Editorial
Seremos soldados... Percorreremos as montanhas com as nossas bandeiras e estandartes, no alto encontraremos a serena e suprema justificação para descermos sobre as hostes inimigas. Faremos da montanha o nosso santuário, aí levantaremos os nossos braços em direcção ao Sol Invicto e retomaremos a marcha com novas energias. As cidades foram-nos tomadas, primeiro pelos mercadores, depois pela populaça que numa sequência terrivelmente lógica a entregou aos párias. A amálgama nauseabunda sufoca-nos, mais, quando pensamos nas futuras gerações, nos nossos filhos, e em
Na capa: representação da deusa Deméter
como isso os vai afectar, como já nos afecta a nós que rejeitamos a “felicidade” que o Mundo Moderno nos quer vender. Não queremos, nem poderíamos, ser felizes num mundo em que os párias se tornaram senhores. Somos obrigados a viver assim, com eles, talvez até lhes passemos a imagem de que desistimos, mas isso é também estratégia, porque na verdade não capitulamos e aí estamos… de Pé! É na montanha que a nossa verticalidade se reflecte e é esse o espelho que nos dá força. É a ascensão que nos eleva ao sagrado e é lá no alto que nos revemos uns nos outros como Irmãos de Armas, e é aí que, a cada nova Primavera, renovamos o nosso juramento para com a Ordem. Mas isto é também uma questão de equilíbrio, ascendermos em busca do nosso centro, da nossa Força Primordial. As batalhas, a guerra, essa, sabemos bem onde vai ter lugar: nas urbes cinzentas, anárquicas, grafitadas, super-amontoadas, onde os párias das várias classes económicas habitam como peixes na água. É este o palco do conflito, o combate urbano, pelo nosso lar, pela nossa família, pelo nosso bairro, pela nossa cidade… pelo Ideal. Seremos soldados, viveremos como soldados, e conquistaremos assim a Liberdade perdida.
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ÍNDICE 2 Editorial —— ———————————————— 3 Joseph de Maistre —— ———————————————— 5 A Raça e a Montanha —— ———————————————— 9 O Grupo de Ur —— ———————————————— Vivemos numa sociedade “ginecocrática”? 13 —— ———————————————— O Herói e o Império 19 —— ———————————————— Das “Ruínas” ao “Cavalgar” 23 ———————————————— ——
FICHA TÉCNICA Número 5 (2ª Série) ———————————————— 3º quadrimestre 2012 ———————————————— Publicação quadrimestral ———————————————— Internet: www.boletimevoliano.pt.vu www.legiaovertical.blogspot.com ———————————————— Contacto: legiaovertical@gmail.com ————————————————
Número 5, 2ª Série
Joseph de Maistre JULIUS EVOLA
O editor Rusconi, que está a realizar um serviço meritório ao imprimir uma série de trabalhos que cons tuem uma fonte
o inconsideradamente ou precipitadamente, como se diz num Tratado Hermé co), não pode deixar de ficar exposto às con n-
essencial para uma cultura de Direita,
gências próprias de tal estado. Procu-
acaba de publicar uma nova edição
rar ligações morais transcendentes
das Noites de São Petersburgo de
em qualquer um dos casos, é algo
Joseph de Maistre, editada por
natural, mas demonstra uma con-
Alfredo Ca$abiani. Esta é a obra
nuação da mesma ignorância ou
mais conhecida de de Maistre. No
imprudência, conforme for o caso.
entanto, referências directas ao
Mas deixando de lado questões
domínio polí co, no qual de Mais-
deste po, vamos mencionar algu-
tre mostrou o seu valor como
mas das ideias de de Maistre que
“reaccionário”, são mais escassas do
são interessantes do ponto de vista
que noutros seus escritos. Na verdade, ele discute principalmente problemas morais e religiosos, e o próprio sub.tulo do livro, “Diálogos sobre o Governo Temporal da Provi-
tradicional. Em primeiro lugar, podemos apontar a sua crença numa Tradição Primordial. Pode ser que de Maistre o deva a Claude de Saint-Mar n, que ele conhecia, e que foi
dência”, indica esta linha de pensamento, que não tem
um expoente de doutrinas esotéricas (no âmbito da
muito interesse para nós. Pressupondo expressamente
maçonaria, que era então bastante diferente do que é
a existência de uma Providência concebida em termos
agora, de tal modo que até de Maistre fez parte dela).
morais, de Maistre enfrenta o problema de a conciliar
Depois, há a sua tese de que o estado originário da hu-
com o espectáculo oferecido pelo mundo e pela história
manidade não foi o barbarismo. Pelo contrário, ele con-
como eles realmente são: maldades que ficam impunes,
sidera-o como tendo sido um estado de iluminação e de
virtudes que não são recompensadas, e assim por dian-
conhecimento, enquanto que o selvagem, o “primi vo”,
te.
seria apenas “o descendente de um homem separado Não se pode dizer que as soluções para este proble-
ma, propostas por de Maistre, sejam muito convincen-
da grande árvore da civilização, na sequência de uma prevaricação que não se pode repe r”.
tes, e na verdade parece-nos haver um retorno à ideia
Mas também noutros aspectos o homem se encon-
de uma jus ça divina que apenas adia a justa recom-
tra afectado pela prevaricação e pela consequente de-
pensa (como apoio, de Maistre inclui como apêndice ao
gradação, causa da sua vulnerabilidade não só espiritual
seu livro um tratado de Plutarco in tulado De sera nu-
e intelectual, mas também =sica. Esta ideia é, evidente-
minis vindicta). No entanto, de Maistre alcança uma
mente, semelhante à do “pecado original” da mitologia
visão mais livre e mais sa sfatória quando compara os
cristã, o contexto sendo, no entanto, mais vasto e mais
males e as con ngências que recaem sobre todo o gé-
aceitável. Quanto à sua tese sobre a verdadeira nature-
nero humano às balas que a ngem um exército sem
za dos “primi vos”, a sua adopção conduziria provavel-
fazer qualquer dis nção entre os justos e os ímpios.
mente a uma inves gação etnológica de alto nível que
Somos levados a concluir que qualquer ser consciente
evitaria muitos erros.
que assuma o estado humano de existência (desejando-
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De Maistre acusa os sábios, os cien stas e outros
3
“
De Maistre, declarando-se a favor de uma restauração, enuncia um conceito importante dizendo que a contra-revolução não deve ser uma «revolução ao contrário» mas sim o «contrário de uma revolução».
como eles de, como que numa conspiração, negarem
sabedoria divina.
que alguém saiba mais do que eles ou de um modo dife-
A defesa que de Maistre faz do carrasco como ins-
rente do deles. “Eles consideram irracional um tempo
trumento de Deus é frequentemente citada com horror
no qual os homens viam as causas e os efeitos clara-
e, ainda mais, a sua concepção do carácter divino da
mente, mas eles exibem a mentalidade da nossa época
guerra. Infelizmente, estes crí cos da visão de de Mais-
actual, na qual os homens muito dificilmente conse-
tre não consideram que a guerra pode realmente e ver-
guem penetrar dos efeitos às causas, e tendem a dizer
dadeiramente expressar os mais altos valores espiritu-
que é inú l preocupar-se com causas, ou que dificilmen-
ais, de heroísmo e de acção supra-individual; eles vêem-
te sabem o que é uma causa.” E acrescenta: “Eles pro-
na em termos sombrios, como uma expiação que cas -
pugnam inumeráveis clichés sobre a ignorância dos an -
ga uma humanidade fundamentalmente culpada e de-
gos, que viam espíritos por todo o lado: pois parece-me
gradada. A diferença entre guerra justa e injusta, entre
que eles são muito mais tolos do que esses an gos, por-
guerra de defesa e de conquista, entre a guerra do vito-
que eles não conseguem ver quaisquer factores espiri-
rioso e a dos vencidos, não é considerada. Estes pontos
tuais. Ouvimos sempre falar de causas =sicas. Mas o que
de vista estão pouco de acordo com uma orientação
é, em úl ma análise, uma causa =sica?”
posi vamente “reaccionária”.
Para ele o axioma “nenhum evento =sico na vida do
Numa outra das suas obras, Considerações sobre
homem pode ter uma causa superior” é nefasto e sus-
França, de Maistre, declarando-se a favor de uma res-
cep.vel de promover uma fundamental superficialida-
tauração, enuncia um conceito importante dizendo que
de.
a contra-revolução não deve ser uma “revolução ao Ele rejeita a ideia de progresso. A ideia de involução
contrário” mas sim o “contrário de uma revolução”.
parece-lhe mais plausível. De Maistre nota que numero-
Devemos-lhe uma espécie de teologia da revolução; ele
sas tradições atestam que “o homem já começou na
destaca aquilo que de “demoníaco” se esconde, em ge-
posse da ciência, mas de uma ciência diferente da nos-
ral, sob o fenómeno revolucionário. Este aspecto é res-
sa, e superior a ela, porque par a de um ponto mais
ponsável pelo facto de a revolução arrastar os seus cria-
elevado, o que também a tornava mais perigosa. E isto
dores, em vez de ser conduzida por eles. Apenas na
explica o porquê da ciência, no seu início, ter sido sem-
época moderna temos o fenómeno de uma “revolução
pre misteriosa, e restrita aos templos, onde finalmente
permanente” mais ou menos ins tucionalizada, com os
se ex nguiu, quando a sua chama já não conseguia ser-
seus técnicos e astutos manipuladores.
vir a não ser para queimar.”
Em Noites de São Petersburgo o leitor será capaz de
De Maistre dava uma grande importância à oração e
encontrar muitas outras ideias interessantes, desde que
ao seu poder. Escreveu até: “Ninguém pode demonstrar
tenha o cuidado de escolher e colocar de parte disserta-
que uma nação que reza não foi atendida”, mas, na ver-
ções (como por exemplo, a discussão prolífica sobre
dade, é o contrário que deve ser demonstrado, o que
Locke). Não conseguimos resis r à tentação de citar o
não é fácil. Ele encontra-se perante a an.tese entre a
que de Maistre diz sobre a mulher: “A mulher apenas
oração e o poder que lhe é atribuído, por um lado, e a
pode ser superior enquanto mulher, pois a par r do
imutabilidade das leis da natureza, por outro, an.tese
momento em que tenta imitar um homem, não passa
que de Maistre tenta conciliar, embora de forma não
de um macaco”.
muito convincente. Ele considera que se algumas orações não são atendidas, é apenas devido a uma maior
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Pura verdade, quer agrade ou não agrade aos “movimentos femininos” contemporâneos.
