E D I Ç Ã O 0 4 . PIEP
AUTORAS
Ana Paula Rosa Camila Sandim Dayana Sá Elem Rodrigues Gislanda Rodrigues Isneide Silva Josiane Kenier Karinne Cândido Lauana Bispo Laurecy Oliveira Lorrayne da Silva Maria Antonia Pinto Patricia Grasiele Rafaela Santiago Rosangela de Azevedo Vanessa Ferreira
AS FOTOS E SUAS AUTORAS
AGRADECIMENTOS
Nitro
As 16 participantes desta edição dividiram, durante uma semana, cinco kits de câmeras fotográficas para produzir as matérias das próximas páginas. Isso dificultou muito a identificação das autoras de cada imagem. Por isso, as fotos não serão creditadas – de certa forma, são todas obras coletivas.
COORDENAÇÃO, EDIÇÃO E OFICINAS
LOGOTIPO DESTA EDIÇÃO
Leo Drumond Natália Martino
Ana Paula Rosa
Por contribuírem para a realização desta edição da revista, agrademos: Ao Secretário de Administração Prisional de Minas Gerais, Francisco Kupidlowski; À Subsecretária de Humanização de Atendimento da mesma pasta, Emília Castilho; À diretora de ensino e profissionalização da Secretaria de Administração Prisional, Natália Imaculada Rodrigues; A todos os servidores da Assessoria de Comunicação da Secretaria de Administração Prisional; À promotora do Ministério Público de Minas Gerais, Nívea Mônica da Silva; À defensora pública, Maria Auxiliadora Viana Pinto; À Direção da Penitenciária Estevão Pinto, representada pela diretora-geral, Juliana Camargos Ferreira, pela diretora de atendimento e ressocialização, Maristela Esmerio Andrade, pela diretora administrativa, Hariel Caio Rocha e diretora de segurança, Luzia Aparecida; Às pedagogas da Penitenciária Estevão Pinto, Miriam Célia dos Santos e Priscilla Zocrato Nébias Guimarães; Aos psicólogos da Penitenciária Estevão Pinto, Célio Souza e Ana Maria de Carvalho; A todos os funcionários do corpo técnico e administrativo da Penitenciária Estevão Pinto. Ao Rumos Itaú Cultural.
REALIZAÇÃO
MARCA DESTA EDIÇÃO PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Diogo Droschi MAKING OF E SUPORTE GERAL
Ciro Thielmann EDIÇÃO E FINALIZAÇÃO DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL
Sob a orientação do artista plástico Sérgio Faleiro, várias das participantes deste trabalho se empenharam para produzir a estrela que está na capa desta revista. A inspiração foi a arte de Arthur Bispo (saiba mais na página 28). IMPRESSÃO
Ciro Thielmann
Rona Editora
REVISÃO
TIRAGEM
Aline Ferreira
1.000
EU, POR EU MESMA
/EDITORIAL
Os filhos? “O meu está no abrigo”. Choro. Os maridos? “O meu está preso”. Choro? “Não, arrumei uma esposa aqui dentro”. Os processos? “O meu está parado em outra comarca”. Choro? Não, raiva. Os alvarás? “O meu já está chegando”. Choro? Não, medo. O aumento do número de mulheres presas fez com que muitos começassem a olhar para elas e a escrever sobre as suas vidas. Mas e quando elas escrevem sobre si mesmas? O que há pra se contar? O que elas dizem se parece com o que se diz sobre elas? Se é verdade que os filhos são a maior preocupação delas, como elas lidam com isso? Se é verdade que os maridos somem, o que acontece depois? Se é verdade que o que mais se deseja é a liberdade, como explicar o medo de sair da prisão? Elas contam um pouco de tudo n’A ESTRELA. Com música, com fotos, com relatos. Com sentimentos, com talento, com dedicação. Porque elas choram, mas elas também riem, elas também sonham, elas também superam. Elas também agem e reagem. E elas principalmente dão a volta por cima.
