Boletim Evoliano, núm. 12 (1ª série)

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Editorial Quando em 2007 publicamos o número zero do Boletim Evoliano, escrevemos as seguintes linhas: «O Boletim Evoliano surge, por isso, para modificar este cenário. A sua pretensão é divulgar o pensamento e a obra de Evola – traduzindo e publicando tanto os seus textos, como os textos de outros sobre si e a sua obra. Tornar Evola acessível ao público português é, pois, a nossa intenção.» Agora que iniciamos o quinto ano de publicação ininterrupta, é hora de parar, olhar para trás, contemplar o que fizemos e seguir em frente com determinação redobrada. Pensamos ter conseguido cumprir até agora com o objectivo a que nos propusemos nesse número zero: além de diversos artigos publicados na imprensa, traduzimos e publicamos também capítulos de algumas das obras mais importantes do mestre, tais como O Arco e a Clava, Revolta contra o Mundo Moderno, Símbolos e Mitos da Tradição Ocidental, O Caminho do Cinábrio, Cavalgar o Tigre e Os Homens e as Ruínas. Mas ainda há muito a fazer e por isso continuaremos o nosso labor com constância. * *

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O número 12 tem para nós um significado especial (como poderão perceber pela leitura de alguns dos artigos), e decidimos por isso que este número do Boletim seria também ele especial. Assim, este número marca o fim de uma série e o início de outra, e apresenta-se com algumas diferenças importantes (a mais importante das quais é o número de páginas: 32 em vez das habituais 20). Além disso, tal como dissemos em cima, é altura de olhar para trás e reflectir: decidimos por isso seleccionar, de entre todos os textos já publicados, aqueles que consideramos os mais importantes. A primeira parte do Boletim é constituída por textos relativos aos nossos símbolos (os símbolos são a representação visual do Ideal) e a segunda por textos sobre as crenças fundamentais do nosso Ideal. Este Boletim é também por isso uma espécie de “cartão de apresentação”, um “guia rápido” sobre a Legião Vertical e o Tradicionalismo.

ÍNDICE 2 Editorial —— ———————————————— 3 A Acha —— ———————————————— 6 A Águia —— ———————————————— 9 O Treze e o Eleito —— ———————————————— 11 O Fascio —— ———————————————— 15 O que é a Tradição? ———————————————— A Doutrina das Quatro 18 Idades —— ———————————————— 22 Autodefesa —— ———————————————— 27 O problema da Raça —–— ————————————————

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Falta apenas fazer referência à proveniência dos textos agora apresentados: “A Acha”, “A Águia” e “O Treze e o Eleito” são extraídos do volume Symboles et Myhtes de la Tradition Occidentale (Milão: Arché, 1980), “O Fascio” é extraído do volume La Tradición Romana (Buenos Aires: Ediciones Heracles, 2006), “O que é a Tradição?” é extraído do volume El Arco y la Clava (Buenos Aires: Ediciones Heracles, 1999), “A Doutrina das Quatro Idades” é extraído de Revolta contra o Mundo Moderno (Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1989), “Autodefesa” é extraído de Fascismo e Terzo Reich (Roma: Edizioni Mediterranee, 2001) e “O problema da Raça” é extraído de Le Chemin du Cinabre (Milão: Arché, 1982).

FICHA TÉCNICA Número 12 ———————————————— 1º quadrimestre 2011 ———————————————— Publicação quadrimestral ———————————————— Internet: www.boletimevoliano.pt.vu www.legiaovertical.blogspot.com ———————————————— Contacto: legiaovertical@gmail.com ————————————————


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Símbolos da Tradição

A Acha Já tivemos a ocasião de expor como no mundo das origens, onde faltam os chamados testemunhos “positivos” ou perante a sua ambigui dade, o símbolo e o mito podem mui tas vezes oferecer um fio condutor precioso para uma exploração mais profunda do que superficial. Esta perspectiva foi admitida, e não é de hoje, pelo “racismo alemão”, sobre tudo quando este se propôs comple tar as suas pesquisas antropológicas e biológicas com uma espiritualidade e uma “visão do mundo” que lhe per mitisse afirmar novamente os princí pios no domínio da história das reli giões, da mitologia comparada, das tradições primordiais e das sagas. Em Itália, este terreno permanece praticamente virgem. E no entanto, num mundo como o da antiga penín sula itálica que, desde a mais longín qua pré-história, sofreu a influência de civilizações e povos muito diver sos, e que muito raramente ofere cem um paralelismo rigoroso entre a pureza étnica e as tradições corres pondentes, uma pesquisa assimilan do o símbolo e o mito a um docu mento, poderia obter resultados de singular importância. Naturalmente que para isso é necessário uma qualificação adequa da e um olho particularmente treina do. Assim como a língua, um símbo lo e um mito duma raça podem ser transmitidos a outras raças, duma civilização para outra, modificandose de certa maneira de função, ser vindo de suporte a outras significa ções diferentes das que tinham nor malmente na sua origem. É portanto necessário saber-se orientar e inte grar tudo o que este tipo de pesquisa pode trazer de conhecimentos sóli dos de ordem tradicional. Este será o nosso ponto de parti da para certas considerações que queremos aqui fazer a propósito de alguns símbolos, cuja presença no antigo mundo itálico e depois roma no, testemunham, à sua maneira, a existência duma tradição original e de tipo nórdico-ariano ou, como pre ferimos dizer, “hiperbóreo”. Preferi

mos utilizar este termo para prevenir qualquer falsa interpretação ou apreensão justificada. Falando em “nórdico-ariano” poderia pensar-se que aderimos às teses pangermanistas e que, por isso, reconheceríamos que aquilo que temos de mais valio so no nosso povo e na nossa tradição deriva de raças puramente nórdicas e nórdico-germânicas. Utilizado como nós o fazemos, “hiperbóreo” tem uma outra extensão. Refere-se a um tronco absolutamente primordial, base global do grupo de povos e civi lizações arianas, das quais as raças nórdico-germânicas não são mais que uma ramificação particular. As forças originais criadoras das civiliza ções da Índia antiga, do Irão e da primeira Hélade e de Roma, podem reivindicar uma origem idêntica e pelo menos uma igual dignidade. Este ponto estabelecido, os princi pais símbolos do antigo emaranhado que desejamos examinar e com preender na sua significação mais profunda e mais pura são: a acha, o lobo, o cisne, a águia e a cruz radial. Para este exame é necessário empregar o método comparativo, aplicado ao conjunto do ciclo das civilizações e dos mitos arianos: aquilo que nos oferece uma destas tradições arianas e aquilo que encon tramos em outra é então integrado, confirmado e posteriormente escla recido. No presente artigo limitar-nosemos à Acha. A Acha é um dos sím bolos mais característicos da tradi ção hiperbórea primordial. Os seus traços levam-nos à mais longínqua pré-história segundo alguns, segundo

outros à última época glaciar, e pelo menos a um período paleolítico. Numa obra recente, Paulsen, escre veu cartas ilustrando a larga difusão da Acha hiperbórea, situada em diversos locais pré-históricos da Euro pa. O tipo mais antigo é o da “acha sideral” em quartzo ou ferro meteóri co, quer dizer, uma “substância caída do céu”. É sem dúvida certo que o uso destas achas siderais era sagra do e ritualizado. Considerando-se a substância da qual eram feitas, estas Achas siderais levam-nos finalmente ao simbolismo mais abrangente das “pedras divinas”, das “pedras caídas do céu” que tiveram uma grande importância em todos os locais da antiguidade onde se criou um centro tradicional: desde o Omphalos de Delphos à “pedra do destino” — liagail — das antigas tradições britâni cas, da ancilia, confeccionada na Roma antiga, feita de pedras caídas do céu e com o significado de aval de soberania, pignum imperii, até ao Graal, que segundo a tradição con servada por Wolfram von Eschen bach é igualmente uma pedra caída do céu. No caso da Acha, este simbolis mo genérico toma uma significação especial em relação estreita com uma tradição heróica e sagrada. As pedras dos meteoros simbolizavam também o “raio” (daqui a expressão “pedra de raio”), a força celeste ful minante, significado que se estendia à Acha sideral pré-histórica: tal como o raio, ela quebra e corta. Tal é a base da significação que a Acha, arma e símbolo, teve nas tradições arianas e nórdico-arianas, dos hiper-


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bóreos primordiais até à Roma anti ga e à época dos Vikings. Na concepção ariana de guerra — da qual já falamos muitas vezes — o elemento material é inseparável do elemento espiritual, transcendente. Em toda a luta ou conquista, o antigo ariano via o reflexo de uma luta metafísica, do eterno conflito entre as forças olímpicas e celestes da luz contra as forças obscuras e selva gens da matéria e do caos. A Acha, como arma e símbolo, está estreitamente ligada a estes significados. A Acha aparece como uma arma “celeste” empunhada, seja pelo guer reiro ou conquistador hiperbóreo, seja pelo sacrificador ou sacerdote. Remontando a uma longínqua anti guidade, podemos ver nos desenhos rupestres de Fossùm (Suécia), nume rosas figuras empunhando achas, entrecruzadas com símbolos solares. É interessante observar estas conver gências. Estes antigos símbolos nórdicos correspondem a traços ainda mais antigos, os da civilização francocantábrica de Madeleine ou de CroMagnon (aproximadamente 10.000 anos antes da nossa era), civilização dita do “Reno”, que na nossa opi nião, se estendeu até à região ligure. Por outro lado, nos vestígios arcaicos da civilização ítalo-ligure, voltamos a encontrar a Acha acompanhada de símbolos solares e hiperbóreos, como o cisne e a cruz radial (suástica). Franz Altheim demonstrou recente mente a correspondência entre os traços pré-históricos de Val Camonica e as jazidas suecas. Encontramos também, nesta região italiana, figu ras rupestres onde figuram a acha simbólica e um símbolo solar e astral análogo. A este propósito, Altheim chegou mesmo a falar duma verda deira “migração dórica em Itália”, de tal maneira lhe pareceu evidente a semelhança entre a civilização que deixou estes traços no norte de Itália e que viria a conduzir, por vias enig máticas, à criação de Roma, e a dos dórios na Grécia, cuja conclusão seria Esparta. Quanto ao significado espiritual da “acha sideral”, encontramo-la novamente no culto nórdico-ariano

Santo Olaf, segurando a acha

de Thor. Thor é uma figura divina que tem por atributo duas armas que, no fundo, se equivalem: a Acha e o mar telo de duas cabeças, mjolnir. As duas armas são análogas pois o mar telo representa a força do raio, tal como a Acha; aliás, o martelo duplo, até pela sua forma se confunde com a Acha de duas lâminas, emanando do mesmo simbolismo e remetendonos especificamente para a tradição hiperbórea. Thor combate com esta arma as “forças elementares”, os Elementarwesen, que tentam apro priar-se das forças celestes (simboli camente a “Lua” e o “Sol”); é tam bém com ela, que no grupo dos “heróis divinos” ou Ases, ele luta con tra o “obscurecimento do divino”, o ragna-rokkr, que não deve ser con fundido com o crepúsculo dos deu ses de Wagner, mas entendido como um eco mítico do fim trágico dum ciclo de civilização e de tradição de origem hiperbórea. Através da história e até à época dos Vikings, Thor aparece como um deus guerreiro. Os Vikings aceitavam que as virtudes divinas de Thor, a sua força e poder, se transmitiam de cer ta maneira àqueles que tinham esco lhido o seu emblema, a Acha, como símbolo da presença da divindade.

Esta crença era a base da realeza nórdica. Os reis nórdicos, dinamar queses e suecos, tinham na Acha o símbolo do seu poder e da sua dinastia — podemos vê-la nos estandartes das tropas de Sven da Dinamarca partindo à conquista da Inglaterra numa miniatura de Mathieu de Paris; ela foi conservada nas armas da realeza da Noruega, onde a Acha, e não o leão, é o elemento mais significativo e mais original. O prestígio místico do símbolo hiperbóreo foi de tal maneira grande no Norte que, aquando da cristianização, a nova Fé não o pôde remover: estamos a pensar num culto muito difundido no Norte, o de Santo Olaf, que é uma espécie de reincarnação cristã de Thor. Tal como Thor, o Santo Olaf tem uma barba dourada e carrega uma Acha, e tal como ele é o protector mítico do país, tendose tornado o “rei eterno da Noruega” — Rex Perpetuus Norvegiae — de tal maneira que os soberanos que lhe sucederam pensavam reinar em seu nome. Por outro lado, a relação entre o poder supremo e a consagração transcendente pelo signo hiperbóreo da Acha encontra-se em Itália através dos Lígures, entre os quais a Acha esteve igualmente relacionada com a realeza; finalmente, a Acha fazia parte do símbolo dos lictores da Roma antiga, símbolo do poder e do direito, de que muitos ignoram a sig nificação primordial, eminentemente sagrada, interpretando-o apenas em termos jurídicos e políticos, ou seja, em termos profanos e seculares. Encontramos a confirmação des tas significações noutras tradições arianas. Recordaremos a de ParaçuRâma (indo-ariana): Râma tem a Acha. É com a acha hiperbórea de dupla lâmina que — segundo as tradi ções transmitidas duma maneira mais ou menos mítica pelo Mahâbhârata — este herói divino ou chefe criador de civilização, na época em que seus progenitores habitavam ainda uma região setentrional, extermina os mlecchas, raça de titãs, casta guerreira degradada que tinha tentado usurpar a suprema autoridade espiritual. Dentro do ciclo mediterrâneo, a


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Na concepção ariana de guerra, o elemento material é inseparável do elemento espiritual, transcendente. Em toda a luta ou conquista, o antigo ariano via o reflexo de uma luta metafísica, do eterno conflito entre as forças olímpicas e celestes da luz contra as forças obscuras e selvagens da matéria e do caos. A Acha, como arma e símbolo, está estreitamente ligada a estes significados. A Acha aparece como uma arma «celeste» empunhada, seja pelo guerreiro ou conquistador hiperbóreo, seja pelo sacrificador ou sacerdote.” figura de Zeus Labraundos, ou Júpi ter com a Acha dupla, recorda a rela ção existente entre a Acha e o Raio, arma particular deste deus olímpico. O Raio é a força utilizada por Zeus para abater os Titãs e os Gigantes aquando da sua tentativa de invadir o Olimpo, mito este que reflecte tam bém o tema da “guerra metafísica eterna”, característica da espirituali dade heróica e ariana, e da recorda ção dos conflitos entre as diferentes espiritualidades e raças da mais anti ga Hélade. É sobre estas bases que a Acha foi considerada como um sím bolo da espiritualidade heróica aria na. As linhagens arianas primordiais utilizaram-na nas suas incursões guerreiras, que eram para elas a dra matização e a continuação da luta metafísica velada pelo mito. A Acha figura nesta mesma época nos rituais destinados a evocar e a deter minar graças ao sacrifício, as forças invisíveis. Mais tarde, quando o con ceito “sagrado” se desloca, identifi cando-se numa outra ordem de ideias, com o de “santo”, a Acha per de, pouco a pouco, a sua significação inicial e resvala ao nível de arma e instrumento sem alma. De volta ao mundo antigo mediterrâneo, é muito significativo reen contrar a Acha, mas modificada, entre as mais antigas jazidas dos cultos da civilização pélasgica: as achas modificadas são oferecidas à divindade numa inversão do seu sig nificado, que em relação ao culto ariano, é quase satânica. Na realida de a civilização pélagica pertence ao Mediterrâneo pré-ariano e préhelénico, a um ciclo religioso domi nado pela figura de uma mulher divina, num culto onde as mulheres e

homens efeminados tinham um lugar fundamental. Dentro deste ciclo, Zeus deixa de ser um deus olímpico para se tornar numa espé cie de demónio sujeito à morte (em Creta aparece no túmulo). Aqui, a figura do deus das águas e do fogo subterrâneo mistura-se com o culto dos seres da flora selvagem e do reino animal, e num outro plano, mistura-se com a moralidade e os costumes semítico-asiáticos, marca dos por uma violência confusa, dioni síaca e afrodisíaca dum êxtase desordenado. A Acha, no mundo mediterrâneo antigo e pré-ariano, é anexada a divindades femininas e às Amazo nas; detalhes significativos, pois sabemos que as Amazonas, “mulheres viris” e guerreiras, não são mais do que a figuração mítica, atra vés dum símbolo, da tentativa de formas “femininas” de espiritualida de suplantarem a tradição heróicosolar e “celestial” de origem hiperbó-

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rea. Mas o mito fala-nos também de Héracles, o herói particularmente representativo dos dório-aqueus, e de outros heróis aliados ao poder olímpico, que combateram as Ama zonas, matando a sua rainha e tendo recuperado entre os troféus das suas vítimas, entre outros, a Acha, o sím bolo hiperbóreo usurpado. O mito não poderia ser mais claro. Seria fácil indicar modificações análogas na trama da história itálica antiga e na de Roma: conflitos entre as forças profundas das raças, as forças humanas e divinas que há muito tempo atrás, se manifestaram sob diferentes formas políticas, sociais e religiosas. Por exemplo, a civilização etrusca é geralmente considerada como pertencente ao ciclo mediterrânico-oriental das raças préarianas, contra a qual a Hélade dórica tinha já lutado. Roma, que inclui a Acha, símbolo etrusco, nos emblemas dos lictores, sinal de poder, repete quase identicamente o gesto vingador que o mito atribui a Héracles e que acabamos de recordar. Tudo o que Roma realiza de grande, ela o realiza através de um esforço tenaz de purificação e de superação dos elementos itálicos não-arianos misturados, na sua origem, com as forças da tradição ariana e nórdicoariana. Acha, Lobo, Águia, Cruz Radial, etc. — os símbolos dos conquistadores hiperbóreos fazem a sua reaparição no seio da grandeza romana, como os sinais silenciosos do seu “mistério”. — Texto publicado no Boletim Evoliano nº 3

O Raio é a força utilizada por Zeus para abater os Titãs e os Gigantes aquando da sua tentativa de invadir o Olimpo, mito este que reflecte também o tema da «guerra metafísica eterna», característica da espiritualidade heróica e ariana, e da recordação dos conflitos entre as diferentes espiritualidades e raças da mais anti− ga Hélade; sobre estas bases a Acha foi considerada como um símbolo da espiritualidade heróica ariana. As linhagens arianas primordiais utilizaram-na nas suas incursões guerreiras, que eram para elas a dramatização e a continuação da luta metafísica velada pelo mito.”