Número 5, 2ª Série
A Raça e a Montanha JULIUS EVOLA
Segundo o princípio fundamental da doutrina da
nas alpinas. Aqui queremos falar do efeito da experiên-
raça, as qualidades de uma raça são essencialmente
cia e do hábito da montanha naqueles que não perten-
factores hereditários. O ambiente exerce a sua influên-
cem a este ambiente, e para os quais a montanha repre-
cia mas não é um factor determinante, já que por si só
senta uma oportunidade para reagir contra o ritmo cin-
não pode dar lugar a modificações permanentes que se
zento da vida quo diana.
tornem uma nova herança. Contudo, o ambiente tem
Além do mais, não pretendo falar dos efeitos fisioló-
uma especial importância quando existem pos que
gicos e psicológicos da prá ca da montanha, cujo aspec-
contenham em si virtudes hereditárias diversas, devido
to benéfico e reintegrador é do conhecimento comum.
a cruzamentos raciais anteriores. Em tais casos, o ambi-
É sobretudo para o aspecto da selecção de traços e da
ente pode actuar no sen do de propiciar o desenvolvi-
formação do carácter que queremos chamar a atenção.
mento de algumas destas possibilidades em oposição às
Em primeiro lugar, qualquer um que adira à opinião
demais que estão presentes e que se encontram inibi-
predominante, segundo a qual o ramo primordial da
das ou reduzidas a um estado latente. Par ndo de tal
raça ariana conquistadora se teria diferenciado e afir-
base, o ambiente é um factor que deve ser considerado
mado nas vicissitudes e no ambiente par cularmente
muito atentamente onde quer que se coloque o proble-
áspero dos finais da era glaciar, irá também reconhecer
ma da selecção de traços. Um ambiente determinado
que a exis r um ambiente natural que poderá potenciar
pode pôr à prova a múl pla variedade das disposições
o reflorescimento de uma forma interior análoga, este é
herdadas e medir a sua força, pode propiciar uma discri-
o ambiente montanhoso – sobretudo as áreas onde se
minação e inclusive isolar e estabilizar um po predomi-
encontram grandes glaciares e cumes elevados. Neste
nante quando apresenta as mesmas condições durante
caso, a evocação de uma herança primordial pode de-
um período de tempo suficientemente longo.
senvolver-se sob as condições certas, sem impor a priori
Sirvam estas alusões como premissas gerais para
uma aclima zação orgânica naqueles que, após milé-
algumas considerações que queremos desenvolver
nios de vida transcorrida num lugar diferente daquele
acerca do significado que a experiência da montanha
de onde procediam os seus ancestrais, tentaram extrair
tem para uma concepção ac va da raça, nomeadamen-
algo posi vo de uma experiência prolongada das zonas
te, a concepção que pretende dar um relevo maior, en-
árc cas.
tre as nossas gentes, às qualidades e talentos do po ariano-romano. Dissemos “experiência da montanha” e não simplesmente “montanha” porque não me refiro às pes-
Em segundo lugar, e devido à sua natureza primordial, aos seus elementos, ao seu afastamento de tudo o que é o pequeno mundo dos pensamentos e dos sen mentos do homem moderno domes cado e racionalizado, a montanha convida também, espiritualmente,
soas que vivem nas zo-
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“
O facto de quase todas as antigas tradições terem conhecido o simbolismo da montanha, concebendo as alturas montanhosas como a sede de forças divinas e olímpicas ou de heróis e de homens transfigurados, confirma o poder evocativo que acabei de atribuir à montanha.
a um retorno às origens, à realiza-
mos a ver o efeito de uma selecção
ção interior de algo que reflicta a
natural, e quase de uma renovação,
simplicidade, a grandeza, a força
que ocorre como resultado de tare-
pura e a intangibilidade do mundo
fas e tribulações específicas, e tam-
dos cumes gelados e luminosos. O
bém de um ambiente especial.
facto de quase todas as an gas tra-
A primeira caracterís ca é a es-
dições terem conhecido o simbolis-
cassez de palavras e uma comunica-
mo da montanha, concebendo as
ção verbal reduzida. A montanha
alturas montanhosas como a sede
ensina o silêncio, desencoraja a con-
de forças divinas e olímpicas ou de
versa vã, as palavras desnecessárias
heróis e de homens transfigurados,
e as inúteis e exuberantes efusões.
confirma o poder evoca vo que
Ela simplifica e interioriza. Num am-
acabei de atribuir à montanha. Por
biente alpino, os gestos e os sinais
outro lado, é preciso insis r sobre o
são mais eloquentes do que um
seguinte ponto: falar de um retorno
longo discurso. Isto é especialmente
às origens e de reconstruir pos humanos, formas de
verdade quando se está empenhado na escalada ou na
civilização e es los de tempos an gos será sempre puro
travessia de uma ravina; nestas circunstâncias adopta-
intelectualismo e nostalgia estéril, a não ser que se al-
se ins n vamente um es lo militar e o laconismo nas
cance o sen do directo do que é primordial. Apenas a
advertências, nas ordens, nas confirmações. Este es lo
natureza pode ajudar nesta tarefa. Refiro-me à natureza
pode estender-se à vida na montanha em geral. É ver-
em cujos aspectos não existe lugar para o que é belo,
dade que por vezes há relapsos, especialmente entre os
român co e pitoresco; refiro-me à natureza que é subs-
jovens que não recusam o barulho e a exuberância
tanciada pela grandeza e pela força pura. Assim, não
quando ficam nos albergues de montanha. E no entanto
tememos afirmar que aquele que conquistou a monta-
isto não afecta o essencial, e tem o valor de justapor
nha, ou seja, aquele que aprendeu a adaptar-se ao seu
esta a tude com aquela que se encontra entre os ver-
significado fundamental, possui já uma chave para com-
dadeiros alpinistas e entre os pos mais qualificados,
preender o espírito original e o espírito do mundo aria-
para os quais a montanha é muito mais do que uma
no-romano nos seus aspectos mais severos, puros, mo-
aventura esporádica e uma emoção passageira.
numentais. Tal chave não pode ser encontrada na simples cultura e na erudição.
A segunda caracterís ca, imediatamente relacionada com a primeira, é a disciplina interior: o controlo total
E agora passamos à discussão de quatro elementos
dos reflexos, o es lo de uma acção precisa, lúcida e com
de forma. Todos os que fazem montanhismo a sério,
um objec vo, uma audácia que não é temerária ou pre-
que escalam, que superam picos, paredes, saliências,
cipitada, mas que está ligada ao conhecimento das pró-
glaciares, encarnam um modo de ser comum, cujas ca-
prias forças e limitações e dos termos exactos do pro-
racterís cas principais se assemelham às caracterís cas
blema a resolver. Em relação com esta caracterís ca,
picamente exemplificadas pelas raças ariano-romana e
encontramos uma outra: o domínio da própria imagina-
ariano-nórdica e que são muito diferentes das de um
ção e a capacidade de neutralizar imediatamente qual-
certo po humano “mediterrânico”. Em tudo isto tende-
quer agitação interior inú l e prejudicial. Estes elemen-
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Número 5, 2ª Série
“
A montanha ensina o silêncio, desencoraja a conversa vã, as palavras desnecessárias e as inúteis e exuberantes efusões. Ela simplifica e interioriza. Num ambiente alpino, os gestos e os sinais são mais eloquentes do que um longo discurso.
tos têm muito em comum com os traços dos ascetas,
experiência da montanha representa um dos melhores
mas aqui são postos em prá ca como pressupostos de
an.dotos contra esta componente mediterrânica que
qualquer ac vidade alpina de algum relevo. A concen-
pode ainda permanecer nas nossas almas italianas.
tração lúcida, conforme ao objec vo, é outro traço que
Aqueles que pra cam verdadeiramente o montanhismo
a experiência da montanha desperta e estabiliza, até ao
aprendem uma sa sfação oposta à do po mediterrâni-
ponto de se transformar, em muitos casos, numa ma-
co: a sa sfação de estar só, abandonando a si próprio
neira natural de ser ou uma espécie de hábito. Quem
perante a imutabilidade das coisas, a sós com a sua pró-
quer que, ao atravessar uma crista de gelo, pensa em
pria acção e contemplação. O facto de na maior parte
algo que não seja o passo seguinte, ou que, durante
das ac vidades alpinas as pessoas estarem presas por
uma escalada, se deixa dominar pelo pensamento do
cordas umas às outras não contradiz este ponto, porque
perigo e permite que a sua imaginação se ocupe do va-
não há um só alpinista sério que a determinada altura
zio sobre o qual pende, ao invés de fixar a sua mente na
não tenha enfrentado a montanha sozinho. Os compa-
rápida e exacta solução dos diversos problemas do pe-
nheiros de escalada nunca
são um público,
so, do equilíbrio, do apoio certo – tal pessoa dificilmen-
são elementos de uma só
unidade
te voltará uma segunda vez à montanha, mesmo que
desempenham tarefas dife-
ainda anseie pela aventura. Voltar à montanha, enfren-
curso de uma acção co-
tar e amar os riscos, dominar a técnica necessária, tudo
Todos sabem que se
espera
isto significa dar uma certa forma ao próprio ser, que
muito mais de uma
pes-
em algumas pessoas acaba por influenciar o comporta-
soa nestas expedi-
mento geral do dia-a-dia. O realismo ac vo, este ins n-
ções do que se es -
to lúcido e perfeitamente dominado, este es lo de um
vesse sozinha, pelas
espírito que mantém a alma e qualquer reacção irracio-
consequências que
nal totalmente sob controlo, são também as principais
uma acção impru-
caracterís cas do es lo ariano-nórdico e ariano-
dente
romano. É verdade que traços análogos também podem
uma debili-
ser desenvolvidos noutros desportos, mas a experiência
dade
da montanha contém uma série de elementos que con-
dem
duzem à sua espiritualização, eliminando assim o perigo
acarre-
da mecanização própria de quem se reduz a ser apenas
tar
um conjunto de reflexos bem controlados.
para os
Em terceiro lugar, a experiência da montanha habitua a agir, a actuar sem espectadores, e a demonstrar
que
rentes
no
mum.
ou po-
restantes.
um heroísmo que foge da retórica e dos gestos grandiosos. Mais uma vez, é o próprio ambiente que propicia esta purificação da acção, esta superação da vaidade, esta ac va impersonalidade. Enquanto o “ po mediterrânico” se caracteriza pela necessidade de um público e pela inclinação para se comportar de modo teatral, a
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“
Talvez apenas algumas formas de camaradagem, que se formam durante a guerra no campo de batalha, possam despertar do mesmo modo que a experiência da montanha, este sentido especial de solidariedade activa.
Isto leva-nos a considerar uma quarta caracterís ca,
nar a dignidade par lhada de pertencer à mesma raça.
que se refere a uma especial maneira de ser e actuar.
A subordinação não humilhava neste po de sociedade,
Camaradagem, neste contexto, é uma expressão dema-
por causa da visão precisa do conjunto e por causa da
siado genérica. Aqui o vínculo é mais individual e pesso-
visão par lhada por cada individuo.
al. O elemento sen mental e afec vo ocupa uma parte
Estes são os principais elementos que, mediante a
menor que nos casos genéricos de camaradagem, e no
selecção natural do ambiente e pelo teste da acção, são
entanto com o efeito de uma maior intensidade. Pode-
mais acarinhados por quem leva a experiência da mon-
mos defini-lo assim: estarmos a sós e simultaneamente
tanha a sério. Estas pessoas, com um elevado grau de
juntos – relação essencialmente alcançada mediante a
uniformidade, tendem a rec ficar ou neutralizar outras
acção. Liderar e apontar o caminho é apenas um exem-
inclinações e qualidades que na vida trivial das planícies
plo das tarefas que têm sempre de ser cumpridas atra-
e das grandes cidades são fatalmente agravadas. Nada
vés da força. Talvez apenas algumas formas de camara-
se cria do nada; assim, as presentes considerações não
dagem, que se formam durante a guerra no campo de
se aplicam ao homem moderno completamente abas-
batalha, possam despertar do mesmo modo que a expe-
tardado e reduzido à condição de animal despor vo e
riência da montanha, este sen do especial de solidarie-
laboral. Estas considerações aplicam-se àqueles nos
dade ac va, que mantém a distância entre as pessoas e
quais o sen mento da raça (raça em sen do espiritual,
no entanto pressupõe uma plena harmonia das suas
superior) ainda significa alguma coisa e representa o
forças por causa da avaliação precisa do potencial e da
principal ponto de par da para uma vontade de liberta-
confiança de cada membro.
