Casulo 12 2

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Literatura, Resistência e Desobediência É preciso estar atento e forte Não temos tempo de temer a morte (Caetano Veloso)

Expediente Eduardo Lacerda leonardo MAthias Nathan Matos Ricardo Escudeiro

Vivemos dias de retrocesso em nosso país. O recente golpe de Estado não só criou uma instabilidade política e social, como trouxe ao poder forças conservadoras, ansiosas em retirar ainda mais direitos: sociais, trabalhistas, econômicos e culturais. Esta não é uma publicação política, nem partidária, embora Drummond já tenha antecipado que o nosso tempo é tempo de partidos, de homens partidos. É uma publicação literária, mas decidimos (mesmo correndo risco de alguma censura, já que é uma publicação com patrocínio - para os números 11 e 12 - da Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo) marcar nossa posição: desejamos um país melhor e mais justo para todos e todas. Resistir e Desobedecer, nossos temas amplos, gerais e irrestritos em quase 100 páginas dedicadas à poesia e a alguns questionamentos sobre literatura e cultura. Aproveitamos para agradecer a todos e todas que durante o último ano nos enviarem textos e poemas (recebemos centenas de colaborações de todo o país). Desejamos ótimas leituras e, principalmente, diálogos e encontros entre aqueles que acreditam que amar e mudar as coisas ainda nos interessa mais.


MATÉRIA

A literatura como um espaço em disputa. poemas MATÉRIA

Saraus periféricos: 15 anos de resistência. poemas MATÉRIA

Literatura Feminina: como é que chegamos aqui?

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A literatura como por Regina Dalcastagnè (Universidade de Brasília)

Os brancos dormem muito, mas só sonham com eles mesmos. Davi Kopenawa, A queda do céu Desde os tempos em que era entendida co4

mo instrumento de afirmação da identidade nacional até agora, quando diferentes grupos socito à diversidade àquelas que a prescrevem como ais procuram se apropriar de seus recursos, a remédio para todas as mazelas sociais (da desinliteratura brasileira é um território contestado. formação à ausência de cidadania), podemos Muito além de estilos ou escolhas repertoriais, o acompanhar o processo de idealização de um que está em jogo é a possibilidade de dizer sobre meio expressivo que é tão contaminado ideolosi e sobre o mundo, de se fazer visível dentro degicamente quanto qualquer outro, pelo simples le. Hoje, cada vez mais, autores e críticos se mofato de ser construído, avaliado e legitimado em vimentam na cena literária em busca de espaço meio a essas disputas por reconhecimento e po– e de poder, o poder de falar com legitimidade der. Ao contrário do que apregoam os defensores ou de legitimar aquele que fala. Daí os ruídos e da arte como algo acima e além de suas circunso desconforto causados pela presença de novas tâncias, o discurso literário não está livre das invozes, vozes “não autorizadas”; pela abertura de junções de seu tempo e tampouco pode prescindiferentes abordagens e enquadramentos para se dir dele – o que não o faz pior nem melhor do que pensar a literatura; ou, ainda, pelo debate da eso resto. pecificidade do literário, em relação a outros modos de discurso, e das questões éticas suscitadas É justamente por estar enraizada em nosso contexto social que nossa literatura nos exprime, por esta especificidade. em nossas angústias e nossos desacertos. E ela faz É muito comum, ao se falar de literatura, penisso não apenas pelo que nos diz, mas também sar num campo de liberdade, lugar frequentado por aquilo sobre o qual cala. Sendo assim, é prepor qualquer um que tenha algo a expressar sociso lembrar, em primeiro lugar, que o campo libre o mundo e sua experiência nele. Das teorias terário brasileiro ainda é extremamente homogêneo. que afirmam a literatura como um espaço aber-


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Não há dúvidas de que nos últimos tempos houve uma ampliação de espaços de publicação, seja nas grandes editoras comerciais, seja a partir de pequenas casas editoriais, em edições pagas, blogs, sites etc. Isso não quer dizer que esses espaços sejam valorados da mesma forma. Afinal, publicar um livro – um conjunto de páginas impressas e encadernadas – não transforma ninguém em escritor, ou seja, alguém que está nas livrarias, nas resenhas de jornais e revistas, nas listas dos premiados dos concursos literários, nos programas das disciplinas das universidades e escolas, nas prateleiras das bibliotecas. Basta observar quem são os autores que estão contemplados em vários dos itens citados, como são parecidos entre si, como pertencem a uma mesma classe social, quando não têm as mesmas profissões, vivem nas mesmas cidades, tem a mesma cor e, em geral, o mesmo sexo... Por isso, a entrada em cena de autores (ou autoras) que destoam desse perfil causa desconforto quase imediato. A taxista da esquina, o senhor que conserta geladeiras, o cabelereiro do shopping, a faxineira do prédio – são pessoas que certamente têm muitas histórias para contar. No entanto, quem visualizaria seus retratos na orelha de um livro, quem pensaria neles como escritores? A imagem não combina, simplesmente porque não é esse o retrato que estamos acostumados a ver, não é esse o retrato que eles estão acostumados a ver, não é esse o retrato que muitos defensores da Língua e da Literatura (tudo com L maiúsculo, é claro) querem ver. Afinal, nos dizem eles, essas pessoas têm pouca educação formal, pouco domínio da língua portuguesa, pouca experiência de leitura, pouco tempo para se dedicar à escrita.


