Névoa da manhã

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Névoa da Manhã

Lélio Braga Calhau


Passei anos da minha vida jogando ​ Crysis​ . Nele, eu não era uma pessoa da burocracia. Eu tinha uma outra vida. Era o que eu sempre havia sonhado para mim e que não pude ser. Como soldado do exército norte­americano, eu lutava, num futuro próximo contra a Coréia do Norte. Nós éramos os bonzinhos e eles os malzinhos. Comecei jogando a primeira versão apenas como jogador individual. Depois, eu fui me afeiçoando à trama do jogo e passei a jogar on­line com centenas de jogadores, distribuídos ao redor do mundo.Era gente de todo lugar e conhecíamos pessoas de todos os tipos. Com o tempo, passei a jogar em ambientes, que eram criados pelos próprios usuários avançados. Era gente que gostava do jogo e entendia muito de informática. Já não havia limites para os temas e os cenários de guerra eram cada vez mais fantásticos. Jogávamos em florestas, desertos, savanas, matas fechadas etc. Havia possibilidades mil, inclusive, algumas fases, eram de coisas absurdas. Com o tempo, me apeguei muito a um dos cenários, criados por um usuário avançado, que nunca fiquei sabendo quem era. Ele se chama ​ Névoa da Manhã​ . Nessa opção, a gente jogava dentro de uma floresta fechada, totalmente coberta pela névoa da manhã, e havia uma cabana no meio do terreno, que era muito amplo. A opção suportava claramente mais de quarenta pessoas jogando ao mesmo tempo, embora, nem sempre ficasse cheia e movimentada. E eu podia ficar atravessando a mata para lá e para cá, vendo os detalhes do terreno, enquanto os jogadores não entravam e começavam os combates. Gostava tanto do jogo, que fiquei muito triste, quando, por necessidade, tive que parar de jogar para trabalhar num horário mais complicado. Eu havia acabado de me divorciar e muitas contas batiam na minha porta. Mas eu sempre sonhava com aquele cenário. Eu conseguia sentir nos meus sonhos a névoa da manhã. Ela sempre voltava de forma recorrente nas minhas noites. Eu sentia, que de alguma forma, havia uma ligação emocional entre aquele floresta, coberta de neblina, e eu. Eu só não sabia o que era. Tempos depois, aconteceu algo que marcou a minha vida para sempre. Em San Diego, Califórnia, eu estava voltando para o hotel ​ Holiday Inn de Old Town​ , após participar de mais um dia na ​ Comic Con​ , e, ao descer em ​ Old Town Transit Center​ , vi uma menina loira, magrinha, de uns 17 anos, com um echarpe e um gorro branco, parada na numa lanchonete dentro da área da estação. Ela não tinha o braço esquerdo e foi evidente, que sentimos uma curiosidade recíproca, embora não houvesse nada físico naquilo. Da minha parte, fiquei compadecido por aquela menina tão nova não ter um dos braços e ela deve ter olhado para mim e pensado: mais um maluco com pouco mais de quarenta anos, saindo da ​ Comic Con com boné de ​ Star Wars​ na cabeça.


