismos, no do Ventennio e no da República Social, unidos, certamente, por uma continuidade de fé
e combattentismo(1), mas muito diferentes em termos de doutrina política devido à força fatal das circunstâncias, a necessidade de escolha tornar-se-á ainda mais óbvia, bem como o facto de que o “mito” apenas leva a mal-entendidos e perigosas confusões. Uma última consideração, mais importante de que todas as que acabamos de expor: aqueles que pretendem hoje travar a boa luta não devem dar a impressão de que são como os que tendo nascido depois dos eventos que idealizam, e portanto sem experiência directa deles, consideram que apenas o passado contém a verdade absoluta. Aqui, tanto o perigo do “mito” como os equívocos dos que falam de ânimo leve do “fascismo” e não têm qualquer problema em ser chamados pura e simplesmente “fascistas” torna-se claro. Existe, basicamente, uma diferença fundamental entre aqueles que têm o Fascismo (ou o Nacional-Socialismo no caso alemão, ou movimentos semelhantes como a Falange Espanhola ou o Rexismo belga) como o seu único ponto de referência, fazendo o seu horizonte político e doutrinal começar e acabar nele, e os que, pelo contrário, consideram esses movimentos como formas particulares nas quais ideias e princípios de uma tradição prévia se re-manifestaram e actuaram. Estes últimos aceitam estes movimentos não como bases em si mesmos e por si mesmos ou meramente em termos do que tiveram de original e “revolucionário” em sentido estrito, mas pelo contrário na medida em que encarnaram estas ideias e estes princípios à sua própria maneira específica, mais ou menos imperfeitamente, adaptando-os a circunstâncias diferentes. Assumir esta segunda atitude significa, obviamente, não só reconhecer ainda mais a necessidade da supracitada diferenciação, mas também declarar-se a favor da direcção precisa em que ela deve ser feita. Isto poderia consti-
1. Espírito de irmandade e solidariedade que ligava os ex-combatentes italianos após a tragédia da I Guerra Mundial (“combattentistico” é o adjectivo de “combattentismo”). [N. do T.]
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tuir o teste fundamental de vocações. Um grande espírito do século passado, o estadista católico e espanhol Donoso Cortès, falou dos tempos que se aproximavam da Europa como tempos “das negações absolutas e das asserções soberanas”. Esses tempos chegaram. Um radicalismo de direita tem de se opor ao radicalismo de esquerda. Mas, mais do que isso, não pode haver hesitações sobre o sentido da diferenciação que mencionamos: para lá do “mito”, para lá da nostalgia, para lá do luto pelo grande homem, o Fascismo pode ser usado como uma base apenas na medida em que foi uma manifestação e reassumpção da grande tradição política europeia, daquilo que agiu de maneira formativa no plano espiritual, político e social antes da Revolução Francesa, antes do advento do Terceiro Estado e do mundo das massas, antes da burguesia e a Revolução Industrial e todas as suas consequências e o conjunto de acções e reacções congruentes que levaram a Europa à sua actual prostração, a tudo o que ameaça a destruição definitiva do pouco que ainda resta da civilização europeia e da raça branca. A tarefa histórica dos homens competentes actualmente seria assumir como ponto de partida os elementos dessa herança que se manifestaram de novo no Fascismo, e completá-los de maneira a libertá-los das inflexões desviantes ou mesmo pervertidas que se associaram a eles e que eram em alguma medida os efeitos do mal que combatiam. Infelizmente, no entanto, não vimos ainda sequer o início deste processo. Se, entre aqueles que se mantêm de pé, existe uma
certa unanimidade sobre o que deve ser negado e combatido, a contraparte positiva é fraca e efémera, e o radicalismo de uma ideia correctamente formulada e consistentemente desenvolvida é ainda inexistente. Durante todos estes anos do pós-guerra, exceptuando as ma-
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problema, seria frívolo fingirmos que o podemos resolver, neste plano, com o que é possível num curto ensaio. O que se segue deve ser portanto considerado como um simples esboço, limitado a uns poucos pontos essenciais, necessitando, portanto, de ser completado por uma muito mais vasta, mais detalhada e documentada exposição(3). Aqui, apresentamos um mero excursus, destinado a fixar algumas ideias fundamentais presentes no Fascismo que podem ser melhoradas de um ponto de vista superior, tradicional, e que, uma vez separadas do resto e desenvolvidas, podem ser usadas como o fundamento de um verdadeiro radicalismo de direita(4).
Ideia do Estado
nifestações lealistas ou nostálgicas e as actividades de vagos partidos políticos oposicionistas que demonstram muito fraca unidade interna — em Itália, o MSI(2) é tão fragmentado como os partidos monarquistas — nenhum livro — nem um! — foi publicado que, deixando de lado os mitos do homem e do sistema, se tenha preocupado em dar, em termos de uma doutrina política clara e de uma doutrina geral do Estado anti-democrático e anti-socialista, sãos pontos de referência. É este o vacuum ainda hoje existente do lado dos grupos “nacionais”, não importa quão bem intencionados. Tendo explicado a gravidade do
A origem do Fascismo encontra-se numa reacção, alimentada principalmente pelo elemento combattentista, contra a crise que era essencialmente a crise da própria ideia de Estado — da autoridade e do Imperium. A Itália encontrava-se então sob a influência das infelizes ideologias do período do Risorgimento. Apresentava-se como um Estado secular, onde a influência maçónica era poderosa, com um governo liberal medíocre e uma Monarquia enfraquecida, isto é, parlamentar e constitucional; como um Estado que, no todo, era desprovido de um “mito” no sentido positivo, ou seja no sentido de ideia superior orientadora e organizadora. Que uma nação em tais condições não se encontrava em posição de enfrentar os problemas que as forças colocadas em acção pela guerra e pelo período do pós-guerra lhe colocavam, nem para se opor
2. Movimento Sociale Italiano, partido considerado “neofascista”. [N. do T.] 3. O que Evola veio a fazer, com a publicação do livro “O Fascismo vista da Direita e Notas sobre o III Reich”. [N. do T.] 4. Conhecemos bem as objecções, em certa medida legítimas, levantadas por algumas pessoas contra o uso da palavra “direita”, tanto pelo que se entende hoje em dia por esta palavra em Itália e, mais geralmente, por causa das referências partidistas — “direita” e “esquerda” — dentro de um sistema tal como o parlamentarista democrático, que deve ser rejeitado na totalidade. É portanto apropriado clarificar que usamos a palavra “direita” num sentido especial, especificamente como uma designação da orientação que, no interregno representado pelo regime dos partidos, melhor reflecte o que é superior aos partidos e refere-se à ideia transcendente de Estado.
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às ideologias e às sugestões sociais da eminente revolução do Quarto Estado, tornava-se a cada dia mais óbvio. O mérito do Fascismo foi acima de tudo ter rectificado, em Itália, a ideia de Estado, ter estabelecido a base para um governo forte, afirmando o puro princípio da autoridade e da soberania política. Em princípio, na doutrina Fascista, ideologias tais como a romântica, a da sociedade de nações e a democrática são superadas, sendo atribuída a proeminência ao Estado — a dignidade de um poder por virtude do qual a Nação tem uma consciência, uma forma, e uma vontade e toma parte numa ordem supra-natural. O trinómio do Fascismo do Ventennio, “Autoridade, Ordem, Justiça” retoma inegavelmente a tradição política que criou todos os grandes Estados europeus. Mais, o Fascismo invocou de novo a ideia romana como uma integração superior do “mito” do novo organismo político, e como o ideal para a asserção do novo tipo de italiano que deveria ter o poder nas suas mãos. Tudo isto é positivo no Fascismo, e a sua mensagem, se um movimento de reconstrução fosse de novo possível para nós ou para a Europa, não necessitaria de ser mudada. Precisamos apenas de eliminar os desvios do sistema.
Totalitarismo e o “Estado Ético” O primeiro destes desvios é o totalitarismo. O princípio de uma autoridade central indiscutível degenera quando se afirma num sistema que controla tudo e intervém em tudo, de acordo com a fórmula “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Tal fórmula pode ser proclamada no seio de um totalitarismo estatista soviético, dadas as suas premissas materialistas, mecanicistas e colectivistas, não no seio de um sistema tradicional, que se baseia em valores espirituais. O Estado Tradicional é orgânico, mas não totalitário. É diferenciado e articulado, admite zonas de autonomia parcial. Coordena e subordina a uma unidade
superior forças cuja liberdade, no entanto, respeita. É precisamente por ser forte que não necessita de uma centralização mecânica. Segundo uma fórmula afortunada, é omnia potens, não omnia facens (W. Heinrich), o que equivale a dizer que possui um poder absoluto no seu centro, que pode e deve utilizar quando necessário — mas não interfere em todo o lado, não se substitui a tudo, não pretende um recrutamento ao estilo de caserna nem um convencionalismo nivelador, mas o livre reconhecimento e a lealdade, não procedendo a intervenções impertinentes e obtusas do público no privado. O quadro tradicional é o de uma gravitação natural das partes, ou unidades parciais, em torno de um centro que comanda sem compelir, actua através do prestígio e da autoridade que pode, certamente, recorrer à força, mas se abstém dela tanto quanto possível. Quem quer que tenha vivido durante o período Fascista conhece a distância que infelizmente existiu entre a praxis do regime e este
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ideal do verdadeiro Estado. O que deve então ser considerado uma aberração do sistema é a concepção do chamado “Estado Ético”, pela qual a atmosfera do Estado é equiparada à de um educador ou reformador e o ideal do líder é o de um pedagogo insuportável e invasivo. As relações existentes entre o líder e os seus seguidores num plano viril e combattentistico, baseando-se na livre adesão e respeito mútuo e na não interferência no que é estritamente pessoal e irrelevante para o propósito da acção comum ilustra a direcção oposta, que é a direcção positiva. Assim, tudo o que no Fascismo tinha o carácter de pedagogismo estatal e de pressão não no plano político objectivo, mas no da vida moral pessoal, deve ser rejeitado. Um exemplo típico entre muitos: o da chamada “campanha demográfica” fascista, odiosa mesmo que não se tivesse baseado no princípio absurdo segundo o qual “quantidade é poder”, um princípio contrariado por toda a história conhecida, tendo a “quantidade” sido sempre
O princípio de uma autoridade central indiscutível degenera quando se afirma num sistema que controla tudo e intervém em tudo, de acordo com a fórmula “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Tal fórmula pode ser proclamada no seio de um totalitarismo estatista soviético, dadas as suas premissas materialistas, mecanicistas e colectivistas, não no seio de um sistema tradicional, que se baseia em valores espirituais. O Estado Tradicional é orgânico, mas não totalitário. É diferenciado e articulado, admite zonas de autonomia parcial. Coordena e subordina a uma unidade superior forças cuja liberdade, no entanto, respeita. É precisamente por ser forte que não necessita de uma centralização mecânica. Segundo uma fórmula afortunada, é omnia potens, não omnia facens (W. Heinrich), o que equivale a dizer que possui um poder absoluto no seu centro, que pode e deve utilizar quando necessário — mas não interfere em todo o lado, não se substitui a tudo, não pretende um recrutamento ao estilo de caserna nem um convencionalismo nivelador, mas o livre reconhecimento e a lealdade; não procede a intervenções impertinentes e obtusas do público no privado.”
