Cartilha sobre Abuso Sexual

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Módulo 3

Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes Modalidades Abuso Sexual

2004


Esta obra foi publicada para atender aos objetivos do Curso de Capacitação no Enfrentamento da Violência Doméstica na Infância e Adolescência e realizada através da parceria entre o Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância e o CECOVI. Sua reprodução total ou parcial requer prévia autorização. Imagens: budgetstockphoto.com

Cunha, Maria Leolina Couto Módulo III do Curso de Capacitação: Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes na Modalidade Abuso Sexual / Maria Leolina Couto Cunha: CECOVI - Centro de Combate à Violência Infantil, Unicef, 2004. Projeto Gráfico e ilustrações: Adalberto Camargo | Studio Adalba Com. | Imagens extraídas de www.budgetstockphoto.com

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MANUAL 3 Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes Modalidade Abuso Sexual


Agora Meeka cuida para ver se ele está por perto antes de sair de casa. Quando vai para a cama à noite ela sente medo e fica deitada escutando, sempre escutando passos. Muitas vezes ela se embrulha nas cobertas como uma múmia, numa tentativa de assegurar proteção para si. Mas alguém com quatro anos é pequeno, e papai é muito grande. Tente como quiser, ela não consegue encontrar uma maneira de se livrar dele. Ele a perturba e amedronta. Ele a toca e lhe diz que é o segredo deles, e que ela não deve contar a ninguém, nem mesmo à mamãe. Às vezes as coisas que ele faz a machucam. Ele põe coisas dentro dela. Ela não entende e quer que isso pare. Ela lhe diz isso, mas ele responde que é isso que os pais fazem com suas filhas e que é para o bem dela. Ele diz que matará o gatinho dela se ela contar. Também lhe diz que é culpa dela por seduzi-lo. Que significa isso? Numa noite ela tenta dormir no armário, mas ele sempre a encontra. Nada que ela tenta funciona. LANGBERG (2002)


SUMÁRIO

Apresentação .......................................................................... 06 Objetivos do curso .................................................................. 08 Roteiro dos módulos ............................................................... 10 Organização e Redação ........................................................... 14 Lição 1 - Marcos conceitual, científico e cultural ........................ 16 Lição 2 - Principais características do incesto ............................. 30 Lição 3 - Padrões de comportamento da família incestogênica ... 44 Lição 4 - Conseqüências do incesto ......................................... 52 Lição 5 - Dinâmica do atendimento multidisciplinar .................... 62 Exercício de aprendizagem ...................................................... 87 Bibliografia .............................................................................. 89

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Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes na Modalidades Abuso Sexual

APRESENTAÇÃO

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APRESENTAÇÃO

Queremos dar as boas vindas e parabenizar a todos os alunos que, com coragem e determinação, decidiram capacitar-se num ramo de estudo tão difícil como é o da violência doméstica contra crianças e adolescentes. O problema é gravíssimo, chegando muitas vezes a produzir cenas dantescas e inacreditáveis. Geralmente os agressores são os próprios pais e parentes da criança que, movidos por uma desumanidade incomensurável, aplicam, nos pequeninos indefesos, castigos que são verdadeiras torturas. Nossa história é repleta de registros que nos mostram quão grave é este fenômeno. São casos de crianças queimadas com brasa de cigarro; confinadas por meses dentro de espaços pequenos (tais como berços e caixotes), crianças que tiveram suas mãos mergulhadas em água fervente, que foram obrigadas a sentar-se na chapa do fogão aceso ou marcadas em suas faces, braços e pernas com ferro quente, que tiveram seus dedos quebrados a marteladas, crianças espancadas até a morte ou envenenadas criminosamente. Além dos maus-tratos físicos ocorrem também casos de crianças vítimas de abuso sexual, onde às vezes a violência é tão extrema que necessitaram fazer reconstituição da vagina e ânus. A lista não tem fim. O pesadelo dessas crianças é contínuo. Elas vivem dentro de um ambiente de constante terror. São as vítimas perfeitas para seus algozes. Não sabem se defender, não têm para onde escapar, necessitam desesperadamente de ajuda. Nosso objetivo, através do curso de capacitação à distância, é sensibilizar os profissionais que atuam no sistema de garantia de direitos para a gravidade desse fenômeno, incentivando o funcionamento de redes de proteção à criança e ao adolescente vitimizados, bem como o surgimento de políticas públicas dentro de uma ótica multidisciplinar e intersetorial. Acreditamos que, ao fortalecer o referencial teórico e prático dos profissionais que lidam com o público infantil, estamos dando um passo fundamental para que haja sucesso no enfrentamento dessa questão que angustia a todos nós. Maria Leolina Couto Cunha - Coordenadora Nacional do Centro de Combate à Violência Infantil - CECOVI Patrício Fuentes - Coordenador do Escritório do Unicef para Ceará e Rio Grande do Norte

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OBJETIVOS DO CURSO

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OBJETIVOS DO CURSO

Sensibilização dos profissionais que fazem parte do Sistema de Garantia de Direitos para a gravidade do fenômeno da violência doméstica na infância e adolescência.

Incentivar o funcionamento de redes de proteção à criança e ao adolescente vitimizados a fim de que seja feito o atendimento de forma multidisciplinar e intersetorial.

Fortalecer o referencial teórico e prático dos profissionais que lidam com o público infantil para o enfrentamento do fenômeno da violência doméstica contra crianças e adolescentes.

Socializar programas exitosos na área da prevenção e do atendimento de famílias para o enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes.

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ROTEIRO DOS MÓDULOS

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ROTEIRO DOS MÓDULOS

MÓDULO 1 Violência doméstica contra crianças e adolescentes na modalidade violência física. Lição 1 Mitos, história e conceituação do fenômeno em geral Lição 2 Diagnóstico da violência física Lição 3 Dinâmica do atendimento multidisciplinar - Postura ética Lição 4 Por uma pedagogia não violenta Lição 5 Revendo a própria história Exercício de aprendizagem Bibliografia

MÓDULO 2 Violência doméstica contra crianças e adolescentes nas modalidades abuso psicológico e negligência Lição 1 A importância de valorizar Lição 2 A importância de dar segurança Lição 3 A importância de comunicar aceitação Lição 4 A importância de cuidar e proteger Lição 5 Fases do desenvolvimento infantil Exercício de aprendizagem 11 |


Curso de Capacitação

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Bibliografia

MÓDULO 3 Violência doméstica contra crianças e adolescentes na modalidade abuso sexual intrafamiliar Lição 1 Marcos conceituais Lição 2 Principais características do incesto Lição 3 Padrões de comportamento da família incestogênica Lição 4 Conseqüências do incesto Lição 5 Superando a própria dor Lição 6 Dinâmica do atendimento multidisciplinar Exercício de aprendizagem Bibliografia

MÓDULO 4 Sistema de Garantia de Direitos Lição 1 Eixo de Promoção de Direitos Papel dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente x propostas de políticas públicas para o enfrentamento da violência doméstica na infância e adolescência Lição 2 Eixo de Defesa de Direitos

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ROTEIRO

Funcionamento dos Conselhos Tutelares e delegacias de polícia na apuração de crimes de violência doméstica na infância e adolescência. Papel do Ministério Público e Poder Judiciário na apuração e julgamento dos crimes de violência doméstica na infância e adolescência. Lição 3 Eixo de Controle Social Externo Papel dos Fóruns sociais. Papel e funcionamento das comissões nos hospitais e escolas no combate aos maus tratos. Exercício de aprendizagem Bibliografia

MÓDULO 5 Legislação Brasileira Lição 1 Constituição Federal x Violência Doméstica na Infância e Adolescência Lição 2 Estatuto da Criança e do Adolescente x Violência Doméstica na Infância e Adolescência Lição 3 Código Penal x Violência Doméstica na Infância e Adolescência Lição 4 Código Processo Penal x Violência Doméstica na Infância e Adolescência Lição 5 Leis Especiais x Violência Doméstica na Infância e Adolescência Exercício de aprendizagem Bibliografia

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ORGANIZAÇÃO E REDAÇÃO

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ORGANIZAÇÃO E REDAÇÃO

Da organização O Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef em parceria com o Centro de Combate à Violência Infantil - CECOVI, desenvolveu uma metodologia de aprendizagem à distância cujo objetivo é capacitar profissionais que fazem parte do Sistema de Garantia de Direitos para o enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes. O programa aborda o fenômeno da violência intrafamiliar na infância e adolescência através de seminários sensibilizadores, módulos e vídeo conferências. O presente curso consiste num projeto piloto realizado no estado do Rio Grande do Norte e que conta com a implantação e monitoramento do Centro de Combate à Violência Infantil - CECOVI e a articulação e mobilização da Secretaria da Ação Social do Estado do RN, através da Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC). O modelo aqui exposto poderá ser replicado através de parcerias com governos, iniciativa privada e sociedade civil, desde que conte com autorização expressa do Unicef.

Da Redação A autora, Maria Leolina Couto Cunha é advogada, com especialização em Direito Penal pela Universidade de Mogi das Cruzes e em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo - Instituto de Psicologia (USP/LACRI). Presidente fundadora do Centro de Combate à Violência Infantil CECOVI, onde exerce atualmente o cargo de coordenadora nacional.

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LIÇÃO 1 MARCOS CONCEITUAL, CIENTÍFICO E CULTURAL


MARCOS CONCEITUAL, CIENTÍFICO E CULTURAL

LIÇÃO 1

Introdução O abuso sexual doméstico contra crianças e adolescentes possui natureza incestuosa e por isso mesmo se torna alvo do tabu e preconceito da sociedade. Embora, desde os primórdios dos tempos, sua prática tenha sido condenada, a história é pródiga nos registros de casos concretos. No Egito, por exemplo, era comum entre os faraós casamentos entre irmãos e irmãs a fim de conservar a linhagem pura. Ainda no Egito, os pais eram os encarregados de deflorarem as filhas. Na Pérsia, era hábito as mães se amigarem com os filhos. No Peru, os incas se casavam com as irmãs. Prática marcada pelo segredo e abuso de poder, a violência sexual é mais comum do que a grande maioria pensa. De forma silenciosa e cruel milhares de crianças são atingidas diariamente por esse fenômeno. Indefesas, não têm a quem pedir ajuda. Esperamos, através deste módulo, trabalhar essa complexa questão, possibilitando a você, caro aluno, efetuar, de forma compromissada e competente, a resolução dos casos concretos que venham a chegar às suas mãos envolvendo esse fenômeno. Registramos aqui que usaremos apenas o termo “criança” para indicar as pessoas cujas idades variem de zero aos 18 anos.

Objetivo da Lição Esta lição traçará uma visão panorâmica acerca do abuso sexual doméstico contra crianças e adolescentes, fazendo para isso uma análise geral do fenômeno, abordando seus três principais marcos estratégicos: a) Marco conceitual b) Marco cultural c) Marco científico 17 |


Curso de Capacitação

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MARCO CONCEITUAL O abuso sexual doméstico contra crianças consiste numa relação adultocêntrica, desigual e hierárquica de poder onde o adulto (pais/ responsáveis) domina a criança, se apropriando e anulando sua vontade, tratando-a, não como um sujeito de direitos, mas sim como um objeto que lhe traz prazer e alívio sexual.

“O outro é destituído do seu lugar de ser desejante e forçado a ser objeto de um jogo perverso” (Azevedo, 2001: 67) Segundo Faleiros (2000: 29) as redes familiares “são redes primárias nas quais se fabrica a identificação primeira do ser humano como alguém nominado, com um sobrenome que o vincula às relações de família”. Logo, o abuso sexual intrafamiliar se reveste de uma complexidade e gravidade devastadora por distorcer no imaginário da criança vitimizada, a verdadeira representação dos papéis dos adultos, dos papéis familiares, transformando as relações afetivas em relações sexualizadas. O abuso sexual contra crianças pode ser evidenciado nas modalidades abuso sexual intrafamiliar, extrafamiliar e exploração sexual comercial. Neste estudo, daremos visibilidade à modalidade abuso sexual intrafamiliar, tecnicamente chamado de incesto. Os doutrinadores não são unânimes no que diz respeito à classificação do incesto. Para a maioria, a relação sexual será considerada incestuosa quando o agressor fizer parte da composição familiar (pai, mãe, avós, tios, padrasto, madrasta, cunhado, etc). Aqui se considera família não apenas as pessoas unidas por laços de consangüinidade, mas também as unidas por laços legais, como as adotivas e substitutas. A relação não será incestuosa quando, embora o agressor seja pessoa conhecida da vítima, não existir nenhum vínculo de parentesco ou responsabilidade entre a pessoa da vítima e seu algoz.

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MARCOS CONCEITUAL, CIENTÍFICO E CULTURAL

LIÇÃO 1

Lewis compartilha desse entendimento quando conceitua a prática do incesto como:

“O uso de uma criança como objeto de gratificação de necessidades ou desejos sexuais adultos. O incesto refere-se à exploração sexual de uma criança por outro membro da família. A definição legal de incesto é a coabitação entre pessoas aparentadas em um grau no qual o casamento seria proibido por lei.” (Lewis, 1995:1032) Já Kornfield (2000) alarga o conceito classificando em seus estudos dois tipos de incesto:

a) Incesto intrafamiliar: o agressor está ligado à pessoa da vítima por laços de consangüinidade ou afinidade. Ex: Pai, mãe, avós, tios, irmãos, padrasto, madrasta, cunhados, etc. b) Incesto “polimorfo” ou extrafamiliar: o agressor é uma pessoa conhecida da criança e desfruta de sua confiança e afeição, vindo por conta disso a tirar vantagem psico-emocional dessa relação. Ex: Amigos, vizinhos, religiosos, comerciantes do bairro, médicos, dentistas, professores, etc. Entendemos que o incesto pode ser conceituado da seguinte forma: Todo ato de natureza erótica, com ou sem contato físico, com ou sem uso de força, entre um adulto ou adolescente mais velho e uma criança ou adolescente, unidos por vínculos de consangüinidade, afinidade ou responsabilidade.