Comprei um cartão na lanchonete e liguei de um telefone público para o hotel, pedindo que eles mandassem um carro me buscar. Quando olhei para trás, por reflexo, eu a vi, a cerca de três metros, perto da entrada da loja da estação, olhando diretamente para mim. A minha carona chegou e quando eu me virei para trás, para olhar pela ultima vez para ela, ela havia misteriosamente desaparecido. Fui embora, alguns momentos depois, para o hotel e fiquei pensando naquela menina, que havia cruzado o olhar comigo na estação. Havia algo de diferente com ela. O seu olhar era muito profundo. Eu senti nela uma força e ao mesmo tempo, ela parecia ser frágil. Mas, era claro, que ela era tudo, menos frágil. Naquela noite, eu peguei o avião e voltei para o meu país, Brasil, onde na minha cidade, retomei o meu trabalho na minha repartição. Mas, eu não conseguia deixar de pensar naquela cena. Havia algo de misterioso naquele encontro na estação de trem de San Diego. Algo, que iria mudar a minha vida para a sempre e eu, ainda, não sabia. Algumas semanas depois, chegou um aviso na minha sal, onde trabalho, de que alguém queria me entregar uma correspondência na portaria do meu trabalho e, que tal carta, só poderia ser entregue pessoalmente. Fiquei meio frustrado, pois eu estava trabalhando num caso importante com um colega, e aquilo ia atrapalhar a nossa concentração. Desci a rampa do segundo andar para o térreo e fui lá receber a pessoa, achando que se tratava, em verdade, de um carteiro. Minha surpresa foi grande ao chegar na portaria e encontrar a mocinha loira da estação de trem Old Town de San Diego me esperando. Pensei, inicialmente, que eu havia me confundido, mas era ela. Ela era a mesma moça sem o braço, embora, agora, estivesse usando um vestido vermelho, bonito, mas um pouco quente para a temperatura normal da minha cidade. Foi uma grande surpresa, mas não fiquei preocupado. Desde quando a vi pela primeira vez, ela me transmitiu no olhar, a sensação de se uma pessoa de boa índole. Abri a porta de uma pequena sala de reuniões e a convidei para entrar. Ela sentou e já disse rapidamente: ­ Nos vimos em San Diego na estação ​ Old Town Transit Center​ ­ disse ela, já se antecipando. Eu me sentei de frente para ela numa mesa amarela redonda e coloquei a mão no queixo. Encostei na minha barba rala e olhei com curiosidade. ­ Sei disso! ­ disse meio espantado, e prossegui ­ Mas, me diga, o que faz você sair do seu país e vir aqui atrás de mim ? ­ perguntei, um pouco perplexo. Ela quis explicar, mas ficou em silêncio, olhando para o infinito.


Achei aquilo muito estranho, mas, definitivamente, aquela menina não tinha nada de doida. Era visível, que acontecera algo importante. Depois de alguns momentos, ela completou: ­ Não é o meu país. E eu te vi anotando algumas coisas na palestras de fantasia da Comic Con também. Vim aqui para pedir a sua ajuda. Fiquei mais surpreso ainda. Agora, eu entendia, mais ou menos, o que estava acontecendo. Devia ter algo a ver com a Comic Con, pensei. Talvez ela fosse uma escritora, também, e estivesse ali para conversar sobre alguma parceria. Talvez ela estivesse escrevendo algo sobre o Brasil e poderíamos trocar informações sobre as nossas pesquisas. ­ Sim, estou pensando em escrever um livro e aproveitei para ouvir palestras de autores muito experientes, como ​ Patrick Rothfuss e Terry Brooks. Eles estavam lá e consegui participar de alguns eventos interessantes sobre livros de fantasia e recolhi muitas informações e orientações importantes para a pesquisa, que eu estava realizando a muitos meses sobre o assunto literatura de fantasia ­ disse, mais tranquilo. Ela continuou ansiosa e abriu uma bolsa, de onde tirou uma sacola de papel e me entregou. ­ Esqueça tudo que você ouviu na Comic Con ­ disse ela, de forma bem assertiva. Aí sim, eu me assustei. ­ Mas esquecer como ? ­ perguntei ­ E o “estado da arte” das coisas, que eu aprendi la ? Ela agora parecia estar com pressa e me interrompeu. ­ Na terceira lua cheia deste mês, você deverá colocar uma moeda de ouro ou algo da mesma natureza dentro desta algibeira, que estou lhe dando agora. Coloque e feche com um nó. Alem disso ­ ela me entregou, também, um papel antigo com algumas anotações à mão ­ Você devera usar esta roupa aqui, ou peças de roupa parecidas com isso. Olhei no calendário, do lado do computador velho, que estava ali há pelo menos oito anos e vi que a terceira lua cheia do mês seria naquela noite. ­ Mas o que vai acontecer? A terceira lua cheia é hoje. Ela se levantou, abriu a porta e ia saindo sem falar nada, quando se virou para trás e disse: ­ Você não precisará da Comic Con nunca mais na sua vida. Acredite em mim! E reparei que você também é uma pessoa de boa índole e tem bom coração.


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Como você sabe disso ? ­ perguntei assustado.