COMO AS ESTRELAS P. 4
GUERREIRA P. 16
O PAI QUE METE MEDO P. 7
NOSSA HISTÓRIA DE AMOR P. 19
O JULGAMENTO DA MÃE P. 7
PELO MUNDO P. 19
POR MAIS UMA OPORTUNIDADE, UMAZINHA P. 7
AS BOTAS P. 20
REGRAS DE DOMINGO P. 8
ATESTADO P. 22
SOU SEMPRE MAIS DO QUE VOCÊ VÊ P. 9
ATÉ BREVE P. 23
SALVO-CONDUTO P. 10
DIREITO DE DEFESA P. 24
O MEDO P. 11
COM QUEM FICAR P. 26
UM PASSO DE CADA VEZ P. 11
GARIMPO P. 27
NOTÍCIAS DO LADO DE LÁ P. 12
O BISPO E AS ESTRELAS P. 28
EU FIZ, EU PAGO P. 14
SEXTA É DIA DE CARTA P. 29
DIREÇÃO PERIGOSA NA SAÍDA DE UM ASSALTO P. 15
SUOR E TALENTO P. 31
COMO AS ESTRELAS texto:
Rosângela de Azevedo
F U I IN C U M B ID A de apresentar o cotidiano de uma
presidiária. Afirmo que não é fácil. No primeiro dia já se passa por uma triagem no Ceresp*. Depois, somos levadas para o convívio**. Aí começa o estado vegetativo, pois aqui não se vive e sim se existe. Não me vitimizo. Errei e pago por isso, mas é difícil demais. Claro que procuro cooperar para que o sofrimento seja amenizado, mas revolta ver os “colarinhos brancos” roubarem e tudo ficar por isso mesmo. Mas mesmo em meio ao caos vivido, nos é oferecido estudo, higiene, alimentação e até mesmo cursos para nos ajudar quando sairmos dessa tristeza. Umas aproveitam as chances dadas enquanto outras se recusam a mudar de vida. Eu, particularmente, quero mudança, isso aqui não é vida para ninguém. Vivemos como as estrelas, num lugar escuro e sombrio e numa imensa solidão. Aqui se vive junto e misturado. Às vezes você se pega em confusões causadas pelo estresse vivido. As pessoas se enamoram por estarem vulneráveis. Brigas incessantes, algumas se cortam para chamar a atenção das outras. Nos sentimos impotentes, pois não podemos fazer nada para mudar a situação. Uma hora vai chegar o momento de ganhar a liberdade e enfrentar a vida. Sabemos que a vida de uma ex-detenta é restrita e que a sociedade ainda nos rejeita muito, mas temos que acreditar e confiar que momentos melhores virão. Ceresp: Centro de Remanejamento do Sistema Prisional ** Área das penitenciárias e presídios onde ficam as pessoas em cumprimento de pena privativa de liberdade. Inclui, por exemplo, celas e pátios para banhos de sol. *
4. A ESTRELA
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6. A ESTRELA
O PAI QUE METE MEDO texto:
Karinne Cândido
F U I P R E S A E M 2 0 0 7. Já tinha dois filhos do primeiro casamento,
ambos menores de idade. Um com 13, outro com nove anos. Eles ficaram com minha mãe, mas a guarda eu não dei para ninguém porque tinha medo de perdê-los. Hoje os dois são maiores de idade. Desta vez, fui presa em 2014 e tinha um bebê. As leis estão mais rigorosas quanto a guarda dos filhos e nem posso vê-lo. Só poderia em visitas assistidas*, mas para isso precisaria passar a guarda para a minha mãe. Tenho pânico só de pensar. O medo é que meu pai, que mora nos EUA, venha para levar meu filho embora. Com essa situação, o ir e vir do meu filho acabam controlados. Ele não pode ter uma vida como a das outras crianças. Não pode ir ao posto de saúde, por exemplo, porque quem tem a guarda sou eu. Imagina se descobrem que a mãe está presa? Vão querer tirá-lo de mim. Sofro por sentir que ele, que tem apenas seis anos, está tão preso quanto eu. *
Visita Assistida: feita em horários e dias diferentes das chamadas “visitas sociais”, são usualmente acompanhadas por assistentes sociais. Não são regulares e, em geral, são voltadas para que crianças muito pequenas possam visitar seus pais.
O JULGAMENTO DA MÃE texto:
POR MAIS UMA OPORTUNIDADE, UMAZINHA texto:
Ana Paula Rosa
N O S S A , UM A A L E G R I A E N O R ME . É muito difícil um alvará possibili-
tar que mãe e filho saiam juntos da prisão. Comigo aconteceu. Ele nasceu na cadeia, mas saímos juntos. Do lado de fora, eu tentei. Voltei para a casa dos meus pais, procurei serviço. Não achava nada, me desesperei. Não aguentei ver meu filho bebê tomando água com fubá. Fui presa de novo. Coração em pedaços, cadê o meu bebê? No dia da ligação soube, pelo telefone, que ele tinha sido enviado para um abrigo. Meu marido que me disse. Me descontrolei, saí de mim. Me trancaram em uma sala, quebrei tudo. Batia a cabeça como um animal furioso. Me cortei, quase parei no castigo: só não fui por causa da compreensão de uma das agentes. Acho que ela sentiu o que eu estava sentindo. Depois soube que meu pai não quis pegar o meu filho. Mamãe me contou. O meu sentimento de mãe pulsa o tempo todo no meu coração, mas ao mesmo tempo tem o sentimento pelo meu pai. Meu filho foi para o abrigo, mas eu não tenho como ter ressentimento por um pai tão maravilhoso. Ele sempre foi presente e ficou com meus outros três filhos. Quem procurou essa dor fui eu. O amor pelos meus quatro filhos é incondicional, mas meu bebê é especial. Eu o criei, passei noites sem dormir, convivi de perto, o que não aconteceu com os outros, que foram criados pela minha mãe. Hoje eu só desejo mais uma oportunidade, só mais umazinha, para eu sair daqui e buscar meu bebê no abrigo antes de ele ser adotado.
Lauana Bispo
F U I P R E S A P O R T R Á F I C O de drogas, porte de arma e associação
para o crime. Paguei 10 meses de pena e, quando saí, tive uma surpresa terrível: o pai da minha filha queria tomar a guarda dela. Procurei a Defensoria Pública, então nós três – eu, minha filha e o pai – passamos pela psicóloga. Fui a última a ser ouvida. Eu sozinha e ele com testemunhas. Usavam contra mim o fato de eu ter saído da cadeia. Eu não poderia criar minha filha, ele dizia na frente do juiz. Graças ao meritíssimo, saímos de lá com a guarda compartilhada. Mas ficou um ódio. Hoje estou de volta a cadeia e minha filha sendo criada pela mãe dele. Em minhas descidas*, estamos sempre juntas. Ela, com 14 anos, diz que quando eu sair ela quer morar comigo. Depois de quatro anos e seis meses presa, já na reta final, espero ansiosa meu retorno para viver com ela. Considero que, no meu caso, a guarda compartilhada foi uma boa solução. *
Descida: saída temporária de sete dias, concedida para quem consegue progressão para o regime semiaberto de cumprimento de pena. Cinco vezes ao ano, essas pessoas têm direito a uma “descida”.