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Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes na Modalidade Abuso Sexual

MARCO CIENTÍFICO Segundo COURTOIS (1988) de 20% a 40% do sexo feminino sofrem alguma modalidade de abuso sexual até completar dezoito anos de idade. Já a população dos meninos é de um para seis. Tais números são expressivos e demonstram que provavelmente uma grande parcela da comunidade, infelizmente, já experimentou algum tipo de abuso na área sexual Quando pensamos em violência sexual, a maioria das pessoas associa logo a prática do estupro ou atentado violento ao pudor, entretanto esse fenômeno pode se manifestar de diversas formas, inclusive com ou sem contato físico. Para efetuarmos uma análise mais didática, vamos a seguir classificar o abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes levando em conta o grau de severidade, os métodos empregados para sua execução e os tipos de violências mais comuns.

1. A intensidade e o dano do abuso sexual se classificam em: Abuso sexual com contato físico

Contato sexual gravíssimo (24% das vítimas) (1) Relação genital

(com ou sem violência)

Sexo anal

(com ou sem violência)

Sexo Oral

(com ou sem violência)

(1) Percentual fornecido por Allender, Dan. Lágrimas secretas:cura para vítimas de abuso sexual na infância. São Paulo: Mundo Cristão, 1999

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MARCOS CONCEITUAL, CIENTÍFICO E CULTURAL

LIÇÃO 1

Contato sexual grave (40% das vítimas) (1) Contato manual com os órgãos sexuais descobertos, com ou sem penetração de dedos (forçada ou não)

Contato com os seios desnudos (forçado ou não)

Simulação de relação sexual interfemoral

Contato sexual menos grave (36% das vítimas) (1) Beijos eróticos

Toque sexualizado nas nádegas, coxas, pernas ou genitais e seios cobertos

(forçados ou não)

(1) Percentual fornecido por Allender, Dan. Lágrimas secretas:cura para vítimas de abuso sexual na infância. São Paulo: Mundo Cristão, 1999

Abuso sexual sem contato físico Forma verbalizada Sedução sutil

Descrição de práticas sexuais

Uso contínuo de linguagem sexual

Uso de termos codificados onde só a vítima discerne o significado (palavras de duplo sentido)

Forma visualizada

Exibição sensual dos órgãos genitais

Deixar a vítima presenciar relações sexuais

Espionar ou olhar de forma ostensiva partes do corpo da vítima, causando-lhe constrangimento

Colocar a vítima em contato com materiais de cunho pornográfico (objetos eróticos, revistas ou filmes)

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Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes na Modalidade Abuso Sexual

2. Quanto ao método usado para realizar o abuso sexual, podemos destacar: Sadismo Segundo Silveira Bueno “sadismo” quer dizer:

“Perversão dos que, para atingirem o prazer sexual, praticam atos de crueldade.” O agressor, para se satisfazer sexualmente, necessita provocar dor na vítima. Esta dor pode ser física ou emocional. Exemplo de dor física: espancamento, cortes, queimaduras, etc. Exemplo de dor emocional: humilhar, imprimir pânico e terror, etc. A intensidade dessa prática pode variar de níveis, oscilando entre uma simples fantasia à tortura e flagelação bárbara. A origem histórica do nome “sadismo” vem do marquês de Sade (1740-1814) que, para obter prazer sexual, tinha como prática flagelar sexualmente suas vítimas.

F.A.S.P. (9 anos) foi espancado com corda, cinto e pau. Também teve os pés, as mãos e a boca amordaçada. Foi vítima de abuso sexual pelo primo G. (Caso CECOVI, denúncia recebida em 12/06/2001).

Ameaça “Embora não empregue o uso da força física, o agressor consegue fazer com que a vítima consinta no abuso sexual através de violência psicológica, causando sofrimento intenso à mesma e abalando sua área emocional de forma significativa.

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MARCOS CONCEITUAL, CIENTÍFICO E CULTURAL

LIÇÃO 1

“ As ameaças variam de foco, podendo recair sobre a pessoa da própria vítima ou sobre pessoas que ela ama. “Quanto menor a idade da vítima, mais a ameaça surtirá efeito. É da natureza da criança ser crédula, levando sempre muito a sério o que os adultos dizem.

Indução da vontade Nem sempre o agressor usa a força física ou ameaças para abusar sexualmente da criança ou adolescente. Quanto maior for o grau de habilidade do agressor menor será o uso de força ou ameaça para a efetivação do abuso sexual. Alguns preferem manipular os sentimentos da vítima, através de promessas, presentes, favores e concessões de privilégios. A criança não deve de forma alguma ser culpabilizada. Ela sempre deve figurar na relação incestuosa como vítima, isso porque ainda se encontra em estágio de desenvolvimento físico e amadurecimento emocional incompleto, não tendo portanto condições psicológicas para se proteger de um ataque sedutor de um adulto experiente e manipulador

3. Quanto às diversas formas de abuso sexual , podemos destacar:

Voyeurismo O agressor tem prazer sexual em olhar, espionar, invadindo sempre que possível, a intimidade da criança. Geralmente a criança é observada enquanto dorme, troca de roupa, toma banho, usa o banheiro, etc.

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Exibicionismo Para sentir prazer sexual, o abusador necessita de uma platéia, nem que seja apenas de uma pessoa, onde de forma compulsiva expõe seus órgãos sexuais à vista de terceiros. O exibicionista pode ser de ambos os sexos e grande parte da sua satisfação sexual reside no fato de poder chocar as pessoas com suas atitudes indecorosas.

K. é irmão de K.. Ambos vinham sendo perseguidos pelo tio de 32 anos. K. foi arrancado à força de sua casa pelo tio e levado a um quarto nos fundos da casa de sua avó. Neste dia, K. conseguiu livrar-se, mas o garoto já havia sido abusado outras vezes. O tio costumava exibir-se sexualmente diante do garoto, com demonstrações explícitas. (Caso CECOVI, denúncia recebida em 27/09/1999).

Estupro Origem etimológica da palavra estupro: Latim stupare = sentido de estupefato, ficar imóvel, atônito. Inglês rape, do latim rapio = ser atacado. Francês viol = força Para que o estupro seja consumado a penetração vaginal é obrigatória, sendo o uso da violência ou grave ameaça necessários para tipificação do crime. Quando a criança for menor de 14 anos, mesmo que não ocorra violência real, a violência será presumida devido a pouca idade da vítima. O termo “estupro” só deve ser usado para vítimas de sexo feminino.

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MARCOS CONCEITUAL, CIENTÍFICO E CULTURAL

LIÇÃO 1

O agressor deve ser obrigatoriamente do sexo masculino, já que para consumação do ato é necessário ter ocorrido conjunção carnal. O estupro pode durar minutos ou horas, podendo o ato ser praticado só por um agressor ou por um grupo de pessoas.

A.V.M.S. foi estuprada pelo padrasto. A criança necessita de cuidados médicos, pois está com seqüelas da violência. A mãe encontrou a filha ensangüentada e em estado de choque. (Caso CECOVI, denúncia recebida em 13/03/2000). Tanto faz se a vítima for virgem ou não. O que será levado em conta é o constrangimento à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça.

Atentado violento ao pudor Tanto a vítima como o agressor podem ser de ambos os sexos. Aqui o agressor constrange a vítima a práticar atos libidinosos diversos da conjunção carnal ou a permitir que com ela se pratique tais atos, mediante violência ou grave ameaça. Mesmo que não ocorra violência real, a violência será presumida quando a vítima tiver menos de 14 anos. Exemplos de atentado violento ao pudor: coito anal, masturbação, sexo oral, beijos erotizados, toques sexualizados nas nádegas, coxas, pernas, genitais e seios, etc

MARCO CULTURAL Segundo CHARAM (1997: 24), a etimologia da palavra “mito” se origina do grego mythos que quer dizer fábula. O incesto, principalmente quando envolve crianças e adolescentes é marcado por mitos

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historicamente constituídos, que por sua vez acabam fortalecendo e respaldando o fenômeno. Vamos a seguir desconstituir alguns desses mitos mostrando a verdadeira face dessa modalidade de violência: Mito 1 A maioria das pessoas acredita que as crianças possuem imaginação fértil e que quando se queixam de estar sendo vítimas de abuso sexual estão simplesmente fantasiando uma história. Verdade 1 AZEVEDO e GUERRA (2000), citando MCGRAW (1987), revela que só 8% das crianças costumam faltar com a verdade quando o assunto é vitimização sexual. Segundo o autor ¾ das histórias inventadas pelas crianças são induzidas por adultos. Mito 2 No imaginário popular acredita-se que o abusador sexual é um psicopata, um tarado que todos reconhecem na rua. Os pais muitas vezes só se preocupam em alertar os filhos sobre o cuidado com pessoas estranhas. Verdade 2 No entanto, segundo ALLENDER(1999) a maioria dos abusos ocorre entre os membros da família (29%) ou por alguém conhecido da vítima (60%). AZEVEDO e GUERRA (2000) afirmam que 85 – 90% dos agressores são pessoas conhecidas das crianças. Não queremos, entretanto, dizer que esses avisos não sejam importantes, são sim! Porém é necessário alertar nossas crianças para a realidade de que o perigo pode também vir da parte de quem está perto. Não basta preveni-las somente sobre as pessoas estranhas.

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MARCOS CONCEITUAL, CIENTÍFICO E CULTURAL

LIÇÃO 1

Mito 3 Os pais acreditam que a vitimização sexual de crianças é algo raro e que tal coisa jamais acontecerá com seus próprios filhos. Verdade 3 Segundo AZEVEDO e GUERRA (2000) pesquisas recentes revelam que 1 em 3 a 4 meninas e 1 em 6 a 10 meninos serão vítimas de abuso sexual até a idade de 18 anos. Mito 4 O tempo cura todos os males e a criança vitimizada sexualmente esquecerá a experiência se ninguém ficar relembrando o assunto. Verdade 4 A criança nunca esquecerá um abuso sexual do qual foi vítima. Segundo KORNFIELD (2000): “Quando uma criança sofre um choque emocional doloroso, ao qual não tem condições de agüentar, ela pode reagir reprimindo em nível psíquico, jogando para o porão de sua memória, “escondendo” a dor. É um mecanismo de defesa efetivo, que protege a criança para que possa sobreviver à experiência. A dor e as lembranças, portanto, não desaparecem. Ainda estão lá, guardadas no inconsciente da vítima....Às vezes, como citamos anteriormente, há uma amnésia total. No entanto, o abuso ainda vive no plano inconsciente. Mesmo inconscientemente, o peso esmagador dessa dor atrapalha a vida, gerando depressão, desejo de suicídio, reações desproporcionais às situações normais da vida, e muitas vezes uma inabilidade de participar integralmente da vida.”

Os pais, cujos filhos foram vitimizados sexualmente, devem sempre buscar ajuda para os mesmos. Esconder um caso de abuso sexual debaixo do tapete pode custar muito caro à saúde emocional da criança e de sua família.

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Mito 5 Quando a criança permite os avanços sexuais do agressor sem esboçar uma resistência, na realidade não existe abuso sexual.

Verdade 5 Na realidade a criança nunca deve ser vista como culpada. O agressor, para executar o abuso sexual, pode recorrer a diferentes métodos. Entretanto, quer seja usada a força, ameaça ou indução da vontade, sempre existirá nessa relação uma desigualdade de poder, onde o adulto leva vantagem sobre a vítima que ainda não possui estrutura física e emocional suficiente para se defender de um ataque dessa natureza.

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LIÇÃO 2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO INCESTO


PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO INCESTO

LIÇÃO 2

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO INCESTO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Abuso de poder No incesto o mais forte domina o mais fraco. O agressor tem maior capacidade física, social, psicológica e legal em relação a criança vitimizada e pratica o crime de forma irresponsável, usando o poder que possui visando tão somente satisfazer seus desejos e aliviar suas tensões.

“ Eu tinha de fazer tudo que ele me mandava. Muitas vezes isso significava que ele colocava seu pênis ou outros instrumentos dentro de mim. Se eu fosse “boazinha”, então a situação ia melhorar. Se eu não fizesse as coisas exatamente como ele queria, ele urinava em mim. Até me fez comer o excremento dele quando eu não era boazinha. Mas descobri que, à medida que o tempo passava, eu nunca conseguia ser suficientemente boazinha. Muitas vezes ele me violentava de todas as maneiras possíveis e depois ia embora, deixando-me para “que me limpasse” a fim de poder entrar novamente em casa.” LANGBERG (2002)

Traição da confiança O agressor é uma pessoa conhecida da criança. Pode ser parente ou amigo (incesto polimorfo) da família. Existe um elo de confiança e responsabilidade entre a vítima e a pessoa do abusador. Quando o incesto é praticado esse vínculo se rompe, fazendo com que o sentimento de menos valia e traição venham a tona e contaminem a relação. Presença da violência psicológica Quer seja a violência sexual praticada com abuso da força física, ameaça ou indução da vontade, ela sempre estará revestida de abuso psicológico. 31 |


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Imposição do sigilo da vítima O nível sócio-econômico entre a vítima e seu abusador geralmente é o mesmo A classe social não é um fator determinante para a existência ou não do incesto. Apesar da maioria dos casos denunciados ser provenientes da classe menos favorecida, isso não quer dizer em absoluto que as famílias da classe média e alta ficam imunes a esse tipo de prática. Na verdade as classes mais abastadas são mais dissimuladas e escondem a prática incestuosa com maior eficiência, pois têm ao seu dispor mais mecanismos a fim de manter o sigilo. Ex: Médico da família, que geralmente aceita atender a criança e/ou adolescente para realizar um aborto. Para SAFFIOTI (1995: 23), “... nas classes mais pobres, o pai joga a filha numa cama, põe uma faca, um canivete, um revólver, a arma que tiver, ao lado da cama e estupra a filha e diz: ‘Se você abrir a boca, eu mato você, mato a sua mãe, todos os seus irmãos.’ A menina vive sob ameaça concreta. Agora, é muito pior nas camadas privilegiadas. Não se ameaça com revólver nem com faca. Não há ameaça. O que há é um processo de sedução que, ao meu ver, é muito mais deletério para a saúde emocional da criança que a ameaça grave. Porque o pai vai seduzindo, ele vai avançando nas carícias – eu digo o pai porque é a figura mais freqüente, mas isso não impede que seja o avô, o tio, o primo, o irmão, etc. – e é muito difícil para uma criança distinguir entre a ternura e o afago com fins genitais.” DADOS ESTATÍSTICOS Segundo LANGBERG (2002) a idade em que o abuso sexual se inicia geralmente é entre os seis e doze anos. AZEVEDO e GUERRA (2000) falam que a idade em que o abuso é mais freqüente varia dos 8 – 12 anos. De acordo com DIMENSTEIN (1996), o Brasil ocupa o primeiro lugar na América do Sul na exploração sexual de crianças e adolescentes | 32


PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO INCESTO

LIÇÃO 2

e a segunda posição no mundo, ficando apenas atrás da Tailândia. Ainda segundo o mesmo autor, pelo menos 80% das crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual comercial foram vítimas de incesto. Conforme CHARAM (1997) nos Estados Unidos uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de abuso sexual antes de chegar aos dezoito anos. Segundo o Laboratório de Estudos da Criança (Lacri) da Universidade de São Paulo, uma em cada três a quatro meninas e um em cada seis a dez meninos serão vítimas de alguma modalidade de abuso sexual até completar dezoito anos. De acordo com AZEVEDO e GUERRA (2000), em mais de 1/3 das notificações de abuso sexual, as vítimas estão dentro da faixa etária de 5 anos ou menos. FRANK (1994), afirma que 75% das mães de vítimas de incesto, foram também vitimizadas. MARSHALL (1990) afirma que a maioria dos abusadores sexuais incestuosos pertence a famílias desajustadas. 20% a 35% desses agressores foram abusados sexualmente quando criança e 50% deles foram vítimas de maus-tratos físicos (50%) combinado com abuso psicológico. Ainda segundo o autor 35% das famílias incestogênicas abusam de álcool, sendo o abandono e rejeição fatores presentes nas relações familiares. A maioria dos abusadores sexuais é do sexo masculino e suas vítimas do sexo feminino. A modalidade de incesto mais frequente é o ocorrido entre pai e filha. Segundo AZEVEDO e GUERRA (2000) os agressores sexuais de crianças e adolescentes que sofrem disturbios psiquiátricos são uma minoria. Segundo análise feita em 1.169 casos de violência doméstica atendidos no SOS Criança da ABRAPIA, entre janeiro de 1998 e junho de 1999, foram diagnosticados: 65% de violência física, 51% de violência psicológica, 49% de casos de negligência e 13% de abuso sexual. Em 93,5% dos casos os agressores eram parentes da vítima 33 |


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(52% - mãe, 27% - pai, 8% -padrasto/madrasta, 13% - outros parentes) e em 6,5% os abusadores não são parentes (3% - vizinhos, 2% - babás e outros responsáveis, 1,5% - instituições). Dos 13% de casos envolvendo abuso sexual a pesquisa demonstrou que: a) A idade da vítima: 2 a 5 anos - 49%, 6 a 10 anos - 33% b) 80% das vítimas eram do sexo feminino c) 90% dos agressores eram do sexo masculino Segundo o Sistema Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto Juvenil durante o período de 05 de fevereiro de 1997 a 28 de fevereiro de 2003, foram feitas 5.070 denúncias onde ficou diagnosticado que: a) 60 % das denúncias ocorreram nos anos 2000, 2001 e 2002, 36 % das denúncias ocorreram em 2002 e 15 % das denúncias ocorreram em janeiro e fevereiro de 2003. b) No ano 2002, 63% dos casos denunciados foram de abuso sexual e 37% de exploração sexual comercial. Dos 63% de casos de abuso sexual, 60% foram de abuso intrafamiliar e 40% extrafamiliar c) Ficou ainda constatado que a vítima é do sexo feminino em 76% dos casos e 37% tem menos que 11 anos

FASES DO ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

De acordo com ALLENDER (1999: 110)

“ Há um processo comum a vários casos de abuso, quer eles tenham sido cometidos por parentes ou por pessoa fora da família. Os agressores têm uma estratégia relativamente clara para envolver suas vítimas”. O abuso sexual intrafamiliar entre adultos e crianças segue uma linha de previsibilidade, em que vamos identificar geralmente a presença | 34


PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO INCESTO

LIÇÃO 2

de cinco fases distintas. Apesar dessas fases não se desenvolverem necessariamente em ordem cronológica, podendo existir variações em sua sequência, é importante que o profissional saiba identificar cada uma delas. Tal conhecimento o ajudará a reconhecer com mais facilidade as especificidades que envolvem o fenômeno, contribuindo para que avalie e acompanhe os casos concretos, de forma mais abalisada e competente. Para ALLENDER (1999: 110)

“ Pode haver mais exceções a regra do que a própria regra, mas, se a regra é aprendida, as exceções podem ser tratadas. A regra traz clareza ao processo, de modo que as exceções são vistas a partir de uma única perspectiva, ao invés de serem vistas como uma massa disforme de particularidades”.

DINÂMICA DO INCESTO

Fase 1: Envolvimento A caracteristica principal da primeira fase é o oferecimento de um relacionamento, de intimidade, de privilégios especiais, de presentes e de recompensas. O agressor planeja o assédio à criança usando de estratégias sedutoras , fazendo suas investidas disfarçadamente como se fossem jogos ou algo “especial e divertido”. Quanto mais hábil e sagaz for o abusador, menor será a coação para conseguir a capitulação da criança. Essa fase pode durar minutos, meses ou anos antes da consumação do ato físico. Nas famílias incestogênicas a força ou ameaça é a maneira mais comum de interação entre seus membros. 35 |


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Fase 2: Interação sexual Na segunda fase o contato físico é aparentemente normal. O agressor se aproxima da criança e através de “brincadeiras infantis” dá início ao abuso, que pode incluir a prática do exibicionismo com a exposição do corpo (adulto, criança e/ou ambos). Nesta fase inicia-se a interação sexual nas formas verbalizada e visualizada. É muito difícil efetuar o reconhecimento do abuso nesse período, já que o contato físico ainda não ganhou conotação sexual e as formas verbal e visual, para algumas pessoas desavisadas, não parecem tão severas. Como já demostramos antes, são exemplos de abuso sexual na forma visualizada a exposição da criança a materiais pornográficos, relações e órgãos sexuais. Já no abuso sexual verbal o agressor pode relatar para a criança cenas e histórias sexualizadas, inclusive com a mesma figurando como personagem. A criança nesta fase tem dificuldade em perceber a progressão gradual do abuso, já que não sabe diferenciar ainda os toques saudáveis dos toques lascivos e sexualizados.

Fase 3: Abuso sexual com contato físico Nesta fase o contato físico sexual se consubstancia e poderá variar, como já registramos anteriormente, de acordo com a intensidade e dano, nas formas: a) GRAVÍSSIMA: relação genital, oral ou anal, com ou sem violência. b) GRAVE: contato manual com os órgãos sexuais descobertos (com ou sem penetração de dedos), contato com os seios desnudos

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PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO INCESTO

LIÇÃO 2

(forçado ou não) ou a simulação de uma relação sexual interfemural (forçada ou não). c) MENOS GRAVE: beijos eróticos (forçados ou não), toque sexualizado nas nádegas, coxas, pernas ou genitais e seios cobertos (forçados ou não)

Fase 4: Sigilo Depois que a criança já foi iniciada sexualmente, quer seja na forma física, verbal ou visualizada, seu agressor passa a utilizar seu poder intimidatório a fim de manter o silêncio da mesma. Durante essa fase, para se obter o sigilo da vítima , é comuns a utilização de ameaças, bem como a repetição do abuso sexual. A lei do silêncio domina a relação incestuosa e a manutenção do segredo é motivada por diferentes fatores. Geralmente fazem parte desse complô de silêncio o agressor, seu cônjuge e a vítima. Quando o agressor é o pai, na maioria das vezes a mãe tem consciência do que está acontecendo, entretanto demora ou se recusa admitir os claros sinais da prática incestuosa devido ao medo.

“Num dia de verão quando eu tinha sete anos, eu estava trabalhando na cozinha com mamãe. À minha maneira tentei dizer a mamãe que papai estava me ferindo. Mas mamãe não se preocupou. Ela gritou comigo por até pensar qualquer coisa má sobre papai e disse que jamais queria ouvir outra palavra de mim sobre o assunto. Ela simplesmente esquivou-se, dando de ombros. Ela não me amava. Não se importava com o que acontecia comigo, e isso me arrasou. Ninguém se importava. Ninguém me amava. Ninguém me queria. Eu desejava morrer. Já não havia nenhuma razão para ter esperança, porque se mamãe não podia ajudar, então quem poderia? “ LANGBERG (2002)

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Causas mais comuns do medo da mulher em denunciar o cônjuge abusador de seus filhos: a. Confrontar o marido e enfrentar sua reação, quando este é dado a práticas violentas. b. Tornar-se alvo de um escândalo e pivô de piadas e comentários maldosos. c. Perder a guarda dos filhos. d. Não ser capaz de defender sua criança que está sendo vitimizada. e. Não conseguir manter financeiramente sua prole sem a ajuda do marido. f. Perder o companheiro, colocando o relacionamento amoroso acima do amor que sente pelos filhos. A criança não revela a prática incestuosa de que é vítima devido ao medo: a) De ser atingida na sua integridade física “ se você contar para alguém eu te mato” b) Das pessoas a considerem culpada e suja “ se você contar à mamãe ela vai ficar muito zangada” c) De ser afastada da família e internada em um abrigo “ se você contar para alguém, vão te mandar embora” d) De que o agressor fira as pessoas que ela ama R. (5 anos) e N. (7 anos), um casal de irmãos, vinham sendo abusados pelo tio, além de sofrerem agressões físicas. Embora o tio perseguisse “descaradamente” os sobrinhos, ninguém na casa “parecia notar”. A forma para conseguir que as crianças se submetessem a seus caprichos era o uso constante de ameaças. Certa vez ele chegou ao cúmulo de manter relações sexuais com uma gatinha “prenhe” na frente dos sobrinhos. Segurando o corpo do animal já sem vida e todo ensangüentado, ameaçou as mesmas de que se não fizessem o que ele pedisse, mataria o pai e a mãe das crianças da mesma forma com que tinha matado o animal. (Caso CECOVI, denúncia recebida em 20/10/1999).

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PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO INCESTO

LIÇÃO 2

e) De ser acusada de mentirosa e de inventar histórias J.C.S é uma adolescente (15 anos). Desde os 9 anos de idade era molestada pelo pai biológico. Por este motivo ela foi morar com a mãe. No entanto, a situação se repetiu, visto que o padrasto de J. também a abusou sexualmente. J. afirma que não relatou o caso à mãe com medo do que poderia acontecer, pois o padrasto sustentava o lar e temia que sua mãe não acreditasse. Quando J. estava tomando banho, sua mãe flagrou seu padrasto observando a menina. Mãe e padrasto começaram a brigar. “Quando ele, com uma faca na mão, disse que ia matar a minha mãe, eu enfrentei a situação, foi quando ele bateu no meu rosto, deixando a faca cair. Sem domínio de mim, eu peguei a faca e o feri. Não queria matá-lo. Quando vi o sangue, comecei a gritar, pedindo socorro aos vizinhos. Tenho medo de ficar presa”. (Caso CECOVI, denúncia recebida em 24/11/2000).

Fase 5: Revelação Pode ser acidental ou proposital. A revelação acidental pode ser feita por terceiros que observam o agressor e sua vítima. A identificação do abuso pode acontecer mediante a visualização de danos físicos causados à criança como por exemplo: sangramentos da vagina e ânus, presença de doenças sexualmente transmissíveis , gravidez, conhecimento sexual precoce, etc. Na revelação proposital um dos participantes envolvidos (geralmente a criança) decide contar a alguém o “segredo”. A.C.V., de 14 anos, foi abusada sexualmente pelo próprio pai. Há quatro meses o pai vem abusando sexualmente da filha na ausência da mãe, que se encontra, na oportunidade, viajando.

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Vive a criança sendo ameaçada de espancamento, bem como há ameaças de morte à sua mãe. A menor procurou espontaneamente a delegacia de menores, durante a noite, após a última tentativa. Pernoitou na delegacia, sendo encaminhada ao CRAMI no dia seguinte. Submetida a exame de corpo de delito, observou-se rotura himenal tardia e recente. A mãe reconhece o fato. (CRAMI, 11/08/1986).

Fase 6: Supressão A maioria das familiares, após a fase da revelação, passa a negar e dissimular a prática do incesto. É comum ver a criança admitir que foi abusada sexualmente na fase do inquérito policial. Entretanto, muitas delas, pressionadas pela família, são levadas a mentir sobre os fatos e retirar a acusação quando diante do juiz na fase processual. O agressor, quase sempre, é acobertado e protegido pelo muro de silêncio erguido pelos parentes. Tal prática se fortalece devido ao tratamento dispensado em nosso sistema penitenciário aos abusadores sexuais. Na verdade, as famílias têm consciência que, longe de recuperá-los, nosso sistema carcerário é desumano e ineficaz. Os agressores, em sua grande maioria, foram vítimas também de abuso sexual ou maus-tratos físicos quando crianças. Eles, quando condenados, ficam anos a fio privados em sua liberdade, o que é justo. Entretanto, sem um acompanhamento terapêutico que os reabilitem, serão devolvidos para o convívio social piores do que quando foram apenados. Logo se faz urgente pensar em um programa de apoio psicológico e espiritual a ser ministrado durante a execução de suas penas. FURNISS (2002) descreve, na tabela abaixo, o temor que os atores envolvidos na relação incestogênica sentem em relação as consequências da revelação do abuso sexual. | 40


PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO INCESTO

CONSEQUÊNCIAS

ABUSADOR

MÃE

CRIANÇA

Ordem para cuidados da criança e de outros irmãos

Ordem para cuidados

Perda da parceira Perda dos filhos Perda do apoio de outros parentes

Perda do parceiro Perda do(s) filhos(s) Perda do coprogenitor Perda do apoio de outros parentes

Perda do pai Perda da mãe Perda dos irmãos Medo de não ser acreditado Medo de retribuição Medo de violência e castigo Medo de violência dentro da família Medo quanto ao bem- estar do abusador e de outros (e.g. ameaça de suicídio do abusador)

Psicológica

Suicídio Abandono da parceira Auto-respeito Própria história de abuso sexual Medo da solidão e do isolamento Incapacidade de lidar com a situação Incapacidade de enfrentar a adição e alívio da tensão através do abuso

Auto-respeito Abandono da criança Auto-acusação Ter casado com um abusador Própria história de abuso sexual Medo da solidão e do isolamento Necessidade de cuidar sem um parceiro

Medo de ser acusado Medo de ser bode expiatório Auto-acusação Medo da solidão e do isolamento Lealdade

Social

Retaliação Reputação Estigma Isolamento

Reputação Estigma Isolamento Reputação Estigma Isolamento Problema de ser um progenitor sozinho

Reação dos iguais Tratamento na escola Perda dos amigos

Financeira e profissional

Perda do trabalho Perda dos rendimentos

Dificuldades financeiras

Legal

Aprisionamento

Família

LIÇÃO 2

Segundo a classificação de ALLENDER (1999), o abuso sexual, dependendo da seqüência de suas fases, pode ser TÍPICO (quando as fases ocorrem em ordem crescente, ou seja, da fase 1, depois a fase 2, fase 3, etc...) ou ATÍPICO (quando as fases ocorrem de forma desordenada). Vamos a seguir descrever dois casos citados pelo autor a fim de mostrar a dinâmica do incesto intrafamiliar e polimorfo envolvendo crianças e adolescentes.