ção e de despertar. Neste homem o mundo da alta
Isto é virilidade sem ostentação e ajuda recíproca
montanha desperta uma herança primordial e contribui
sem hesitação, entre gente que está no mesmo plano;
para o gradual emergir de um sen do transcendente de
baseia-se num fim comum e livremente escolhido.
liberdade, que não significa escapismo, mas sim um
Assim, este úl mo elemento, quando comparado,
princípio de força pura. Este sen do de liberdade en-
recorda-nos o po de comunidade que foi um dos ele-
contra a mais perfeita expressão nos limites do “eu”, na
mentos mais caracterís cos das an gas raças arianas e
concentração, na acção determinada, no completo e
do povo ariano-romano; tal forma de comunidade nada
lúcido domínio da parte irracional do ser humano, e
nha a ver com o socialismo. O seu fundamento não era
finalmente, na pron dão para ser livremente transfor-
nem uma en dade colec va nem o individualismo, mas
mado num elemento de acção sólida, na qual a meta a
sim a personalidade. A sua lei era a acção, nela exis am
a ngir é colocada acima de tudo e de todos.
relações entre homens a sério, cimentadas pela confiança, pela lealdade e pela franqueza, já para não mencio-
– Capítulo V do livro “Meditações dos Cumes”
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Número 5, 2ª Série
O Grupo de Ur JULIUS EVOLA
Antes da edição italiana de Imperialismo Pagão, formou-se (no início de 1927) o Grupo de Ur (Ur procede da raiz arcaica de fogo, mas tem também conotações com primordial e original em vista do sen do que o prefixo tem em alemão), o que remete ao domínio do esoterismo. Já Reghini, director da revista Atanor e, mais tarde, de Ignis (publicações que veram uma existência breve) propôs-se estudar as disciplinas esotéricas e iniciá cas
da por questões de forma literária, acabei por colaborar frequentemente em algumas dessas monografias. Na introdução punha-se uma vez mais como ponto de par da o problema existencial do Eu, a crise do descrédito dos valores correntes e do sen do da existência no plano intelectual, prá co e humano. A premissa posterior era que não se devia recorrer a seda vos ou destruir com base em factos irreversíveis e incontestáveis, mas que
com seriedade e rigor, baseado em fontes autên cas e
se devia decididamente “dissipar a névoa e
com espírito crí co. O Grupo de Ur assumiu a mesma
abrir uma via”, voltando-se para “o conhecimento do si,
exigência, embora pondo o acento no lado prá co e
e em si, do Ser”. Esse conhecimento foi apresentado
experimental. Publicou sob a minha direcção fascículos
como um conhecimento transcendente que supunha
mensais de monografias que mais tarde se reuniram em
uma “mudança de estado” e como uma realização abso-
volumes e se coordenaram de modo a permi rem em
lutamente posi va. O opus transforma%onis, “a muta-
grande medida o desenvolvimento sistemá co e pro-
ção da natureza mais profunda é o que conta no conhe-
gressivo da matéria. Adoptou-se o princípio do anoni-
cimento superior”. Para tal, sustentava-se que havia
mato dos colaboradores, que assinavam com pseudóni-
uma ciência, “uma ciência precisa, rigorosa e metódica
mo, já que – como se diz na introdução – “as pessoas
transmi da por cadeias ininterruptas, mesmo que só
não contam; o que possam dizer de válido não são cria-
raramente se manifestassem ao profano; uma ciência
ções suas ou fruto de cogitações, pois reflectem um
que nada tem a ver com coisas e fenómenos exteriores,
ensino supra-individual e objec vo”. Na reimpressão
mas que repousa nas forças mais profundas da interiori-
em três volumes das monografias, realizada em 1955
dade humana, processo experimental, com os mesmos
pelo editor Bocca sob o .tulo Introdução à Magia, não
critérios de objec vidade e impessoalidade das ciências
figurava sequer o meu nome. Havia entre os colabora-
exactas”. Que a essa ciência “se liga uma tradição única
dores personalidades conhecidas que aceitaram a regra
que se encontra em todos os povos em diversas formas
do anonimato e outras que nunca nham escrito antes
de expressão, a sabedoria das an gas elites régias e
e dos quais anotei vários ensinamentos, dando-lhes
sacerdotais, um conhecimento adornado de símbolos
uma forma adequada sob reserva da aprovação defini -
sagrados, mitos e ritos cujas origens se perdem nos
va do texto por elas mesmas. Devo declarar ainda que
tempos primordiais dos Mistérios e das iniciações”.
alguns nomes eram simbólicos e que encarnavam, por
Como já assinalei antes, as monografias foram reco-
assim dizer, certas orientações, que se procurou expor
lhidas em volumes e editadas pela primeira vez ao cabo
com expressões .picas. Por uma questão de exigência
de dezassete anos com o .tulo genérico de Introdução à
de unidade e para lhes dar um carácter exaus vo, e ain-
Magia (acrescentou-se: “como ciência do Eu”). A este
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propósito, vemos o cuidado de adver r no texto e na
ram como complemento adequado. No conjunto, pode
introdução que o termo “magia” se devia tomar no sen-
dizer-se que a Introdução à Magia é uma obra única no
do metafórico, não no sen do vulgar nem no que a
género, quanto mais não seja porque trata os proble-
expressão nha na an guidade, uma vez que não se
mas de uma maneira que nada a tem a ver com as for-
trata de prá cas, reais ou supers ciosas, dedicadas à
mas delirantes e incultas próprias dos conven.culos e
produção de fenómenos extra-normais. Ao falar de ma-
seitas. Creio que foi e con nuará a ser um documento e
gia quis-se realçar sobretudo que a atenção do grupo se
uma fonte importante para os que se interessam por
centrava na formulação especial do saber iniciá co, que
essas disciplinas.
obedece a uma a tude ac va, soberana e dominadora
Infelizmente, porém, houve uma cisão no seio do
rela vamente ao espiritual (falarei mais adiante das
grupo no final do segundo ano por razões obscuras na
implicações históricas dessa orientação).
sequência da tenta va insidiosa de rar das minhas
À par da, as monografias do Grupo de Ur visavam propiciar apontamentos, sugestões e orientações sobre a ciência em questão,
sobretudo
“expor
métodos, disciplinas e técnicas” relacionadas com o
aprofundamento
da
simbologia; em segundo
mãos a publicação das monografias e de a entregar ao controle
“
Ao falar de magia quis-se realçar sobretudo que a atenção do grupo se centrava na formulação especial do saber iniciático, que obedece a uma atitude activa, soberana e dominadora relativamente ao espiritual.
lugar, “as relações de ex-
de
elementos
que man nham viva a maçonaria, apesar de estar interdita durante o período fascista (isto declarou-se
oficialmente
quando já não havia riscos polí cos). Fracassada essa tenta va, procurou impe-
periências efec vamente vividas”; em terceiro lugar, o
dir-se que eu publicasse os fascículos, mas em vão. O
grupo devia velar pela “publicação ou tradução de tex-
único efeito deplorável foi a deserção de um dos melho-
tos, ou excertos de textos, raros ou pouco conhecidos
res e mais assíduos colaboradores em razão de suscep -
das tradições do Oriente e do Ocidente, oportunamente
bilidades pessoais e de ligações obscuras que faziam
esclarecidos e anotados” (por exemplo, publicou-se a
dele um indivíduo suspeito.
primeira tradução italiana – feita a par r do texto grego
É impossível entrar em pormenores sobre o extre-
– do Ritual Mitraísta do Grande Papiro Mágico de Paris,
mamente rico e variado conteúdo desses três volumes,
vários capítulos dos Tantras, textos hermé cos como a
e, de resto, não seria este o lugar para o fazer, uma vez
Turba Philosophorum, alguns cantos de Milarepa, os
que não se trata apenas da minha ac vidade. Limitar-
Versos de Ouro de Pitágoras, passagens do Milinda-
me-ei a assinalar uma análise profunda que do ponto de
pahnâ budista, extractos de Meyrink, Kremmertz,
vista iniciá co destrói as vistas psicanalí cas com que
Crowley, etc.); em quarto lugar, “enquadramentos dou-
Jung pretendeu “valorar cien ficamente” as an gas
trinários sinté cos” e pontos de vista crí cos. Apresen-
tradições espirituais e interpretar os símbolos através
támos as múl plas orientações de diversas escolas, de
do famoso e confuso “inconsciente colec vo”, dos
maneira que o leitor pudesse escolher de acordo as suas
“arqué pos” e do “processo de individuação”; a exposi-
próprias predisposições ou inclinações par culares.
ção da teoria do conhecimento como a própria experi-
As monografias apareceram, pois, durante três anos,
ência do saber iniciá co; a primeira parte de um inqué-
entre 1927 e 1929. Na reedição assinalada, primeiro no
rito bem documentado sobre o conteúdo iniciá co da
editor Bocca, depois em Édi ons Méditerranée, em três
an ga tradição romana; uma tomada de posição a pro-
volumes de 400 páginas cada um, descartaram-se as
pósito das teses de Guénon sobre a “regularidade iniciá-
matérias a rever ou aumentadas e as monografias cujos
ca” e as relações entre contemplação e acção; preci-
conteúdos iriam ser compilados e desenvolvidos em
sões sobre os limites do mis cismo cristão e assim su-
livros. Entretanto, acrescentaram-se outras que servi-
cessivamente. Isto, quanto à parte doutrinária propria-
10
Número 5, 2ª Série
mente dita, pois a maioria dos escri-
“indivíduo absoluto” é ainda mais
tos concerne a técnicas e orienta-
absurdo que lhes dar de presente a
ções prá cas e os correspondentes
alma
esclarecimentos da simbologia, em
“espiritualistas”. Em contrapar da,
especial da simbologia hermé ca.
a vista iniciá ca concorda perfeita-
naturaliter
imortal
dos
Deu-se destaque à doutrina ini-
mente com a teoria das duas vias
ciá ca da “imortalidade condiciona-
opostas indicadas e estabelecidas
da”, já tratada por mim num dos
na minha Teoria: a condição da
Ensaios sobre o Idealismo Mágico. A
“alma mortal” é própria à “via do
teoria da existência em todos de
outro” ou do “objecto”. O progresso
uma alma naturaliter de direito
relacionado com a exposição filosó-
“imortal” foi denunciada como uma
fica abstracta refere-se a tradições
ilusão própria do exoterismo (do
concretas e a necessidades opera -
“saber exterior”), ilusão que a sabe-
Arturo Reghini, causador da cisão no Grupo de Ur
doria superior ignora e despreza.
vas: o mundo da “alma não imortal” é o que na Índia se chama samsâra
Essa sabedoria caracteriza-se, pelo contrário, pela dis-
e no Extremo-Oriente corrente de transformações,
nção entre a simples sobrevivência e a verdadeira
mundo onde há apenas a passagem de um estado con-
imortalidade e pela rejeição da alterna va de cas go ou
dicionado e con ngente a outro estado semelhante e
recompensa no mais além, como sustentam os critérios
sem con nuidade. É também a “via dos pais” do hindu-
moralistas da “alma imortal”; finalmente, punha uma
ísmo, oposta à “via dos deuses”. Na outra via, mais além
alterna va entre a sobrevivência divina e a ex nção
do panorama especula vo da Fenomenologia, o ele-
total, ou a sobrevivência em formas larvares e temporá-
mento novo era o realismo absoluto que fazia a função
rias, a primeira supondo a iniciação ou um processo
de premissa. Há que reconhecer cruamente o que no
des nado a cortar de alguma forma a condição que o
materialismo e no posi vismo é o “Eu” que cada qual se
corpo e a experiência sensível representam no sen do
atribui e que não vai mais além do “Si” (e aqui temos,
da unidade do Eu, unidade geralmente rela va e cadu-
entre outros, o verdadeiro sen do da doutrina budista
ca. A este respeito, a oposição entre o exoterismo e as
que nega a existência do “Eu”). Como ponto fixado de
doutrinas interiores tradicionais (esoterismo) ganhou
uma vez por todas, declarou-se que o problema iniciá -
uma
conceito
co (opus transforma%onis), a par do seu carácter exclu-
“espiritualista” que predomina em termos de irrealismo
sivamente ontológico, faz abstracção do moralismo, da
fideísta, op mista e democrá co no cris anismo, por
exigência de sen mentos e de “valores culturais” e, na
exemplo, ao passo que a visão oposta (a imortalidade
mesma medida, da ciência posi va e da técnica. Esta
condicionada) remete à concepção pagã da imortalida-
orientação assustou os teósofos e os neo-espiritualistas,
de olímpica, excepcional e privilegiada. Esta observação
que não tardaram a acusar-nos de imoralidade e de
dispensa-me de voltar ao estudo do problema posto nos
“magia negra”.
importância
par cular
face
ao
meus livros posteriores, como A Tradição Hermé%ca, e
Na Introdução do segundo volume, abordaram-se os
na nova apresentação do Tao-te-king de Lao-Tsé (a dou-
problemas da “Tradição” e das suas formas. Falarei dis-
trina da imortalidade condicionada que se deve
so, mas de forma não relacionada com a minha contri-
“construir” a todo o custo conheceu uma exposição
buição pessoal e com a revisão dos temas de Bachofen,
clássica no taoísmo esotérico).