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Símbolos da Tradição

A Águia O simbolismo da águia tem um carácter altamente tradicional. Inspirando-se em analogias precisas, é de entre os símbolos e mitos de todas as civilizações do tipo tradicional um dos que mantém algo de constante, invariável e imutável, apesar das diferentes formulações a que foi sendo submetido conforme as raças. Esclarecemos desde já que, na tradição ariana, o simbolismo da águia sempre teve um carácter olímpico e heróico. É isto que iremos tentar demonstrar através de referências e aproximações. O carácter olímpico do simbolismo da águia está directamente ligado à consagração deste animal ao deus olímpico por excelência, Zeus, que para os arianos-helénicos (como Júpiter para os arianos-romanos) é a figura da divindade da luz e da realeza, venerada por todos os membros da família ariana. Zeus foi também relacionado com um atributo, o raio, que completa muitas vezes o simbolismo da águia. Recordemos também que, segundo a antiga visão ariana do mundo, o elemento olímpico define-se pela sua antítese com o elemento titânico, telúrico e prometaico. Aliás, segundo o mito é com o raio que Zeus destrói os titãs. Entre os arianos, que vivem toda a luta como um reflexo da luta metafísica entre as forças olímpicas e as forças titânicas, considerando-se a milícia das primeiras, encontramos a águia e o raio como símbolos e insígnias cuja significação profunda é geralmente negligenciada. Segundo a antiga visão ariana da vida, a imortalidade é um privilégio: não significa simplesmente sobrevi ver à morte, mas sim participação heróica e real num estado de consciência que define a divindade olímpica. Estabeleçamos algumas correspondências. A concepção de imortalidade encontra-se na antiga tradição egípcia. Apenas uma parte do ser humano está destinada a uma existência celestial e eterna em estado de glória — o Ba — que é representado como uma águia ou um falcão

(em função das condições ambientais, o falcão é aqui um sucedâneo da águia, o suporte mais aproximado oferecido pelo mundo físico para exprimir a mesma ideia). É sob a forma de falcão que, no ritual contido no Livro dos Mortos, a alma transfigurada do morto provoca os deuses pronunciando estas soberbas palavras: “Sou coroado em Falcão divino / Transformo-me em corpo glorioso / Assim como Horus o é na sua alma / Para que possa penetrar na região dos Mortos / e tomar posse do reino d’Osíris”. Esta herança ultraterrestre corresponde exactamente ao elemento olímpico. Com efeito, no mito egípcio, Osíris é uma figura divina que corresponde ao estado primordial “solar” do espírito que, depois de ter sofrido alteração e corrupção (morte e dilaceração d’Osíris), foi ressuscitado por Horus. O morto, participando da força ressuscitadora de Horus, obtém a imortalidade que conduz a Osíris, a qual provoca o “renascimento” e a “recomposição”. Torna-se assim fácil constatar as múltiplas correspondências das tradições e dos símbolos. No mito helé nico, compreende-se que seres como Ganímedes sejam levados por “águias” ao Olimpo. É graças a uma águia que, na antiga tradição persa, o rei Kai-Kaus tenta, tal como Prometeu, subir ao céu. Na tradição indoariana, é a águia que traz a Indra a bebida mística que o tornará senhor dos deuses. A tradição clássica junta aqui um detalhe sugestivo: segundo ela, embora seja inexacto, a águia era o único animal que podia fixar o olhar no sol sem abaixar os olhos. Isto esclarece o papel da águia em

algumas versões da lenda de Prometeu. Prometeu aparece não como alguém realmente qualificado para tomar como seu o fogo olímpico, mas sim como aquele que, tendo natureza titânica, pretendia usurpar e fazer não uma coisa dos deuses mas sim dos homens. Como expiação, nesta versão da lenda, Prometeu acorrentado vê o seu fígado continuamente devorado por uma águia. A águia, animal sagrado do Deus Olímpico, associada ao raio que destrói os titãs, aparece-nos com uma figuração equivalente ao próprio fogo, fogo de que Prometeu se pretendia apropriar. Trata-se então de uma espécie de punição imanente. Prometeu não tem a natureza da águia que pode fixar a luz absoluta, impunemente e “olimpicamente”. Esta força que ele quer possuir trans forma-se na sua tormenta e punição. Isto ajuda-nos a compreender a tra gédia interior dos diferentes repre sentantes modernos da doutrina do “super-homem”, titânico, obcecado e vítima de sua própria ideia, desde Nietzsche a Dostoiewski, e particular mente de todos os heróis deste últi mo. Para voltarmos ao mundo do mito ariano, encontramos na antiga tradição hindu uma variante do mito de Prometeu. Agni, sob a forma de uma águia ou de um falcão, arranca um ramo da árvore cósmica, repetin do o gesto cumprido, no mito semita, por Adão, “para se tornar igual aos deuses”. Agni, que é também uma personificação do fogo, fica ferido. Das suas plumas caídas na terra nas cem as sementes de uma planta da qual se retira o “soma terrestre”. O


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soma é a analogia do néctar; é a substância que endeusa, que permi te o estado olímpico. A estrutura do mito ariano, se bem que sob uma forma mais velada, repete aquela que havíamos já analisado no mito egípcio (“eclipse” d’Osíris e sua res surreição por Horus). Podemos falar duma tentativa prometaica falhada, depois “rectificada” e que finalmente se torna no princípio da justa realiza ção. Na tradição irano-ariana a águia é muitas vezes uma encarnação da “glória”, do hvarenô que, longe de ser uma abstracção da sua raça era uma força mítica e um poder real do alto, descendo sobre os seus soberanos e chefes, fazendo-os participar da natureza imortal e levando-os para a vitória. Esta glória ariana, personifi cada pela águia, não suporta nenhu ma violação da ética viril própria da tradição macedónica. O mito conta que sob a forma de uma águia, esta se distancia do rei Yima por ele se tornar impuro com uma mentira. A partir destas correspondências de significado e de símbolos, o papel assumido pela águia na Roma antiga assume uma luz particular. O ritual da apoteose imperial romana é uma das primeiras demonstrações e confirma a relação estreita entre a romanidade e o ideal olímpico. Neste ritual o voo de uma águia sobre a pira funerária simboliza a passagem da alma do imperador morto a um estado de “deus”. Recordaremos os detalhes deste ritual, que foi codificado sobre o modelo do rito original celebrado pela morte de Augusto. O corpo do imperador morto era colocado num caixão coberto de púr pura, sobre uma liteira de ouro e marfim, depois colocado numa pira rodeada de sacerdotes que circundavam o Campo de Marte. Então tinha lugar o decursio. Depois de pegar fogo ao altar de lenha, uma águia

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A águia era um presságio de vitória, implicando a concepção olímpica da luta e da vitória, quer dizer, a ideia de que através da vitória da «raça» ariana e romana, eram as forças da divindade olímpica, do deus da luz, que saiam vitoriosas. A vitória dos homens espelha a vitória de Zeus sobre as forças anti−olímpicas e bárbaras e era prevista pela aparição do animal de Zeus, a águia.” sobrevoava as chamas e pensava-se que, nesse momento, a alma do mor to se elevava simbolicamente para as regiões celestes, para ser acolhida no seio dos Olímpicos. O decursio era uma parada de soldados, cavaleiros e chefes em volta da pira imperial à qual atiravam as recompensas que tinham recebido pelos seus grandes feitos. Há neste ritual uma significa ção profunda. Arianos e romanos acreditavam que os seus chefes pos suíam dentro deles a verdadeira for ça da vitória, não tanto como indivíduos mas como portadores de um elemento sobrenatural, olímpico, que lhes era atribuído. Era por isso que, na cerimónia romana do triunfo, o general vencedor se atribuía os símbolos do deus olímpico Júpiter, depositando no seu templo a sua coroa de louros, honrando assim o verdadeiro autor da vitória, bem distinto da parte simplesmente humana. No decorrer do decursio, acontecia um remissio da mesma ordem: os soldados e os chefes restituíam os seus galhardetes, provas da sua coragem e da sua força vitoriosa, ao impera dor, como se aquele, na sua potencialidade olímpica, no momento de se libertar e de transcender para o plano divino, fosse o verdadeiro agente. Isto leva-nos a examinar a segun da demonstração do espírito olímpi

A águia germânica é simplesmente a águia romana. Foi Carlos Magno que, em 800, no momento de declarar a renovatio romani imperii, recuperou o símbolo fundamental, a águia romana, e a adoptou como símbolo do seu Império. Historicamente, não é mais do que a águia romana que se conservou até aos nossos dias como símbolo do Reich.”

co da romanidade, marcado também aqui pelo simbolismo da águia. Era tradicionalmente admitido que aque le sobre quem uma águia pousava estava predestinado por Zeus a um alto destino ou à realeza, signo de legitimidade olímpica tanto num caso quanto noutro. Mas era tam bém admitido pela tradição clássica, e especificamente mais ainda pela tradição romana, que a águia era um presságio de vitória, implicando a concepção olímpica da luta e da vitó ria, quer dizer, a ideia de que através da vitória da “raça” ariana e romana, eram as forças da divindade olímpi ca, do deus da luz, que saiam vitorio sas. A vitória dos homens espelha a vitória de Zeus sobre as forças anti olímpicas e bárbaras e era prevista pela aparição do animal de Zeus, a águia. Isto permite compreender bem o papel que a águia tinha nas insígnias romanas dos signa e vexilla das ori gens, tendo um significado profundo de origem tradicional e sagrada não se tratando de uma mera alegoria. A águia era já na época republicana de Roma a insígnia das legiões, dizen do-se: “uma águia por legião e nenhuma legião sem águia”. Em geral o emblema era composto por uma águia de asas estendidas segu rando um raio nas suas garras. Assim se confirma o simbolismo olímpico: o signo da força de Júpiter junta-se ao animal que lhe é consa grado, pois é com o raio que o deus combate e extermina os titãs. Existe um detalhe que merece ser sublinha do: as insígnias das tropas bárbaras não tinham águia. No entanto nos signa auxiliariaum encontramos ani mais sagrados ou “totémicos” que se referem a outras influências, como o touro ou o carneiro. Somente mais tarde estes signos se infiltraram na romanidade, associando-se à águia e


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dando lugar a um duplo simbolismo: o segundo animal, junto da águia nas insígnias de uma legião, repre sentava as suas características, enquanto que a águia era o símbolo geral de Roma. Na época imperial, por outro lado, a águia passa de insígnia militar e transforma-se em símbolo do próprio Imperium. Conhecemos o papel desempe nhado pela águia na história dos povos nórdicos e germânicos. Este símbolo parece ter abandonado o solo romano por um longo período e ter-se trasladado para as raças ger mânicas, de tal maneira que aparece como um símbolo essencialmente nórdico, o que não é exacto. Esquece-se a origem da águia que ainda hoje figura como emblema da Ale manha, como também o foi do império austríaco, último herdeiro do Sacro Império Romano-Germânico. A águia germânica é simplesmente a águia romana. Foi Carlos Magno que, em 800, no momento de declarar a renovatio romani imperii, recuperou o símbolo fundamental, a águia romana, e a adoptou como símbolo do seu Império. Historicamente, não

é mais do que a águia romana que se conservou até aos nossos dias como símbolo do Reich. Em todo o caso, isto não impede que, de um ponto de vista mais profundo, suprahistórico, possamos pensar em algo mais do que uma simples importa ção. Com efeito, a águia figurava já na mitologia nórdica como um dos animais consagrados a Odin-Wotan e nessa qualidade foi adicionada às insígnias romanas das legiões, e também figurava nos escudos dos antigos chefes germânicos. Podemos pois conceber que Carlos Magno, ao adoptar a águia como símbolo do Império ressuscitado, tendo presente a Roma antiga, tenha simultanea mente e inconscientemente retoma do também um símbolo da antiga tradição nórdico-ariana, conservado apenas de forma fragmentária e cre puscular por diferentes povos do período das invasões. De qualquer maneira, a águia acabou por não ter mais do que um valor heráldico e o seu significado profundo e original foi esquecido. Como muitos outros, a águia tornou-se um símbolo sobrevi vente e, por consequência, susceptí

vel de servir de suporte a ideias e formas muito diferentes. Seria pois absurdo supor a presença “sonâmbula” de concepções como as que acabamos de mencionar onde quer que se vejam, hoje em dia, águias sobre insígnias ou emblemas europeus. Para nós, herdeiros da antiga romanidade, poderia ser dife rente, tal como para o povo, hoje em dia ao nosso lado e que é herdeiro do império romano germânico. O conhe cimento do significado original do simbolismo ariano da águia, emble ma ressuscitado dos nossos povos, poderia assinalar assim o significado mais elevado da nossa luta e ligar-se com o empenho, que nisto repete, em certa medida, a aventura idênti ca na qual o antigo povo ariano, sob o signo olímpico e evocador da força olímpica destruidora das entidades obscuras e titânicas, poderia se sen tir como as milícias das forças do alto e afirmar um direito superior e uma função superior de poder e ordem. — Texto publicado no Boletim Evoliano nº 4


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Símbolos da Tradição

O Treze e o Eleito Uma observação de Guénon, de capital importância para qualquer nova orientação dos estudos etnológicos e folclóricos, diz em substância que a “primitividade” e a “espontaneidade” geralmente atribuídas nas tradições populares, nos usos e costumes e nas lendas dos estratos sociais e populações mais baixos, não passam de uma fábula1. Em tudo isto, salvo raras excepções, nada mais há que uma forma involutiva e degenerescente de elementos e significações que pertencem, na origem, a um plano mais elevado. As supostas “superstições” populares devem ser consideradas sob este ângulo. Logo na sua etimologia a palavra confirma-o: superstição significa sobrevivência, o que sobrevive e o que subsiste. As superstições populares são frequentemente os restos de concepções superiores antecedentes, doravante incompreendidas e consequentemente degradadas e que subsistem como algo de mecânico e sem alma, que continua a exercer um certo fascínio, a mobilizar forças irracionais e instintivas da fé, por uma espécie de atavismo, sem almejar fornecer uma explicação inteligível. Pretendemos dar um exemplo simples que poderá servir de escla recimento. Ninguém ignora as superstições populares associadas ao número treze. Elas são comuns a várias nações. O número treze tem uma natureza ambígua: tanto traz felicidade como infelicidade. O elemento negativo, a infelicidade, predomina frequentemente (e, como veremos, não é por acaso). Mas há outro aspecto: o número treze também é considerado como portador da felicidade, de tal forma que apa rece amiúde nos amuletos modernos, utilizados sobretudo pelo sexo fraco, em parte por brincadeira em parte porque nele se acredita. Qual é então a origem desta crença ou

“superstição”? Ao desvendar a origem primeira a maioria reagiria com estupefacção pois torna-se necessário referir tradições antigas de carácter metafísico, sagrado e até imperial. O ponto de partida é o simbolismo do número doze. O “doze” é uma espécie de signo que se encontra em todos os locais onde se constituiu o centro de uma grande tradição histórica do tipo “solar”, em função de analogias precisas. Com efeito, o Zodíaco compõe-se de doze signos, que definem o circuito solar. Um ciclo completo do astro da luz compreende doze fases, marcadas pelas constelações zodiacais, às quais foram assim atribuídos outros tantos modos de ser e, noutro plano, outras tantas funções de “solaridade” nesse ciclo. É por isso que, por analogia e por vias miste riosas, as tradições que na antigui dade incarnaram na terra e na his tória uma função “solar” levam-nos sempre a descobrir a sigla do “doze”. Assim, o mais antigo código ariano, o das Leis de Manu, divide-se em doze partes; os grandes deuses e as anfictionias4 helénicas eram em número

de doze, tal como os membros de numerosos colégios sacerdotais romanos (os Árvalos e os Salianos, por exemplo, tal como havia doze lictores); doze: os heróis divinos dos Ases do Midgard da tradição nórdica, os discípulos de Lao-Tse da tradição taoísta extremooriental, os membros do conselho “circular” do Dalai-Lama no Tibete, os principais cavaleiros da corte do rei Artur e do Graal, os trabalhos simbólicos de Hércules, etc. Tam bém o cristianismo reflecte a mesma ordem de ideias: doze apóstolos — mais ainda O Décimo Terceiro. Na reunião dos Doze o Décimo Terceiro é o que incarna o princípio solar, é portanto o centro e o chefe supremo de todos; os outros, em relação a ele, apenas correspondem a funções e aspectos derivados do ciclo solar da tradição, civilização ou religião de que nos ocupamos. Na posse destes elementos, temos o que é necessário para compreender o número treze como número positivo, benéfico, “solar”. Como se veio a tornar, mais especi ficamente, o número da felicidade e, por vezes da infelicidade, resulta do que vem a seguir. Uma tradição pode passar por uma fase obscura, decadente, de tal forma que, mesmo deixando sobreviver as formas, perde-se a força suprema que as deveria penetrar e animar. Uma das formas simbólicas mais expressivas deste estádio é a reunião dos doze, à qual por vezes falta o décimo terceiro. Se nos referirmos à formulação medieval destas ideias encontramos a figuração bem interessante da távola redonda ao redor da qual têm assento os doze cavaleiros mas cujo décimo terceiro assento está vazio e tem o significativo nome de assento perigoso. Ninguém lá se pode sentar sem ter que afrontar uma terrível prova. Ele está reservado a um cavaleiro eleito, pre-


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Uma tradição pode passar por uma fase obscura, decadente, de tal forma que, mesmo deixando sobreviver as formas, perde-se a força suprema que as deveria penetrar e animar. Uma das formas simbólicas mais expressivas deste estádio é a reunião dos doze, à qual por vezes falta o décimo terceiro. Se nos referirmos à formulação medieval destas ideias encontramos a figuração bem interessante da távola redonda ao redor da qual têm assento os doze cavaleiros mas cujo décimo terceiro assento está vazio e tem o significativo nome de assento perigoso. Ninguém lá se pode sentar sem ter que afrontar uma terrível prova. Ele está reservado a um cavaleiro eleito, predestinado, melhor que os demais, cujo nome nos romances de cavalaria ora é Galahad, ora Parsifal, ora Gauvain (… ) Eis, assim, como se pode esclarecer o duplo significado de felicidade e infelicidade do número treze. O lado malévolo deve naturalmente prevalecer pelo simples motivo que, no plano que indicámos, é natural que a maior parte dos que ousam ocupar o décimo terceiro lugar não estejam à altura do desafio.” destinado, melhor que os demais, cujo nome nos romances de cavalaria ora é Galahad, ora Parsifal, ora Gauvain. A qualificação particular deste cavaleiro concede-lhe o direito de ocupar este lugar, ou seja, de incarnar a função solar suprema e de ser o chefe dos outros doze, portanto da tradição ou da organização ou do ciclo que os reúne. Qualquer outro cavaleiro que pretenda ocupar, sem de tal ser digno, esse décimo tercei ro lugar, encontraria a infelicidade; seria atingido por um raio ou a terra abrir-se-ia sob os seus pés. Mas o cavaleiro eleito, apesar desses fenó menos, ficaria incólume. Ele apre senta-se frequentemente como aquele que, ao contrário dos outros, é capaz de reparar uma espada que-

brada, símbolo óbvio da decadência à qual ele vem pôr termo. Eis, assim, como se pode esclarecer o duplo significado de felicidade e infelicidade do número treze. O lado malévolo deve naturalmente prevalecer pelo simples motivo que, no plano que indicámos, é natural que a maior parte dos que ousam ocupar o décimo terceiro lugar não estejam à altura do desafio. Julgue-se por este exemplo o que pode subsistir, de forma obtusa, nocturna, subconsciente, nas superstições populares. A força da superstição nada mais é que a auto matização e a materialização daquilo que, na origem, estava ligado a significados espirituais. A Idade Média é, no Ocidente, o último perío-

do em que as tradições, como as relativas aos doze, ao treze e ao assento perigoso, conservam ainda significados deste tipo. Para apre ciar a distância que existe entre elas e a sua sobrevivência supersticiosa evocaremos ainda o nosso livro: O Mistério do Graal e a Ideia Imperial Gibelina. Nele ilustrámos e demonstrámos que as lendas de cavalaria, de que acabámos de falar, tinham uma estreita ligação com o problema político-espiritual do império gibelino2. O herói do Graal, que deveria ter restituído ao seu antigo esplendor um reino misterioso, e que se identifica com o cavaleiro eleito, capaz de, sem receio, se sentar no “assento perigoso”, o décimo terceiro lugar vazio, nada mais é que o dominador que todo o mundo gibelino esperava para pôr termo à usurpação e para a realização integral em todo o mundo d o S a c r o I m pé r i o Ro m a n o Germânico. Ele corresponde, assim, mais coisa menos coisa, ao miste rioso Dux e Veltro de Dante3, que tinha uma relação com as tradições de que acabámos de falar bem mais forte do que se pensa normalmente, ao passo que Richard Wagner falsificou, da forma mais penosa possível, o seu verdadeiro sentido. Esta esperança, no entanto, como se sabe, foi frustrada. Após um breve culminar, tudo se desmoronou: Renascimento, Humanismo, Reforma, crescimento anárquico e violento das nações, absolutismo e finalmente revolução e democracia. Podemos pensar a que ponto hoje em dia o décimo terceiro lugar está vazio. O símbolo que encerra corres ponde rigorosamente ao daquele, bem conhecido, do imperador gibelino imortal, que dorme um sono secular e que espera que “chegue a era” para despertar e combater, à cabeça daqueles que o não esqueceram e que lhe permaneceram fiéis, a derradeira batalha. — Texto publicado no Boletim Evoliano nº 5

1. R. Guénon, Le Saint Graal, em Le Voile d’Isis, número de Fevereiro-Março de 1934. “A própria concepção do folclore, tal como a entendemos habitualmente, repousa numa ideia radicalmente falsa, a ideia de que existem «criações populares», produtos espontâneos da massa popular (…) O que pode ser popular é unicamente o facto da sobrevivência quando esses elementos pertencem a formas tradicionais desaparecidas. (…) O povo con serva assim, sem os compreender, os destroços das antigas tradições, que remontam por vezes a um passado de tal forma longínquo que seria impossível determiná-lo e que nos contentamos, por esse motivo, em remeter para o domínio obscuro da «pré-história»; ele preenche, assim, a função de uma espécie de memória colectiva mais ou menos «subconsciente», cujo conteúdo provém manifestamente de outra origem.” 2. Gibelinos (partidários dos imperadores germânicos) e guelfos (partidários do Papa): facções na aparência políticas que dividiram a Itália durante os séculos XII a XV. 3. Veltro = galgo, animal simbólico que figura no Inferno de Dante (I, 100-111), assimilado a um imperador que deverá ser o libertador da Itália. 4. Anfictionia: associação ou confederação religiosa de comunidades gregas que viviam perto de um santuário, do qual também detinham a respon sabilidade. (N. do T.)