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ESTÁGIOS DO ABUSO SEXUAL1 CONTATO SEXUAL TÍPICO: Professor de segundo grau e aluna de treze anos (Incesto Polimorfo) FASE

DESCRIÇÃO

Constrói um relacionamento através de saídas durante as aulas e do compartilhamento de segredos sobre as dificuldades que passa com a sua mãe dominadora. Abraços que duram um pouco além do comum devido a grandes realizações acadêmicas, carícias nos cabelos e beliscadas delicadas. Beijos com conotação sexual, contatos com seios cobertos e, por fim, estupro. Pedidos de perdão, apresentação das conseqüências da exposição do fato (prisão, danos à carreira e humilhação pública), oferta de grandes privilégios.

Fase 1: Envolvimento e desenvolvimento da intimidade Fase 2: Interação sexual e toque físico. Fase 3: Abuso sexual propriamente dito. Fase 4: Manutenção do abuso.

CONTATO SEXUAL ATÍPICO: Tio e sobrinha (Incesto Intrafamiliar) FASE

1

DESCRIÇÃO

Fase 3: Abuso sexual propriamente dito

Depois de uma reunião familiar, ele a encontra no porão, levanta sua saia, aperta sua região púbica e toca nos seios por cima da roupa.

Fase 4: Manutenção do abuso

Conta a ela sobre a sua boa reputação na família e a ameaça com o descrédito e horror dos outros, o que resultará em sua vergonha e ostracismo.

Fase 1: Envolvimento e desenvolvimento da intimidade

Ele compra um presente e se oferece para levá-la a um show. Ela recusa e é acusada de ingrata. Por fim, ela cede para evitar as críticas da família.

Fase 2: Interação sexual e toque físico Fase 3: Abuso sexual propriamente dito

Abraço na saída da reunião da família, acompanhada de um beijo amigável.

Extraído de Allender, 1999: 130-131.

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Carícias forçadas e brutas no carro à caminho do show.



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Mãe

foto: budgetstockphoto.com

LIÇÃO 3 PADRÕES DE COMPORTAMENTO DA FAMÍLIA INCESTOGÊNICA


PADRÕES DE COMPORTAMENTO DA FAMÍLIA INCESTOGÊNICA

LIÇÃO 3

Os relacionamentos existentes entre os membros de uma família incestogênica são doentios e extremamente tensos. A violência, a falta de respeito, a traição, a insegurança e a mentira se fazem presentes de forma marcante dentro desses lares. Segundo LANGBERG (1997) existem cinco tipos de famílias abusivas cujo perfil de seus cônjuges descreveremos abaixo:

+

MÃE

Machista Autoritário Geralmente alcoólatra Decide sozinho os rumos da família

Submissa Medrosa Oprimida Desvalorizada Pode ter sido vítima maus-tratos ou abuso sexual

MÃE

PA I

Família A

Dominadora Autoritária Egocêntrica

Submisso Baixa auto-estima

Família C

+

AMBOS OS PAIS

PA I

Família B

Viciados Desestruturados Desorganizados Filhos tomam conta de si mesmos

+

MÃE

Machista Autoritário Dominador

Egocêntrica Narcisista Manipuladora

+

MÃE

PA I

Família D

Dominante Caótica

PA I

Família E Ausente Indiferente

CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA INCESTOGÊNICA A família incestogênica não obedece um padrão fixo. Ela pode se apresentar de forma respeitável e acima de qualquer suspeita ou

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assumir um comportamento abertamente disfuncional. Entretanto AZEVEDO e GUERRA (1989), independentemente de qual classificação essas famílias se encaixem, mostram que as mesmas manifestam quatro características básicas, que descreveremos a seguir: DESPOTISMO Geralmente o chefe da família, representado pela figura paterna, controla de forma egoísta e arbitrária a vida familiar. AUSÊNCIA DE LIMITES Não existe respeito pela privacidade própria nem de terceiros. A falta de limites se manifesta a cada instante, quer seja no uso do banheiro, na troca de roupas, na quebra do sigilo da correspondência, no interceptar conversas ao telefone, culminando com a invasão do próprio corpo da vítima, que muitas vezes é abusado física e sexualmente. CONFUSÃO DE PAPÉIS Na família incestogênica a distorção de valores e a troca de funções dentro das relações parentais são comuns. O amor e o carinho cedem espaço para a sensualidade e erotismo. A segurança e proteção são substituídas pela falta de respeito, abuso, traição e coação. O filho assume a responsabilidade dos pais e a filha passa a ocupar o lugar da mãe, desempenhando o papel de mulher do próprio genitor. DETEORIZAÇÃO DOS VALORES Os pais, através de suas condutas, refletem exemplos degradantes e danosos, contribuindo significativamente para deformar a personalidades e sexualidade dos filhos.

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PADRÕES DE COMPORTAMENTO DA FAMÍLIA INCESTOGÊNICA

LIÇÃO 3

COMPONENTES DA FAMÍLIA INCESTOGÊNICA “O sexo do meu pai sobre o meu priva-me de toda a humanidade, eu já não existo. É ele quem comanda meus gestos, não posso resistir, já estou morta. Roubou-me os comandos do meu cérebro. Já não sei mais dizer não a um homem. Basta uma palavra, um olhar de autoridade para eu me tornar dócil, submissa. Sou prisioneira do desejo do outro, presa fácil, sem defesa.” Saffioti, 1997.

Preliminarmente gostaríamos de alertar que nenhum dos sinais que passaremos a descrever são suficientes para, sozinhos, estabelecerem um diagnóstico da existência de um incesto tendo como vítima uma criança. Os sintomas aqui relacionados podem estar associados a outras causas, inclusive a problemas de ordem psicológica. Entretanto a suspeita deve ser reforçada quando se observar que vários desses sinais estão acontecendo juntos. A VÍTIMA Embora os meninos também possam ser abusados sexualmente, as meninas são abusadas com maior freqüência. Algumas pessoas vêem a criança ou adolescente como responsável pelo abuso. Elas dizem “se isso aconteceu, com certeza foi porque essa menina deu brecha” As vítimas são acusadas de sedutoras e que o abuso só aconteceu porque as mesmas procuraram. Segundo VIGARELLO (1998), um agressor acusado de estuprar uma menina de dez anos disse que “ela é que teria vindo assentar-se ‘sobre seus joelhos’, ele apenas ‘brincou, vendo que essa criança já sabia de tudo.” O autor relaciona ainda outros exemplos onde a criança é tida como culpada pelo abuso sexual. Um certo juiz, mesmo condenando o abusador sexual de uma criança de dez anos, suspeita que esta era “muito instruída para a sua idade” e passa a citar seus atos de libertinagem. Segundo esse juiz, a criança teria bebido três goles de 47 |


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aguardente, teria sentando sobre os joelhos do seu agressor e desabotoado suas calças. Tudo isso de forma “voluntária”. Mesmo quando a vítima é completamente inocente (e elas sempre são), esta será objeto do desprezo eterno de uma parte da sociedade.

Sinais comumente associados à violência sexual de crianças2 Estágio de Desenvolvimento

Tipos de violência mais comuns

Até 4 anos

Estimulação genital/anal Tentativa de felação Tentativa de penetração

Indicadores Físicos A. Genitais: Inflamação, equimoses ou fissuras vulvares/ anais Hemorragia genital Corrimento vaginal Doenças sexualmente transmissíveis, incluindo gonorréia faríngea B. Gerais: Falha no processo de desenvolvimento Doenças sexualmente transmissíveis, incluindo gonorréia faríngea

4 a 6 anos

Felação Masturbação Penetração digital Penetração sexual simulada (ex.: entre coxas)

Genitais: Hemorragia anal/ vaginal, Fissuras e equimoses na mesma região Doenças sexualmente transmissíveis, incluindo gonorréia faríngea Gerais: Dor abdominal repetida Diarréia ou constipação intestinal

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Indicadores Psicológicos Retardo de desenvolvimento Perturbação do sono Medo de homens Insegurança/apego excessivo Criança retraída ou distante Comportamento ou brincadeiras sexuais inapropriadas Desenhos sexualizados

Superestimação: criança age de modo selvagem Limpeza compulsiva. Destruição simbólica repetida de ambos os pais Incapacidade de concentração/ hiperatividade Acessos de raiva Superamizade Abordagem sexual de adultos Revela conhecimentos da sexualidade adulta através de brincadeiras, discurso ou desenhos Perturbações do sono


PADRÕES DE COMPORTAMENTO DA FAMÍLIA INCESTOGÊNICA

Estágio de Desenvolvimento

Tipos de violência mais comuns

7 a 12 anos

Felação Masturbação Penetração digital Relação sexual Exibicionismo

Indicadores Físicos Genitais: Diâmetro aumentado do orifício himenal ou ausência do hímen Canal vaginal alargado Inflamação, equimoses ou fissuras anal/vaginal Doenças sexualmente transmissíveis, incluindo gonorréia faríngea Gerais: Infecções repetidas do trato urinário Dores abdominais Diarréias/enureses Enxaqueca Asma emocional Desordens do apetite

13 anos ou mais

Felação Masturbação Estupro Exibicionismo

A. Genitais: Hímen ausente Gravidez Doenças sexualmente transmissíveis B. Gerais Solicita orientação quanto ao uso de contraceptivos Síndrome de conversão histérica. Anorexia nervosa. Ingestão compulsiva de alimentos.

1

LIÇÃO 3

Indicadores Psicológicos Perturbações do sono. Fracasso escolar. Aparência pseudomadura. Pobre relacionamento com pares. Segredo. Mentiras óbvias. Furto. Conduta incendiária. Mudanças súbitas de humor. Labilidade emocional. Vontade excessiva de agradar. Ansiedade. Assume papel maternal em casa. Recusa em voltar para casa, após a escola. Aderência a adultos. Tentativas inexplicadas de suicídio. Relações pobres com seus colegas. Fugas/vadiagem. Desordens de conduta. Abuso de drogas/ álcool/aditivos. Promiscuidade. Dinheiro inexplicável. Autoenvenenamento. Automutilação. Depressão/ desespero. Inibição social/ retraimento. Estudos psicóticos episódicos. Estados fóbicos e desordens compulsivas. Assume papel maternal. Agressão em casa. Abusa sexualmente de outras crianças.

Fonte: Azevedo e Guerra (2000), citando Duncan & Baker (1986).

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AGRESSOR - INCESTO INTRAFAMILIAR É muito possessivo chegando a proibir a criança de se relacionar socialmente. De acordo com Marshall (1990), os agressores sexuais não são confiáveis. Quando abusam da criança às vezes experimentam remorsos, entretanto o arrependimento que gera mudanças é inexistente em seus corações. Não se envergonham da violência que praticam, mas temem ser descobertos e arcar com as conseqüências de suas práticas criminosas. São pessoas aparentemente normais, podendo ser bem sucedidas profissionalmente e desfrutar de boa reputação na sociedade. O relacionamento conjugal dos abusadores geralmente é marcado por crises e problemas Abuso de drogas e/ou álcool. Os valores norteadores da família são deturpados e seus membros não conseguem manter um relacionamento sadio entre si. O agressor geralmente é imaturo, egoísta, sem estrutura emocional para construir e manter relacionamentos saudáveis. Culpa a criança acusando a mesma de promíscua e sedutora. Acredita que o relacionamento sexual com sua criança é forma de amor familiar. Quando descoberto, nega sistematicamente o abuso, acusando terceiros de terem cometido o mesmo. Usa de autoridade, manipulação ou superioridade física para subjugar a criança. Segundo Azevedo e Guerra (1994) “Os pais incestuosos, com raras exceções, são homens bem integrados socialmente e exibem uma fachada de respeitabilidade. Por isso mesmo é difícil enquadrá-los nas classificações psiquiátricas tradicionais. A estrutura psiquiátrica desses homens parece estar

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a meio caminho entre paranóia, a perversão e a psicopatia com clivagens significativas. Violência como forma de resolver conflitos, insensibilidade quanto aos interesses e preocupações dos outros e uma tendência a violar normas com um mínimo de sentimento de culpa são algumas das características mais freqüentemente constatadas no perfil dos pais incestuosos. Por isso mesmo – e porque paradoxalmente muitas vezes seu discurso vai contra os próprios interesses – esses agressores tem sido denominados de escroques domésticos. Enquanto tal, a tomada de consciência da real gravidade de seus atos geralmente lhe é interditada, quase sempre por força da completa obliteração do traumatismo (físico ou sexual) por ele próprio sofrido na infância e/ou adolescência.” Sem um acompanhamento especializado, o abusador é incapaz de parar sozinho com a prática incestuosa. A semelhança de um viciado em drogas, ele não tem estrutura psicológica para cumprir suas promessas.