Wirth e Guénon. Sobre o Grupo de Ur, falta dizer que
Poderá perguntar-se onde acaba o “indivíduo abso-
houve a tenta va de se criar uma “cadeia” com prá cas
luto”, visto que se fala aí de um Eu mortal condicionado
colec vas. Os critérios seguidos e as instruções corres-
pelo corpo. A contradição é apenas aparente. Evidente-
pondentes foram expostos em duas monografias da
mente, presentear todos e cada um com o Eu do
Introdução. Entre os membros desse grupo opera vo,
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11
“
A teoria da existência em todos de uma alma naturaliter de direito “imortal” foi denunciada como uma ilusão própria do exoterismo, ilusão que a sabedoria superior ignora e despreza. Essa sabedoria caracteriza-se, pelo contrário, pela distinção entre a simples sobrevivência e a verdadeira imortalidade e pela rejeição da alternativa de castigo ou recompensa no mais além, como sustentam os critérios moralistas da “alma imortal”.
pelo menos dois elementos eram do-
am, não que lançássemos o Himalaia
tados de poderes reais. Quanto às fi-
no Pacífico, mas fenómenos insignifi-
nalidades, a mais imediata era desper-
cantes, como fazer que um abre-cartas
tar uma força superior que servisse de
se levantasse alguns cen.metros sobre
ajuda ao trabalho individual de cada
a mesa. Ripostámos dizendo que tal
um, força que se podia usar eventual-
poder, do ponto de vista =sico, é supe-
mente. E também uma meta mais am-
rior ao que é necessário para deslocar
biciosa: a ideia de que sobre o corpo
moléculas ou fibras de um cérebro e
=sico se poderia implantar por invoca-
causar uma hemorragia cerebral e,
ção uma verdadeira influência superi-
portanto, a morte da pessoa, e que se
or. Neste caso, não se excluía a possi-
esse poder fosse objec vo, um cére-
bilidade de exercer uma acção sobre
bro especial se encontraria nas mes-
as forças predominantes no meio geral
mas condições de impotência que
da época. Quanto à direcção dessa
qualquer outro, como, por exemplo, o
acção, os principais pontos de referência eram sensivelmente o Imperialismo
de um “chefe do governo”. ConcluíCapa de um dos número de Ur
Pagão e os ideais romanos de Arturo Reghini.
mos que se podiam prever consequên-
cias para a nação e para a sua história, na condição de
Não se chegou a nada disso (devo dizer honestamen-
que esse poder insignificante reclamado como prova
te que certos fenómenos relacionados com grupos cita-
fosse verdadeiramente livre e absoluto, e não do géne-
dos na Introdução se devem pôr a bene=cio de inventá-
ro dos poderes inconscientes, subpessoais, não intenci-
rio). O grupo opera vo dissolveu-se também ao fim do
onais e esporádicos dos médiuns e outros.
segundo ano no seguimento da cisão que nha do lu-
Então, alguém falou tendenciosamente desse argu-
gar. Uma vez que não se realizaram as premissas, pen-
mento a Mussolini, acrescentando que nha ouvido
sou-se em exercer uma influência insensível sobre o
perfeitamente “chefe do governo”; e como alguém de-
mundo exterior, embora houvesse da minha parte bas-
ve ter referido também a inexistente cadeia de Ur, o
tantes reservas sobre as formas de operação colec va.
Duce não pensou mais em agir magicamente sobre ele.
Entretanto, será interessante referir que Mussolini esta-
Apercebendo-se do que realmente se tratava, impediu
va convencido de que se podia agir magicamente sobre
toda e qualquer intervenção. Mussolini não era facil-
esse mundo, embora noutro contexto.
mente suges onável, mas era bastante supers cioso
Tudo isso chegou um pouco tarde, cerca de 1930 ou
(contrapar da de uma mentalidade que no fundo esta-
1931, se recordo bem. Alguns jornais para os quais eu
va fechava à verdadeira espiritualidade). Por exemplo,
escrevia receberam ordens para suspenderem a minha
receava tanto os “lançadores de sorte” que proibiu falar
colaboração, mas foi-me possível descobrir a origem
deles na sua presença.
dessa medida. Numa das nossas polémicas da Introdução tomávamos posição contra os que, apesar de admi-
– Capítulo V do livro “O Caminho do Cinábrio”
rem a realidade dos poderes sobrenaturais, nos pedi-
12
Número 5, 2ª Série
Vivemos numa sociedade “ginecocrática”? JULIUS EVOLA
Muito se tem escrito ul ma-
logia muitas vezes surpreenden-
mente em Itália a propósito de J.J.
tes. É por este mo vo que cremos
Bachofen, um pensador de Basi-
não ser desprovido de interesse
leia, contemporâneo de Nietzsche,
desenvolver, aqui, algumas breves
cujo trabalho genial passou quase
considerações.
completamente despercebido du-
Em primeiro lugar, gostaríamos
rante a sua vida, mas que é hoje
de mencionar a natureza e os vá-
muito estudado, especialmente na
rios aspectos da civilização a que
Alemanha. Bachofen dedicou-se
Bachofen chamou das Mães ou
sobretudo à exploração das an -
ginecocrá ca (de gyné e krateia,
gas civilizações do mundo clássico
ou seja: soberania da mulher) e
e mediterrânico, especialmente no
que, para nós, como dissemos, se
que diz respeito aos seus aspectos é co-religiosos, simbólicos e mito-
iden fica com a civilização an ariJohann Jakob Bachofen (1815-1887)
lógicos, e a sua tese principal nesta área era a de uma
ana e pré-ariana do Mediterrâneo
arcaico.
oposição originária entre uma espiritualidade herói-
A primeira caracterís ca dis n va de tal civiliza-
ca, “solar”, olímpica e viril, e uma espiritualidade ctó-
ção é o telurismo (de tellus, que, tal como ctonos, de
nica, lunar e feminina. Foi nestes termos que ele in-
onde deriva o adjec vo ctónico, quer dizer terra).
terpretou as concepções religiosas, os sistemas soci-
Esta civilização considera a lei da terra como a lei su-
ais, os mitos, os símbolos, as formas jurídico-sociais
prema. A terra é a Mãe. Sob o aspecto de Mulher
das civilizações an gas, constatando repe damente o
Divina, de Grande Mãe da vida, ela encarna aquilo
contraste ou a interferência de influências relaciona-
que é eterno e imutável. Permanece igual a si própria
das com uma ou outra daquelas formas de espirituali-
e inexaurível, enquanto tudo o que ela produz tem
dade, que podem hoje ser facilmente ligadas a dis n-
um nascimento e um declínio, tem uma vida finita e
tas componentes raciais do mundo mediterrânico
efémera puramente individual. Des tuída assim de
arcaico: a civilização “solar”, ou “urânica” obviamen-
qualquer po de virilidade espiritual e sobrenatural,
te ligada às es rpes arianas, e a civilização ctónica e
tudo o que é força e virilidade assume uma natureza
feminina ligada, pelo contrário, às es rpes pré-
obscura, selvagem e, na realidade, “ctónica” e
arianas ou an arianas.
“telúrica”. E se a expressão “telúrico”, habitualmente,
As opiniões de Bachofen, além do mais, não têm
faz pensar em fenómenos sísmicos, esta associação
apenas um valor retrospec vo: elas oferecem impor-
de ideias, em certa medida, é correcta; na visão do
tantes pontos de referência para compreender o sen-
mundo em questão a virilidade tem como protó pos
do mais profundo de alguns aspectos da nossa pró-
figuras divinas, como Poseidon, também chamado o
pria civilização moderna, através de relações de ana-
“estremecedor”, o deus das águas subterrâneas ctó-
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“
Sempre que o princípio supremo do mundo é concebido como uma Grande Mãe, Magna Mater, a mulher terrena, que aparece assim como a sua mais próxima encarnação, assume naturalmente uma dignidade religiosa e a mais alta autoridade. centro da família. Sob o seu aspecto de amante, de Afrodite, ela é novamente soberana: soberana do homem escravo dos sen dos e do sexo, do ser “telúrico” que apenas na mulher encontra o seu descanso e o seu êxtase. Daí os vários pos de mulheres reais asiá cas com caracterís cas afrodí cas, frequentes sobretudo nas an gas civilizações de es rpe semí ca, as amantes-rainhas das mãos de quem os homens recebem o poder e que se tornam o centro de um extremo refinamento da vida, sinal de uma civilização baseada essencialmente no lado =sico e sensual da existência. Mas onde quer que a mulher tenha caracterís cas mais “demetéricas” do que “afrodí cas” (a Deméter mí ca tem acima de tudo Representação de Dionísio
uma natureza maternal casta), ela também aparece como uma iniciadora no mundo an go, como aquela
nicas e turbulentas, analogicamente ligadas pelos
que mantém e par cipa dos mais altos mistérios. Nu-
an gos às forças da passionalidade e do ins nto. De
ma civilização, na qual a virilidade apenas significa
forma mais geral, a era ou civilização da Mãe é
materialidade, a mulher, seja devido ao enigma da
“telúrica”, com referência a um sen do de des no,
geração, seja pelas suas qualidades mais sub s de
de necessidade, de efemeridade fatal, de vida mistu-
devoção e de encanto, assume um carácter religioso
rada com morte, fonte de impulsos selvagens e irre-
e, no limite, torna-se o ponto de referência de cultos
primíveis.
e iniciações que prometem um contacto com as Mães
Para Bachofen, o matriarcado, a “ginecocracia” quer seja demetérica ou afrodí ca (quando a Mãe
da Vida, com a espiritualidade cósmica, com o mistério do ventre gerador da Terra.
divina, ao contrário da an ga Deméter, tem simulta-
Duas outras caracterís cas do po de civilização
neamente carácter sensual), são consequências soci-
em causa são consequência disto, nomeadamente o
ais desta perspec va central. Sempre que o princípio
elemento “dionisíaco” e o elemento “lunar”. O misté-
supremo do mundo é concebido como uma Grande
rio destes elementos, que pode ser mediado por uma
Mãe, Magna Mater, a mulher terrena, que aparece
mulher, não pode ser o mistério da espiritualidade
assim como a sua mais próxima encarnação, assume
olímpica, apolínea, solar – quer dizer: não pode ser o
naturalmente uma dignidade religiosa e a mais alta
mesmo mistério que está ligado a uma superação viril
autoridade. É ela que aparece essencialmente como a
e heróica da existência mortal, guiada pelo ideal de
criadora da vida, e, em comparação com ela, o ho-
uma existência que, segundo o símbolo oferecido
mem é apenas um instrumento. Sob o seu aspecto de
pelas naturezas solares e estelares do céu, é livre de
mãe, ela encarna a lei, ela é a verdadeira base e o
qualquer po de promiscuidade com a matéria e com
14
Número 5, 2ª Série
“
O que também é específico da civilização que estamos a analisar é a ideia do primado da Noite sobre o Dia, da Escuridão sobre a Luz. A Escuridão e a Noite são o elemento sagrado materno, primordial e essencial: no mito, o Dia é gerado pela Noite, na qual se dissolve de novo.
o devir, sendo luz em si mesma subsistente e radian-
vismo, numa abstracção ou na compreensão de leis
te.
abstractas, em vez de um conhecimento “solar” funEste era pelo contrário o ideal urânico (de uranos,
damental. Ora, uma caracterís ca das an gas civiliza-
céu) próprio do outro po de espiritualidade. O mis-
ções da Mãe era conferir à Lua a preeminência face
tério das Mães conduz por seu lado a algo de seme-
ao Sol – nelas, a Lua por vezes passava até a ser do
lhante a uma dissolução panteísta. Trata-se de uma
género masculino, é o deus Lunus, quer para designar
libertação informe, alcançada, para não dizer mesmo
esta preeminência quer para caracterizar o suposto
arrancada, em experiências desordenadas, nas quais
lado nega vo da virilidade. Mas o que também é es-
os elementos sensual e supra-sensual se misturam
pecífico da civilização que estamos a analisar é a ideia
curiosamente e o lado “telúrico” reafirma-se no sen-
do primado da Noite sobre o Dia, da Escuridão sobre
do predominante da “orgia sagrada”, na exaltação
a Luz. A Escuridão e a Noite são o elemento sagrado
mís ca combinada com todo o po de excessos e de
materno, primordial e essencial: no mito, o Dia é ge-
manifestações selvagens. Tal era, em geral, o
rado pela Noite, na qual se dissolve de novo.
