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UMA VOZ
from Revista Leia
by Revista Leia
Da janela do apartamento, antes do amanhecer, com o crepúsculo, vejo ao longe o conjunto de montes. Um enfileirado de montanhas e pedras que a natureza moldou e cercam nosso vale, a cidade e o rio Itapemirim. No ponto em que me encontro, o Pico do Itabira se destaca, desponta também o Frade e a Freira e o restante das pedras e montes que não consigo nomear. Se alguém perguntasse, o que Cachoeiro tem de mais bonito? Eu diria: suas pedras e montes. Saturados pelas imagens, ainda assim, ficamos seduzidos pelos desejos dependentes da visão. Mas, pensei em um sentido distante, naquele que meu pai, moribundo, me despertou, um som longínquo, necessário encostar os ouvidos bem próximo aos lábios do outro. Uma intimidade sonora poucas vezes experimentada. Lembrei de sua voz. Uma voz autoritária. Mesmo no leito hospitalar, com a força física se esvaindo, com o corpo franzino, cabelos ralos e brancos, mesmo assim, a voz se destacava. Como se eu criança e ele a orientar o que fazer. Uma voz do passado, voz que incentivava e elogiava. Voz que constrangia pelos exageros dos elogios que me fazia. Voz que falta no presente, que falta em meus dias. Nos dias que nos encontramos sozinhos e combalidos. A voz é assim. Uma das poucas coisas que fica até o fim da nossa existência. A voz permanece em nós. A voz que nos identifica por toda uma vida. É bom ouvir a voz da pessoa amada. Os diversos sons da natureza. O poeta, no exílio, não pede as imagens do seu país. Solicita que gravem o som das coisas que deixou. O som das ondas do mar da praia de sua adolescência. Nos sons recolhidos, com os olhos vendados recupera, em sua memória, as imagens esquecidas. A razão do seu viver. Ao nascermos emitimos som: o choro, uma alegria para todos. Um sinal da vida. O princípio de tudo e o início do fim. Com o tempo, o bebê adormece ao som da cantiga da mãe. A voz que embala é a mesma que alerta e orienta. Com o tempo esquecemos de ouvir. Preferimos o som dos celulares. São rápidos. Desligamos ou não atendemos quando incomodam. Quem sabe um dia possamos voltar no tempo e ouvir os sons escondidos dentro de nós. Colocar o ouvido junto à terra onde crescemos e, como nossos ancestrais, entender a mensagem inicial.
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