PERFIL DO AGRESSOR - INCESTO POLIMORFO Comportamento do agressor no incesto polimorfo (pessoa conhecida da criança): Pessoa de aparência normal, geralmente amável. Gosta de ficar com a criança longe da vigilância de outros adultos. Usa de manipulação, presentes, privilégios ou violência para conseguir o que quer. Medo de relacionamento e intimidade com outros adultos. Usa do efeito surpresa para efetuar o abuso. Pode ser dependente de drogas e/ou álcool. Pode ser doente mental ou ter problemas emocionais graves. Quando criança foi, possivelmente, vítima de abuso sexual.


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LIÇÃO 4 CONSEQÜÊNCIAS DO INCESTO


CONSEQÜÊNCIAS DO INCESTO

LIÇÃO 4

FATORES AGRAVANTES DO ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS

O abuso sexual de uma criança consiste num dos atos mais vis e cruéis que o ser humano é capaz de praticar. A criança, pela peculiar condição de ser em desenvolvimento, é indefesa e frágil por natureza. O incesto destrói de forma violenta e arrasadora o que existe de mais belo em seu coração. Sua personalidade fica desfigurada, sua fé em Deus e nas pessoas se extingue, a esperança de ser feliz e de sonhar não mais existe. Nem todos reagem ao abuso sexual da mesma forma. Cada caso deve ser analisado individualmente. Existem pessoas que apesar de terem sofrido violência sexual conseguem superar a experiência com mais facilidade do que outras. Na verdade elas são o que chamamos de resilientes, ou seja, possuem a capacidade de vivenciar histórias de dor e sofrimento, sem se desestruturarem internamente. São fatores de resiliência: a religião, o lazer, o humor, etc. Apesar da especificidade e graus de resiliência variados entre as vítimas iremos a seguir apontar alguns fatores agravantes do abuso sexual contra crianças:

Prática abusiva freqüente e de longa duração Grande grau de intimidade e parentesco entre o agressor e a vítima Diferença acentuada da idade entre o abusador e a criança Abuso sexual envolvendo contato físico e qualquer tipo de penetração Presença de sadismo e violência na prática incestuosa

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Desamparo e desprezo demonstrado à criança quando o abuso é revelado. Ex: Mãe que sabe do abuso e não toma nenhuma atitude concreta para proteger a criança do assédio do agressor.

Falha no atendimento institucional, provocando a revitimização da criança. Ex: Profissional que não acredita da história da criança ou acusa a mesma de ter seduzido e provocado o agressor.

SEQÜELAS DO ABUSO SEXUAL

As seqüelas do abuso sexual sofrido na infância geralmente deixam marcas profundas em suas vítimas. LANGBERG (2002) descreve estas feridas que se manifestam de forma interligadas nos planos: físico, emocional e espiritual.

PLANO FÍSICO Sobreviventes com tendências de autodestruição a) A vítima busca através do consumo exagerado de drogas, álcool, comida, sexo e esbanjamento de dinheiro, compensar ou diminuir o medo e a ansiedade presentes em sua alma. b) Idéias e/ou tentativa de suicídio. c) Automutilação Essa prática é mais comum entre as vítimas que foram violentadas muitas vezes ainda na tenra idade. A auto mutilação consiste em atos extremos contra o próprio corpo, tais como: queimar-se, cortar-se, flagelar-se, morder-se, arranhar-se, etc. Esse comportamento destrutivo trás consigo humilhação e tem suas raízes no sentimento profundo de auto-rejeição. A dor tem o poder de aliviar o medo e a angústia da | 54


CONSEQÜÊNCIAS DO INCESTO

LIÇÃO 4

vítima, que se considera um ser repugnante e merecedor de punição.

As que infringem maus tratos a si próprias descrevem o processo como começando com agitação e ansiedade arrasadoras, seguidas por uma compulsão de atacarem a si mesmas de alguma maneira. A conseqüência é um estado de dissociação, de modo que os flagelos no início parecem não produzir nenhuma dor, quase como se tivessem recebido uma anestesia. Em algum ponto do ataque é produzida uma sensação de calma, e logo o ataque cessa. O processo é muito semelhante a experiência do abuso na infância. As sobreviventes falam com freqüência de que se intensificam a ansiedade e a agitação quando sentiam o violentador começar ou fazer sinais de que se aproximaria. Os sentimentos ficavam intoleráveis quando o perpetrador se aproximava e começava o abuso. A vítima “se afastava” pelo processo da dissociação, de forma que não precisava sentir a dor. Ela “retornava” quando o abuso chegava no fim e se instalava a calma. Isso se tornou o ciclo regulador de sua vida, e continua assim. LANGBERG (2002) CUKIER (1998) falando sobre o significado de dissociação (constrição) comenta:

Quando uma pessoa fica completamente submetida, sem poder reagir de forma alguma, ela entra num estado de completa resignação, sem poder empreender as ações normais de autodefesa e fuga; o que faz é atuar em si mesma, alterando seu estado de consciência. Nos animais, observamos uma resposta fisiológica diante do predador que é o congelamento, forma de aparentar estar morto para não ser morto. O que ocorre, na verdade, é uma constrição dos sistemas respiratório e circulatório. Nos seres humanos, esse tipo de defesa filogenética, primária e instintiva, persiste, tanto que sempre que estamos com medo, nossa primeira reação é deter a respiração. Uma conseqüência da constrição é a alteração do estado de

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consciência. Situações de horror inevitável provocam, muitas vezes, ao invés de pânico ou ira, um estado de calma desapegada em que o terror, a raiva e a dor se dissolvem. Os fatos continuam a ser registrados, mas neste clima de desapego, de desconexão do sentido original, de semi-anestesia, como se a realidade estivesse em câmara lenta. Judith Herman (1992) diz que este estado, similar ao transe hipnótico, é uma graça especial da natureza para o homem. .... Pessoas traumatizadas que não conseguem dissociar podem tentar produzir efeitos similares ao transe, com o uso do álcool ou drogas. Problemas evidenciados na área sexual como conseqüência do abuso: a) Prazer sexual obtido através da prática de atos e cenas bizarras. b) Vício por sexo manifestado através da necessidade de múltiplos parceiros. c) Aversão à prática do ato sexual d) Sadomasoquismo e) Prática compulsiva da masturbação f) Prostituição g) Mudanças e conflitos relacionados a orientação sexual: homossexualismo e lesbianismo h) Desenvolvem o desejo sexual por crianças quando se tornam adultos Esses comportamentos relacionados à área sexual são usados como válvulas de escape quando a ansiedade e a angústia aumentam. O sexo é praticado de forma compulsiva na tentativa de acalmar o turbilhão de emoções e frustrações que teima em vir à tona ameaçando explodir como um vulcão. A convicção por trás do comportamento é: “Não consigo ficar calmo a menos que eu tenha sexo (e/ou dor)” LANGBERG (2002)

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CONSEQÜÊNCIAS DO INCESTO

LIÇÃO 4

PLANO EMOCIONAL

Sentimento de vergonha e profunda rejeição por si mesmo. Muitos sobreviventes se culpam pelo abuso. Acham que o mesmo ocorreu devido a maldade presente em seus corações.

Igualmente estava claro que eu me odiava e detestava, acreditando no que me havia sido dito repetidamente como criança – que ninguém jamais me quereria para qualquer outra coisa, além de sexo, que eu era lixo, que nada de bom jamais sairia de mim, que nunca alguém realmente me amaria. LANGBERG (2002)

Medo de investir em relacionamentos Os sobreviventes temem se envolver e criar vínculos duradouros. Confiar nas pessoas é algo extremamente difícil já que experimentaram a dor da traição por parte daqueles que mais amava. Logo o medo e a desconfiança estão sempre presentes em seus corações. Tais sentimentos produzem uma sensação de isolamento. Alguns tentam enfrentar seus temores buscando desenvolver relacionamentos onde desempenhem papéis controladores, já outros adotam a postura submissa e dependente.

PLANO ESPIRITUAL

Às vezes até mesmo nos domingos quando estávamos na igreja, ele me levava até a sala da caldeira e me violentava ali. Ele me dizia que Deus lhe ordenou que fizesse isso, que era correto, que era isso o que eu precisava para aprender a ser uma verdadeira mulher. Ele me disse que Deus lhe ordenou que me

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ensinasse sobre essas coisas. À noite eu chorava no travesseiro. Clamei a Deus para que parasse com tudo. Lembro-me do dia na escola dominical em que nosso professor nos disse que se orássemos, Deus responderia nossas orações. E eu orei. Orei arduamente. Mas o abuso nunca parou. Na realidade, eu até orava quando ele estava me violentando, mas isso não o detinha. Parecia que ficava pior. Quem era Deus? Com certeza não era um Deus de amor, e ele certamente não me amava. Ela amava mais meu papai, é o que parecia. Papai sempre conseguia o que queria. LANGBERG (2002)

O abuso sexual de uma criança produz seqüelas profundas em sua vida, principalmente na área espiritual. Dentre as dificuldades apresentadas destacamos: a) A imagem distorcida do caráter de Deus b) O temor de confiar em Deus e ser traída por ele também c) Associação da figura de Deus a alguém que tem prazer em castigar seus filhos d) Confunde a imagem do pai incestuoso com a imagem de Deus Pai. Escrever este módulo tem sido um desafio para mim. Creio que cada um de vocês que têm lido estas páginas também sentem, de algum modo, dor e tristeza pelas pequenas e indefesas vítimas do abuso sexual intrafamiliar. O sofrimento que elas carregam é imenso e acredito que, em grande parte, o processo de cura está na possibilidade delas descobrirem que são profundamente amadas por Deus. Quando nos deparamos com relatos tão fortes como os que temos lido até aqui, a pergunta que surge em nossas mentes e principalmente no coração dos sobreviventes de abuso sexual é: Onde estava Deus no momento da minha dor? Deus é injusto? Na realidade Deus não é injusto. A vida é que é injusta. Acredito | 58


CONSEQÜÊNCIAS DO INCESTO

LIÇÃO 4

firmemente que Deus sofre e chora por cada criança que é vitimizada sexualmente.

“ Acaso pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti. “ Isaias 49:15

Testemunho - Deus se importa? Em 1999 tive uma experiência surpreendente com Deus que me mostrou claramente que Ele se importa com o sofrimento dessas crianças. Na época eu estava estudando para um concurso do Ministério Público, pois sou advogada, quando uma noite, sozinha, em meu apartamento, de repente comecei a escutar os gritos de uma criança. Ela chorava desesperadamente. Eram gritos terríveis que se assemelhavam mais a urros e a sensação que transmitiam era de que aquela criança estava muito desesperada e sendo submetida a um sofrimento intenso. Sobressaltada e assustada com aqueles gritos corri para a janela e fiquei tentando adivinhar de onde vinham. Entretanto não consegui discernir de onde aquele choro tão intenso se originava e aflita liguei para o SOS criança a fim de pedir ajuda. A recepcionista de plantão ouviu a história e me pediu o endereço da “vítima”. Eu falei que não sabia o endereço exatamente e ela me disse que sem a localização da rua e do nº da residência da criança nada podia ser feito. Frustrada esperei meu marido chegar e lhe contei tudo que tinha acontecido. No outro dia, bem cedo, eu e o Paulo (meu marido), fomos até o porteiro do nosso prédio indagar se ele tinha escutado os gritos na noite anterior. O rapaz nos respondeu que não tinha visto nada. Não me dando por vencida, convenci o Paulo a ir comigo de casa em casa por todo quarteirão que ficava perto do prédio onde

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morávamos, perguntando se alguém tinha visto ou escutado alguma coisa. Ninguém tinha visto nada. Ninguém tinha notícia do fato. Decepcionada e preocupada com a criança retornei para casa. Entretanto para minha surpresa e angústia os gritos iniciaram novamente à noite e se repetiram por três noites seguidas. Na quarta noite, já sem forças, me deitei no chão da sala do meu apartamento e ali sozinha chorei muito e orei a Deus: “Pai, eu já não agüento mais ouvir o choro dessa criança. Eu não sei onde ela está, nem sei como ajudá-la, mas tu Senhor sabes todas as coisas, por isso eu te peço que tu intervenhas e faça alguma coisa. Levanta alguém que esteja perto dessa criança para protegê-la e tirar a mesma desse sofrimento.” Foi nesse momento, quando eu estava fazendo esta oração, que uma paz enorme encheu meu coração e os gritos da criança cessaram e eu ouvi uma voz dentro de mim, que eu sabia ser Deus falando comigo, dizendo: “ Filha, aquieta teu coração, pois não tem nenhuma criança chorando perto daqui. O choro que eu permiti que tu escutaste é o choro que eu escuto do meu trono de glória cada vez que uma criança é espancada, violentada ou morta vítima de maus tratos. Você está certa quando diz que eu posso levantar alguém para ajudar essas crianças e a pessoa que eu quero usar para fazer isso é você. Eu vou te usar para interferir na história de muitas crianças que sofrem violência dentro de seus próprios lares.” Foi a partir desse momento, de profunda comunhão com Deus, que nasceu o CECOVI – Centro de Combate à Violência Infantil, uma organização não governamental que tem por missão o enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes. Deus tem abençoado sobremaneira nosso trabalho, de forma que atualmente temos capacitado profissionais do Brasil inteiro a lidarem com esse fenômeno. Confesso a vocês que relutei muito para contar aqui esta história. Afinal de contas sei que os mais céticos podem estar pensando agora que sou “louca ou fanática”. Entretanto aceitei correr o risco e me expor assim mesmo, primeiro porque quero que as vítimas de abuso sexual que lerem esse relato compreendam que Deus se importa com elas e

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LIÇÃO 4

as ama e em segundo lugar é preciso que cada um de nós perceba que Deus ainda intervém na história e quer nos usar como instrumentos para falar do seu amor e reparar as injustiças que se abatem contra essas crianças vítimas da violência e da maldade humana. Deus é injusto? Ele nos responde a essa incógnita não com discursos teológicos elaborados, mas sim com uma visita, uma encarnação. Jesus é a prova de carne e osso de que Deus se importa com nosso sofrimento e dores. Deus é injusto? Não, mas a vida aqui na terra é extremamente injusta e a cruz do calvário retrata isso.