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REGRAS DE DOMINGO texto:
Lorrayne da Silva
S IN T O FA LTA do meu marido.
Quando ele chega, quero um abraço. Não pode. Minha filha chega para a visita. Está chorando. Porque? Está calor e quer usar uma roupa mais leve. Não pode. Saudade da comida da minha irmã. Gosto tanto do pudim, será que ela vai trazer para mim? Não pode. Só queria dar um tratamento melhor para a minha família. Não posso.
8. A ESTRELA
SOU SEMPRE MAIS DO QUE VOCÊ VÊ texto:
Lauana Bispo
P A R A A M I N H A I R M Ã , a Jéssica, sou uma preocupação. Mas
também sou muito amada por ela. Para a outra irmã, Nathalia, sou uma superação. Sempre dou a volta por cima. Para o meu cunhado, Rodrigo, sou uma mãe excelente. Pelas minhas filhas, passo por cima de tudo. Para a minha amiga, a Priscila, sou louca. Escolhi um marido traficante e fui abandonada quando fui presa. Para o meu pai, José, sou uma segunda chance. Ele tenta se reaproximar depois de ter me abandonado quando criança. Para o meu pai, José, sou também exemplo. A filha mais velha que mostra para as irmãs o sofrimento pelo qual passa e dá a elas força para não seguir alguns caminhos. Para as minhas filhas, sou tudo. Melhor mãe do mundo. Mas, para a polícia, sou apenas alguém que faz mal à sociedade. Para o juiz, uma traficante que deve ser privada de liberdade por oito anos. Para mim, sou alguém que se renova e ultrapassa barreiras com a cabeça erguida.
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SALVO-CONDUTO texto:
Karinne Cândido
– K A R INNE C ÂND ID O
– Pois não, senhora. – Junte suas coisas. A cadeia balançou. Muita gente descendo junto, o alojamento 03 bombando: a Tempestade e a Alerkina vão descer*. Gritos. Eu rolando escada abaixo carregando o colchão a caminho do semiaberto. Atendimento no Penal. – Vamos marcar seu calendário, senta aí. Boca tremia, pernas também. Não conseguia pensar nas datas, calcular o intervalo de 45 dias. Deu um branco, depois deu um click: datas comemorativas. No dia da saída, muito choro. Troquei de roupa trêmula, querendo voltar para trás. – Pode sair. Falta de ar. Eu e Silvana descemos** juntas. Chegamos ao metrô e mostramos o papel do “salvo-conduto” para a responsável. – Esse papel não te dá o direito de não pagar a passagem, mas vou checar o nome de vocês pra ver se já não passaram aqui. – Não senhora, é minha primeira saída. Não vejo minha mãe há dois anos e meio. – Ok, não passaram e como saíram da cadeia sem dinheiro, vou deixar vocês irem. Metrô lotado, zumbido no ouvido. Estação Central, Silvana agora vai para o outro lado. O medo aumenta. Está todo mundo me olhando. Eu com a roupa que a Censura*** me doou, me sentindo estranha. Estação Calafate. Agora é ônibus. Cadê o motorista? Olhares. Eu de chinelinho Havaianas. Meu rosto queimava, nunca senti tanta vergonha. – Você é o motorista? É que estou aqui com esse papel, saí da cadeia para o Dia das Mães, esse papel me deram lá. Posso entrar sem pagar? Ônibus lotado, horário de pico. Ele grita para o trocador. – Ela saiu da cadeia agora, não vai pagar, desce logo ali na frente. Olhares. Enfiei a cabeça perto da cortina do motorista como uma avestruz. Meu corpo queimava com os olhares. Hora de descer. A multidão abre passagem. Credo! Parecia que estava contaminada.
Descer: nesse contexto, significa ganhar progressão de regime para o semiaberto ** Descemos: aqui significa saída temporária, benefício de ficar sete dias em casa. *** Censura: onde ficam os objetos que não são autorizados nas celas, como as roupas com que foram presas – mas essas às vezes se perdem entre tantas transferências e, ao sair, não é incomum que precisem vestir roupas de outras pessoas. *
10. A ESTRELA
O MEDO texto:
Lorrayne da Silva e Rafaela Santiago
Q U E R E M O S M U I T O sair da prisão, mas temos medo. Passa pela nossa
cabeça os constrangimentos que podemos passar, sabemos que a sociedade não gosta de ex-presidiárias. Aqui, convivemos com as mesmas pessoas todos os dias. E lá fora? Como vai ser? Será que a família vai acreditar em nós? O mundo muda todo dia, será que vamos conseguir nos reintegrar quando sairmos? E como a sociedade vai nos receber? Tentaremos dar um passo de cada vez. A caminhada é longa e sabemos que sair é só mais uma parte do caminho.