“dionisismo”.
Outros dois aspectos devem ainda ser considera-
Por este mo vo, no mito an go, Dionísio é sem-
dos: a promiscuidade social, ou igualitarismo, e o
pre significa vamente acompanhado pelas Mães da
“amazonismo”. Bachofen tem, entre outros, o mérito
Natureza, que assumem predominantemente carac-
de ter trazido à luz as origens “telúricas” e matriarcais
terís cas “afrodí cas”: e também historicamente o
do chamado direito natural. A premissa original de tal
seu culto esteve ligado de forma estreita ao sexo fe-
direito é precisamente a ideia de que todos os ho-
minino e teve nas mulheres os seus prosélitos mais
mens, enquanto filhos da mesma Mãe e como seres
alegres e entusiastas. Relacionado com isto foi já mencionada a
Bacanal, gravura de Andrea Mantegna (c. 1475)
“lunaridade”. Costumava ser dado à lua o nome de “terra celeste”. Ela era assim entendida como uma sublimação do elemento terrestre ou ctónico. Ela é luz, mas não uma luz radiante, mas sim reflec da. É luz sem um centro próprio; o seu centro, ao contrário do sol, encontra-se fora dela, sendo assim uma luz passiva “feminina” – está in mamente ligada à espiritualidade informe dos êxtases e das libertações que se encontram sob o signo da mulher, enquanto, por outro lado, se pode pensar num contempla-
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15
“
A premissa original do direito natural é a ideia de que todos os homens, enquanto filhos da mesma Mãe e como seres sujeitos também à mesma lei da terra, são iguais, de modo que qualquer desigualdade é uma “injustiça”, uma afronta à lei da natureza.
sujeitos também à mesma lei da terra, são iguais, de
Tais são as caracterís cas fundamentais da
modo que qualquer desigualdade é uma “injus ça”,
“civilização da Mãe”, própria, como se disse, do subs-
uma afronta à lei da natureza. É portanto compreen-
trato pré-ariano do an go Mediterrâneo. Ele foi der-
sível a ligação, mostrada pela an guidade, do ele-
rotado pela Grécia apolínea, dórica e olímpica; de-
mento plebeu a cultos maternais e ctónicos e o facto
pois, e de forma ainda mais completa, pela Roma
destas an gas fes vidades orgiás cas e dionisíacas,
“solar”, ciosa guardiã do princípio do direito paterno
que, em conjunto com as mais extremas formas de
e do ideal da virilidade espiritual. No entanto, uma
licenciosidade e promiscuidade sexual, se des navam
vez que as coisas são um processo de constante reno-
a celebrar o retorno dos homens ao estado de natu-
vação, as variedades desta cultura “telúrica” manifes-
reza através do esquecimento momentâneo de toda
tam-se novamente onde quer que um ciclo se encer-
a diferença social e de toda a hierarquia, estarem
re, onde quer que a tensão heróica e a vontade cons-
centradas precisamente em divindades femininas do
tru va desapareçam e formas de vida e de espirituali-
ciclo “telúrico”, derivadas mais ou menos directa-
dade decadentes e degradadas comecem a reapare-
mente do po da Grande Mãe da vida. Quanto ao
cer.
“amazonismo”, Bachofen considerava-o uma variante
Ora, é um facto impressionante a correspondência
da “ginecocracia”. Onde quer que a mulher não con-
de muitos aspectos da civilização contemporânea
siga afirmar-se através do seu elemento religioso ma-
com a civilização da Mãe. Nas suas manifestações
terno (“demetérico”), ela tenta afirmar-se face ao
externas, esta correspondência foi já assinalada. “Nas
homem através de uma falsificação das qualidades
ruas de Berlim, Paris ou Londres – escreve por exem-
viris da força e da comba vidade.
plo A. Bäumler, conhecido estudioso nacionalsocialista – basta observar por um momento um homem ou uma mulher moderna para perceber que perante o culto de Afrodite, Zeus e Apolo veram de bater em re rada… A época actual apresenta, de facto, todas as caracterís cas de uma época ginecocrá ca. Numa civilização tardia e decadente erguem-se novos templos de Ísis e Astarte, deusas mãe asiá cas, comemoradas em orgias e licenciosidade, no sen mento de um desesperado afundamento no prazer sensual. A mulher fascinante é o
Um grupo de amazonas executa soldados gregos (gravura)
16
ídolo dos nossos tempos e com
Número 5, 2ª Série
“
Com o advento da democracia, com a proclamação dos “imortais princípios” e dos “direitos do homem e do cidadão” e o subsequente desenvolvimento destas “conquistas” europeias até ao marxismo e ao comunismo, o Ocidente desenterrou precisamente o “direito natural”, a lei niveladora e antiaristocrática da Mãe, renunciando a qualquer valor “solar”, viril e ariano. lábios pintados ela caminha pelas cidades europeias
apolíneo da clareza, da forma e do limite. E quem
tal como outrora o fez pela Babilónia. E quase como
poderá contestar o carácter “lunar” do mais difundi-
se quisesse confirmar a profunda intuição de
do po de cultura moderna? Falamos da cultura ba-
Bachofen, a moderna dominadora do homem ligeira-
seada num pálido e vazio intelectualismo, cultura
mente ves da leva um cão pela coleira, an go símbo-
estéril separada da vida, apenas capaz de crí ca, de
lo da promiscuidade sexual ilimitada e das forças in-
especulação abstracta e de uma vã “cria vidade” es-
fernais.” Mas estas analogias podem ser muito mais
te zante: cultura que levou o refinamento da vida
desenvolvidas.
material ao extremo e na qual a mulher e a sensuali-
Os tempos modernos são “telúricos”, não só nos seus aspectos mecanicistas e materialistas, mas tam-
dade frequentemente se tornam temas predominantes até um grau quase patológico e obsessivo.
bém, e essencialmente, nos seus vários aspectos
E quando a mulher não se torna o novo ídolo das
“ac vistas”, nas suas várias religiões da Vida, do Irra-
massas sob as formas modernas da “estrela” de cine-
cional e do Devir, an.teses precisas de toda a con-
ma e de similares aparições fascinantes de cariz afro-
cepção clássica ou “olímpica” do mundo. Segundo
dí co, ela frequentemente afirma o seu primado sob
Keyserling, muitas das correntes da chamada
novas formas “amazónicas”. Assim, vemos a nova
“revolução mundial” revelam uma natureza “telúrica”
mulher masculinizada, despor va e garçonne, a mu-
– o mesmo é dizer irracional, ligada sobretudo a for-
lher que se dedica ao louco desenvolvimento do pró-
mas de coragem, de sacri=cio, de fervor e de dedica-
prio corpo, que trai a sua verdadeira missão, que se
ção sem referência transcendente. E, em muitos ca-
emancipa e se torna independente ao ponto de ser
sos, ele tem razão.
capaz de escolher os homens que gostaria de ter e
Com o advento da democracia, com a proclama-
usar. E isto não é tudo.
ção dos “imortais princípios” e dos “direitos do ho-
Na civilização anglo-saxónica, e par cularmente
mem e do cidadão” e o subsequente desenvolvimen-
na América, o homem que esgota a sua vida e o seu
to destas “conquistas” europeias até ao marxismo e
tempo nos negócios e na procura da riqueza – de
ao comunismo, o Ocidente desenterrou precisamen-
uma riqueza que, em grande medida, apenas serve
te o “direito natural”, a lei niveladora e an aristocrá-
para pagar a luxúria, os caprichos, os vícios e os re-
ca da Mãe, renunciando a qualquer valor “solar”,
quintes femininos – concedeu voluntariamente à mu-
viril, ariano e confirmando, com a omnipotência tan-
lher o privilégio e até o monopólio de lidar com as
tas vezes concedida ao elemento colec vo, a an ga
coisas “espirituais”. E é precisamente nesta civiliza-
irrelevância do indivíduo própria da concepção
ção que assis mos à proliferação de seitas “espiritua-
“telúrica”.
listas”, espiri stas e mís cas, nas quais a predomi-
Dionísio reaparece com o roman smo moderno:
nância do elemento feminino é só por si já muito
temos aqui o mesmo amor do informe, do confuso,
significa va (a principal delas, a seita teosófica, foi
do ilimitado, a mesma promiscuidade entre sensação
pura e simplesmente criada e controlada por mulhe-
e espírito, o mesmo antagonismo face ao ideal viril e
res: Blavatsky, Besant e, finalmente, Bailey). Mas é
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17
por uma razão muito mais importan-
(“Inquérito sobre a Raça”): “A linha
te que o novo espiritualismo nos pa-
mais avançada da humanidade em
rece uma espécie de reincarnação
direcção à perfeição espiritual é cons-
dos an gos mistérios femininos: é o
tuída pela mulher. A mulher é ver-
escapismo informe em confusas ex-
dadeiramente o intérprete do reino
periências supra-sensuais, é a promis-
dos espíritos puros. Ela é mais pura e
cuidade do mediunismo com a espiri-
mais perfeita que o homem. E o ho-
tualidade, é a inconsciente evocação
mem sente uma atracção irresis.vel
de influências verdadeiramente “in-
por ela, a mesma atracção – mas
fernais” e a enfâse colocada em dou-
consciente – que um ser menos puro
trinas, tais como a reincarnação, que
sente por um mais puro”. Nas páginas
confirmam, em tais correntes pseudo
152-153 de outro livro, I Valori della
espiritualistas, a correspondência já
S%rpe Italiana (“Os Valores da Es rpe Italiana”), a dose de “ginecocracia” é
indicada e que provam que nestes desejos mal orientados de superação
Helena Blavatsky, fundadora da seita teosófica
redobrada: “É à volta da Mulher, en-
do “materialismo” o mundo moderno não conseguiu
quanto Nossa Senhora, que todo o paraíso roda. Seio
encontrar algo que o ligasse às mais elevadas, olímpi-
de inumeráveis vidas, é da Mãe que nasce tudo quan-
cas e “solares” tradições da espiritualidade ariana.
to vive no mundo. Da Noite nasce a vida, Mãe Terra
E a psicanálise, com a preeminência que concede
da qual tudo se difunde. Ela é o sacramento vivente,
ao inconsciente sobre o consciente, ao lado
tal como o Pão implicitamente contém o Deus viven-
“nocturno”, subterrâneo, atávico, ins n vo e sen-
te. A mulher é assim a guardiã e o símbolo da es rpe:
sual, do ser humano sobre tudo aquilo que é vida
os seus efeitos podem ser vistos em todas as criatu-
desperta, vontade e verdadeira personalidade, não
ras, mas é nela que a sua substância fundamental é
confirma de novo exactamente a an ga doutrina do
adorada”.
primado da Noite sobre o Dia, das trevas das Mães
O facto de entre nós, no seio do movimento de
sobre formas, supostamente efémeras e irrelevantes,
reconstrução romana e ariana, ideias deste po po-
que se elevam dela para a luz?