Mas são justamente essas vozes, que se encontram nas margens do campo literário, essas vozes cuja legitimidade para produzir literatura é permanentemente posta em questão, que tensionam, com a sua presença, nosso entendimento do que é (ou deve ser) o literário. É preciso aproveitar esse momento para refletir sobre nossos critérios de valoração, entender de onde eles vêm, por que se mantém de pé, a que e a quem servem... Afinal, o significado do texto literário – bem como da própria crítica que a ele fazemos – se estabelece num fluxo em que tradições são seguidas, quebradas ou reconquistadas e as formas de interpretação e apropriação do que se fala permanecem em aberto. Ignorar essa abertura é reforçar o papel da literatura como mecanismo de distinção e da hierarquização social, deixando de lado suas potencialidades como discurso desestabilizador e contraditório.

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Colisão Eu ponho um fim às coisas, elas desobedecem, reinauguram-se e retornam pela mesma estrada. Na contramão.

[e se colocar uma grade? eles pulam?] andaram escrevendo no muro outra vez desta vez, em letras manchadas a óleo e qualquer outra substância de consistência parecida com aquela que senti na garganta quando descobri que as fábulas tinham uma lição andaram escrevendo no muro outra vez resolvi sobreviver à beleza e afogar-me meio tonto meio torpe em qualquer riacho onde consiga ver claramente o reflexo do Sol nos meus olhos e o mundo refletido na pedra

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andaram escrevendo no muro outra vez sonhei ontem que o muro estava limpo

é poeta viciado em prosa, que escreve como aprendeu a ler: sem entender ao certo, mas descobrindo magias.

Arthur Bugelli

é autora de Luas Novas e Antigas (edição da autora, 2009). Ensaios da Tarde, (Editora Coruja, 2012) e Eternidades na palma da mão (Editora Patuá, 2015)

Mara Senna


ANJO CAÍDO Impulso, sapeca anjo caído num ímpeto acende o fósforo, mergulha na paixão olha de longe, arrependido, incêndio que crepita insulto fogo que cospe fagulha faz anos, um bandido que desobedece à razão

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Virginia Finzetto é paulistana, jornalista, escritora e editora de livros. Desde 2004, tem seus poemas publicados em seu blog, nas redes sociais e no Livro da Tribo.

Viviane de Santana Paulo (São Paulo), poeta, tradutora e ensaísta.

também há força na mudez até aonde estenderíamos o tempo ao sermos dois ponteiros parados um em cima do outro assim estamos no meio da cama à uma e cinco da madrugada sem roupas as coisas agora indefesas vulneráveis e orgulhosas também há força na nudez entrega e confiança descansam as máscaras em algum lugar jogadas no chão ao lado das aflições corriqueiras ao lado de alguma trivialidade imanente somos dois mecanismos em direções diferentes mas precisamos dos nossos encontros como os ponteiros precisam do tempo


Lázara Papandrea graduada em História pela Universidade do Vale do Sapucaí e pós graduada em Teoria Literária pela Universidade Federal de Juiz de Fora, coautora no livro de poemas “Exercícios de Olhar” editado pela FUNALFA em 2011, participou da antologia poética “Juiz de Fora ao Luar” pela Gryphon Edições em 2015 e lançou em janeiro de 2016, pela Penalux, “Tudo é Beija-Flor”, escreve regularmente no blog: www.vestesdepalavras.blogspot.com)

-Metamorfose:

ignorava conselhos, Descamo-me desta pele e das outras que a circundam até dar num osso branco (branco de doer os olhos de tão branco) -Já tentei o abismo e me perdi na fundura e na rasuraOsso branco descascando, descascando, e eu... só baba! A ideia da raspagem já me cura. Osso branco seco, sumindo na minha fissura por ossos bem raspados Ossos brancos sucumbidos à vontade de limpar o âmago de mim de tudo que já me habitou. Osso branco oferecido ao deus do esquecimento Depois, uma licença para imergir nas águas do Lethe e colher a minha flor da escuridão.

intravenoso ou nem tanto 10

eu tava dentro de você o poente cheirava o mar num ritual silente lento lento e todo o ritual lento lento era levado muito a sério feito os new junkies da augusta com a cocaína contada no banheiro duma balada indie eu tava dentro de você e aquilo tudo acontecia do lado de fora da janela do hotel em salvador mas o fato é que pouco importa o poente o quadro do jesus crucificado a cama rangendo com o ruge da parede o disco do the doors mal escolhido praquela foda que mais lembrava ler tchekhov pela primeira vez: uma colisão agridoce; choque de temperatura depois de vinte um anos de banho maria. é eu tava dentro de você imaginava tua futura mulher vera chorando sobre o teu tumulo com o filho túlio e margaridas amarelas sim amarelas mesmo como naquele poema do drummond bem medrosas como a profecia encomenda imaginava todo o nosso amor que não passou deu estar dentro de você por um tempo que mais parecia uma rasteira de zagueiro e sobretudo imaginava a deliciosa imprudência de não fazer questão de não lembrar teu nome assim que a família lousada pousar as malas sobre essa cama já e novamente e daí pra frente muito bem arrumada.

Natasha Felix nasceu em 1996. Cursa o segundo ano de Letras na Universidade de São Paulo nas horas vagas.


