A evolução da aplicação da energia elétrica e suas consequências para a sociedade
Volume 3
carta ao leitor
por Gildo Magalhães
Caro leitor, Dando continuidade à nossa Coleção Energia, o terceiro número da série traz um espectro amplo da evolução das aplicações da eletricidade ao cotidiano social. Com um foco especial para a trama histórica da sociedade brasileira, temos uma matéria que nos explica como um esforço de planejamento governamental foi essencial para que o Estado de São Paulo pudesse aproveitar seu grande potencial hídrico. Os rios paulistas contribuíram decisivamente para a expansão territorial brasileira verificada na época colonial, servindo de suporte para o avanço dos bandeirantes. Foi a partir da década de 1950 que começou a se tornar realidade a promessa de transformar o potencial das águas (que no começo do século XX era chamado de “hulha branca”) em efetiva geração de energia. O crescimento industrial e urbano vertiginoso que se verificava necessitava de uma correspondente grande infraestrutura de produção de eletricidade. Os apagões, que então eram comuns, apontavam para uma mudança de modelo no setor. Surgiram assim as empresas que na década de 1960 foram unidas e consolidadas com a criação da Cesp. Nas demais regiões brasileiras, empreendimentos similares se impuseram, como Furnas, Cemig, Chesf e muitas outras, formando a espinha dorsal de um sistema que passou a ser interligado e muito mais eficiente. O empreendimento mais sensacional que essa era nos legou é sem dúvida Itaipu. Seu gigantismo, seu papel sensível em termos geopolíticos continentais, assim como o atestado de maioridade que representou para a tecnologia de construção de barragens, com o pioneiro uso do cálculo numérico por elementos finitos são dados que o leitor poderá conhecer nas próximas páginas. O impacto do apagão na noite de 10 de novembro de 2009, que deixou boa parte dos estados mais populosos no escuro por várias horas, é um testemunho da importância da geração de Itaipu e de como a transmissão dessa energia desempenha um papel vital no sistema elétrico brasileiro. O uso pacífico da energia nuclear foi o mote para a construção de usinas térmicas, que se tornaram essenciais dentro do panorama internacional. O avanço das instalações nucleares trouxe requisitos especiais de segurança, que nem sempre foram obedecidos, deixando um flanco aberto às críticas políticas e técnicas. Felizmente essa etapa vem sendo vencida e hoje a energia nuclear volta a ser cogitada para um papel relevante na matriz energética. O Brasil, que se empenhou tanto internacionalmente para garantir o acesso às tecnologias nucleares a todos os países, e não apenas para uma minoria, logrou um tento notável ao dominar recentemente o ciclo de enriquecimento do combustível nuclear – e um pouco dessa história é relatada neste volume. Um efeito espetacular do progresso nas aplicações da eletricidade foi a entrada em campo da eletrônica, especialmente a partir do início do século XX. Dispositivos como a válvula foram sucedidos pelo transistor e a eletrônica de semicondutores possibilitou uma incrível e crescente miniaturização dos componentes. Além de usos industriais, a eletrônica de consumo criou uma verdadeira revolução cultural em todas as camadas populares, desde o popular radinho de pilha até o cada vez mais presente – e discute-se a sua imprescindibilidade e a dependência assim criada – computador. Finalmente, ainda no plano do consumidor, contamos uma história pouco conhecida: o sucesso inicial do carro elétrico, até este ser vencido pelo motor a combustão interna. A pressão ambientalista ressuscitou o assunto, que vem merecendo cada vez mais a atenção de governos, fabricantes e usuários. Desejamos que esses temas ensejem uma leitura proveitosa e sirvam para suscitar novas reflexões sobre o mundo energético em que vivemos. Gildo Magalhães Professor livre-docente em História da Ciência na Universidade de São Paulo
2
expediente índice Diretores Adolfo Vaiser José Guilherme Leibel Aranha Gerência operacional Simone Vaiser simone@atitudeeditorial.com.br Coordenação de circulação Emerson Cardoso emerson@atitudeeditorial.com.br Assistente de pesquisa Marina Marques marina@atitudeeditorial.com.br Administração Paulo Martins Oliveira Sobrinho adm@atitudeeditorial.com.br Jornalista responsável Flávia Lima MTB 40.703 flavia@atitudeeditorial.com.br Projeto gráfico e direção de arte Leonardo Piva atitude@leonardopiva.com.br Conselho editorial Cyro Bernardes, Cyro Boccuzzi, Hilton Moreno, Isabel Félix, Gildo Magalhães dos Santos, Márcia Pazin e Sérgio Bogomoltz Reportagem Bruno D’Angelo e Lívia Cunha Revisão Gisele Folha Mós Publicidade Diretor comercial Adolfo Vaiser adolfo@atitudeeditorial.com.br Contatos Publicitários Ana Maria Rancoleta anamaria@atitudeeditorial.com.br César Dallava cesar@atitudeeditorial.com.br Mozart Ramos mozart@atitudeeditorial.com.br Capa e ilustrações internas Poeira Estúdios Impressão Gráfica Ipsis Distribuição Correios
Atitude Editorial Ltda. Rua Piracuama, 280 cj. 72 / Pompéia CEP 05017-040 / São Paulo - SP Fone/Fax - (11) 3872-4404 www.atitudeeditorial.com.br atitude@atitudeeditorial.com.br
Desenvolvimento e tecnologia 10 Os bastidores da construção da gigantesca Itaipu e as implicações sociais e técnicas para três países. Seu projeto foi a forma encontrada para resistir ao choque do petróleo e suprir as demandas energéticas da época.
Era da eletricidade
18
A história da iluminação artificial contada desde a descoberta do fogo e a sua utilização para iluminar os caminhos do homem, passando pelas luminárias a gás, a querosene, chegando à luz alimentada pela eletricidade.
Cidade em movimento 28 Em meados do século XIX, os carros elétricos eram dominantes em detrimento dos veículos a combustão, empregados em competições e objetos de pesquisas acadêmicas. O cenário mudou com o tempo, especialmente com o desenvolvimento da indústria e alguns interesses privados.
Evolução 36 O desenvolvimento da eletrônica teve papel fundamental nas aplicações da eletricidade. A substituição da válvula pelo transistor e a eletrônica de semicondutores deram inicio a uma verdadeira revolução tecnológica, cada vez mais presente no cotidiano das pessoas.
Nuclear 44 Um relato sobre a conquista da energia nuclear, os percalços desde sua descoberta, sua aplicação em alguns lugares do mundo e uma reflexão sobre como sua utilização é potencialmente mais segura do que outras formas de geração amplamente empregadas.
Sob um olhar 52 A contribuição de uma companhia – formada pela fusão de 11 empresas – para importantes projetos hidrelétricos, tendo como consequência a profissionalização dos técnicos e peritos envolvidos nas obras. 3
desenvolvimento e tecnologia
Por Lívia Cunha
ENERGIA BINACIONAL Com nome de origem tupi, a Usina de Itaipu gerou um acordo binacional que impactou diretamente três países do cone sul latinoamericano, diversos Estados brasileiros e deu origem à maior hidrelétrica do mundo em plenas crises mundiais do petróleo
4
1974. Ano de copa do mundo, quando a
detinha o domínio sobre as próprias quedas. Os dois
Alemanha Ocidental – à época, dividida desde o
países consideravam que o território seria seu, e não
final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em
do vizinho. A maioria dos documentos seguintes
socialista, no lado oriental do país, e capitalista, no
estabelecia que uma margem do rio pertencia a um
ocidental – saiu vitoriosa, em casa, conquistando
país e a margem oposta ao outro, mas a questão era
seu bicampeonato. Para o Brasil, restou pouco.
o rio em si. Se ele era o marco divisor, o Rio Paraná
Pouco resultado e poucas lembranças da seleção de
pertencia a quem?
70. Chegou às semifinais, mas perdeu. Disputou o
terceiro lugar com a Polônia; outra partida perdida,
reacesa 122 anos depois, em 1872, com Tratado de
o que lhe rendeu o quarto lugar no campeonato.
Paz, que pôs fim à Guerra do Paraguai (1864-1870).
Enquanto perdia em campo, começava a ganhar em
Com a vitória brasileira, que teve como aliados o
outros terrenos. No mesmo ano, o terreiro de obras do
Uruguai e a Argentina, o país guarani sofreu uma
maior projeto energético do mundo começava a ser
retaliação de guerra: seu território foi reduzido para
preparado. A parceria brasileira com o Paraguai – que
quase 60% no pós-conflito – os aproximadamente
não tinha se classificado para a copa daquele ano –
40% foram repartidos entre o Brasil e Argentina.
começava a ganhar ares de realidade. A obra, claro, era
O documento redefinia territórios e utilizava o Rio
a Usina Hidroelétrica de Itaipu Binacional.
Paraná, mais uma vez, como ponto de divisão. Mas
não havia precisão sobre quem teria o poder sobre as
O início das obras, em 1974, colocava fim a um
Era apenas o início de uma disputa extensa,
conflito diplomático que já durava 224 anos. Isso
águas e esse impasse se estendeu até 1966, ano em
faz com que a história de Itaipu, por vezes, pareça
que foi assinada a Ata de Iguaçu, também conhecida
mais uma disputa político-diplomática do que uma
como Ata das Cataratas, que determinou que o
questão econômico-energética. A historiadora e autora
aproveitamento do rio e seu potencial energético seria
do livro Itaipu – As faces de um mega projeto de
feito em condomínio dos dois países. Esse é o início
desenvolvimento, Ivone Carletto Lima, explica que essa
do estabelecimento da atual região de Itaipu como
impressão fica pela forma como a história da usina se
binacional, ou seja, não pertence nem ao Brasil, nem
desenrolou. “Itaipu tem toda uma história a ver com
ao Paraguai: pertence aos dois, juntos. E a semente
a questão da energia, do desenvolvimento industrial.
do que, no futuro, viria a ser Mercado Comum do Sul,
Mas, da forma como aconteceu, ela acabou se
o Mercosul.
transformando em um projeto essencialmente político
e de carácter internacional”. Essa impressão resulta dos
elaborar uma usina sozinha na região, mas o Paraguai
diversos desacordos políticos entre os dois principais
não aceitou, alegando que ele também tinha direito
países envolvidos até chegar ao plano comum.
sobre a área. O governo paraguaio ameaçou, inclusive,
Antes de chegar a esse acordo, o Brasil cogitou
A região escolhida para a instalação de Itaipu,
declarar nova guerra ao Brasil caso insistisse em
chamada de Salto das Sete Quedas ou Salto de Guaíra,
construir a usina sozinha. Então, em 1966, conta
era uma área de litígio disputada, desde 1750, por
Carletto, “em uma reunião que teve em Foz de Iguaçu,
Portugal e Espanha – as metrópoles dos futuros países
com os dois representantes dos países – os dois
latino-americanos –, quando foi assinado o primeiro
chanceleres, brasileiro e paraguaio –, o Brasil acabou
acordo que descrevia a região; o Tratado de Permuta.
cedendo no seguinte sentido: de que se houvesse
A briga era para saber quem tinha os direitos sobre
um aproveitamento do Rio Paraná no trecho Foz de
a região do Salto, no Rio Paraná – um conjunto de
Iguaçu-Guaíra, este seria em condomínio. Isso para
cachoeiras composto, na verdade, por 21 quedas, que
acabar com esse problema todo de questionamento”.
revelaria, anos mais tarde, um dos maiores potenciais
Com o entendimento político, a técnica começou a ser
energéticos do mundo e que desapareceu justamente
posta em prática. Estudos sobre a região, o potencial
por conta da construção da usina de Itaipu. O texto
e as formas de implantação de uma usina foram
do tratado do século XVIII não determinava quem
iniciados.
O tempo parecia ter outra dimensão àquela época. […] Até então não se discutia a quem pertencia o “Salto de Guairá”. O Brasil considerava sua aquela estreita faixa de terra. O Paraguai também. Em Itaipu: integração em concreto ou uma pedra no caminho, de Tão Gomes Pinto. Ed. Amarilys.
5
desenvolvimento e tecnologia
Contexto
O mundo sentiu rapidamente a alta dos preços e os
sofreram os efeitos em suas economias. O Brasil, que
O Brasil vivia uma ditadura militar desde 1964. O
Paraguai, por sua vez, revivia um regime autoritário com o general Alfredo Stroessner desde 1954 – o país teve ainda outra ditadura cerca de dez anos antes, com o também general Higino Morínigo, de 1940 a 1948. As ditaduras militares na América Latina foram reflexos diretos da Guerra Fria, instaurada desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e que dividiu o mundo entre capitalistas e socialistas. Como a guerra não tinha confronto direto era chamada de fria, em oposição à quente com disparos à queima-roupa e ataques diretos. Os Estados Unidos, que sempre tiveram grande influência sobre os países ao sul do seu continente, para evitar a expansão da esquerda na região, auxiliaram e apoiaram as ditaduras de governos militares, cerceadoras das liberdades individuais.
Nesse período, a população do Brasil ainda era
majoritariamente rural (a urbana só superou a do campo, na década de 1970, de acordo com o censo da época do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, quando o país chegou a pouco mais de 93 milhões, ao todo) e a industrialização começava a se afirmar. O processo, iniciado no primeiro governo de Getúlio Vargas, logo após a Revolução de 1930, foi intensificado com a política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e durante a ditadura militar. Nesse período, com o aumento da população, a mudança para as cidades e o crescente número de equipamentos, aparelhos e dispositivos exclusivamente dependentes da eletricidade, a demanda por energia elétrica do país começou a crescer. Para suprir à população e às indústrias, era necessário ter a
“Sete Quedas por nós passaram, E não soubemos, ah, não soubemos amá-las... E todas sete foram mortas, E todas sete somem no ar... Sete fantasmas, sete crimes, Dos vivos golpeando a vida, Que nunca mais renascerá...”
possibilidade de gerar e oferecer mais energia aos consumidores. E isso perpassava por novos projetos, principalmente hidrelétricos, a especialidade do Brasil.
A adoção de projetos de fontes energéticas
renováveis ganhou força em 1973 quando o mundo viveu uma das grandes crises mundiais do petróleo. Os preços foram elevados em mais de 300%, como forma de embargo dos países árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) aos Estados Unidos e à Europa Ocidental por ter dado apoio e subsídios para que Israel resistisse às ofensivas egípcia
(Carlos Drummond de Andrade)
e síria na Guerra do Yom Kipur – o dia do perdão, uma das datas mais importantes do calendário judaico.
6
países que tinham maior dependência do óleo natural já tinha grande conhecimento na geração de energia elétrica por fonte hidráulica, intensificou ainda mais a exploração de energias renováveis.
Poucos meses antes do conflito do Oriente Médio,
tinha sido assinado o Tratado de Itaipu entre Paraguai e Brasil, que marcava a definição legal do início da exploração do Rio Paraná em condomínio dos dois países, ou seja, o início de Itaipu. Como o Paraguai não tinha conhecimento técnico aprofundado – até a obra da binacional, o país só tinha uma pequena usina hidrelétrica –; tecnologia própria e capital financeiro para investir, diz-se que o vizinho brasileiro entrou só com a água. Mas era necessário conhecimento e recursos para que Itaipu deixasse de ser um projeto e passasse a ser efetivamente uma usina geradora de energia. Dessa forma, o Brasil se comprometeu em arcar com todos os custos. Para que o Paraguai fosse condômino no empreendimento, ficou estabelecido que a dívida seria paga em energia, não em dinheiro, ao longo de 50 anos. Por isso, o governo paraguaio é obrigado a vender toda a energia gerada por Itaipu e não consumida ao Brasil a preços abaixo do mercado.
O projeto da maior hidrelétrica do mundo, que
auxiliaria a suprir demandas energéticas dos dois países, foi a forma encontrada para resistir ao choque do petróleo e não cortar os investimentos e nem congelar o projeto. “O objetivo do presidente da República [do Brasil] era reforçar o abastecimento de energia de toda a região sudeste, vítima de constantes ‘apagões’”, conta o jornalista Tão Gomes Pinto, em sua obra Itaipu: integração em concreto ou uma pedra no caminho. Por isso, depois de assinado o Tratado em 1973, a obra só parou nove anos depois, em 1982, quando a usina foi finalizada, resistindo a mais outro choque do petróleo, o de 1979.
Mas nem todos os países do cone sul estavam
satisfeitos com o entendimento do Brasil e Paraguai. A Argentina, que também é banhada pelo Rio Paraná, temia que a usina prejudicasse seu território e interesses sobre as águas. “A Argentina questionou a construção da Itaipu justamente por causa da altitude da barragem, do nível do lago que seria construído. Ela disse que se o Brasil fizesse uma usina de tal porte iria impossibilitar a construção de uma usina que ela pretendia fazer
Herr Stahlhoefer/Wikimedia
Trabalhadores constroem uma das turbinas de Itaipu
Do
tupi e guarani
Quando o grupo de técnicos paraguaios e brasileiros fizeram as pesquisas e
buscas da região mais apropriada para a instalação da hidrelétrica, eles chegaram a um trecho do Rio Paraná chamado de Itaipu, que em tupi significa algo como “a pedra que canta”. No local existia uma ilha, conhecida por esse nome, que quase sempre ficava submersa devido à forte correnteza, acentuada por uma região de curva do rio. Naquele local foi registrado um excepcional rendimento energético, daí, foi definida a instalação da usina no local.
Assim como Itaipu tem influência das tribos indígenas existentes na região
anterior à chegada dos europeus, o Paraguai também tem. Ainda mais pela grande presença de índios e seus descendentes na composição da população. Mostra disso é que o país é bilíngue, falando espanhol e guarani. O próprio nome Paraguai, em Guarani, tem um significado relativo a águas. Paraguay seria originado de “águas do mar”, em Guarani. Sendo pará, o mesmo que “mar”; guá, que denota “origem”; e ý, que significa “água”. Assim, seu significando seria algo como “água que vem do mar”. O Rio Paraguai, um afluente do Rio Paraná, teria sido o primeiro a receber o termo indígena. Depois, com a formação da nação, o país recebeu o mesmo nome.
7
desenvolvimento e tecnologia
também no Rio Paraná, mas mais abaixo, em
pelo lado brasileiro, e na Ciudad del Este, pelo
condomínio com o Paraguai”, explica a historiadora
paraguaio, a usina de Itaipu teve que construir uma
Ivone Carletto. A questão chegou a ser levada para a
verdadeira cidade para alojar os trabalhadores do
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1972, e só
empreendimento. A cidade de Foz, antes do início de
foi resolvida em 1979, quando os três países – Brasil,
Itaipu, tinha cerca de 20 mil habitantes. No final da
Paraguai e Argentina – assinaram o Acordo Tripartite.
obra, a população já era de mais de 100 mil pessoas.