derem ser proclamadas, mesmo que apenas enquan-
Deve-se reconhecer que estas analogias, longe de
to expressões esporádicas, demonstra até que ponto
serem extravagantes ou arbitrárias, têm uma base
a confusão de valores pode por vezes ser levada. As
ampla e firme e, por isso, preocupante: porque uma
an.teses definidas por Bachofen são de importância
nova “era da Mãe” pode apenas ser sinal do fim de
fundamental para uma orientação correcta. Já vimos
um ciclo. Este não é, obviamente, o mundo ao qual
que as formas con das na an ga civilização da Mãe
nós pertencemos e que está em harmonia com as
podem permi r-nos iden ficar com exac dão tudo
forças da nossa Revolução restauradora. No entanto,
aquilo que é crepuscular no mundo moderno. Os va-
podemos encontrar infiltrações e desvios até mesmo
lores e os ideais da oposta civilização solar, “olímpi-
onde seriam menos esperados. Na Alemanha, pode-
ca” e viril podem por seu turno fornecer-nos, com
mos mencionar Klages e Bergmann, pensadores que,
igual precisão, as direc vas para uma autên ca re-
embora arianos, con nuam a proclamar de uma for-
construção europeia, numa base auten camente ari-
ma marcadamente extrema concepções ginecocrá -
ana, romana e fascista, questão à qual talvez tenha-
cas e “telúricas” da vida. Entre nós, vamos apenas
mos ocasião de voltar.
indicar dois casos. Eis o que se pode ler na página 185 de um recentemente publicado Inchiesta sulla Razza
18
– Publicado em Augustea, XVI, n. 20, 01/01/1941
Número 5, 2ª Série
O Herói e o Império VALDEMAR ABRANTES*
Tradição Imperial guerreira é a forma assumida pela essência do espírito kshatrya. O Imperium é sua forma macrocósmica e o Herói é sua forma microcósmica. A visão de mundo meta=sica, a aristocracia, o princípio sagrado da Honra e a exaltação da guerra como a tude do Espírito, são todos elementos próprios do germe imperial que nasce em uma elite. Germe este que se concreta no real ideal de Imperium quando ascende o enviado divino, aquele que será o centro de orientação de todo um povo e paradigma de valor, entrega e sacri=cio: o líder, o rei, o imperador. Este é reconhecido pela comunidade não através de seus meros dotes administra vos ou organizacio-
Krishna incita Arjuna à batalha
nais, ou seja, por nenhuma percepção de ordem racional; o rei ou líder só pode ser reconhecido como tal
transcendente vai incorporando o imanente, no sen do
através de estratos suprarracionais do ser, precisamen-
de que o superior, desde uma instância olímpica e solar,
te através da esfera transcendente do sangue espiritual.
vai moldando e iluminando a esfera con ngente do in-
Um Imperium surge, em seus primórdios, de uma
ferior, daquilo que é reflexo e aparência do meramente
emanação espiritual provinda de um plano transcen-
humano. A esfera do sagrado forma-se, assim, pela von-
dente regido por Deuses solares que, através de uma
tade daqueles que sabem, e não pela devoção daqueles
mís ca, leva alguns poucos homens a perceberem a
que tem fé. Quando os des nos se fixam a este ideal de
realidade de forma diferenciada. Este é o princípio das
vida superior surge então a marca do épico, do grandio-
duas naturezas, o mundo transcendente do ser atuando
so, do olímpico, e o sen do de uma existência pautada
sobre o mundo materializado do devir. Como imagem
pelas necessidades =sicas, pelos prazeres e recompen-
dessa lei sagrada vemos o governante divino Khrisna
sas, é subs tuído pela emergência do ideal heróico de
clamando ao herói Arjuna no Bhagavad-Gita: “Exceto tu,
vitórias e glórias. A ação supera então a contemplação e
não ficará um só dos soldados que cons tuem os dois
o Imperium se concreta como criação gloriosa do espíri-
exércitos (…) levanta-te e busca a glória, triunfa sobre
to e da tradição kshatrya. Este é o momento das con-
teus inimigos e adquire um grande império”.
quistas, da luta meta=sica contra as forças do caos e
Essa força mís ca transmuta-se em pura vontade
contra as raças que carregam a marca da Kali Yuga.
quando a nge os homens de espíritos superiores. For-
Essa visão de mundo aristocrá ca, tornada real e
ma-se assim uma elite, cuja visão de mundo própria,
viva pela vontade superior dos poucos homens, vai se
aristocrá ca, inspirada na pura transcendência ver cal,
espalhando paula namente pelos estratos humanos
em direção às alturas, vai organizando a realidade em
que formam uma comunidade. Toma então preeminên-
base dos significados superiores de todos os processos,
cia, em cada ser, aquele significado interior que mais se
de todos os entes e de todos os fenômenos; cria-se,
liga ao imutável, àquilo que um homem é por toda sua
enfim, um significado total de vida superior, onde o
existência: sua natureza própria. Surgem, assim, as cas-
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19
“
Desde o plano transcendente emerge, então, através das castas, como uma calma energia, o amor pela organização, pela disciplina e o repúdio à mescla e a tudo que seja indiferenciado como sinônimo de promiscuidade. Todos os homens são postos em seus devidos lugares dentro do organismo imperial, todos só fazem aquilo que já nasceram sabendo fazer, na forma de uma intuição luminosa, segundo as limitações de suas castas.
tas. Estas marcam o princípio da diferença como valor
de, da lealdade e do valor, que por sua vez formam a
social de ordenação das individualidades. Desde o plano
base da É ca heróica. A Honra é, portanto, o núcleo
transcendente emerge, então, através das castas, como
é co do homem da tradição. É o supravalor espiritual e
uma calma energia, o amor pela organização, pela disci-
an material por excelência. É uma verdadeira força on-
plina e o repúdio à mescla e a tudo que seja indiferenci-
tológica que dentro do Imperium é capaz de parar a
ado como sinônimo de promiscuidade. Todos os ho-
roda de decadência da Kali Yuga, uma vez que qualquer
mens são postos em seus devidos lugares dentro do
ato de honra tem a propriedade transcendente de que-
organismo imperial, todos só fazem aquilo que já nasce-
brar a racionalidade con da nessa idade de trevas.
ram sabendo fazer, na forma de uma intuição luminosa,
A lei transcendente do espírito determina o rebaixa-
segundo as limitações de suas castas. A sociedade impe-
mento do fluir temporal e de tudo que é expressão des-
rial estrutura-se então como um organismo duro seme-
te devir a um plano secundário que necessita ser cons-
lhante uma rocha, mas ao mesmo tempo leve como
tantemente superado pela expressão daquilo que é du-
uma pena, e é, assim, sustentado de forma vitoriosa
radouro, estável e imutável. Derivado disso surge o va-
pelo princípio da ação man do pela casta superior da
lor incorrup.vel da Ancestralidade, como significado
nobreza régia e guerreira, que atua semelhante a um
daquilo que é permanente e por isso é marcadamente
pai o qual é o responsável úl mo por sua família. O
presente em todas as gerações, desde as origens. A
mesmo organismo é ainda protegido e cuidado pelo
exaltação da ancestralidade é baseada num aspecto
conhecimento universal orientador con do na casta
par cular da tradição que é precisamente a tradição de
lunar dos líderes espirituais e sacerdotes, que atuam
sangue. Esta é baseada no reconhecimento direto por
semelhante a uma mãe que cuida de seus filhos. A ter-
parte de cada família, de cada es rpe ou de cada povo,
ceira casta, dos mercadores e profissionais, cuida, por
das glórias e conquistas construídas sobre o sangue dos
sua vez, do funcionamento das necessidades materiais
ancestrais. Uma doutrina de tal po invariavelmente é
básicas do organismo social; e, por fim, a quarta casta,
propagada em linguagem épica onde os antepassados
dos servos, subsiste como o pólo con ngente a ser
a ngem o nível do verdadeiramente divino. Como a
constantemente moldado, cuja virtude máxima dentro
ancestralidade possui uma essência específica de cada
do organismo social é a obediência. Como projeção co-
família, es rpe ou povo, ou seja, como cada um possui
le va humana provinda do plano transcendente o orga-
seus próprios ancestrais, ela atua, no organismo imperi-
nismo imperial necessita de mínimos meios coercivos
al, como um elemento oposto a qualquer sen do de
para seu funcionamento e sua duração.
universalismo ou de nivelamento.
O Imperium, como fruto da espiritualidade solar,
Na Roma Imperial era tradição familiar o culto aos
con da de forma mais pura na casta da nobreza guer-
ancestrais em datas determinadas ou em funerais de
reira, é ainda sacralizado e sua lei tornada pétrea atra-
algum membro, onde o rito mandava que fossem profe-
vés da ascensão da Honra como elemento de ligação
ridos discursos em honra dos mesmos. Também se
dos homens com os deuses, dos homens entre si e en-
guardavam máscaras feitas de gesso do rosto dos ante-
tre suas respec vas castas. A Honra é o cimento do Im-
passados que eram postas em evidência em determina-
perium. É através dela que surge a exaltação da fidelida-
das datas ou cerimônias públicas.
20
Número 5, 2ª Série
“
O Herói é um tipo de homem que além das três esferas constitutivas do ser – a esfera física corporal, a esfera psíquica e a esfera propriamente espiritual – é marcado pela presença de uma quarta esfera, a esfera da Magia.
Nota-se através da exaltação
tuíram-se como a força vital dos
da ancestralidade que o Imperium
respec vos impérios que repre-
possui um sen do histórico emi-
sentavam, e veram como unida-
nentemente contrário ao tempo
de formadora aquele homem que
linear, estando alinhado com o
em si possui a marca transcenden-
passado e hos l a tudo que seja
te do heroísmo.
promessa futura. O Imperium pa-
O Herói é, portanto, o micro-
rece possuir um tempo próprio, um
tempo
cosmo da tradição kshatrya.
compreensivo-
O Herói é um po de homem
simbólico, não extensivo-linear,
que além das três esferas cons -
que reflete não o fluir e o mero
tu vas do ser – a esfera =sica cor-
envelhecer dos entes e dos ho-
poral, a esfera psíquica, anímica,
mens, como sobreposição de fa-
sede dos desejos e dos medos,
tos históricos cuja valorização e
sustentada por aquilo que se en-
preeminência são determinadas por critérios culturais, mas sim um
tende por alma, e a esfera propriO Herói é um guerreiro nato
amente espiritual, construída pelo
sen do que é emanado diretamente do transcendente
Espírito, aquilo que o homem tem de mais semelhante à
sendo marcado pelo direcionamento à eternidade e
divindade – é marcado pela presença de uma quarta
sincronizado com os símbolos eternos reconhecidos por
esfera, a esfera da Magia.
todos. Por isso, estando o símbolo sagrado do progresso
Tal dimensão mágica no Herói fez com que ele fosse
e da felicidade futura destruídos, qualquer avanço tec-
admi do nas civilizações tradicionais como um interme-
nológico-material ou antropológico que venha se dar
diário entre os homens e os Deuses. É através desta
dentro do ambiente imperial, terá por função exata-
esfera que o Espírito pode romper os laços anímicos e
mente a estabilidade e a permanência das leis que re-
=sicos que o ligam àquilo que é simplesmente humano,
gem o império, ou seja, qualquer dita “evolução” neste
a ngindo as alturas olímpicas mais distantes, chegando
sen do vem desde o alto.