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Símbolos da Tradição

O Fascio “O poder do símbolo é superior ao dos homens”, foi dito por Olimpiodoro.1 E por sua vez Bachofen considerou: “O símbolo desperta um presságio, enquanto que a língua pode apenas explicar. O símbolo faz vibrar as cordas do espírito no seu conjunto, enquanto que a mente apenas pode entregar-se a um pensamento de cada vez. O símbolo mergulha as suas raízes até às mais secretas profundezas da alma, enquanto que a língua só consegue roçar, como um leve alento de vento, a superfície do intelecto: aquele está orientado para o interior, esta, pelo contrário, para o exterior. Apenas o símbolo consegue recolher na síntese de uma impressão unitária os elementos mais díspares. As palavras convertem em finito o infinito, os símbolos conduzem, por seu lado, o espírito para além das fronteiras do mundo finito e que devém, em direcção ao mundo infinito e real”.2 As correntes mais recentes e vivas da filosofia da cultura caracterizam-se justamente por um interesse crescente pelo mundo do símbolo e do mito, concebidos não como poéticas e arbitrárias invenções, mas como dramatizações que escondem significados profundos dos tempos mais longínquos. E a este interesse associa-se de forma congenial um olhar dirigido para o passado, até às “origens” onde, em lugar da humanidade animalesca imaginada pelo darwinismo e pelo evolucionismo, os novos investigadores, pelo contrário, parecem encontrar manifestações dos rastos de uma espiritualidade primordial inesperada. Nestas notas pretendemos fazer menção ao sentido mais profundo que resulta para o simbolismo do Fascio de tal tipo de investigações, ainda não muito conhecidas entre nós. Como ponto de partida, podem-se tomar os resultados de uma investigação mastodôntica sobre a préhistória da autoria do holandês Her-

man Wirth3, ainda que mencionando apenas o seu aspecto antropológico. Wirth acredita ter fundamentos suficientes para admitir a existência de uma civilização cósmico-simbóli-ca unitária, que remonta ao megalítico, ou até a mais longe; e também a existência de uma raça originária, portadora de uma cultura que em imensas vagas se havia deslocado primeiro do Norte para o Sul, e depois do Ocidente para o Oriente, dando lugar a civilizações similares, originariamente marcadas todas pelo mesmo espírito, pelos mesmos símbolos e cultos. Sobre esta ousada tese, que não é a de um “teósofo” ou de um diletante, mas sim a de um homem de ciência que uma determinada sociedade ad hoc se ocupou de controlar e precisar, não nos ocuparemos aqui. Aquilo que nos interessa é mencionar o tema unitário que para Wirth teria estado no coração desta civilização primordial, e que na realidade pode servir desde tal ponto de referência também independentemente da hipótese antes mencionada, entendida literalmente. Trata-se da epopeia do sol no ano, tomada num sentido real e simbólico ao mesmo tempo. O sol: princípio manifestado que, como calor e como luz, desperta a vida. Tal “semente de vida”, “vida”, “luz das terras” (o landa ljome rúnico), nas mais antigas ideografias o seu símbolo expressa também o “homem”. E assim como no seu curso anual o sol morre e renasce, tem Inverno e Primavera, também o homem tem o seu ano, morre e ressurge. O ano solar ou “deus-ano” como expressão de uma lei universal de renovação,

de renascimento, tal teria sido o centro de uma experiência espiritual primordial, cujos ecos, além do mais, encontram-se por todo o lado, e que além disso não só de agora foram colocados em relevo pela ciência comparada das religiões, ainda que no âmbito de atitudes e hipóteses muito diferentes das de Wirth. No mito solar um ponto teve sempre uma importância especial, desde a mais alta pré-história, desde a própria “civilização dos dólmen”: o ponto no qual a luz solar parece fenecer e extinguir-se, abandonar a terra desolada sobre a qual volta novamente a resplandecer: é o solstício de Inverno. Aparece aqui um símbolo fundamental: a acha. Aqui o “deus-ano” tem o signo da “acha”, é do “deusacha” ou “deus-espinha” que parte em dois, arco descendente e arco ascendente, o signo do ano, muitas vezes formado por um círculo.4 Aqui, pois, a divisão simbólico-calendárica cumpre-se, inicia-se o novo ciclo — o novo ano, a nova vida — a “luz nasce e renasce”. Inicia-se uma nova “série sagrada”.


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De maneira geral, encontra-se vinculado a tal signo [a acha] o significado que se reencontra em todos aqueles mitos ou lendas, onde heróis solares lutam contra monstros ou dragões, os quais personificam as forças obscuras e selvagens do caos, ou seja, contra o próprio elemento das trevas do qual — no mais vasto mito encarnado pela mesma natureza — o sol, voltando a elevar-se, ressurge vitorioso: natalis solis invicti.”

Wirth chama “série sagrada” a uma série de doze signos fundamentais, os quais teriam correspondência com outras tantas fases do sol no ano — “momentos” ou aspectos do deus — determinadas pela relação com os doze signos do Zodíaco. Wirth crê poder divisar uniformemente nos diferentes rastos de civilizações de estirpe nórdica-atlântica, tanto no Ocidente como no Oriente, similares “séries sagradas” que, além do mais, teriam recolhido significados e valores múltiplos: os signos da “série sagrada” teriam valido simultaneamente quer como notações originárias do tempo e dos astros, quer como signos-base para um alfabeto pré-histórico (vestígios do linearismo pré-hieroglífico egípcio, amorítico, chinês, etc.), quer como correspondência gráfica de certas vozes, raízes de uma linguagem antiquíssima não completamente apagada nas línguas mais recentes. Ali onde depois do solstício de Inverno o sol ressurge e se coloca o signo inicial do novo ciclo, “a boca abre-se” e “nasce a língua”. Na realidade na antiga escrita egípcia e suméria o hieróglifo do sol que surge tem também o valor de “boca que se abre”, “língua”, “palavra”. Mas “falar” naquelas tradições tem por sua vez também o valor de “criar”. A “palavra” do “deus” — de Râ — é criadora. Resumindo, e levando a um plano universal o que está contido potencialmente nas recorrências de uma tal simbologia, temos pois um significado de “criação” que simultaneamente é “nascimento solar”, “luz”, significado vinculado ao número doze das “séries sagradas”, que expressa o completo desenvolvimento do novo princípio. Temos também

o aspecto “acha” do deus simbólico no solstício de Inverno que, com referência às duas partes ou arcos cortados por este — um, de tenebroso “Inverno”, o outro de renascimento solar — aparece muitas vezes nos mais antigos vestígios sob a forma de dupla acha ou acha bicúspide, de dois gumes, ou labrys. A este signo solar vincula-se também um significado heróico e guerreiro: com raio e acha bicúspide o deus Merodak combate o monstro do caos Tiamat; também têm uma acha dupla ou martelo duplo os paleo-germânicos Thor e Taran, que são simultaneamente divindades fulgurantes das batalhas; a acha bicúspide é a presa arrancada pelo herói Hércules na sua luta simbólica contra as Amazonas e é desta que o Zeus cário recebe o seu nome, Zeus Labrandeus, e assim sucessivamente. De maneira geral, encontrase vinculado a tal signo o significado que se reencontra em todos aqueles mitos ou lendas, onde heróis solares lutam contra monstros ou dragões, os quais personificam as forças obscuras e selvagens do caos, ou seja,

contra o próprio elemento das trevas do qual — no mais vasto mito encarnado pela mesma natureza — o sol, voltando a elevar-se, ressurge vitorioso: natalis solis invicti. Quanto ao número doze, em função da sua correspondência urâniosolar, vemos que o mesmo aparece em todas aquelas partes nas quais se constituiu um centro que, de uma maneira ou de outra, tenha encarnado ou procurado encarnar aquela tradição que, num sentido analógico e eminente, podemos justamente denominar como “solar”, ou em todas aquelas partes nas quais o mito ou a lenda tenham dado, através de representações ou personificações simbólicas, o tipo de uma tal regência. Com respeito a tudo isto a única dificuldade seria escolher. Aos doze Aditya solares vinculam-se na tradição hindu, as doze divisões das Leis de Manú. Doze são os grandes Namshan do “conselho circular” segundo a tradição tibetana, e doze foram, segunda a tradição chinesa, os discípulos de Lao-tsé. Não é diferente o número de portas da “Jerusalém celestial” na tradição hebraica e o mesmo em relação aos discípulos de Cristo. Doze etapas cumpre o herói caldeu Gilgamesh ao longo da “via solar” para alcançar a terra “para além das águas da morte” e doze “trabalhos” cumpre Hércules. Doze eram as grandes divindades olímpicas e doze os principais cavaleiros da “Távola Redonda” do Rei Artur e da lenda do Graal, assim como os Condes palatinos de Carlos Magno. E muitas outras correspondências podiam ser facilmente encontradas. Ver em tudo isto um

Quanto ao número doze, em função da sua correspondência urânio-solar, vemos que o mesmo aparece em todas aquelas partes nas quais se constituiu um centro que, de uma maneira ou de outra, tenha encarnado ou procurado encarnar aquela tradição que, num sentido analógico e eminente, podemos justamente denominar como «solar», ou em todas aquelas partes nas quais o mito ou a lenda tenham dado, através de representações ou personificações simbólicas, o tipo de uma tal regência.”


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simples “acaso” parece-nos algo demasiado fácil. Do nosso ponto de vista é muito mais sábio pressentir aqui rastos mais ou menos conscientes de um único tema, de um único significado, de uma única tradição, histórica e supra-histórica, aflorada em diferentes partes através de vias subterrâneas, tanto sobre o plano do mito como sobre o da realidade.5 Pois bem, rastos de tal tipo estiveram também presentes na mais antiga romanidade e, para dizer a verdade, de modo característico, desde as suas próprias origens. Não se esconde quiçá um oculto significado no facto de que, segundo a tradição, Rómulo, após ter visto doze abutres, tenha tido o direito de dar o seu nome à cidade eterna? E que doze tenha sido o número dos ancilia estabelecido por Numa como o sinal, recebido do “céu”, da protecção divina?6 Doze foram, em Roma, os altares do deus Jano, o qual não é senão uma representação do “deus-ano”, o deus dos inícios, não privado de relação com o próprio “demónio” da guerra; ou seja, com o poder arrasador do elemento heróico: porque era o desencadeamento de um tal demónio que queria significar, de acordo com o que refere Virgílio7, o facto de que só em tempos de guerra o templo de tal deus ser deixado aberto. Doze — do mesmo modo que as gregas — são também as máximas divindades romanas segundo Varrão;8 doze é o número dos sacerdotes de diferentes colégios romanos entre os mais antigos, por exemplo os Arvales e os Sálios, doze era o número dos lictores estabelecidos por Rómulo, assim como doze final-

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Ver em tudo isto um simples «acaso» parecenos algo demasiado fácil. Do nosso ponto de vista é muito mais sábio pressentir aqui rastos mais ou menos conscientes de um único tema, de um único significado, de uma única tradição, histórica e supra-histórica, aflorada em diferentes partes através de vias subterrâneas, tanto sobre o plano do mito como sobre o da realidade.” mente são as varas do próprio Fascio Romano, segundo o que aparece dos fascios capitolinos ainda existentes. Assim chegamos ao ponto central. Temos todos os elementos necessários para compreender no íntimo o que de mais profundo pode estar encerrado em tal símbolo sumamente significativo para a romanidade. O fascio romano era composto por dois elementos: precisamente as doze varas e uma acha, que por vezes é uma acha de lâmina dupla, justamente como a acha préhistórica que se encontra já nos vestígios neolíticos e talvez também paleolíticos; como a dos conquistadores “hiperbóreos”, entre os quais era acompanhada do signo do renascimento, o “homem com braços levantados”. Queremos também aqui pensar em “acaso”? É certo que isso o podem pensar aqueles que — ainda que admirando-a — não vêem na romanidade nada mais que uma grandeza puramente temporal, considerando como superstição “superada” tudo aquilo que como rito e

A volta da acha, símbolo heróico e sagrado que «separa», que encerra uma época e abre «triunfalmente» um novo ciclo, uma nova criação, como luz de um novo «ano» ou saeculum, encontram-se recolhidos os signos de uma realização, de um desenvolvimento perfeito em sentido «solar»: os doze. Pois bem, na história do mundo, poucas realidades aparecem mais ligadas que a romana a um tal símbolo, mais fiéis — numa aeternitas cesárea e numa universalidade solar — a esta promessa ritual.”

como símbolo foi inseparável em Roma de toda a instituição e de toda a manifestação da vida, tanto individual como colectiva; rindo de tudo aquilo que para o romano valeu até ao fim como a mais firme certeza, ou seja, que a partir dos “deuses” — entenda-se aqui: o elemento “divino” — se fez o poderio e a aeternitas romana até ao limite da pax augusta et profunda estabelecida imperialmente até aos limites do mundo conhecido. Pela nossa parte não seríamos capazes de partilhar tal ponto de vista. Para nós Roma, além da grandeza material, políticojurídica e militar, foi uma grandeza espiritual, ainda que não tenha sentido a necessidade de entregar-se a abstracções filosóficas e a uma malsã, escapista e devocional religiosidade de tipo asiático-semita. Nós não podemos acreditar que a romanidade — tão escrupulosa na exacta determinação sacral mesmo em detalhes quase insignificantes — tenha depois deixado o “acaso” decidir a escolha e a determinação de um símbolo tão central da sua civilização, como o Fascio lictor. E se se considerar por outro lado em que medida sempre permaneceu na magistratura romana um carácter sacro, parece atendível que nos próprios fascios dos lictores pudesse estar encerrado um significado superior; que na realidade se trate aqui dos vestígios de uma sabedoria antiga e solar, do signo ritual de um destino e de uma grandeza. À volta da acha, símbolo heróico e sagrado que “separa”, que encerra uma época e abre “triunfalmente” um novo ciclo9, uma nova criação, como luz de um novo “ano” ou saeculum, encontram-se recolhidos os signos de uma realização, de um desen-


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volvimento perfeito em sentido “solar”: os doze.10 Pois bem, na história do mundo, poucas realidades aparecem mais ligadas que a romana a um tal símbolo, mais fiéis — numa aeternitas cesárea e numa universalidade solar — a esta promessa ritual. E como Roma da história passou por isto à suprahistória, de modo tal a fazer prever também aos escritores da nova religião semítica que “enquanto Roma permanecer íntegra, as convulsões espantosas da idade última não serão de temer, mas no dia em que ela cair, a humanidade estará próxima da sua agonia”.11 Assim, pois, numa análoga transfiguração fica também susceptível o seu símbolo, o Fascio. Uma multiplicidade de aspectos do símbolo que não se contradizem, mas que se hierarquizam é a sua característica fundamental. A respeito de um símbolo pode evocar-se o seu corpo. Mas também pode evo-

car-se a sua alma, aquela parte que, segundo as palavras de Bachofen citadas no início, conduz o espírito mais além do que é condicionado e contingente. O mesmo vale para o Fascio. O mesmo pode valer como signo para um plano político; de maneira mais profunda pode valer também para um plano de eticidade; finalmente o mesmo pode valer a nível de espiritualidade pura, daquela espiritualidade que é também potência. Que a raça, que hoje voltou a evocar os signos e o nome da romanidade justamente como base para a vontade de “renascimento” nacional, chegue hoje a activar-se também na alma, a adequar-se pela sua potência a significados de ressurreição “triunfal” e de cumprimento “solar” tacitamente encerrados no signo arcaico da acha e dos doze: não pode ser outra a esperança daqueles que ainda “crêem” e que resistem às grandes sombras da decadência espiritual que incumbem ao Ocidente moderno. — Texto publicado no Boletim Evoliano nº 10

1. Olimpiodoro, Ms. Bibl. Royal P., Praxis mz., f. 72. 2. J. J. Bachofen, Urreligion und antike Symbole, Leipzig, 1928, T. I, pgs. 283-284. 3. H. Wirth, Der Aufgang der Menscheit — Untersuchugen zur Geschichte der Religión, Symbolik und Schift der atlantich-nordischen Rasse, Jena, 1928. 4. Op. cit., pgs. 17-18, 99, 204, 209 e ss. 5. A tal respeito há que assinalar a notável obra de R. Guénon, Le Roi du Monde, Paris, 1928. 6. Vale a pena fazer uma menção sobre a tradição romana a respeito do ancile, o escudo recebido do céu como pignus imperii (ver Ovidio, Fast., III, pgs. 259-398). O mesmo teria sido obtido por Numa para assegurar a perenidade de Roma, e, além do mais, equivale a uma simbólica ampola que contém a ambrósia, ou seja, um alimento perene imortalizador (ver Dumézil, Le Festin d’Immortalité, 1924, pgs. 127-151). Pois bem, o colégio dos Sálios, instituído por Numa para custodiar o pignus imperii, composto por doze membros, juntamente com este escudo, tinha outro símbolo: a haste ou lança. Assim vemos já na romanidade, de maneira muito exacta, os mesmos símbolos que aparecem no mito mais característico do outro grande período imperial europeu, o feudal-cavaleiresco: no mito do Graal. Com efeito, doze, tal como dissemos, são os cavaleiros do Graal, que custodiam no tempo a lança (= haste) e a taça, que, como os ancilia, dá um místico alimento perene e imortalizador. Ressaltemos por outro lado que, por mais que adaptado ao cristianismo, o mito do Graal possui origens nórdicas pré-históricas: a taça e a lança figuram já, juntamente com a negra “pedra do destino” que proclama os verdadeiros reis (e é curioso o caso de que também a romanidade tenha conhecido um lapis Níger que foi colocado no início da via Sacra), entre os objectos místicos levados consigo para a Irlanda pela “raça divina” dos Tuatha Dé Danann (ver C. Squire, The Mythology of ancient Britain and Ireland, Londres, 1909, pág. 34). 7. Virgilio, Eneida, I, 293. 8. Varrão, I, V, 74. 9. Podemos facilmente ressaltar como o elemento “triunfal” encontra por outra parte expressão também no símbolo romano vinculado ao Fascio, a Águia, animal considerado como “solar” pela antiguidade. Segundo a tradição, sob a forma de “águia” teria saído a voar da pira a alma imperial de Augusto (ver Preller, Römische Mythologie, Berlim, 1858, pgs. 787 e ss.); e esta águia corresponde efectivamente à outra que, no mito, abandonou o rei paleo-irânico Yima e que significava o hvarenô. Pois bem, o hvarenô é a “glória” concebida pelos iranianos como um “fogo celestial” ou “solar” que consagra e converte em imortais os reis, atestando-os com a vitória (ver F. Spiegel, Iranische Atertumskunde, Leipzig, 1871, T. II, pgs. 42-43). É a tradição de uma antiquíssima espiritualidade de tipo heróico que além do mais encontra-se também em quase todas as grandes civilizações pré-modernas sobretudo arianas (veja-se o nosso escrito sobre O carácter sagrado da realeza em A Nobreza da Estirpe, nº 1 de 1932). 10. Não se encontra privado de interesse o facto de que alguém tenha procurado encontrar o doze no ciclo imperial romano: Suetónio, por exemplo, escreveu uma Vida dos Doze Césares. Doze saecula além do mais era uma profecia etrusca que tinha atribuído tal quantidade de tempo à vida de Roma. 11. Lactâncio. Inst., VII, 25, 6.