Esse acordo definiu as regras para o aproveitamento
Durante a construção, entre 1975 e 1978, foram
dos recursos hidráulicos no Rio Paraná, no trecho que ia
erguidas mais de nove mil moradias ao longo das duas
desde as Sete Quedas até a foz do Rio da Prata.
margens do Rio Paraná para abrigar os trabalhadores
que para a região se mudaram. No pico da obra, Itaipu
Somada à questão de aproveitamento hídrico do
rio, havia uma lenda de que se Itaipu fosse mesmo
chegou a ter 40 mil trabalhadores diretos, o dobro de
construída e o Brasil abrisse as comportas, como
toda população inicial de Foz de Iguaçu. Esse número
consequência de um eventual conflito entre os países
foi alcançado porque, entre 1978 e 1981, foram
ao sul da América Latina, que eram governados por
contratadas até 5 mil pessoas por mês.
ditaduras militares, a cidade de Buenos Aires seria
inundada pelas águas. Mas com o tratado entre os
1982. Com o reservatório formado, os presidentes
países, a questão diplomática foi solucionada. O
do Brasil, João Figueiredo, e do Paraguai, Alfredo
acordo deu tão certo que ele seria a gênese distante do
Stroessner, inauguraram Itaipu, em 5 de novembro de
Mercosul, contando ainda com a Declaração de Foz
1982, com o acionamento do mecanismo que levanta
de Iguaçu – de 1985, assinada pelos presidentes da
automaticamente as 14 comportas do declive, que
Argentina e Brasil, que selou as relações amistosas entre
liberaram a água represada do Rio Paraná. Depois
os dois países e foi a base da integração econômica
de mais de 50 mil horas de trabalho, a maior usina
do cone sul – e com o Tratado de Assunção, que
hidrelétrica do mundo estava finalizada, mas o giro
oficialmente criou o Mercado Comum do Sul, de 1991,
da primeira turbina só aconteceria no ano seguinte,
com a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai.
em dezembro de 1983, e a geração e a transmissão de
Construção
8
As obras da barragem foram concluídas em
energia começaria dois anos depois, em 1984.
Transmissão
Depois dos estudos de campo e da definição do
local da usina, em 1973, o terreno foi preparado, em
1974, para que a usina começasse a ser erguida em
de Itaipu, como foi definido pelo Tratado de Itaipu, é
1975. A construção incluía o desvio de 2 quilômetros
gerada em duas tensões e frequências diferentes. Como
do Rio Paraná, com 150 metros de largura e 90 metros
o Paraguai é movido a uma frequência de 50 Hz e o
de profundidade para a formação do reservatório
Brasil a 60 Hz, a solução encontrada pelos técnicos
da usina. A recém criada Empresa Brasileira de
do empreendimento foi produzir metade da energia,
Comunicação, a Radiobrás, em 1978, noticiou que
referente à parte brasileira, em corrente alternada,
“o desvio do rio por um canal artificial correspondeu
já a 60 ciclos por segundo e 750 kV, enquanto a
à primeira fase de construção para a secagem de
outra metade, do Paraguai, seria gerada em corrente
seu leito. O canal de desvio, escavado em rocha, na
contínua, em 50 Hz e 600 kV.
margem esquerda, tem proporções incomuns”. Tudo
em Itaipu era gigantesco, por isso, foi chamado pela
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
revista norte-americana Popular Mechanics de um
(Poli/USP) José Antônio Jardini explica que “Itaipu
“trabalho de Hércules” – em referência aos doze
era para ser toda em corrente alternada, mas como
trabalhos que o semi-deus grego teve que realizar e
o Paraguai emprega frequência de 50 Hz e aqui é 60
que só podiam ser realizados por alguém com força
Hz, não dá para ligar um no outro, então, era preciso
sobre-humana.
retificar os 50 Hz da usina de Itaipu: gerar em 50 Hz,
para o Paraguai, depois retificar e inverter para outra
Localizada no município de Foz do Iguaçu,
Toda energia produzida pela Usina Binacional
O engenheiro eletricista e professor doutor da
Números de Itaipu A construção da Usina custou US$ 1 mil/MW instalado. O equivalente a cerca de US$ 14 bilhões, à época. A obra demorou 8 anos para ser concluída. Foi iniciada em 1974 e concluída em 1982. Mas só começou a gerar energia dois anos depois, em 1984. Entre 1975 e 1978, mais de 9 mil moradias foram construídas às margens do rio para abrigar os homens que atuavam na obra. A alteração do curso do Rio Paraná removeu 55 milhões de m³ de terra e rocha para escavar um desvio de 2 km de extensão, 150 m de largura e 90 m de profundidade. Para tanto, foram usadas 58 toneladas de dinamite. Só no dia 14 de novembro de 1978, foram colocados na obra 7.207 m³ de concreto, o equivalente a 1 prédio de 10 andares/hora. O total de concreto utilizado na barragem, 12,3 milhões de m³, seria suficiente para concretar 4 rodovias como a Transamazônica. Itaipu alavancou o PIB do Paraguai, que em 1978 cresceu 10,8%. Entre 1978 e 1981, eram contratadas até 5 mil pessoas/mês. No pico de construção, tinham cerca de 40 mil trabalhadores diretos. O transporte de materiais para a Itaipu utilizou 20.113 caminhões e 6.648 vagões ferroviários em 1980. 26 dias foi o tempo recorde de transporte de rodas de turbinas entre a fábrica e a usina. Essas peças tinham cerca de 300 toneladas cada e percorriam um caminho de até 1.350 km. O enchimento do Rio Paraná levou 14 dias. A lâmina de água tem 4 vezes o tamanho da Baía de Guanabara.
As mãos de Itaipu Foi necessário mais do que conhecimento técnico, tecnologia e dinheiro para construir Itaipu. A obra foi feita pelas mãos de diversos homens que, durante muitos dias, tinham o trabalho como suas vidas. Devido ao grande porte da usina e à região inicialmente sem estrutura para uma construção dessa magnitude, foi necessário montar uma verdadeira cidade em torno do canteiro de obras. Casas, refeitórios, assistência. Tudo foi oferecido àqueles que lá trabalharam por anos. Mas a vida de uma pessoa não se resume à profissão. É composta pelas relações sociais, como relacionamentos afetivos e fraternos. Com os funcionários de Itaipu, claro, não foi diferente. Engenheiros, encarregados, topógrafos, geólogos, especialistas de cálculos de concreto, peritos em explosivos, ou seja, todo o tipo de “barrageiros” tradicionais, como são chamados os trabalhadores responsáveis pela construção de barragens de usinas hidrelétricas. Todos eles foram mandados para Foz do Iguaçu, pelo lado brasileiro, a fim de preparar o terreno de Itaipu. “No canteiro binacional, os paraguaios chegavam com sede de aprender e prestavam muita atenção no trabalho dos colegas brasileiros. Era uma relação carinhosa. No fim da história, casaram-se muitos brasileiros com paraguaios e viceversa”, conta o jornalista Tão Gomes Pinto, no seu livro Itaipu: integração em concreto ou a pedra no caminho. Mas, durante as obras, o relacionamento entre empregados não era bem visto pela empresa. Era, inclusive, proibido. Tão Gomes relata em seu livro a história do namoro de um engenheiro com uma bibliotecária que foi coibido pela empresa. “A paixão do jovem engenheiro foi correspondida. Foram vistos pelo canteiro, algumas vezes, de mãos dadas. O assunto chegou à diretoria, que decidiu pela demissão do rapaz. Ele conta que chegou a chorar quando o encarregado de pessoal simplesmente pegou a tesoura e cortou a ponta do seu crachá. Era o ritual que o desligava de Itaipu”, conta.
170 km foram submersos entre os municípios de Foz do Iguaçu e Guaíra. 8.519 propriedades foram desapropriadas e inundadas na margem brasileira do Rio Paraná.
Recorde de geração Em 2004, quando a usina completou 20 anos de atividade, Itaipu já havia gerado energia suficiente para abastecer o mundo durante 36 dias. Recorde de geração foi de 94.684.781 de MWh, em 2008.
9
desenvolvimento e tecnologia
frequência, de 60 Hz, para então ligar no sistema
18 estados brasileiros conectados ao sistema sofreram
brasileiro. É por isso que Itaipu gerou uma parte em
com a falta de energia elétrica. Quatro deles tiveram
corrente contínua, a metade do Paraguai”.
falta total, atingindo todos os seus municípios – Rio de
E já que Itaipu, para o Brasil, foi pensada para
Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo
solucionar problemas de abastecimento e demanda de
–, e os demais 14 estados registraram blecautes parciais.
energia em grandes centros consumidores, como São Paulo e Rio de Janeiro, essa energia precisava chegar
Impactos
a essas regiões. Dessa forma, foi definido, desde antes da conclusão da Usina, que a eletricidade gerada seria
conectada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) e
região da tríplice fronteira – Paraguai, Argentina e
enviada para abastecer, em especial, São Paulo, pela
Brasil. Levou não só a usina para o município de Foz
transmissão de Furnas Centrais Elétricas. O gerente da
de Iguaçu, levou milhares de pessoas a se instalaram
Subestação de Ibiúna, Sergio Luiz Iasbeck, explica que
na região e promoveu desenvolvimento para a cidade
“o Brasil compra a energia não utilizada pelo Paraguai
que se resumia a duas ruas asfaltadas no final da
e por um processo de conversão transforma a corrente
década de 1960, início de 1970. Mas, em contrapartida,
alternada em corrente continua, transmite em corrente
retirou uma obra de beleza natural do mundo, o Salto
continua e, na Subestação de Ibiúna, na cidade de
de Sete Quedas, uma região de 1,5 km² de florestas e
Ibiúna (SP), se converte essa energia para a forma
terras agriculturáveis, que foi inundada. Mais de 36 mil
de energia utilizada no sistema elétrico brasileiro”. A
animais foram deslocados de seu habitat natural e 8
energia paraguaia, por sua vez, é transmitida para todo
mil famílias tiveram que sair de suas terras.
país pela Administración Nacional de Eletricidad (Ande).
de implantação de Itaipu e dos impactos sobre a
O sistema em corrente alternada de Itaipu, em 750
A historiadora Ivone Carletto, estudiosa da história
KV e 60Hz, compreende três linhas de transmissão
população, conta como se deu o processo. “Houve
que saem da Subestação de Foz de Iguaçu, com 18
uma grande desapropriação, foram mais de oito mil
das 20 unidades geradoras da hidrelétrica, e chegam
processos só do lado brasileiro. E muita gente se sentiu
à Subestação Terminal de Tijuco Preto, em São
prejudicada porque achava que não foi justo o preço
Paulo. Essa energia passa ainda pelas subestações de
e eles fizeram um movimento, o Movimento dos
Ivaiporã, no Paraná – um dos principais pontos de
Sem Terra (MST), que hoje faz parte da história dos
conexão e intercâmbio de energia elétrica das regiões
movimentos sociais do Brasil”. Foi nesse período que o
Sul e Sudeste –, e de Itabera, em São Paulo. Por esse
MST foi formado, em cidades no interior do Paraná. “E
percurso, a energia gerada por Itaipu, referente à
foi um movimento”, relata Carletto, “que fez com que
parte brasileira, chega aos demais estados do país.
Itaipu cedesse bastante, porque eles conseguiram quase
Já a energia comprada do Paraguai é convertida
tudo que pediram na época”.
na Subestação de Ibiúna, em São Paulo, de onde é
retransmitida e conectada ao sistema interligado.
era a questão imobiliária. Isso porque, no início dos
anos 1980, a inflação era muito alta (a inflação
Desde 1984, quando Itaipu começou a gerar
A principal reivindicação das famílias expropriadas
energia, a transmissão brasileira é realizada por Furnas.
acumulada do ano de 1979 foi de 77,21%). “Por
Como é conectada ao SIN, todos os Estados brasileiros
exemplo, você recebia dinheiro de Itaipu hoje e
interligados ao sistema comandado pelo Operador
amanhã já não conseguia comprar quase nada porque
Nacional do Sistema Elétrico (ONS), acabam recebendo
as coisas aumentavam de preço, não a cada dia, mas a
energia elétrica de Itaipu. Atualmente, três dos 26
cada hora”, acrescenta a historiadora.
Estados brasileiros (mais o Distrito Federal) não estão interligados ao sistema. São eles Amapá, Amazonas e Roraima. Mas o abastecimento prioritário da usina é para os estados do Sul e Sudeste. Abastecimento, este, que ficou prejudicado em novembro de 2009. Por um problema na transmissão da energia gerada por Itaipu,
10
É certo que Itaipu alterou significativamente a
Pesquisa: • Itaipu: integração em concreto ou uma pedra no caminho. Tão Gomes Pinto, Amarilys. • Itaipu: as faces de um mega projeto de desenvolvimento. Ivone Teresinha Carletto de Lima, Editora Germânica. • A energia do Brasil. Antonio Dias Leite, Nova Fronteira.
Herr Stahlhoefer/Wikimedia
As
hidrelétricas
Rio Paraná
A Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional foi
o terceiro empreendimento hidrelétrico brasileiro ao longo do Rio Paraná. A primeira obra foi a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, iniciada em 1965 e concluída em 1978; seguida pela Usina Hidrelétrica Engenheiro Sousa Dias, conhecida como Usina de Jupiá, que foi iniciada na primeira metade da década de 1960 e finalizada em 1974. Após o início de operação da binacional, ainda foi construída mais uma geradora no rio do lado brasileiro: a Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, conhecida como Usina de Porto Primavera, iniciada em 1980 e concluída no ano 2000. Foi o primeiro projeto hidráulico em águas paraguaias. Maiores do mundo
Itaipu foi durante muitos anos a maior usina
geradora de hidreletricidade do mundo. Com potência instalada de 14 mil MW, proporcionada por 20 unidades geradoras de 700 MW cada, perdeu o posto para a Usina Hidrelétrica de Três Gargantas, na China, que, apesar de atualmente gerar menos energia, tem maior potência instalada com previsão de chegar a 22,4 mil MW quando estiver completa, com todas as turbinas em funcionamento, o que deve acontecer em 2011. A terceira maior usina do mundo também é latino-americana. A Usina Hidrelétrica de Guri, na Venezuela, tem potência instalada de 10.300 MW e abastece, além do próprio país, o Estado de Roraima, no Brasil, que não está ligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
As obras da usina foram iniciadas em 1974 e concluídas em 1982
Comparativo
entre Itaipu e
Três Gargantas
Usina
Itaipu
Três Gargantas
Turbinas
20
32 (6 subterrâneas)
Potência nominal
700 MW
700 MW
Potência instalada
14 mil MW
22,4 mil MW (quando estiver completa,
Recorde de produção anual
94,7 bilhões kWh/ano (2008)
80,8 bilhões kWh/ano (2008)
Concreto utilizado
12,57 milhões m³
27,94 milhões m³
Altura
196 metros
181 metros
Comprimento da barragem
7.744 metros
4.149 metros (concreto 2.309 m e dique
(concreto, enrocamento e terra)
Maoping 1.840 m)
prevista para 2011)
175 metros (dique de Hernandárias) Vertedouro (capacidade de vazão)
62.200 m³/s
120.600 m³/s
Escavações
63,85 milhões m³
134 milhões m³
Fonte: Itaipu Binacional
11
era da eletricidade
Por Bruno D’Angelo
O ADVENTO DA ILUMINAÇÃO ARTIFICIAL A história da luz através dos tempos, desde a revolucionária descoberta do fogo pelos homens primitivos até o desenvolvimento da iluminação pública
12
Muito antes de archotes, lamparinas a gás,
descargas elétricas atmosféricas atingissem árvores,
querosene e lâmpadas elétricas, era a luz do sol que
fagulhas se formassem e o fogo iniciado se espalhasse
guiava os homens pelo mundo. De dia e à noite
pela floresta com a ação do vento. Nessa etapa, o
também, já que o luar nada mais é do que a luz do
homem ficava totalmente dependente do acaso, o que
sol refletida na lua.
dificultava bastante qualquer tipo de planejamento.
Afinal, usufruía-se apenas momentaneamente do que
O caso é que nem sempre os homens podem
contar com o brilho da lua para realizarem alguma
a natureza oferecia. Assim que a chama se extinguia
atividade noturna. Muitas vezes o céu fica encoberto
era preciso voltar à vida anterior, com a esperança de
por nuvens, impedindo que apreciemos o luar, outras
que no futuro a floresta se iluminasse de novo.
tantas, os raios solares refletem em uma face da lua
que não se oferece para nós, aqui da Terra, fenômeno
de fogo por parte do homem, provavelmente, ele
chamado de Lua Nova. Nada mais certo, então,
começou assim: a observação de que o fenômeno
que os primeiros homens tenham concentrado suas
se propagava pelo aquecimento de galhos ou folhas
tarefas no período diurno, deixando para a noite o
secas indicou que a chama poderia ser iniciada com
descanso.
temperaturas elevadas. Daí para a descoberta de que
o atrito entre dois pedaços de madeira seca poderia
Durante muito tempo, pode-se dizer, até a
No que concerne ao domínio da produção
invenção da lâmpada incandescente por Thomas
causar tal efeito foi um pulo.
Edison, a situação permaneceu basicamente a
mesma. Não que, neste ínterim, algumas descobertas
se batia sílex com ferro ou aço as fagulhas eram mais
não tenham propiciado ao homem um melhor
fortes e persistentes. Este procedimento, de tão eficaz,
aproveitamento da noite, fazendo dela também um
persistiu até o começo do século XX em diversos
palco para atividades privadas. Essas descobertas,
cantos do mundo, inclusive no Brasil.
porém, devido às suas peculiaridades, não permitiram
o florescimento de uma cultura noturna nos moldes
e manter as chamas, começava a segunda fase do
da que ocorreu após o invento de Edison.
fogo. Assim, o homem conseguiu, pela primeira
Atrito, faísca e o homem se ilumina
Muito tempo depois, foi descoberto que quando
Com o domínio do processo de como produzir
vez, iluminar suas noites com suas próprias forças sem depender da boa vontade do Sol. E não só. O fogo trouxe outros benefícios à raça humana
A primeira grande transformação realizada
que pôde fundir metais e fabricar ferramentas
pelo engenho humano, no que tange à produção de
para atividades de labor e de guerra, aquecer-se
luz, surgiu ainda na pré-história, com a descoberta
melhor do frio e cozinhar seus alimentos e, dessa
de meios para obter e controlar o fogo. A data de
forma, consequentemente, melhorar suas condições
quando nossos ancestrais realizaram tal achado não
de vida, aumentando sua expectativa de vida. A
pode ser muito bem precisada, porém, evidências
eletricidade, mais tarde, traria benefícios semelhantes
encontradas em cavernas atestam de que cerca de
e aprimorados.
500 mil anos a.C.., na Era do Paleolítico Posterior, o chamado Homem de Pequim já utilizava o fogo nas
Os primórdios da iluminação artificial
suas práticas diárias.
O uso do fogo apresenta duas fases: aquela na
Descoberta a maneira de se obter fogo e fazê-
qual o homem somente se beneficiava da existência,
lo durar, o homem tinha agora um novo desafio:
mas ainda não sabia como produzi-lo e outra, na
fazer essa descoberta não ficar restrita a espaços
qual o homem finalmente se apossava dos meios
determinados, era preciso fazer andar a chama. No
antes pertencentes somente a natureza, para poder,
início, atritando madeira ou pedra para produzir o
assim, provocar o fogo na hora que bem entendesse.
fogo, o homem fabricava pequenos arbustos para
que ele continuasse vivo. Em pouco tempo, porém,
Na primeira fase, era necessário esperar que
13
era da eletricidade
14
o processo foi se tornando mais bem elaborado.