à mors triunphalis. Essa esfera mágica é uma estância
Todo valor e toda expressão do plano transcendente
essencialmente bélica, por isso o herói é um guerreiro
só se sustentam de forma luminosa e a va mediante
nato, que, independente da forma cultural que assuma,
uma natureza viril. Virilidade espiritual é uma marca,
governante, pensador ou criador, por exemplo, sempre
portanto, de toda elite e nobreza guerreira. Este po de
sua conduta ou suas criações resultarão em armas, se-
a tude viril é uma síntese entre a força =sica e a cora-
jam de defesa ou de ataque. Sejam obras literárias, se-
gem, como expressões diretas da vitalidade da es rpe,
jam criações de arte, provindas elas da magia heróica,
e a transcendência ver cal; síntese essa que forjou um
terão sempre uma forma transcendente que se equivale
po humano superior, digno de ser eternamente relem-
extraordinariamente a um escudo, para defesa do Impe-
brado. São exemplos desse po os patrícios e legioná-
rium, ou a uma lâmina ou arco, para ataque sobre os
rios romanos, hoplitas gregos e espartanos, a cavalaria
agentes da matéria e do caos. Esta propriedade divina
medieval, dentre outros.
do Herói só pode ser captada por uma máxima trans-
Todos esses exércitos verdadeiramente divinos cons-
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cendência ver cal, mais além de qualquer explicação
21
meta=sica ou teoria filosófica.
se o concreto com o abstrato, esquece-se a substância
Esta esfera mágica possui ainda, digamos, dois pólos.
por trás do real, o sagrado vai, então, recolhendo-se
O primeiro é o pólo que de onde se expressa a Honra
para um lugar em separado, um subterrâneo anímico,
Heróica. É através deste pólo que a tradição guerreira
passando a ser acessível somente através de estados
caracteriza-se por uma postura masculina e viril diante
psíquicos do ser, sejam eles de culto devocional, sen -
dos Deuses. E por falta ou pouco desenvolvimento dela
mentalistas ou mesmo de euforia tribal; em todos esses
é que a tradição lunar sacerdotal põe-se de forma femi-
estados o sen do espiritual vai decaindo ao longo do
nina e devocional frente ao plano do divino. O outro
tempo. Esta separação horizontal vai de encontro a es-
pólo mágico é cons tuído de pura Vontade, e é justa-
trutura ver cal e hierárquica do mundo da Tradição,
mente através deste pólo que a dimensão espiritual dos
originando, então, um certo sen do de nivelamento;
Deuses e Heróis mortos em combate faz-se poder, po-
assim, desde instâncias meramente psicológicas, luna-
tência e ato real, e o Sagrado torna-se vivo entre os ho-
res, sem o crivo do Espírito, da Vontade e da Honra,
mens.
este nivelamento transforma-se em força a va, e poste-
A Vontade mágica, inquebrável e invencível, é, en-
riormente resultará em igualitarismo, democracia e di-
tão, o eixo de conexão entre dois mundos: o mundo
reitos humanos. O mesmo processo é passível de ocor-
macrocósmico do transcendente, o qual forma o Imperi-
rer quando na terceira casta emerge o mesmo desejo
um, e o cosmos interior do homem heróico.
de domínio, surge, então, através dela, o materialismo
Por falta desta esfera mágica, ou por materialização
capitalista, a subversão, a visão de mundo mecânica, o
e anquilosamento da mesma, é que a espiritualidade
amor pelo luxo e pela usura. O mesmo, ainda, pode ser
sacerdotal nunca constrói impérios. E sem a solaridade
dito quando os servos desejam preeminência, nascendo
de um organismo imperial que se sustente a si mesmo
então o caos espiritual, o rebaixamento intelectual, a
frente às con ngências do mundo material e humano, e
brutalidade, a promiscuidade e a perversão. Este é o
frente a inimigos diversos, só resta ao espírito lunar
próprio sen do da decadência da Kali Yuga.
aceitar a dependência sem almejar qualquer superiori-
O homem heróico é caracterizado ainda, na esfera
dade em qualquer aspecto que seja. O Cris anismo,
=sica do corpo, por uma vitalidade e uma força =sica
exemplo do espírito devocional do Oriente, deve sua
calma, uma resistência a condições intempéries fora do
existência aos organismos imperiais romano e gibelino
comum e um vigor supra-humano. No âmbito psíquico,
nos quais se amparou para subsis r nos povos do Oci-
na esfera lunar da alma, con da em cada homem, o
dente. Portanto, o puro sacerdote, o fiel, o religioso, o
herói é marcadamente intenso e verdadeiro em todos
intelectual, devem venerar por toda comunidade o he-
os seus desejos, mas estes são fixados num limiar supe-
roísmo régio aristocrá co como o verdadeiro agente
rior pelo ethos heróico que, como foi dito, é reflexo di-
paterno de proteção e sustentação de todo organismo.
reto da Honra como medida de todos os atos. Fidelida-
Toda vez que a casta sacerdotal deseja tomar pree-
de e lealdade subs tuem qualquer sen do de sen men-
minência em alguma tradição originalmente guerreira e
talismo anímico. Camaradagem cavalheiresca subs tui
imperial, ela assume o papel do vírus da an tradição, e,
qualquer mera amizade ou u litarismo na relação entre
propagando um universalismo próprio, destrói o sen do
os homens. A mulher, para o espírito heróico, é a Dama.
ver cal que nha a contemplação quando sustentada
Aquela que possui em si o mistério máximo do amor,
pelo heroísmo do ambiente imperial. O sacerdote, ou
único ponto-fraco do Herói. É aquela que lhe mostra a
sua forma mais cultural assumida pelo intelectual,
saída do labirinto dos rigores do mundo humano. É a
transformam-se então em agentes de desagregação,
inspiração inicial do superar-se a si mesmo.
dissolvendo o elo de ligação do plano transcendente do
Como visto, o Herói é um microcosmo ascendente,
divino com mundo dos homens, que atuava como ele-
como uma flecha apontada para o alto, semelhante e
mento primordial e jus fica vo de todos os processos.
análogo ao seu reflexo macrocósmico imperial.
Rompe-se a ligação do corpo com o espírito, confunde-
22
* Centro Evoliano da América – Brasil
Número 5, 2ª Série
Das “Ruínas” ao “Cavalgar” ERNESTO MILÀ*
É tempo de trocar Os Ho-
de e o seu comprome mento
mens e as Ruínas pelo Cavalgar
com uma causa irremediavel-
o Tigre.
mente perdida. Em ambos os
Dedico estas linhas a Carlos
casos dava-se tudo a troco de
Corominas, muito querido ca-
nada. Evola iden ficou nas pri-
marada, dez ou doze anos mais
meiras gerações do MSI o mes-
novo que eu, que faleceu em
mo estado de ânimo e por isso
Barcelona este fim-de-semana
empenhou-se com eles. No final
de maneira inesperada. O facto
dos anos 40 escreveu um pe-
de “os amados dos deuses mor-
queno opúsculo – Orientamen%
rerem jovens” não faz com que
(Orientações)1 – que com cator-
muitos de nós deixemos de la-
ze breves pontos antecipava o
mentar a sua perda. Ele era um
que em 1954 viria a ser o verda-
desses “ pos humanos superio-
deiro manifesto polí co da
res”, capaz de se empenhar nu-
“direita tradicional” no pós-
ma causa com uma entrega to-
guerra: Gli Uomini e le Rovine
tal. Valente, com um sen do de
(Os Homens e as Ruínas). Dedi-
humor que fazia com que fosse
ca-os aos homens que repre-
impossível aborrecermo-nos ao seu lado, também ele
sentam um “ po humano superior”, dotados de um
pertencia a outro tempo.
carácter que faz da acção o centro da sua vida quase
Este ar go será entendido perfeitamente pelos
como se os an gos guerreiros vessem ressuscitado
evolianos (pessoas familiarizadas com o pensamento
entre as ruínas morais e materiais herdadas do se-
de Julius Evola) e talvez soe como algo estranho
gundo conflito mundial.
àqueles que não se tenham aproximado deste autor
O livro era dirigido aos militantes que acreditavam
que é considerado o mestre da “direita tradicional”
que ainda se podia fazer algo, àqueles em cujos cére-
do século XX. De facto, quando Evola regressou a Itá-
bros ardia um ideal. No marasmo do pós-guerra, essa
lia em 1949 depois do seu périplo hospitalar após a II
geração preocupava-se muito mais com as a tudes
Guerra Mundial, imobilizado pelos ferimentos na sua
do que com a doutrina, mas nesse gesto estava implí-
medula, começou a relacionar-se com os meios ac -
cita a sua valia. Evola forneceu-lhes elementos dou-
vistas da direita radical, os neofascistas que forma-
trinais e uma ideologia coerente, completa e orgâni-
vam as fileiras do então recentemente criado Movi-
ca. Muitos, desde as colunas das múl plas revistas
mento Social Italiano (MSI).
neofascistas daqueles tempos assumiram esses ideais
Via neles as mesmas componentes que nham estado presentes no fascismo das origens com o seu
e saíram à rua desenvolvendo um ac vismo frené co com o apoio de um projecto polí co.
ac vismo e o seu militan smo desenfreado e no fas-
Passaram 10 anos, nesse tempo (entre 1950 e
cismo da República Social Italiana, com a sua fidelida-
1960) Evola con nuou a colaborar com as gerações
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23
do MSI, mas também teve entre os
realidade (o mundo tradicional) e
seus alunos (aqueles que o iam
de outros valores e que não estão
visitar ao seu domicilio romano)
dispostos à “acção exterior” sim-
quadros das organizações juvenis
plesmente porque já não acredi-
que se nham separado do MSI.
tam que se possa fazer algo neste
Evola colaborou com o movimento
terreno. De que modo podem tais
Ordine Nuovo e com a Avanguardia
homens viver no seio da moderni-
Nazionale. A par r do congresso de
dade? E Evola responde a esta
Bari do MSI (1950), tornou-se habi-
questão ao longo de 250 intensas
tual a apresentação de moções
páginas.
evolianas que tentaram sempre
O .tulo, como se sabe, corres-
encaminhar esta organização para
ponde à an ga ideia oriental de
trilhos tradicionalistas.
que a única forma de alguém esca-
Precisamente quando a “con-
par ao ataque de um gre é… mon-
testação” começou a despontar no
tando-se nas suas costas, cavalgan-
início dos anos 60 a par r dos EUA,
do-o. Nessa situação o gre não
Evola que com o tempo se nha
pode atacar com as suas garras e,
tornado um observador agudo da
finalmente, cansado com o peso de
sociedade norte-americana enten-
alguém que é invulnerável às suas
deu qual iria ser o signo dos tem-
costas, sen r-se-á esgotado e po-
pos que estavam por vir: foi o primeiro a analisar o
derá ser derrotado. Trata-se pois de não se deixar
pensamento de Herbert Marcuse e viu no un-
vencer pela virulência e pela omnipresença do
derground algo que já nha visto nos seus escritos
“ gre”, mas sim de viver numa espécie de exílio inte-
sobre a beat genera%on, percebeu que a revolução
rior permanente. Evola u liza então uma frase de
sexual dos anos 60 e o descobrimento da pílula an -
Hoffmansthal para definir um futuro no qual aqueles
concepcional iriam revolucionar os usos sociais. En-
que es veram de vigília durante a noite escura darão
treviu também os conteúdos da agitação estudan l e
a mão aos que nasceram no novo amanhecer. E esbo-
começou a interrogar-se se todos estes elementos de
ça uma imagem evocadora: a modernidade é como
crise afectavam aqueles que defendiam ideias tradici-
uma avalanche que desce por uma montanha arras-
onais. O fruto destas reflexões levou-o a estabelecer
tando cada vez mais massa e a maior velocidade: nin-
importantes conclusões que cristalizariam, primeiro
guém a pode parar e colocar-se à sua frente como
na publicação de ensaios e ar gos nas revistas próxi-
maneira de a deter cons tui a forma mais directa de
mas do MSI e dos grupos extraparlamentares e de-
se suicidar. Evola já não fala em “manter-se de pé
pois na publicação de um livro que ainda hoje não
entre as ruínas”, a a tude daqueles jovens do pós-
perdeu a sua actualidade: Cavalcare la Tigre
guerra que tentavam deter a avalanche com a sim-
(Cavalgar o Tigre).
ples força do seu ac vismo. Fala para outro po hu-
Esta nova obra é dirigida a outro público: se Os
mano, para os “homens diferenciados”, aqueles que
Homens e as Ruínas era dirigido aos homens que ain-
estão no seio da modernidade, mas que não são da
da queriam fazer algo, Cavalgar o Tigre dirige-se aos
modernidade.