Ela saiu, mas antes de fechar a porta apontou, por último, para a algibeira. ­

Para reverter o feitiço, você devera tirar a moeda de ouro ou o objeto de dentro da algibeira. Não a perca, por nada. ­ E atravessou a rua, dobrou a esquina á direita e sumiu, me deixando confuso dentro da sala, enquanto eu a observava se afastar pela persiana. Achei aquilo tudo muito estranho e fui pra casa ao final do dia.

Eu estava muito cansado, de paleto e gravata e vi, pela janela, que já estava anoitecendo. Fui a pé para casa pensando no que a moça sem o braço havia falado. Ela falou de um feitiço, mas ela não tinha cara de bruxa. E bruxas não existem. Fiquei rindo sozinho com a situação, enquanto caminhava pelas ruas da minha cidade em direção ao meu apartamento. Cheguei em casa, comi algo, que minha faxineira havia feito e deixado na geladeira e senti um sono muito forte. Resolvi me deitar, antes de ver um filmes, mas, por curiosidade, abri minha escrivaninha e achei, no meio da bagunça de pequenos objetos, a minha antiga aliança do meu primeiro casamento. Como eu, eventualmente, olhava para ela e não sabia que rumo dar, resolvi, por brincadeira, colocar a moeda dentro da algibeira e a guardei no bolso do terno. Acabei dormindo com muito cansaço sem trocar de roupa. Havia sido um dia muito cansativo. Dormi com fome, mas nem deu para ir na cozinha antes. O sono estava muito forte. Então, eu tive, mais uma vez, o sonho da Névoa da Manhã. Eu estava dentro do jogo Crysis e estava dentro daquele cenário, que eu gostava tanto e sentia tanta afinidade. Nenhum outro jogador havia chegado no ambiente e resolvi dar um giro pelo território. De repente, do nada, passei a sentir muito frio e uma falta de equilíbrio. Achei estranho, pois ou eu estava dormindo ou estava dentro de um jogo. Como eu podia estar sentindo frio ou desmaiando? Mas o certo é que eu senti falta de força e acabei caindo no chão e dormindo. E o acontecimento mais fantástico da minha vida aconteceu. Acordei sentindo um frio danado, mesmo estando de paleto e gravata. De olhos fechados, tentei pegar o travesseiro e senti que estava tocando em plantas. Abri os olhos assustados e me dei conta de que estava dentro de uma floresta temperada, com uma mata fechada atrás de mim, e eu estava sentido a forca máxima da neblina da manhã. Comecei, então, a espirrar forte de alergia, sem entender o que havia acontecido naquele momento e me levantei apressado. Olhei ao redor e vi o mesmo cenário do jogo de vídeo game, que eu sempre jogava, e aquilo me deixou com um sentimento de muita perplexidade.


Teria eu ficado louco ? Enfiei a mão dentro do terno e vi que a algibeira com a antiga aliança minha estava lá. Olhei, para a frente e vi uma estrada de cascalho. Andei alguns metros e vi uma placa escrita Carolina e apontando a distância de 12 quilômetros. Era por volta de seis horas da manhã e o sol começava a surgir, mas com pouca intensidade. A neblina d amanhã estava forte, mas começava a dar sinais de que perdia força. Ao chegar na estrada, vi uma grande coruja me olhando do alto de uma nogueira. Fixei meu olhar nela por alguns momentos e ela, calmamente, fingiu que não me via. Fui caminhando, então, pela estrada na direção de Carolina e, cerca de uma hora depois, surgiu, então, um homem, pouco maior do que meu porte físico, bebendo um pouco de vinho e montado num cavalo marrom. Ele estava usando trajes medievais. Não devia ser rico, nem tampouco pobre, pelas vestes que estava usando. Ele me olhou de uma maneira muito estranha. Eu o encarei também, e ao olhar para mim, pensei que só poderia ser a roupa. ­ Tenho aqui um cordão de ouro e o ofereço em troca de suas roupas ­ resolvi fazer a oferta. O homem achou aquilo muito estranho. Ele sorriu, onde pude ver, que não tinha os dentes da frente e parou o cavalo. ­ Só um louco proporia um cordão de ouro por um conjunto de de roupas velhas. Não tenho como voltar nada para o senhor, já que as roupas valem muito menos que o cordão de ouro ­ disse ele, pegando o meu cordão e mordendo­o para ter certeza que era de ouro. Eu sorri. ­ Não tem problema. Eu levo o cavalo também e ficamos quites ­ respondi. O homem ficou feliz da vida. Guardei a minha roupa num pequeno saco de pano e fui embora na direção da placa. Cavalguei por mais de duas horas no sentido indicativo da placa, saindo de uma floresta densa e entrando num pequeno campo agrícola. Vi esquilos, guaxinins, furões e a floresta demonstrava ser muito rica. Era uma visão muito linda. O sol começou a esquentar o caminho e o frio estava indo embora de forma definitiva. Ao chegar perto da entrada da cidade, muito suja por sinal, havia uma cabana de madeira, entre algumas castanheiras e faias. . Alguém estava de pé junto à estrada com um capuz tampando o rosto.