Por exemplo, na Babilônia, na Fenícia e no Antigo
por qual passaram os equipamentos de iluminação, na
Egito, já eram empregadas madeiras mais resinosas
época do fogo, o surgimento dos castiçais, cuja ideia
desfiadas em tiras, amarradas em cipós de piches e
era simples: aumentar a altura da fonte luminosa
resinas. Estas foram, aliás, as primeiras tochas, que
para que o espaço iluminado fosse mais amplo. Com
possibilitaram ao homem mover-se juntamente com
o aparecimento da vela, os castiçais e também os
o fogo, marcando o início de uma fase da iluminação
candelabros tornaram-se ainda mais importantes.
artificial denominada de homem-luz.
contribuiu para a melhoria da iluminação artificial.
Provavelmente, o primeiro material combustível,
Pode-se destacar também nessa transformação
O vidro foi outra relevante descoberta que
além da madeira, foi a graxa animal. Mais tarde,
O material já era fabricado pelos egípcios em 2 mil
descobriu-se que o óleo extraído de produtos vegetais
a.C, mas alcançou grande difusão na Idade Média.
como o linho, a mamona e até azeitonas também
Utilizado ainda hoje na fabricação de lâmpadas
eram úteis. Alguns desses elementos, aliás, seriam,
elétricas, o vidro sempre foi de grande ajuda porque
tempos depois, também empregados como biomassa
funcionava como abrigo para a chama, evitando que
para geração de energia elétrica. Esses óleos eram
esta se apagasse ou mesmo se espalhasse e, ao mesmo
coletados em chifres de animais, conchas marinhas ou
tempo, por sua transparência, favorecia a iluminação
pedras com cavidades naturais, que, posteriormente,
dos ambientes.
passaram de simples aparelhos recolhedores de óleo
para receptáculos onde se era gerado, mantido e
empregados na fabricação de artefatos de iluminação,
transportado o fogo; surgiram assim as primeiras
estas inovações continuaram durante muito tempo
lucernas. Mais tarde, as pesadas e rústicas lucernas
sendo aproveitadas pelas camadas mais ricas da
de pedra foram cedendo espaços para utensílios mais
população. De acordo com livro A História da
sofisticados feitos de barro e de metal
Iluminação Artificial – das origens até o século XX,
de Natale Bonali, a plebe continuou iluminando as
Nas civilizações antigas, as lucernas ou tochas
O fato é que independentemente dos materiais
se tornavam cada vez mais fixas, com o intuito de
andanças noturnas, com a primitiva luz manual feita
iluminar grandes áreas, foros públicos e anfiteatros.
de rochas arcaicas. Muitas vezes, ao andar nas vielas
Em Roma, por exemplo, o circo Máximo e o
escuras, a camada menos favorecida guiava-se apenas
Coliseu eram iluminados dessa forma. Chamadas de
por luzinhas de minúsculos oratórios localizados em
“fax” ou “taedas”, elas acompanhavam, também,
algumas esquinas. Já os mais ricos que gostavam
excepcionalmente, cerimônias como bodas ou
da vida noturna, utilizavam servos lanterneiros para
mesmo cortejos fúnebres. Na Grécia, as tochas eram
guiarem o caminho.
imobilizadas também para iluminação pública e,
ocasionalmente, tornavam-se aparelhos manuais
XV, ela era considerada dever dos cidadãos e não das
para iluminarem festas em competição onde eram
autoridades; prova disso eram as leis que vigoravam
disputadas corridas a pé ou a cavalo.
na época, estabelecendo penas pecuniárias para
aqueles que desrespeitassem as regras. Os castelos
É necessário notar que as técnicas de geração de
No que tange à iluminação pública, até o século
luz não se modificaram muito desde sua descoberta
dos senhores feudais também não ajudavam na
até ao século XIX; o processo continuou a ser o
tarefa da iluminação pública, já que eram todos
mesmo: a queima de combustíveis líquidos para
muito sombrios, apresentando, geralmente, como
a produção de fogo. Ao contrário, os materiais
iluminação externa, uma solitária tocha postada na
empregados para suporte do fogo, as lucernas,
ponte elevadiça.
sofreram todo o tipo de alteração. Passaram a
contar, por exemplo, com uma variada e artística
e palácios senhoriais foram progressivamente
ornamentação; sendo fabricadas com metais e com
melhorando a visibilidade urbana ao instalarem
materiais preciosos.
lanternas de ferro forjado nas esquinas de onde
No século XVI, numerosos edifícios públicos
Augusto Malta A História da Iluminação Artificial – das origens até o século XX
Rio de Janeiro, no final da década de 1920, com a inauguração da iluminação da Avenida Maracanã, na ponte do cruzamento com a rua Uruguai
A luz trêmula e azulada emitida pelo gás formava em sua volta uma atmosfera de vago lirismo, uma aura romântica, que junto com os ‘gasistas’, trabalhadores responsáveis pela operação do aparelho, tornou-se parte
Europa e dos demais continentes que vieram a utilizá-la
do folclore popular da Gasista acende luminária pública
15
era da eletricidade
estavam situados. Mesmo assim, passado um século,
às primeiras importações de aparelhos acabados.
a iluminação pública européia não apresentou
relevantes modificações. As praças e as ruas
falar de iluminação nos países colonizados. No Brasil,
continuavam às escuras e a luz ainda vinha quase em
destaque para a cidade do Rio de Janeiro, que, em
sua totalidade de braseiros e tochas localizadas em
1763, por iniciativa de seus moradores, começou a
pátios e em passadiços de grandes mansões.
iluminar seus logradouros públicos. Foram instalados,
na época, 20 lampadários de madeira, envidraçados,
No término dos anos 1600, porém, os
Com a chegada de novos materiais, foi possível
governantes passaram a tomar a iluminação das
à base de azeite de peixe, e suspensos por varões de
ruas como sua responsabilidade e começaram
ferro. Como explica o engenheiro eletricista e perito
a instalar lanternas em algumas esquinas, nas
em luminotécnica, Milton Martins Ferreira, estes
principais cidades. Estes novos equipamentos eram
lampadários eram acesos todas as noites, exceto na
abastecidos por equipes chamadas de faroleiros que
lua cheia, quando a luz refletida era suficiente.
contavam com roldanas ou escadas para subirem às lanternas e assim conseguirem realizar a função
Novas tecnologias
para qual foram destinados.
16
Estas ações foram, certamente, o começo de
Com a crescente preocupação dos governantes
uma nova fase, porque já no início do século XVIII,
com a iluminação pública, começa-se a prestar mais
uma programação mais racional de iluminação
atenção no desenvolvimento de novos materiais
pública começou a ser efetuada na Europa, na qual
que pudessem fornecer uma iluminação mais
as principais cidades do continente viram lanternas
eficiente, em termos econômicos e de luminosidade.
se multiplicarem por suas ruas. A nova iluminação
Obviamente, as soluções iniciais permaneceram
funcionava à base de óleos vegetais, cujo consumo
no âmbito do fogo. Não se pensou de pronto em
era mais lento, mas a luminosidade da chama era
outro meio de iluminação artificial. Modificou-se a
mais fraca. Conforme Bonali, o primeiro avanço
maneira como a chama passou a ser produzida.
técnico para melhorar a fruição da luz, deu-se em
1760, com a adoção de um espelho côncavo de
lâmpada Argand. Inventada pelo suíço Pierre Argand,
metal polido dentro da lanterna que permitiu melhor
em 1783, o equipamento era baseado no fato de que
reflexão da chama.
o ar canalizado em um canudo, aquecido por uma
chama, subia mais rapidamente ao recambiar-se,
Se na Europa, o cenário da iluminação artificial
Uma das grandes iniciativas pioneiras foi a
estava progredindo, na América, por outro lado,
no fundo desse canudo, com ar frio. Processo que
os avanços eram praticamente imperceptíveis.
recebeu o nome de dupla corrente de ar e que por isso
Descoberta há pouco, serviu no início do seu
conseguia multiplicar seu poderio de iluminação.
processo de colonização, para iluminar as andanças
dos descobridores, com aparelhos manuais trazidos
alguns inconvenientes, como a sombra projetada pelo
dos veleiros, fogaréus improvisados e archotes
reservatório, que devia estar sempre acima do nível
rudimentares.
do queimador e o custo elevado. Esses problemas
não foram efetivamente resolvidos, mas também
Posteriormente, grupos religiosos difundiram
Segundo Bonali, a lâmpada apresentava, contudo,
as velas, empregadas para iluminar as igrejinhas
não impediram a invenção de ter relativo sucesso na
que começavam a tomar conta da nova terra.
época. Prova disso é que quase imediatamente ao seu
Algumas tentativas de desenvolver equipamentos
surgimento, ela foi convertida em lustres e apliques,
de iluminação mais sofisticados também foram
ajustando-se, com o tempo, aos preceitos estilísticos
colocadas em prática, mas a solução veio apenas a
vigorantes do século XVIII.
partir do século XVII, quando a imigração tornou-se
mais numerosa e o contato com o velho mundo e
mudanças ainda estavam por vir. Ainda nos anos
entre as igrejas se tornou mais frequente, o que levou
1700, mais especificamente, em 1792, o inglês
Mas era só o início e muitas invenções e
Willian Murdoch encontrou uma maneira de
cidade do Rio de Janeiro o sistema inventado na
armazenar um produto que havia sido descoberto
Inglaterra. Cá como lá, achou-se por bem não usar
um século antes quando se destilou o carvão
tal invenção em ambientes internos, pelo risco
fóssil: era o gás aeriforme, que, de fato, tornou-se
que oferecia a vida das pessoas, de intoxicação e
a primeira alternativa relevante descoberta pela
incêndio. Outro fator que freou a difusão do novo
humanidade para conseguir superar os tradicionais
sistema foi o custo elevado. Conforme o engenheiro
combustíveis que alimentavam a iluminação
eletricista Milton Ferreira, esse obstáculo encontrou
artificial gerada pelo fogo.
uma saída com a descoberta do querosene. Menos
perigoso, ele podia ser usado em ambientes doméstico
O armazenamento do gás possibilitou a Murdoch
iluminar sua casa e sua fábrica. Para tanto, foi
à noite, sem o perigo de espalhar-se como o gás e
necessária a criação de uma complexa canalização
causar grandes transtornos.
feita de tubos de cobre ou chumbo que possuíam
em cada extremidade, torneiras reguladoras e uma
iluminação a gás passou por um aprimoramento,
série de pequenos orifícios para a saída das chamas.
aumentando sua difusão. A melhoria que levou
Apesar do sucesso aparente, o novo combustível
a esse cenário veio, sobretudo, com a invenção
apresentava um grande obstáculo relacionado à
do “bico Auer”, um retino de algodão embebido
segurança; ele podia escapar facilmente, aumentando
de óxidos que, além de permitir regular a saída
o risco de explosões. Além disso, a implantação do
do gás, tornava-se incandescente sem queimar,
sistema era cara.
possibilitando um grande aumento de luminosidade.
Devido às suas características, quando o dispositivo
Estas peculiaridades, segundo Bonali, limitaram,
Antes de ceder espaço para outra tecnologia, a
no início, o aproveitamento doméstico da iluminação
começou a ser utilizado, a partir de 1886, o perigo
a gás, mas não impediram que fosse utilizada para
de explosões diminuiu drasticamente, além do mais,
iluminação pública e de grandes estabelecimentos
por causa dele, pôde-se virar, pela primeira vez, a
como teatros, cafés e salões de festas. A primeira
chama iluminante para baixo, facilitando o processo
instalação pública permanente baseada em gás que se
de manutenção. Outra modificação nos lampiões a
teve notícia aconteceu, porém, algum tempo depois
gás que o tornaram equipamentos ainda melhores
da ideia de Murdoch, em 1807, na rua Pall Mall, em
para época foi o acoplamento das camisinhas cujo
Londres. Todavia, após o empurrão inicial, as coisas
desenvolvimento de material permitiu que a luz
fluíram mais rapidamente e, em pouco tempo, as
emitida pelo equipamento apresentasse um brilho
principais cidades da Europa passaram a contar com
mais intenso.
sistemas de iluminação a gás.
Auer”, o certo é que os sistemas de iluminação a gás
Os sistemas consistiam em lampiões colocados
Mais ou menos portentosos, com ou sem “bico
sobre pilastras situadas nas calçadas e presos por
mudaram os cenários das cidades. De acordo com o
longos braços instalados nas esquinas ou suspensos no
especialista em iluminação, Milton Ferreira, antes da
meio da rua. De acordo com Natale Bonali, os novos
chegada de tal invento, sob a precária iluminação
equipamentos eram sem muito luxo, apresentados em
vinda do fogo, as atividades noturnas da sociedade
discretas formas quadradas ou trapezóides, feitas com
em geral, tanto internas como externas, eram bem
ferro-gusa ou simplesmente chapas de ferro soldadas.
limitadas. “O gás foi a primeira manifestação de
Afinal, a intenção era apenas iluminar e não adornar
melhoramento na iluminação publica, agilizando as
a cidade. Isso, entretanto, não impediu certas ruas da
atividades noturnas”, diz.
cidade, habitadas por luxuosas mansões, exibirem
equipamentos de iluminação que mais pareciam obras
em diversos aspectos e mesmo que seu uso tenha sido
de arte.
durante um curto período de tempo, sua passagem
foi marcante. Como escreve Bonali, “a luz trêmula e
No Brasil, a iluminação a gás chegou em 1854
por obra do Barão de Mauá, que importou para a
Depois dele, a vida das pessoas se transformou
azulada emitida pelo gás formava em sua volta uma
17
era da eletricidade
atmosfera de vago lirismo, uma aura romântica, que
contava com esse depósito que era anteriormente
junto com os ‘gasistas’, trabalhadores responsáveis
ocupado com óleos viçosos e cheirosos.
pela operação do aparelho, tornou-se parte do folclore popular da Europa e dos demais continentes
A iluminação elétrica
que vieram a utilizá-la”.
A Light and Power Company, assim como outras companhias de eletricidade, divulgava os benefícios da iluminação elétrica por meio de propagandas
18
Concomitantemente ao gás aeriforme, outros
Experimentos com produção de luz por meio
combustíveis foram largamente utilizados no
da eletricidade já vinham sendo feitos desde o
século XIX para a produção de luz. O carboneto
século XVII. Mais especificamente, como informa
de cálcio (acetileno), por exemplo, substância
o engenheiro de Iluminação da GE Consumer &
orgânica, gasosa, incolor, foi empregado em
Industrial, José Cervantes, desde 1650, quando
carroças, bicicletas, vagões ferroviários e, no fim
o cientista alemão Otto von Guerike descobriu
dos 1800, em veículos motorizados, para iluminar
que a luz poderia ser produzida pela excitação
os caminhos das pessoas que os guiavam. Ao
elétrica. De lá pra cá, muitos outros achados. No
receber gotas de água, o acetileno dá origem
início da década de 1700, por exemplo, o inglês
a vivas chamas, o que o tornou uma opção
Francis Hawskbee, realizou uma experiência na
eficiente para os veículos em geral, apesar de sua
qual colocava enxofre dentro de um globo de
instabilidade e do risco de explosão. Segundo
vidro vazio; fazendo isso, percebeu a formação de
Bonali, em 1899, o carro Fiat, por exemplo,
luz e este experimento foi considerado a primeira
já exibia dois grandes faróis alimentados pelo
lâmpada elétrica desenvolvida no mundo.
carboneto de cálcio.
Cerca de um século e meio mais tarde, em 1840,
O petróleo também foi utilizado para produzir
outro inglês, William Grove, descobriu que tiras de
iluminação a partir do fogo. A existência do material
platina e outros metais devidamente aquecidos, até
é conhecida desde a Antiguidade em que textos já o
se incandescerem, produziam luz por um período
descreviam em forma betuminosa flutuando na água
de tempo. Um ano depois da experiência de Grove,
dos charcos. Contudo, sua descoberta oficial é datada
mais uma vez um britânico, Frederick de Moleyns,
de 1859, quando o coronel norte-americano Edwin
patenteou a primeira lâmpada incandescente
Laurentine Drake, ao perfurar o solo do deserto da
que se tem notícia. Contudo, tanto o aparelho de
Pensilvânia, nos Estados Unidos, fez pela primeira vez
Moleyns quanto os outros inventos desenvolvidos
jorrar do chão o óleo negro viscoso.
até então apresentavam limitações técnicas, ou seja,
a luz produzida não possuía intensidade e duração
A imagem do petróleo é mais atrelada à
produção de derivados de combustíveis para fazer
suficientes para serem utilizados em larga escala
funcionarem veículos motorizados. Não sem motivo,
para substituírem os equipamentos de iluminação
afinal de contas, a história provou ser essa a sua
existentes naquele período.
mais importante função. Entretanto, nos primeiros
anos de sua maciça extração, serviu também
relativo sucesso comercial foram as de arco voltaico.
de alimento para os arcaicos equipamentos de
Inventadas no início dos anos 1800 pelo químico
iluminação. Isto porque, destilado, ele tem um alto
inglês Humphry Davy, elas foram basicamente
grau de absorção capilar, além de ser armazenado
utilizadas na iluminação pública. Conforme o
facilmente e de, na época, ter custo baixo.
engenheiro eletricista Milton Ferreira, as lâmpadas
a arco voltaico operavam em circuitos-série,
Segundo Bonali, na área de iluminação,
As primeiras lâmpadas elétricas que tiveram
empregou-se mais o petróleo nas lâmpadas de mesa,
exigindo para seu controle, o emprego de vários
já que havia dificuldades técnicas em utilizá-lo nos
equipamentos auxiliares, o que encarecia o processo,
aparelhos pênseis por causa da falta de reservatórios
além disso, elas apresentavam grande intensidade
para o combustível. As lâmpadas de mesa, pelo
luminosa, não prestando dessa forma, ao uso
contrário, já dispunham, na época, de um acervo que
interno. Uma experiência realizada, em 1858, no
farol de South Foreland, na Inglaterra, comprovou
prolongar seu dia até a noite de maneira sustentável
a dificuldade em se utilizar o equipamento; sua
e econômica. “A partir deste descobrimento, a
queima era inconstante e a vida útil muito curta,
rotina do mundo civilizado e a vida das pessoas
exigindo constante manutenção.
mudaram radicalmente, não só permitindo o maior
desenvolvimento material no mundo, mas, ao
A solução veio com o norte-americano Thomas
Alva Edison. A ideia da lâmpada incandescente já
longo do tempo, um padrão de vida melhor para o
existia, mas foi Edison que encontrou o filamento
ser humano”, diz Ferreira. De fato, a invenção da
adequado para que a luz gerada fosse intensa e
lâmpada elétrica revolucionou todo o comportamento
duradoura. Ele tentou mais de seis mil materiais de
da sociedade, aumentando o horário das atividades
filamentos alternativos durante dois anos, e gastou
comerciais ou industriais e possibilitando o lazer e
40 mil dólares daquela época (cerca de US$ 1 milhão
atividades esportivas no período noturno.
de hoje) realizando mais de 1.200 experiências até
que descobrisse o filamento de algodão. Edison
elétrica aos quatro cantos do mundo, a lâmpada
acendeu seu filamento no dia 19 de outubro de 1879
fluorescente, que funciona à base de vapor de
e dois dias depois ele ainda estava incandescente.
fósforo, difundiu a questão de economia no que
tange à iluminação via eletricidade. Isto porque,
Posteriormente, buscando maior duração do
Se a lâmpada incandescente levou a luz
tempo de iluminação da lâmpada, Edison e os
tendo, basicamente, a mesma qualidade de luz que a
demais cientistas da época partiram atrás de outros
lâmpada incandescente, utiliza cerca de 70% menos
materiais para filamento. Edison ecnontrou, em
eletricidade que ela e conta com uma vida útil até 20
primeiro lugar, como opção eficiente, o filamento
vezes maior. Por isso, se tornou tão popular quanto
de bambu carbonizado que apresentou melhor
a lâmpada incandescente no mundo, utilizada em
rendimento e durabilidade que o fio de algodão.
residências, indústrias e estabelecimentos comerciais.