UM PASSO DE CADA VEZ texto:
Josiane Kenier
D E P O I S D E S E I S A N O S P R E S A , alcancei a chance de ficar sete dias com
a minha família. Hora de sair do portão para fora. Coração acelerado, roupas que não servem muito bem mais. Lá fora, a visão mais linda: minha família me esperando. Papai, minhas filhas, minha mãe. Achei o carro lindo, azul camaleão. Quando pegamos a estrada, já era horário de pico. Tudo mudado. Carros muito rápidos, trânsito confuso, motos ultrapassando o tempo todo. Meu coração disparou, comecei a ter pânico do barulho. Assustada, pedi licença e deitei no banco de trás do carro. Meus pais me olharam com tristeza: eles achavam que eu queria ver o mundo, mas entenderam que eu, na verdade, tinha medo. O trânsito era diferente, as tecnologias eram outras e o pior: eu teria que conhecer minhas filhas de novo. Quando fui presa, elas eram crianças. Sentei para conversar com elas. Me apresentaram músicas, falaram dos seus esportes preferidos, contaram dos namorados. Falaram das conquistas, das tristezas e das alegrias das suas vidas. Fui para o banheiro chorar. Coloquei um pano na boca para ninguém ouvir. Eu não as conhecia e elas também não me conheciam. Foram criadas pelos avós. Mas me acalmei e fiquei feliz porque elas não escolheram a vida de drogas que eu tinha escolhido. E depois de sete dias, voltei para a prisão e deixei, de novo, os sonhos do lado de fora. Ainda me faltam muitos anos para alcançar a liberdade de fato.
EDIÇÃO 04 . PIEP .11
NOTÍCIAS DO LADO DE LÁ texto:
Josiane Kenier
12. A ESTRELA
A C A D A QUIN Z E DI A S , cinco minutos de conversa. Cada uma
pode tentar duas vezes fazer a ligação. Para nós, é essencial. É assim que recebemos notícias da família e descobrimos como está nosso processo. Hoje é dia de falar com o marido. – Oi amor. Como você está? Você está trabalhando muito? Foi a casa da minha mãe essa semana? Estou com muita saudade. Em breve tenho saída temporária, avisa pra mamãe e manda um beijão para Cecília e para todas as minhas filhas. Não vejo a hora de chegar o dia de visita, você me faz tanta falta. Meu tempo vai acabar. Te amo, viu? Acabou. – Alô. Está sabendo que o Daniel saiu da cadeia? Ele conseguiu liberdade condicional. Vocês foram presos juntos, né? Será que seu alvará vai chegar também? Vocês responderam ao mesmo processo, o seu já deve estar quase. Alô? Está chorando? Eu no regime fechado ainda. De longe, do pátio, via as ligações de quem estava no semiaberto. Uma mulher começa a gritar. Chora compulsivamente. Ela estava em pânico, desespero. Nós, aflitas lá do outro lado sem saber o que estava acontecendo com aquela moça. Depois entendemos: ela recebeu por telefone a notícia da morte do filho. Jéssica recebeu a ligação de uma amiga: a saída temporária está chegando e a amiga vai buscá-la. Alguém vai esperá-la do lado de fora. Não há notícia melhor.
EDIÇÃO 04 . PIEP .13
EU FIZ, EU PAGO texto:
Isneide Silva
O P T E I P O R U M A V I D A E R R A D A . Conheci o mundo das drogas e
logo comecei a furtar para sustentar o vício. Cai na cadeia e minha família ficou lá fora. Já me ajudaram demais e tenho consciência de que eu não tenho o direito de cobrar nada deles. Quando eu estava lá fora, não dava muita atenção para a minha família, então como vou cobrar atenção deles agora? É por isso que tenho que cumprir minha sentença sozinha. Fui eu que cometi os crimes, fui inconsequente e não posso, por causa disso, expor ninguém a situações constrangedoras para me visitar. Estou aqui há um ano e sete meses e nunca recebi visitas. Eu não vou cobrar isso de ninguém. Eu fiz, eu pago.
14. A ESTRELA
SESSÃO PAPARAZZI
Confiraomakingof. PÁG. 30
R$ 4,20 0123456789100
0 123456 789100
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AT EN ÇÃ O: CO N TÉ M IR ON IA
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DIREÇÃO PERIGOSA NA SAÍDA DE UM ASSALTO texto:
“A verdade é que ele estava com medo de entregar os verdadeiros culpados e aí apontou para mim”
Rosângela de Azevedo
F U I A C U S A D A D E L AT R O C ÍNI O . Um rapaz levou a polícia lá em casa e disse que eu tinha
participado do roubo. A verdade é que ele estava com medo de entregar os verdadeiros culpados e aí apontou para mim e para outro vizinho. Os policiais me agrediram, queriam que eu desse informações que eu não tinha. Como não encontraram nada comigo, me liberaram. Mas o Jornal Super já tinha me condenado: disseram que eu era a culpada. Muitos acreditaram. Vizinhos, amigos. Foi um tempo difícil para mim. Entrei em depressão. Tudo porque o jornal disse que eu dei fuga para os bandidos. Mas eu nem sei dirigir.
EDIÇÃO 04 . PIEP .15
GUERREIRA texto:
Karinne Cândido e Lauana Bispo
16. A ESTRELA
N A S CID A E M Q U AT R O DE JUL HO , Camila hoje tem 31 anos. Saiu de casa
aos seis: queria conhecer a rua que via na televisão. Não conheceu o pai, ele morreu quando ela era ainda bebê. A mãe era varredora de rua e sempre a procurava. Às vezes até achava, mas Camila queria ficar na rua. Aos sete anos, já cheirava tíner, depois passou para a maconha. Vivia e trabalhava nas ruas. Lavava carros, tinha o seu próprio ponto. Passou da infância à adolescência assim. “O que eu aprendi, de bom e de ruim, foi na rua”. Fazia pequenos furtos e ficou conhecida nas favelas. Depois passou dos roubos com gargalhos* para os com mão armada. As peças** eram emprestadas. Dia 19 de agosto de 2001. Camila estava na “casa rosa”, como chamavam o abrigo. Todos saíram para o show de Sandy e Júnior, mas ela não quis ir, estava com dor de cabeça. Ficou em casa assistindo ao Chaves. Apenas ela e a cozinheira. O telefone tocou três vezes, a cozinheira atendeu e começou a chorar. Não falava nada, só chorava. Era o anúncio da morte da mãe de Camila. Bala perdida na porta de casa, no Morro do Papagaio.