A cruz nos revela o tipo de mundo em que vivemos e o tipo de Deus que nós temos. Nenhum de nós está livre de vivenciar uma tragédia ou desilusão. O próprio Deus não ficou imune. Jesus não nos deu uma fórmula para nos livrar das injustiças terrenas, mas abriu um caminho para atravessarmos este vale de lágrimas até chegarmos um dia em nosso porto seguro onde finalmente descansaremos em seus braços. YANCEY (1988) em seu livro – Decepcionado com Deus, diz: “Assim como a sexta-feira da paixão pôs por terra a crença inata de que esta vida é justa, em seguida veio o domingo de páscoa com sua surpreendente pista para o enigma do universo. Em meio as trevas resplandeceu uma fulgurante luz”

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Enfrentamento da Violência Doméstica Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes na Infância e Adolescência na Modalidades Abuso Sexual

foto: budgetstockphoto.com

LIÇÃO 5 DINÂMICA DO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

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DINÂMICA DO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

LIÇÃO 5

Quando a rede de profissionais entra em contato com a família incestogênica o abuso deixa de ser apenas um problema familiar e passa a constituir um desafio multiprofissional. Dependendo da forma de abordagem utilizada a estrutura familiar pode ser profundamente abalada. Os aspectos penais, a abordagem feita com a criança vitimizada e a terapia familiar, entre outros cuidados, exigem uma intervenção multidisciplinar. O atendimento é realizado por diferentes profissionais e instituições que se encarregam de trabalhar diversos aspectos do relacionamento familiar. Por exemplo, um advogado buscará cuidar das questões jurídicas tais como destituição do poder familiar, afastamento do agressor da moradia onde está a criança, etc. Já uma psicóloga buscará interagir com a criança e sua família dentro de uma abordagem terapêutica. FURNISS (2002) comenta a importância da intervenção profissional quando afirma:

“ Formas básicas diferentes de intervenção profissional conduzem a direções específicas de mudanças nos relacionamentos familiares e a mudanças psicológicas específicas em cada membro da família. O tipo de intervenção pode fazer os relacionamentos reverterem ao padrão original de relacionamento, conduzir a uma ruptura familiar ou podem ser obtidas mudanças terapêuticas que permitem à família clarificar seus relacionamentos e viver sem abuso sexual” Logo, para que exista um bom atendimento, se faz necessário compatibilizar as múltiplas intervenções evitando exclusivismos que fatalmente irão gerar conflitos e revitimizações. A dinâmica do atendimento embora multifacitária (jurídica, psicológica, médica, social, espiritual, etc) deve ser interdependente no que diz respeito à família.

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DINÂMICA DO ATENDIMENTO

1ª FASE: NOTIFICAÇÃO Todo atendimento inicia-se com a notificação. A notificação pode ser feita através de:

Pessoa Física Anonimamente ou pessoalmente Procedimentos que devem ser adotados a fim de apurar uma denúncia de abuso sexual:

Equipamentos Sociais: Creches, escolas, hospitais, postos de saúde, igrejas, organizações governamentais e nãogovernamentais que atendam crianças....

1º Passo: o profissional de plantão que receber a notificação de abuso sexual deverá preencher uma ficha anotando o maior número possível de informações sobre o abuso relatado para posteriormente repassar as informações para equipe técnica. 2º Passo: Após o recebimento da denúncia de abuso sexual teremos três caminhos a seguir: Hipótese 1: Quando a notificação é feita pelo responsável legal da vítima, o notificante deve ser orientado a REGISTRAR UM BOLETIM DE OCORRÊNCIA NA DELEGACIA. Hipótese 2: Caso o denunciante deseje permanecer anônimo, mesmo assim o profissional de plantão deverá convencê-lo a deixar seu endereço e telefone de contato, assegurando que a denúncia será registrada como anônima. Tal medida se deve

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DINÂMICA DO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

LIÇÃO 5

ao fato de que muitas vezes não encontraremos evidências ou vestígios de provas através do exame de corpo delito, sendo a denúncia anônima insuficiente para que o caso venha a ser apurado. Quando tal possibilidade acontecer vale a pena tentar sensibilizar o notificante para que o mesmo revele o que sabe à polícia e depois testemunhe em juízo. Hipótese 3: Quando a notificação é feita por pessoa que aceita se identificar, mas que não pertence a família. O técnico de plantão deverá anotar todos os seus dados para que esta venha a cooperar na instauração do inquérito, posterior processo crime e ações cíveis decorrentes.

MODELO DA FICHA DE PLANTÃO PREENCHIDA DURANTE A NOTIFICAÇÃO Ficha Nº: Nome do plantonista: Tipo de contato: Fone

Pessoal

Data:

Hora:

DADOS DA VÍTIMA: Nome: Data de nascimento: / / Endereço: Bairro: Telefone: Cidade: Estado: Sexo: Masculino Feminino Estuda? sim não Escola: Série: A criança já passou por outra instituição? sim não Qual? A criança exerce alguma atividade que auxilie no sustento da família? sim Com quem a criança reside? Com quem morava na época da agressão? Quantas vezes a criança já foi atendida no CECOVI?

não

TIPO DE VIOLÊNCIA VERIFICADA maus-tratos físicos negligência abuso sexual abandono abuso psicológico MEIOS USADOS

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LOCAL DA OCORRÊNCIA /VIOLAÇÃO

MEDIDA DE PROTEÇÃO ADOTADA

ENCAMINHAMENTOS

SEVERIDADE DA LESÃO Fatal Séria Moderada TIPO DE LESÃO FÍSICA Inchaço Contusão/Hematomas Arranhão Ferimento Fratura/deslocamento Trauma interno Laceração Mordida/dentada Palmada Socos/pontapés Puxão de orelha/cabelo Outros. Quais? Espancamento: corda fio cinto pau barra de ferro galho de árvore Queimadura: ferro cigarro água PSICOLÓGICA rejeitar isolar aterrorizar depreciar Outros. Quais?

superestimar

subestimar

ameaçar

SEXUAL exibicionismo voyeurismo atos libidinosos pornografia exploração sexual relação vaginal relação anal relação oral tentativa de relação sexual Outros. Quais? ÁREA DA LESÃO boca/dentes superfície da cabeça cérebro/conteúdo craniano face olhos nariz ouvidos costas/ombros tórax seio abdômen nádegas/ânus braços mãos quadril coxas genitália virilha pernas pés

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DINÂMICA DO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

LIÇÃO 5

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A FAMÍLIA/RESPONSÁVEIS DADOS DA MÃE MADRASTA Nome: Idade: Endereço: Telefone: Cidade: Situação conjugal: solteira casada separada viúva outros Situação ocupacional: do lar empregada desempregada autônoma aposentada Instrução: Profissão: Apresenta problemas de saúde? sim não Especificar: Uso de: drogas álcool DADOS DO PAI PADRASTO Nome: Idade: Endereço: Telefone: Cidade: Situação conjugal: solteiro casado separado viúvo outros Situação ocupacional: empregado desempregado autônomo aposentado Instrução: Profissão: Apresenta problemas de saúde? sim não Especificar: Uso de: drogas álcool SITUAÇÃO SÓCIO-FAMILIAR Renda mensal da família: Quem é responsável pelo sustento? pai mãe outros. Quem? Possui filhos de outros relacionamentos? sim não Número total de membros da família que residem na mesma casa? DADOS DO AGRESSOR Nome: Idade: Endereço: Telefone: Cidade: Situação conjugal: solteiro casado separado viúvo outros Situação ocupacional: empregado desempregado autônomo aposentado Instrução: Profissão: Apresenta problemas de saúde? sim não Especificar: Uso de: drogas álcool MEDIDAS TOMADAS EM RELAÇÃO AO AGRESSOR

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PROVIDÊNCIAS TOMADAS PELO CECOVI

ESTUDO DE CASO

ACOMPANHAMENTO (número de visitas, local da visita, outras pessoas entrevistadas...)

INSTITUIÇÕES QUE GERALMENTE RECEBEM NOTIFICAÇÃO

SOS Criança

Organizações Não Governamentais

Conselho Tutelar

TOME NOTA Exemplo onde geralmente a denúncia anônima é insuficiente: Quando a criança vitimizada possui idade muito baixa e não sabe se expressar sozinha e pela própria natureza do abuso (ex: sexo oral) não se tenha evidências físicas do mesmo e o notificante tenha presenciado o fato delituoso. Caso a notificação seja feita ao conselho tutelar: O denunciante, juntamente com a vítima e seu responsável legal (caso exista e queira cooperar) devem, acompanhados por um conselheiro, se dirigir até a delegacia de polícia a fim de registrar o boletim de ocorrência. Caso a notificação tenha sido efetuada na escola ou outro aparelho social: O técnico da instituição deverá acompanhar o notificante diretamente à delegacia ou ao conselho tutelar, a fim de que sejam tomadas todas as providências cabíveis. Esse cuidado se faz | 68


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LIÇÃO 5

necessário, para evitar que o notificante, sem apoio institucional, desista de prosseguir na apuração do crime.

FIQUE ATENTO Caso em seu município exista delegacia especializada em crianças e adolescentes vitimizados o boletim de ocorrência deve ser registrado preferencialmente nela. Não havendo uma delegacia especializada, deve-se orientar o registro do B.O. em uma delegacia comum ou da mulher (caso exista). Se a notificação tiver sido feita pela mãe da vítima e esta também tiver sofrido violência (seja esta de natureza física, psicológica e/ ou sexual), a mesma deve ser orientada a registrar paralelamente um boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher (ou delegacia comum) Se, por negligência ou intenção de acobertar o abusador, os pais ou os responsáveis pela criança ou adolescente não registrarem o Boletim de Ocorrência, o fato deve ser relatado ao conselho tutelar e/ou ao Ministério Público

2ª FASE: VISITA DE INVESTIGAÇÃO

Escuta de Apoio: Após o recebimento da notificação, uma equipe de visitadores, formada por dois técnicos, geralmente um psicólogo e uma assistente social, ou um conselheiro tutelar e um técnico, deve ser indicada para realizar a primeira visita a família.

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FIQUE ATENTO Antes de efetuar a visita de averiguação na família, dependendo do caso, é bastante útil fazer em primeiro lugar uma visita na escola da criança e na casa de seus vizinhos. Durante as visitas, principalmente na vizinhança, deve-se evitar comentários acerca da suspeita de abuso, mas sim buscar subsídios para compreender a rotina da família e se essa se enquadra ou não no perfil de uma família incestogênica.

A equipe visitadora deve apresentar-se e declarar o nome da instituição a qual pertence. É importante tomar muito cuidado com esse primeiro contato. Geralmente não é a família que efetuou a denúncia e logo ela não sabe conscientemente o motivo da visita. O assunto da suspeita de abuso sexual não deve ser mencionado no início da reunião. O objetivo principal desse primeiro contato é a formação do vínculo com a família incestogênica. Agindo com cautela, fica mais fácil estabelecer uma comunicação com a família que, se compreender que pode confiar na instituição e que esta quer ajudá-los, se dispõe a receber os profissionais e conversar a respeito do que eles consideram “ser somente da conta deles”. Para quebrar o gelo os técnicos poderão discutir, por exemplo, situações como registro de nascimento das crianças, projetos governamentais que as famílias têm direito, como o Bolsa-Escola, etc...

No final da primeira visita, os técnicos devem marcar a ida da família a instituição ou conselho tutelar. Caso o vínculo não tenha sido estabelecido e a família se negue a colaborar com a intervenção, o Conselho Tutelar e/ou Ministério Público devem ser comunicados acerca dessa resistência e medidas legais mais enérgicas terão que ser tomadas.

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DINÂMICA DO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

LIÇÃO 5

Nessa primeira visita, comumente chamada de escuta de apoio, os técnicos devem observar as condições sócio econômicas da família. Detalhes acerca da moradia devem ser anotados. A distribuição dos cômodos, o espaço reservado na casa para trocas de roupa, a existência ou não de portas nos quartos, tudo isso poderá ser elucidativo para delinear o perfil dessa família.

A equipe técnica que efetuou a primeira visita deve fazer um relatório detalhado e discutir o mesmo com o profissional que se responsabilizará pelo acompanhamento do caso dentro da instituição ou conselho.

3ª FASE: ENTREVISTAS NA INSTITUIÇÃO

O primeiro atendimento na instituição deve ser feito pelo profissional que ficará responsável pelo acompanhamento do caso (conselheiro tutelar, assistente social, médico...) e a equipe de técnicos que fez a visita à família (ou um de seus membros). A presença de pelo menos um profissional da equipe visitadora se faz necessário devido ao vínculo que poderá ter se formado com a família durante a escuta de apoio. O atendimento na instituição ou no conselho tutelar deve abranger três aspectos: a) Avaliação social b) Avaliação psicológica c) Avaliação jurídica

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TOME NOTA A primeira entrevista deve ser feita apenas com a criança vitimizada e o adulto não agressor.

No primeiro atendimento a criança vitimizada deve ser atendida preferencialmente pelo psicólogo e a assistente social em conjunto. Caso a criança seja muito pequena ou o serviço social não precise entrevistá-la, ela deverá ser entrevistada pelo psicólogo.

METODOLOGIA DAS ENTREVISTAS DETALHES QUE FAZEM MUITA DIFERENÇA Entreviste a criança separadamente de seus responsáveis legais A linguagem usada na comunicação com a criança deve ser compatível com seu desenvolvimento cognitivo. Quando for fazer a entrevista com crianças pequenas procure se posicionar de forma tal que o nível do seu olhar fique na mesma altura do olhar da criança. Procure sentar próximo à criança para fazer a entrevista evitando ficar atrás de uma mesa ou escrivaninha demonstrando postura autoritária. Tome cuidado na forma de conduzir a entrevista. Perguntas que começam por “como” são mais produtivas do que aquelas que começam com “por que”. Busque fazer com que a criança se sinta a vontade nessa primeira entrevista. Os assuntos abordados devem girar em torno de | 72


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LIÇÃO 5

tópicos gerais que não ameacem a mesma, tais como: as atividades das quais ela gosta, escola, brincadeiras, local de residência, quanto tempo reside no local, quem são os outros membros da família, etc Reforce para a criança que ela não é culpada pelo abuso sexual. A criança deve ser escutada em local reservado e livre de interrupções. Faça seu relatório, sobre tudo o que foi relatado pela criança, o mais cedo possível O profissional deverá buscar escuta de apoio para ele próprio. A ajuda de um psicólogo, pastor, padre ou amigo se torna importante e oportuna.

