Coleção Energia Vol 3

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A evolução da aplicação da energia elétrica e suas consequências para a sociedade

Volume 3


carta ao leitor

por Gildo Magalhães

Caro leitor, Dando continuidade à nossa Coleção Energia, o terceiro número da série traz um espectro amplo da evolução das aplicações da eletricidade ao cotidiano social. Com um foco especial para a trama histórica da sociedade brasileira, temos uma matéria que nos explica como um esforço de planejamento governamental foi essencial para que o Estado de São Paulo pudesse aproveitar seu grande potencial hídrico. Os rios paulistas contribuíram decisivamente para a expansão territorial brasileira verificada na época colonial, servindo de suporte para o avanço dos bandeirantes. Foi a partir da década de 1950 que começou a se tornar realidade a promessa de transformar o potencial das águas (que no começo do século XX era chamado de “hulha branca”) em efetiva geração de energia. O crescimento industrial e urbano vertiginoso que se verificava necessitava de uma correspondente grande infraestrutura de produção de eletricidade. Os apagões, que então eram comuns, apontavam para uma mudança de modelo no setor. Surgiram assim as empresas que na década de 1960 foram unidas e consolidadas com a criação da Cesp. Nas demais regiões brasileiras, empreendimentos similares se impuseram, como Furnas, Cemig, Chesf e muitas outras, formando a espinha dorsal de um sistema que passou a ser interligado e muito mais eficiente. O empreendimento mais sensacional que essa era nos legou é sem dúvida Itaipu. Seu gigantismo, seu papel sensível em termos geopolíticos continentais, assim como o atestado de maioridade que representou para a tecnologia de construção de barragens, com o pioneiro uso do cálculo numérico por elementos finitos são dados que o leitor poderá conhecer nas próximas páginas. O impacto do apagão na noite de 10 de novembro de 2009, que deixou boa parte dos estados mais populosos no escuro por várias horas, é um testemunho da importância da geração de Itaipu e de como a transmissão dessa energia desempenha um papel vital no sistema elétrico brasileiro. O uso pacífico da energia nuclear foi o mote para a construção de usinas térmicas, que se tornaram essenciais dentro do panorama internacional. O avanço das instalações nucleares trouxe requisitos especiais de segurança, que nem sempre foram obedecidos, deixando um flanco aberto às críticas políticas e técnicas. Felizmente essa etapa vem sendo vencida e hoje a energia nuclear volta a ser cogitada para um papel relevante na matriz energética. O Brasil, que se empenhou tanto internacionalmente para garantir o acesso às tecnologias nucleares a todos os países, e não apenas para uma minoria, logrou um tento notável ao dominar recentemente o ciclo de enriquecimento do combustível nuclear – e um pouco dessa história é relatada neste volume. Um efeito espetacular do progresso nas aplicações da eletricidade foi a entrada em campo da eletrônica, especialmente a partir do início do século XX. Dispositivos como a válvula foram sucedidos pelo transistor e a eletrônica de semicondutores possibilitou uma incrível e crescente miniaturização dos componentes. Além de usos industriais, a eletrônica de consumo criou uma verdadeira revolução cultural em todas as camadas populares, desde o popular radinho de pilha até o cada vez mais presente – e discute-se a sua imprescindibilidade e a dependência assim criada – computador. Finalmente, ainda no plano do consumidor, contamos uma história pouco conhecida: o sucesso inicial do carro elétrico, até este ser vencido pelo motor a combustão interna. A pressão ambientalista ressuscitou o assunto, que vem merecendo cada vez mais a atenção de governos, fabricantes e usuários. Desejamos que esses temas ensejem uma leitura proveitosa e sirvam para suscitar novas reflexões sobre o mundo energético em que vivemos. Gildo Magalhães Professor livre-docente em História da Ciência na Universidade de São Paulo

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Desenvolvimento e tecnologia 10 Os bastidores da construção da gigantesca Itaipu e as implicações sociais e técnicas para três países. Seu projeto foi a forma encontrada para resistir ao choque do petróleo e suprir as demandas energéticas da época.