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submetida por pequenos grupos de povos dominadores, impérios tendo sido fundados por estes grupos e não pelo desbordo demográfico de massas de párias e desprivilegiados transbordando para as terras dos mais ricos e não tendo nenhum outro direito do que a sua pobreza e a sua incontinência reprodutiva. Um oficial, um dos bravos defensores de Giarabub(5) não obteve a promoção que esperava, porque, não seguindo o imperativo da “campanha demográfica”, não se casou. Outro, com toda a razão, considerou abandonar o exército(6). Nem a ideia “totalitária”, nem a do “Estado Ético”, nem o controlo da vida estritamente pessoal, deve ser reassumido pelos herdeiros do Fascismo.
Estado e Nação Já apontamos que o princípio tradicional da preeminência do Estado sobre o que é meramente povo e nação se manifestou de novo na doutrina do Fascismo. Esta ideia deve ser reassumida e desenvolvida no sentido de uma precisa oposição ideal entre o Estado e a “sociedade”, reunindo na palavra “sociedade” todos os valores, interesses e disposições que dizem respeito ao lado físico e vegetativo de uma comunidade e que estão ligados ao mero viver pacífico e não estão organizados segundo uma ideia superior. A antítese entre sistemas políticos que gravitam em torno da ideia de Estado e os que gravitam pelo contrário em torno da ideia de “sociedade” é fundamental. Estes últimos compreendem todas as variedades de democracia burguesa, de direito natural e por aí adiante até ao socialismo, sendo o horizonte do socialismo também limitado a valores físicos e colectivistas pela simples razão
de que ele tem como sua única base o mundo e os seus processos económicos. No entanto, uma ideia de nacionalismo igualmente degenerada não tem sido claramente criticada e evitada pelos fascistas — um nacionalismo apelando aos meros sentimentos de pátria e povo e associado a um “tradicionalismo” que em Itália, devido ao próprio carácter da história anterior desta nação, não podia ter nada em comum a tradição entendida num sentido superior, limitando-se a um medíocre conservadorismo de tipo burguês, pudico, catolizado e convencionalista. A agregação do grupo nacionalista ao Partido Fascista, uma vez o Poder conquistado, contribuiu para esta limitação da ideia Fascista revolucionária. Além disso, havia as razões tácticas que levaram a jogar com os sentimentos fáceis de despertar na luta contra
as correntes de esquerda. Agora, temos de ir além disto, conscientes do carácter naturalista e em certo sentido pré-político que o sentimento de pátria e nação tem, carácter pré-político não inteiramente distinto do mero sentimento de família. Temos de discernir o que é que, em contraste, une uma nação na base de uma ideia e de um símbolo de soberania. É tão mais adequado considerar isto quando notamos quão fácil é abusar do apelo da “pátria” e da “nação” através de uma retórica vazia e desonesta — isto pode ser visto hoje em dia, no ostensivo patriotismo empregue com fins tácticos e eleitorais mesmo por partidos que na sua essência tendem não só a ser antiEstado mas também a negar o possível conteúdo superior que pode ser reunido por um nacionalismo purificado.
5. Durante a II Guerra Mundial Giarabub foi um posto militar italiano localizado num oásis no deserto líbio, cercado pelos britânicos e defendido heroicamente pelos soldados italianos, apesar da sua situação desesperada. [N. do T.] 6. Seguindo a mesma orientação, no Fascismo, a preocupação com a “pequena moralidade” em vez da “grande moralidade”, especialmente em relação à sexualidade, com as correspondentes medidas de censura e interdição estatal. A este respeito, é bom que as pessoas, especialmente os jovens, saibam hoje em dia que o Fascismo não foi muito diferente do actual regime de tipo puritano demo-cristão mas diferia bastante do que era peculiar ao Nacional-Socialismo alemão.
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“Diarquia” O grande problema que, hoje em dia, dado que as condições gerais se encontram modificadas de forma fundamental, é extremamente difícil de resolver de forma prática, diz respeito ao sistema institucional no qual o princípio da pura autoridade política e espiritual tem de ser positivado. Várias críticas foram dirigidas, a partir de vários pontos de vista, contra a “diarquia”, isto é, contra a coexistência da Monarquia e de um tipo de ditadura no período Fascista. Alguns pensaram vislumbrar na aceitação Fascista da instituição monárquica um mal-entendido ou uma falha da força revolucionária do movimento mussoliniano. A verdade é que, se uma verdadeira Monarquia existisse em Itália — uma Monarquia enquanto poder e não como mero símbolo — o Fascismo nunca teria surgido, a “revolução” não teria sido necessária ou, melhor, teria tido a forma de “revolução de cima”, a única aceitável num regime tradicional, sendo o sistema de “pesos e contrapesos” institucionais abolido. Como no entanto a realidade não era esta, outros métodos tiveram de ser empregues. Virando-nos do plano da história recente para o da pura doutrina, não se deve pensar que a “diarquia” é uma cedência ou um híbrido; pelo contrário, pode ter o seu crisma tradicional. Uma “ditadura” não pode adquirir um carácter institucional permanente. A Roma Antiga admitia-a em casos de necessidade e enquanto essa necessidade durasse, como um recurso que não era revolucionário, mas era visto com perfeita equanimidade como parte da legítima ordem existente. Encontramos também noutras constituições tradicionais dualidades equivalentes à do rex e do dux, do rex e do heretigo ou imperator (no sentido militar), sendo que o primeiro encarna o puro, intangível e sagrado princípio da soberania, e o segundo aparecendo como aquele que, em períodos tempestuosos ou em vista de exigências particulares, executava deveres excepcio-
nais numa posição arriscada que, devido à própria natureza da sua função, não podia aproveitar ao rex. Requeria-se dele que, ao contrário do rex, possuísse as qualidades de indivíduo excepcional e particularmente dotado, já que ele não derivaria a sua autoridade de uma função não-actuante puramente simbólica e, de certo modo, “olímpica”. Além do mais, em tempos menos remotos, certas figuras como Richelieu, Bismarck, Metternich e, até certo ponto, mesmo Cavour, em alguma medida desempenharam este papel em relação aos respectivos Soberanos. Falo aqui num plano abstracto, o plano dos princípios puros. O que aconteceu em Itália no contexto do Fascismo e das suas crises não pode ser julgado simplesmente nestes termos. O que pode ser dito doutrinariamente no entanto é que quer Mussolini tivesse conseguido libertar-se ou não da sua principal função, análoga à dos grandes chanceleres lealistas, que começou com a criação do império não em
seu benefício mas como um serviço ao Rei de Itália, a hibridez do sistema Fascista seria ainda assim evidente no seu populismo, na sua aquisição de prestígio que se aproximava da de um Bonaparte ou de um Tribuno, a sua proeminência enquanto personalidade, e a sua inclinação democrática, senão demagógica, de ir “ao encontro do povo” e não desdenhar a adulação do público (cuja recompensa recebeu 1945). Um ponto é muito importante para a tarefa de diferenciação em que estamos presentemente envolvidos: quase não se sente hoje em dia, mas existe uma insuperável diferença entre a autoridade “sagrada” de um governante genuíno e a autoridade baseada no poder informal, nas capacidades, e nos dotes de um indivíduo excepcional, desde o “Príncipe” de Maquiavel até às figuras “cesaristas” concebidas por Spengler no final obscuro de qualquer “civilização”, para excitar as forças emocionais e irracionais das massas. No mundo tradi-
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do de consideração apropriado àqueles que vêem a conquista do Estado como a possibilidade de um futuro próximo. Portanto o que dissemos neste parágrafo sobre a diarquia e o restante deve ser considerado apenas como doutrina, abstraindo qualquer consideração sobre a situação presente, homens e coisas. Porque, para olhar a realidade, teríamos de repetir o que um grande representante da ideia contra-revolucionária disse logo em 1849: “Não existem hoje reis que se atrevam a intitular-se como tal que não pela vontade do povo, e, se existissem, ninguém lhes obedeceria”, e, a partir desta observação teríamos de concluir que apenas soluções empíricas e anormais podem ser consideradas para um período que, no sentido Romano, podemos chamar de interregno, um período cujo fim é ainda impossível prever.