Depois, foi a vez do filamento de celulose suplantar o bambu. Mas nada que se comparasse ao metal
No Brasil
tungstênio, material que ganhou a disputa, sendo utilizado ainda hoje, por, entre outras razões,
apresentar um ponto de fusão mais elevado do que
sistema de iluminação pública a eletricidade, ainda
3.000° C, ou seja, ter uma temperatura de trabalho
que embrionário e de modestas proporções, foi
mais alta do que os outros materiais.
Porto Alegre, isto porque, a capital do Rio Grande
do Sul, já servia-se, desde 1887, da energia gerada
O novo invento mostrou-se eficiente, prático
A primeira cidade do país a contar com um
e, sobretudo, seguro e limpo, se comparado aos
pela Velha Usina Térmica da Companhia Fiat Lux.
equipamentos de iluminação que vinham sendo
Para se ter uma ideia de como o município estava
utilizados até aquele momento. Por isso, foram
avançado, de acordo com o livro Vida cotidiana
comercializadas em larga escala, já em 1880, sendo
no Brasil Moderno, a energia elétrica e a sociedade
o primeiro sistema de iluminação introduzido em
brasileira (1880-1930), as duas principais regiões
1882, no viaduto Holburn, em Londres. No mesmo
do País, na época, São Paulo e Rio de Janeiro,
ano, a iluminação elétrica chegou a Nova York para
só foram contar com um sistema de iluminação
iluminar a Pearl Street Station.
elétrica no início da década de 1900.
Mas a difusão da lâmpada não se deu
São Paulo, por exemplo, havia inaugurado
magicamente, para que ela tivesse apelo comercial,
seu sistema de iluminação a gás em 1872 e já se
Thomas Edison teve que trabalhar no seu
interessava pela nova técnica que surgia. Demorou,
aperfeiçoamento. Ao rudimentar bulbo com filamento
então, alguns anos até que aportasse em terras
de algodão, foi acrescentado, por exemplo, uma base
paulistanas o invento de Thomas Edison. Não que
rosqueada para uso em receptáculos. O certo é que,
durante essa espera nada relacionado à eletricidade
com a invenção de Edison, as pessoas conseguiram
tivesse dado as caras em solo paulista. Pelo contrário,
19
era da eletricidade
20
diversos projetos na área foram realizados, entre
Censo, um terço das vilas e municípios do país
eles, a instalação de lâmpadas de arco voltaico pela
já possuía iluminação elétrica: no estado de São
Empresa Paulista de Eletricidade, posteriormente
Paulo, 137 dos 158 municípios contavam com
encampada pela Companhia Água e Luz de
iluminação exclusivamente elétrica; em Minas
São Paulo, mais tarde incorporada pela Light; a
Gerais, 98 dos 112; no Paraná, 26 dos 29; e no Rio
inauguração dos serviços da Companhia Paulista
Grande do Sul, 39 das 60 cidades.
de Eletricidade, em 1888; e a iluminação da Rua
Barão de Itapetininga, em 1905, pela The São Paulo
1910 e 1926, viu seu número geral de pontos de
Tramway, Light and Power Company Ltd.
eletricidade quintuplicar nos logradouros públicos da
região, passando de 3,5 mil para mais de 16 mil, isso
No entanto, foi somente em 1911, que a Light,
A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, entre
responsável pela distribuição de energia elétrica
tudo puxado por um consumo que aumentara oito
para São Paulo, fechou seu primeiro contrato com
vezes neste mesmo período. A progressão acelerada
o governo estadual para iluminação pública a
possibilitou, já em 1920, a substituição total do gás
eletricidade. Neste acordo, curiosamente, estava
pela eletricidade na iluminação pública do município.
incluída a distribuição de luz para as avenidas
Brigadeiro Luís Antônio e Higienópolis, duas das
elétrica incandescente no Brasil, nada mais certo
atuais principais avenidas da cidade.
que o cotidiano de seus habitantes mudasse
vertiginosamente. As ruas das grandes cidades, por
Nesse sentido, se houve certa demora para a
Com adesão sistemática da iluminação
lâmpada elétrica chegar em São Paulo, em pouco
exemplo, deixaram para trás, pelo menos naquele
tempo, porém, ela se espalhou. Em 1914, o município
momento, a imagem que médicos, policiais e
já possuía 1637 pontos de iluminação, dos quais 818
autoridades públicas, constantemente, lhe impunham,
eram de lâmpadas incandescentes e 819 de lâmpadas
de um lugar insalubre, violento e inseguro. Com a
a arco. Mesmo assim, em 1916, os lampiões a gás,
chegada da luz elétrica, a rua passou de meio para
em número de 8.605, superavam ainda, em muito, a
fim, de lugar de passagem rápida para ponto de
iluminação elétrica.
encontro, reuniões e festividades. Podia-se, agora, em
uma cidade em que os índices de criminalidade ainda
No Rio de Janeiro, a introdução sistemática
da energia elétrica começou um pouco mais cedo,
não eram elevados, desfrutar de passeios noturnos nas
em 1904, com as obras de construção da Avenida
novas grandes avenidas e marcar encontros e eventos
Geral, cujo fornecimento de energia ficou a cargo da
nas praças e nos parques urbanos.
empresa Branconnot e Irmãos, que fora contratada
pela companhia francesa Societé Anonume du Gaz,
iluminação elétrica. Tornaram-se mais claros, mais
responsável pela distribuição do gás na cidade,
agradáveis e mais seguros também porque diminuíram
na época. Na mesma região, fixou residência a
o risco de incêndios que existia quando eram
companhia The Rio de Janeiro Tramway, Light
iluminados por tochas ou por lampiões alimentados a
na Power Company Ltd., empresa que se tornaria
gás. Neste contexto, a cidade do Rio de Janeiro assistiu,
responsável pela iluminação pública da cidade.
em 1909, à inauguração do Teatro Municipal, em
um estado de grande desenvolvimento do lazer e da
Independentemente da região do país,
Os teatros também se beneficiaram bastante da
a situação ainda era incipiente, mas com
cultura. Já em 1911 foi a vez de São Paulo inaugurar o
investimentos sólidos em unidades produtoras e
seu Teatro Municipal. A luz elétrica também fez surgir
distribuidoras de energia localizadas próximas às
uma série de novas diversões públicas, como os salões,
áreas a serem iluminadas, as cidades brasileiras
clubes e bilhares. Eles começaram a proliferar graças
foram gradativamente deixando de lado os
ao novo invento, oferecendo à população variadas
lampiões a gás e instaurando as lâmpadas elétricas.
opções de lazer e divertimento.
Só para se ter uma ideia, em 1920, segundo o
Se as opções de lazer aumentavam devido ao
advento da luz elétrica, os problemas relacionados ao progresso econômico também. Ao lado de todo avanço tecnológico podia-se ver a miséria gerada na
Foto de 1930 que mostra a iluminação pública da Rua Viana Drummond, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro
esteira deste. A rua estava cada vez mais povoada pelas multidões que proliferavam nos cortiços e casas de cômodos. Cenário que, de acordo com o livro a Vida cotidiana no Brasil Moderno, era visto, por muitos, como uma ameaça à ordem, um retrato da barbáries e do atraso, resistência à civilização.
Era preciso tomar uma atitude para que a
situação não se tornasse mais calamitosa para aqueles que podiam desfrutar dos novos progressos. Neste momento, começa a se consolidar a relação, quase automática que se faz hoje em dia, entre segurança e ruas iluminadas à noite. Diante disso, a sociedade, preocupada com seu próprio bem-estar, aumentou a cobrança sobre o Estado, buscando a continuidade e a expansão dos benefícios da iluminação elétrica das
Luminária residencial para uso de gás, na parte superior, e eletricidade, na parte inferior.
vias públicas.
Uma das formas de se minimizar as mazelas sociais
é impedir que seus efeitos sejam sentidos por qualquer ponto da cadeia social, iluminando-se os logradouros públicos, torcendo para que a violência tenha os olhos feridos com a claridade das lâmpadas e se afaste.
É preciso lembrar que a eletricidade não gera
apenas luz, ela também produz movimento para as máquinas, que traz aumento de produção. O empregador vende mais mercadoria e tem mais lucro diante de um mercado consumidor cada vez maior; o empregado, que é também o consumidor, tem mais horas de trabalho e, consequentemente, mais dinheiro para consumir. Dessa forma, para aumentar a produção, era preciso trabalhar mais tempo, era preciso trabalhar também à noite e, para isso, a luz elétrica se tornou imprescindível. Se mais trabalho traz mais dinheiro, a iluminação elétrica não deixou de contribuir, dessa forma, para a melhoria das condições econômicas do operariado.
Pesquisa • Vida cotidiana no Brasil Moderno, a energia elétrica e a sociedade brasileira (1880-1930), Memória da Eletricidade • A História da Iluminação Artificial – das origens até o século XX, Natale Bonali
A iluminação doméstica foi beneficiada com a descoberta do querosene.
Menos
perigoso, ele podia ser usado em ambientes doméstico à noite, sem o perigo de espalhar-se como o gás e causar grandes transtornos.
21
cidade em movimento
Por Flávia Lima
ELETRICIDADE SOBRE RODAS Entraves como carência de pesquisas e interesses políticos impediram o desenvolvimento dos veículos elétricos, nascidos em meados do século XIX, antes mesmo dos carros a combustão interna. Preocupação ambiental e crises da indústria do petróleo abriram caminho para um novo recomeço.
Senador George P. Wetmore, em um veículo elétrico chamado “Krieger Electric Landaulet”, em Washington, nos Estados Unidos, no ano de 1906.
22
Carro a vapor Bordino, de 1854
Embora os carros de propulsão a gasolina
Um passo mais consistente foi dado, porém,
tenham dominado as ruas de todo o mundo,
pelo físico francês Gastón Planté, ao criar, em
eles não foram pioneiros em sua essência. Os
1859, a bateria recarregável de chumbo-ácido,
veículos elétricos – que voltam agora à cena
a mesma – com aprimoramentos – utilizada até
como uma solução ecologicamente viável –
hoje em automóveis convencionais. A descoberta
passam longe de ser uma novidade. Há registros
abriu caminho para os carros elétricos, que
de que o primeiro indício de veículo elétrico seja
ganharam a Europa e os Estados Unidos por
de 1827 na Hungria, tendo ganhado mercado a
três décadas, tendo sido a França e a Inglaterra
partir do final do século XIX com fabricação,
os primeiros países a apoiar o desenvolvimento
temporariamente, próspera.
dessa indústria.
Efetivamente, a partir da segunda metade do
Os americanos, na verdade, só deram atenção
século XIX, deu-se início à era da eletricidade
ao veículo elétrico após A.L. Ryker introduzir o
que se tornaria permanente. O recurso
primeiro carro a eletricidade no país, em 1895. A
energético aplicado, especialmente, com a
partir de então, o interesse cresceu e decidiu-se
invenção do motor elétrico e sua difusão com
investir fortemente na novidade entre os anos
aprimoramentos, revolucionou todas as áreas
1890 e as duas primeiras décadas do século XX.
da sociedade. Tendo o motor elétrico como
Para se ter ideia, em 1897, os veículos elétricos
mecanismo fundamental ao desenvolvimento
ganharam sua primeira aplicação comercial nos
da energia elétrica aplicada, a introdução
Estados Unidos com uma frota de táxis de Nova
dessa eletricidade nos processos produtivos
York, constituída pela Electric Carriage and
e no transporte deu-se quase que ao mesmo
Wagon Company of Philadelphia.
tempo. Nas máquinas que começam a surgir
nas décadas finais do século XIX, motores
automóveis movidos a combustíveis, os elétricos
mais modernos colocavam em prática os
foram uma solução bastante aplicada. O diretor
conhecimentos do eletromagnetismo. O mesmo
do Instituto Nacional de Eficiência Energética
ocorreu no transporte quando a eletricidade
(Inee), Jayme Buarque de Hollanda, conta
começa a tracionar as primeiras locomotivas,
que, até a virada daquele século, havia muitos
especialmente as de carga, sendo também
veículos elétricos em circulação. Estima-se que
aplicadas aos carros de passeio.
40% dos carros vendidos nesse período eram
elétricos, sendo o restante repartido em partes
A eletricidade é o mais antigo método de
O fato é que, antes do desenvolvimento dos
propulsão de automóveis que se conhece. A
praticamente iguais entre veículos a vapor e de
tecnologia pode ser atribuída a alguns célebres
combustão interna.
cientistas, a começar pelo húngaro inventor do motor elétrico, Ányos Jedlik, quem teria primeiro criado o princípio do dínamo elétrico de
Carros elétricos versus carros a combustão interna
autoexcitação, em 1827. Como sua criação não foi noticiada antes do nome de Siemens, este ficou
com a fama do invento mais tarde, em 1861.
Revolução Industrial, também deixou seu
O fim do século XVIII, marcado pela
23
cidade em movimento
Thomas Edison e um carro elétrico em 1913.
24
legado no transporte. Símbolo desta revolução,
época eram empregados em zonas urbanas,
a máquina a vapor exerceu grande influência
relativamente pequenas. Eles apresentavam ainda
sobre os meios de transporte. Em 1769, o francês
algumas vantagens em relação aos concorrentes:
Nicolas-Joseph Cugnot teria usado um motor a
não produziam vibrações, cheiro ou barulho.
vapor para movimentar um veículo pequeno, de
Além disso, trocar a embreagem em carros
três rodas, mecanismo que ganhou mais ênfase
movidos a gasolina era a parte mais difícil de sua
nas locomotivas do início do século XIX. E assim
dirigibilidade, ação não exigida pelos elétricos.
como as locomotivas conquistaram território,
os veículos a vapor, também o fizeram antes,
que possuíam motor com maior desempenho.
penetrando o mercado de automóveis de passeio
Hollanda conta que o veículo a combustão ainda
e de serviço. Estes veículos movidos a vapor
era pouco desenvolvido, apresentava alguns
concorreriam mais tarde com os elétricos e com
problemas, além de não contar com combustíveis
os de combustão interna, tendo este último sido
padronizados – até o amadurecimento
concebido na Alemanha, por volta de 1885,
da indústria do petróleo, empregavam-se
e obtido sucesso devido, principalmente, a
principalmente o querosene e o etanol, este, por
Henry Ford, que passou a fabricá-los em série,
ser mais homogêneo.
vendendo cerca de 15 milhões de unidades de
um único modelo, o conhecido T, entre 1908 e
entre as pessoas mais bem-sucedidas da época,
1927.
que os empregavam nas cidades por não exigir
grandes velocidades. Eles eram os preferidos
Desenvolvidos quase que simultaneamente
Na virada do século, eram os carros elétricos
Os carros elétricos tornaram-se populares
em um período propício à materialização das
também porque não se exigia esforço manual
pesquisas científicas que brotavam das mentes
para dar partida, ao contrário dos veículos
iluminadas, os carros elétricos e à combustão
a gasolina que dispunham de uma manivela
interna andaram juntos por algumas décadas
que demandava grande esforço físico para ser
a partir dos anos 1890, tendo o primeiro
acionada, com o intuito de dar partida no carro.
sustentado a posição de favorito por anos. Isso
O problema é que essa alavanca exigia muita
porque os elétricos chegaram a alcançar altas
força física dos condutores, chegando, inclusive,
velocidades e a vencer grandes distâncias. Um
a provocar acidentes nos usuários, como fraturas
dos mais notáveis recordes foi atingido pelo
nas mãos e nos braços. Por este motivo, os
conhecido “Jamais Contente”, criado pelo francês
elétricos eram os favoritos das mulheres, que
Camille Jenatzy, que, em 29 de abril de 1899,
também eram seduzidas pelas propagandas,
alcançou a velocidade de 105,88 km/h, sendo
as quais, frequentemente, exploravam essa
o único veículo a ultrapassar a marca dos 100
característica a seu favor. Hollanda conta que o
km/h na época.
próprio Henry Ford não admitia que sua esposa
dirigisse um carro com motor de combustão
Apesar do feito, de modo geral, os veículos
não apresentavam grande potencial de
interna, apenas o elétrico, receoso de que ela se
velocidade – o que não era uma desvantagem
machucasse ao manejar a manivela.
propriamente dita, já que os automóveis da
Por ser mais confortável e fácil de manusear,
Apreciador das novas tecnologias, Santos Dumont trouxe o primeiro carro elétrico para o Brasil, em 1891.
comparado aos outros meios de transporte da
partida elétrica para esses motores determinaram
época – a vapor e a combustão –, o veículo
o abandono da tração elétrica em automóveis.
elétrico tornou-se a solução favorita do
Soma-se a isso o fato de que, em comparação
transporte urbano, principalmente por sua
com um Ford T, por exemplo, um carro elétrico
simplicidade. “Sua construção e operação eram
chegava a custar até três vezes mais. Outros
mais simples do que as de veículos a vapor ou
fatos isolados também contribuíram. Na década
acionados por motores de explosão. Entretanto,
de 1920, a General Motors adquiriu o sistema
sua grande limitação era a autonomia de
de bondes elétricos da Califórnia apenas para
percurso, devida à pequena capacidade das
desativá-lo e introduzir o uso de veículos
baterias em relação a seu peso e tamanho”,
movidos a combustíveis fósseis.
explica o presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Pietro Erber.
Idas e vindas
Foi nos Estados Unidos que o veículo elétrico
ganhou mais aceitação, chegando a registrar, no
início da década de 1900, 33.842 carros elétricos.
mais duradouro presidente da General Motors,
Para se ter ideia, o conceito foi além dos carros
inseriu um motor elétrico na partida do veículo
de passeio. Em meados de 1920, havia mais de
a combustão interna, desenvolvendo assim o
quatro mil caminhões de entrega movidos à
motor de arranque. A nova tecnologia facilitou
eletricidade em Nova York. A França também
a vida dos condutores e marcou o início do
investiu na tecnologia, chegando a instalar
sucesso desse modelo. A descoberta, associada
cerca de 700 pontos de recarga, no ano de 1901.
ao fortalecimento da indústria de petróleo fez
No Brasil também temos registros de veículos
os carros a combustão deslancharem, ganhando
elétricos, por exemplo, os caminhões elétricos,
mercado, em detrimento dos veículos elétricos,
pesando quatro toneladas, que realizavam
cuja principal deficiência – a bateria – não
a manutenção da rede aérea, em 1906, pela
havia sofrido aprimoramentos significativos.