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Doutrina

O que é a Tradição? Há duas razões pelas quais é hoje necessário precisar a ideia de Tradição na sua acepção particular, que é enfatizada pelo uso, tornado muito corrente, de tal termo com letra maiúscula. A primeira razão é o interesse crescente que esta ideia de Tradição enquanto referência doutrinal suscitou e continua a suscitar nos ambientes culturais e contestatários de direita, em especial entre os jovens. A segunda razão prende-se com o facto de se assistir simultaneamente, e pode-se dizer que justamente por se haver constatado tal interesse, a diferentes tentativas de impor uma interpretação distorcida e tíbia da ideia de Tradição. Trata-se de suplantar a interpretação original e integral para substituí-la por um conteúdo menos comprometido e mais acomodado, de modo a não perturbar as routines de uma mentalidade em grande medida conformista. Poder-se-ia falar a tal respeito, recorrendo a um termo francês, de escamotage. Vimos por exemplo pessoas que, atraídas num primeiro momento pela ideia de Tradição, acabaram por se distanciar e aderir a um “tradicionalismo católico”. Acerca do sentido de tal distanciamento, poderemos recordar as palavras bastante significativas utilizadas por um escritor desta corrente, numa entrevista concedida a Gianfranco de Turris. O escritor em questão reconheceu terse interessado num primeiro momento pela ideia tradicional, e especialmente pelas suas aplicações políticas, tal como outras pessoas da sua geração e das gerações seguintes, mas que mais tarde se distanciou, sentindo que as coisas aconteciam como numa “sã cura de heliote-

rapia”: havia que “retirar-se do sol antes de ser queimado”. Evidentemente, trata-se apenas de um modo hábil e elegante de dizer que não se suportava a força de certas ideias formuladas sem atenuações: daí o distanciamento e a adesão ao “tradicionalismo católico”. Um outro caso, verdadeiramente típico, é o constituído por um livro publicado pelas edições Bompiani, e que se intitula simplesmente “O que é a Tradição”. Não se trata de uma exposição sistemática, mas sim de uma colectânea de ensaios que muitas vezes pouco têm que ver com o tema de que supostamente tratam; além disso, o autor dá novamente uma versão tíbia da Tradição, tendo visíveis preocupações de carácter religioso e moralizante. O alarde expresso através de múltiplas citações serve mais para confundir que para esclarecer, dada a falta de um rigoroso quadro sistemático. É bas-

tante visível que este livro foi escrito precisamente em reacção ao interesse crescente suscitado pela ideia de Tradição; concretamente, ele procura contrariar esta ideia. Há um aspecto que merece ser assina lado: o autor do livro em questão, que pretende agora explicar-nos em que consiste a Tradição, por certo nunca sonhou em aproximar-se de tal ordem de ideias até não faz muito tempo, quando andava de braço dado com Moravia e outros expoentes da intelectualidade esquerdista italiana. Este autor finge ignorar que a ideia integral de Tradição havia sido já formulada nos anos vinte por René Guénon e o seu grupo, e depois novamente na nossa obra Revolta contra o Mundo Moderno, aparecida em Itália em 1934 e traduzida para o alemão no ano seguinte, cuja primeira parte se intitula justamente “O mundo da Tradição”. Como que a contragosto, o autor em questão cita, apenas um par de vezes, a contribuição da corrente guenoniana, e ignora sistematicamente a nossa. Lamentavelmente ele dispõe de um vasto círculo de leitores, de modo que a sua tíbia apresentação do que seria a Tradição revela-se na prática sumamente perniciosa. O autor em questão perde-se numa discussão teológicoescolástica quando afirma que “a Tradição por excelência, à qual convém a maiúscula por razões de exactidão e não por preocupação retórica, é a transmissão do conhecimento do objecto supremo e máximo, o conhecimento do ser perfeitíssimo”. Esta definição poderá valer, no melhor dos casos, no domínio contempla tivo e religioso; apenas neste plano se poderá afirmar que a Tradição “se concretiza num conjunto de meios:


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No que se refere ao domínio histórico, a Tradição vincula-se àquilo que poderia denominar-se como uma transcendência imanente. Trata-se da ideia, recorrente, de que uma força do alto actuou numa ou noutra civilização, num ou noutro ciclo histórico, de modo que valores espirituais e supra-individuais constituíram o eixo e a referência suprema para a organização global da sociedade, para a formação e a justificação de toda a realidade e de toda a actividade subordinada e simplesmente humana.” sacramentos, símbolos, ritos, definições discursivas cujo fim é desenvolver no homem aquela parte, ou faculdade, ou potência ou vocação, que o coloca em contacto com o máximo do ser que é permitido ao homem conhecer, colocando no topo da sua constituição corporal ou psíquica o espírito ou intuição intelectual”. Admite-se também a definição de uma hierarquia “entre os seres relativos e históricos, fundada no seu grau de distanciamento da ideia do puro ser”, mas é evidente que se fica aqui numa esfera abstracta. E isso é confirmado pelo facto do autor nutrir uma espécie de hostilidade pessoal a respeito das formas da realidade política, e portanto também por tudo o que é Estado, hierarquia política e imperium, em conformidade com certos desvios espiritualistas e cristãos (como aparece claramente num outro autor, o “tradicionalista” Leopold Ziegler). De facto, a Tradição manifesta-se em toda a sua potência formativa e animadora justamente no domínio da organização política e social, à qual confere um significado e uma legitimação superiores. Um exemplo típico, que persistiu até à época moderna, é-nos oferecido pelo Japão. Não temos a pretensão de expor aqui o que é a Tradição no seu sentido integral, e contentar-nos-emos com algumas observações breves. Podem-se distinguir dois aspec tos da Tradição: um refere-se à me tafísica da história e a uma morfo logia das civilizações, o outro a uma interpretação “esotérica”, na sua dimensão profunda, do diferente ma terial tradicional. Sabe-se que o termo “tradição” vem do latim tradere, ou seja, trans-

mitir. Assim se explica que esta palavra não tenha um conteúdo unívoco e seja utilizada nos domínios mais variados e profanos. O “tradicionalismo” pode ser sinónimo de conformis mo, e a este propósito Chesterton disse que a tradição é “a democracia dos mortos”: se na democracia nos conformamos com a opinião da maioria dos nossos contemporâneos, do mesmo modo o tradicionalismo conformista segue a opinião da maioria daqueles que viveram antes de nós. Poucos sabem que o termo Kabbalah significa, literalmente, “tradição”, mas em relação com a transmissão de um conhecimento metafísico e com a interpretação “esotérica” da correspondente tradição; aproximamo-nos assim do autêntico conteúdo da Tradição. No que se refere ao domínio his tórico, a Tradição vincula-se àquilo que poderia denominar-se como uma transcendência imanente. Tra ta-se da ideia, recorrente, de que uma força do alto actuou numa ou noutra civilização, num ou noutro ciclo histórico, de modo que valores espirituais e supra-individuais constituíram o eixo e a referência supre ma para a organização global da sociedade, para a formação e a justificação de toda a realidade e de toda a actividade subordinada e simplesmente humana. Esta força é uma presença que se transmite, e a trans-

missão, corroborada justamente pelo carácter a-histórico desta força, representa precisamente a Tradição. Normalmente, a Tradição entendida neste sentido é transportada por aqueles se encontram no vértice das diversas hierarquias, ou por uma eli te; sob as suas formas originárias, as mais completas, a Tradição ignora a separação entre poder temporal e autoridade espiritual, sendo a segunda, em princípio, o fundamento e a legitimidade do primeiro. Como exemplo característico podemos citar a concepção extremo-oriental do soberano enquanto “terceira força entre o Céu e a Terra”, concepção que se encontra na realeza nipónica cuja tradição persiste até hoje, praticamente inalterada. Fornecemos numerosos exemplos análogos, provenientes também do mundo ocidental, na nossa obra supra mencionada, e fizemos notar os conteúdos constantes, invariáveis, para além da diversidade das formas. No aspecto aqui indicado de “transcendência imanente”, o tradere, a transmissão, não se refere a uma abstracção que se possa contemplar, mas a uma energia que, por ser invisível, não é menos real. Compete aos chefes e à elite assegurar, no interior de determinados marcos institucionais, variáveis mas homólogos na sua finalidade, esta transmissão. É bastante evidente que a mesma é mais garantida se for paralela à continuidade rigorosamente controlada de um mesmo sangue. De facto, quando a cadeia de transmissão se interrompe, é sumamente difícil restabelecê-la. É inútil sublinhar que a Tradição se opõe a tudo quanto é democracia, igualitarismo, primazia da sociedade sobre o Estado, poder que vem de baixo e coisas similares. No que diz respeito ao segundo aspecto da Tradição, é preciso referir-se ao plano doutrinário e àquilo a que podemos chamar a unidade transcendente e oculta das diferentes tradições. Pode tratar-se de tradi-

Sob as suas formas originárias, a Tradição ignora a separação entre poder temporal e autoridade espiritual, sendo a segunda, em princípio, o fundamento e a legitimidade do primeiro.”


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ções de tipo religioso, mas também de sabedorias, de mistérios. Aquilo a que se chama o “método tradicional” consiste em descobrir uma unidade ou correspondência essencial de símbolos, de formas, de mitos, de dog mas, de disciplinas, mais além das expressões variadas que os corres pondentes conteúdos de significado podem assumir nas diferentes tradições históricas. Tal unidade pode aparecer após uma análise em profundidade dos diferentes materiais tradicionais: análise essa — e isto deve ser destacado — que se distingue da ciência comparada das religiões universais, a qual se atém à superfície e tem assim um carácter empírico, não metafísico. A faculdade aqui necessária é aquela a que podemos chamar “intuição intelectual” ou “espiritual”, intuitio intellectualis; quem possuir uma certa sensibilidade sabe imediatamente se ela está presente ou não, uma vez que ela concede uma virtude iluminante que não se encontra nas aproximações formais e laboriosas estabelecidas pelos estudos profanos e mesmo por aqueles que querem brincar aos tradicionalistas sem estarem efectivamente enraizados no solo da Tradição. É o caso, claro, dos escritores de que falamos ao início e de outros do mesmo género, simples intelectuais para quem a Tradição não passa de uma vaidade; é também o caso de alguns psicanalistas que se aventuraram no domínio dos símbolos, dos mitos e das religiões. Além disso, só a posse desta rara capacidade intelectual e que não se pode aprender pode igualmente dar o sentido da medida e prevenir aquilo a que se poderia chamar “a superstição da Tradição”. Com efeito, há pessoas que dão rédea solta à imaginação e descobrem por todo o lado conteúdos supostamente tradicionais, mesmo quando os mesmos são puramente fantasistas ou quando se trata de materiais espúrios e primitivos. Trata-se de um fenómeno análogo ao chamado “delírio interpretativo” dos freudianos, que pretendem encontrar em tudo a acção dos complexos sexuais. A origem das formas tradicionais coloca um problema complexo. No que diz respeito ao primeiro dos dois aspectos aqui aludidos, ou seja, o aspecto histórico, é muitas vezes formulada a ideia de uma tradição

primordial, da qual teriam derivado as tradições particulares. Mas se nos ativermos ao plano histórico, esta ideia deve ser complementada. Assim, da hipótese de uma tradição primordial hiperbórea e nórdicoocidental no que se refere ao grupo de civilizações tradicionais dos povos indo-europeus, não se pode fazer demasiado uso no que concerne, por exemplo, às formas tradicionais extremo-orientais, as quais se ligam muito provavelmente a um outro tronco de origem. A questão que pode surgir, no entanto, muitas vezes é outra: ela diz respeito à explicação das concordâncias e correspondências essenciais entre os conteúdos tradicionais. Recorrer a personagens, a “iniciados” que nos diferentes casos teriam actuado consciente-

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são inexistentes, algo de imponderável entra em jogo servindo-se ao máximo de elementos de “apoio”. Pode-se interpretar assim o nascimento da Roma antiga, com todos os seus elementos que reproduzem certas formas da tradição primordial indo-europeia. Enfim, deve-se consi derar um outro caso possível: a influência em questão pode actuar num segundo momento, transformando, enriquecendo, ou até mesmo rectificando a matéria-prima originária de uma dada tradição. Numa certa medida, é o que parece ter acontecido com a formação da tradição católica a partir da matéria proporcionada pelo cristianismo primitivo. A introdução da ideia de Tradição permite quebrar o isolamento de toda a tradição particular, reme

Aquilo a que se chama o «método tradicional» consiste em descobrir uma unidade ou correspondência essencial de símbolos, de formas, de mitos, de dogmas, de disciplinas, mais além das expressões variadas que os corres− pondentes conteúdos de significado podem assumir nas diferentes tradições históricas. Tal unidade pode aparecer após uma análise em profundidade dos diferentes materiais tradicionais (… ) A faculdade aqui necessária é aquela a que podemos chamar intuitio intellectualis.” mente na origem de cada tradição, para explicar os paralelismos, é uma ideia simplista e em parte supersticiosa. Deve-se antes pensar — mesmo que esta ideia pareça, aos olhos de muita gente, dificilmente aceitável — em influências “de bastidores”, por assim dizer, que vêm inserir-se na história e no desenvolvimento das tradições, sem que os seus representantes se dêem conta. Há também casos de “reflorescimento” de uma única influência com notáveis distâncias de espaço ou de tempo, sem que se possa portanto estabelecer uma transmissão material: como um redemoinho que desaparece num determinado ponto da corrente para voltar a formar-se num outro ponto. É o que se deve pensar em muitos casos de correspondências tradicionais, em elementos particulares, mas também nas estruturas de conjunto de uma dada civilização: as linhas de ligação à superfície

tendo o princípio criador e os conteúdos fundamentais de uma dada tradição para um contexto mais vasto, por meio de uma integração efectiva. Ela só pode prejudicar eventuais pretensões de um exclusivismo sectário. Reconhecemos que esta ideia de Tradição pode incomodar e deso rientar aqueles que se sentem em segurança no interior do seu universo bem fechado sobre si mesmo. Mas para outros a visão tradicional abrirá horizontes, mais vastos e mais livres, e dar-lhes-á uma confirmação superior, desde que eles não façam batota, como no caso daqueles “tradicionalistas” que apenas se interessam pela Tradição como forma de condimentar a sua tradição particular, reafirmada em todas as suas limitações e em todo o seu exclusivismo. — Texto publicado no Boletim Evoliano nº 1


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Doutrina

A Doutrina das Quatro Idades Se o homem moderno, até a uma época ainda muito recente, concebeu o sentido da história como uma evolução e o exaltou como tal, o homem da Tradição teve consciência de uma verdade diametralmente oposta a esta concepção. Em todos os antigos testemunhos da humanidade tradicional pode-se encontrar sempre, de uma forma ou doutra, a ideia de uma regressão, de uma “queda”: de estados originários superiores, os seres teriam descido a estados cada vez mais condicionados pelo elemento humano, mortal e contingente. Este processo involutivo teria tido o seu início numa época muito recuada. O termo èddico ragna-rökkr, “crepúscu-lo dos deuses”, é o que caracteriza melhor esse processo. E não se trata de um ensinamento que no mundo tradicional tenha sido expresso de uma forma vaga e genérica: pelo contrário, foi explicitado numa doutrina orgânica, cujas diferentes expressões apresentam em grande medida um carácter de uniformidade: na doutrina das quatro idades. Um processo de decadência gradual ao longo de quatro ciclos ou “gerações” — é este, tradicionalmente, o sentido efectivo da história, e por isso também o da génese do que nós chamamos, num sentido universal, “mundo moderno”. Esta doutrina poderá portanto servir de base às considerações que se seguirão. A forma mais conhecida da dou trina das quatro idades é a própria da tradição greco-romana. Hesíodo fala precisamente de quatro idades, assinaladas pelos metais ouro, prata, bronze e ferro, inserindo depois entre as duas últimas uma quinta era, a era dos “heróis”, que contudo se verá ter só o significado de uma restauração parcial e especial do estado primordial.1 A tradição hindu tem a