DA TOPOGRAFIA DA PARÓDIA I Nas alturas encostam olhos vidro enevoa passarinho precipícios sobem ao sonho Sonho arredondando outros sóis passarinho espichando o canto olhos abrindo lá de encontros Sóis aqui, sua voz seus pousos : Olhos sobre a cordilheira descreem dos voos de planície

Marco Aqueiva é autor dos livros de poesia Germes entre dias brancos e O azul versus o cinza, ambos publicados pela Patuá. Email: marco.aqueiva@gmail.com

II Lentes para a topografia da cordilheira dos sonhos das depressões regidas pelo cinza Giz de algaravia, seus delírios para um homem transcrever-se os fios de seu corpo seus outros Apagador para desfazer o arremedo de paisagem seus olhos voz nuvens seus pousos A respiração de um cabeça oca

SEQUELA Vejo raízes quadradas sextilhas e hipotenusas o espasmo no lampejar distante

HIROSHIMA, MON AMOUR

Yuri Hícaro

Uma hora me conserta, no escuro. Um poeta é só ferramentas de corte e silêncio.

Escritor Potiguar, formado em letras pela UERN. Autor do livro Um Canto Conforme a Noite (2013/independente)

Uma metáfora consome semanas de voz e de luz. E Só o tempo é reator do caos, enquanto o homem semeia destinos.

o panteísmo que me trouxe ao abismo delirante.

Ramon Diego Câmara Rocha é graduado em letras português/francês pela UFS e reside na cidade de Nossa Senhora da Glória, no estado de Sergipe.

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ENLACES (LA EXPLICACIÓN DEL GOLPE) I O Cristo libertário de Orozco Arrebentando sua cruz a machadadas Como Bashô observando o rio II Entre as cercanias do vento outros nadadores mortos atravessam o canal chegam à praia e se acorrentam no sol. 12

III Ilusionistas desafiam arranha-céus e somem entre as trincas do concreto restaurado. IV Na noite extensa todos se entendem menos os poetas

Mão Aderente mão Acaricia-me a pele_poema Com sua rosada vertente Pulsa Expulsa Construa a cor a palavra o som A parte de mim mais quente Anátemas Aforismos Ágoras Afrodite_me Amante mão Acompanha-me como Dante Ao céu inferno em meu universo mais íntimo O significante A concretude A parte de mim mais lânguida Insinuante Tinta de rio_sangue descreva-me as entranhas Linha a linha O significado A Cátedra O Esquema Versos divinos em mão brincante!

V menos as putas VI menos os pugilistas VII 7º round. LEANDRO RODRIGUES é professor de literatura e poeta em Osasco-SP, onde nasceu em 06/01/1976 e ainda hoje reside. É casado e tem um filho. Já publicou poemas em quase todos os principais sites e revistas literárias do país.

Sílvia Schmidt é nascida em São Paulo Estudou Letras em Lorena, Comunicação e Semiótica na PUC/SP, Sociologia e Política/ USP, e Ontopsicologia em SC. Ministrou aulas de Literatura Brasileira por quase 20 anos mas precisou ir além: hoje, busca na carreira de escritora e editora, o mesmo resultado obtido em sala de aula: “o prazer do con_texto.” Seu foco principal é trabalhar a linguagem multimidiática e eletrônica.


Muitas vezes, por noite em que as estrelas marchetam

o céu, tenho pulsado à sensação de notas errantes, de sons vagos que as aragens trazem. Cruz e Sousa, “Som”

notas errantes sons da noite extratos de hoje e do antes o entendimento nu dos amantes nas basculantes semiabertas solfejam leves ruídos hesitantes

que fossem distantes as vozes que estivessem inclusas nos nortes se não há mais silêncio como nos vilarejos serranos nem existe uma natureza com seus ruídos misteriosos se as folhas agora fremem com o vento anormal da mente entendo esses acordes dissonantes a penetrar pela pauta sonolenta dos meus instintos vigilantes a versão que as estradas ao longe trazem de um murmúrio de esquecido e enfermo gigante

RE FLEX ÃO

Sou casca no chão Sou raspa de pote Sou minha insurreição!

Rubens Jardim 69 anos, fez parte da Catequese Poética nos anos 60, participou da 1ª Bienal Internacional de Poesia e publicou 3 livros. No seu blog www.rubensjardim.com divulga AS MULHERES POETAS...

Elisa Andrade Buzzo

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é escritora em Araraquara. Lançou recentemente seu livro “Desconstrução” (Patuá, 2015) e tem outros quatro livros editados.

Vivian de Moraes

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no cume meus pés cobertos de formigas trabalhadeiras eu sou vagabunda como a onda que crepita lá embaixo pés, mel, dissolução do corpo no ato do alto.

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CRISPO toda a vulgaridade do mundo toda a vulgaridade do mundo num cabelo sem corte e dois joelhos ralados e vários hematomas pelo corpo filho. aqui quem fala é a tua mãe. corta esse cabelo e vem pra casa. mãe esse mundo não me aguenta. mãe eu nasci pra me esfolar nesse asfalto mãe toda a vulgaridade do mundo toda a vulgaridade do mundo no meu cabelo sem corte e nos meus joelhos cortados e no meu corpo queimado de sol. A Felicidade pesa tanto que dobrando a esquina caio pra frente esfolo as mãos no asfalto quente as chagas dos meus quinze anos.

Fernanda Cimetta Lopes tem 19 anos e escreve com a mão direita.