The Rio de Janeiro Tramway, light and Power
Números da indústria de petróleo da década
Company Limited.
de 1920 mostram que a queda de mercado dos
veículos elétricos está diretamente relacionada à
O carro elétrico perde definitivamente a
Na década de 1910, Alfred P. Sloan, o
corrida com o carro a combustão interna a
estabilidade e ao aumento da produção mundial
partir de 1912, quando as vendas começaram a
de petróleo.
definhar. Uma das justificativas que se dão ao
declínio do carro elétrico é a escassez de energia
decadência dos carros elétricos, nunca se deixou
elétrica, por volta de 1912, quando as residências
de fabricá-los, mas para aplicações específicas.
foram invadidas por equipamentos elétricos,
Pietro Erber afirma que eles passaram a ser
prejudicando a popularidade dos automóveis.
empregados em carros pequenos de serviço,
Erber acrescenta que a melhoria do desempenho,
principalmente na Europa, como carros de
a redução do custo dos motores de combustão
carteiros e de leiteiros. “Os carros elétricos são
interna, a maior autonomia e a invenção da
ideais para se trabalhar no regime do anda e
É importante lembrar que, mesmo com a
25
cidade em movimento
Pela simplicidade de manuseio, propagandas incentivavam as mulheres a consumir carros elétricos. Este é um anúncio da Detroit Electric, em 1912.
26
para, pois, parada, a bateria não descarrega,
começa a apresentar demanda por baterias mais
enquanto o carro a combustível não é indicado
leves e então os estudos recomeçam. As baterias
para atuar nesse ritmo”, compara. Em seguida,
modernizaram-se e isso reavivou as pesquisas
foram também empregados como empilhadeiras
também sobre as baterias para veículos (elétricos
e como meio de locomoção em campos de golfe,
ou não).
de futebol e em algumas grandes companhias.
saltos com relação ao recomeço do carro elétrico:
De qualquer maneira, o interesse por
É importante, entretanto, relatar dois grandes
pesquisas sobre baterias também se deixou
um estímulo norte-americano e outro francês. No
abater e não obteve grandes evoluções.
início da década de 1990, foi promulgada uma
Diferentemente da bateria utilizada nos
lei no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos,
automóveis como apoio ao motor de arranque,
que determinava que certo percentual dos carros
a bateria do veículo elétrico demanda
nas ruas deveria ter emissão zero de poluição.
características especiais, entre elas, deve ter a
A legislação não falava em carro elétrico,
propriedade de carga e de descarga contínua,
mas embora tenha havido algumas soluções
entretanto, com as pesquisas abandonadas, o
propostas, na prática, foi a do carro elétrico que
veículo elétrico continuava a apresentar pouca
mais se adequou. A iniciativa, entretanto, não foi
autonomia, principal entrave ao seu sucesso.
muito bem recebida e gerou polêmica, indo parar
no Supremo Tribunal dos Estados Unidos. A ação
O renascimento dos veículos elétricos se
daria a partir da década de 1970, com a crise
serviu para que os fabricantes se entusiasmassem
do petróleo. De acordo com o engenheiro Elifas
e procurassem saídas para se obter a tal emissão
Gurgel do Amaral, os problemas ambientais,
zero.
especialmente o aquecimento global, reforçaram
os investimentos em pesquisas. Ainda, a
(originalmente, electric vehicle number 1, ou
instabilidade do fornecimento de petróleo e
veículo elétrico número 1), produzido pela
a alta oscilação do preço causado pela crise
General Motors, mas agora, diferentemente,
financeira mundial intensificaram a necessidade
dos primeiros modelos do início do século,
de novos meios de transporte e fontes de energia
este protótipo possuía uma série de elementos
diferenciadas. Segundo ele, todos esses fatores
modernosos. O carro foi lançado, mas não
favoreceram a busca de novas tecnologias,
obteve sucesso nas vendas, pois o pacote de
fontes alternativas de energia, como os veículos
baterias ainda era muito caro. A solução então
flex, motores mais eficientes, veículos elétricos e
encontrada pela fabricante foi alugar o veículo,
híbrido, entre outras.
isto é, no lugar de vendê-lo, o carro seria
emprestado ao consumidor em troca de uma taxa
Outro ponto a favor é o surgimento dos
A mais famosa delas foi o carro EV1
celulares e dos notebooks, no final dos anos
mensal. A alegação era de que o aluguel seria
1980, que acaba por reacender as pesquisas
compensado pela economia com combustível.
sobre baterias. “Os primeiros celulares eram
O veículo possuía autonomia de mais de
verdadeiros tijolos e era comum ter uma
100 quilômetros e o tempo de recarga era de
bateria reserva na bolsa por conta da sua pouca
aproximadamente oito horas.
autonomia”, lembra. Nesse período, a indústria
Diversas empresas também se enveredaram
Um carro elétrico que circule aproximadamente 15 mil km por ano consome cerca de 300 kWh por mês, o que equivale ao consumo de um aparelho de ar-condicionado. Ele deverá ir ao encontro do conceito de smartgrid (redes inteligentes), pois poderão ter um efeito de estabilizador na rele elétrica distribuída, incorporando funções, em uma residência, como as de um nobreak, por exemplo.
Veículo
elétrico puro
São aqueles que usam apenas a energia elétrica como fonte de tração: • Podem usar bateria ou células fotovoltaicas • São recarregáveis • Baixa autonomia • Alto custo e baixo desempenho • Não emitem nenhum tipo de poluente
Híbrido Utilizam a fonte elétrica e o combustível convencional. • Principal solução em curto prazo em veículos elétricos • Bom desempenho • Boa autonomia
Henney Kilowatt, o primeiro carro elétrico regulado por transistores. Foi comercializado entre 1959 e 1962.
• É poluente
Híbrido
plug-in
Utilizam a fonte elétrica e o combustível convencional. • Bateria pode ser alimentada por fonte externa (na própria rede elétrica convencional) • Atenua as limitações das baterias
Eficiência
e emissões de veículos elétricos
Veículo elétrico a bateria • Eficiência: ~50% a 70% • Não emite no local em que circula Veículo elétrico híbrido • Eficiência: pelo menos 30% a 50% mais km/l que o convencional • Emissões: menos 40% a 90% que o convencional, dependendo do poluente
Prius: carro híbrido lançado pela Toyota em 1997. Conforme a fabricante, o próprio veículo recarrega a sua bateria, reunindo energia do calor dos gases de escape e energia cinética durante a travagem.
27
cidade em movimento
Princípio de veículo elétrico idealizado por Ányos Jedlik em 1827.
pelo mesmo caminho, criando carros com esse
era de 23 milhas por galão. Praticamente todos
conceito. Apesar disso, em 2003, a General
os fabricantes entraram no jogo e levaram
Motors decidiu que não valia mais a pena
variados conceitos de automóveis, garantindo
continuar com esse sistema e resolveu retirar
que, em um futuro próximo, trabalhariam com
os veículos do mercado. “A GM havia dado
o rendimento proposto. O curioso é que todos os
saltos espetaculares, com várias patentes, mas
modelos apresentados eram da família híbrida,
resolveram jogar tudo fora, com um movimento
isto é, incorpora os dois conceitos: combustão
que foi lamentado, já que eles poderiam estar
e eletricidade. A tecnologia, aliás, não era tão
hoje muito mais à frente de onde estão; o Volt
original, já que, em 1917, o primeiro veículo
é o novo modelo criado pela montadora, mas
híbrido (gasolina – eletricidade) foi lançado pela
eles tiveram que começar tudo de novo”, avalia
Woods Motor Vehicle Company, em Chicago.
Jayme Buarque de Hollanda, do Inee.
Os híbridos não deram certo comercialmente,
pois ofereciam muito pouco pelo seu preço: não
O segundo ponto importante na história
dos carros elétricos veio dos franceses que,
atingiam grandes velocidades e apresentavam
preocupados com a questão da poluição
dificuldades de uso.
ambiental, lançaram um programa que incentivava algumas empresas, como o serviço
Um novo conceito
de correios, por exemplo, a utilizar carros
28
elétricos em suas frotas e grandes montadoras,
como Renault e Peugeot, sentiram-se encorajadas
tenha prosseguido com a fabricação dos modelos
e aderiram ao carro elétrico. Aqui também a
desenvolvidos, o evento desencadeou reações
ideia não vingou e, mesmo tendo produzido
do outro lado do mundo. No Japão, a Honda
cerca de seis mil carros e erguidos eletropostes
e a Toyota, receosas de ficarem aquém dos
pelo país, a experiência não foi bem conduzida e
acontecimentos globais, trataram de selecionar os
ficou na memória.
melhores engenheiros a fim de estudar os veículos
elétricos. Nasceu, então, no final de 1997, o Prius,
Mais um fato isolado e que funcionou como
Embora a indústria norte-americana não
um solavanco para a tecnologia da eletricidade
o primeiro carro híbrido (movido a combustão
aplicada aos veículos elétricos foi incentivado
e a eletricidade) produzido pela Toyota, tendo a
pela atmosfera de preocupação com o planeta
Honda no seu encalço, com a criação do Insight,
transmitida pela Eco 92, ocorrida no Rio de
um modelo híbrido mais esportivo e com soluções
Janeiro. Pouco tempo depois, o então presidente
técnicas diferenciadas. Começa então uma nova
dos Estados Unidos, Bill Clinton, criou um
geração de carros, os chamados veículos híbridos.
programa que definia o seguinte: para cada dólar
investido em pesquisa e desenvolvimento de carros
movimento iniciado na Califórnia teria sido o
elétricos, o governo investiria mais um dólar.
principal estímulo aos veículos elétricos, somado
à volta das pesquisas sobre baterias, reanimada
A única condição, estabelecida pelo próprio
Jayme Buarque de Hollanda lembra que o
governo, era de que esse carro do futuro
com o advento dos celulares e computadores
alcançasse a marca de 80 milhas por galão de
portáteis. “Atualmente, há 2,5 milhões de Prius
gasolina – a média de consumo naquela época
[da Toyota] em todo o mundo, além de outros
Comparativo:
modelos de diversos fabricantes”, comemora.
automóveis a bateria e a gasolina
Percebendo a tendência de preocupação com
Gasolina
Elétrico
Faixa de consumo
7 a 10 km/l
3 a 10 km/kWh
Consumo mensal (20 mil km/ano)
208 l
333 kWh
o meio ambiente, notando a tecnologia que, continua de vanguarda e acompanhando as recentes pesquisas, os fabricantes de automóveis passaram a se associar aos produtores de
8 km/l
Consumo médio
embora tenha nascido há mais de um século,
R$ 458
Custo mensal de combustível
5 km/kWh R$ 153
Fonte: ABVE
baterias, dando início a uma verdadeira corrida no sentido de aperfeiçoá-las – inserindo mais carga e reduzindo seu peso e tamanho – e formar os melhores conjuntos automotivos possíveis.
Em todo o mundo, montadoras estão
desenvolvendo e fabricando seus veículos elétricos; concessionárias de energia, em parceria com fabricantes, também estão criando suas tecnologias. No caso do Brasil, entretanto, além da questão da bateria – que, no tocante à
Funcionamento
autonomia, ainda precisa ser aperfeiçoada para concorrer com os autos de combustão interna
de um veículo elétrico
gerador
– há outro entrave significativo: o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para esses veículos é de 25%, ao passo que o de um carro convencional é de aproximadamente 7%.
Como escreveram Max Mauro Dias Santos e
motor elétrico
Gabriel Gonçalves, em um artigo sobre o tema,
motor elétrico
“no início da história do automóvel, os veículos elétricos ocupavam lugar de destaque, enquanto o motor a combustão interna era usado em competições e em trabalhos acadêmicos”. Os papéis foram invertidos, entretanto, apesar das barreiras, especialistas apostam na tecnologia como um futuro certo.
bateria recarregável
Pesquisa • Documentário Quem matou o carro elétrico? Direção de Chris Paine. Produtora: Electric Entertainment • Artigo “Uma visão geral dos veículos elétricos, híbridos e célula a combustível no Brasil”, de Max Mauro Dias Santos e Gabriel Gilvander Tomaz Gonçalvez (Disponível em www.simea.org.br) Associação Brasileira de Veículos Elétricos – www.abve.org.br Instituto Nacional de Eficiência Energética – www.inee.org.br
29
evolução
Por Lívia Cunha
VIDA ELETRÔNICA A eletrônica começou a ser aplicada em equipamentos elétricos com maior intensidade depois da década de 1950, quando um dos principais componentes eletrônicos foi desenvolvido: o transistor. Graças a ele, os aparelhos eletroeletrônicos entraram tão fortemente na vida cotidiana que hoje é difícil imaginar o dia a dia sem eles.
30
Os computadores sempre inspiraram muito a
criatividade humana, seja na área técnica quanto na cultural. Durante o período áureo de desenvolvimento dessas máquinas, em meados do século XX, quando o cineasta Stanley Kubrick lançou 2001: uma odisseia no espaço, em 1968, um dos filmes mais marcantes da história do cinema – considerado sua obra prima –, vislumbrava-se qual seria o impacto desses computadores na vida das pessoas. Apesar de Kubrick ter apresentado em sua obra a temática do medo de que a técnica ganhasse vida própria, que a criatura dominasse o criador, o que reabriu uma série de questionamentos sobre ética e limites de desenvolvimento da ciência, este é um receio antigo na história da humanidade.
Fazendo um paralelo com o cientificismo, que
ganhou força nos séculos XVIII e XIX, acreditavase que a ciência poderia curar todos os males do mundo. O mesmo sentimento envolveu a computação, entre as décadas de 1950 e 1970, e a genética e a clonagem, no final do século XX, temas que também foram abordados em diversas obras de ficção científica.
O desenvolvimento tecnológico da informática e a
corrida espacial provocada pela Guerra Fria (19451991), em que americanos e soviéticos tentavam provar o seu poder e supremacia pela conquista do espaço, serviu de pano de fundo para que Kubrick elaborasse seu filme, no qual computadores tomam vida e dominam humanos. No período, devido ao desenvolvimento de novos componentes eletrônicos, os computadores começavam a reduzir de tamanho, a realizar mais operações e rondavam o imaginário popular. Estavam prestes a se tornar elementos pessoais indispensáveis para a vida contemporânea. Mas não só eles chegavam às casas e às vidas modernas. Eletrodomésticos e eletroeletrônicos se afirmavam como peças-chave na formação dos bens de consumo das famílias da metade do século passado.
Mas para que eles chegassem a esse estágio,
de indispensabilidade na vida moderna, inúmeros pesquisadores contribuíram com projetos. O Mulheres operam um dos grandes computadores do meio do século XX, o Eniac
computador, no entanto, é considerado uma invenção sem inventor, tamanha a quantidade de pessoas que contribuíram ao longo de anos.
31
evolução Origens
vieram facilitar e tornar a vida humana mais prática e
O conceito do computador moderno, para se ter
uma ideia, nasceu muitos anos antes de Kubrick, mais precisamente em 1822, quando Charles Babbage, matemático e professor da Universidade de Cambridge, idealizou a Máquina das Diferenças. O protótipo imaginado seria um dispositivo mecânico baseado em rodas dentadas que poderia computar e imprimir extensas tabelas científicas.
Até Babbage, os dispositivos criados para
computar e calcular eram equipamentos simples. Seu projeto, de 1822, queria mais. Mais do que ser uma máquina de cálculo e que resolvesse problemas matemáticos, a Máquina das Diferenças seria capaz de executar uma ampla gama de tarefas. Usando um sistema numérico decimal, funcionaria pelo giro de uma manivela. Com o protótipo, ele desejava levar a comunidade científica a um nível mais avançado de desenvolvimento técnico.
O projeto do equipamento é considerado o
primeiro computador moderno, que contaria com memória, programas, unidade de controle e periféricos de saída. Mas a modernidade foi exatamente o que inviabilizou o aparelho. Como a máquina era avançada demais para os recursos da época, ela começou a ser construída, mas não foi concluída por Babbage, devido às limitações técnicas do período.
O desenvolvimento da informática – da qual
Babbage é considerado o “pai” pela Máquina das Diferenças – e dos computadores modernos está diretamente relacionado ao surgimento da eletrônica e à aplicação dela tanto em equipamentos do nosso dia-adia, tais como televisores e aparelhos de som, quanto no setor elétrico de potência, com aparelhos mais complexos,
Os aparelhos eletroeletrônicos criaram uma nova forma de consumo e alteraram significativamente a vida e as relações de trabalho das sociedades seguintes. A revolução tecnológica é um dos fatores que tende a alterar padrões de consumo e hábitos de vida, ajudando a explicar as alterações que a sociedade sofreu
32
responsáveis pela supervisão e controle de indústrias das áreas de geração, transmissão e distribuição (GTD).
Talvez os inventores do século XIX não imaginassem
que em um futuro não tão distante todos utilizariam equipamentos recheados de componentes eletrônicos no seu dia a dia. Para longe das previsões futuristas de carros voadores e de famílias que passariam férias em outros planetas, o estágio alcançado nesse início do século XXI mostra uma tecnologia inclusiva que aparece cada vez mais para facilitar a vida humana: computadores pessoais e portáteis; telefones celulares, que, entre as diversas funções, de câmera, gravador e porta arquivos, também servem para conversar; aparelhos eletrodomésticos, que
rápida; entre tantas outras criações. Mas para chegarmos às atuais máquinas, dos
componentes e dos sistemas inteligentes, milhares de anos de desenvolvimento foram transcorridos. Dos dispositivos completamente rudimentares, passando pelos manuais, eletromecânicos, eletrônicos aos microprocessados, que incluem verdadeiros microcomputadores nos aparelhos, cada vez mais compactos, passaram-se milênios, com intensificação do desenvolvimento nos últimos séculos. Os computadores, por exemplo, um dos principais símbolos da modernidade eletrônica atual, nada mais são do que a evolução de máquinas de calcular, que remontam aos primeiros dispositivos de cálculo.
Desde a aurora do homem, como a pré-história
(próximo a 4.000 a.C.) é chamada na obra de Kubrick, o ser humano sentiu necessidade de efetuar cálculos. Inicialmente, eram utilizadas pequenas pedras e gravetos, agrupados e separados, para fazer contas como soma e subtração. Os dedos também eram utilizados nessa tarefa. Mas os primeiros registros do que futuramente culminariam na invenção do computador moderno são do oriente antigo. Nessa época apareceu o primeiro dispositivo manual de cálculo: o ábaco. Não há precisão quanto à data, mas há registros que ele teria surgido na Mesopotâmia (atual Iraque), em 5.000 a.C., no Egito, próximo a 3.500 a.C., ou ainda na China, perto de 2.600 a.C.
Composto por uma moldura com bastões
ou arames paralelos, dispostos na vertical – que correspondiam às unidades, dezenas, etc., nos quais eram colocados elementos móveis para realizar a contagem, podendo ser fichas, bolas, contas e assim por diante –, a equação era feita pela combinação dos elementos. O ábaco foi o método de cálculo mais rápido até o século XVII, quando surgiu a Régua de Cálculo, um dispositivo manual para contas rápidas.