Uma representação da Idade de Ouro

mesma doutrina, sob a forma de quatro ciclos chamados respectiva mente satyâ-yuga (ou kortâ-yuga), tretâ-yuga, dvâpara-yuga e kali-yuga (que quer dizer “idade obscura”)2, juntamente com a imagem do desa parecimento progressivo, no decorrer destes ciclos, de cada um dos quatro pés ou apoios do touro que simboliza o dharma, a lei tradicional. A redac ção irânica está próxima da helénica: as quatro idades são conhecidas e assinaladas pelo ouro, prata, aço e uma “liga de ferro”.3 O ensinamento caldeu repete este ponto de vista quase nos mesmos termos. Em particular, mais recentemente encontra-se a imagem do carro do universo como uma quadriga que, conduzida pelo deus supremo, é puxada numa corrida circular por quatro cavalos que representam os elementos: as quatro idades correspondem à sucessiva predominância de cada um desses cavalos, que então arrasta consigo os outros, segundo a natureza simbólica, mais ou menos luminosa e rápida, do elemento que esse cavalo representa.4 Embora numa transposição especial, reaparece a mesma concepção na tradição judaica, na profecia que fala de uma estátua resplandecente, com a cabeça de ouro, em que o peito e os braços são de prata, o ventre e as coxas de cobre e as pernas e os pés de ferro e argila: estátua esta que

representa, nas várias partes dividi das desta maneira, quatro reinos que se sucedem a partir do reino áureo do “rei dos reis” que recebeu “do deus do céu potência, força e glória”.5 Se em relação ao Egipto já se conhece a tradição referida por Eusébio sobre três diferentes dinastias, formadas respectivamente por deuses, semideuses e manes6, aqui pode terse o equivalente das três primeiras idades — da do ouro à do bronze — de que falámos acima. Igualmente, se as antigas tradições aztecas falam de cinco sóis ou ciclos solares, em que os primeiros quatro correspondem aos elementos e nos quais se vê figurarem, tal como nas tradições euro-asiáticas, as catástrofes do fogo e da água (dilúvio) e as lutas contra os gigantes que veremos caracterizarem o ciclo dos “heróis” acrescentado por Hesíodo aos outros quatro7, também se pode reconhecer aqui uma variante do mesmo ensinamento de que, por outro lado, noutras formas e mais ou menos fragmentariamente, se podem encontrar reminiscências também entre outros povos. Não serão inúteis algumas con siderações gerais antes de abordar mos o exame do sentido particular de cada período, visto que a con cepção em causa está em contradi ção aberta com os pontos de vista modernos sobre a pré-história e o mundo das origens. Defender, como tradicionalmente se deve defender, que nas origens tenha existido não o homem animalesco das cavernas, mas sim um “mais que-homem”, e que já a mais alta pré-história tenha visto não uma “civilização” mas pelo contrário uma “era dos deuses”8 — para muitos, que de uma maneira ou doutra acreditam na boa nova do darwinismo, significa fazer pura “mitologia”. Todavia, como esta mito-


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logia não somos nós a inventá-la agora, ficaria assim por explicar o facto da sua existência, ou seja, o facto de nos testemunhos mais remotos dos mitos e dos escritos da Antiguidade não se encontrar nenhuma recordação que conforte o “evolucionismo” e que se encontre — pelo contrário e precisamente — o seu oposto, a ideia constante de um passado melhor, mais luminoso, supra-humano (“divino”); que portanto se saiba tão pouco sobre “origens animais” e que aliás se fale uniformemente de um originário parentesco entre os homens e os numes e que permaneça a recordação de um estádio primordial de imortalidade, juntamente com a ideia de que a lei da morte só interveio num momento determinado e, para dizer a verdade, quase a título de um facto contranatura ou de um anátema. Em dois testemunhos característicos, como causa da “queda” indica-se o misturar-se da raça “divina” com a raça humana no sentido restrito, concebida como raça inferior, de tal modo que em certos textos a “culpa” é até comparada à sodomia e à união carnal com os animais. Por um lado, existe o mito dos Ben-Elohim, ou “filhos dos deuses”, que se uniram às “filhas dos homens” fazendo com que por fim “toda a carne tivesse corrompido a sua via sobre a terra”;9 por outro, há o mito platónico dos atlântidas concebidos igualmente como descendentes e discípulos dos deuses, que devido à sua repetida união com os humanos perdem o elemento divino e acabam por deixar predominar neles a natureza humana.10 A propósito de épocas relativamente mais recentes a tradição, nos seus mitos, é rica de referências a raças civilizadoras e a lutas entre raças divinas e raças animalescas, ciclópicas ou demoníacas. São os Ases em luta contra os Elementarwesen; são os Olímpicos e os “Heróis” em luta contra gigantes e monstros da noite, da terra ou da água; são os Deva arianos que se lançam contra os Asura, “inimigos dos heróis divinos”; são os Incas, os dominadores que impõem a sua lei solar aos Aborígenes da “Mãe Terra”; são os Tuatha de Dannan que segundo a his tória lendária da Irlanda se afirmaram contra as raças monstruosas dos Fomors, e assim por diante. Nesta base, pode-se portanto dizer que

se o ensinamento tradicional conserva bem a recordação — como substrato anterior às civilizações criadas por raças superiores — de estirpes que poderiam corresponder aos tipos animalescos e inferiores do evolucionismo, o evolucionismo contudo caracteriza-se pelo erro de considerar essas estirpes animalescas como absolutamente originárias, enquanto o são apenas de um modo relativo, e de conceber como formas de “evolu ção” formas de cruzamento que pressupõem o aparecimento de outras raças, superiores biologicamente e como civilização, provenientes de outras regiões, raças essas que, tanto pela sua remota antiguidade (como é o caso das raças “hiperbó-rea”

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tas das presentes raças humanas, não podem ser consideradas como “formas evolutivas” do homem de Neanderthal. O mesmo se pode dizer da raça de Grimaldi, igualmente extinta, assim como em relação a muitos povos “selvagens” ainda vivos: não “evoluem”, mas sim extinguem-se. Quando eles se “civilizam” não se trata de uma “evolução”, mas quase sempre de uma brusca mutação que atinge as suas possibilidades vitais. Com efeito, para a possibilidade de evoluir ou de decair existem limites determinados. Existem espécies que conservam as suas características até mesmo em condições relativamente diferentes das que lhes são naturais; outras, pelo

Em dois testemunhos característicos, como causa da “queda” indica-se o misturar-se da raça “divina” com a raça humana no sentido restrito, concebida como raça inferior, de tal modo que em certos textos a “culpa” é até comparada à sodomia e à união carnal com os animais.” e “atlântida”), como por factores geofísicos, só deixaram marcas difíceis de encontrar por parte de quem se basear unicamente nos testemunhos arqueológicos e paleontológicos acessíveis à investigação profana. Por outro lado, é muito significa tivo o facto de as populações onde predomina ainda o que se presume que seja o estado originário, primi tivo e bárbaro da humanidade, não confirmarem de maneira alguma a hipótese evolucionista. Trata-se de estirpes que, em vez de evoluírem, têm a tendência para se extinguir, o que prova que são precisamente resíduos degenerescentes de ciclos cujas possibilidades vitais se tinham esgotado, ou de elementos heterogéneos, troncos que ficaram para trás da corrente central da humanidade. Isto já é válido para o homem de Neanderthal, que na sua extrema brutalidade morfológica parece aparentar-se com o “homem-macaco”. O homem de Neanderthal desapareceu misteriosamente num determinado período e as raças que apareceram depois dele — o homem de Aurignac e sobretudo o homem de CroMagnon — e que apresentam um tipo superior, de tal modo que neles se pode reconhecer já a estirpe de mui-

contrário, nesse caso extinguem-se; ou então produzem-se misturas com outros elementos, em que, no fundo, não se dá nem assimilação nem uma verdadeira evolução. Em relação ao resultado destas misturas, é válido algo de semelhante aos processos considerados pelas leis de Mendel sobre a hereditariedade: desaparecido enquanto unidade autónoma, o elemento primitivo mantémse como uma hereditariedade latente separada, capaz de se reproduzir esporadicamente, mas sempre com um carácter de heterogeneidade em relação ao tipo superior. Os evolucionistas julgam ater-se “positivamente” aos factos. Não se apercebem de que os factos, em si mesmos, são mudos; que os mes mos factos, interpretados diferen temente, servem de testemunhos a favor das teses mais variadas. Assim aconteceu que haja quem, embora tendo em conta todos os dados adoptados como provas da teoria da evolução, tenha demonstrado que estes, em última análise, poderiam também confirmar a tese contrária — tese essa que, em mais de um ponto de vista, corresponde ao ensinamento tradicional: ou seja, a tese de que, longe de ser o homem um produto


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De uma maneira geral, a Tradição ensinou, e esta é uma das suas ideias fundamentais, que o estado de conhecimento e de civilização foi o estado natural, se não do homem em geral, pelo menos de certas elites das origens” de “evolução” das espécies animais, muitas espécies animais devem ser consideradas como troncos laterais em que abortou um impulso pri mordial, que só nas raças humanas superiores teve a sua manifestação directa e adequada.11 Há antigos mitos de estirpes divinas em luta contra entidades monstruosas ou demónios animalescos antes do estabelecimento da raça dos mor tais (isto é, da humanidade na sua forma mais recente), que, aliás, poderiam fazer referência precisa mente à luta do princípio humano primordial contra as potencialidades animais que este trazia em si: potencialidades que, por assim dizer, foram separadas e deixadas para trás sob a forma de certas estirpes animais. Quanto aos presumíveis “progenitores” do homem (como o antropóide e o homem glaciário), teriam representado os primeiros vencidos na luta de que falámos acima: partes que se misturaram a certas potencialidades animais, ou por estas arrastadas. Se no totemismo, que remonta a sociedades inferiores, a noção do antepassado mítico colectivo do clã se confunde frequentemente com a do demónio de uma dada espécie animal, aí reflecte-se precisamente a reminiscência de um estádio de promiscuidades deste género. Sem querer entrar nos problemas, numa certa medida transcen dentes, da antropogénese, por não ser este o lugar apropriado, obser

vemos que a própria ausência de fósseis humanos e a única presença de fósseis animais na mais alta préhistória poderia ser interpretada no sentido de que o homem primordial (se porém for lícito chamar homem a um tipo muito diferente da humanidade histórica) teria entrado em último lugar no processo de materialização que conferiu — depois de o ter dado já aos animais — aos seus primeiros troncos já degenerescentes, desviados e misturados com a animalidade, um organismo susceptível de se conservar sob a forma de fóssil. É a esta circunstância que é conveniente ligar a recordação, conservada em certas tradições, de uma raça primordial “de ossos fracos” ou “moles”. Por exemplo, Li-tse (V), ao falar da região hiperbórea, em que se iniciou, como iremos ver, o pre sente ciclo, indica precisamente que “os habitantes dela (assimilados a ‘homens transcendentes’) têm os ossos fracos”. Para uma época mais recente, o facto de as raças superiores, provenientes do Norte, não praticarem a inumação mas sim a incineração dos cadáveres, é outro dos elementos que se deve ter presente ao considerar o problema que levanta a ausência de ossadas. Dir-se-á: mas desta fabulosa hu manidade também faltam todos os vestígios de outro género! Ora bem, para além de ser muito ingénuo pensar que não possam ter existido seres superiores sem deixarem sinais como ruínas, instrumentos tra

balhados, armas e objectos seme lhantes, deve-se notar que subsis tem restos de obras ciclópicas, em bora seja verdade que nem sempre denotam uma elevada civilização, mas remontando a épocas bastante recuadas (os círculos de Stonehenge, as enormes pedras postas em equilíbrio miraculoso, a ciclópica “pedra cansada” no Peru, os colossos de Tiahuanaco, etc.), e que deixam os arqueólogos perplexos acerca dos meios utilizados mesmo só para apanhar e transportar os materiais necessários. Recuando mais longe ao tempo, tem-se a tendência para esquecer o que por outro lado se admite ou, pelo menos, não se exclui — antigas terras desaparecidas, terras de nova formação. Por outro lado, temos de perguntar-nos se é ou não inconcebível que uma raça em relação espiritual directa com forças cósmicas, como a tradição admite para as origens, possa ter existido antes que tenha começado a trabalhar pedaços de matéria, de pedra ou de metal, como fazem os que não têm mais nenhum outro meio de agir sobre as potências das coisas e sobre os seres. Que o “homem das cavernas” seja o que é conhecido pela lenda, parece ser já uma coisa certa: começa-se agora a suspeitar que nas cavernas pré-históricas (muitas das quais denunciam uma orientação sacral) o homem “primitivo” não tinha as suas habitações animalescas, mas sim os locais de um culto, que permaneceu sob essa forma mesmo em épocas indubiamente “civilizadas” (por exemplo, o culto greco-minóico das cavernas, as cerimónias e os ritos iniciáticos no Ida); e que é natural que só se encontrem nessas cavernas, devido à protecção natural do local, vestígios que noutros lugares o tempo, os homens e os elementos não podiam deixar


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chegar igualmente até aos nossos contemporâneos. De uma maneira geral, a Tradição ensinou, e esta é uma das suas ideias fundamentais, que o estado de conhecimento e de civilização foi o estado natural, se não do homem em geral, pelo menos de certas elites das origens; que o saber foi tão pouco “constituído” e adquirido como é pouca a origem de baixo da verdadeira soberania. Joseph de Maistre, depois de ter demonstrado que o que um Rousseau e os seus pares tinham presumido ser o estado de natureza (com referência aos selvagens), é apenas o último grau de embrutecimento de algumas estirpes dispersas ou vitimadas das consequências de qualquer degradação ou prevaricação que atingiu a sua substância mais profunda12, muito justamente diz: “Estamos cegos quanto à natureza e à marcha da ciência devido a um sofisma grosseiro, que fascinou todos os olhos: é o julgar os tempos em que os homens viam os efeitos nas causas, na base dos tempos em que eles se elevam dificilmente dos efeitos às causas, em que aliás só se ocupam dos efeitos, em que se diz que é inútil ocupar-se das causas, em que já não se sabe o que significa uma causa.”13 No princípio, “não só os homens começaram pela ciência, mas também por uma ciência diferente da nossa, e superior à nossa, visto que começava mais acima, o que a tornava até perigosíssima. Isto explica a razão por que a ciência nos seus inícios foi sempre misteriosa e permaneceu encerrada nos templos, em que por fim se extinguiu, quando essa chama já não podia servir senão para arder”.14 E é então

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Cada época tem o seu «mito», que reflecte um determinado clima colectivo. O facto de, em geral, a ideia aristocrática de uma origem «de cima» (… ) ter sido substituída nos nossos dias pela ideia democrática do evolucionismo, que faz derivar o superior do inferior (… ) corresponde menos ao resultado «objectivo» de uma investigação científica livre e consciente que a uma das numerosas influências que, por vias subterrâneas, o advento no mundo moderno das camadas inferiores do homem sem tradição produziu necessariamente no plano intelectual e cultural, histórico e biológico.” que, pouco a pouco, como sucedâneo, começou a formar-se a outra ciência, a puramente humana e empírica, de que os modernos têm tanto orgulho e com a qual pensaram medir tudo o que para eles é civilização. Esta ciência, assente em tal base, tem apenas o significado de uma vã tentativa de libertar-se, por meio de sucedâneos, de um estado não natural, de modo nenhum originário, de degradação e de que já nem sequer se tem consciência. De qualquer maneira, é preciso ter em conta que estas indicações e outras análogas não podem deixar de ser um fraco socorro para quem não estiver disposto a mudar de mentalidade. Cada época tem o seu “mito”, que reflecte um determinado clima colectivo. O facto de, em geral, a ideia aristocrática de uma origem “de cima”, de se ter um passado de luz e de espírito, ter sido substituída nos nossos dias pela ideia democrática do evolucionismo, que faz derivar o superior do inferior, o homem do animal, e a civilização da barbárie

— corresponde menos ao resultado “objectivo” de uma investigação científica livre e consciente que a uma das numerosas influências que, por vias subterrâneas, o advento no mundo moderno das camadas inferiores do homem sem tradição produziu necessariamente no plano intelectual e cultural, histórico e biológico. Assim, não devemos iludirnos: certas superstições “positivas” encontrarão sempre maneira de criar álibis para se defenderem. Não são tanto os novos “factos” que poderão conduzir ao reconhecimento de horizontes diferentes, como uma nova atitude em relação a esses factos. E todas as tentativas de valorizar mesmo do ponto de vista científico o que temos a intenção de expor sobretudo do ponto de vista dogmático tradicio nal, só conseguirá obter bons resul tados junto daqueles que se encon tram já predispostos espiritualmen te para acolher conhecimentos deste género. — Texto publicado no Boletim Evoliano nº 2

1. HESÍODO, Op. et Die, vv. 109 e segs. 2. Cfr., por ex., Mânavadharmaçâstra, I, 81 e segs. 3. Cfr. F. CUMONT, La fin du monde selon les Mages occidentaux (Rev. Hist. Relig., 1931, nn. 1-2-3, pp. 50 e segs.). 4. Cfr. DION CRISÔST., Or., XXXVI, 39 e segs. 5. Daniel, II, 31-45. 6. Cfr. E. V. WALLIS BUDGE, Egypt in the neolithic and arcaic periods, Londres, 1902, v. 1, pp. 164 e segs. 7. Cfr. REVILLE, Relig. du Mexique, cit., pp. 196-198. 8. Cfr. CÍCERO, De Leg., II, 11: “Antiquitas proxime accedit ad Deos”. 9. Génesis, VI, 4 e segs. 10. PLATÃO, Crítias, 110 c; 120 d-e; 121 a-b. “A sua participação na natureza divina começou a diminuir devido à múltipla e frequente mistura com os mortais e prevaleceu a natureza humana.” Acrescenta-se igualmente que as obras desta raça, para além do facto de respeitarem a lei, eram devidas “à continuidade da acção da natureza divina dentro dela”. 11. Cfr. E. DACQUÉ, Die Erdzeitalter, Munique, 1929; Urwelt, Sage und Menscheit, Munique, 1928; Leben als Symbol, Munique, 1929. E. MARCONI, Histoire de l'involution naturelle, Lugano, 1915; e também D. DEWAR, The transformist illusion, Tenessee, 1957. 12. J. DE MAISTRE, Soirées de St. Pétersbourg, Paris-Lião, 1924, v. I, pp. 63, 82. 13. Ibid., p. 73. 14 Ibid., p. 75. Um dos factos que De Maistre (ibid., pp. 96-97 e Il entretien, passim) põe em evidência, é que as línguas antigas apresentam um grau muito mais elevado de essencialidade, de organicidade e de lógica que as modernas, fazendo pressentir a existência de um princípio oculto de organicidade formativa, que não é simplesmente humano, especialmente quando, nas próprias línguas antigas ou “selvagens”, figuram fragmentos evidentes de línguas ainda mais remotas destruídas ou esquecidas. Sabe-se que Platão já tinha aludido a uma ideia análoga.