Clamor vem comigo se você não se recusa a ver que todo afago se atravessa de um roçar bruto que todo amor é um ofício atroz de peritos desastrados vem comigo se você não se recusa a ver que coisas como acupuntura foram inventadas por aqueles que conhecem mil e uma técnicas de apedrejamento

Marcus Groza Groza é palavrero e devoto do céu violado. Autor do livro Sossego Abutre (Ed. Patuá - 2015) e coeditor da Revista Saúva e da Revista Abate.

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LEPRA faltou uma garrafa de óleo um quilo de feijão um litro de leite buscou comprado faltou salário pro especial pro cartão pro síndico tomou emprestado faltou crédito pro banco pro outro banco pro outro também ficou chocado

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sem nada e nem de onde tirar devendo as calças sem pregas sem crédito pra pagar concluiu indignado: “Esses juros são é lepra! Tô fudido e mal pago!” Sabrina Dalbelo

naquela cidade existiam muitas igrejas e quase tudo estava destruído mas nossos joelhos nunca se dobraram sobre a madeira polida antiga e muito disfarçada naquela cidade não existia espaço para as lágrimas para as noites em que meu joelho se dobrava sobre o nosso chão e deixava você em gozo com o corpo e os dedos molhados naquela cidade não existia o mar do jeito que o imaginávamos: o sal das suas pernas naquela cidade eu nunca existi e nunca existiu barulho só ondas e ondas nos quebrando nos calcificando e nos levando mais longe Izabela Orlandi nasceu em Vitória, Espírito Santo, em 1991. É autora dos livros O que esperar de uma flor amarela? (Patuá, 2013) e Vão dos bichos (Patuá, 2015).


enquanto as crianças estiverem despidas no meio da rua, tremendo de frio, levando porrada, pedindo comida, abortando, com várias facadas no corpo, correndo da morte dos pais, pegadas a eles, fugidas também se rendendo, cheirando, subindo nos carros, ao longo do dia. enquanto estiverem esquecidas na porta de casa, eu não posso dormir em paz. elas brincam às vezes, e falam muito alto. Vinícius Mahier

andante moderato é dobrar a esquina dos 40 para entender a arte de se exercitar domar mente, corpo, acalmar a fera a meio caminho do ataque na jugular. Andréa Catrópa nasceu na cidade de São Paulo em 1974. É doutora em Teoria Literária e publicou o livro de poemas Mergulho às avessas (Lumme Editor : 2008).

natural de Campo Belo (MG), é graduando em Letras pela UFSJ. Escreve em nopasseiointimo.blogspot.com. “Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo”.

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ranhura ROLETA RUSSA longe da falência do pensar o instrumento também se serve das mãos vazias para encontrar a sua música o vazio é uma antítese do encontro com o nada veste-nos um verso de alguma esperança a camisa vazia da pele negar a dor é perder a vida é fingir que não seremos esquecidos mas quando há rastros de um poema o tempo hesita em fazer da poesia um barco que ficou amarrado ao passado sem memória as águas nunca saberão da travessia mas do podre da madeira que pouco a pouco morrerá (uma ilusão colhida no tempo certo pode se revelar a mais lúcida verdade) é para isso que eu escrevo: aos poucos ranhurar na morte uma ilusão

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vou preenchendo minhas lacunas como um estressado pinta seu livro de colorir porém no lugar de cores a minha paleta tem dedos balas poemas problemas e pinto com meus consolos tolos me penetro: enfim consolando-me

Bruna Kalil Othero João Augusto é poeta e jornalista (e não o inverso) Naturalidade: Bebedouro-SP

tem 20 anos e é belorizontina de raiz. Publicou, em novembro de 2015, seu primeiro livro, “POÉTIQUASE”, pela Editora Letramento. Os poemas acima são inéditos.


nota nº1 // VIGÍLIA para cidade submersa

Meus fantasmas não descansam irrompem pelas frestas dos sonhos fazem sombra aos meus pés

o fogo que aguçou minha garganta penetra doce feito mel a fenda escura e que não ouso adentrar sem pudores aquela onde se guarda feroz o anzol perdido da caça e o arpão enferrujado que aposento quando das dúvidas intercaladas pela espinha dum peixe e a gota de um vinho barato, rosado queimando a lenha lentamente me viro, do avesso e mais adiante encontro as fossas abissais da cidade submersa suas paredes bolhas seus quartos turvos uma cadeira que flutua, enquanto a velha sorri guimba no canto da boca e uma cinza de alga salgada na esquina da nossa rua revirada - agora - pelos recifes de corais que abrem e fecham os portais anacrônicos das memórias embebidas em sal, dor e des-tempo Ana Beatriz Domingues lê pouco, gosta de lichias geladas e contempla o lusco-fusco com olhos de gavião.

Meus fantasmas não descansam me espiam com chaves em punho desalinham os lençóis em que durmo Meus fantasmas não descansam sentam do lado esquerda da cama reviram gavetas e cerram janelas Meus fantasmas não descansam sussurram segredos indecentes simulam beijos no meu sexo Meus fantasmas não descansam pisam firme com seus coturnos bailam em vultos sob a luz do teto

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Meus fantasmas ossos da insônia carne do poema rasgam em sílabas a pele da palavrac

Moama Marques nascida em Pombal, sertão da PB, mora em João Pessoa e é Professora de Língua Portuguesa no RN. Por onde quer que ande, carrega na mochila um bloco de notas e um livro de poesia.