O partido único
cional as pessoas obedecem e são subordinados ou súbditos na base de um “pathos de distância” (Nietzsche), porque sentem que estão na presença de alguém que é quase de outra natureza. No mundo de hoje, com a transformação do povo em plebe e em massa, eles sabem no máximo como obedecer na base de um “pathos de proximidade”, isto é, de igualdade: apenas suportam um líder que, na essência, é “um de nós”, “popular”, interpreta a “vontade do povo”. O Ducismo num sentido inferior, tal como afirmado especialmente no Hitlerismo, corresponde a esta segunda orientação moderna e anti-tradicional. Hoje, as forças que resistem estão muito longe de atingir o esta-
A ideia do partido único e da função que lhe é peculiar representou, no Fascismo, algo híbrido; o aspecto positivo contido nele tem de ser isolado do resto e correctamente implementado. O verdadeiro Estado, quase não o precisamos de dizer, não conhece a partidocracia do regime democrático e parlamentar. Mas a ideia do partido único é um disparate, porque dizer partido significa parte, e implica portanto uma multiplicidade; então o partido único seria a parte que pretende tornar-se o todo, ou por outras palavras, uma facção que elimina as outras sem se elevar a um plano superior, precisamente porque se continua a considerar como um partido. O Partido Fascista na Itália de ontem representava uma espécie de Estado dentro do Estado, um empecilho a um sistema realmente
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orgânico e monolítico. Na fase da conquista do poder pode ter tido uma importância vital como centro de um movimento nacional. Após esta fase, no entanto, a sua existência continuada não fazia sentido. Isto não deve ser considerado um argumento a favor da “normalização”, num sentido inferior, com o correlacionado decréscimo de tensão política e espiritual. As forças válidas de um partido que se afirmou devem permanecer no Poder noutra forma, tornando-se parte das hierarquias normais e essenciais do próprio Estado, ocupando as suas posições chave e constituindo uma espécie de guarda armada do Estado, uma elite portadora, em alto grau, da Ideia. Então, mais do que um partido, precisaremos de falar de uma espécie de “Ordem”. É a mesma função que, noutros tempos, a nobreza teve enquanto classe política — até ao período dos impérios europeus centrais. Como forma muito aproximada, temos a Casa dos Lordes na sua concepção original. O Fascismo manteve pelo contrário a concepção do “partido” e houve um tipo de duplicação do Estado e articulações políticas (Milícia ao lado do Exército, Federais ao lado dos Perfeitos, Grande Conselho ao lado do Parlamento, e por aí adiante), em vez de uma síntese orgânica e uma simbiose. Isto não pode ser considerado um elemento válido da herança do Fascismo(7). Finalmente, a própria concepção do Partido Fascista ressentiuse dos efeitos das suas origens, por falta de critério qualitativo: era a de um partido de massas. Ao invés de fazer a militância no partido um difícil privilégio, o regime impô-la a quase toda a gente. Há por aí alguém que, na altura, não tivesse o “cartão”? Quem se podia dar ao luxo de o não ter? Daí a consequência fatal de militância externa, con-
7. A presença de homens do partido em muitas posições governamentais durante o regime teve frequentemente efeitos negativos, devido à confusão de planos. Os méritos indiscutíveis que este ou aquele Fascista possa ter tido, enquanto esquadrista ou activista da primeira hora não eram suficientes, por si sós, para a atribuição de funções de ordem puramente política, económica ou cultural, para as quais a competência, a experiência, e a formação, que não se podiam esperar dele, eram necessárias. Destas interferências derivaram várias fraquezas do regime, e ocorreram muitos casos de forças válidas que se encontraram obstruídas pelo bloco constituído pelos homens do partido, que tinham muito poucos méritos para além dos que já mencionamos.
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vencionalista e oportunista — com efeitos que surgiram precisamente no momento da crise. Originalmente, no comunismo e no próprio nacional-socialismo, a concepção do partido tinha pelo contrário um carácter muito mais exclusivo. Para nós, o ponto de referência positivo, a contraparte positiva ao conceito de partido único, tem de ser o de Ordem, servindo como a coluna do Estado e participando, até certo ponto, da pura autoridade e dignidade que se reúne no topo do Estado.
Corporativismo e Autarcia No plano dos princípios, o valor do Fascismo reside essencialmente no seu aspecto político, e apenas secundariamente nos seus aspectos socio-económicos, porque, de acordo com a concepção tradicional, os problemas socio-económicos num sentido restrito não podem ser absolutizados para lá do lugar que lhes pertence no esquema de uma hierarquia mais vasta de valores e interesses. No entanto, neste plano, o que permanece válido é o imperativo Fascista de combater, em primeiro lugar, o sistema de incompetência peculiar à democracia, de substituílo por um princípio de solidariedade, energia e unidade num mundo que sentia e sente os efeitos das influências deletérias da consciência de classe, do partidismo, do regime de influentes e incompetentes trapaceiros políticos, para além dos antagonismos entre os capitalistas monopolistas, os mercados e as forças do trabalho no sistema de inspiração liberal. A este respeito, o sistema corporativo, se julgado na base da sua orientação e do seu requisito fundamental, representa indubitavelmente outro aspecto positivo do Fascismo. Esta orientação pode ser definida como a de uma reconstrução orgânica da economia através da re-assumpção, numa escala gigantesca adequada às dimensões da economia moderna, do espírito que, tudo considerado, era já a força motriz das antigas corporações e, em geral, das empresas antes
“A ideia do partido único é um disparate, porque dizer partido significa parte, e implica portanto uma multiplicidade (…) Para nós, o ponto de referência positivo, a contraparte positiva ao conceito de partido único, tem de ser o de Ordem, servindo como a coluna do Estado e participando, até certo ponto, da pura autoridade e dignidade que se reúne no topo do Estado.” delas serem comprometidas por um lado pelos desvios e abusos de poder do capitalismo tardio, e por outro lado pela intoxicação marxista que se espalhou entre as massas trabalhadoras. Mas um requerimento deste tipo na praxis do regime foi apenas levada a meio. No corporativismo fascista existiam ainda réstias da consciência de classe porque — mais uma vez devido às origens do movimento, e mesmo devido aos precedentes pessoais de Mussolini — não houve a coragem de assumir uma posição claramente anti-sindicalista; o sistema até decretou legislativamente a dupla formação dos empregadores e dos trabalhadores, uma dualidade que não foi superada onde deveria ter sido, ou seja, nas próprias empresas, através de formas orgânicas originais, mas pelo contrário através de ineficientes e frequentemente parasitas superstruturas estatais, moldadas por um pesado centralismo burocrático. Quase não é necessário acrescentar que o corporativismo do Ventennio e as posições do “segundo Fascismo”, a “socialização”, o confirmado e alargado reconhecimento do sindicato representaram um passo atrás e não um passo em frente. Se houve um passo em frente e um exemplo a manter mais do que qualquer outro, foi, em princípio, a legislação laboral Nacional-Socialista, que excluía o
sindicalismo e mostrou como, nesta base, era possível chegar a uma orgânica e eficiente reconstrução da economia, com a adequada satisfação da necessidade de “justiça social” que foi correctamente compreendida, e não de acordo com uma demagogia legalizada (como actualmente em Itália). Podemos então recolher do corporativismo fascista, por um lado, o princípio de uma solidariedade anti-classista na ordem produtiva, superando tanto o liberalismo como o socialismo numa concepção orgânica, de outro lado o princípio de um regime funcional, tendo também um conteúdo político através da Câmara Corporativa em substituição do parlamento democrático dos partidos. O que algumas pessoas consideraram como uma falha, e quase como um travar da “revolução social” do Fascismo neste campo, deve ser considerado pelo contrário um dos seus méritos. O Fascismo opôsse ao chamado “pan-corporativismo”, ou seja, à redução do poder estatal nas corporações, e promoveu o aumento do poder estatal na economia. O primado do princípio político sobre a economia, que deveria ser mantida na sua condição normal de mera ordem de meios, foi reconhecido e afirmado, e isto deve ser considerado como a sua mensagem positiva. Se a absurda
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fórmula de “Estado do Trabalho” aparece aqui e ali, e se alguém, levado por um infeliz conjunto de circunstâncias a uma posição de certa autoridade no Fascismo, não estava satisfeito com ter avançado a corrupta fórmula do “Estado Ético”, mas produziu, para além dela, a ainda mais deplorável fórmula do “humanismo do trabalho”, tudo isto pode ser remetido ao desperdício, à parte evanescente do Fascismo, não à sua parte essencial e válida. Isto deve ser hoje afirmado mais resolutamente do que nunca. Viremo-nos agora para um outro assunto, que não diz respeito apenas à economia nacional. Os mais variados círculos contemporâneos costumam condenar o princípio Fascista da autarcia. Não nos podemos associar de modo algum a esta condenação. À escala das nações não menos do que à da pessoa, não há bem maior do que a liberdade. É bem sabido que o conceito de autarcia tem origem na Antiguidade clássica, nas escolas estóicas, onde era considerada como um imperativo da ética de independência e auto-soberania; para defender estes valores o preceito era, se necessário, abstine et substine. O princípio Fascista da autarcia é um tipo de extensão desta ética ao plano da economia nacional. Manter o nível geral de vida relati-
vamente baixo se necessário, para que se possa ser tão livre quanto possível das ataduras do capital e de economias estrangeiras, é uma ideia sã e viril. No que toca a uma nação com limitados recursos naturais, como a Itália, um sistema de autarcia e austeridade no contexto de uma economia de consumo equilibrada ao invés de uma de produção forçada e do supérfluo deve ser contraposto ao que assistimos hoje: uma aparente prosperidade geral e uma vida quotidiana descontraída, e, para além das condições próprias, um atroz saldo da dívida da balança estatal, uma extrema instabilidade, uma inflação progressiva e a invasão de capital estrangeiro — invasão que hoje em dia tem o encantador mas hipócrita rótulo de “apoio ao desenvolvimento de áreas subdesenvolvidas”.