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Doutrina

Autodefesa Cavalheiros do Tribunal*: A acusação original que serviu de base à minha prisão referia-se ao Artigo 1° da Lei nº 1546 de 1947, ou seja, acusam-me de, em conjunto com outros, promover a reconstituição do Partido Fascista, sob a forma de várias organizações, especialmente uma, por trás da qual se encontra um grupo de jovens que se intitula “Imperium”. Não vale a pena dizer mais do que umas poucas palavras sobre esta acusação, que não tem qualquer fundamento. Nada, de facto, foi produzido à minha acusação que pudesse levar alguém a pensar que as minhas relações com estes grupos se tenham desenvolvido de alguma forma além do plano puramente intelectual e doutrinário, no relativo à doutrina do Estado, à ética e à visão da vida. E quanto a estas relações, enfatizadas tendenciosa e arbitrariamente pela Questura, devo dizer que não foram mais significativas do que as que mantive com vários outros grupos: monárquicos, independentes, ou nacionalistas, como por exemplo o grupo de E. M. Gray Il Nazionale, ou o Meridiano d'Italia.1 Certamente que me senti especialmente atraído para estes jovens do “Imperium” por duas razões: primeira, porque eles insistem na necessidade de uma revolução espiritual interior do indivíduo como pressuposto da luta política — e [Enzo] Erra, dirigente do “Imperium”, indicou isto de forma clara durante o seu interrogatório — e em segundo, porque entre todas as correntes do MSI, este grupo defendia posições de direita ligadas a valores espirituais e hierárquicos contra a tendência socialistoide vastamente representada nesse partido. Sou completamente alheio a iniciativas organizacionais clandestinas, nem nunca ninguém me falou sobre elas. Quanto a um certo acti vismo, exortei frequentemente contra o fornecimento de armas ao adversário de tal forma, já que nenhuma pessoa séria pensa que existam hoje em Itália, dada a situa-

ção internacional, bases para uma verdadeira revolução ou um golpe de Estado antidemocrático. Escrevi isto não só numa carta que a Questura confiscou, mas que não se deu ao trabalho de apresentar, mas também — por exemplo — num artigo publicado no Il Nazionale intitulado “Tirar partido do obstáculo”, no qual disse que a severidade acrescida da repressão antifascista pretendida pela nova redacção da lei Scelba deveria encorajar a salutar renúncia a formas externas e relativamente anacrónicas de expressão e activismo, em favor da concentração numa preparação doutrinária séria. Em geral — e uma vez que se falou em “acessório ideológico” — não há em nenhum dos meus escritos qualquer tipo de incitamento, mesmo indirecto ou involuntário, a acções terroristas ou clandestinas. A acusação da Questura tentou estabelecer uma relação absurda entre a constituição da “Legione Nera” e um ponto do meu opúsculo Orientações, onde se diz que o carácter trágico dos nossos tempos requer um tipo de “Legionarismo”. Mas eu especifico exactamente o que isso significa: legionarismo não como organização, mas como espírito, como atitude interior. Aqui estão as palavras exactas: “É a atitude de quem sabe escolher a via mais dura, de quem sabe combater mesmo não ignorando que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe convalidar as palavras da antiga saga «a fidelidade é mais forte que o fogo»” (Orientações, p. 6).2 O mesmo significado é expres so mais à frente (p. 24), falando do “homem de pé entre as ruínas”. Diz respeito a nada mais do que uma atitude ética, heróica e espiritual. Não é possível haver equívocos, e se os houve, não posso ser responsabilizado por eles.

Nunca encorajei a formação de partidos — nego o próprio conceito de partido — ou de movimentos subversivos. Indiquei do seguinte modo aquilo que deve ser feito (p. 6): “é uma revolução silenciosa, em profundidade, que deve realizar-se, para que sejam criadas, primeiro interiormente e no indivíduo singular, as premissas daquela ordem que depois deverá afirmar-se também no exterior, suplantando fulminantemente no momento justo as formas e as forças de um mundo de decadência e de subversão.” Permitamme que cite duas outras passagens. Na p. 5: “reerguer-se, ressurgir interiormente, tomar forma, criar em nós mesmos ordem e aprumo”, em vez de “pactuar com a demagogia e com o materialismo das massas”, tomando uma posição — digo exactamente isso — “contra aquele falso «realismo político» que pensa apenas em termos de programas, de problemas de organização partidária, de receitas sociais e económicas.” Na p. 7: “Perante um mundo de cobardia cujo princípio é: «Quem te mandou fazer isso?» ou «primeiro o estômago, a pele (a malapartiana pele!) e depois a moral» ou ainda «nestes tempos, não podemos dar-nos ao luxo de ter carácter» ou, finalmente, «tenho família», é preciso saber opor um claro e firme «não podemos agir de outro modo, este é o nosso caminho, este é o nosso ser». O que de positivo


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poderá ser atingido hoje ou amanhã, não será por meio de habilidades de agitadores ou de politicantes, antes por meio do prestígio natural reconhecido a homens que, seja de ontem, seja mais ainda da nova geração, tenham capacidade para tal e assim dêem garantias à Ideia.” Após ter exortado os jovens a manterem este elevado nível de tensão ética apesar deste mundo em ruínas, acusam-me de ser — palavras exactas da Questura — “um personagem maléfico e dúbio”, instigador da juventude fanática! Avanço agora para a segunda acusação: a de que “glorifiquei ideias próprias do Fascismo” em artigos publicados em vários números das revistas La Sfida, Imperium, e em Orientações, como “várias acções consecutivas de um único plano criminoso”. A este respeito tenho de em primeiro lugar apresentar um dado muito importante. O crime foi-me impu tado apenas numa segunda fase: não fazia parte da acusação que me foi apresentada pelo Procurador Público quando este me interrogou. Obviamente trata se de um expediente, uma “conversão estratégica”, de modo a garantir um “prémio de consolação” no caso provável da primeira e principal acusação falhar. Basta olhar para as datas dos escritos incriminatórios para se convencer que assim é: datam de seis meses a dois anos antes da minha prisão. Orientações tem a data de 1950, e apareceu cerca de um ano antes disso. Não só isso, mas também é um compêndio de artigos já publicados noutros locais e reorganizados a pedido de um grupo que não é o mesmo que o “Imperium”, e que apenas serviu como rede de distribuição para a revista com o mesmo nome. Como é possível que estas “várias acções consecutivas de um único plano criminoso” tenham passado desapercebidas por um período de tempo tão improvavelmente longo? Existem apenas duas possibilidades. Ou devemos concluir que a vigilância política da imprensa tem um ritmo e uma prontidão muito peculiares, ou então — a única outra hipótese razoá vel — estes escritos foram seleccio nados a partir de uma quantidade de outros escritos meus no mesmo espírito, incluindo alguns mais recentes, que apareceram em páginas bem

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O tipo de racismo por mim defendido, longe de ser um «extremismo», pertence aos esforços que empreendi, também noutros campos, para rectificar as ideias que se desenvolviam de forma desviante no Fascismo, tal como no Nacional-Socialismo. Assim, opus ao racismo meramente materialista e vulgarmente anti-semita um racismo espiritual, introduzindo o conceito de «raça do espírito» e desenvolvendo uma doutrina original sobre essa base.” vigiadas, tais como Meridiano d’Italia, Rivolta Ideale, Lotta Politica — seleccionados não pelos seus conteúdos intrínsecos, mas pelo único facto de terem aparecido nas páginas do grupo “Imperium”, estabelecendo assim a minha não existente implicação na presumível actividade ilegal que é imputada a este grupo. Tal artifício é com certeza transparente para qualquer tribunal objectivo. Mas há mais. O relatório original da Questura quase não se refere ao suposto crime de “apologia” que supostamente cometi através destes meus escritos. Arrogando-se a competência, a autoridade, e a função de julgar em matérias de alta cultura, de filosofia, de doutrina racial, e dedicando-se mesmo aos méritos do que eu tenho a dizer sobre o darwinismo, a psicanálise e o existencialismo, o relatório do Gabinete Político da Questura procura ao invés denegrir o meu estatuto como escritor, apresentando-me como um diletante conhecido apenas por pequenos grupos de esoteristas — e é cómico ver quão ignorante o compilador deste relatório é sobre o significado do “esoterismo”! — e que iludiu estes jovens neofascistas com as suas teorias filosóficas, mágicas e mórbidas (vai mesmo ao ponto de falar de insania mentis!), e que só pode ser o responsável das suas acções irreflectidas. Assim desviam-se para um campo completamente estranho ao material da acusação (do qual vejase o Artigo 7°). E embora seja extremamente desagradável ter de falar sobre si próprio, sinto-me obrigado a fazer uma pequena rectificação de tal caricatura distorcida de mim. Se eu fosse apenas um diletante e um fanático, desconhecido fora dos círculos em questão, porque é

que editores de primeira ordem como Laterza (editor de Croce), Bocca e Hoepli teriam publicado alguma vez vários dos meus trabalhos, alguns deles sobre o racismo? Mais do que um destes trabalhos foi reeditado, e vários foram traduzidos para várias línguas estrangeiras. Posso também perguntar como pude ser convidado para ciclos de conferências em universidades italianas (Milão, Florença) e estrangeiras (Halle, Hamburgo), além de ter sido orador convidado de sociedades estrangeiras abertas apenas aos principais expoentes do pensamento aristocrático e tradicional europeu, tais como o Herrenklub de Berlim, a Associação Cultural de Budapeste da Condessa Zichy, e o Kulturbund do Príncipe Rohan em Viena? Aquilo que foi descrito como teorias desequilibradas, tenebrosas e “mágicas” consiste na realidade em estudos sistemáticos sobre metafísica, orientalismo, ascese, ciência dos mitos e símbolos — estudos, uma vez mais, que são também apreciados no estrangeiro. A este respeito mencionarei apenas que ainda este ano, o editor Luzac de Londres, o mais distinto da Europa nesta área, publicou um dos meus livros sobre o budismo, A Doutrina do Despertar. A acusação da Questura exige rectificação sobre um outro ponto referente ao racismo. Tentando sempre colocar-me sob uma luz comprometedora, apresenta-me como um fanático nazi-fascista, que nas suas palestras no estrangeiro atacou a latinidade e denegriu a italianidade a favor da ideia ariano-germânica, causando alarme até entre a hierarquia Fascista, no seguimento de avisos consulares. Tudo isto é um equívoco derivado da incompetência e de defi ciente informação.


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Enquanto pensador independente tive amigos dedicados no Fascismo, e também inimigos mortais que tentaram prejudicar-me por todos os meios (… ) tentando até utilizar a Questura da época, mas sem sucesso. E hoje parece que a Questura não hesita em desenterrar estas velhas histórias contra mim: usadas ontem para me fazer parecer antifascista, e hoje, pelo contrário, para confirmar a acusação de Fascismo.”

Deve-se perceber que nos modernos estudos raciais, “ariano” e mesmo “nórdico” não significam alemão; o termo é sinónimo de “indoeuropeu” e é correctamente aplicado a uma raça primordial pré-histórica, da qual derivaram os primeiros criadores das civilizações hindu, persa, grega e romana, e da qual os alemães são apenas os últimos ramos adventícios. Tudo isto é demonstrado da forma mais clara possível nos meus trabalhos Revolta contra o Mundo Moderno e Síntese de Doutrina da Raça. O tipo de racismo por mim defendido, longe de ser um “extremismo”, pertence aos esforços que empreendi, também noutros campos, para rectificar as ideias que se desenvolviam de forma desviante no Fascismo, tal como no NacionalSocialismo. Assim, opus ao racismo meramente materialista e vulgamente anti-semita um racismo espiritual, introduzindo o conceito de “raça do espírito” e desenvolvendo uma dou trina original sobre essa base. Além disso, opus ao ideal ariano-germânico defendido pelo nazismo o ideal ariano-romano; certamente ataquei a ideia confusa de latinidade, não a favor da ideia germânica mas para exaltar o conceito da pura romanidade, concebida como uma força mais augusta e original do que tudo o que é genericamente latino. E não é tudo. O advogado da Questura parece desconhecer que as palestras que refere, e cujo título era significativamente “O Despertar Ariano-Romano da Itália Fascista”, foram seguidas por outras em várias cidades alemãs, de que junto o texto em italiano extraído da Rassegna Italiana. Aqui demonstrei o que a antiga ideia clássica e romana tinha a oferecer no sentido de direccionar várias ideias em voga na Alemanha, e para

as elevar a um nível superior e espiri tual. É possível que algum cônsul italiano no estrangeiro tenha envia do relatórios alarmantes. Mas no que diz respeito à alegada preocupação que a minha teoria racial provocou na hierarquia Fascista, as coisas são muito diferentes. Após estas palestras, Mussolini, por sua iniciativa pessoal, falou comigo expressando-me a sua aprovação às minhas formulações raciais, porque as considerava úteis para dar uma posição independente, e mesmo superior, ao pensamento italiano em relação à ideologia nazi — algo de que o então chefe do Gabinete Racial, Dr. Luchini, pode dar testemunho preciso. E devo dizer que este reconhecimento, feito espontaneamente por Mussolini a um não-fascista — i.e., a um não-membro do partido — é uma das memórias mais gratificantes da minha vida. De qualquer modo, diria que a teoria da raça é apenas um capítulo subordinado e secundário no conjunto de ideias que defendi, apesar do que algumas pessoas pensam. A seguir, quando o relatório da Questura alega que durante um certo período de tempo durante o Fascismo estive “sob vigilância” por motivos pessoais obscuramente mencionados — e, acrescenta, por actividade mágica! — não há a mais pequena ponta de verdade nisso. Seria bom também recordar, em casos deste tipo, que pessoas eram obedecidas de maneira servil pela Questura, cujos oficiais eram todos membros do Partido, enquanto que eu nunca o fui. Enquanto pensador independente tive, como prontamente admitirei, amigos dedicados no Fascismo, e também inimigos mortais que tentaram prejudicar-me por todos os meios, espalhando todo o tipo de rumores e calúnias. Entre esses ini-

migos encontravam-se Starace e os seus capangas, que tentaram até utilizar a Questura da época, mas sem sucesso. E hoje parece que a Questura não hesita em desenterrar estas velhas histórias contra mim: usadas ontem para me fazer pare cer antifascista, e hoje, pelo contrário, para confirmar a acusação de Fascismo. Porque não se faz, pelo contrário, qualquer referência ao facto de em 1930 o Gabinete Político da Questura ter aprovado uma injunção contra mim para a suspensão do periódico La Torre, do qual eu era editor? E porque aconteceu isso? Por “ataques contra os esquadristas Fascistas”. Naturalmente, não se tratava do esquadrismo per se, mas apenas de alguns indivíduos sem escrúpulos que usavam a desculpa do Fascismo e do esquadrismo para cometerem todo o tipo de abusos, e que de maneira a se vingarem de mim, que os atacava, sendo protegidos por Starace, usaram até a polícia. Não pretendo apresentar-me como antifascista ou como vítima do Fascismo. Mas tudo isto deveria ser devidamente registado de forma a revelar os métodos que estão a ser usados contra mim. Agora que tudo foi clarificado, e todas as acusações tendenciosas removidas, passo para a questão de facto, no que à acusação de ter defendido “ideias próprias do Fas cismo” diz respeito. Mas neste ponto fico perplexo, porque a acusação não menciona os artigos que a preocupam nem indica — como é prática comum — as passagens específicas correspondentes ao pior do crime; nem, falando de modo geral, indica o que estas “ideias próprias do Fascismo” possam ser. [Neste ponto o Procurador Públi co, Dr. Sangiorgi, declarou que não se tratava de passagens específicas dos trabalhos de Evola, mas sim do seu espírito geral. Quanto às “ideias próprias do Fascismo”, acrescentou que em sua opinião estas poderiam ser a monocracia, o hierarquismo e o conceito de aristocracia ou elitismo. Depois de tudo isto ter sido registado, a pedido de Evola, nas actas do Tribunal, Evola continuou.] Muito bem. Quanto à monocracia, isso não passa de um nome diferente para monarquia, no sentido original, e não necessariamente dinásti-


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co, do termo. Quanto ao hierarquismo, direi de uma vez que eu defendo a ideia de hierarquia, não a de hierarquismo. Tendo feito esta clarificação, direi que se esses são os termos da acusação, ficaria honrado por ver sentados no mesmo banco de acusação, pessoas como Aristóteles, Platão, o Dante de De Monarchia, até Metternich e Bismarck. Recuso a acusação de defender ideias próprias do Fascismo, porque a expressão “próprias do” contida no Artigo 7° significa “específicas do”, ou seja, refere-se não apenas a ideias que se podem encontrar no Fascismo mas especificamente a ideias que só se podem encontrar no Fascismo e em mais nenhum lugar. Agora, no que me diz respeito esse não é de modo algum o caso. Defendi, e continuo a defender, “ideias fascistas”, não tanto na medida em que são “fascistas” mas na medida em que reavivam ideias superiores e anteriores ao Fascismo. Como tal elas pertencem à herança da concepção hierárquica, aristocrática e tradicional do Estado, uma concepção de carácter universal e mantida na Europa até à Revolução Francesa. De facto, a posição que defendi e continuo a defender, como homem independente — já que nunca fui membro de nenhum partido, nem do PNF (Partido Nacional Fascista), nem do PRF (Partido Republicano Fascista), nem do MSI — não deve ser chamada “fascista” mas sim tradicional e contra-revolucionária. No mesmo espírito de Metternich, Bismarck, ou dos grandes filósofos católicos do princípio da autoridade, De Maistre e Donoso Cortés, rejeito tudo o que deriva, directa ou indirectamente, da Revolução Fran cesa e que, em minha opinião, tem como consequência extrema o bol chevismo, ao que eu contraponho o “mundo da Tradição”. Tudo isto se percebe claramente no meu traba lho fundamental, entregue ao Tribunal, Revolta contra o Mundo Moderno, cujas duas partes se intitulam precisamente, “O Mundo da Tradição” e “Génese e Rosto do Mundo Moderno”. No prefácio indico que este livro é a chave para a compreensão correcta dos meus escritos especificamente políticos; e o crítico inglês McGregor diz sobre este trabalho, na sua crítica à segunda edição: “Mais do que a obra-prima do Spen-

gler italiano, chamaria a este livro o bastião do espírito aristocrático e tradicional europeu”. Esta minha posição é bem conhecida, e não apenas em Itália. Num livro recente da autoria do historiador suíço A. Mohler (Die konservative Revolution, Estugar da, 1950, pp. 21, 241-242), fui honrado ao ser colocado ao lado de Pareto, e considerado o principal expoente italiano da chamada “revolução conservadora”.