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o que as mulheres fazem aos domingos? as mulheres como nós ocultas aos domingos vadiam o quanto podem a qualquer hora e sozinhas conjuram demônios se despem das peles furam bonecos viram sirenas arpejam arrastam móveis afiam facas desaparelham-se criam olhos no rabo. as mulheres ocultas aos domingos como nós têm um duplo que sorri e conversa e cozinha e afaga e se esquece enquanto a outra bebe jarras da fonte da imortalidade.

Mulher Lontra Você me pergunta sobre o gosto da sarjeta Com a vontade de ouvir o que amarga. Sempre. Tenho a presença doce - dela - em minha boca Apesar dos dentes lascados. De lá uma vista colorida Que põe a exaurir, Fina, Meu cinza. Acaba-me o sono, cedo demais E você observa por quais poros Virá a poesia brava, retocada e sem ais. “- Dela me alimento pouco Veja cá o frágil corpo” 21

(Digo) Os versos sem sentido algum. Minha pele insiste em esmaecer Os lábios cortados, não te afeta. Todos caminham selvagens E eu animal Mulher lontra Na cidade-jaula A ruir e decorrer sobre nuas sarjetas.

maíra mendes galvão é tradutora, revisora e poeta. mora em turnos entre são paulo, alto paraíso e brasília.

Camila Passatuto 27 anos


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15 anos de ex istĂŞ n c i a Por Pricila Gunutzmann


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Hoje em dia, caminhando pela periferia da cidade de São Paulo, brincando em uma praça, em uma biblioteca pública, na escola, em uma oficina ou evento no centro e até mesmo em um bar, você será abraçado pela poesia. Isto porque os saraus periféricos, iniciados nos anos dois mil, vêm, a cada dia, ocupando a cidade – fazendo da periferia centro e também do centro periferia. 24

Esta nova cena completou, agora em 2016, quinze anos de existência. Ela foi iniciada, idealizada e trabalhada por Sergio Vaz, Marcos Pezão e Binho: os primeiros saraus de São Paulo, a Cooperifa e o Sarau do Binho começaram suas atividades em bares, onde as apresentações tinham como foco central a poesia, o rap e a música. Contudo, cada vez mais a periferia tem encontrado espaço para suas mostras de filmes, suas bandas, suas danças, seus quadros, sua literatura – ou seja, sua poesia. Com o microfone aberto, o evento permite que moradores e visitantes declamem poesias de sua própria autoria ou de outros autores. Saraus que se tornaram ponto de encontro de escritores que vêm se identificando e produzindo literatura - para alguns, a denominada literatura marginal, para outros, literatura periférica ou apenas literatura. Estes eventos são uma referência cultural na cidade, possibilitando um encontro real entre a literatura e as pessoas. Com atuação performática, os saraus iniciam com uma poesia ou recado do organizador e, posteriormente, possibilitam que qualquer pessoa possa participar recitando poe-

mas, cantando ou apresentando qualquer outra manifestação artística que deseje. Encontros que reafirmam o artista e auxiliam na divulgação de livros, projetos e também na construção de coletâneas. Os saraus periféricos dialogam com as questões dos lugares onde estão inseridos de forma a causar emoção, estranhamento e reflexão. A produção cultural vem como uma síntese dialética entre artista e contexto, implicando em consequências sociais para além do campo artístico. É a apresentação da arte comprometida com a emancipação da humanidade, empenhada no renascimento do que Marcurse (1977) chamou de subjetividade rebelde – que torna a arte uma força dissidente. Esta força vem possibilitando muitas metamorfoses na identidade dos participantes e também dos próprios saraus que mostram cada vez mais a potencialidade de transformação e intervenção na realidade. Tula Pilar, ex empregada doméstica, encontrou espaço para criar sua poesia, e permanecer ousando em uma sociedade que desejava sua omissão. Djalma Pereira, depois de aposentado, passou a plantar afetividade e tradição com seus poemas


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nos saraus do Binho. O próprio Binho tem sua história marcada pela rebeldia que somente a arte pode provocar. No sarau dos Mesquiteiros, Rodrigo Ciríaco tem sua vida movida pela arte, provocada nos saraus da Cooperifa e passa então, a provocar uma educação emancipadora, com um sarau infantojuvenil na região da Zona Leste da cidade. Os jovens e as crianças mostram a importância de saber que os diversos tipos de violência que sofrem não são naturais. A cada verso declamado, a juventude mostra sua força; a cada erro na apresentação, eles mostram a alegria que é viver e saber que importante mesmo é ser. Muitos são os relatos de envolvimento com questões existenciais, como a arte, o amor e também a sociedade, a partir da participação nos saraus. Espaços onde por meio da provocação da palavra, da imagem e do som transformam-se as concepções estabelecidas sobre relações de poder, o machismo, o racismo.