ENTREVISTA COM A CRIANÇA-VÍTIMA Durante a primeira entrevista o assunto do abuso sexual não deve ser abordado, a não ser que a criança faça menção do mesmo. O entrevistador, nesse primeiro momento, deve buscar fazer o menor número possível de perguntas, permitindo que a criança se expresse livremente. O profissional deve ter muita cautela para não conduzir a entrevista de forma tendenciosa, buscando a todo custo que a criança revele que foi abusada sexualmente. Tal comportamento invalidará o depoimento da criança, não podendo ser utilizado posteriormente como prova nos autos do processo crime. Após ter sido criado um vínculo de confiança com a criança vitimizada o profissional poderá abordar o assunto do abuso sexual encorajando a mesma a narrar o que aconteceu.

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Deve-se ter muito cuidado a fim de que seja respeitado o ritmo da criança. Essa não deve ser pressionada a falar de coisas que não queira ou descrever detalhes do abuso de que foi alvo.

REVITIMIZAÇÃO Infelizmente os conselhos tutelares e outras instituições que fazem o atendimento de casos concretos de abuso sexual, em sua grande maioria, não possuem uma equipe técnica de apoio que dê suporte a um acompanhamento especializado. Geralmente o vínculo não é estabelecido com a vítima e numa só entrevista, queimam-se etapas importantíssimas do atendimento acabando por revitimizar a criança.

PERGUNTAS QUE DEVEM SER FEITAS A CRIANÇA VITIMIZADA QUANDO ESTA JÁ ESTEJA APTA A FALAR SOBRE O ABUSO SEXUAL (1)

P E R G U N T A S

Quando teve início o abuso ?

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Quem era que realizava o abuso ? Outras pessoas participavam do abuso ? Que tipo de atividade sexual ocorria ? Onde ocorreu a agressão ? Quando o abuso aconteceu, se repetiu outras vezes ? Quem foi informado sobre o abuso ? Foi usado algum tipo de força? Lembre-se sempre de perguntar a criança se ela tem alguma pergunta.


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LIÇÃO 5

PRESTE BEM ATENÇÃO Não faça perguntas de forma automática e impessoal. Use uma linguagem COMPREENSÍVEL para a criança, principalmente no que diz respeito a termos de conotação sexual ou anatômica. Em caso de retraimento da criança, desenhos com lápis de cor e papel ou a utilização de bonecos anatomicamente corretos facilitam muito.

Após o levantamento da história do abuso sexual a criança deverá ser informada acerca dos encaminhamentos que serão feitos, sendo suas dúvidas esclarecidas e anotadas.

O QUE NÃO DEVEMOS FAZER (1) Perguntar logo na primeira abordagem detalhes sobre abuso P R O F I S S I O N A L

Prometer guardar segredo Induzir as respostas da criança. Fazer promessas que não podemos cumprir. Ex: Seu pai não será preso. Pressionar a criança a dar respostas que ela não deseja. Criticar o tipo de linguagem utilizada pela criança. (Empregue a mesma linguagem utilizada por ela) Deixar a criança sem cuidados ou com pessoas desconhecidas. Fazer com que a criança repita a história várias vezes Duvidar da história da criança sem motivos consistentes, fazendo perguntas do tipo: - Você tem certeza? Será que você não entendeu errado? Mostrar-se chocado ou horrorizado com relação à situação da criança. Oferecer recompensas à criança para que conte como foi o abuso.

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ENTREVISTA COM O ADULTO NÃO ABUSADOR

Investigue qual a reação do adulto não abusador frente à violência ocorrida. Observando: Se ele pretende tomar alguma medida no sentido de proteger a criança. Qual sua postura emocional em relação à criança. Se considera a criança culpada ou não. Se existem pontos positivos a serem considerados na relação afetiva entre esse adulto não abusador e a criança. Se esse adulto não abusador é capaz de proteger a criança do agressor sexual.

TOME NOTA A família incestogênica geralmente não protege suas crianças e diante da descoberta do abuso sexual se coloca abertamente a favor do abusador.

POSTURAS A SEREM ADOTADAS PELA INSTITUIÇÃO OU CONSELHO TUTELAR EM RELAÇÃO AO ABUSADOR SEXUAL INTRAFAMILIAR 1º Lugar: Tentar buscar provas suficientes para prender o agressor em flagrante. Essa possibilidade é a mais difícil de acontecer já que o abuso sexual intrafamiliar acontece no espaço privado do lar e a lei do silêncio domina a relação incestuosa 2º Lugar: Tentar manter o abusador, apesar de respondendo o processo em liberdade, afastado da moradia comum da criança. Alguns juízes com base no Estatuto da Criança e do

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LIÇÃO 5

Adolescente ordenam a retirada do agressor de dentro de casa. Entretanto a jurisprudência brasileira tem se posicionado no sentido de que, para afastar o agressor de sua moradia é necessário um flagrante ou uma sentença judicial. 3º Lugar: Pedir a retirada da criança da família incestogênica para um abrigo, família substituta ou sua família ampliada. Infelizmente esse tem sido o caminho mais adotado, fazendo com que a criança seja revitimizada ao perder o contato com sua família de origem.

ATENÇÃO É importante que, enquanto se espera o julgamento do processo, a criança possa ter sua guarda provisória concedida, de preferência, a alguém da sua família ampliada (avós, irmãos, tios, etc). Quando isso não for possível deve-se buscar uma família substituta no círculo de amigos. A criança só deve ser enviada para uma casa abrigo caso nenhuma das opções acima puderem ser efetivadas.

QUANDO ESTIVER ENTREVISTANDO MEMBROS DA FAMÍLIA INCESTOGÊNICA (1) Reservar seu julgamento até que todos os fatos sejam conhecidos. Contar a eles a razão da entrevista Deixar claro que é sua OBRIGAÇÃO LEGAL notificar TODOS os casos de suspeita de violência contra crianças. Enfatizar que seus serviços continuam à disposição da família. Explicar quais serão os passos seguintes do processo.

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Em seu relatório deverão constar declarações fiéis do que lhe foi dito, não cabendo ali impressões pessoais. Esse relato poderá ser utilizado em procedimentos legais posteriores. Inspirados em Azevedo e Guerra (2000), traçamos abaixo algumas perguntas que deverão ser feitas ao adulto não agressor e ao abusador sexual durante a entrevista:

ADULTO NÃO AGRESSOR História de Vida 1. Como era sua família de origem? Seu pai, sua mãe, seus irmãos? Como era a disciplina em casa? Você apanhava? Muito? Mais que seus irmãos? Por quê? Você tinha amigos? Colegas? Vocês iam à igreja? Qual? Com qual freqüência? Você trabalhava em casa? E fora de casa? Quando começou a trabalhar fora? Se você pudesse, voltaria a infância? Por quê? Como foi sua adolescência? Que sonhos você tinha? Com que idade você começou a namorar? Como foram seus namoros? Você se casou? Quantas vezes? Por quê? 2. Você sabe o que é abuso sexual? Você sofreu algum tipo de abuso sexual quando era menino(a)? E quando era adolescente? Como foi? Com quem foi? O que você sentiu? Você contou a alguém? Quem? Alguém a ajudou? Quem? Alguém a condenou? Quem?

Sua Família 1. Como é sua família? Como é cada pessoa da sua família? Os meninos e as meninas da sua família são tratados da mesma forma? Têm as mesmas responsabilidades? Que castigos você costuma aplicar para discipliná-los? Como você classifica esses castigos: severos ou leves? Como é o dia-a-dia de sua família? Vocês fazem alguma atividade juntos? Quais? Você tem amigos? Quem? Descreva seu bairro. Agora descreva sua casa. | 78


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LIÇÃO 5

2. Como é seu atual companheiro? O que você acha dele? Por quê? Quais são os defeitos dele? E as qualidades? 3. Você engravidou porque quis? Como é seu relacionamento com seu companheiro? Vocês se abraçam e se beijam? Vocês ficam nus na frente da criança? Vocês fazem sexo no mesmo quarto onde ficam as crianças?

O abuso sexual 1. Como você ficou sabendo do abuso sexual? Quem contou a você? Quando? Como foi? O que foi dito? Quem abusou? Quando ocorreu? Onde você estava quando isso ocorria? Como você descreveria a criança vitimizada? De quem você acha que foi a principal responsabilidade pelo o que ocorreu? Por quê? 2. Qual foi sua reação quando você soube? Você teve dúvidas? Você falou com seu(s) outro(s) filho(s) sobre isso? Como você fez? Você falou com seu companheiro sobre isso? Como ele reagiu? Como você falou sobre isso fora da família? 3. Qual foi a reação do seu companheiro? O que ele falou? Você acreditou nele? Por quê? 4. Qual foi a reação do(a) seu(sua) filho(a) vitimizado(a)? Você acreditou nele(a)? Por quê?

Efeitos 1. Qual o efeito da revelação do abuso em relação a você e na sua relação com: a) seu companheiro? b) seu(sua) filho(a) vitimizado(a)? c) seus outros filhos? d) seus familiares? e) você mudou como mãe? Como mulher? Como esposa? Em que sentido? 2. Qual a principal lição que você aprendeu? O que diria a outras mães para prevenir o abuso sexual de crianças dentro de casa?

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Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes na Modalidade Abuso Sexual

Encerramento 1. Há alguma coisa que você ainda gostaria de dizer? Como você se sentiu com essa entrevista?

ADULTO ABUSADOR História de Vida 1. Como era sua família de origem? Seu pai, sua mãe, seus irmãos? Como era a disciplina em casa? Você apanhava? Muito? Mais que seus irmãos? Por quê? Você tinha amigos? Colegas? Vocês iam à igreja? Qual? Com qual freqüência? Você trabalhava em casa? E fora de casa? Quando começou a trabalhar fora? Se você pudesse, voltaria a infância? Por quê? Como foi sua adolescência? Que sonhos você tinha? Com que idade você começou a namorar? Como foram seus namoros? Você se casou? Quantas vezes? Por quê? 2. Como foi sua iniciação sexual? Com quem? Quantos anos você tinha? Foi uma experiência boa? Por quê? 3. Você sabe o que é abuso sexual? Você sofreu algum tipo de abuso sexual quando era menina? E quando era adolescente? Como foi? Com quem foi? O que você sentiu? Você contou a alguém? Quem? Alguém a ajudou? Quem? Alguém a condenou? Quem? 4. Você já assistiu filmes pornográficos? O que sentiu? Você já colecionou material pornográfico? Para quê? Você gosta deste tipo de material? 5. Com quem você sempre preferiu fazer sexo: com mulheres feitas ou com mocinhas? Por quê? 6. Você tem fantasias sexuais? Quais? O que você sente? Quem está sempre nessas fantasias? Por quê? 7. Se na nossa sociedade não existissem regras, nem leis e você fosse totalmente livre para viver como bem quisesse, como viveria do ponto de vista sexual?

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Sua Família 1. Como é sua família atual? Como é cada pessoa da sua família? Como você trata cada um deles? Os meninos e as meninas da sua família são tratados da mesma forma? Têm as mesmas responsabilidades? Que castigos você costuma aplicar para discipliná-los? Como você classifica esses castigos: severos ou leves? Como é o dia-a-dia de sua família? Vocês fazem alguma atividade juntos? Quais? Você tem amigos? Quem? Descreva seu bairro. Agora descreva sua casa. 2. Como é sua atual companheira? O que você acha dela? Por quê? Quais são os defeitos dela? E as qualidades? 3. Você e sua mulher já enfrentaram ou enfrentam problemas conjugais? Como é seu relacionamento com sus companheira? Vocês se abraçam e se beijam? Vocês ficam nus na frente da criança? Vocês fazem sexo no mesmo quarto onde ficam as crianças? 4. Você já usou ou usa ainda álcool? Com qual freqüência? Você chega a ficar bêbado? E droga? Já usou? Quando? Qual tipo? Por quê?

O abuso sexual 1. O senhor está sendo acusado de abusar sexualmente do(a) seu(sua) filho(a). O que o senhor tem a dizer sobre isso? Caso confirme, perguntar: Como ocorreu? Quando começou? Com qual freqüência? O que você fazia? O que você sentia/sente pela criança? Você abusou de outras crianças? Como você descreveria a criança vitimizada? De quem você acha que foi a principal responsabilidade pelo o que ocorreu? Por quê?, etc... Caso negue, empregar estratégias alternativas de discussão do fenômeno; Qual foi sua reação quando você foi acusado do abuso? Quem o acusou? Como você se sentiu? Você falou com seu(s) outro(s) 81 |


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filho(s) sobre isso? Como você fez? Você falou com sua companheira sobre isso? Como ela reagiu? Como você falou sobre isso fora da família? Qual foi a reação da sua companheira? O que ela falou? Ela acreditou em você? Qual foi a reação do(a) seu(sua) filho(a) vitimizado(a)?

Efeitos 1. Qual o efeito da revelação do abuso em relação a você e na sua relação com: a) sua companheira? b) seu(sua) filho(a) vitimizado(a)? c) seus outros filhos? d) seus familiares? e) você mudou como pai? Como homem? Como marido? Em que sentido? 2. Qual a principal lição que você aprendeu? Quais são seus planos para o futuro? Como pretende executá-los?

Encerramento 1. Há alguma coisa que você ainda gostaria de dizer? Como você se sentiu com essa entrevista?

4ª FASE: RELATÓRIO DAS ENTREVISTAS (DEVOLUTIVA)

Dependendo do caso concreto o relatório das entrevistas deve ser feito com toda a família reunida ou apenas com parte dela. A família deve ser informada pela instituição sobre quais os encaminhamentos que deverão ser feitos. São exemplos de encaminhamentos: envio do caso à Delegacia de Polícia ou Ministério Público para investigações mais aprofundadas e responsabilização do abusador, além de acompanhamento social e psicológico.