Rússia e América Já que com estas últimas observações nos deslocamos da doutrina interior do Estado para as relações internacionais, quase não precisamos de dizer que uma coisa que deve ser pura e simplesmente reassumida do Fascismo, como uma clara palavra de ordem, é a oposição tanto à Rússia como à América, ao “Leste” como ao “Ocidente”, segundo a terminologia que se tornou popular. Mesmo que de formas diferentes, estas duas “sociedades” de nações, que pretendem ser, e, infelizmente são-no hoje em dia, em grande medida, as nações líderes, representam no mesmo grau a anti-tradição e a negação dos valores superiores do legado europeu. Infelizmente, hoje, não podemos pensar em mais do que uma defesa interior, espiritual, por falta da necessária base para um terceiro bloco económico e militar capaz de se opor de algum modo a ambos os perigos no plano da política mundial. Defesa interior, no entanto, do americanismo como do comunismo, teria já um grande significado. * *
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Para lá disto, tudo é ainda indefinido. Permanece até indefinido, em geral, o que pode ser feito fora do plano da orientação doutrinária, depois de se ter determinado o que pode ser usado no legado Fascista por um puro radicalismo de direita. Como notamos, é ao Fascismo do Ventennio que nos referimos até aqui. Basicamente, discutimos exclusivamente questões doutrinárias, e o segundo Fascismo, o de Salò, para nós, pode ser reassumido quase exclusivamente de acordo com este critério. Demasiados factores contingentes e infelizes, no entanto, afectaram o que quer que tenha possuído de tosco esboço de doutrina político-social; faltou-lhe completamente um período de maturação. O valor do segundo Fascismo reside pelo contrário no seu aspecto combattentistico e legionário. Como já foi justamente dito, reside no facto de, com ele, talvez pela primeira vez na nossa história, um impressionante número de italianos ter escolhido decididamente a via do sacrifício, da derrota e da impopularidade em nome do princípio de lealdade a um líder e da honra militar. O seu valor reside, de forma geral, na pura vontade heróica de lutar mesmo por posições perdidas. Neste plano — portanto, um plano existencial e não político — a continuidade entre o primeiro e o segundo Fascismo deve ser reconhecida, e as instruções ideais deste podem ser reassumidas. De facto, dada a atmosfera e as forças que prevaleciam tanto na Itália como no mundo, ter a coragem das “afirmações soberanas”, termo-nos declarado por um longo período de tempo pelas ideias que isolamos como potencial conteúdo tradicional do Fascismo pode apenas significar hoje testemunhar a vocação dos combatentes do norte: defender um ideal e manter as posições, mesmo tratando-se de posições que se vão perder, ou melhor, mesmo que seja duvidoso que os que se vão manter acordados durante a noite possam encontrar os que aparecerão na manhã.
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Opinião
Os Fascismos e a Tradição Primordial Eduard Alcántara ————————————————
Em primeiro lugar devemos aclarar que se no título deste artigo escrevemos “Tradição Primordial” em vez de “Tradicionalismo”, o fazemos exclusivamente para evitar, desde o princípio, mal-entendidos que pudessem fazer crer a alguns que iríamos falar sobre o “tradicionalismo” — com minúscula. De facto, não pretendemos de modo nenhum falar desta corrente que por exemplo em Espanha, enquanto doutrina política, social e económica se encontra, desde há quase dois séculos, indissociavelmente ligada ao Carlismo. Do que queremos tratar é de uma forma de entender e viver o mundo e a existência que impulsionou o Homem, em determinados momentos da sua história, a encaminhar todas as suas tarefas quotidianas em direcção a fins Elevados, Suprasensíveis, Metafísicos, e o levou, em consequência, a configurar tecidos sociais, culturais, económicos e políticos guiados e impregnados até à medula por ditos valores Superiores e dirigidos à aspiração da consecução de um Fim Supremo e Transcendente. A isto chamamos Tradicionalismo — com maiúscula —, tendência que tem como modelo a Tradição Primordial que conformou a vida do Homem das origens; isto é, a vida do Homem da Idade do Ouro descrita por Hesiodo, ou do Satya-yuga definido pela tradição indo-ariana. Feita esta aclaração diremos que mais do que tratar o tema do Tradicionalismo, o principal objectivo do presente escrito é o de desarmar aqueles que pretenderam e pretendem enfrentar, incompatibilizar e justapor o Fascismo, como movimento genérico, ao Tradicionalismo. A primeira coisa que pediremos a estes criadores de discórdias é
José António e Codreanu, talvez os dois líderes fascistas que melhor encarnaram os valores tradicionais.
que analisem quais foram as principais metas a que aspiraram os fascismos históricos. Se o fizerem não terão outro remédio que reconhecer que ditas metas se enquadram dentro da definição que
sobre o Tradicionalismo acabamos de fazer. A saber: - Formação, antes de tudo, de um “Homem Novo”, portador de uma concepção espiritual da vida; tal como pretendia um Corneliu Z. Codreanu; - Constituição de um tecido político-económico-social no qual o eixo seria o “homem enquanto portador de valores eternos”, “o homem metade monge, metade soldado” como tão bem expressou José António Primo de Rivera; - Renascimento do espírito, da estatura, da ética e da cosmovisão da Antiga Roma, socorrendo-se inclusivamente do apoio de muita da sua simbologia e ritualismo. Árdua tarefa que, a partir de certo período do seu governo, Mussolini empreendeu em Itália; - Configuração de um tipo humano que adoptasse como arquétipo os heróis dos antigos mitos e sagas germânicas; ao que se aspirou durante o III Reich. Seguidamente pediríamos a estes defensores da negação do óbvio que deitassem uma vista de olhos a algumas das estruturas sociais realizadas naquela época histórica e às interioridades de determinadas organizações chave no seio dos regimes políticos que são objecto da nossa análise. Para o demonstrar temos umas SS que foram, paulatinamente, configurando a elite do regime surgido na Alemanha após o 30 de Janeiro de 1933. Foram, pouco a pouco, adoptando o papel de primeira casta dentro da comunidade, primeiramente alemã e, ao longo da II Guerra Mundial, inclusivamente pretendendo tornar-se em reitoras da Europa. Casta em que se combinava o guerreiro e uma forte formação ideológico-espiritual. Estamento ascético-guerreiro encabeçado por uma direcção que tinha o seu enclave supremo de reunião e decisão no Castelo de Wewelsburg,
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ao redor de uma mesa redonda balizada por doze assentos ocupados, mais um décimo terceiro, o assento perigoso; seguindo, pois, o modelo Tradicional do ciclo artúrico. Hierarquicamente abaixo da conhecida como Ordem Negra, encontraríamos na escala social todos aqueles que centravam a sua vida laboral em actividades de ordem económica. Os diferentes agentes da produção não se enquadravam em grandes organizações coordenadas por organismos do governo — tal como sucedeu na Itália Fascista. Pelo contrário todos eles faziam parte, sem distinções, da Frente Alemã do Trabalho, para que ficasse bem claro que a autêntica hierarquia não é a que diferencia empresários, técnicos e operários, mas sim a que, sempre segundo os parâmetros da Tradição, se dá entre os “milites” ascetas, por um lado, e os produtores, por outro. Num dos momentos de maior dissolução dos valores e estruturas Tradicionais, numa das fases mais avançadas da decadente Idade de Ferro descrita pelas sagas grecoromanas, da Idade do Lobo dos mitos germânicos, ou do Kali-yuga anunciado nos Vedas, em plena época de corrosão e subversão, e em tão-só uns poucos anos, estavase a conseguir subjugar o “demonio da economia” e a recolocar, no que temos de considerar uma autêntica convulsão revolucionária – de “re-volvere” – cada estamento no escalão de que nunca deveria ter saído. De seguida, recomendaríamos aos que se obstinam em negar a essência Tradicional dos fascismos históricos que deitassem uma vista de olhos à sua simbologia e aos seus rituais; inclusivamente aos de natureza léxica. Assim, se para eles a honradez representa um valor, deveriam emudecer ante: - O símbolo solar e hiperbóreo da suástica; - As também solares águias; - As cinco flechas falangistas que, além do seu evidente carácter guerreiro, também simbolizam os raios do Sol; - A garra hispânica solar das
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Castelo de Wewelsburg
JONS; - O cisne do sindicato estudantil falangista, SEU; o animal, solar por excelência, que transporta o ferido Artur até à hiperbórea Avalon; - A cruz flechada do Movimento Hungarista de Szalasi; símbolo que demonstra também espiritualidade e milícia; - O mesmo raio rodeado por uma circunferência, da União Britânica de Fascistas de Oswald Mosley; outro símbolo solar usado por uma organização política que sentia palpitar a chamada da Restauração dos Valores Eternos, ainda que não tenha tido tempo de tomar plena consciência desta necessidade; - Canções que falam de “estrelas” e do tipo de existência que neles se deve dar: “fazendo guarda”, para não se deter no processo de superação interior iniciado na existência precedente; nada, pois, que ver com outras consabidas imagens de paraísos celestiais onde prima um tipo de “felicidade”, nuns casos, indolente e relaxada e, noutros casos, quase sensual; - Canções, como a anterior, que com um título como o de “Cara ao Sol” reflectem, bem às claras, um tipo de espiritualidade que ultrapassa formas religiosas lunares e devocionais configurando, pelo contrário, uma sacralidade olímpica, viril e heróica e, definitivamente, solar. Olha-se o Sol, como sím-