No sarau periférico há espaço para todos: jovens, velhos, tímidos, artistas, aspirantes e também para aqueles que desejam apenas assistir a um movimento artístico que busca declamar a alma marginalizada e construir uma nova personagem periférica. Agradecemos aos saraus da cidade de São Paulo, por estimular novas possibilidades de experiência, visão de mundo e desafiar a racionalidade incorporada às instituições sociais dominantes. Uma forma de subverter a experiência da arte que vem transcendendo a determinação social e possibilitando a emancipação. Viva: Sarau do Binho, Sarau da Cooperifa, Sarau dos Mesquiteiros, Sarau Suburbano Convicto, Sarau da Brasa, Sarau Elo da Corrente, Sarau O Que Dizem os Umbigos, Sarau do Coletivo Perifatividade, Poesia Maloqueirista, Sarau da Ademar, Sarau do Fundão, Poesia Maloquerista, entre tantos outros.


v ta o e de ida , a se an un , n c s s re i en N ho alg im pr o-lu da t ã o c f re u m , a od z, o é s vi uz, N c r re e v m da ã ia br ê om da da o v . o d o e s pe co ob ent c r t ra j o ns ne ra o, en ns m Pe am ct da c ça e ais lo a . s s nd en da os e eu ca ê to d a n c re m . f o an in s i l es a e ex Li do h o vr sê té os o al sc n c re da er om ia a na p s s. Im le m a n a xo ê n t é r s, ci ia as .

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pela sacada do enésimo andar ficaram eretos para desenhar pássaros no alto das pedras, e do alto das crinas puderam avistar novos capinzais. ficaram eretos para que o sol pudesse-vos olhar nos olhos e deles extrair o sal de seu líquido de fogo.

depois dos ensinamentos do branco, subiram mais e mais até o fim do azul, e, cansados de todas as cores, descobriram a transparência. ninguém teve coragem de olhar para baixo.

Nathan Sousa

TESTEMUNHA

Samara Volpony

(Arari/MA) é coautora do livro Poesia Arariense: coletânea poética em rede. Vencedora do 4º Concurso Internacional Poesia Urbana/2014.

ficaram eretos e viram crescer os fios de luz; eretos e com as mãos sujas de carvão; de tinta pré-histórica. 27

as vias por onde passo compõem meus rastros sobre as calçadas do tédio nascem flores amarguradas a cidade dorme o sono rancoroso das espécies crua e angustiada segue a vida e eu permaneço – testemunha imóvel e efêmera da bruta existência –.


O tédio de apenas haver Nessa vida pouca que não transborda nem seca O equilíbrio se mantém mas na insuficiência O incômodo é metabolizado ainda que haja insônia As intensidades tergiversam o corpo e são tediosas em altas doses de indiferença

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Bebida parca em copo porco A cor sem corpo não cabe No vazio possível, a dor suportável Pueris divertimentos, divisas e distâncias O registro se esvai, pula ao nada Divago Paro. Ou apenas continuo imóvel.

João Henrique Balbinot, Paraná

tomara que caia a libido faz morada no limite inseguro do tomara-que-caia linha tênue entre erótico e pornografia barata decote da perdição onde o suor se esconde sutil e provocativo gotas quentes do desejo que permanece indeciso não sabe se cruza a linha ou se atrela ao tecido. (Amanda Vital)

Amanda Vital nasceu em Ipatinga, Minas Gerais, no ano de 1995. Cursa Letras na Universidade Federal da Paraíba e é autora do livro “Lux” (Ed. Penalux, 2015).


Sobrevivemos ao calor de acordar perto dos olhos Sobrevivemos ao calor de acordar perto dos olhos porque algumas ausências se agravam — mesmo sem ostensiva perda óssea — conseguimos diluir um sono aceso

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no susto cujas arcadas alinham nossas lacunas: (expondo o repouso ainda difuso da vogal que aviva a chuva desembrulhada pela memória inumana)

Casé Lontra Marques nasceu em Volta Redonda (RJ) e mora em Vitória (ES). Publicou Indícios do dia, entre outros livros. Do autor: caselontramarques.blogspost.com.br.


MAMOGRAFIAS

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A palavra se sustenta com tirar o sutiã. A qualquer uma com peito, dita a voga Que se encaixe no bojo, aperte o colchete, Achate a glândula, nivele o mamilo, Repare o horror da mama extirpada, Pequena, velha, doente ou murcha de leite Para ornar com o ideal da Vênus de Milo. (E Michelangelo fez Davi com pênis miúdo?) Em palco de bar não sobe amazona, A não ser que seja para flechar estúpido. As sereias de plantão escrevem na falésia Que, mais que peito, o belo é ter coragem, Inocência de índia, memória libertária, Rebeldia resplandecente para sair à rua E decentemente tirar a blusa, Pegar a tinta e grafar a mensagem.

Chris Ritchie nasceu em Santos, SP em 8/11/67, pai escocês e mãe brasileira, da família de Vicente de Carvalho. Escreve desde antes de saber escrever, desde os dez anos produz poemas, contos e romances.


cuidado: fraude os lapsos de sanidade quando ocorrem me fazem querer fugir da frágil fraude realidade escorro corpo com vida mas morro

expõe teu urro muro

declino caminhos e torço pra que algo dentro rompa torto há de haver um jeito pra fazer o agora ser novo

Incapaz de ser o capataz de o ferro em brasa o barro em mágoa exilam a floração de setembro a ferruginosa fé fere teu não reboco

Janaína Moitinho educadora e aprendiz, poeta, paulista de alma mineira, acredita que poesia se faz e vive além das linhas e agradece os encontros, de páginas e caminhos.

Airton Souza nasceu em Marabá, no Pará. É poeta e professor e já publicou diversos livros, também coordena alguns projetos voltados à promoção do livro e leitura.

enrijecido sustenta passados medita sobre o presente tem pelo futuro um pasmo assombroso que alimenta o escuro te inquieta muro o mundo não arfa baldrames.