Camila se desesperou. Quis morrer. Pulou no rio Arrudas. Sobreviveu. “Não quero mais saber de nada. Destruíram a minha vida, agora vou destruir tudo a minha frente”. Foi quando aconteceu o que ela chama de “a primeira tragédia”. Dia 20 de fevereiro de 2003. Troca de tiros com bandidos, alvejada por cinco balas de 22. Achou que era a hora da morte. Sobreviveu. Na cadeira de rodas, mas sobreviveu. E depois até se levantou. Guerreira. Mas veio “a segunda tragédia”. Ela sempre ia a essa praça no Horto. Era um ponto de prostituição, ela ia para fumar maconha. Nesse dia, de repente, começaram a atirar. Ela foi confundida com outra pessoa. “Nesse domingo, às 23h45, fui ao céu”. Nove tiros de 380. Foi dada como morta, mas ainda não era a sua vez. Sentiu os tiros: queima – mas para ela não era novidade. “Não chorei”. Guerreira. Três vezes ela quase morreu. Sobreviveu. “Mas hoje minha cabeça pesa na hora de dormir, dói. Fiz muita família chorar”. Está bem, está estudando e aguarda os papéis chegarem para ela sair da cadeia e começar a trabalhar. Guerreira.
* Gargalhos: cacos de vidro de garrafas quebradas ** Peças: armas EDIÇÃO 04 . PIEP .17
18. A ESTRELA
NOSSA HISTÓRIA DE AMOR texto:
Isneide Silva
1999
2008
2009
2 0 11
Eu tinha 11 anos e via o Claudinei passar.
Tivemos um caso pela primeira vez. Fui presa, mas não o esqueci.
Saí da cadeia e começamos a namorar Ele alugou uma casa e fomos morar juntos.
Ele foi preso.
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Ele saiu da cadeia e foi preso de novo.
Ele foi solto, ficamos juntos.
Ele foi preso. Eu também.
Eu saí da cadeia. Ele foi transferido para outra unidade e eu não consegui mais visitá-lo. Ele foi solto no fim do ano. Eu fui presa no fim do ano.
2 0 16
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Ele foi preso de novo. Depois foi solto. Eu continuava presa. Fiquei com ciúmes por saber que ele estava lá fora. Ele tinha problemas com a Justiça e não podia me visitar.
Ele foi preso. Já estou no regime aberto e em breve vou embora.
Já enviei carta para ele e aguardo a resposta. As palavras dele me deixam segura. Ele diz que sou linda, inteligente e uma mulher de Deus. As grades e muros não conseguem nos separar. Nossa história é bonita.
PELO MUNDO texto:
Karinne Cândido
– M A R I A , E A K A R INNE, novidades?
– Ela está bem, Maria. – Como bem, Maria? Ela está presa. – Quem está presa, Oswaldo? – Ninguém, irmã, só a filha de um ex-funcionário, acho que ela era bandida. – E como estão todos na sua casa? – Todos ótimos. Karinne continua viajando, ela acha que é bom para exercitar línguas. (barulho de Instagram) No celular, a foto de Lohana com a mãe, Karinne. A legenda: “Acharam que ela estava derrotada, quem achou estava errado. Ela voltou, está aqui comigo” (música de 509-E). – Alô, Karinne? Que palhaçada é essa que a Lohana postou? – O que, daddy? – Essa foto com essa legenda ridícula. – Daddy, é uma referência a uma música que eu gosto. – Karinne apaga essa legenda agora. Ninguém precisa saber. O preconceito começa em casa. Dessa vez, disseram que estava na Suíça. Também já falaram da África. E assim vou viajando o mundo.
EDIÇÃO 04 . PIEP .19
AS BOTAS texto:
20. A ESTRELA
Karinne Cândido
P R E C I S A M O S S E R INIMI G A S ? Elas estão aqui a trabalho, nós estamos
para quitar nossa dívida com a sociedade. Nós, já destroçadas, somos nossas próprias juízas. Elas nos transformam em números. Mas nem todas. E quando uma bota* nos escuta, nos entende e nos respeita, retribuímos do mesmo jeito. *
Bota: gíria para agente penitenciária
EDIÇÃO 04 . PIEP .21
ATESTADO texto:
Rosângela de Azevedo
S A Í D A C A D E I A e tive uma chance de fazer um curso de babá – até
que me pediram o Atestado de Bons Antecedentes. Perdi a chance. Consegui emprego de ajudante de cozinha. Pediram o Atestado. Perdi de novo. Costureira. Pediram experiência. Só tinha o tempo trabalhado na prisão. Perdi outra vez. Será que um dia a sociedade vai permitir que eu volte para ela?
22. A ESTRELA
ATÉ BREVE texto:
Maria Antônia Pinto
L E MB R A D E Q U A ND O você saiu de bonde no natal? Achei que
ficaria aqui sozinha, mas sua avó veio e trouxe um frango assado e um refrigerante para mim. Não tenho visitas, mas a sua avó se lembrou de mim. Não há tristeza maior do que ser abandonada aqui dentro e eu não sei como sobreviveria se não tivesse conhecido você e sua família. Obrigada por ser minha amiga. Agora eu é que vou sair deste lugar, mas prometo que também não vou te abandonar.