Eu me aproximei à cavalo e perguntei: ­

Esta é a cidade de Porto Carolina ? ­ perguntei.

Ela continuou a olhar pra frente e respondeu, sem que eu eu pudesse enxergar o seu rosto. ­ Pelo que vejo, você não conhece o reino de Aurora e, muito menos, a região. Correto ? Era uma moça. Animado por ela estar me entendendo, embora eu não estivesse compreendendo o que estava ocorrendo, ela se virou de forma repentina para mim e puxou o capuz. ­ Que bom que você veio ! ­ disse a moça repentinamente. Fiquei espantado, então, ao descobrir que era a menina sem o braço esquerdo, que agora sorria para mim. Ela pediu, então, a minha ajuda e subiu no cavalo com grande rapidez. Para alguém que não tinha um braço, ela tinha uma coordenação motora muito boa. Com seu único braço, ela deu um tapinha no cavalo, que saiu em direção à entrada de Porto Carolina. ­ Eu ainda não sei o seu nome e não estou entendendo o que estou fazendo aqui ­ disse a ela, enquanto conduzia o cavalo, que era, também, um pouco temperamental. ­ Frida ­ ela respondeu. Meu nome é Frida. ­ disse ela. Eu ia dizer meu nome, quando ela se antecipou de novo. ­ Sei o seu nome, mas aqui você terá outro nome. Aqui você se apresentará às pessoas como Fasil. Você, para todos os efeitos, é Fasil, o professor. Gostei do nome. ­ Mas, por que estou aqui, Frida ? Ela tampou o rosto com o capuz e continuou a falar. Enquanto entrávamos dentro da cidade, pessoas passavam ao nosso lado carregando mantimentos e levando coisas em direção ao que parecia ser o porto. Alguns soldados passaram ao nosos lado e nos olharam, também, como se estivessem tentando nos reconhecer. De onde estávamos, podíamos enxergar as torres, que cercavam o porto. Frida olhou para as pessoas pobres espalhadas pela rua e disse, com um pouco de tristeza: ­ Aqui é o reino de Aurora e precisamos de sua ajuda, Fasil.


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Eu preciso voltar para a minha vida. ­ falei preocupado, enquanto tentava dominar o cavalo, que dava sinais, que não gostava de mim.

Ela ficou em silêncio, mas me acalmou, falando suavemente. ­

Só não perca a algibeira. Se acontecer alguma emergência, retire o ouro de dentro dela e não deixe nem a algibeira e nem o ouro cair no chão. Você irá ser transportado novamente ao seu mundo, mas não deixe nada cair no chão ou o feitiço não funcionará.

Ela apontou para à frente e disse. ­

Na rua, que vai para o porto, vire à esquerda. Iremos no sentido contrário ao do mercado de peixes, pois iremos nos encontrar com uma pessoa muito importante e ela o aguarda.