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Verbo transitivo direto Como dançam os cavalos estendo o corpo à direita feito colar rasgo o dia reunindo trêmulos espaços eu estendo em vertical o meu braço o cotovelo, o antebraço, o pulso e os dedos no ar como quem busca e atira uma flecha.

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Karine Kelly Pereira é artista e pesquisadora do corpo em dança e poesia. Publicou “Anotações sobre o azul” (Editora Patuá, 2016.).


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Angel Cabeza

é autor de Vidro de Guardados, poemas, e Sempre Existe um Último Momento, Crônicas. Poeta, cronista, produtor editorial e gráfico, possui textos publicados em antologias, como 29 de abril, O Verso da Violência e Qasaêd Ila Falastin — Poemas Para a Palestina.


Rabisco seu nome nas paredes torno-me amante rupestre na rua bruta procuro a sombra que avistei enquanto sobrevivia na caverna.

É que o labor a que te alças pôs no bolso de tuas calças cerca de trinta e três moedas.

E este trabalho sem pausa quem sabe fosse por causa dos objetivos que obsedas.

Na abrupta queda, suspenso, oscila o corpo imenso e impreciso que recorda um pêndulo preso à corda.

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Preso ao tempo burocrata, amarras outra gravata no pescoço. E feito o laço, empreendeste o último passo.

HORA MARCADA

Jussara Santos

Wagner Schadeck nasceu em Curitiba, onde vive. É tradutor, ensaísta, editor e poeta. Colabora com a Revista Brasileira (ABL), com a Revista Poesia Sempre (BN) e com os periódicos Cândido e Rascunho. Em 2015, organizou a reedição de A peregrinação de Childe Harold, de Lord Byron, pela Editora Anticítera.


céu de porcelana céu impermeável translúcido noite bifurcada em duas luas vitrificadas

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tapeçaria galáxia concebida em tear astronômico malha de estrelas selvagens a projetar um arquipélago materno (o povo do deserto são seus intérpretes. )

Efígie Costura o sol no peito pela parte de dentro da blusa, como se efígie reversa, o ano inteiro, e no lado inverso escreve chuva. Subverte as estações por dentro e, no inverno, orquestra flores, enquanto o outono ainda desfolha-se, costura o sol no peito.

uma vagina de quartzo guia as caravanas na direção de sua constelação

Demetrios Galvão Teresina/PI – poeta e historiador. Autor dos livros: Insólito e Bifurcações. É editor da revista Acrobata e do blog Janelas em Rotação.

Kátia Borges


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in illo tempore teus desejos, se opacos, nos subverterão, ainda mais, na completa escuridão percorro calçadas sem perfumes, eterneço-me em múltiplos orgasmos múltiplos sobre teu sexo nu

danças óperas & ocultismos

arranco aos dentes a folhagem selvagem do teu corpo cifras místicas: em busca do grande mito.

ERÓTICO Não é o nu. É o corpo na sua plenitude Frescor de onda espumante Brisa que arrepia o dorso Frêmitos ininterruptos pelas costas, pelo ventre. Não é a figura a escultura com o teso mamilo ao vento. É a espiral te percorrendo cada vez mais célere para cima sempre para o alto onde tudo se desmancha num orgasmo lento infinito.

Victor Ávila Ferrasso nascido em 1996, é de São Paulo onde cursa Letras e Teatro.

Luíza Mendes Furia é escritora e jornalista, autora de Inventário da Solidão (poemas, Giordano, 1998), do infantil O Travesseiro Mágico (Giostri, 2013) e de Vênus em Escorpião (Patuá, 2016). Mantém um site: https://malufuria.wordpress.com/

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Província O que fazem os cidadãos de uma cidade que se esquece de seguir atrás das horas? Nem gente é vista na rua o espaço sequer se mexe. Uns se embriagam de rum outros rabiscam papéis enquanto as casas destilam seus vapores, seus achaques por ladeiras e ladrilhos quando os pactos se tramam para encurtar o dia os vizinhos silenciam o que definha nos quintais e os artistas, os loucos padecem os intraduzíveis tremores dionisíaco transe, acre-doce destino de interpelar o tempo, o musgo e as sensações. Lenita Estrela de Sá 40

recebeu o Prêmio Sousândrade de Poesia da Fundação Municipal de Cultura de São Luís (2010) ISBN 978-85-61742-15-7

sentir os calores do medo tocar o medo com as pontas dos dedos deixar o medo sem língua arrancar os dentes do medo e mastigar no café da manhã Déa Paulino Nasci em Itapetininga, no interior de SP, e cresci nômade. Sou bailarina, coreografo [entre]linhas em publicações digitais há mais de dez anos e guardo em mim a visão dos corpos de baile dispostos nas estantes de inúmeras visitas a bibliotecas públicas nas quais ensaiei os primeiros elevés, que traziam os livros para o alcance das minhas mãos. Retiro das coxias os poemas que pretendo abandonar no palco, para que finalmente deixem de ser meus.


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escreve e desenha. … autora do livro “Não” (Ed. Patuá, 2016).

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BRUNA MITRANO 43


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por MaĂ­la Sandoval


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“literatura

feminina” Como é que chegamos até aqui?