“homens diferenciados”, ou seja, àqueles que se sen-
Cavalgar o Tigre é filho de duas influências: Ernst
tem alheados da modernidade, que não têm lugar na
Jünger, das suas Tempestades de Aço e do seu O Tra-
modernidade, que se reclamam “cidadãos” de outra
balhador, e da experiência acumulada por Evola ao
24
Número 5, 2ª Série
“
A modernidade é como uma avalanche que desce por uma montanha arrastando cada vez mais massa e a maior velocidade: ninguém a pode parar e colocar-se à sua frente como maneira de a deter constitui a forma mais directa de se suicidar.
longo do seu extenso périplo pelas doutrinas tradicio-
ao qual Hoffmansthal aludia.
nais e especialmente pela chamada “Via da Mão Es-
Durante quarenta anos da minha vida acreditei
querda”. Se na “Via da Mão Direita” do que se trata é
que “ainda se podia fazer alguma coisa”, inclusiva-
recusar o mal e combater as destruições, contrapon-
mente que era possível fazê-lo dispondo de quadros
do um programa posi vo, na “Via da Mão Esquerda”
polí cos perfeitamente formados doutrinal e tecnica-
trata-se de “transformar o veneno em remédio”, ver
mente. Acreditei que era possível, u lizando técnicas
em todos os processos de dissolução pontos de
polí cas, gerar um movimento de massas capaz de
apoio. É evidente que a primeira via é a que corres-
deter e reverter o processo de dissolução da moder-
ponde ao que foi escrito para o “ po humano superi-
nidade. Acreditei que a própria luta polí ca funciona-
or”, enquanto a segunda é própria do “ po humano
ria como um “fogo purificador” que afectaria em pri-
diferenciado”. A primeira é própria dos leitores iden-
meiro lugar os “combatentes” (os “homens de pé”,
ficados com o projecto polí co de Os Homens e as
aqueles em cujo cérebro arde um projecto polí co ao
Ruínas, a segunda daqueles que se iden ficam com
qual querem dar vida) e que seria possível operar
os conteúdos de Cavalgar o Tigre.
uma transmutação do mundo: que o poder não es -
Evola explica que as destruições presentes na mo-
vesse nas mãos de uma casta polí ca degenerada e
dernidade não devem ser das pelo homem que vive
miserável que considera a polí ca como a melhor
no seu exílio interior como algo nega vo: no fim de
relação “esforço/bene=cio”, que a comunidade naci-
contas, esse não é o seu lugar, não é a “sociedade
onal se livrasse das ideias nascidas em 1789 com a
tradicional” que está em crise mas sim a “sociedade
revolução liberal, a lei da quan dade (a democracia
moderna”, não é a “família tradicional” mas sim a
numérica) e o marxismo que se lhe seguiu, que desa-
“família burguesa” e as “novas fórmulas familiares”
parecessem os par dos e os sindicatos como sujeitos
que estão em crise, não é a “meta=sica” que atraves-
polí cos e que fossem as estruturas intermédias da
sa uma crise terminal, mas sim as velhas fórmulas
sociedade a assumir a representa vidade no âmbito
religiosas esgotadas e inadaptadas pelo seu dogma-
de um Estado Orgânico e Comunitário. Acreditei in-
smo e pela sua rigidez; não é a economia orgânica e
clusivamente que a “construção da Europa” superaria
comunitária que vive um período terminal, mas sim a
as carências dos Estados Nacionais surgidos após o
economia liberal que depois da sua fase industrial, de
Renascimento, permi ria um quadro com “dimensão
seguida mul nacional e finalmente globalizadora,
adequada” para responder às necessidades de um
chegou à sua úl ma etapa; assim, é a totalidade do
tempo no qual os “blocos” condicionaram o mundo e
mundo moderno que está em crise, não os valores, as
que uma Europa surgida da irmandade entre comba-
ideias e o mundo tradicional. O “homem diferencia-
tentes de diferentes países estaria em condições de
do” não se deve entristecer por estas desintegrações
ser “primeira força” ou um “espaço fechado” à eco-
que não são do seu mundo, mas sim de uma estrutu-
nomia globalizada. Acreditei que a “luta cultural” era
ra que não tem nada a ver com ele. Não deve fazer,
um complemento à luta polí ca e que nesse terreno
portanto, nada para defender esse mundo: a sua que-
poder-se-ia realizar um trabalho que afectaria toda a
da é a garan a da renovação, do “novo amanhecer”
sociedade e construiria as bases de uma “nova or-
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25
“
Se na “Via da Mão Direita” do que se trata é recusar o mal e combater as destruições, contrapondo um programa positivo, na “Via da Mão Esquerda” trata-se de “transformar o veneno em remédio”, ver em todos os processos de dissolução pontos de apoio.
dem”. Afinal, comba-
a par r da qual seja
ter os “produtos cultu-
possível construir um
rais” que chegam da
movimento
“cultura
americana”
sólido e em condições
representa hoje uma
de responder às exi-
prioridade na medida
gências da luta contra
em que se trata de
a modernidade, quer
meros produtos de
apenas dizer que a
intoxicação / contami-
terra sobre a qual nas-
nação. Tudo isto (e
ci perderá o seu rosto
muito mais) valia a
e o povo ao qual per-
pena ser feito e pode-
Na Grécia, apesar da enorme crise, o crescimento da Aurora Dourada é modesto
ria ser feito através da
polí co
tenci poderá desaparecer… A actual crise
luta polí ca. Ninguém me poderá acusar de não o ter
económica é de uma envergadura suficiente para que
tentado até ao ponto da minha própria vida ter sido
não tenhamos a mais pequena esperança sobre o seu
comprome da e inclusivamente recebi ataques (na
desfecho: na Grécia viveu-se nos úl mos três anos
internet as men ras sobre mim são mais um dos mo-
numa situação igual e a reacção foi mínima, através
vos que levam a pensar que hoje em dia caluniar sai
da Aurora Dourada, quase uma resposta exclusiva-
grá s) de figurinhas irrelevantes que nunca me inte-
mente económico-social e o problema transcende em
ressaram nem preocuparam. Mas tudo isto foi dema-
muito essa dimensão. Em Espanha nem sequer apa-
siado longe e vale a pena parar por um momento e
receu um fenómeno similar. A economia liberal na
reconhecer, não só o meu fracasso pessoal, mas sim
sua úl ma etapa de desenvolvimento engolirá nações
de todo o ambiente que num tempo já longínquo
e povos inteiros e estas nações e povos apenas pen-
pensou que era possível combater “a besta” e até
sarão – apenas pensam – como sucumbir antes e de
vencê-la.
maneira mais extrema, pois os governos que elege-
Quando escrevi as Ultramemorias era evidente o
ram democra camente não têm interesse em defen-
meu afastamento da extrema-direita e a análise crí -
der outros interesses que não os seus, ou seja, os de
ca que fiz em relação aos úl mos 40 anos deste ambi-
meros servos do grande capital financeiro internacio-
ente polí co. Mas não ficava fechada a porta a uma
nal. Na modernidade e na Espanha actual não exis-
acção polí ca posterior. A porta para desembocar
tem intelectuais e “homens de po humano superi-
nela foi-se estreitando cada vez mais e mais, e não
or” para estabelecer um pensamento que alguém
acredito que na actualidade haja mo vos para se ser
afecto aos princípios tradicionais possa par lhar nem
op mista: compreender que em Espanha existem
sequer minimamente, nem existe tão-pouco um
sete milhões de imigrantes e que isso representa uma
“pensamento crí co” que abarque sequer uma pe-
desfiguração da iden dade nacional não implica que
quena elite cultural em condições de se repercu r
esse fenómeno vá gerar uma reacção e uma resposta
sobre um sector social com claridade e impacto sufi-
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Número 5, 2ª Série
“
O essencial. O importante, o autenticamente importante, é ser “de verdade” ou um “tipo humano superior” ou um “homem diferenciado”, e proválo a si mesmo, tudo o resto é completamente secundário.
ciente para se ter ilusões de que algo possa mudar.
si mesmo, tudo o resto é completamente secundário. *
Entrar nos circuitos culturais e polí cos da moder-
* *
nidade (e, portanto, ter repercussões e ver que o trabalho feito serve para algo) implica um nível tal de
Por tudo isto, estes dias, enquanto estava a escre-
compromissos, renúncias e adaptações que, simples-
ver um ensaio sobre Julius Evola e o Neofascismo que
mente, não vale nem a pena abordá-lo. Aqueles que
será publicado nos próximos meses na “Revista de
hoje em dia con nuam a apresentar-se como
Historia del Fascismo”, surgiram-me todas estas refle-
“intransigentes” e ac vistas, que corresponderiam a
xões que transmito aos leitores desta página. Os tex-
um “ po humano superior”, ou andam a enganar-se,
tos de apoio podem ser encontrados na Biblioteca
ou estão na luta polí ca por alguma carência, ou sim-
Evoliana2. Não se trata de um debate novo mas sim
plesmente, por uma dinâmica endiabrada, quase co-
da con nuação de uma conversa que ve no Inverno
mo se uma força de inércia os empurrasse desde o
de 1980 com Philipe Baillet em Paris. Era Baillet tra-
passado.
dutor para francês dos textos de Julius Evola e autor
Evola ensinou-me duas coisas: em primeiro lugar a
de uma notável biografia de Evola que traduzi e editei
necessidade de esforço em todo o momento, a toda a
ao regressar a Espanha. Uma viagem recente à Sarde-
hora, para perceber as caracterís cas de um tempo.
nha neste mês de Setembro deu-me a oportunidade
A isso chama-se “objec vidade” (e para definir uma
de meditar novamente sobre aquela conversa e de
“nova objec vidade” u liza 40 páginas do seu Caval-
reler os textos de Evola para a elaboração do ensaio
gar…). Há que nos esforçarmos con nuamente para
sobre as relações de Evola com os grupos neofascis-
perceber o mundo tal como ele é, tentando sobretu-
tas entre 1949 e 1974. E essas linhas que escrevi cor-
do não nos enganarmos, querendo vê-lo tal como
respondem a falar sozinho em voz alta. Porque, na
gostaríamos que ele fosse. Objec vidade sempre,
realidade, estamos sós, nascemos sós, ainda que nos
objec vidade acima de tudo. Em segundo lugar ensi-
vejamos rodeados de seres queridos, mantenhamos
nou-me a importância da clarividência: renúncias as
uma vida social intensa, na realidade, estamos sem-
mínimas, compromissos somente quando inevitáveis,
pre sós: dentro de mim não há ninguém… se houves-
qualidade antes e acima da quan dade, elite em de-
se alguém não seria eu, seria outro. E se fosse outro
trimento das massas, mas a elite apenas existe quan-
estaria alienado, por isso, quando escrevemos fala-
do o demonstra, não quando se qualifica a si mesma
mos apenas para nós próprios. Evola sabia-o e os
como tal; a polí ca não é um fim em si mesma mas
seus livros não são mais que as reflexões interiores
sim um meio para alcançar um fim, a construção de
de um homem preocupado com o tempo no qual lhe
um quadro orgânico para a Comunidade do Povo, de
calhou viver e que, na realidade, não era o seu.
outra maneira não é mais do que uma forma para sa sfazer egocentrismos de pobres tontos, carências
* Publicado no blogue pessoal de Ernesto Milà (h$p://infokrisis.
afec vas ou simplesmente para ocupar tempo livre…
blogia.com).
O essencial. O importante, o auten camente impor-
1. Traduzido para português pelo Prof. António José de Brito sob o .tulo “Directrizes”, e publicado no volume Para a compreensão
tante, é ser “de verdade” ou um “ po humano supe-
do Fascismo (Ed. Nova Arrancada).
rior” ou um “homem diferenciado”, e prová-lo a
2. Disponível em h$p://juliusevola.blogia.com.
www.boletimevoliano.pt.vu
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