Aristóteles, Platão, Dante e Bismarck: os co-réus de Evola

Assim, não existe, em minha opinião, qualquer motivo para falar em apologia de “ideias próprias do Fascismo”. Os meus princípios são apenas os que, antes da Revolução Francesa, qualquer pessoa bem-nascida considerava sãos e normais. Deixo por clarificar por hoje a questão dinástica e institucional. No entanto, tudo o que escrevo, incluindo os artigos incriminados e Orientações, poderia ser interpretado igualmente bem como a defesa da ideia tradicional e pré-constitucional da monarquia e hierarquia: defesa essa que nenhuma das nossas leis criminaliza, porque se o Artigo 1° das Leis de Emergência tem o seu contraponto no Artigo 2°, que proíbe a reconstrução — pelo menos por meios violentos — da monarquia, o Artigo 7° não tem contraponto numa proibição da glorificação de uma ideologia “monárquica”. Quanto ao Fascismo histórico, se apoiei os seus aspectos que se enquadravam nesta ordem de ideias, também combati as ideias presentes

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nele que eram mais ou menos tributárias do clima político materialista dos tempos recentes; e tais críticas do que hoje em dia se considera comummente como Fascismo são frequentes nos próprios escritos que são usados para me incriminar. Limitar-me-ei a alguns pontos essenciais. 1. Oponho-me ao totalitarismo, contrapondo-lhe o ideal de um Es tado orgânico e diferenciado, considerando o “hierarquismo fascista” um desvio. Em Orientações, na p. 15, pode-se ler que o totalitarismo representa uma direcção errada e o aborto da necessidade de uma unidade política viril e orgânica: “Hierarquia não é hierarquismo (mal que hoje reaparece demasiadamente, embora em tom menor) e a concepção orgânica não tem nada a ver com a esclerose estatolátrica e a centralização niveladora.” Assumi uma posição anti-totalitária ainda mais extensivamente e energicamente num artigo que apresentei ao Tribunal, intitulado “Estado Orgânico e Totalitarismo”, que apareceu em Lotta Politica, órgão oficial do MSI. Defendi a mesma tese, transposta para um plano cultural, no artigo incriminado publicado em Imperium (nº 2) onde, criticando as ideias do escritor Stending, reconheço tal como ele, que o mal de que a cultura moderna sofre é a sua fragmentação, causada pela inexistência de uma ideia central e directiva; mas oponho-me à solução totalitária, na qual não existe um princípio espiritual, super-elevado e transcendente, mas apenas a brutal vontade política de escravizar tiranicamente e unificar a cultura, de que o sovietismo é o resultado último. 2. Uma concepção especificmente Fascista foi a do chamado “Estado Ético” de Gentile. Dirigi-lhe duras palavras (Orientações, p. 23).3 3. Algumas pessoas gostam de apresentar o Fascismo como uma “tirania tortuosa”. Durante essa “tirania” nunca tive de passar por uma situação semelhante a esta. No que diz respeito a este aspecto, adopto o axioma de Tácito: “A suprema nobreza dos chefes não é serem patrões de servos, mas chefes que amam a liberdade até naqueles que lhes obedecem” (p. 15). 4. Em relação ao problema da soberania, rejeito todas as soluções demagógicas e ditatoriais. A verdadeira autoridade — como afirmo na


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Defendi, e continuo a defender, «ideias fascistas», não tanto na medida em que são «fascistas» mas na medida em que reavivam ideias superiores e anteriores ao Fascismo. Como tal, elas pertencem à herança da concepção hierárquica, aristocrática e tradicional do Estado, uma concepção de carácter universal e mantida na Europa até à Revolução Francesa.” p. 15 — não pode ser a de “um tribuno ou dirigente popular detentor de um simples poder individual informe desprovido de qualquer carisma superior, assentando o prestígio precário por ele exercido nas forças irracionais das massas.” No chamado “Bonapartismo” vejo “um dos obscuros aparecimentos da Decadência do Ocidente de que falava Spengler”, e recordo a frase de Carlyle sobre o “mundo dos servos que quer ser governado pelo pseudo-herói” (p. 17). 5. Ataquei repetidamente a ideia de “socialização”, que, como sabem, foi uma das palavras de ordem do Fascismo de Salò, ao qual não aderi enquanto doutrina (os Pontos de Verona), embora aprovando o comportamento dos que combateram no Norte por princípios de honra e lealdade. Na socialização vejo o Marxismo disfarçado, uma tendência demagógica. Sobre isto, veja-se Orientações, p. 13, e mais de um terço do artigo incriminado intitulado “Duas Intransigências” (Imperium, nº 4). A influência que pretendi exercer sobre os jovens do grupo “Imperium” e outras correntes juvenis foi, de facto, na direcção de uma contraposição às tendências materialistas e esquerdistas presentes no MSI. A defesa da ideia corporativa não deveria constituir um crime, dado que se encontra presente nos partidos legais de hoje — como o Partido

Nacional Monárquico e o MSI — e mesmo em algumas correntes do catolicismo político. No entanto, critico alguns aspectos segundo os quais o corporativismo Fascista foi uma simples superstrutura burocrática que manteve o dualismo classista. A isto opus uma reconstrução orgânica e anti classista da economia no seio das próprias empresas (pp. 13-14). Finalmente, um breve sumário das teses contidas nos artigos publicados em Imperium e La Sfida. O primeiro destes artigos relem bra simplesmente o significado da palavra imperium nas suas origens romanas: era sinónimo de auctoritas e de poder derivado de forças divinas, do alto. Depois afirmo que a crise do mundo político moderno reflecte a crise de tal princípio ou poder, e os valores heróicos a ele ligados. O artigo de La Sfida assinado com o pseudónimo “Arthos” e sumariado em Orientações, baseia-se no princípio de Metternich: “Não se negoceia com a subversão”, pegando no tema de um escrito de Engels — a revolução liberal limita-se a preparar a comunista e uma trabalha a favor da outra. De seguida digo que da mesma maneira que os comunistas fundam o seu radicalismo subversivo nesta concepção, também nós devemos partir dela quando tentamos agir no sentido contrário: i.e., na

direcção contra-revolucionária de uma verdadeira reconstrução, sem fazer concessões à subversão. Não existem referências ao Fascismo ou a homens que a ele pertenceram em nenhum destes escritos. Isto é tudo. Tendo assim demonstrado que nos escritos incriminados — e limitando-me apenas a esses e não me referindo aos meus outros livros, como a honestidade científica exigiria — sou contra o totalitarismo, contra a ditadura demagógica, contra o “Estado Ético”, contra todas as formas de autoridade dessacralizada, contra “um simples poder individual informe”, contra o despotismo — recordar as palavras de Tácito — contra a socialização, até mesmo contra um certo corporativismo, peço que o assunto seja dado por encerrado e que o crime de “apologia” seja retirado. De facto, as ideias centrais de fendidas por mim, como disse, po dem ter aparecido no Fascismo, mas não são “próprias” do Fascismo, tal como o Artigo 7° diz. O que sobra pertence essencialmente ao domínio da ética e da concepção da vida, e, quanto à política, resume-se a uma atitude de intransigência que é tradicional, e se quiserem “reaccionária”; numa postura resoluta contra a subversão, o individualismo, o colectivismo, a demagogia, qualquer que seja a forma em que se manifesta, contra o mundo dos políticos e dos homens sem carácter. O que o Tribunal tem hoje de decidir no meu caso é o seguinte: será o clima na Itália de hoje tal que declarar-se distante de qualquer actividade partidária ou organizativa, e defender tal posição enquanto escritor, num plano doutrinal, assegura a apresentação perante um tribunal sendo acusado de “crime ideológico”? — Texto publicado no Boletim Evoliano nº 1

* Em Abril de 1951, Julius Evola foi detido na sua residência de Corso Vittorio Emmanuele, em Roma, por homens do Ufficio Politico della Questura (Gabinete Político do Ministério Público), acusado de ser o “mestre” e o “inspirador”, através das suas “teorias nebulosas”, de um grupo de jovens que, por sua vez, eram acusados da criação de organizações clandestinas — os Fasci d’Azione Rivoluzionaria e a Legione Nera —, de inspiração neofascista. Por este motivo foram acusados de “apologia do Fascismo” e de “tentativa de reconstituição do dissolvido Partido Fascista”. Evola aguardou o julgamento, que se concluiu no dia 20 de Novembro de 1951, na prisão de Regina Coeli, tendo sido finalmente absolvido. O texto que agora apresentamos corresponde ao texto de autodefesa pronunciado por Evola perante o Tribunal. 1. Jornal ligado ao Movimento Sociale Italiano (partido neo-fascista). (N. do T.) 2. Todas as citações do opúsculo Orientações são extraídas da versão portuguesa editada pelas Edições Falcata. (N. do T.) 3. “Em particular, combatemos o seu disfarce, que em certos ambientes se apresentou como «Estado ético» produto de uma pretensiosa, espúria, vazia filosofia «idealista» que aderiu ao Fascismo mas que, pela sua natureza, é capaz, graças a um simples jogo «dialéctico» de dados, de dar idêntico aval ao antifascismo de um Croce. Tal filosofia é apenas um produto da burguesia laica e humanista presumida do «livre pensamento» próprio de um reitor de liceu, ao celebrar a infinitude do «espírito absoluto» e do «acto puro». Nada aí há de real, de claro, de duro.” (N. do T.)


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Doutrina

O problema da Raça O racismo, como sabemos, teve desde o início uma grande importância no âmbito do nacional-socialismo; sob as suas formas extremistas, pouco mais que primitivas, sob as quais o mesmo tinha sido em geral afirmado em tal movimento, constituía um dos aspectos mais problemáticos e necessitados de rectificação do III Reich. Se por um lado o racismo se associou ao anti- semitismo, por outro acabou por criar tendências “pagãs”, cujo principal representante foi Alfred Rosenberg. Na época de Imperialismo Pagão Rosenberg, que conheci pes soalmente, supôs que eu seria o representante italiano duma corrente análoga à sua. Na realidade, as diferenças eram muito importantes. No seu livro mais conhecido, O Mito do Século XX, Rosenberg também se referiu a autores como Wirth e Bachofen, procurou remeter-se à tradição nórdica das origens e dar uma interpretação dinâmica, sob uma base racista, das diferentes civilizações e da sua história. Mas tudo isto de forma superficial e aproximada, e sobretudo num contexto adaptado às finalidades políticas quase exclusivamente alemãs. Faltava pois, a Rosenberg, qualquer compreensão da dimensão da sacralidade e do transcendente: daí surgia, entre outras coisas, uma polémica primitivíssima contra o catolicismo a qual, numa espécie de Kulturkampf renovada, não recusava os argumentos mais disparatados de inspiração iluminista e laica. O “mito do século XX” deveria ter sido o mito do sangue, da raça: “novo mito da vida chamado a criar um novo tipo de vida e, portanto, de Estado e de civilização”. Quanto ao racismo alemão de Estado, apresentou-se como a mistura entre uma variante da ideologia nacionalista de fundo pangermanista e ideias do cientismo biológico. Relativamente a estas últimas, Trotsky não andava muito longe da verdade quando definia o racismo como um materialismo zoológico. Recorreu-se à biologia, à eugenia, à teoria da hereditariedade tomadas tal como eram, ou seja, nos seus pressupostos totalmente materialistas. Chegou-se a supor uma dependência unilateral do superior em relação ao inferior, quer dizer, da parte psíquica e supra-biológica do ser humano em relação à parte biológica: mesmo a adição de uma espécie de mística do sangue não mudava grande coisa. Daqui também a grande ilusão que consistia em acreditar que com meras medidas

profiláticas biológicas, ou seja, do domínio da raça física, se poderia alcançar a reintegração quase automática de todos os aspectos da vida de uma estirpe e de uma nação. O que, de uma maneira geral, se poderia considerar justo neste conjunto de ideias, seria a ideia segundo a qual não é o Estado, a sociedade ou a civilização em abstracto que têm um valor decisivo, mas sim uma “raça” correspondente, mas apenas na condição de se conceber a raça num sentido superior, quer dizer, como a substância humana mais profunda e originária. Podia-se assim reconhecer a importância e a oportunidade de uma “luta pela visão do mundo” conforme ao homem ariano e especialmente nórdico-ariano, tendo por finalidade uma revisão geral dos valores que vieram a tornar-se predominantes no mundo ocidental. Por seu lado, o fanatismo anti-semita aparecia como negativo, tendo-se lamentavelmente tornado para muitos em sinónimo de racismo. Tive oportunidade de tomar várias vezes posição contra o racismo materialista. A propósito do neo-paganismo nazi declarei, numa conferência de imprensa a propósito da conferência que proferi em 1936 no Kulturbund de Viena, que as teorias em questão eram de modo “a tornar católico até aquele que tivesse a melhor disposição para se professar pagão”. É também significativo que Mussolini tenha prestado atenção a um ensaio meu intitulado “Raça e Cultura”, aparecido em 1935 na Rassegna Italiana, tendo feito saber à revista a sua aprovação. Neste ensaio, eu afirma va a proeminência de uma ideia formativa sobre o simples elemento biológico e étnico (defendi a mesma tese numa página especial de Regime Fascista). Também um editorial meu sobre o tema, para o jornal de Balbo, Corriere Padano, foi notado nas altas esferas: tinha como título “Responsabilidade de se dizer aria no” e também aí combati o fetichismo da raça física. Eu indicava o carácter insignificante duma “arianidade” reduzida a não ser judeu ou de raça de cor, em vez de se definir em termos essencialmente espirituais e éticos, o que comportava uma res

ponsabilidade precisa para consigo próprio. No racismo existiam pois algumas exigências legítimas. Tratava-se de redimensionar a totalidade dos problemas de maneira adequada e sobre bases diferentes. Entre os ambientes alemães atrás mencionados, tentei exercer uma influência em tal sentido. No entanto, a ocasião para uma tomada de posição completa apresentou-se no momento da viragem “racista” do Fascismo, acontecida em 1938 com a promulgação do “Manifesto da Raça”. Como acontece com muitas outras coisas do regime precedente, a maior parte das pessoas tem uma visão distorcida de tal viragem. Pensa-se que o fascismo se acoplou passivamente ao hitlerismo e que o racismo em Itália foi um simples produto de importação. É certo que o racismo não tinha em Itália prece dentes de importância, e isto também por causa dos antecedentes históricos de


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Todos os desvios apresentados pelo racismo derivavam do facto deste partir de uma imagem do homem profundamente materialista, baseada em posturas de cientismo e naturalismo. Pelo contrário, tomei como base firme da minha formulação a concepção tradicional que reconhece no homem um ser composto por três elementos: o corpo, a alma e o espírito.” tal nação e nem sequer tinha aí um terreno propício. Todavia, foram motivos intrínsecos suficientemente legítimos que determinaram tal viragem. Para começar, e após a criação do império africano e dos novos contactos com os povos de cor, impunha-se o reforço do sentimento de distância e de consciência da própria raça em sentido genérico, de modo a prevenir perigosas promiscuidades e tutelar um necessário prestígio. De resto, foi esta a linha rigidamente seguida pela Inglaterra até ontem, linha esta que, a ser mantida pelos povos brancos, teria tornado impossível o desenrolar das revoltas “anti-colonialistas” de que, como que por uma justa Némesis, após a II Guerra Mundial, a Europa desfalecente padece as consequências deletérias. A segunda razão foi a reacção contra a atitude antifascista do judaísmo internacional, acção bem documentada e que se intensificou à medida que a Itália se colocava do lado da Alemanha. Foi natural, portanto, que Mussolini tomasse contra-medidas. Por outro lado, aquilo que os judeus sofreram em Itália (sem comparação com o que lhes aconteceu na Alemanha), ficou a dever-se à orientação dos seus correligionários de alémfronteiras. Houve também uma terceira razão, a mais importante. Mussolini esperava que a sua “revolução” não tivesse um alcance simplesmente político, mas que pudesse criar um novo tipo de italiano; ele pensava — e com razão — que tanto um movimento como um Estado têm necessidade, para sobreviver e se afirmarem, de uma correspondente substância humana bem diferenciada. E temos de reconhecer as possibilidades oferecidas, a este respeito, pelo mito da raça e do sangue. No entanto, o “Manifesto da Raça” italiano, redigido apressadamente por ordem de Mussolini, não passou de um rascunho. Na verdade, faltavam em Itália elementos com uma preparação séria para fazer face a questões deste género. A mediocridade revelou-se também na campanha racial, na qual o papel essencial foi assumido por uma polémica minúscula e virulenta. Da noite para o dia, todo um conjunto de homens de letras e jornalistas fascistas apercebe-

ram-se de que afinal também eram “racistas” e puseram-se a empregar o termo “raça” por tudo e por nada, designando as coisas mais disparatadas e menos pertinentes. Chegou-se mesmo ao ponto de se falar em “raça italiana”, algo completamente sem sentido, pois que nenhuma nação moderna corresponde a uma raça, e a Itália muito menos. As diferentes raças europeias distinguidas pelo racismo figuram, pelo contrário, como componentes de quase todas as nações ocidentais. Em 1937 o editor Hoepli encarregoume de escrever uma história do racismo. O livro teve o título de O Mito do Sangue e apareceu em segunda edição durante a guerra. Nesse texto falei dos antecedentes do racismo no mundo antigo (onde a “raça” não era um mito, mas uma realidade vivente), examinando os percursores existentes nos séculos seguintes. Depois elaborei um resumo das formas modernas desta doutrina, apresentando as ideias fundamentais de Gobineau, de Woltmann, de Vacher de Lapouge, de Chamberlain e de muitos outros autores. Também mencionei as teorias da antro pologia e da genética, da hereditarie dade e da tipologia racista. Finalmente, abordei a concepção racista da história, as bases do anti-semitismo e apresentei um quadro do racismo politizado do período hitleriano, nos seus vários aspectos. Já neste livro, essencialmente expo sitivo, tive a ocasião de fazer várias precisões e críticas. O estudo do material necessário para a compilação d’O Mito do Sangue acabou por me levar à formulação de uma doutrina da raça. Foi o que aconteceu com a obra Síntese de Doutrina da Raça, editada igualmente com Hoepli em 1941, com um apêndice iconográfico de 52 fotografias (mais tarde apareceu também uma edição alemã ligeiramente modificada através da Runge-Verlag de Berlim). É evidente que o conceito de raça depende da imagem que se tem do homem e é a partir desta imagem que se define também o nível de toda a doutrina da raça. Todos os desvios apresentados pelo racismo derivavam do facto deste partir de uma imagem do homem profun-

damente materialista, baseada em posturas de cientismo e naturalismo. Pelo contrário, tomei como base firme da minha formulação a concepção tradicional que reconhece no homem um ser composto por três elementos: o corpo, a alma e o espírito. Uma teoria completa da raça teria portanto que considerar estes três elementos e distinguir uma raça do corpo, uma raça da alma e uma raça do espírito. A “pureza” racial existe quando as três raças convergem e estão em harmonia: expressando-se uma, vislumbrando-se a outra. Mas há muito tempo que isto não acontece senão em casos muito raros. O aspecto mais reprovável dos inúmeros e confusos cruzamentos, ocorridos ao longo da história e no desenvolvimento da sociedade, não se refere tanto à alteração da raça física e do tipo psicossomático (o racismo corrente não vê mais do que isto), quanto à incongruência e ao contraste que se dava num mesmo sujeito dos três componentes: homens cujo soma já não reflecte o seu carácter, cujas disposições afectivas, morais e volitivas, não estão mais de acordo com as suas eventuais vocações espirituais. O “espírito” distingue-se da “alma” como aquele princípio do homem relacionado com valores supremos, com a “supra vida”. Assim, a “raça do espírito” reflecte-se e revela-se nas diferentes atitudes dos indivíduos face ao sagrado, ao destino, aos problemas da vida e da morte, na visão do mundo, das religiões, etc. Correspondendo aos três componentes, devia-se portanto formular um racis mo de primeiro, segundo e terceiro grau. O seu objecto deveria ser, respectivamente, a raça do corpo, a raça da alma e a raça do espírito. A partir da hierarquia de direito existente entre os componentes do homem, derivava a preeminência da raça interior em relação à externa, tão-só biológica. Isto só por si impunha uma revisão profunda de todas as concepções do racismo cientista e materialista, inclusive no domínio da genética e da teoria da hereditariedade. Assim, rejeitei o fetichismo da pureza racial compreendida em ter mos simplesmente físicos: a raça exterior pode permanecer pura em tipos nos quais a raça interior se apagou ou enfraqueceu, coisa bem visível em numerosos casos (por exemplo os holandeses e os escandinavos). Mesmo o problema dos cruzamentos deveria ser redimensionado: o cruzamento só tem efeitos negati vos quando a raça interior é débil; mas se, pelo contrário, ela for suficientemente forte, a presença de um elemento estranho introduzido pelo cruzamento (mantido naturalmente dentro de certos limites) pode actuar como um desafio e ter um efeito galvanizador (tal como acontece com certas estirpes aristocráticas que tendem à degeneração como conse quência de um longo regime de endoga-