bolo de espiritualidade pura, de cara, frente a frente, como o faria quem aspirasse a afastar-se de formas submissas de entender a Transcendência, com o objectivo de avivar a lânguida chama do Absoluto que vive no nosso interior para alcançar a meta do Conhecimento Suprasensível; - Termos utilizados para se referir à Transcendência como por exemplo o de “a Providência”, utilizado por Adolfo Hitler, que denota esse impulso, mais ou menos consciente, de superar, tal e como expusemos no parágrafo anterior, a simples religiosidade que outorga formas, sejam antropomórficas ou de qualquer outro tipo, ao que, na realidade, se encontra acima de ditas formas ou, simplesmente, não as tem devido à sua natureza incondicionada: o Princípio Supremo; - Fórmulas rituais da linguagem que consideram como “presentes” os caídos em combate. Ditas fórmulas são o claro reflexo de uma concepção existencial que não se ancora na vereda da vida terrena, mas que, como deixamos bem patente nas linhas precedentes, entende estados do Ser que ultrapassam a caducidade da existência terrestre e finita; - Celebração de rituais sacros de carácter solar, comos os solstícios de Inverno e de Verão. Aos semeadores das sementes
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da discórdia não lhes faria mal reflectir igualmente sobre as seguintes notas: - A perseguição, tanto doutrinal por parte dos diferentes fascismos, como legal nos países nos quais conseguiram alcandorar-se ao poder, a que foram submetidas seitas contra-iniciáticas e, por tanto, antiTradicionais, como a maçonaria liberal-especulativa ou como a teosofia e as suas múltiplas variantes e ramificações; tal qual sucedeu com estas últimas no III Reich; - Que ante um mundo hostil seguramente não era muito aconselhável desdenhar nenhuma arma ao alcance para consolidar ou aumentar a força e/ou o poder político e social, pelo que os actos de massas para atrair ou afiançar a adesão do povo são de todo compreensíveis e justificáveis e não constituem, de modo algum, um sintoma da essência autêntica e profunda da corrente política e ideológica que estamos a analisar; - Que certos aspectos totalitários dos fascismos históricos não obedecem a um sentir nivelador e inorgânico da comunidade, mas respondem à mesma necessidade, que já mencionamos, de conseguir escorar o poder político face à inflamada aversão e animadversão que contra eles exalavam os múltiplos e poderosos aríetes do dissoluto Mundo Moderno; - Que os espectaculares avanços científicos e técnicos que se conseguiram, especialmente na Alemanha nacional-socialista, não são sinal de um cientismo sem freio nem limites que antepusesse o progresso material ao desenvolvimento espiritual mas sim que, por um lado, o progresso técnico-científico estava submetido, a todo o momento, aos ditames da ética, como fica bem claro com a proibição de se fazer experiências em animais vivos. E que, por outro lado, estes avanços eram vitais para a sobrevivência no meio desse mundo tão hostil, ao qual já fizemos alusão, que arrasaria, irremediavelmente, qualquer tentativa de Reconstrução Tradicional a não ser que se lhe antepusesse um sofisticado material bélico, fruto de uma inten-
sa investigação científica e de um complexo e desenvolvido aparato técnico. Finalmente, impeliríamos todos estes negadores do óbvio a meditar sobre o porquê de um dos maiores intérpretes da Tradição, como Julius Evola, ter visto os seus postulados vertidos na sua “Síntese da Doutrina da Raça” transformados na postura oficial, sobre o tema, do regime fascista de Mussolini. Ou sobre o porquê do êxito que algumas das suas obras, como “Revolta contra o Mundo Moderno”, tiveram na Alemanha nacional-socialista. Ou sobre as suas múltiplas conferências em solo teutão durante dita época. Ou, aparte certas críticas que verteu sobre determinados aspectos que cremos ter justificado nos parágrafos anteriores, que meditassem sobre a análise positiva que fez de tendências e organizações do fascismo italiano e do nacional-socialismo alemão, também esboçados por nós no presente artigo. Como é sabido por qualquer Tradicionalista que se preze, Evola não encontrou em
nenhum outro movimento político ou ideológico, salvo talvez a Revolução Conservadora alemã, um só ponto louvável desde uma perspectiva Tradicional, tendo muito pelo contrário considerado todos eles como inteiramente embebidos do cariz corrosivo da Idade do Ferro. Seria também bom que meditassem sobre os elogios que dedicou à figura do romeno Codreanu, ou sobre a sua estreita colaboração com a secção esotérica da SS — a Anhenerbe — com a qual trabalhava em Viena estudando arquivos e documentos da maçonaria quando, após um bombardeamento aliado, ficou paralítico para toda a vida. Nada nos agradaria mais, definitivamente, que estes porta-estandartes do manipulador distanciamento se maravilhassem, connosco, com a forma como em plena fase decadente do Kali-yuga se pôde Restaurar tanto, tão a contracorrente e em tão pouco tempo. Até onde se poderia ter chegado caso se prolongasse, nem que fosse apenas mais uma década, o cavalgar dos fascismos históricos?
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Doutrina
Autodefesa Julius Evola* ————————————————
Cavalheiros do Tribunal: A acusação original que serviu de base à minha prisão referia-se ao Artigo 1º da Lei nº 1546 de 1947, ou seja, acusam-me de, em conjunto com outros, promover a reconstituição do Partido Fascista, sob a forma de várias organizações, especialmente uma, por trás da qual se encontra um grupo de jovens que se intitula “Imperium”. Não vale a pena dizer mais do que umas poucas palavras sobre esta acusação, que não tem qualquer fundamento. Nada, de facto, foi produzido à minha acusação que pudesse levar alguém a pensar que as minhas relações com estes grupos se tenham desenvolvido de alguma forma além do plano puramente intelectual e doutrinário, no relativo à doutrina do Estado, à ética e à visão da vida. E quanto a estas relações, enfatizadas tendenciosa e arbitrariamente pela Questura, devo dizer que não foram mais significativas do que as que mantive com vários outros grupos: monárquicos, independentes, ou nacionalistas, como por exemplo o grupo de E. M. Gray Il Nazionale, ou o Meridiano d’Italia [ligado ao MSI]. Certamente que me senti especialmente atraído para estes jovens do “Imperium” por duas razões: primeira, porque eles insistem na necessidade de uma revolução espiritual interior do indivíduo como pressuposto da luta política — e [Enzo] Erra, dirigente do “Imperium”, indicou isto de
forma clara durante o seu interrogatório — e em segundo, porque entre todas as correntes do MSI, este grupo defendia posições de direita ligadas a valores espirituais e hierárquicos contra a tendência socialistoide vastamente representada nesse partido. Sou completamente alheio a iniciativas organizacionais clandestinas, nem nunca ninguém me falou sobre elas. Quanto a um certo activismo, exortei frequentemente contra o fornecimento de armas ao adversário de tal forma, já que nenhuma pessoa séria pensa que existam hoje em Itália, dada a situação internacional, bases para uma verdadeira revolução ou um golpe de Estado antidemocrático.
Escrevi isto não só numa carta que a Questura confiscou, mas que não se deu ao trabalho de apresentar, mas também — por exemplo — num artigo publicado no Il Nazionale intitulado “Trarre partito dall’ostacolo” [Tirar partido do obstáculo], no qual disse que a severidade acrescida da repressão antifascista pretendida pela nova redacção da lei Scelba deveria encorajar a salutar renúncia a formas externas e relativamente anacrónicas de expressão e activismo, em favor da concentração numa preparação doutrinária séria. Em geral — e uma vez que se falou em “acessório ideológico” — não há em nenhum dos meus escritos qualquer tipo de incitamento, mesmo indirecto ou involuntário, a acções terroristas ou clandestinas. A acusação da Questura tentou estabelecer uma relação absurda entre a constituição da “Legione Nera” e um ponto do meu opúsculo Orientações, onde se diz que o carácter trágico dos nossos tempos requer um tipo de “Legionarismo”. Mas eu especifico exactamente o que isso significa: legionarismo não como organização, mas como espírito, como atitude interior. Aqui estão as palavras exactas: “É a atitude de quem sabe escolher a via mais dura, de quem sabe combater mesmo não ignorando que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe convalidar as palavras da antiga saga «a fidelidade é mais forte que o fogo»” (Orientações, p. 6)(1). O mesmo significado é expresso mais à frente (p. 24), falando do “homem de pé entre as ruínas”. Diz
* Em Abril de 1951, Julius Evola foi detido na sua residência de Corso Vittorio Emmanuele, em Roma, por homens do Ufficio Politico della Questura (Secção Política do Ministério Público), acusado de ser o “mestre” e o “inspirador”, através das suas “teorias nebulosas”, de um grupo de jovens que, por sua vez, eram acusados da criação de organizações clandestinas — os Fasci d’Azione Rivoluzionaria e a Legione Nera —, de inspiração neofascista. Por este motivo foram acusados de “apologia do Fascismo” e de “tentativa de reconstituição do dissolvido Partido Fascista”. Evola aguardou o julgamento, que se concluiu no dia 20 de Novembro de 1951, na prisão de Regina Coeli, tendo sido finalmente absolvido. O texto que agora apresentamos corresponde ao texto de autodefesa pronunciado por Evola perante o Tribunal. 1. Todas as citações do opúsculo Orientações são extraídas da versão portuguesa editada pelas «Edições Falcata». (N. do T.)