Era da eletricidade

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A história da iluminação artificial contada desde a descoberta do fogo e a sua utilização para iluminar os caminhos do homem, passando pelas luminárias a gás, a querosene, chegando à luz alimentada pela eletricidade.

Cidade em movimento 28 Em meados do século XIX, os carros elétricos eram dominantes em detrimento dos veículos a combustão, empregados em competições e objetos de pesquisas acadêmicas. O cenário mudou com o tempo, especialmente com o desenvolvimento da indústria e alguns interesses privados.

Evolução 36 O desenvolvimento da eletrônica teve papel fundamental nas aplicações da eletricidade. A substituição da válvula pelo transistor e a eletrônica de semicondutores deram inicio a uma verdadeira revolução tecnológica, cada vez mais presente no cotidiano das pessoas.

Nuclear 44 Um relato sobre a conquista da energia nuclear, os percalços desde sua descoberta, sua aplicação em alguns lugares do mundo e uma reflexão sobre como sua utilização é potencialmente mais segura do que outras formas de geração amplamente empregadas.

Sob um olhar 52 A contribuição de uma companhia – formada pela fusão de 11 empresas – para importantes projetos hidrelétricos, tendo como consequência a profissionalização dos técnicos e peritos envolvidos nas obras. 3


desenvolvimento e tecnologia

Por Lívia Cunha

ENERGIA BINACIONAL Com nome de origem tupi, a Usina de Itaipu gerou um acordo binacional que impactou diretamente três países do cone sul latinoamericano, diversos Estados brasileiros e deu origem à maior hidrelétrica do mundo em plenas crises mundiais do petróleo

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1974. Ano de copa do mundo, quando a

detinha o domínio sobre as próprias quedas. Os dois

Alemanha Ocidental – à época, dividida desde o

países consideravam que o território seria seu, e não

final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em

do vizinho. A maioria dos documentos seguintes

socialista, no lado oriental do país, e capitalista, no

estabelecia que uma margem do rio pertencia a um

ocidental – saiu vitoriosa, em casa, conquistando

país e a margem oposta ao outro, mas a questão era

seu bicampeonato. Para o Brasil, restou pouco.

o rio em si. Se ele era o marco divisor, o Rio Paraná

Pouco resultado e poucas lembranças da seleção de

pertencia a quem?

70. Chegou às semifinais, mas perdeu. Disputou o

terceiro lugar com a Polônia; outra partida perdida,

reacesa 122 anos depois, em 1872, com Tratado de

o que lhe rendeu o quarto lugar no campeonato.

Paz, que pôs fim à Guerra do Paraguai (1864-1870).

Enquanto perdia em campo, começava a ganhar em

Com a vitória brasileira, que teve como aliados o

outros terrenos. No mesmo ano, o terreiro de obras do

Uruguai e a Argentina, o país guarani sofreu uma

maior projeto energético do mundo começava a ser

retaliação de guerra: seu território foi reduzido para

preparado. A parceria brasileira com o Paraguai – que

quase 60% no pós-conflito – os aproximadamente

não tinha se classificado para a copa daquele ano –

40% foram repartidos entre o Brasil e Argentina.

começava a ganhar ares de realidade. A obra, claro, era

O documento redefinia territórios e utilizava o Rio

a Usina Hidroelétrica de Itaipu Binacional.

Paraná, mais uma vez, como ponto de divisão. Mas

não havia precisão sobre quem teria o poder sobre as

O início das obras, em 1974, colocava fim a um

Era apenas o início de uma disputa extensa,

conflito diplomático que já durava 224 anos. Isso

águas e esse impasse se estendeu até 1966, ano em

faz com que a história de Itaipu, por vezes, pareça

que foi assinada a Ata de Iguaçu, também conhecida

mais uma disputa político-diplomática do que uma

como Ata das Cataratas, que determinou que o

questão econômico-energética. A historiadora e autora

aproveitamento do rio e seu potencial energético seria

do livro Itaipu – As faces de um mega projeto de

feito em condomínio dos dois países. Esse é o início

desenvolvimento, Ivone Carletto Lima, explica que essa

do estabelecimento da atual região de Itaipu como

impressão fica pela forma como a história da usina se

binacional, ou seja, não pertence nem ao Brasil, nem

desenrolou. “Itaipu tem toda uma história a ver com

ao Paraguai: pertence aos dois, juntos. E a semente

a questão da energia, do desenvolvimento industrial.