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mia). E outras considerações do mesmo tipo foram desenvolvidas no meu livro. Do ponto de vista político-social, reconheci algo de positivo no racismo enquanto expressão de uma exi gência antiigualitária e anti-racionalista. Quanto ao primeiro ponto, o racismo reafirmava evidentemente o princípio da diferença: tanto a diferença entre diferentes estirpes e povos, como entre os elementos de um mesmo povo. Assim, o racismo opunha-se à ideologia iluminista-democrática que proclamava a identidade e igual dignidade de todos os seres de aparência humana e, pelo contrário, afirmava que a humanidade, o género humano, ou é uma ficção abstracta ou um estado final, imaginável apenas como um limite e nunca completamente realizável, de um processo de involução, de dissolução, de queda. Normalmente, a natureza humana é, pelo contrário, diferenciada; diferenciação esta que se exprime, entre outras coisas, na diversidade dos sangues e das raças. Esta diferença representa o elemento primário. Não é apenas a condição natural dos seres, é também um valor, quer dizer, algo cuja existência é boa, que deve ser defendido e pro tegido. Ao contrário de certos racistas, para mim este reconhecimento não conduzia necessariamente a uma atomização de grupos humanos fechados sobre si próprios e ao desconhecimento de todo o princípio superior. É possível conceber-se uma unidade superior, mas no cume: unidade que reconhece e mantém no seu plano as diferenças. A unidade “na base”, a unidade niveladora própria da democracia, da “integração”, do humanitarismo, do falso universalismo, do colectivismo é, pelo contrário, regressiva. Contra orientações deste tipo já Gobineau se tinha insurgido, fazendo valer o racismo essencialmente em termos de uma exigência aristocrática. Outro aspecto positivo genérico do racismo, solidário com o primeiro, era indicado pelo seu anti-racionalismo, ou seja, pela sua valorização de qualidades, disposições e dignidades diferentes de tudo o que pode ser adquirido e construído, insubstituíveis, indetermináveis a partir do exterior e não derivadas do ambiente, ligadas à totalidade vivente da pessoa, tendo raízes em algo profundo e orgânico. A personalidade, contrariamente ao simples indivíduo abstracto e informe, tem a sua base efectiva em tudo isto. A este respeito, e para evitar qualquer desvio, seria suficiente ater-se ao conceito completo da raça indicado por mim, tendo presente que não podemos falar da raça da mesma maneira no caso do homem e de um gato ou cavalo, por exemplo, tendo em conta que a essência e a vida do primeiro não se esgota no plano dos instintos e do bios, como nos segundos. A concepção da “raça interior” e da

sua primazia era fecunda de um ponto de vista duplo. Acima de tudo, num plano moral. A mesma levava a considerar uma raça como um modo de ser a definir-se sobretudo em si e por si mesmo, como universal a priori, quase como uma “ideia” platónica, ainda que empiricamente a mesma possa aparecer e reencontrar-se preponderantemente numa dada raça física, numa determinada estirpe ou povo. Isto se aplicava já ao conceito de “ariano” ou de “judaico”. A arianidade e a judaidade deviam referirse a atitudes típicas não necessariamente presentes em todos os indivíduos de sangue ariano ou judeu. De tal maneira podia-se evitar qualquer presunção e unilateralidade: ficava como verdadeiramente decisivo aquilo que cada um é, como forma interna. Definiam-se também responsabilidades precisas, segundo aquilo que tinha já exposto no citado artigo publicado no Il Corriere Padano. É por tudo isto, acrescentarei, que após a II Guerra Mundial tive que afirmar o absurdo que era insistir sobre o problema “judeu” ou “ariano”, de um ponto de vista superior: justamente porque o comportamento negativo atribuído aos judeus está já presente em grande parte dos arianos, sem que estes últimos tenham sequer, como os primeiros, a atenuante da predisposição hereditária. Em segundo lugar, o conceito de raça interior conduzia ao de raça como energia formativa. Poderíamos sobretudo explicar a aparição de um dado tipo comum suficientemente constante a partir de misturas étnicas por efeito de um poder formador interno, tendo a sua expressão mais directa numa dada civilização ou tradição. O próprio povo judeu oferecia o melhor exemplo disto: não tendo qualquer homogeneidade étnica (de raça física) na sua origem, uma tradi ção permitiu formar um tipo hereditário bem reconhecível, a tal ponto que os judeus fornecem um dos exemplos mais característicos de tenaz unidade racial da história. Um outro exemplo, mais recente, é a América setentrional: o tipo americano tomou forma com traços suficien temente precisos (especialmente como raça interior), graças à força formadora da alma de uma civilização, a qual agiu

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sob a mistura étnica mais inverosímil. Isto elimina a ideia de qualquer condicionamento unilateral a partir do inferior, quer dizer, pelo simples bios. As possíveis aplicações práticas de toda esta ordem de ideias, no domínio daquilo que Vacher de Lapouge tinha denominado como “antropologia polítca”, eram evidentes. Numa nação na qual o Estado revista a dignidade de um superior princípio activo e formativo é conce bível uma acção diferenciadora sobre a própria substância étnica. Aqui podia-se reconhecer aquilo que certas exigências do racismo alemão tinham de justo. Havia que distinguir o racismo negativo, destinado a proteger a comunidade nacional de factores de alteração e de mesclas perigosas, de um racismo positivo, dirigido a uma diferenciação no interior da comunidade através da consolida ção e reforço de um tipo superior. Sabemos que o racismo moderno não considera somente as grandes raças distinguidas nos manuais académicos de antropologia — raça branca, negra, amarela, etc. Também no interior de uma comunidade branca, “ariana” ou indo-europeia são reconhecidas diferentes raças, entendidas como unidades mais elementares, como a raça mediterrânica, nórdica, dinárica, eslava, etc., variando as denominações segundo os autores. Com Rassenseelekunde, L. F. Clauss tentou também uma descrição da alma e do estilo interior de tais raças. Em cada nação europeia figuram como componentes, em diferentes proporções, tais raças ele mentares. A exigência do racismo político era individuar em tal mescla aquela raça à qual se pudesse reconhecer o direito de predominar e dar a própria marca ao resto da nação. Na Alemanha reconhecia-se à raça nórdico-ariana este papel. Pois bem, coloquei o mesmo problema para a Itália e pensei poder reconhecer a indicada dignidade de raça central e de raça-guia àquela que chamei de raça ariano-romana: raça que se diferenciou nas origens a partir do mesmo tronco de onde provém a raça nórdica. Procedi a uma descrição do tipo ariano-romano, em primeiro lugar como raça interior (no meu livro foi esboçada também uma

Após a II Guerra Mundial tive que afirmar o absurdo que era insistir sobre o problema «judeu» ou «ariano», de um ponto de vista superior: justamente porque o comportamento negativo atribuído aos judeus está já presente em grande parte dos arianos, sem que estes últimos tenham sequer, como os primeiros, a atenuante da predisposição hereditária.”


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tipologia sumária das “raças do espí rito”). Também coloquei, num capítulo especial, o problema da rectificação eventual da substância étnica da nação italiana, para lhe reduzir a importante componente “mediterrânica” e para fazer prevalecer a componente ariano-romana: naturalmente, sobretudo no plano das atitudes, como modo de sentir e de reagir, como costume. O problema da elite era definido como o de uma classe dirigente que, além de ter autoridade, prestígio e poder como sua função, se apresentasse também como a encarnação de um tipo de humanidade superior, possivelmente na plenitude própria de uma unidade de raça interna e de raça externa. O livro continha igualmente um apêndice iconográfico, com fotografias e reproduções que deviam servir como primeira orientação no estudo das diferentes raças, tanto físicas como da alma e do espírito, assim como das suas múltiplas interferências. Tornava-se bastante claro que nestes termos o racismo apresentava-se sob uma luz muito diferente e que os principais desvios próprios da sua formulação alemã eram evitados. As exigências legítimas eram indicadas numa forma que, essencialmente, creio manterem o seu valor ainda que independentemente da conjuntura em relação à qual então me ocupei destas questões. Existe também um facto talvez não privado de algum interesse histórico, a saber, que Síntese de Doutrina da Raça obteve um aberto reconhecimento pessoal de Mussolini. Tendo lido o livro, Mussolini chamou-me e elogiou o livro, até mais do que o seu real valor, dizendo-me que era justamente de uma doutrina de tal tipo que necessitava. Esta doutrina fornecia-lhe a maneira de considerar problemas análogos aos enfrentados pela Alemanha e assim “alinhar-se”, mas mantendo uma atitude independente, fazendo valer aquela orientação espiritual, aquela primazia do espírito que pelo contrário era estranha a grande parte do racismo alemão. Em particular, a teoria da raça ariano-romana e o correspondente mito podiam integrar a ideia romana proposta, em geral, pelo fascismo, assim como dar uma base à intenção de Mussolini de rectificar e elevar, com o seu Estado, o tipo médio do italiano e constituir a partir do mesmo um homem novo. Tendo em conta os fins deste livro, não será aqui que devo parar e falar sobre o meu encontro com Mussolini. Mencionarei apenas que relatei ao Duce as iniciativas por mim desenvolvidas na Alemanha; dada a sua aprovação às minhas ideias, tais iniciativas teriam

podido ser desenvolvidas dando-lhes um carácter não só pessoal. Em relação a isto, expus o projecto de criar uma nova revista, Sangue e Espírito, a publicar-se em dupla edição, italiana e alemã, revis ta na qual seriam confrontados todos os problemas correspondentes partindo das ideias formuladas no meu livro. Mussolini aceitou a proposta sem reservas e encarregou-me de fixar os pontos programáticos da revista, que ele se declarava pronto a publicar, desde que com o acordo

prévio da Alemanha. Assim, entregueime à procura de pessoas que tivessem um mínimo de qualificação para discutir um programa de tal tipo. Após várias sessões de trabalho, presididas por um excelente elemento, Alberto Luchini (que, entre outras coisas, se interessava pelas ciências tradicionais), chefe da Secretaria da Raça do Ministério para a Cultura Popular, um conjunto de pontos programáticos foram formulados. Numa outra audiência, coloquei-os à consideração de Mussolini, que os aprovou sem alterar uma vírgula. Dirigi-me então para Berlim, para tomar contacto com a outra parte. O assunto no entanto não teve continuidade já que, a meio dos meus encontros com os dirigentes alemães, chegou a ordem à embaixada italiana em Berlim de suspender tudo. Vim mais tarde a saber os motivos disto. Tendo-se sabido das minhas entrevistas com Mussolini, alguns ambientes da capital alarmaram-se. De uma parte, os católicos, e de outra, alguns expoentes do grupo do anteriormente citado “Manifesto da Raça” que integravam a revista Difesa della Razza. Durante a minha estadia em Berlim aproximaramse de Mussolini. Por medo de serem rele-

gados, os segundos remeteram-se à anterior aprovação dada por Mussolini àquele manifesto, fazendo notar o claro contraste existente entre o mesmo e a orientação por mim afirmada. Tinha já havido alguma tentativa de polémica, embora eu próprio tivesse colaborado naquela revista (mantendo sempre as minhas posturas). Dado o meu interesse pelas disciplinas esotéricas, fizeram sarcasmo classificando o meu racismo de “mágico”. Pela minha parte, tinha um modo fácil de contra-atacar, dados os múltiplos flancos generosamente oferecidos pelo meu adversário. Por exemplo, na capa da revista eram usadas foto montagens. Numa delas podia ver-se um belíssimo rosto adolescente de uma estátua clássica, suja por uma imagem a negro na qual se havia colocado uma estrela hebraica. Pois bem, fiz notar que aquele era o rosto de Antínoo, o conhecido homossexual do período imperial: exemplo de uma raça do corpo que podia também ser pura em relação a uma degeneração da raça interior. Quanto aos católicos, estes ficavam bastante preocupados com uma doutrina que, como a minha, dava relevância acima de tudo à raça do espírito e que também sobre o plano do espírito afirmava o princípio da desigualdade dos seres humanos. A concepção da raça do espírito conduzia além do mais ao problema da concepção do mundo, na qual tal raça se expressa, e que tem um papel central na sua acção formativa desde o interior. A nível particular colocava-se o problema de definir aquela concepção do mundo, do sagrado, dos valores supremos, que fosse na realidade conforme ao tipo superior; no caso de Itália ao tipo ariano-romano: e aqui aparecia como evidente a necessidade de uma revisão a respeito de muitas ideias de origem certamente não ariano-romana da religião que se tinha tornado predominante entre as raças do Ocidente. Ainda que evitando as posturas extremistas e pouco ponderadas de Imperialismo Pagão, tornava a abordar a problemática deste livro. Da parte dos católicos foram portanto vistos os perigos do interesse demonstrado por Mussolini nas minhas ideias, perigos acentuados pela projectada colaboração ítaloalemã. Com habilidade jesuítica, tais elementos católicos não atacaram frontalmente; passando por cima daquilo que os afectava sobremaneira, eles encontraram maneira de apresentar a Mussolini uma exposição na qual eram colocados em relevo todos os aspectos das minhas concepções que contradiziam algumas ideias centrais do fascismo: o racismo discriminativo atacava a ideia de unidade nacional e relativizava o conceito de


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pátria, os elementos de estilo arianoromano estavam em contraste com a “latinidade”, e assim sucessivmente, até inclusivamente aspectos escandalizantes sobre o que eu tinha tido ocasião de expor contra o costume burguês e para a rectificação da componente “mediterrânica” no relativo à moral sexual e às relações entre os dois sexos. Assim, Mussolini, que apesar de todas as aparências era um homem que se deixava influenciar facilmente, começou a duvidar. Daí a ordem mencionada, transmitida à embaixada de Berlim. Quando regressei a Roma, tomei conhecimento de que as disposições eram também de suspender pelo momento o projecto da revista Sangue e Espírito. Mas o curso da guerra rapidamente não deixaria mais lugar para iniciativas de tal tipo. Isso também impediu a realização de outro projecto, já aprovado por Mussolini. Eu tinha proposto empreender uma pesquisa sobre os componentes raciais do povo italiano. Se, como mencionei, o conceito de “raça italiana” é um absurdo, podia-se no entanto examinar os principais componentes raciais desta nação. Entravam em tema os três aspectos da raça e teria que ser dada uma especial importância à constatação da presença, ou da subsistência, do tipo arianoromano. Para tal fim foi nomeada uma comissão composta por um antropólogo que teria a seu cargo a raça do corpo, por um psicólogo (tratava-se de um docente do Instituto de Psicologia da Universidade de Florença) que teria de estudar a raça da alma (comportamentos psíquicos, reacções, etc.), a qual, no entanto, nos seus aspectos propriamente caracterológlcos teria que ser captada por L. F. Clauss, que tinha aceite o nosso convite para colaborar. Finalmente, eu teria que ocupar-me da raça do espírito e para tal pensava, entre outras coisas, recorrer a testes apropriados, a questionários sobre problemas espirituais fundamentais. A comissão teria que examinar, em várias regiões e cidades italianas, membros de antigas famílias locais. Os resultados desta primeira investigação teriam que ser apresentados num tomo com numerosas fotos dos diferentes tipos. Mas os acontecimentos impediram também a colocação em marcha desta iniciativa, não desprovida de interesse e sem precedentes, para a qual se tinham já realizado vários preparativos. Quando Mussolini me chamou e deu o mencionado juízo sobre Síntese de Doutrina da Raça, disse querer saber de que modo a cultura italiana tinha acolhido o livro. Nessa altura Pavolini, ministro para a Cultura Popular, lançou um “boletim” para assinalar aquela obra à imprensa. Mas tais boletins, quase sempre solicitados pelos autores, eram enviados em grandes quantidades; já eram

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Mussolini chamou-me e elogiou o livro, até mais do que o seu real valor, dizendo-me que era justamente de uma doutrina de tal tipo que necessitava. Esta doutrina fornecia-lhe a maneira de considerar problemas análogos aos enfrentados pela Alemanha e assim “alinhar-se”, mas mantendo uma atitude independente, fazendo valer aquela orientação espiritual, aquela primazia do espírito que pelo contrário era estranha a grande parte do racismo alemão.” tão habituais, que quase não se prestou atenção a tal indicação. Ao inteirar-se disto, Mussolini irritou-se e fez repetir de forma categórica tal indicação. Naturalmente, apareceu então uma chuva de resenhas, desde o áulico Corriere della Sera até outros importantes periódicos que nunca se tinham ocupado dos meus livros. E foi assim que fiquei conhecido em Itália quase tão-só por ser o autor de um livro sobre a raça e por isso me foi aplicada a etiqueta, difícil de retirar, de “racista”, quase como se nunca me tivesse ocupado de nenhum outro tema. Tal como creio ter demonstrado suficiente mente nos capítulos anteriores, na realidade tinha-me esforçado por aplicar ao problema da raça princípios de carácter superior e espiritual; tratava-se para mim de um domínio totalmente subordinado, e o fim principal era combater os erros das variedades do racismo materialista e primitivo que assomavam na Alemanha. Também neste domínio me mantive fiel à minha linha, e no essencial não há nada que tenha escrito então que agora renegue: ainda que reconhecendo a absoluta falta de sentido que praticamente hoje teria retomar tais problemas. O mesmo se aplica ao problema hebraico. O modo como eu o tinha considerado era sumamente diferente do que era próprio do anti-semitismo vulgar. A acção do judaísmo na sociedade e na cultura moderna ao longo de duas linhas principais, a da internacional capitalista e a de um fermento revolucionário e corrosivo, é dificilmente rebatível. Mas eu procurei mostrar que esta acção foi desenvolvida essencialmente por um judaísmo secularizado, separado da sua mais antiga tradição, no qual alguns aspectos da mesma tinham assumido formas distorcidas e materializadas e do qual se haviam libertado os instintos, em parte retraídos por aquela tradição, de uma determinada substância humana. Contra a tradição hebraica em sentido próprio tinha muito pouco a objectar, e muitas vezes nos meus livros sobre temas esotéricos tinha citado a kabbala, antigos textos hebraicos sapienciais e autores judeus (aparte a minha avaliação

de Michelstaedter, que era judeu, e o meu interesse por outro judeu, Weiniger, cuja obra principal traduzi para o italiano). Da génese do judaísmo como influência desagregante ocupei-me num capítulo de O Mito do Sangue e num ensaio aparecido no quinto tomo das Forschungen zur Judenfrage. Também neste caso como elemento decisivo tinha que valer a raça interior e o comporta mento efectivo. Finalmente, sobre o plano das forças históricas não deixei de acusar não só a unilateralidade, mas também a perigosidade que representava um anti-semitismo fanático e fantasista: fi-lo também na introdução que escrevi para a reedição, a cargo de Preziosi, dos famosos e discutidíssimos Protocolos dos Sábios de Sião. Ressaltei aí quão perigoso seria crer apenas o judaísmo (o secularizado) o inimigo a combater: em tal crença fui inclusivamente propenso a ver o efeito de uma das tácticas do que denominei como “guerra oculta”: actuar de tal modo que toda a atenção se concentre sobre um sector parcial é a melhor maneira de a desviar de outros sectores, que podem então continuar a actuar sem ser incomodados. Era necessário pelo contrário ter o sentido de toda a frente oculta da subversão mundial e da anti-tradição em cada um dos seus aspectos: para o que, já em Revolta contra o Mundo Moderno, se podiam encontrar adequados pontos de referência. O fundo último era uma luta de carácter metafísico, que se tinha desenrolado ao longo de todas as eras. Na mesma, algumas organizações, por exemplo nos últimos tempos, a maçonaria política, além do judaísmo secularizado, tiveram ape nas o papel de instrumentos ou apoio de influências superiores. Um tal ponto de vista não está longe, além do mais, de uma certa teologia da história. Finalmente, não é sequer necessário mencionar que nem eu, nem os meus amigos na Alemanha sabíamos dos excessos nazis contra os judeus e que, caso o tivéssemos sabido, de modo nenhum os tería mos aprovado. — Texto publicado no Boletim Evoliano nº 4



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