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respeito a nada mais do que uma atitude ética, heróica e espiritual. Não é possível haver equívocos, e onde os houve, não posso ser responsabilizado por eles. Nunca encorajei a formação de partidos — nego o próprio conceito de partido — ou de movimentos subversivos. Indiquei do seguinte modo aquilo que deve ser feito (p. 6): “é uma revolução silenciosa, em profundidade, que deve realizar-se, para que sejam criadas, primeiro interiormente e no indivíduo singular, as premissas daquela ordem que depois deverá afirmar-se também no exterior, suplantando fulminantemente no momento justo as formas e as forças de um mundo de decadência e de subversão.” Permitam-me que cite duas outras passagens. Na p. 5: “reerguerse, ressurgir interiormente, tomar forma, criar em nós mesmos ordem e aprumo”, em vez de “pactuar com a demagogia e com
o materialismo das massas”, tomando uma posição — digo exactamente isso — “contra aquele falso «realismo político» que pensa apenas em termos de programas, de problemas de organização partidária, de receitas sociais e económicas.” Na p. 7: “Perante um mundo de cobardia cujo princípio é: «Quem te mandou fazer isso?» ou «primeiro o estômago, a pele (a malapartiana pele!) e depois a moral» ou ainda «nestes tempos, não podemos dar-nos ao luxo de ter carácter» ou, finalmente, «tenho família», é preciso saber opor um claro e firme «não podemos agir de outro modo, este é o nosso caminho, este é o nosso ser». O que de positivo poderá ser atingido hoje ou amanhã, não será por meio de habilidades de agitadores ou de politicantes, antes por meio do prestígio natural reconhecido a homens que, seja de ontem, seja mais ainda da nova geração, tenham capacidade para tal e assim dêem garantias à Ideia.” Após ter exortado os jovens a manterem este elevado nível de tensão ética apesar deste mundo em ruínas, acusam-me de ser — nas palavras exactas da Questura — “um personagem maléfico e dúbio”, instigador da juventude fanática! Avanço agora para a segunda acusação: a de que “glorifiquei ideias próprias do Fascismo” em artigos publicados em vários números das revistas La Sfida, Imperium, e em Orientações, como “várias acções consecutivas de um único plano criminoso”. A este respeito tenho de em primeiro lugar apresentar um dado muito importante. O crime foi-me imputado apenas numa segunda fase: não fazia parte da acusação que me foi apresentada pelo Procurador Público quando este me interrogou. Obviamente tratase de um expe-
diente, uma “conversão estratégica”, de modo a garantir um “prémio de consolação” no caso provável da primeira e principal acusação falhar. Basta olhar para as datas dos escritos incriminatórios para se convencer que assim é: datam de seis meses a dois anos antes da minha prisão. Orientações tem a data de 1950, e apareceu cerca de um ano antes disso. Não só isso, mas também é um compêndio de artigos já publicados noutros locais e reorganizados a pedido de um grupo que não é o mesmo que o “Imperium”, e que apenas serviu como rede de distribuição para a revista com o mesmo nome. Como é possível que estas “várias acções consecutivas de um único plano criminoso” tenham passado desapercebidas por um período de tempo tão improvavelmente longo? Existem apenas duas possibilidades. Ou devemos concluir que a vigilância política da imprensa tem um ritmo e uma prontidão muito peculiares, ou então — a única outra hipótese razoável — estes escritos foram seleccionados a partir de uma quantidade de outros escritos meus no mesmo espírito, incluindo alguns mais recentes, que apareceram em páginas bem vigiadas, tais como Meridiano d’Italia, Rivolta Ideale, Lotta Politica — seleccionados não pelos seus conteúdos intrínsecos, mas pelo único facto de terem aparecido nas páginas do grupo “Imperium”, estabelecendo assim a minha não existente implicação na presumível actividade ilegal que é imputada a este grupo. Tal artifício é com certeza transparente para qualquer tribunal objectivo. Mas há mais. O relatório original da Questura quase não se refere ao suposto crime de “apologia” que supostamente cometi através destes meus escritos. Arrogando-se a competência, a autoridade, e a função de julgar em matérias de alta cultura, de filosofia, de doutrina racial, e dedicando-se mesmo aos méritos do que eu tenho a dizer sobre o darwinismo, a psicanálise e o existencialismo, o relatório do Gabinete Político da Questura procura ao invés denegrir o meu esta-
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tuto como escritor, apresentandome como um diletante conhecido apenas por pequenos grupos de esoteristas — e é cómico ver quão ignorante o compilador deste relatório é sobre o significado do “esoterismo”! — e que iludiu estes jovens neofascistas com as suas teorias filosóficas, mágicas e mórbidas (vai mesmo ao ponto de falar de insania mentis!), e que só pode ser o responsável das suas acções irreflectidas. Assim desviam-se para um campo completamente estranho ao material da acusação (do qual veja-se o Artigo 7º). E embora seja extremamente desagradável ter de falar sobre si próprio, sinto-me obrigado a fazer uma pequena rectificação de tal caricatura distorcida de mim. Se eu fosse apenas um diletante e um fanático, desconhecido fora dos círculos em questão, porque é que editores de primeira ordem como Laterza (editor de Croce), Bocca e Hoepli teriam publicado alguma vez vários dos meus trabalhos, alguns deles sobre o racismo? Mais do que um destes trabalhos foi reeditado, e vários foram traduzidos para várias línguas estrangeiras. Posso também perguntar como pude ser convidado para ciclos de conferências em universidades italianas (Milão, Florença) e estrangeiras (Halle, Hamburgo), além de ter sido orador convidado de sociedades estrangeiras abertas apenas aos principais expoentes do pensamento aristocrático e tradicional europeu, tais como o Herrenklub de Berlim, a Associação Cultural de Budapeste da Condessa Zichy, e o Kulturbund do Príncipe Rohan em Viena? Aquilo que foi descrito como teorias desequilibradas, tenebrosas e “mágicas” consiste na realidade em estudos sistemáticos sobre metafísica, orientalismo, ascese, ciência dos mitos e símbolos — estudos, uma vez mais, que são também apreciados no estrangeiro. A este respeito mencionarei apenas que ainda este ano, o editor Luzac de Londres, o mais distinto da Europa nesta área, publicou um dos meus livros sobre o budismo, A
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O tipo de racismo por mim defendido, longe de ser um “extremismo”, pertence aos esforços que empreendi, também noutros campos, para rectificar as ideias que se desenvolviam de forma desviante no Fascismo, tal como no Nacional-Socialismo. Assim, opus ao racismo meramente materialista e vulgarmente anti-semita um racismo espiritual, introduzindo o conceito de “raça do espírito” e desenvolvendo uma doutrina original sobre essa base. Além disso, opus ao ideal ariano-germânico defendido pelo nazismo o ideal ariano-romano; certamente ataquei a ideia confusa de latinidade, não a favor da ideia germânica mas para exaltar o conceito da pura romanidade, concebida como uma força mais augusta e original do que tudo o que é genericamente latino.”
Doutrina do Despertar. A acusação da Questura exige rectificação sobre um outro ponto referente ao racismo. Tentando sempre colocar-me sob uma luz comprometedora, apresenta-me como um fanático nazi-fascista, que nas suas palestras no estrangeiro atacou a latinidade e denegriu a italianidade a favor da ideia ariano-germânica, causando alarme até entre a hierarquia Fascista, no seguimento de avisos consulares. Tudo isto é um equívoco derivado da incompetência e de deficiente informação. Deve-se perceber que nos modernos estudos raciais, “ariano” e mesmo “nórdico” não significam alemão; o termo é sinónimo de “indo-europeu” e é correctamente aplicado a uma raça primordial pré-histórica, da qual derivaram os primeiros criadores das civilizações hindu, persa, grega e romana, e da qual os alemães são apenas os últimos ramos adventícios. Tudo isto é demonstrado da forma mais clara possível nos meus trabalhos Revolta contra o Mundo Moderno e Síntese de Doutrina da Raça. O tipo de racismo por mim defendido, longe de ser um “extremismo”, pertence aos esforços que empreendi, também noutros campos, para rectificar as ideias que se desenvolviam de forma desviante no Fascismo, tal como no Nacional-Socialismo.
Assim, opus ao racismo meramente materialista e vulgarmente antisemita um racismo espiritual, introduzindo o conceito de “raça do espírito” e desenvolvendo uma doutrina original sobre essa base. Além disso, opus ao ideal arianogermânico defendido pelo nazismo o ideal ariano-romano; certamente ataquei a ideia confusa de latinidade, não a favor da ideia germânica mas para exaltar o conceito da pura romanidade, concebida como uma força mais augusta e original do que tudo o que é genericamente latino. E não é tudo. O advogado da Questura parece desconhecer que as palestras que refere, e cujo título era significativamente “O Despertar Ariano-Romano da Itália Fascista”, foram seguidas por outras em várias cidades alemãs, cujos textos recolhi em italiano, extraídos da Rassegna Italiana. Aqui demonstrei o que a antiga ideia Clássica e Romana tinha a oferecer no sentido de direccionar várias ideias em voga na Alemanha, e para as elevar a um nível superior e espiritual. É possível que algum cônsul italiano no estrangeiro tenha enviado relatórios alarmantes. Mas no que diz respeito à alegada preocupação que a minha teoria racial provocou na hierarquia Fascista, as coisas são muito diferentes. Após estas palestras, Mussolini, por sua
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iniciativa pessoal, falou comigo expressando-me a sua aprovação às minhas formulações raciais, porque as considerava úteis para dar uma posição independente, e mesmo superior, ao pensamento italiano em relação à ideologia nazi — algo de que o então chefe do Gabinete Racial, Dr. Luchini, pode dar testemunho preciso. E devo dizer que este reconhecimento, feito espontaneamente por Mussolini a um não-fascista — i.e., a um nãomembro do partido — é uma das memórias mais gratificantes da minha vida. De qualquer modo, diria que a teoria da raça é apenas um capítulo subordinado e secundário no conjunto de ideias que defendi, apesar do que algumas pessoas pensam. A seguir, quando o relatório da Questura alega que durante um certo período de tempo durante o Fascismo estive “sob vigilância” por motivos pessoais obscuramente mencionados — e, acrescenta, por actividade mágica! — não há a mais pequena ponta de verdade nisso. Seria bom também recordar, em casos deste tipo, que pessoas eram obedecidas de maneira servil pela Questura, cujos oficiais eram todos membros do Partido, enquanto que eu nunca o fui. Enquanto pensador independente tive, como prontamente admitirei, amigos dedicados no Fascismo, e também inimigos mortais que tentaram prejudicar-me por todos os meios, espalhando todo o tipo de rumores e calúnias. Entre esses inimigos encontravam-se Starace e os seus capangas, que tentaram até utilizar a Questura da época, mas sem sucesso. E hoje parece que a Questura não hesita em desenterrar estas velhas histórias contra mim: usadas ontem para me fazer parecer antifascista, e hoje, pelo contrário, para confirmar a acusação de Fascismo. Porque não se faz, pelo contrário, qualquer referência ao facto de em 1930 o Gabinete Político da Questura ter aprovado uma injunção contra mim para a suspensão do periódico La Torre, do qual eu era editor? E porque aconteceu isso? Por “ataques contra os esqua-