Quando falamos em “Literatura Feminina” não é automático que pensemos na existência de uma literatura masculina. 46

A discussão da literatura escrita por mulheres como gênero não é nova e permanece polêmica. Não há dúvidas de que a experiência de homens e mulheres na sociedade é historicamente bastante distinta. Por quantos séculos foram exclusivamente criadas para serem esposas e mães virtuosas sem vontade própria? O próprio acesso feminino à escolaridade é demasiadamente tardio na linha do tempo da história mundial. Não é incomum que tal experiência reflita em diferenças estilísticas ou de conteúdo, mas como presumir que estes aspectos seriam exclusivos de um gênero ou de outro sem assumir características estereotípicas culturalmente formadas dos sexos? Ao longo dos tempos a escrita feminina foi chamada de maternal, gentil, pouco objetiva, emocional, sutil. Esta seria então vista como a escrita que foge ao padrão supostamente neutro, ditado pelo que escrevem os homens e o poeta que decidisse assumir essas características

estaria em contato com seu lado feminino. O sexo do autor somente carece de reflexão se não for masculino. Toda a tradição literária clássica é pautada nesta norma. Não há personagens femininos elevados, nem capacidade poética nas mulheres. Assim são vistas por Aristóteles, Platão, Aristófanes e toda a ideologia dominante. Às mulheres, foi-lhes negado acesso ao universo das letras por tantos séculos, e quando o obtinham, era com a justificativa da religião e da servidão aos homens por elas responsáveis. Escritos e mais escritos nos séculos XVI, XVII e XVIII sendo aos poucos descobertos e editados. Diários, livros de poesia, cartas e epopeias, todos escritos por mulheres e nunca publicados ou se foram, dificilmente fazem parte da literatura canônica. Então, por isso, precisaria uma autora proteger-se da norma e da crítica literária ditada pelos homens? E para isso, é necessário classifica-las em um novo gênero literário?


Se nos últimos duzentos anos a condição feminina vem alterando-se, há pouco mais de cem, no século XIX, as irmãs Brontë publicaram seus livros sob pseudônimos ambíguos, não para protegerem-se das críticas, mas para protegerem suas obras da avaliação parcial a que seriam submetidas no caso de evidenciarem que fugiam à norma cultural masculina. Virginia Woolf, em 1929, produz um ensaio voltado a jovens universitárias, sugerindo a possibilidade de uma realização andrógena da literatura, a existência utópica da igualdade sexual e uma alteração da ordem do patriarcado. Neste ensaio, ainda estão referências às poucas conquistas das mulheres da época e à clareza dos papéis sociais destinado a cada um dos sexos. O pensamento de Woolf deu origem a muitas linhas de estudo voltadas à produção literária feminina e a representação da mulher na literatura. E o fato de seguirem subjugadas social, cultural e politicamente gerou correntes ativistas de valorização das características da esfera considerada feminina. No entanto, como bem colocado por Ana Luísa Amaral e Maria Irene Ramalho de Sousa Santos no artigo Sobre a ‘Escrita Feminina’(1997), tais características estão disponíveis a todos os poetas, afinal a utilização desta esfera estilística e temática parte de uma decisão política e não uma limitação criativa. Dentro da mesma discussão, autoras como Virginia Woolf, Adrienne Rich, Ana Cristina Cesar, posicionam-se de maneira a reivindicar seu papel na literatura. Ursula Le Guin, escritora americana, em sua compilação de ensaios de 2003, The Wave In The Mind, recusa os modelos femininos que lhe impuseram, dizendo que nasceu antes de um modelo aceitável de mulher ser inventado, portanto, passou a vida inteira escrevendo tal qual um homem. É autora antes de ser mulher. E então, como consequência desta discussão surgem algumas atitudes na literatura de autoras

para lidarem com o fato da poética assumir uma prerrogativa do masculino. Uma, já mencionada aqui, que exalta características consideradas exclusivas do ‘universo feminino’; uma segunda que reivindica temáticas e aspectos da esfera masculina da criação; e uma terceira que clama pela composição do ser universal, cauteloso na escolha de artigos e marcadores de gênero da gramática, tornando indecifrável o sexo do/a poeta. É a partir desta última que surge outro questionamento, além do ativismo político, se é possível esconder o sexo de quem escreve, e ainda, se as características estereotipadas podem transitar na criatividade dos autores, qual seria a utilidade de tratar a literatura feminina como um gênero literário segmentado, se não para diminuí-la diante do cânon majoritariamente masculino?

A experiência influencia a realização e há, logicamente, conteúdos a serem compreendidos sob perspectivas políticas, sociais e culturais. Análises críticas e teóricas podem vir a utilizar-se da identidade sexual na autoria para concluírem-se. Entretanto, sabemos que esse tal gênero ‘literatura feminina’ não inclui apenas ativismo político ou o uso de pronomes. A classificação surge a partir de temáticas e características redutoras da criatividade da mulher, limitando-a na maioria das vezes a assuntos sentimentais e delicados. Uma vez mais, se cabe ao fingir poético expressar-se de formas múltiplas, é mesmo necessário que se limite a identidade de um texto ao sexo de quem o escreve?

Nota baseada no artigo: Amaral, Ana Luisa and Maria Irene Ramalho de Sousa Santos. “Sobre A ‘Escrita Feminina’”. N.p., 1997. Outras Obras Citadas Le Guin, Ursula K. The Wave In The Mind. 1st ed. Boston: Shambhala, 2004. Print. Woolf, Virginia. A Room Of One’s Own. 1st ed. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich, 1989. Print.

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