EDIÇÃO 04 . PIEP .23
DIREITO DE DEFESA texto:
Laurecy Oliveira
P E L A P R IM E IR A V E Z , me passei por repórter e fui entrevistar a Dra.
Ana Paula, defensora pública que nos atende na Penitenciária Estevão Pinto, em Belo Horizonte. Foi um trabalho em equipe. Não podíamos perguntar sobre as nossas situações processuais e nos juntamos para fazer um questionário que tratasse de questões importantes para todas. Foi prazeroso ser escolhida para fazer as perguntas, fiquei lisonjeada com a forma que ela me tratou. Digo que achei a defensora uma pessoa muito humana e as respostas que ela nos deu ajudaram a esclarecer muitas das nossas dúvidas. O que a Defensoria Pública pode fazer para nos ajudar a ter respostas mais rápidas sobre os nossos processos? A Defensoria está fisicamente na unidade pelo menos uma vez por mês. Aqui, a gente realiza o atendimento de todos os regimes de forma alternada. A gente atende o fechado, no próximo mês o semiaberto, depois o albergue. Não tem na unidade nenhum regime que não seja contemplado. E vocês têm a oportunidade de conversar com o defensor. A gente traz, nessa visita, o atestado de penas e cada uma recebe o documento constando sua situação, tempo de pena já cumprido, contemplação de benefícios, livramento condicional. Temos, aliado a isso, o projeto da urna. Temos uma urna aqui na unidade e vocês podem, por meio de cartas, perguntar ao defensor toda e qualquer dúvida sobre a situação de cada uma. Um servidor da defensoria recolhe e nos entrega todos os dias essas cartas. Claro
24. A ESTRELA
que é um universo grande, mas a situação de cada uma é analisada com cuidado, com dedicação e experiência. A Defensoria pode ajudar a conseguir tratamento para usuárias de drogas? Isso é uma questão peculiar. Temos primeiro que nos atentar aos regimes de cumprimento de pena, cada um tem suas condições próprias. No fechado, as mulheres ficam em alojamentos, é permitido banho de sol e trabalho interno. Não teria como essas mulheres saírem da unidade para instituição própria para tratamento. Mas sei que a unidade, o Complexo Penitenciário Estevão Pinto, tem parcerias com grupos reflexivos, que vêm e dão apoio por meio de palestras ou de escutas. Isso já é um começo para vocês se distanciarem do mundo das drogas. Agora, em outros regimes, é diferente. O Sistema Penitenciário no Brasil é progressivo, a pessoa privada de liberdade vai ganhando liberdade aos poucos. Então, o semiaberto já melhora um pouquinho: ela vai ter direito ao trabalho externo, já tem convívio com família nas saídas temporárias e tem também a possibilidade de estudo. Tudo isso o juiz aprecia e autoriza. Nesse momento, elas podem frequentar esses cursos reflexivos, podem levar pedidos para a defensoria e vamos pedir autorização. Já em outra etapa, o aberto, o regime domiciliar, temos vários casos em que o juiz permite que essa pessoa que está precisando de tratamento para dependência química deixe de cumprir algumas condições do regime domiciliar para ser internado e se livrar de vez do mundo das drogas. Então, o apoio começa dentro da unidade e, no final, o juiz pode permitir que a mulher se interne. É um problema que hoje aflige, nos preocupa muito, e precisamos estar mesmo com os olhos voltados para isso. Quando somos transferidas para outra comarca, porque demora tanto para o processo chegar no novo Fórum? Ontem, ao realizar atendimentos no (regime) fechado, algumas mulheres perguntaram porque o atestado de penas não saia. Várias delas são mulheres condenadas em outras comarcas. Quando são transferidas, é necessário que a guia de execução venha pra Vara de Execuções Penais de Belo Horizonte. Realmente, esse procedimento de transferência da guia é um procedimento que demora. Tem uma outra etapa, que é a chegada da guia e o cadastramento dessa guia. Só aí a gente pode analisar progressão de regime, livramento condicional e outros benefícios.