Achille Starace
dristas Fascistas”. Naturalmente, não se tratava do esquadrismo per se, mas apenas de alguns indivíduos sem escrúpulos que usavam a desculpa do Fascismo e do esquadrismo para cometerem todo o tipo de abusos, e que de maneira a se vingarem de mim, que os atacava, sendo protegidos por Starace, usaram até a polícia. Não pretendo apresentar-me como antifascista ou como vítima do Fascismo. Mas tudo isto deveria ser devidamente registado de forma a revelar os métodos que estão a ser usados contra mim. Agora que tudo foi clarificado, e todas as acusações tendenciosas removidas, passo para a questão de facto, no que à acusação de ter defendido “ideias próprias do Fascismo” diz respeito. Mas neste ponto fico perplexo, porque a acusação não menciona os artigos que a preocupam nem indica — como é prática comum — as passagens específicas correspondentes ao pior do crime; nem, falando de modo
geral, indica o que estas “ideias próprias do Fascismo” possam ser. [Neste ponto o Procurador Público, Dr. Sangiorgi, declarou que não se tratava de passagens específicas dos trabalhos de Evola, mas sim do seu espírito geral. Quanto às “ideias próprias do Fascismo”, acrescentou que em sua opinião estas poderiam ser a monocracia, o hierarquismo e o conceito de aristocracia ou elitismo. Depois de tudo isto ter sido registado, a pedido de Evola, nas actas do Tribunal, Evola continuou.] Muito bem. Quanto à monocracia, isso não passa de um nome diferente para monarquia, no sentido original, e não necessariamente dinástico, do termo. Quanto ao hierarquismo, direi de uma vez que eu defendo a ideia de hierarquia, não a de hierarquismo. Tendo feito esta clarificação, direi que se esses são os termos da acusação, ficaria honrado por ver sentados no mesmo banco de acusação, pessoas como Aristóteles, Platão, o Dante de De Monarchia, até Metternich e Bismarck. Recuso a acusação de defender ideias próprias do Fascismo, porque a expressão “próprias do” contida no Artigo 7º significa “específicas do”, ou seja, refere-se não apenas ideias que se podem encontrar no Fascismo mas especificamente a ideias que só se podem encontrar no Fascismo e em mais nenhum lugar. Agora, no que me diz respeito esse não é de modo algum o caso. Defendi, e continuo a defender, “ideias fascistas”, não tanto na medida em que são “fascistas” mas na medida em que reavivam ideias superiores e anteriores ao Fascismo. Como tal elas pertencem à herança da concepção hierárquica, aristocrática e tradicional do Estado, uma concepção de carácter universal e mantida na Europa até à Revolução Francesa. De facto, a posição que defendi e continuo a defender, como homem independente — já que nunca fui membro de nenhum partido, nem do PNF (Partido Nacional Fascista), nem do PRF (Partido Republicano Fascista), nem do MSI — não deve ser chamada “fascista” mas sim tradi-
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cional e contra-revolucionária. No mesmo espírito de Metternich, Bismarck, ou dos grandes filósofos católicos do princípio da autoridade, De Maistre e Donoso Cortés, rejeito tudo o que deriva, directa ou indirectamente, da Revolução Francesa e que, em minha opinião, tem como consequência extrema o bolchevismo, ao que eu contraponho o “mundo da Tradição”. Tudo isto se percebe claramente no meu trabalho fundamental, entregue ao Tribunal, Revolta contra o Mundo Moderno, cujas duas partes se intitulam precisamente, “O Mundo da Tradição” e “Génese e Rosto do Mundo Moderno”. No prefácio indico que este livro é a chave para a compreensão correcta dos meus escritos especificamente políticos; e o crítico inglês McGregor diz sobre este trabalho, na sua crítica à segunda edição: “Mais do que a obra-prima do Spengler italiano, chamaria a este livro o bastião do espírito aristocrático e tradicional europeu”. Esta minha posição é bem conhecida, e não apenas em Itália. Num livro recente da autoria do historiador suíço A. Mohler (Die konservative Revolution, Estugarda, 1950, pp. 21, 241-242), fui honrado ao ser colocado ao lado de Pareto, e considerado o principal expoente italiano da chamada “revolução conservadora”. Assim, não existe, em minha opinião, qualquer motivo para falar em apologia de “ideias próprias do Fascismo”. Os meus princípios são apenas os que, antes da Revolução Francesa, qualquer pessoa bemnascida considerava sãos e normais. Deixo por clarificar por hoje a questão dinástica e institucional. No entanto, tudo o que escrevo, incluindo os artigos incriminados e Orientações, poderia ser interpretado igualmente bem como a defesa da ideia tradicional e pré-constitucional da monarquia e hierarquia: defesa essa que nenhuma das nossas leis criminaliza, porque se o Artigo 1º das Leis de Emergência tem o seu contraponto no Artigo 2º, que proíbe a reconstrução — pelo menos por meios violentos — da monarquia, o Artigo 7º não tem contraponto numa proibição da glo-
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Aristóteles, Platão, Dante e Bismarck… co-réus de Evola?
rificação de uma ideologia “monárquica”. Quanto ao Fascismo histórico, se apoiei os seus aspectos que se enquadravam nesta ordem de ideias, também combati as ideias presentes nele que eram mais ou menos tributárias do clima político materialista dos tempos recentes; e tais críticas do que hoje em dia se considera comummente como Fascismo são frequentes nos próprios escritos que são usados para me incriminar. Limitar-me-ei a alguns pontos essenciais. 1. Oponho-me ao totalitarismo, contrapondo-lhe o ideal de um Estado orgânico e diferenciado, considerando o “hierarquismo fascista” um desvio. Em Orientações, na p. 15, pode-se ler que o totalitarismo
representa uma direcção errada e o aborto da necessidade de uma unidade política viril e orgânica: “Hierarquia não é hierarquismo (mal que hoje reaparece demasiadamente, embora em tom menor) e a concepção orgânica não tem nada a ver com a esclerose estatolátrica e a centralização niveladora.” Assumi uma posição anti-totalitária ainda mais extensivamente e energicamente num artigo que apresentei ao Tribunal, intitulado “Estado Orgânico e Totalitarismo”, que apareceu em Lotta Politica, órgão oficial do MSI. Defendi a mesma tese, transposta para um plano cultural, no artigo incriminado publicado em Imperium (nº 2) onde, criticando as ideias do escritor Stending, reconheço tal como
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ele, que o mal de que a cultura moderna sofre é a sua fragmentação, causada pela inexistência de uma ideia central e directiva; mas oponho-me à solução totalitária, na qual não existe um princípio espiritual, super-elevado e transcendente, mas apenas a brutal vontade política de escravizar tiranicamente e unificar a cultura, de que o sovietismo é o resultado último. 2. Uma concepção especificamente Fascista foi a do chamado “Estado Ético” de Gentile. Dirigi-lhe duras palavras (Orientações, p. 23) (2). 3. Algumas pessoas gostam de apresentar o Fascismo como uma “tirania tortuosa”. Durante essa “tirania” nunca tive de passar por uma situação semelhante a esta. No que diz respeito a este aspecto, adopto o axioma de Tácito: “A suprema nobreza dos chefes não é serem patrões de servos, mas chefes que amam a liberdade até naqueles que lhes obedecem” (p. 15). 4. Em relação ao problema da soberania, rejeito todas as soluções demagógicas e ditatoriais. A verdadeira autoridade — como afirmo na p. 15 — não pode ser a de “um tribuno ou dirigente popular detentor de um simples poder individual informe desprovido de qualquer carisma superior, assentando o prestígio precário por ele exercido nas forças irracionais das massas.” No chamado “Bonapartismo” vejo “um dos obscuros aparecimentos da Decadência do Ocidente de que falava Spengler”, e recordo a frase de Carlyle sobre o “mundo dos servos que quer ser governado pelo pseudo-herói” (p. 17). 5. Ataquei repetidamente a ideia de “socialização”, que, como sabem, foi uma das palavras de ordem do Fascismo de Salò, ao qual não aderi enquanto doutrina (os Pontos de Verona), embora aprovando o comportamento dos que combateram no Norte por prin-
cípios de honra e lealdade. Na socialização vejo o Marxismo disfarçado, uma tendência demagógica. Sobre isto, veja-se Orientações, p. 13, e mais de um terço do artigo incriminado intitulado “Duas Intransigências” (Imperium, nº 4). A influência que pretendi exercer sobre os jovens do grupo “Imperium” e outras correntes juvenis foi, de facto, na direcção de uma contraposição às tendências materialistas e esquerdistas presentes no MSI. A defesa da ideia corporativa não deveria constituir um crime, dado que se encontra presente nos partidos legais de hoje — como o Partido Nacional Monárquico e o MSI — e mesmo em algumas correntes do catolicismo político. No entanto, critico alguns aspectos segundo os quais o corporativismo Fascista foi uma simples superstrutura burocrática que manteve o dualismo classista. A isto opus uma reconstrução orgânica e anticlassista da economia no seio das próprias empresas (pp. 13-14). Finalmente, um breve sumário das teses contidas nos artigos publicados em Imperium e La Sfida. O primeiro destes artigos relembra simplesmente o significado da palavra imperium nas suas origens romanas: era sinónimo de auctoritas e de poder derivado de forças divinas, do alto. Depois afirmo que a crise do mundo político moderno reflecte a crise de tal princípio ou poder, e os valores heróicos a ele ligados. O artigo de La Sfida assinado com o pseudónimo “Arthos” e sumariado em Orientações, baseia-se no princípio de Metternich: “Não se negoceia com a subversão”, pegando no tema de um escrito de Engels — a revolução liberal limita-se a preparar a comunista e uma trabalha a favor da outra. De seguida digo que da mesma maneira que os comunistas fundam o seu radicalismo subversivo nesta concep-
ção, também nós devemos partir dela quando tentamos agir no sentido contrário: i.e., na direcção contra-revolucionária de uma verdadeira reconstrução, sem fazer concessões à subversão. Não existem referências ao Fascismo ou a homens que a ele pertenceram em nenhum destes escritos. Isto é tudo. Tendo assim demonstrado que nos escritos incriminados — e limitando-me apenas a esses e não me referindo aos meus outros livros, como a honestidade cientifica exigiria — sou contra o totalitarismo, contra a ditadura demagógica, contra o “Estado Ético”, contra todas as formas de autoridade dessacralizada, contra “um simples poder individual informe”, contra o despotismo — recordar as palavras de Tácito — contra a socialização, até mesmo contra um certo corporativismo, peço que o assunto seja dado por encerrado e que o crime de “apologia” seja retirado. De facto, as ideias centrais defendidas por mim, como disse, podem ter aparecido no Fascismo, mas não são “próprias” do Fascismo, tal como o Artigo 7º diz. O que sobra pertence essencialmente ao domínio da ética e da concepção da vida, e, quanto à política, resume-se a uma atitude de intransigência que é tradicional, e se quiserem “reaccionária”; numa postura resoluta contra a subversão, o individualismo, o colectivismo, a demagogia, qualquer que seja a forma em que se manifesta, contra o mundo dos políticos e dos homens sem carácter. O que o Tribunal tem hoje de decidir no meu caso é o seguinte: será o clima na Itália de hoje tal que declarar-se distante de qualquer actividade partidária ou organizativa, e defender tal posição enquanto escritor, num plano doutrinal, assegura a apresentação perante um tribunal sendo acusado de “crime ideológico”?