Criada pelo inglês William Oughtred, entre as
décadas de 1620 e 1630, ela permitia que as soluções dos problemas numéricos fossem dadas por meio de duas guias graduadas deslizantes. A criação da Régua de Oughtred foi permitida graças à descoberta dos logaritmos pelo matemático escocês John Napier, na década de 1610. A tabela de logaritmos, elaborada por Napier, foi combinada com o dispositivo de William, dando origem à Régua de Cálculo.
Em seguida, surgiram as calculadoras automáticas,
como a Pascalina, a primeira máquina automática de cálculo. Era um equipamento com rodas dentadas que simulavam o funcionamento do ábaco e realizava contas de soma e subtração. Anos mais tarde, na década de 1670, como evolução da Pascalina, surgiu a chamada Calculadora Universal, capaz de realizar, além das funções básicas, a multiplicação, a divisão e a raiz quadrada das equações.
Esses equipamentos e os outros subsequentes
fizeram técnicas e conhecimentos serem aprimorados e difundidos. Essa cadeia, formada por físicos, matemáticos e outros curiosos e interessados pelo mundo técnico, permitiu que Charles Babbage projetasse o primeiro computador moderno. Isso porque nenhum inventor atuou sozinho. Todos deram continuidade a trabalhos anteriores e deixaram abertos os campos para pesquisas e desenvolvimentos futuros.
O primeiro computador totalmente automático
apareceu somente cem anos depois do projeto da Máquina das Diferenças. O Automatic Sequence Controlled Calculator, conhecido como Mark I, foi iniciado em 1939 na Universidade de Harvard, por Howard Aiken, e construído em parceria com a Marinha americana. Com 17 metros de comprimento por 2,5 metros de altura e um peso de cinco toneladas, o computador levava de três a cinco minutos para fazer uma conta de multiplicação. Mas era totalmente automático e não necessitava da intervenção humana para realização de seus cálculos.
Esses avanços representam a economia de horas
de trabalho para os trabalhadores. Isso porque até que máquinas e equipamentos como estes fossem desenvolvidos, as atividades que envolviam números levavam horas, às vezes, dias para serem realizados. Mas nesse período, entre os anos 1930 e 1940, toda a funcionalidade que os componentes eletrônicos poderiam agregar à vida humana era ainda potencial. Esses avanços e descobertas estavam concentrados nas mãos de poucos e não havia, ainda, o interesse de popularizar. O conhecimento, por influência das guerras mundiais, estava restrito a núcleos militares e
O Sistema Nacional Interligado (SIN), que conectou a rede elétrica brasileira a partir da década de
1970, foi possível
surgir com o desenvolvimento dos componentes eletrônicos
universidades de ponta.
Prova disso é que o primeiro computador digital
eletrônico surgiu sete anos depois do protótipo de Harvard, em 1946, com o desenvolvimento das válvulas eletrônicas. Essa máquina era o Eniac (do inglês Electronic Numeral Integrator and Calculator), criado pela Universidade da Pensilvânia em parceria
33
evolução
O ábaco foi o primeiro equipamento manual de cálculo. Surgido na antiguidade, foi utilizado até o século XVII
34
com o governo americano. O projeto foi iniciado em
baratos e com maior precisão. Dessa forma, a cada
1943, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
atualização, eram agregadas diferentes funcionalidades.
e tinha como objetivo computar ações táticas de
Com o passar dos anos e com o aprimoramento da
guerra. Mas como só foi concluído depois do término
técnica, novas tecnologias foram surgindo. A Guerra
do conflito, ele passou a realizar operações pacíficas.
Fria contribuiu para o desenvolvimento tecnológico
dessas máquinas, quando países do bloco capitalista e
O físico Carlos Bertulani relata que, quando foi
finalizado e começou a operar, o Eniac ocupava uma
do bloco socialista investiam em pesquisas militares.
sala de 140 m². Logo após, “no período de 1945 a
Com aprimoramento da tecnologia dos componentes
1951, irão surgir os primeiros computadores, nas
eletrônicos, a redução do custo dos processos e
diferentes universidades inglesas e americanas, ao
o gradual término do conflito permitiram que a
mesmo tempo em que serão construídas as últimas
comercialização dos computadores e de aparelhos
grandes calculadoras”, conta o engenheiro Philippe
eletrônicos começasse, especialmente, nos então
Breton no seu livro História da informática.
chamados países de primeiro mundo.
A partir de 1951, essas máquinas começaram a ser
Esses aparelhos eletroeletrônicos criaram uma
comercializadas e deixaram de ser exclusividade das
nova forma de consumo e alteraram significativamente
universidades pesquisadoras e programas militares.
a vida e as relações de trabalho das sociedades
Inicialmente utilizado em grandes empresas, foram
seguintes. A antropóloga de consumo e professora da
necessárias algumas décadas até que o computador se
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Patrícia
tornasse um produto de consumo de massa, que tivesse
Pavesi, explica que a revolução tecnológica é um
o tamanho e o preço reduzidos e a capacidade e a
dos fatores que tende a alterar padrões de consumo e
velocidade de processamento aumentada.
hábitos de vida, ajudando a explicar as alterações que
a sociedade sofreu.
O engenheiro eletricista e professor doutor da
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/
USP), José Antônio Jardini, relata que, no Brasil, “para
sociedade ocidental pelo rádio e pela televisão, sua
usar um computador na década de 1960, você tinha
sucessora como principal meio de comunicação de
que fazer um contrato com a empresa, levar uma série
massa. O rádio, criado no final do século do século
de cartões com os dados do seu computador e deixar
XIX, e a televisão, na década de 1920, ganharam
lá para o computador ler e processar; você levava para
grande popularidade após as grandes guerras e
a casa e olhava os resultados, se errasse um dado,
alteraram a forma como as famílias se relacionavam
você perdia o serviço e só saberia no dia seguinte, pois
com o lar. No período pós-guerras, possuir um
demorava horas para processar os dados”.
desses dois aparelhos passou a representar status
social e eles passaram a ser objetos da casa a serem
Diversos fatores contribuíram para que aparelhos
Prova disso foram os fenômenos provocados na
eletrônicos passassem a integrar nossas vidas
exibidos aos amigos, como símbolos de modernidade
rotineiramente. Muitos deles vão além da questão do
e sucesso profissional.
desenvolvimento tecnológico. Só a técnica, talvez, não
fosse capaz sozinha de provocar aquilo que alguns,
modelo capitalista imperou sobre o socialista, que
inclusive, chamam de revolução tecnológica ou da
acentuou essas mudanças de hábitos sociais. “Nos últimos
informação. Com o enfraquecimento da Guerra Fria
anos, o consumo aparece como um sinalizador social
e o surgimento da doutrina econômica neoliberalista,
dessas mudanças, inclusive em seus excessos. Dessa
adotada, principalmente, pelos Estados Unidos e pela
forma, mudanças nos padrões de consumo implicam
Inglaterra, os países estavam prontos para explorarem
mudanças no estilo de vida”, acrescenta Pavesi. Foi
o desenvolvimento das indústrias de bens de consumo
quando os equipamentos eletroeletrônicos sofreram um
e de capital, utilizando componentes de eletrônica. Isso
substancial avanço e modernos componentes passaram a
alterou, significativamente, a forma como as pessoas
ser construídos com os aparelhos.
se relacionavam com os produtos consumidos.
Consumo
Ao longo da segunda metade do século XX, o
Assim, diversos fatores contribuíram para o
sucesso da eletrônica na sociedade contemporânea: o desenvolvimento tecnológico, que culminou no barateamento dos aparelhos, que fortaleceu o estímulo
Os componentes eletrônicos foram responsáveis
ao consumismo para garantir status social e, assim por
por tornar equipamentos e aparelhos menores, mais
diante, todos eles alavancaram a produção, o consumo
e se alimentavam ciclicamente.
Quando a eletricidade começou a ser inserida
nas cidades, no Brasil entre 1890 e 1920, ela era recorrentemente associada ao progresso e à modernidade. Quando, na segunda metade do século XX, a eletrônica começou a se firmar como tecnologia dominante, pela maior eficiência e controle dos processos, possuir dispositivos eletroeletrônicos deste tipo também passou a ser associado à atualidade e à modernização.
Componentes eletrônicos
A eletrônica sempre esteve próxima da
área elétrica, até pelo sistema de alimentação e funcionamento. Mas sua aplicação foi gradativa, a partir do desenvolvimento da tecnologia, utilizada
O Eniac, primeiro computador digital eletrônico, surgiu em 1946 com o desenvolvimento das válvulas eletrônicas e ocupava um espaço de 140 m²
inclusive em outras áreas. Antes de chegar esse período, no final do século XIX e início do século XX, quando as usinas geradoras de energia elétrica
Como elas funcionavam a partir do aquecimento de
começavam a se instalar no Brasil para abastecer
seus componentes, era comum, nesse período, que,
pequenas indústrias e núcleos habitacionais, a
para se utilizar rádios, era preciso esperar que estes
eletricidade era um privilégio de poucos.
“esquentassem” até estarem prontos para serem usados.
Nessa época, as instalações eram pontuais, as
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
usinas não se conectavam umas às outras e a energia
a comunicação via rádio foi amplamente empregada,
produzida não era suficiente para abastecer a toda
aproveitando que o conhecimento técnico dos
população. Entretanto, mais do que uma política
aparelhos eletrônicos estava concentrado nos centros
excludente, o número restrito de beneficiados era
de pesquisas militares. Só após a guerra a indústria
uma limitação técnica e de recursos que os primeiros
eletrônica efetivamente surgiu, com o advento das
empreendimentos elétricos brasileiros tinham. Era nesse
emissões radiofônicas, crescendo rapidamente. “Entre
período, ainda, que a eletromecânica dominava o setor.
1922 e 1960, o total anual de vendas de equipamentos
eletrônicos subiu de US$ 60 milhões para US$ 10,2
Só um pouco mais tarde é que “a eletrônica
começou a entrar nos sistemas elétricos, antes da
bilhões”, conta Bertulani.
era da válvula, com os chamados retificadores,
inicialmente de selênio e depois de germânio”, conta
Na década de 1950, as válvulas começaram a ser
o escritor técnico, autor de mais de 100 livros de
substituídas pelos transistores. Desenvolvido em
eletrônica, Newton C. Braga. A válvula foi a primeira
1948 pelos físicos Walter Brattain, John Bardeen e
tecnologia eletrônica utilizada em larga escala,
William Shockley nos laboratórios da Bell Telephone,
especialmente na radiocomunicação, televisão,
conhecida como Bell Labs, nos Estados Unidos, o
computadores e outros equipamentos da primeira
transistor rendeu um Prêmio Nobel da Física, em
metade do século passado.
1956, aos inventores. Composto por um pequeno grão
de material semicondutor, no início, era utilizado o
Desenvolvida na década de 1900 pelo americano
Mas a técnica começou a mudar também.
Lee de Forest, a válvula eletrônica foi utilizada com
germânio mas, posteriormente, foi substituído pelo
força até a década de 1950, momento em que os
silício, no qual eram ligados três ou mais terminais, em
transistores foram desenvolvidos. Também conhecida
geral, filamentos de ouro.
como válvula termiônica ou a vácuo, ela é formada
por um invólucro de vidro com componentes metálicos
comercial na década de 1950, controlavam correntes
no seu interior, funcionando pelo aquecimento de um
muito fracas. Dessa forma, a introdução da eletrônica
filamento metálico. Uma das principais aplicações
nos sistemas elétricos ficou limitada até que os
da válvula eletrônica foi na radiocomunicação.
semicondutores evoluíram a ponto de poder controlar
“Quando os transistores surgiram na forma
35
evolução
Quando os transistores surgiram na forma comercial na década de 1950, controlavam correntes muito fracas. Dessa forma, a introdução da eletrônica nos sistemas elétricos ficou limitada até que os semicondutores evoluíram a ponto de poder controlar correntes intensas
correntes intensas. Foi a época em que a eletrônica
tiristor. Com o advento dos semicondutores, as válvulas
convencional se separou da eletrônica de potência e
foram substituídas pelos transistores, por tiristores,
mais eletrônica passou a ser encontrada nos sistemas
tais como os Diodos Controlados de Silício (SCRs), e
elétricos”, esclarece Newton.
diversos outros semicondutores de potência, como
os Triacs, IGBTs e MOSFETs de potência. O domínio
Mas a implantação dessas novas tecnologias
não era uniforme. O Brasil, por exemplo, estava
sobre a aplicação do silício, utilizado no transistor, foi
muito atrasado em termos de aplicação comercial
fundamental para o sucesso da indústria eletrônica,
desses novos dispositivos. Para se ter uma ideia,
para aplicação no sistema elétrico de potência e para
enquanto os transistores eram criados e começavam
incorporação desses aparelhos com esses componentes
a revolucionar a eletrônica mundial, o Brasil ainda
na vida cotidiana.
estava sedimentado na eletrônica analógica, como
conta o engenheiro eletricista e professor doutor da
tão fortemente dessa técnica que, em uma região da
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/
Califórnia, nasceu um conjunto de empresas dos ramos
USP) José Antônio Jardini: “era muito trabalhoso
de eletrônica e informática, a partir da década de 1950,
operar uma usina, com sistema elétrico antigamente,
que ficou conhecido como Vale do Silício, considerado
porque, na década de 1950 e 1960, você usava telefone
como uma região de desenvolvimento, de vanguarda
e rádio para operar o sistema. Telefonava para a usina
e de inovação tecnológica nesse ramo. Para Newton
e dizia ‘desliga a linha’. Era o uso de eletrônica, de
Braga, o desenvolvimento da tecnologia do silício
comunicação, para apoiar o setor elétrico”.
foi muito importante, pois possibilitou justamente o
Essa atividade de controle manual por meio de
aparecimento de novos dispositivos semicondutores de
sistemas de comunicação com componentes eletrônicos
potência e, ao mesmo tempo, microcontroladores cada
descrita por Jardini era chamada de despacho de carga.
vez menores, mais baratos e mais sofisticados a ponto
Muito comum em meados do século XX no Brasil,
de possibilitar a implantação de controles de potência,
começou a ser substituído quando as usinas foram
comandos, inversores e muitos outros dispositivos de
integradas ao Sistema Nacional Interligado (SIN), a
forma simples e eficiente.
partir da década de 1970, integrando as usinas do
setor elétrico brasileiro. Apesar de nem toda a malha
permitiu ainda a criação dos circuitos integrados,
elétrica do país estar interligada atualmente, a utilização
entre o final da década de 1950 e início de 1960.
de equipamentos elétricos e eletrônicos melhorou
Eles surgiram da necessidade cada vez maior da
consideravelmente o controle de operação e os
miniaturização e da economia de custos dos circuitos
processos, deixando-os mais precisos, seguros e rápidos.
eletrônicos. Admitiram, para os computadores,
a multiprogramação e a evolução dos sistemas
Apesar de terem demorado um tempo maior
O domínio da utilização de semicondutores
para serem introduzidos nos sistemas elétricos
operacionais. Também conhecido como chip, um
de potência, os transistores foram rapidamente
circuito integrado é um dispositivo microeletrônico
incorporados em equipamentos elétricos que
que conta com muitos transistores. Com dimensões
não exigiam grande potência, como na nascente
extremamente reduzidas, os componentes são
eletrônica de lazer, especialmente nos países mais
formados em pastilhas de material semicondutor.
desenvolvidos do hemisfério norte. Com isso,
a válvula foi substituída por esse componente
microprocessadores. Também conhecidos como CPUs
eletrônico mais moderno, rápido, barato e eficiente.
ou unidades centrais de processamento, são circuitos
Assim, os novos computadores conseguiram ter
integrados que realizam funções de computação em
seus tamanhos reduzidos, além do custo, que
uma máquina. A primeira CPU lançada foi o Intel
foi barateado, e da melhoria da velocidade das
4004, em 1971. Ela marcou época porque, até então,
operações. A indústria eletrônica se preparava
diversos transistores em chips tinham que ser ligados
então para crescer em produção e lucratividade nos
um a um para fazer funcionar o computador. Com
anos seguintes.
o microprocessador, todas as funções e comandos
eram realizados a partir de um único chip. Essas
Em 1958, a General Electric lançou um novo
dispositivo semicondutor multicamadas chamado 36
O desenvolvimento de computadores se aproveitou
Já na década seguinte, em 1970, surgiram os
novas tecnologias permitiam avanços não só na área
Gerações de computação, mas também nas indústrias que se modernizavam, especialmente pela automação de seus
dos computadores
Geração
Período
Tecnologia eletrônica
1ª
1940 – 1952
Válvulas a vácuo
2ª
1952 – 1964
Transistores
3ª
1964 – 1971
Circuitos integrados
4ª
1971 – 1981
Microprocessadores
1981 – Hoje
Circuitos com alta integração, VLSI (Very Large Scale Integration) e ULSI (Utra Large Scale Integration)
processos; nos transportes urbanos; entre outros.
Foi nessa década também que a eletrônica de
potência começou a ser aplicada em maior escala em diversas aplicações do sistema elétrico brasileiro. A eletrônica de potência permitiu um melhor controle de motores para tração elétrica, utilizados em metrôs e trens; o desenvolvimento de disjuntores de estado sólido; assim como a aplicação de componentes eletrônicos em diversas outras aplicações industriais. Foi em 1974, por exemplo, que a primeira linha de metrô do Brasil foi inaugurada, em 14 de setembro, na capital paulista, ligando Jabaquara à Vila Mariana.
O diretor de operação do Metrô de São Paulo,
Conrado Grava de Souza, e o engenheiro eletricista e consultor metroviário, Peter Alouche, relatam no artigo “Evolução da tecnologia no Metrô de São Paulo” algumas das alterações do período: “Era uma época de importantes inovações tecnológicas em todos os setores – elétrico, eletrônico e mecânico, com a telecomunicação e a informática sofrendo uma verdadeira revolução, em grande parte, fruto da conquista espacial. Os técnicos, então souberam aproveitar adequadamente esses avanços, na especificação dos sistemas de sinalização, com a adoção pioneira em linhas novas de metrô da condução automática e da supervisão automática da operação com uma centralização operacional para a supervisão e controle global de todos os subsistemas a partir de um centro de controle totalmente informatizado, inédito para os anos 1970”.
O aprimoramento da técnica e o barateamento
dos equipamentos, aliados ao desenvolvimento da internet, permitiram que um número muito maior de pessoas tivesse acesso ao conhecimento e à informação, o que implica uma pluralidade cada vez maior de tecnologias e ferramentas.