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5ª FASE: ENCAMINHAMENTOS

Vamos abordar esse tema mais detalhadamente no módulo sobre o Sistema de Garantia de Direitos. Entretanto alguns comentários serão feitos a fim de situar melhor a metodologia do atendimento a vítima de abuso sexual. São encaminhamentos imprescindíveis para um melhor acompanhamento do caso junto à família: depoimento na delegacia do abusador, vítima e testemunhas; Exame de Corpo Delito da vítima; audiência em juízo.

Depoimento na Delegacia

Antes de levar o caso concreto até a Delegacia de Polícia, o profissional deve conversar com a criança vitimizada e detalhar, para a mesma e seu representante legal, quais serão os procedimentos tomados pelo delegado.

Infelizmente nem todas as cidades brasileiras possuem delegacias especializadas no atendimento de crianças e adolescentes vitimizados. O ideal seria que esse depoimento fosse colhido por um delegado sensibilizado para a gravidade do fenômeno e que pudesse contar com a assessoria de um psicólogo, propiciando à criança um ambiente reservado e acolhedor. Entretanto, nossa realidade é bem outra. Geralmente a delegacia de polícia, por si só, é um ambiente assustador e que pode gerar culpa e constrangimento na criança, principalmente se esta considerar que “ela está lá e vai ser presa pelo o que fez ou contou”.

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TOME NOTA Exame de Corpo Delito Após o registro do Boletim de Ocorrência na delegacia, é comum, havendo suspeita ou confirmação de abuso sexual, o delegado expedir uma guia requisitando o exame de corpo delito, sendo esse de dois tipos: a) Exame para suspeita de conjunção carnal b) Exame para suspeita de prática de atos libidinosos

TOME NOTA De acordo com Azevedo e Guerra(2000), algumas regras básicas devem ser obedecidas a fim de fornecer maiores subsídios para o exame de corpo delito: O exame deve ser feito até 24 horas após a violência (ocorrendo risco de gravidez) e dentro de 48 horas nos demais casos. A vítima deve ficar sem tomar banho e sem fazer higiene íntima ou trocar de roupa até o exame ser realizado. Tal medida evitará que se apague possíveis provas e vestígios do crime.

Já existem alguns estados no Brasil em que o exame de corpo delito é realizado em um hospital de referência e não mais no Instituto Médico Legal. Geralmente é feito um convênio onde, quando acontece um caso concreto de abuso sexual, o IML é acionado pelo hospital e encaminha um médico legista para realizar o exame de corpo delito. Um dos exemplos onde esse modelo já se encontra funcionando é a capital do Paraná, Curitiba, no hospital Pequeno Príncipe que realiza atendimento a crianças de até 12 anos e no hospital Evangélico que atende vítimas acima de 12 anos em diante.

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Muito tem se discutido sobre a natureza desse exame. Questões como o porquê de somente o perito poder fazê-lo e não o médico da criança (que poderia aqui ser a pessoa de confiança) são comumente levantadas pelas entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Outra questão é a exposição que alguns médicos-peritos colocam a vítima, ao realizar o exame sem qualquer privacidade para a mesma ou as colocando em situações traumatizantes. É importante que todos os profissionais que lidam com esse segmento da população estejam bem treinados. O referido exame precisa ser feito por um médico humanizado, preparado, que explique à vítima o que é o exame, como será feito, qual sua importância... Tudo numa linguagem acessível à criança.

Audiência Na fase processual a criança vitimizada terá que relatar todos os fatos novamente. Na audiência, a criança-vítima deve dizer ao juiz o que o agressor lhe fez, confirmando a versão já relatada no inquérito policial.

Cada equipe acompanhará de perto os desdobramentos decorrentes da revelação do “segredo”, apoiando e orientando a família, especialmente a criança-vítima. O setor social deverá acompanhar as conseqüências no círculo de relações e apoio à família, as relações na escola, no grupo de amigos, na igreja, na família extensiva, no trabalho, o cumprimento dos encaminhamentos realizados, o suporte para a manutenção destes, etc...

A criança deverá ser informada de que a confirmação do abuso poderá acarretar na CONDENAÇÃO DO ADULTO AGRESSOR.

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6ª FASE: ACOMPANHAMENTO INSTITUCIONAL A presença do agressor na sala de espera do tribunal (ou até mesmo na sala da audiência) pode ser prejudicial à criança. Os advogados da instituição, enquanto advogados da criança-vítima, poderão figurar como assistentes da acusação e devem recorrer ao direito que a vítima tem de dar seu depoimento em data diferente do agressor. Trata-se de uma medida protetiva para que a vítima não se depare com o mesmo nesta fase.

O acompanhamento deve ser feito por três áreas chaves da instituição: Serviço Social, Psicologia e Direito. Caso a instituição não disponha de uma equipe técnica multiprofissional devem ser feitos encaminhamentos para obter os serviços disponibilizados através da rede de defesa da criança existente no município.

7ª FASE: ENCERRAMENTO DO ATENDIMENTO A vítima poderá manifestar mudanças de comportamento na escola ou apresentar “deficiência” no rendimento acadêmico em decorrência do abuso. Neste caso, os professores deverão ser orientados a lidar com as dificuldades da criança. É importante sensibilizar os professores no sentido de manter o sigilo e a discrição.

A família incestogênica deverá ser acompanhada durante, pelo menos, cinco anos. O encerramento do caso poderá ser feito quando: a) O abuso sexual tiver cessado e a vítima estiver protegida; b) O processo judicial encerrado; c) O grupo familiar mostrar que consegue caminhar sozinho, sem riscos de uma revitimização e que consegue lidar com a devastação trazida pelo incesto.

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a) O abuso sexual doméstico contra crianças e adolescentes V possui natureza incestuosa e por isso mesmo é bastante debatido dentro da sociedade que não alimenta preconceito algum em relação ao fenômeno. b) Quando pensamos em violência sexual, a maioria das V pessoas associa logo à prática do estupro ou atentado violento ao pudor, entretanto esse fenômeno pode se manifestar de diversas formas, inclusive com ou sem contato físico. c) As crianças possuem imaginação fértil e quando se queixam V de estare sendo vítimas de abuso sexual estão simplesmente fantasiando uma história. d) Os pais, cujos filhos foram vítimizados sexualmente, devem sempre buscar ajuda para os mesmos. Esconder um caso de V abuso sexual debaixo do tapete pode custar muito caro à saúde emocional da criança e de sua família.

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2. Marque Falso (F) ou Verdadeiro (V): a) Quer seja a violência sexual praticada com abuso da força V física, ameaça ou indução da vontade, ela sempre estará revestida de abuso psicológico.

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b) A modalidade de incesto mais frequente é o ocorrido entre V pai e filha.

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c) Quando o agressor é o pai, na maioria das vezes a mãe tem consciência do que está acontecendo, entretanto demora ou V se recusa a admitir os claros sinais da prática incestuosa devido o medo.

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d) A maioria das familiares, após a fase da revelação, passa a V admitir a prática do incesto e busca ajuda.

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3. Marque Falso (F) ou Verdadeiro (V): a) Os relacionamentos existentes entre os membros de uma família incestogênica são doentios e extremamente tensos. A violência, a falta de respeito, a traição, a insegurança e a mentira V se fazem presentes de forma marcante dentro desses lares. b) O agressor que pratica o incesto é uma pessoa aparentemente normal, capaz de ser bem sucedida profissionalmente e de gozar V de boa reputação no meio social.

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EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM

1. Marque Falso (F) ou Verdadeiro (V):

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c) O agressor que pratica o incesto consegue parar sozinho a V prática do abuso sexual, sem ajuda de terceiros.

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d) O agressor que pratica o incesto quando descoberto, nega sistematicamente o abuso, acusando terceiros de terem V cometido o mesmo.

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4. Marque Falso (F) ou Verdadeiro (V): a) Os sobreviventes de incesto temem se envolver e criar vínculos duradouros. Confiar nas pessoas é algo extremamente V difícil já que experimentaram a dor da traição por parte daqueles que mais amava.

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b) Nem todos reagem ao abuso sexual da mesma forma. Cada caso deve ser analisado individualmente. Existem pessoas que apesar de ter sofrido violência sexual conseguem superar a V experiência com mais facilidade do que outras.

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c) O abuso sexual de uma criança produz seqüelas profundas em sua vida, principalmente na área espiritual. Geralmente as V vítimas alimentam uma imagem distorcida do caráter de Deus.

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5. Marque Falso (F) ou Verdadeiro (V): a) Quando a rede de profissionais entra em contato com a família incestogênica o abuso deixa de ser apenas um problema V familiar e passa a constituir um desafio multiprofissional. b) Durante a primeira entrevista o assunto do abuso sexual V deve ser logo abordado, mesmo que a criança não faça menção do mesmo.

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c) A família incestogênica geralmente protege suas crianças e diante da descoberta do abuso sexual se coloca abertamente V contra o abusador.

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d) Dependendo do caso concreto o relatório das entrevistas deve ser feito com toda a família reunida ou apenas com parte. A família deve ser informada pela instituição quais os encaminhamentos que deverão ser feitos. São exemplos de V encaminhamentos: envio do caso à Delegacia de Polícia ou Ministério Público para investigações mais aprofundadas e responsabilização do abusador, além de acompanhamento social e psicológico.

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AZEVEDO, Eliane Christovan. Atendimento Psicanalítico a crianças e adolesdentes vítimas de abuso sexual. In: Revista psicologia ciência e profissão. Ano 21, nº 3, 2001 AZEVEDO, M.A. e GUERRA, V.N.ª (2000). Telecurso de Especialização na Área da Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes. São Paulo.2000. AZEVEDO, M.A. e GUERRA, V.N.ª (1989). Crianças vitimizadas, A síndrome do pequeno poder. Violência física e sexual contra crianças e adolescentes, Iglu Editora, São Paulo. AZEVEDO, M.A. e GUERRA, V.N.ª (1994).Infância e violência doméstica: Perguntelho, O que os profissionais querem saber. IPUSP/ Lacri. São Paulo. AZEVEDO, M.A. e GUERRA, V.N.ª (1994).Infância e violência doméstica no Brasil. IPUSP/Lacri. São Paulo. COURTOIS, Christine, Healing The Incest Wound: Adult Survivors in Therapy. N.Y: Norton, 1988 CHARAM, Isaac. O estupro e o assédio sexual. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997. CUKIER, Rosa (1998) – Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama adulto. São Paulo: Agora. DIMENSTEIN, Gilberto (1996). “Reunião discute abuso sexual infantil”, Folha de são Paulo (26/08/96) DUNAIGRE, Patrice. O ato pedófilo na história da sexualidade humana. In: UNESCO. Inocência em perigo: abuso sexual de crianças, pornografia infantil e pedofilia na Internet. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. DUNCAN, S. & BAKER, T. (1986). Child sexual abuse – Recent advances in pediatrics. Roy Meadow (ed). FALEIROS, Vicente de Paula. Redes de exploração e abuso sexual e redes de proteção. In: Silva, Luiz Palma & Atanisci, Silvia Andrade. Para combater a violência: (Papel da família e da assistência social na ação junto a criança e adolescentes. Brasília: MPAS/ SEAS; São Paulo: FUNDAP, 2000 FINKELHOR, David. Child Sexual Abuse. New York. The Free Press FRANK, Jan. (1994). Uma porta de esperança. Editora Candeia, São Paulo FURNISS, Tilman (2002). Abuso sexual da criança: uma abordagem multidisciplinar. Tradução. Maria Adriana Veríssimo Veronese. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. GAUDERER, Christian. Sexo e sexualidade da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1996.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KORNFIELD, Débora. Vítima, sobrevivente, vencedor! Editora Sepal, 2000 LANGBERG, Diana Mandt. (2002). Abuso Sexual – aconselhando vítimas: tradução Werner Fuchs, Curitiba: Editora Evangélica Esperança. Título do original: Counseling Survivors of Sexual Abuse, Tyndale House, Wheaton MARSHALL,W.L.,D.R.Laws e H. E. Barbaree. (1990). Handbook of Sexual Assault, Plenum Press, New York. MILLER, A . (1990). Banished Knowledge. Facing childhood injuries. New York: Doubleday YANCEY, Philip (1988). Decepcionado com Deus. Tradução: Márcio Loureiro Redondo. São Paulo. Editora Mundo Cristão RUSSELL, Diana E. H. (1986). The Secret Trauma: Incest in the Lives of Girls and Women. New York. Basic Books. SAFFIOTTI, Heleieth. A exploração sexual de meninas e adolescentes: aspectos históricos e conceituais. In: BONTEMPO, Enza Bosetti et alli (org.). Exploração sexual de meninas e adolescentes no Brasil. Brasília: UNESCO/CECRIA, 1995. SILVA,Valmir Adamor . Nossos desvios sexuais. Rio de Janeiro: Ediouro, 1986. VIGARELO, Georges. História do estupro: violência sexual nos séculos XVI-XX. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1998. VAZ, Marlene. A situação do abuso sexual e da exploração sexual comercial contra crianças e adolescentes no Brasil. In: COSTA, João de Deus. Rompendo o silêncio: seminário multiprofissional de capacitação sobre abuso e exploração de crianças e adolescentes – textos e anotações. São Luis, 1997.

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Modalidades Abuso Psicológico e Negligência

O Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef em parceria com o Centro de Combate à Violência Infantil - CECOVI, desenvolveu uma metodologia de aprendizagem à distância cujo objetivo é capacitar profissionais que fazem parte do Sistema de Garantia de Direitos para o enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes. O programa aborda o fenômeno da violência intrafamiliar na infância e adolescência através de seminários sensibilizadores, módulos e vídeo conferências. O presente curso consiste num projeto piloto realizado no estado do Rio Grande do Norte e que conta com a implantação e monitoramento do Centro de Combate à Violência Infantil CECOVI e a articulação e mobilização da Secretaria da Ação Social do Estado do RN, através da Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC). O modelo aqui exposto poderá ser replicado através de parcerias com governos, iniciativa privada e sociedade civil, desde que conte com autorização expressa do Unicef.

A autora, Maria Leolina Couto Cunha é advogada, com especialização em Direito Penal pela Universidade de Mogi das Cruzes e em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo Instituto de Psicologia (USP/LACRI). Presidente fundadora do Centro de Combate à Violência Infantil - CECOVI, onde exerce atualmente o cargo de coordenadora nacional.


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