Mas quero te dar uma ótima notícia. Já está sendo implantado na Vara de Execuções de Belo Horizonte o sistema que permite que a gente não trabalhe mais com o papel. Todo o processo de execução vai ser eletrônico. Então, vai agilizar demais o trâmite dessa guia. Quanto tempo de pena uma presa reincidente tem que pagar antes de ter direitos e benefícios? A reincidência é quando a pessoa pratica novo crime após ter sido condenada, com trânsito em julgado, por crime anterior. Então a pessoa pode ter vários processos em andamento e não ter sido condenada por nenhum, ou seja, não é reincidente. Quando há reincidência, temos duas situações: condenação no crime comum ou no crime hediondo. O crime comum, para progressão, exige um sexto de cumprimento de pena para reincidente e para primário. Livramento condicional é diferente: um terço de pena quando primária, e metade da pena quando reincidente. Muito se distingue da situação da mulher condenada no crime hediondo. A lei é mais severa. Se a mulher é primária, vai exigir para progressão de regime dois quintos, para reincidente, três quintos. Para o livramento condicional, a reincidência exige fração maior, dois terços de cumprimento de pena. Como a Defensoria pode ajudar uma reeducanda a conseguir uma reaproximação familiar? Vou te confessar, como mulher que sou, e como alguém que lida com Sistema Prisional há mais de 17 anos, que o que eu vejo de distinção entre o homem e a mulher em privação de liberdade, é que homem não é abandonado. Ele sempre tem uma mulher que visita, uma mãe que não abandona. Já a mulher em privação de liberdade, a única pessoa que não abandona é a mãe. Os companheiros, maridos, se afastam. Pior ainda, e agora vou entrar em uma esfera mais complicada, é quando a sentenciada é mãe, tem filhos menores. Eu sou totalmente favorável ao ingresso das crianças para visitarem suas mães, salvo quando a sentenciada disser que não quer seu filho no ambiente prisional. Mas eu acho que temos que estimular a convivência. Sei que isso não acontece com a eficiência que a gente gostaria, mas a Defensoria está a par e já estamos em entendimento com juízes, inclusive os da Vara da Infância e da Juventude, e com membros do Ministério Público para uniformizar esse procedimento, tornar ele mais célere, mais rápido, menos complicado para vocês conseguirem
receber seus filhos dentro da unidade. Esse tema tem nos criado desconforto, mas já está sendo repensado. Presas com filhos têm direito a algum benefício extra? Vocês têm uma novidade esse ano. O decreto de indulto é publicado a cada ano em dezembro. Infelizmente, o decreto de 2016 não foi nada generoso, contemplou situações muito restritas para indulto. Comutação, que é a redução parcial da pena, o decreto de 2016 nem fez menção. Mas fomos surpreendidos em 12 de abril pelo decreto das mulheres. Vocês devem estar por dentro da situação. O juiz já determinou que todos os processos das mulheres da Piep sejam analisados à luz desse decreto. Essa hipótese que você me pergunta consta entre as possibilidades. Só quero fazer uma ressalva: para as condenadas por crimes hediondos está afastada a possibilidade de indulto. E quando a mãe tem um filho especial? O decreto de 2015 tinha a previsão dessa hipótese. Mas a gente tem que fazer prova nos autos, tem que constar laudo médico com a situação de saúde desse filho. Gostaria de deixar claro na entrevista que a Defensoria não faz só atendimento a vocês na unidade. A gente recebe muitas famílias, então se você acha que pode ser contemplada pelo indulto, você pode pedir um familiar para nos procurar no Fórum. Vamos pegar o processo e vamos analisar. A Defensoria continua acompanhando o réu depois da condenação? Tem uma distinção. Sou defensora de execução penal, então cuido dos homens e mulheres privados de liberdade que já receberam a condenação. Quando estão sendo processados, cada uma das varas tem seus defensores. Claro que não estamos presentes em todo estado como a gente queria, muitas comarcas e varas não têm defensor. Mas não deixamos nunca a pessoa que está em conflito com a lei abandonada. Quando falo isso, a gente pensa que a mulher ou homem em privação de liberdade que obteve benefícios ficam sem apoio da Defensoria. Não, continuamos acompanhando a pessoa até a conquista da liberdade e execução de todo a pena. Até te confesso a gente acaba se reencontrando com vocês, mesmo depois da pena, vocês vão lá, perguntam como cancelar os antecedentes, como voltar a exercer direitos políticos, essas coisas. A assistência é infinita. Mesmo depois do cumprimento da pena, a Defensoria estará sempre de portas abertas. EDIÇÃO 04 . PIEP .25
COM QUEM FICAR composição:
Patrícia Grasiele
Escute o rap e assista ao clipe no site:
Olha aí, amigo, preste muita atenção. Porque vida do crime é cadeia ou caixão. Vou te mandar a real, essa vida não compensa, Entrei numa ilusão e vim parar no Sistema. Roda segurando B.O. do seu marido. O que eu faço? O desespero foi lançado! Estão me encaminhando para um local fechado. Refrão (2X) Com que eu fico, com quem devo ficar, se faço uma escolha errada, minha vida pode acabar. Chegando na cadeia, muita decepção. Lembro dos meus filhos, dos meus irmãos. Dobro os joelhos e faço uma prece Para passar o tempo, para passar o estresse. Refrão Fecho os meus olhos e pego no sono Sonhando com meus filhos no abandono. Agora eu estou aqui e tu sabe como é, me senti muito carente e me envolvi com uma mulher. Ela é muito linda e se pá, vou me envolver Só palavras carinhosas, eu vou falar pra você. Então meu amigo, se pá vai me dar um conselho A vida que eu levava, só fama, dinheiro. Refrão Pode pensar que é fácil, mas não é fácil não ter um marido lá fora e uma mulher na prisão. Agora eu me pergunto porque fui me envolver se eu continuar com ela, sei que ela vai sofrer. Não sei o que eu faço, porque tô dividida? Se foi com o meu marido que conheci essa vida. Mas de cabeça erguida, sei o que devo fazer. Ficar com meu marido e voltar a viver. Refrão. Erga a cabeça e pensa, pensa. Vida do crime não compensa.
26. A ESTRELA
GARIMPO
textos:
Rafaela Santiago
DE SABÃO
INSPIRAÇÃO NA TV
PAT R ÍC I A G R A S IE L E tem 27 anos e faz esculturas de sabonete desde
C O M 17 A N O S de idade, Greiciane Santos começou a tentar desenhar
os seis anos. Aprendeu olhando outras pessoas fazerem. Hoje presa, ela troca suas esculturas por produtos que precisa dentro do Sistema.
o que via na televisão. Ela viu o seu talento desde o início e hoje, aos 25 anos, usa esse talento para presentear e ajudar as colegas na prisão. Sempre desenhou por amor e nunca cobrou por isso.