Pesquisa: • Livro “História da Informática”, de Philippe Breton. Unesp. • Livro “Memórias do computador: 25 anos de informática no Brasil”, de Vera Dantas e Sonia Aguiar. IDG Computerworld do Brasil. • Artigo “Introdução à Informática – História da Informática – Um olhar pelo sistema”, de Raul Silvério Coutinho. • Artigo “Do transistor ao microprocessador”, de Ewaldo L. M. Mehl. • Artigo “História da Eletrônica”, de Carlos A. Bertulani. • www.newtoncbraga.com.br
5ª
Principais características • Armazenamento de dados em cartões perfurados • Surgem os primeiros tambores magnéticos • Grandes computadores • Poucas horas de funcionamento • Aplicação científica e militar • Tempo de operação: milissegundos • Núcleos de ferrite, fitas e tambores magnéticos são usados como memória • Diminuição de tamanho • Mais rápidos • Menor consumo de energia • Aplicação gerencial e administrativa • Tempo de operação: microssegundos • Evolução dos sistemas operacionais • Miniaturização dos componentes • Redução do tamanho • Menor custo • Surgimento da multiprogramação • Memória feita com semicondutores e discos magnéticos • Surgimento do microprocessador permitiu grande redução no tamanho • Surgem muitas linguagens de programação • Tempo de operação: nanossegundos • Popularização do uso • Discos magnéticos de capacidade muito grande • Inteligência artificial • Alta velocidade de processamento • Alto grau de conectividade • Tempo de operação: picossegundos
Fonte: Artigo Introdução à informática – História da informática – Um olhar pelo sistema, de Raul Silvério Coutinho e apresentação “Evolução dos Computadores”, de Alexandre Vitoreti de Oliveira, professor de Tecnologias para Sistemas de Informação da Unisul
37
nuclear
Por Gildo Magalhães
ENERGIA ATÔMICA Uma fonte para a “segunda onda” de eletrificação
38
A ampliação exponencial do consumo energético
átomo e em volta elétrons, de carga negativa.
ao longo dos tempos deve-se, historicamente, a
avanços tecnológicos como os que levaram ao
alguns núcleos eram estáveis, ao passo que outros
desenvolvimento da máquina a vapor, do motor
se desintegravam naturalmente, emitindo radiação,
elétrico, do motor a explosão, da eletrônica e da
fenômeno especialmente estudado na França
micro-eletrônica, etc. Se é verdade que a história
pelo casal Curie, Marie e Pierre, e que os levou à
da humanidade pode ser contada como a das crises
descoberta de novos elementos químicos, como o
energéticas sucessivas, como o desflorestamento da
rádio. Em 1932, novas experiências amadureceram
Europa na Idade Média e, mais contemporaneamente,
a ideia de que o interior do núcleo atômico continha
a escassez relativa do carvão, do petróleo, etc., não é
dois tipos de constituinte: o próton, com sua carga
menos verdade que esta é também a história de como
elétrica positiva, e o nêutron, sem carga, mas com
tais crises foram superadas pelo engenho criativo
propriedades especiais, pois alguns conseguiam
do ser humano. A busca por fontes energéticas
atravessar paredes espessas. Começou-se a usar os
abundantes, mais eficientes e baratas faz parte do
recém-descobertos nêutrons para bombardear átomos
padrão cultural humano de todas as épocas e lugares.
pesados como o urânio, até que uma pesquisadora
alemã, Lise Meitner, do laboratório de Otto Hahn,
A conquista da energia nuclear é, nesse sentido,
Em seguida, discutiu-se intensamente porque
um dos relatos mais fascinantes da história da ciência.
percebeu que nesse processo acontecia a quebra do
Seu uso controlado foi considerado pelo cientista
núcleo atômico, ou fissão nuclear, dando origem a
Linus Pauling (Prêmio Nobel de química em 1954
átomos mais leves e liberando uma energia enorme,
e Nobel da paz em 1962) como a mais importante
que se podia calcular usando a fórmula de Einstein de
contribuição científica desde a conquista do fogo
conversão da matéria em energia.
pelo homem primitivo. A radioatividade natural de
certas substâncias despertou a atenção dos cientistas
de fissão durante um tempo em que essa energia
principalmente nas últimas décadas do século XIX,
liberada pudesse ser aproveitada? Com os trabalhos
quando se sucederam inúmeras investigações e
de Enrico Fermi realizados já nos Estados Unidos
descobertas: os raios catódicos e a luz fluorescente, os
durante a Segunda Guerra Mundial, estabeleceram-
raios X evidenciados por Röntgen em 1895 (e que logo
se as condições teóricas e práticas para responder
se transformaram em um uso pioneiro e pacífico da
afirmativamente, por meio da chamada reação
energia nuclear na medicina) e a radiação do urânio.
em cadeia, que aproveitava o produto de uma
fissão emitindo novos nêutrons que, por sua vez,
Esses fenômenos apontavam para a existência
Seria possível manter uma reação química
de uma estrutura interna do átomo e vários modelos
bombardeavam outros núcleos pesados, criando um
hipotéticos foram sucessivamente propostos e
efeito multiplicador em cascata. Estava assim realizado,
debatidos, em especial os de Thomson, Rutherford e
de certa forma, o velho sonho dos alquimistas de
Bohr. No início do século XX, chegou-se aos poucos
transmutação da matéria.
a um consenso, de que haveria um núcleo de carga
elétrica positiva onde se concentrava a massa de cada
coordenaram então um maciço esforço de equipes
No secreto Projeto Manhattan, os americanos
39
nuclear
40
científicas, lideradas por Robert Oppenheimer para
primeiro submarino Nautilus foi assim denominado
produzir um formidável artefato bélico, cujo protótipo
em homenagem a Júlio Verne, que em Vinte Mil
foi testado com êxito em Los Alamos em 1945. A
Léguas Submarinas havia descrito uma embarcação
seguir prepararam-se as bombas atômicas que seriam
desse tipo. Logo, a Alemanha construiu o primeiro
desnecessárias e cruelmente lançadas contra o Japão
cargueiro nuclear, o Otto Hahn. Conhecimentos na área
em Hiroshima e Nagasaki, pondo fim à Segunda
energética acabaram revertendo para outras aplicações
Guerra Mundial.
nucleares, como na medicina (rádio-isótopos e outros
elementos radioativos para tratamento e cura do
O que é menos conhecido dessa história nuclear é
que já há tempos tinha-se pensado em usar a grande
câncer) e na agricultura, para irradiação de alimentos
liberação de calor promovida pela reação nuclear para
– um método econômico de conservação sem alterar
esquentar água e assim promover a geração térmica
sua aparência ou gosto, aplicável a muito mais classes
de eletricidade. A ampliação em grande escala dos
de alimentos do que a tradicional pasteurização. Cabe
primeiros reatores nucleares com essa finalidade se
citar aqui o avanço brasileiro nessas áreas, verificado
daria no início da década de 1950, graças a esforços de
pelo trabalho de instituições como, respectivamente,
cientistas, como o casal francês Frédéric Joliot e Irène
o Instituto de Pesquisas de Energia Nuclear (Ipen) na
Curie, que, a partir de 1948 estabeleceram um plano
Cidade Universitária, em São Paulo, e o Centro de
de metas do Estado para impulsionar a economia
Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade
debilitada pela guerra, usando como mola propulsora
de São Paulo em seu campus de Piracicaba.
o consumo de eletricidade gerada nuclearmente. A
comunidade internacional percebeu que a energia
energia a partir do núcleo atômico. Existe também
nuclear permitiria uma independência da importação
a possibilidade de se juntar núcleos de átomos leves,
do petróleo árabe, como, aliás, evidenciou-se com a
formando um elemento mais pesado – é a fusão
crise egípcia-israelense do Canal de Suez, deflagrada
nuclear. O processo é de tal maneira mais eficiente
em 1956.
que todas as outras formas de produção energética,
que ele pôde finalmente explicar algo que intrigava
O programa Átomos para a Paz foi lançado
A fissão nuclear não é a única forma de produzir
em 1953 pelo presidente Eisenhower, destinado a
os cientistas há muito tempo: de onde as estrelas
incentivar o uso pacífico e a pesquisa da energia
tiram o combustível para manter suas temperaturas
nuclear, tornando-se um grande incentivo para
extraordinariamente altas? A resposta é que elas
desenvolver a correspondente indústria americana. As
realizam reações de fusão nuclear como fonte
décadas de 1960 e 1970 viram uma expansão notável
energética, como o nosso Sol, que funde átomos
da produção nuclear de eletricidade, até que a opinião
de hidrogênio (trata-se de isótopos de hidrogênio,
pública foi mobilizada contra, em virtude dos acidentes
deutério e trítio; isótopos são variantes de um átomo,
dos reatores de Three Mile Island (1979) nos Estados
cujos núcleos têm o mesmo número de prótons, mas
Unidos e de Tchernobyl (1986), na Ucrânia.
quantidades diferentes de nêutrons), transformando-os
em hélio.
Nesse entremeio, o uso nuclear pacífico se
expandiu. Além da geração elétrica para uso público,
a marinha dos EUA, tendo o almirante Rickover à
para criar armas e a bomba de fusão do hidrogênio
Infelizmente, tal capacidade também foi utilizada
frente, equipou submarinos com propulsão nuclear – o
foi experimentada pelos Estados Unidos em 1952,
A conquista da energia nuclear é um dos relatos mais fascinantes da história da ciência. Seu uso controlado foi considerado pelo cientista Linus Pauling como a mais importante contribuição científica desde a conquista do fogo pelo homem primitivo.
41
nuclear
intensificando a corrida armamentista, transformada
matriz elétrica), Hungria, Suécia e Coreia do Sul (todos
em guerra “fria” nas décadas subsequentes. Apesar
acima de 40%), Suíça, Espanha, Alemanha, Japão
disso, a energia de fusão também se presta de forma
(30%), Estados Unidos e Grã-Bretanha (20%), Canadá
notável para a produção de usinas elétricas térmicas.
e Argentina (15%). São ao todo 44 países em que a
O problema tem sido manter a reação de fusão a
energia nuclear desempenha algum papel relevante na
temperaturas altas por um tempo suficiente para que
matriz energética nacional.
o processo seja econômico, e houve grandes avanços
na pesquisa tecnológica de materiais e processos nesse
atentar para vários fatores, começando com a
sentido, como na implosão a laser e nos geradores
concentração de energia implícita na eletricidade
toroidais (“tokamak”).
de origem nuclear. Uma usina com potência de 1
Não há dúvida de que a energia nuclear
Gigawatt necessita de 35 toneladas de urânio para
possibilitada pela fusão se apresenta no momento
suprir durante um ano uma cidade com um milhão
como a mais interessante, pois a matéria-prima para
de habitantes; se fosse uma térmica a carvão seriam
é liberada de forma
a fusão é abundante, servindo, por exemplo, a água
necessárias 2 milhões de toneladas de hulha.
descontrolada, ao
pesada (com os isótopos de hidrogênio e existente
nos mares) e o lítio (que se encontra por toda parte na
operou durante nove anos consumindo apenas 55
crosta terrestre). Assim, virtualmente, qualquer nação
quilos de combustível nuclear. A densidade energética
teria em princípio acesso à matéria-prima energética,
(quantidade de energia gerada por unidade de massa
ficando livre de cartéis de fornecedores. Enquanto
do combustível) do urânio natural em um gerador de
a fusão pura não se torna comercial, uma solução
última geração (com regeneração de combustível a
alternativa é o reator híbrido de fissão-fusão, em que a
partir do chamado “lixo” atômico) é mais de 500 mil
energia nuclear da fissão pode servir para a ignição da
vezes maior do que a da gasolina – permitindo que
reação de fusão.
o custo da eletricidade gerada seja competitivo com
o da própria hidroeletricidade. Caso se viabilize o
Em todas as aplicações bélicas, a energia nuclear
passo que no uso pacífico se delimita e se consegue desacelerar de forma controlada a produção de
A necessidade de gerar eletricidade continua
Para entender o porquê dessa opção, é necessário
Outra comparação: o navio mercante Otto Hahn
sendo um dos mais fortes impulsionadores para o
reator de fusão, a densidade energética seria ainda no
uso pacífico da energia nuclear e, como referido, a
mínimo 14 vezes maior do que no melhor reator de
França foi pioneira nesse esforço. Isso se deveu a
fissão de urânio.
diversos fatores, entre eles a relativa dificuldade de
nucleares modernas
aproveitar a geração hídrica nos rios franceses e o
é liberada de forma descontrolada, ao passo que no
são potencialmente
alto nível científico e tecnológico do país, que pôde
uso pacífico se delimita e se consegue desacelerar
ser aplicado à indústria nuclear e levou a um custo do
de forma controlada a produção de nêutrons na
quilowatt-hora mais baixo do que nas usinas térmicas
reação em cadeia. As usinas nucleares modernas são
que usam combustível fóssil, bem como mais baixo
potencialmente mais seguras do que outras formas
do que a energia nuclear em outros países europeus.
de geração, inclusive a hidroeletricidade. Para isso
O resultado é que 80% da eletricidade francesa é
contribuiu o desenvolvimento do conceito de failsafe,
de origem nuclear. Há, porém, outros motivos, que
ou falha segura, isto é, em caso de qualquer falha que
levaram à expansão da eletricidade de origem nuclear
possa comprometer a segurança do sistema, o processo
por outros países do mundo, como: Bélgica (60% da
é levado à interrupção.
nêutrons na reação em cadeia.
As usinas
mais seguras do que outras formas de geração, inclusive a hidroeletricidade. 42
Em todas as aplicações bélicas, a energia nuclear
Não há dúvida de que a energia nuclear pela fusão se apresenta como a mais interessante, pois a matéria-prima para a fusão é abundante, servindo, por exemplo, a água pesada e o lítio - recursos abundantes.
Esse princípio já tinha sido introduzido desde
considerada ao mesmo tempo uma das mais limpas
meados do século XIX na tecnologia ferroviária
que há e uma verdadeira fábrica de novos materiais.
para controle do tráfego (a chamada engenharia de
“sinalização ferroviária”), com o uso de componentes
nuclear feita por vários países deve-se lembrar que
ditos “vitais” – em caso de situação de insegurança
não é desprezível o custo de transmissão da energia
ou de falha do próprio dispositivo de segurança, o
elétrica. No caso das barragens hidrelétricas, seu
sistema de controle interrompia a circulação de trens,
local é definido por critérios de desnível, vazão, área
gerando um sinal vermelho – mais modernamente
de alagamento, etc. e normalmente a geração fica
esse sistema atua nos próprios trens e leva-os à
a centenas ou milhares de quilômetros dos centros
parada automática. Essas noções de segurança foram
consumidores, necessitando-se de extensas linhas
generalizadas e estendidas às regras operacionais, aos
de transmissão de alta tensão, o que tem encarecido
programas de computador e outros itens das centrais
consideravelmente a eletricidade.
nucleares – o que pode ser atestado comparando-se o
projeto conceitual de usinas modernas com uma antiga
a um custo relativamente baixo até a usina, pois
como a de Tchernobyl, concebida dentro de premissas
graças à já citada alta densidade energética se trata
mais adequadas ao uso militar do que civil da energia
de quantidades comparativamente pequenas de
nuclear.
combustível, as centrais podem ser localizadas próximas
aos consumidores e até serem levadas para locais
Com essas medidas, a energia nuclear de fissão
Finalmente, para entender a adoção da energia
Como o combustível nuclear pode ser deslocado
e fusão torna-se mais segura do que viajar de avião
ainda pouco povoados, como um vetor para induzir
ou de metrô. A segurança decorre dos altos índices
o desenvolvimento econômico (conceito de cidades
de confiabilidade das usinas nucleares, de seus
“nuplex”). Isto permite planejar complexos agro-
componentes e processos, que são resultado do
industriais ou de extração e beneficiamento de minérios,
investimento intensivo em tecnologia. A própria carga
e sua respectiva infraestrutura, com uma flexibilidade
radioativa a que toda pessoa está constantemente sujeita
maior do que com outras fontes de energia.
no planeta (devido à radiação terrestre natural, aos raios
cósmicos, etc.) é cerca de dez vezes maior do que aquela
da Segunda Guerra Mundial chamar a atenção da
recebida pelo trabalhador nas usinas nucleares.
necessidade de se pesquisar e produzir a energia
nuclear. O almirante Álvaro Alberto (1889 – 1976), que
Outro fator de atratividade para a energia nuclear
No Brasil, coube a um cientista e militar ao final
tem sido a progressiva reciclagem dos resíduos
era também químico e empresário, foi eleito presidente
radioativos. A expressão “lixo atômico” é, aliás,
da Comissão de Energia Atômica da recém-criada
inteiramente inadequada, pois os produtos da fissão
Organização das Nações Unidas (ONU), cargo em
nuclear são ricos em produtos cuja aplicação tem
que se empenhou para garantir o acesso à energia
despertado cada vez mais a atenção dos cientistas. Os
nuclear aos países em geral, e não somente para as
produtos das reações nucleares contêm uma grande
superpotências. Esta sua posição causou-lhe muitos
variedade de isótopos úteis para uma série de processos
problemas políticos, principalmente, por parte dos
naturais, alguns com propriedades inovadoras, que
Estados Unidos. No Brasil, Álvaro Alberto conseguiu
só agora começam a ser estudadas. Adotando-se
criar o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) em
esse enfoque tecnológico, a energia nuclear pode ser
1951, importante suporte para o desenvolvimento
43
nuclear
44
científico em geral.
reação em cadeia. Tal façanha permitiu ao Brasil entrar
no seleto clube dos que dominam essa tecnologia,
Após um período de instalações experimentais
de pequeno porte e o estabelecimento de grupos
podendo-se imaginar um futuro de independência
de pesquisa (em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
econômica com relação ao cartel europeu de
Gerais), já durante o período de governo militar pós-
enriquecimento do urânio – o que causou verdadeira
1964, foi comprada a usina nuclear de Angra 1 (depois
celeuma internacional, tendo inclusive sido motivo
batizada com o nome de Álvaro Alberto), que começou
para a Agência Internacional de Energia Atômica fazer
a ser construída em 1972 mas só entrou em operação
vistoria em Iperó com o pretexto de comprovar se
comercial a partir de 1985. Esta usina sofreu atrasos
havia intenção de fabricar armas nucleares.
diversos, mas a acusação maior que se pode fazer é
ter sido comprada dos Estados Unidos na forma de
diversas etapas de fabricação do elemento combustível,
“caixa preta”, sem permitir o acesso pelos brasileiros à
por outro lado, pode-se considerar uma nação
sua tecnologia. Mesmo com tantos problemas, deve-se
favorecida por possuir enormes jazidas de minério
ressaltar que Angra 1 é responsável por suprir uma
(uma das maiores reservas mundiais, na forma de
importante zona industrializada no sudeste brasileiro
uraninita), principalmente as de Lagoa Real (Bahia)
e um sinal de sua importância foi que, durante o
e Itatiaia (Ceará). Apenas um quarto do território
dramático apagão registrado em 2001, ela contribuiu
nacional já foi devidamente mapeado quanto a isso,
para que a situação no Estado do Rio de Janeiro não se
mas nessa região já se constatou que há imensas
tornasse ainda pior.
reservas de minério (300.000 toneladas).