2. “Em particular, combatemos o seu disfarce, que em certos ambientes se apresentou como «Estado ético» produto de uma pretensiosa, espúria, vazia filosofia «idealista» que aderiu ao Fascismo mas que, pela sua natureza, é capaz, graças a um simples jogo «dialéctico» de dados, de dar idêntico aval ao antifascismo de um Croce. Tal filosofia é apenas um produto da burguesia laica e humanista presumida do «livre pensamento» próprio de um reitor de liceu, ao celebrar a infinitude do «espírito absoluto» e do «acto puro». Nada aí há de real, de claro, de duro.” (N. do T.)
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Figura
Ungern-Sternberg, “O Barão Sanguinário” Julius Evola ————————————————
O livro de Ferdinand Ossendowski, Bêtes, Hommes et Dieux, cuja tradução italiana acaba de ser reeditada, teve uma ampla difusão aquando do seu aparecimento em 1924. Quem leu esta obra não pôde deixar de ficar sensibilizado pelo relato das peripécias da agitada viagem realizada por Ossendowski em 1921/22, através da Ásia central, na sua fuga aos bolcheviques, mas também pelo que se refere sobre um personagem de excepção que encontrou, o barão Ungern-Sternberg, não esquecendo o que lhe foi dito sobre o “Rei do Mundo”. Desejamos voltar aqui a estes últimos pontos. Criou-se na Ásia uma espécie de mito em torno de UngernSternberg, ao ponto de ser adorado em certos templos da Mongólia como uma manifestação do deus da guerra. Sobre ele existe também uma biografia romanceada, aparecida em alemão com o título Ich befehle (“Eu ordeno”), enquanto que interessantes dados sobre a sua personalidade, fornecidos pelo seu chefe de artilharia, foram publicados na revista francesa “Études Traditionelles”. Nós próprios tivemos a oportunidade de ouvir falar de Sternberg directamente pelo seu irmão, que viria a ser vítima de um destino trágico: tendo escapado aos bolcheviques e regressado à Europa através da Ásia após todo o tipo de vicissitudes incríveis, ele e a sua mulher foram assassinados por um porteiro enlouquecido quando Viena foi ocupada em 1945. Ungern-Sternberg pertencia a uma velha família báltica de origem viking. Oficial russo, comanda-
va na Ásia, no momento em que a revolução bolchevique estourou, numerosos regimentos de cavalaria, que pouco a pouco acabaram por se tornar num verdadeiro exército, que Ungern utilizou para combater a subversão vermelha até às últimas possibilidades, actuando a partir do Tibete. E foi ele quem libertou o Tibete dos chineses, que na época tinham ocupado parte do seu território. Manteve além disso estreitas relações com o DalaiLama, após tê-lo libertado. As coisas tomaram tal magnitude que acabaram por preocupar seriamente os bolcheviques que, derrotados regularmente, foram obrigados a organizar uma campanha de grande envergadura, sob o comando do “Napoleão vermelho”, o general Blücher. Depois de alguns altos e baixos, Ungern foi vencido, devido à traição de alguns regimentos checoslovacos. Existem numerosas versões contraditórias sobre a sua morte, mas não se sabe nada de exacto. Seja como for, diz-se que previu a sua morte, assim como certas circunstância particulares: por exemplo, teria adivinhado que seria ferido no assalto a Durga, o que realmente aconteceu. Dois aspectos de Sternberg interessam-nos aqui. O primeiro referese à sua personalidade, que apresenta uma mescla de traços singulares. Homem de prestígio excepcional e de uma coragem sem limites, era também de uma crueldade desapiedada, implacável para com os bolcheviques, seus inimigos mortais. Daqui a alcunha que lhe foi colocada: o “barão sanguinário”. É possível que uma grande paixão tenha “queimado” nele todo o elemento humano, não deixando subsistir na sua pessoa mais que
uma força indiferente à vida e à morte. Ao mesmo tempo, encontramos em Ungern traços quase místicos. Mesmo antes de ir para a Ásia professava já o budismo (que não se reduz a uma doutrina moral humanitária), e as relações que manteve com os representantes da tradição tibetana não se limitavam ao domínio exterior, político e militar, no marco dos acontecimentos mencionados anteriormente. Ungern possuía certas faculdades supra-normais: algumas testemunhas falaram de uma espécie de clarividência que lhe permitia ler a alma do outro, segundo uma percepção tão exacta como a relativa às coisas físicas. O segundo ponto diz respeito ao ideal defendido por Ungern. O combate contra o bolchevismo teria sido o sinal de uma acção mais vasta. Segundo Ungern, o bolchevismo não era um fenómeno autónomo, mas sim a última e inevitável consequência de processos involutivos que se tinham verificado desde há muito tempo no seio da civilização ocidental. Tal como Metternich no passado, ele detectava uma continuidade entre as diferentes fases e formas da subversão mundial, desde a Revolução Francesa. Também segundo Ungern, a reacção deveria partir do Oriente, de um Oriente fiel às suas tradições espirituais e unido, face ao perigo ameaçador, a todos aqueles que fossem capazes de uma revolta contra o mundo moderno. A primeira tarefa seria eliminar o bolchevismo e libertar a Rússia. É interessante, por outro lado, saber que, segundo numerosas fontes em certa medida dignas de fé, Ungern, transformado no libertador e protector do Tibete, teria
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mantido então, em vista a este plano, alguns contactos secretos com os representantes das principais forças tradicionais, não apenas da Índia mas também do Japão e do Islão. Tratava-se de realizar a pouco e pouco a solidariedade defensiva e ofensiva de um mundo ainda não ferido de morte pelo materialismo e a subversão. Foquemos agora o segundo problema, o do “Rei do Mundo”. Ossendowski afirmou que os lamas e os chefes da Ásia central tiveram ocasião de lhe falar da existência de um misterioso centro inspirador denominado l’Aghartta, residência do “Rei do Mundo”. Tal centro seria subterrâneo e poderia comunicarse, por meio de “canais” situados sob os continentes e os oceanos, com todas as regiões da Terra. Da forma como Ossendowski fala delas, estas informações apresentam um carácter demasiado imaginativo. É mérito de René Guénon ter posto em destaque, no seu livro Le Roi du Monde, o verdadeiro conteúdo destes relatos, não sem assinalar este significativo detalhe: que
na obra póstuma de Saint-Yves d’Alveydre aparecida em 1910 e intitulada La Mission des Indes, obra que Ossendowski certamente desconhecia, se fala do mesmo centro misterioso. O que é necessário compreender é que a ideia de um centro subterrâneo (difícil de conceber, quanto mais não fosse pela dificuldade de alojamento e de aprovisionamento, a partir do momento em que não fosse habitado por espíritos puros) deve ser traduzida pela ideia de um “centro invisível”. Quanto ao “Rei do Mundo” que ali residiria, esta ideia reenvia-nos à concepção geral de um governo ou de um controlo invisível do mundo ou da história; a fantástica referência aos “canais subterrâneos” que permitem a este centro comunicarse com numerosos países deve ser igualmente desmaterializada: de facto, trata-se das influências exercidas, por assim dizer, “por trás dos bastidores”, por este centro. No entanto, mesmo que tudo se interprete desta forma mais concreta, não deixam de se colocar
graves problemas, se nos detivermos um pouco nos factos. É certo que o espectáculo oferecido de forma mais ou menos precisa pelo nosso planeta dificilmente nos indica a ideia da existência deste “Rei do Mundo” e das suas influências, admitindo que estas seriam positivas e rectificadoras. Os lamas teriam dito a Ossendowski: “O Rei do Mundo aparecerá perante os homens quando chegar o momento de guiar os bons na guerra contra os maus. Mas este tempo ainda não chegou.” Trata-se aqui da adaptação de um tema tradicional que também foi conhecido no Ocidente até à Idade Média. O que é verdadeiramente interessante é que esta ordem de ideias tenha sido apresentada a Ossendowski no Tibete, pelos lamas e chefes destas regiões, como derivando de um ensinamento esotérico. E a maneira grosseira como Ossendowski refere o que lhe foi dito, inserindo-o no relato das suas viagens, permite precisamente pensar que não se trata, pela sua parte, de um devaneio pessoal.
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Tradição em rede
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A Integral Tradition Publishing (ITP) é uma editora sedeada na Dinamarca (embora o seu catálogo seja composto quase na totalidade por títulos em inglês) dedicada à distribuição e publicação de livros sobre o tradicionalismo, a metapolítica, a iniciação, o esoterismo, a crise do mundo moderno, bem como as diferentes tradições religiosas. Julius Evola e René Guénon são autores em destaque. Segundo o seu site: “A ITP foi criada para criar consciência da Verdade eterna e transcendente contida em todas as autênticas tradições, bem como dos problemas, defeitos e hipocrisias da sociedade Ocidental moderna. Desejamos fazê-lo através da publicação e distribuição de materiais sobre o tradicionalismo que demonstrem a discrepância entre a luz da Tradição e as trevas da mo-
A Associação Cultural Raido é uma associação italiana de inspiração evoliana. Entre as suas actividades contam-se a organização de conferências, a edição de livros, cadernos, música e roupa. Editam também uma revista com o mesmo nome e o boletim electrónico Azione Tradizionale. Através do seu site, bastante bem concebido em termos gráficos, é possível encomendar dezenas de obras sobre os mais variados temas, desde a II Guerra Mundial à Filosofia e Religião, bem como camisolas, t-shirts, DVD’s, ou pequenas peças de artesanato, sempre com uma temática tradicional.
dernidade. Criando tal consciência, mesmo que num pequeno número de pessoas, esperamos poder ajudar a criar as bases do regresso à Tradição.” A sua primeira publicação foi precisamente “A Metafísica da Guerra – Batalha, Vitória e Morte no Mundo da Tradição”, de Julius Evola.
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A Legião Vertical produziu uma t-shirt alusiva à figura de Julius Evola e o caderno «Metafísica da Guerra» (30 páginas). Estes dois itens podem ser adquiridos em conjunto por apenas 8 €. Mais informações e encomendas através do e-mail: legiaovertical@gmail.com.