Eu ia olhando para a multidão, quando observei algumas coisas estranhas. Parecia ser uma cidade medieval, igual a essas dos livros e filmes antigos, mas algumas coisas estavam diferentes. Alguém entrou na frente e o cavalo quase passou por cima. Puxei, então, a rédea do cavalo com força, o cavalo quis empinar e e quase caímos ao chão. Um esquilo de um metro de altura quase foi atropelado pelo cavalo e, para meu espanto, ele falava. Ele olhou com desprezo para nós e gritou: ­ Um pangaré em cima de outro pangaré. Da próxima vez eu dou uma surra em vocês dois ­ e sumiu na multidão. Frida riu e mandou seguir em frente, mas com cuidado, para que evitássemos outros incidentes. Enquanto isso, ela me disse algumas coisas. ­ Sou uma bruxa, Fasil. Em nosso mundo você vai testemunhar muitos elementos mágicos. Aquele esquilo é um bebum da cidade. Não se importe com ele. Ele não faz mal a ninguém. Precisamos muito de sua ajuda. Nosso reino vai ser invadido, em breve, por forças do mal e podemos fazer muito pouco para nos defender ­ disse ela, com visível tristeza. ­ Mas o que eu posso fazer para ajudar ? Estudei apenas leis na minha vida. Não sei lutar e nem manejar espadas. Não sei, ainda, o que posso fazer aqui. Por que estou aqui, para começar? Explique­me. Ela sorriu e apontou uma curva, que fizemos, saindo da área mais povoada da cidade e nos dirigindo a um grande descampado, com poucas habitações e muito menos pessoas, ainda.


­ Eu precisava achar uma pessoa de confiança e de bom coração com a sua idade mais ou menos e a sua estatura. Você tem o biotipo certo para o que precisamos. Eu estive na Comic Con e observei milhares de pessoas nos primeiros dias. Eu sabia que a pessoa escolhida iria aparecer e e que ela estava vindo de uma terra distante. Quando nos encontramos na estação de trem, eu reconheci você imediatamente. Só não falei nada naquele momento para não assustá­lo...mais. ­ E riu. Viramos à esquerda, quando chegamos num cruzamento, onde pude observar uma dezenas de pequenas forjarias, onde as pessoas trabalhavam, no que parecia serem espadas. O cheiro era quase insuportável. Após cavalgarmos por dez minutos, entramos numa pequena e suja taverna, onde uma moça vestida de caçadora com um capuz verde, estava sentada nos fundos. Não havia mais ninguém no recinto. Uma placa dizendo que o estabelecimento estava fechado foi colocada do lado de fora da porta, de forma que não seríamos incomodados. Sentamos à mesa, sendo que nos foi servido quase que imediatamente pernil de cordeiro assado ao molho de mel, alecrim e limão. Eu estava com muita fome e me deliciei com a farta comida, enquanto bebia, avidamente, uma taça de vinho. ­ É ele, Clara ­ disse Frida, cumprimentando a moça de uma forma muito respeitosa. Ela abaixou o capuz e olhou nos meus olhos. ­ Que bom que veio, senhor … ­ disse ela, tocando meu braço direito com sua mão fina e longa. ­ Fasil! Fasil, o professor. ­ respondi imediatamente. Clara olhou para Frida e fez um sinal. Clara aparentava ter uns vinte anos. Era clara, magra e com as mãos longas e finas. seu cabelo era castanho liso escuro, tendendo para o preto. Sem querer, vi que ela tinha uma adaga junto à sua perna. Ela se dirigiu à mim e disse: ­ Não vou poder ficar aqui mais tempo, Fasil. Noso reino está para ser atacado em breve pelo reino de Villania, que fica no outro lado do Mar Profundo. Meu pai, o rei Pedro, me pediu para tentar uma firmar uma aliança com pelo menos mais dois reinos, que existem aqui em nosso continente, Intrepidus. Somos quatro reinos: Aurora, Minerius, Netunia e Polaris. Vou me reunir daqui a pouco com a Virgo, a líder do reino de Polaris, que está secretamente aqui nesta cidade hoje com uma pequena tropa, disfarçados de comerciantes de peles. Há décadas o reino de Aurora tenta a união dos reinos de Intrepidus, mas, sempre, por algum motivo, a união não é aprovada. A Virgo é hoje a nossa única esperança.


­

Princesa, não sei como poderei ajudar. Não sei manejar armas e nem bruxo sou. ­ respondi de forma bem respeitosa.

­

Tudo a seu tempo, Fasil. ­ disse Clara.

Frida olhou para dentro de meus olhos e disse: ­

Precisamos que você faça uma coisa, Fasil. Algo que não poderemos fazer nunca por sermos do reino.