PROFISSÃO E ARTE
LINHA DE BELEZA
J U L I A N N A D ’A R C D A S ILVA era manicure e pedicure. Precisou parar
A N T E S D E S E R P R E S A , Josiane Kennier era vendedora autônoma. Mas, quando foi presa, há seis anos, aprendeu com uma colega de cela, que era transexual, a definir as sobrancelhas com linha. Quando ela tem saída temporária, pratica a nova profissão em salões de Belo Horizonte.
de exercer a profissão há oito meses, quando foi presa. Hoje, aos 24 anos, pensa na liberdade e quer voltar a trabalhar desenhando nas unhas, como aprendeu quando tinha 12 anos de idade.
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O BISPO E A ESTRELA
- Q U E M É J A R L A HE L E N A?
- É minha filha. - E ela autorizou você a colocar o nome dela na estrela? A minha filha me mataria! - Ela já é uma estrelinha, então eu autorizo por ela.
texto:
Laurecy Oliveira
E foi assim que Laurecy explicou o nome no meio da logomarca desta edição. A cada número desta revista, uma nova estrela é construída e vai parar na capa. Desta vez, tivemos o auxílio do artista plástico Sérgio Faleiro para isso e a Laurecy o entrevistou para falar da experiência. Como você veio parar aqui para esse trabalho? Eu já tinha feito alguns trabalhos com comunidades. Era professor do Centro de Atendimento e Inclusão Social em Contagem e na Rede Estadual de Ensino. Fui convidado por um professor a ir à Asmec (Associação Mineira de Educação Continuada) para entrega de certificados de conclusão de cursos do Sistema Prisional. Me interessei e inscrevi dois projetos. Um deles, que é esse que estamos começando agora, foi aprovado. Foi uma surpresa e uma oportunidade ingressar nesse novo ambiente. Porque escolheu a arte de Arthur Bispo do Rosário para nos mostrar? Comecei a pesquisar artistas que poderiam ser referências para o trabalho. Escolhi o Arthur Bispo porque ele passou muito tempo da vida em hospitais psiquiátricos, que são, de certa forma, prisões também. Ele não tem formação acadêmica artística e começou a se expressar pela desconstrução de tecidos e roupas. Assim, ele foi construindo uma obra enorme, mais de mil obras de arte.
28. A ESTRELA
SEXTA É DIA DE CARTA texto:
Lauana Bispo
A A F L I Ç ÃO E O NE R V O S O . Para al-
gumas meninas, que não têm a família marchando* junto e não recebem visita, a hora de pagar as cartas** é a hora de saber se alguém se lembra delas. É a hora de sorrir e se sentir bem em meio a tanta tristeza. Quem não tem a atenção da família nem assim, recorre a outros correspondentes. Todo mundo precisa dessa sensação de conforto dos afetos. Normalmente, quem é abandonada recorre a outras pessoas privadas de liberdade, com quem troca cartas para aliviar o sofrimento. A triagem às vezes é demorada e uma resposta só chega dois meses depois. Mas quando chega, é só alegria. A alegria do preso é receber uma carta. * Marchar junto é ajudar a cumprir a pena por meio de visitas, de envio de itens de necessidade básica e de auxílios do lado de fora do presídio, como acompanhamento de processos judiciais. ** Pagar cartas é entregar as cartas.
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30. A ESTRELA
BASTIDORES
SUOR E TALENTO O FA C IL I TA D O R : a unidade prisional se localiza em Belo Horizonte,
onde moramos. Dormir em casa é sempre um benefício. O problema: teríamos que ir embora às 16 horas no máximo. Nunca antes tivemos tão pouco tempo com os participantes do projeto. Seria o suficiente? Não sabíamos. O receio: elas cumprem pena no regime semiaberto, será que a cabeça não vai estar lá fora e prejudicar o foco no trabalho? Juntamos todo o material e lá fomos nós para mais um desafio. A sala, pequena. As mulheres, agitadas. “Gente, os dois primeiros dias são de teoria, muito tempo na sala, mas pedimos só uma chance, se chegarem até o terceiro dia vocês vão adorar o trabalho. Prometemos”. Nem todas acreditaram. No primeiro dia, saem alunas. Do lado de fora, o pátio do regime semiaberto. Alguém chega na porta, espia. Saímos e outras perguntam: “o que estão fazendo?”. Explicamos. “Posso participar?”. Sim, pode. Novas alunas. Fim do segundo dia e a turma fechada. 16 participantes. Hora de discutir pautas. Dezenas de propostas. Votação. Divisão de tarefas. Amanhã voltamos para continuar.
Dia seguinte: “Ó, já fiz esse texto”. “E eu esse”. “Ah, e eu tive uma ideia”. Enquanto descansávamos, elas trabalharam. E muito. Mas não hesitaram em fazer tudo de novo: o texto está bom, mas pode melhorar; a ideia é ótima, mas vamos precisar de mais gente para ajudar. O suor acabou com o problema da falta de tempo. As preocupações com o lado de fora? Viraram pautas e não obstáculos. E assim ganhamos o melhor presente: mais conteúdo do que em qualquer outro número da revista para editar. A letra do rap está boa, mas escolhe uma base e ensaia para não sair do ritmo, vamos lá. “Posso voltar pro curso?”. Nós avisamos que quem saísse não poderia voltar, né? A teoria é importante, sinto muito. E as fotos? Quem vai fazer as fotos pra essa matéria? Já fez? Deixa eu ver. Não, ficou escuro, como você pode resolver esse problema? “Abrindo o obturador?”. Isso. Vai lá e refaz. Opa, agora ficou ótima. Não sabemos se foi talento ou se foi esforço, mas como elas aprenderam rápido! E quem diz que mulheres não conseguem trabalhar em equipe, deveria ver essas mulheres juntas. Unidas e imbatíveis.
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