Depois de Angra 1 foi assinado, ainda durante o
Se o Brasil atualmente domina todo o ciclo das
Na matriz energética é saudável haver diversidade
período militar, um acordo de cooperação nuclear entre
e, dependendo de diversos condicionantes sócio-
o Brasil e a Alemanha Ocidental, que trouxe alguns
econômicos e geo-climáticos, as diversas fontes
novos e sérios problemas – sobrelevando que parte
energéticas serão recomendáveis, tanto as tradicionais
da tecnologia vendida pelos alemães ainda não era
quanto as consideradas alternativas, sem exclusão.
testada. Desse acordo resultaram as usinas de Angra
Observa-se, no entanto, que a insistência nas energias
2 e 3 (ainda não terminada). Hoje Angra 1 e Angra 2
alternativas em detrimento das energias tradicionais
abastecem quase metade da demanda energética do
representa muitas vezes um desdobramento do
Estado do Rio de Janeiro e representam cerca de 2%
pensamento malthusiano, derivado da visão de política
da matriz de geração brasileira. Um programa militar
econômica do inglês Malthus ao final do século
secreto envolvendo a energia nuclear foi denunciado
XVIII, segundo a qual os recursos são finitos e seu
no governo Collor, tendo sido descontinuado em
esgotamento compromete o padrão de vida dos mais
1991. Mesmo assim, permaneceu em vigência um
desenvolvidos.
acordo de pesquisa nuclear envolvendo a Marinha, a
Universidade de São Paulo e o Instituto de Pesquisas
em palavras cuja boa intenção é notável, mas que
Energéticas e Nucleares (IPEN) para desenvolver um
frequentemente aparecem envoltas em um manto de
protótipo de gerador elétrico para submarino.
obscuridade, tais como “crescimento sustentável”. É
preciso evitar que sob uma ideia útil e de apelo popular
Apesar dos cortes drásticos de verbas e da
Essa ideia tem se traduzido nos últimos tempos
falta de apoio oficial, a Marinha continuou suas
se esconda uma intenção de diminuir o potencial
pesquisas em Iperó, próximo a Sorocaba, no interior
que necessita ser liberado pela industrialização e
de São Paulo. O fruto dessa persistente batalha foi
pleno emprego da economia. É nestas condições
alcançar em 2006 o completo domínio do ciclo de
que o termo “sustentável” nem sempre é bem
enriquecimento do urânio, ao nível necessário para a
entendido, podendo se transformar apenas em uma
produção de eletricidade – o urânio natural precisa ser
justificativa de adotar um crescimento paliativo,
“enriquecido” por isótopos que possibilitem manter a
abaixo do necessário para o pleno emprego produtivo
A energia nuclear de fissão e fusão torna-
que viria com o desenvolvimento econômico
primeiro nível, em uma proporção muito maior do que
acelerado. O conservacionismo quando aliado ao
a que corresponde à sua presença nas profissões de
anti-industrialismo deixa de lado a potencialidade
física, química ou engenharia. Pode-se dizer que sem
para realizar um crescimento virtualmente ilimitado,
a participação feminina, desenvolvimentos cruciais da
principalmente se for levado em conta o potencial de
energia nuclear não teriam sido possíveis na época e
viajar de avião ou de
se resolver as crises pelo uso da capacidade criadora da
nas circunstâncias em que ocorreram. Uma lista mais
mente humana.
completa seria longa, mas apenas para citar algumas
metrô. Isso porque
dessas mulheres, lembramos os nomes de Marie Curie,
A política energética faz parte do planejamento
estratégico das nações independentes para criar
Irène Curie, Lise Meitner, Ida Noddack, Marguerite
e ampliar sua infraestrutura. Sem energia de alta
Perey, Maria Goeppert-Meyer, Elisabeth Rona, Mareitta
densidade, não há meio para se atingir o bem-estar
Blau, Ellen Gleditsch e Leona Wood.
social com uma boa qualidade de vida, o que está
2) O almirante Álvaro Alberto tentou, sem conseguir,
intimamente ligado aos objetivos sociais mais amplos
uma licença dos americanos para importar uma central
e a serem distribuídos de forma mais justa e equitativa,
nuclear dos EUA em 1953. A alternativa então por
como habitação, saúde, educação e cultura.
ele imaginada foi comprar na Alemanha, em 1954, as
partes componentes de ultracentrífugas para realizar
Neste sentido, a distribuição do consumo
energético é altamente concentrada no mundo e no
um dos processos para enriquecimento de urânio. Com
Brasil, em particular. Cerca de um terço da população
esse estratagema, as autoridades norte-americanas não
mundial não tem acesso à eletricidade e o Brasil
perceberam o que se escondia no carregamento que
consome em média três vezes menos eletricidade do
partiria em navio do porto de Hamburgo. No entanto,
que a Espanha ou Portugal e seis vezes menos do que
partiu do próprio Itamarati uma denúncia do fato às
os EUA. Há uma demanda reprimida de eletricidade,
autoridades norte-americanas, que embargaram o
que se evidenciará cada vez mais claramente à medida
despacho, pois a Alemanha era então um país ainda
que houver a substituição dos combustíveis fósseis,
militarmente ocupado pelos Aliados.
como por exemplo, nos transportes, sem falar no risco
3) Houve muito folclore em torno da necessidade de
de sérios e continuados apagões. Não parece remoto
aprofundar as escavações para os alicerces de Angra
falar na necessidade de uma segunda onda mundial de
1. Dizia-se que a usina estava sendo construída em
eletrificação, a exemplo daquela que ocorreu no início
terreno inapropriado, algo que seria sabido até pelos
do século XX. A questão nuclear tem sido palco de
indígenas, que chamavam aquele local de Itaorna, ou
grandes controvérsias.
pedra podre. Ocorre que a praia de Itaorna deriva seu
nome de um pico defronte na Serra do Mar, este sim
Para esta nova fase de eletrificação, é necessário
saber algo dessa história da energia nuclear para
possivelmente chamado de Itaorna por algum motivo
entender como a sua contribuição tenderá a crescer
legítimo...
com o esgotamento das fontes convencionais e pela impossibilidade das fontes alternativas suprirem essa demanda reprimida de forma significativa e econômica.
Algumas curiosidades envolvendo a energia nuclear 1) Há poucos domínios científicos e tecnológicos em que a presença das mulheres tenha sido tão significativa quanto na pesquisa nuclear. Elas desempenharam neste setor um papel protagonista de
se mais segura do que
os altos índices de confiabilidade das usinas nucleares, de seus componentes e processos, são resultado de investimento intensivo em tecnologia.
Pesquisa: Guilherme Camargo. O fogo dos deuses. Rio de Janeiro: Contraponto. D. Hémery, J.-C. Debier, J.-P. Deléage. Uma história da energia. Brasília: Edunb. Bruno Latour. “Joliot: a história e a física misturadas”. Michel Serres (Ed.), Elementos para uma história das ciências, vol. 3. Lisboa: Terramar. Paulo Marques. Sofismas Nucleares. São Paulo: Hucitec. S. Motoyama, J.C.V. Garcia (Org.). O almirante e o novo Prometeu. São Paulo: Edunesp. Jonathan Tennenbaum. Energia nuclear. Rio de Janeiro: MSIa. Jonathan Tennenbaum. A economia dos isótopos. Rio de Janeiro: Capax Dei.
Gildo Magalhães dos Santos é professor livre-docente em História da Ciência na Universidade de São Paulo (USP).
45
sob um olhar
Por Renato de Oliveira Diniz
Crédito da foto Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC)
A CONSTITUIÇÃO DA CESP COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO DA ENGENHARIA HIDRELÉTRICA BRASILEIRA
Usina Euclides da Cunha em obras (rio Pardo, SP, 1956), uma das primeiras hidrelétricas construídas com investimentos do tesouro paulista. Sua construção foi iniciada em 1954 pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e inaugurada em 1960 pela Companhia Hidrelétrica do Rio Pardo (Cherp), uma das estatais antecessoras da Cesp.
46
No começo de março de 1980, a Eletronorte
e na operação de usinas geradoras de médio e
construía a maior usina hidrelétrica inteiramente
de grande porte possibilitou, a partir dos anos
brasileira – Tucuruí, 8.360 MW – no rio
1950, principalmente nos Estados de São Paulo,
Tocantins, no estado do Pará, quando as obras
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a criação de
foram atingidas pela maior cheia observada, no
conhecimento técnico e de tecnologia necessários
século XX, nesse rio. A cheia, entre as cidades
para a expansão desse setor no Brasil.
de Marabá e Tucuruí, não foi provocada pela
construção da usina, pois ocorreu fora da área
foi criada em dezembro de 1966, tendo como
de alagamento do reservatório e o rio ainda não
principal acionista o tesouro do Estado de
estava represado; mas tornou-se séria ameaça à
São Paulo e se caracterizava, já no início dos
continuidade da construção da usina se rápidas
anos 1980, como empresa portadora de parte
e eficientes medidas não fossem tomadas pela
significativa do conhecimento acumulado no país
Eletronorte e pela empresa responsável pelas
da tecnologia de construção de grandes usinas
obras civis (Camargo Corrêa). Para altear em
hidrelétricas. A cooperação técnica fornecida à
poucos dias a ensecadeira (barragem provisória
Eletronorte na construção de Tucuruí demonstra a
que ‘seca’ parte do leito do rio para a construção
‘expertise’ da empresa geradora paulista, que não
das estruturas definitivas de concreto), a
se traduzia apenas nos conhecimentos técnicos
Eletronorte contou com a cooperação da
de projeto, construção e operação técnica dessas
Companhia Energética de São Paulo (Cesp), no
centrais hidrelétricas.
fornecimento de informações a respeito das
vazões e das chuvas. A contribuição fornecida
projetos em execução por suas antecessoras, seu
pela companhia paulista foi importante, pois
corpo técnico precisou desenvolver a percepção
forneceu subsídios para a equipe que, por dias e
de que construir uma usina que aproveita a força
noites seguidos, transformou o que poderia ser um
das águas de um rio para gerar energia elétrica
dos maiores desastres da construção hidrelétrica
pressupõe uma série de necessidades que, em
no Brasil, em uma prova da capacitação da
um primeiro momento, pode parecer apenas o
engenharia brasileira nessa área. A experiência
conhecimento sobre como desenvolver a maior
desenvolvida no estudo, no projeto, na construção
capacidade possível de se produzir quilowatts/
e na operação de usinas geradoras de médio e
hora a partir da construção de uma barragem e de
de grande porte possibilitou, a partir dos anos
uma casa de máquinas. Foi preciso desenvolver
1950, principalmente nos estados de São Paulo,
métodos de trabalho que também dessem conta
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a criação de
das dimensões sociais, culturais, econômicas e
conhecimento técnico e de tecnologia necessários
ambientais de modo abrangente e complexo.
para a expansão desse setor no Brasil.
a criação da Cesp foi o passo institucional que
A assistência técnica fornecida pela
A Cesp, resultado da fusão de onze empresas,
Crédito da foto Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC)
Durante a construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira (rio Paraná, SP/MS, anos 1960) foi necessário o desenvolvimento de vários estudos, muitos deles pioneiros no país, resultado da cooperação da Celusa/Cesp, do Instituto de Pesquisas Técnológicas (IPT) e das empresas envolvidas com sua construção.
Desde sua constituição, ao ‘herdar’ as obras e
Apesar de acontecer com dez anos de atraso,
companhia paulista foi importante para nortear o
marcou e definiu a implantação de grande
trabalho da equipe que, por dias e noites seguidos,
parte das diretrizes estabelecidas no Plano de
heroicamente transformou o que poderia ser um
Eletrificação do Estado de São Paulo, estudo
dos maiores desastres da construção hidrelétrica
encomendado pelo Departamento de Águas e
no Brasil, em uma prova da capacitação da
Energia Elétrica da Secretaria de Viação e Obras
engenharia brasileira nessa área; cuja experiência
Públicas do governo paulista e apresentado, em
desenvolvida no estudo, no projeto, na construção
1956, pela Companhia Brasileira de Engenharia
47
Usina de Ilha Solteira: grandes estruturas de concreto demandaram um amplo esforço de capacitação da engenharia nacional.
48
Crédito da foto Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC)
sob um olhar (CBE) que, em 1950, entregara plano semelhante
da indústria de material elétrico leve, ao
ao governo de Minas Gerais.
mesmo tempo em que capitalizou e capacitou
tecnicamente empresas privadas de construção
O Plano de Eletrificação, após um estudo das
perspectivas de desenvolvimento da economia
civil pesada, muitas delas atualmente constituídas
paulista e de uma análise histórico institucional
como fortes grupos empresarias nacionais em
de seu setor elétrico, define a forma como
processo de internacionalização.
deveria se dar a intervenção estatal na produção,
transmissão e distribuição da energia elétrica
técnica podemos fazer referência a depoimentos
em São Paulo. A linha diretriz era a criação
que recolhemos recentemente de engenheiros
imediata de uma holding controlada pelo
envolvidos com a construção das usinas do
tesouro estadual (Centrais Elétricas Paulistas –
complexo de Urubupungá (Jupiá e Ilha Solteira),
CELP) que seria responsável pela implantação e
que relatam a dificuldade inicialmente encontrada
operação de um sistema de usinas geradoras de
para a adoção de dimensões maiores para as
potência suficiente para dar base e incentivar
camadas de concretagem dos grandes blocos de
o crescimento econômico do Estado; de um
concreto armado da barragem, de dimensões
sistema de transmissão, interligado e coordenado
inusitadas para a época, a fim de que se pudesse
pela empresa; e da incorporação dos negócios
aumentar a produtividade e diminuir o tempo
de distribuição onde não havia interesse ou
total de execução do empreendimento. O intenso
disponibilidade de investimentos por parte da
calor produzido pela reação química entre o
iniciativa privada. O grande poder econômico
cimento e a água (“endurecimento do concreto”)
e a forte influência na vida política nacional e
provocava rachaduras, inviabilizando a execução
paulista do grupo Light que dominava o maior
de blocos muito grandes, exigindo reparos
mercado brasileiro de distribuição de energia
demorados e caros, além de causar dúvidas quanto
elétrica (eixo São Paulo-Rio) dificultou a
à segurança e à real eficiência das estruturas.
constituição da Celp, depois Cesp, imediatamente
A construção das usinas de concreto ao lado de
após a apresentação do Plano paulista.
grandes instalações industriais produtoras de gelo
resolveu um problema crítico da construção de
No entanto, a atuação da Cesp e de três
Para citarmos um exemplo de natureza
de suas antecessoras estatais (Uselpa, Cherp, e
grandes barragens, por meio da adição de gelo na
Celusa), como consequência direta da aplicação
composição do concreto, ao invés de água. Foi
de seus objetivos institucionais, provocou
a primeira vez que se adotou no país, em larga
o desenvolvimento do ramo da construção
escala, essa solução tecnológica já desenvolvida
hidrelétrica da engenharia brasileira: o
no exterior e que é hoje largamente utilizada.
planejamento e implantação das usinas, sistemas
de transmissão e redes de distribuição demandou
se resumiu apenas às questões de engenharia
um intenso esforço das diretorias de engenharia
e construção. Segundo o advogado Rubens
e planejamento da empresa, das empresas
Naves, diretor administrativo da Cesp em 1986, a
projetistas contratadas e das construtoras
empresa desenvolveu, em vinte anos de existência,
encarregadas da execução dos projetos. Esse
“uma metodologia cada vez mais abrangente
esforço traduziu-se, além da implantação física do
e interdisciplinar” no processo de implantação
parque gerador, constituído por grandes centrais
de um projeto hidrelétrico de grande porte. A
hidrelétricas, integrado entre si e o mercado
partir dos estudos de impacto socioambiental
consumidor, por um conjunto de extensas linhas
desenvolvidos para o Complexo de Urubupungá, a
de transmissão; produziu também experiências
estatal sistematizou, em 1978, no “Modelo Piloto
e conhecimentos que ainda hoje destacam a
de Projeto Integral” o know-how na construção
engenharia hidrelétrica brasileira no cenário
de grandes barragens. Nos anos 1980, esse
internacional. Possibilitou a implantação da
modelo serviu de base para a regulamentação da
indústria de equipamento elétrico pesado, ainda
legislação para licenciamento de aproveitamentos
que sob domínio quase total de empresas de
hidrelétricos em todo o país, em um processo
capital internacional; e o forte crescimento
natural, em que as novas questões legais
No entanto, o conhecimento produzido não
a necessidade de renovação da legislação e da consequente regulamentação.
A visão abrangente das repercussões da
construção de uma hidrelétrica do porte de Ilha Solteira já estava presente, em 1952, nos estudos para o aproveitamento hídrico do Oeste Paulista desenvolvidos pela Comissão Interestadual da Bacia Paraná (SP, GO, MG, PR, SC, RS) e na criação da Celusa, em 1961. Construído distante dos centros de consumo, o complexo de Urubupungá, além de fornecer energia para o centro industrial paulista próximo à capital, deveria criar um polo
Crédito da foto Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC)
demandadas pelos projetos em execução criaram
de desenvolvimento na região em que se instalava, possibilitar o estabelecimento de novas vias de comunicação entre o sul do então estado de Mato Grosso e o oeste paulista, e preocupar-se com os impactos sobre a natureza das áreas alagadas e na vida das populações ribeirinhas afetadas. Nos anos 1980, a Cesp já havia desenvolvido uma metodologia que considerava a necessidade de levar em conta os impactos socioambientais e suas repercussões como determinantes dos caminhos que se poderiam adotar em determinado projeto; a necessidade de uso múltiplo das represas como
Usina Hidrelétrica de Jupiá ou Eng. Souza Dias (rio Paraná, SP/MS, anos 1980) é considerada ainda hoje uma hidrelétrica de grande porte e formou com a Usina de Ilha Solteira o Complexo Hidrelétrico de Urubupungá, marco de escala e de qualidade da tecnologia de construção hidrelétrica no país.
abastecimento de água, turismo e recreação; e atenção ao patrimônio arqueológico, histórico, religioso ou cultural simplesmente afetado ou coberto pelas águas do reservatório. Isso nos permite concluir que a implantação do atual parque energético paulista foi e é um fator de desenvolvimento social em seu mais amplo sentido.
A construção da Usina do Jirau, em
Rondônia, obra símbolo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é um exemplo paradigmático da complexidade das ações que os empreendedores, hoje privados, devem desenvolver mesmo antes do início dos trabalhos de intervenção no leito do rio. Os estudos prévios dos impactos das obras e da operação da usina devem prever, por exemplo, a formação de mão-de-obra local para a construção da hidrelétrica; programas de proteção à infância e à adolescência; de estudo e desenvolvimento de procedimentos relativos à fauna da bacia hidrográfica do Madeira; e registro e salvamento do patrimônio arqueológico da ferrovia MadeiraMamoré.
Pesquisa • Águas de Março (filme, 16 min.). Jean Romain Lésage, Ciclo Filmes, 1980. • CESP: Pioneirismo e Excelência Técnica. Júlio César Assis Kühl e Renato de Oliveira Diniz, FPHESP, 2002. • Panorama do Setor de Energia Elétrica no Brasil. Renato Feliciano Dias (coord.), Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1988. • Plano de Eletrificação do Estado de São Paulo. Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE; Companhia Brasileira de Engenharia – CBE, 1956. • Urubupungá – Jupiá – Ilha Solteira. Enzo Silveira, Edições Ensil, 1970. • Depoimento do eng. Raphael Antonio Nogueira de Freitas ao Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa – CDMCC, em 4 e 13/02/2004.
Renato de Oliveira Diniz é coordenador do Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC), é doutorando em História das Ciências pela USP/ Projeto Eletromemória e foi um dos fundadores e diretor técnico da Fundação Energia e Saneamento entre 1998 e 2003.
49
Realização
Promoção
50
Coleção Energia - Volume 3
Apoio