Clara, então, entregou­me um saco com algumas moedas. Ao abrir, verifiquei que eram de ouro e me passou às mãos, também, um tubo de couro. Eu o abri e dentro havia uma declaração da Universidade Iennaco, que me concedia o título de professor de ciências. Clara, á vista disso, pegou uma pena de ganso e autenticou o documento com sua assinatura. ­ Com essas moedas, você irá se manter em Carolina com bastante conforto nos próximos meses. Após você se familiarizar com as coisas do reino, dois homens irão lhe buscar e você será conduzido à presença do rei Pedro, quando será nomeado um de seus conselheiros da Corte. É um conselho formado por quinze pessoas; cinco sacerdotes, cinco nobres e cinco professores. Eu concordei e perguntei. ­ Mas qual é a minha missão, princesa? ­ Precisamos que você nos ajude a matar uma pessoa, Fasil. Engasguei seco com isso. Eu nunca havia feito mal nem pra uma formiga. As duas pegaram na minha mão com força e notei um sentimento de desespero em seus olhares. Frida quase chorou e os olhos de Clara ficaram marejados. ­ Precisamos que você descubra o traidor, que está dentro de nossa Corte e que pretende matar o meu pai, o rei Pedro. Precisamos que você e nos sirva e se infiltre na Corte. Alguém de nossa Corte vem passando há anos informações secretas de nossas defesas para Villania e temos que descobrir quem é esta pessoa antes que a invasão aconteça. Tenho de sair agora, mas agradeço, desde já, seu bom coração e sua disponibilidade em nos ajudar. Frida olhou para mim. ­ Recrutei esse coração entre milhares. Ele é nossa melhor aposta para tentarmos descobrir quem é esse traidor. Fasil, o futuro do nosso reino encontra­se, também, em suas mãos. Precisamos de sua ajuda para garantir a sobrevivência de nosso povo e das florestas mágicas do reino. Eu fiquei em silêncio, enquanto a princesa se despedia e saía pela porta rapidamente.


Durante aquela tarde, Frida me colocou a par de como funcionava o reino de Aurora, um reino florestal e me explicou, ainda, com detalhes, de forma cansativa, mas necessária, o funcionamento da Corte e de seus conselheiros. Deitei, mais tarde, na taverna e fui dormir. Tirei as moedas de ouro da algibeira e as guardei comigo na cama. Acordei no outro dia, de manhã, no meu quarto com a faxineira batendo na porta, por volta de meio­dia, e perguntando se eu queria almoçar. Ainda sonolento, me levantei da cama como mesmo terno e gravata de ontem e fui até o espelho. Meu rosto estava inchado, mesmo eu tendo dormido mais de doze horas. Que sonho maluco, eu pensei. Tomei um banho e ao me vestir, encontrei a algibeira na cama. Ela estava sem moeda nenhuma e a joguei sobre o criado­mudo. Quando fui pegar o cinto, vi que pisei em algo e me abaixei para pegar. O meu espanto foi grande. Pelo menos cinquenta moedas de ouro estavam espalhadas debaixo da cama. Eu me levantei assustado. Cheguei perto do criado­mudo e encontrei o tubo de couro do dia anterior. Eu achei que estava tendo um sonho. Puxei o involucro e achei o mesmo diploma da Academia em Iennaco me concedendo o título de professor. Sentei na beirada da cama e vi, então, a assinatura, em formato de águia da princesa Clara, autenticando o documento. Abaixei o documento estarrecido e comecei a juntar as moedas. Algo de muito fantástico estava acontecendo na minha vida. E fui trabalhar, pensativo, atravessando as ruas da floresta de pedra, pensando naquilo, que havia ocorrido comigo naquela noite. Sem que eu percebesse, Frida me olhava, há cerca de cem metros de distância do meu trabalho, para ter certeza que eu estava bem. Quando olhei repentinamente na sua direção, pois achava que alguém estava me olhando dali, não vi nada demais. Frida era uma bruxa. Embora aparentasse ter apenas dezessete anos, ela tinha dois mil e quinhentos anos. Frida era uma das Fundadoras da Floresta Negra de Aurora e agora, também, me protegia. E muitos segredos estavam guardados com ela. E eu ? Só pensava, agora, em como descobriria quem era esse traidor infiltrado na Corte do reino. Como ia fazer isso ? Não tinha a mínima idéia, mas meu coração se


incendiava só em lembrar que a névoa da manhã me esperava a qualquer momento, para iniciar a maior aventura da minha vida.


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