do que, no futuro, viria a ser Mercado Comum do Sul,

Mas, da forma como aconteceu, ela acabou se

o Mercosul.

transformando em um projeto essencialmente político

e de carácter internacional”. Essa impressão resulta dos

elaborar uma usina sozinha na região, mas o Paraguai

diversos desacordos políticos entre os dois principais

não aceitou, alegando que ele também tinha direito

países envolvidos até chegar ao plano comum.

sobre a área. O governo paraguaio ameaçou, inclusive,

Antes de chegar a esse acordo, o Brasil cogitou

A região escolhida para a instalação de Itaipu,

declarar nova guerra ao Brasil caso insistisse em

chamada de Salto das Sete Quedas ou Salto de Guaíra,

construir a usina sozinha. Então, em 1966, conta

era uma área de litígio disputada, desde 1750, por

Carletto, “em uma reunião que teve em Foz de Iguaçu,

Portugal e Espanha – as metrópoles dos futuros países

com os dois representantes dos países – os dois

latino-americanos –, quando foi assinado o primeiro

chanceleres, brasileiro e paraguaio –, o Brasil acabou

acordo que descrevia a região; o Tratado de Permuta.

cedendo no seguinte sentido: de que se houvesse

A briga era para saber quem tinha os direitos sobre

um aproveitamento do Rio Paraná no trecho Foz de

a região do Salto, no Rio Paraná – um conjunto de

Iguaçu-Guaíra, este seria em condomínio. Isso para

cachoeiras composto, na verdade, por 21 quedas, que

acabar com esse problema todo de questionamento”.

revelaria, anos mais tarde, um dos maiores potenciais

Com o entendimento político, a técnica começou a ser

energéticos do mundo e que desapareceu justamente

posta em prática. Estudos sobre a região, o potencial

por conta da construção da usina de Itaipu. O texto

e as formas de implantação de uma usina foram

do tratado do século XVIII não determinava quem

iniciados.

O tempo parecia ter outra dimensão àquela época. […] Até então não se discutia a quem pertencia o “Salto de Guairá”. O Brasil considerava sua aquela estreita faixa de terra. O Paraguai também. Em Itaipu: integração em concreto ou uma pedra no caminho, de Tão Gomes Pinto. Ed. Amarilys.

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desenvolvimento e tecnologia

Contexto

O mundo sentiu rapidamente a alta dos preços e os

sofreram os efeitos em suas economias. O Brasil, que

O Brasil vivia uma ditadura militar desde 1964. O

Paraguai, por sua vez, revivia um regime autoritário com o general Alfredo Stroessner desde 1954 – o país teve ainda outra ditadura cerca de dez anos antes, com o também general Higino Morínigo, de 1940 a 1948. As ditaduras militares na América Latina foram reflexos diretos da Guerra Fria, instaurada desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e que dividiu o mundo entre capitalistas e socialistas. Como a guerra não tinha confronto direto era chamada de fria, em oposição à quente com disparos à queima-roupa e ataques diretos. Os Estados Unidos, que sempre tiveram grande influência sobre os países ao sul do seu continente, para evitar a expansão da esquerda na região, auxiliaram e apoiaram as ditaduras de governos militares, cerceadoras das liberdades individuais.

Nesse período, a população do Brasil ainda era

majoritariamente rural (a urbana só superou a do campo, na década de 1970, de acordo com o censo da época do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, quando o país chegou a pouco mais de 93 milhões, ao todo) e a industrialização começava a se afirmar. O processo, iniciado no primeiro governo de Getúlio Vargas, logo após a Revolução de 1930, foi intensificado com a política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e durante a ditadura militar. Nesse período, com o aumento da população, a mudança para as cidades e o crescente número de equipamentos, aparelhos e dispositivos exclusivamente dependentes da eletricidade, a demanda por energia elétrica do país começou a crescer. Para suprir à população e às indústrias, era necessário ter a

“Sete Quedas por nós passaram, E não soubemos, ah, não soubemos amá-las... E todas sete foram mortas, E todas sete somem no ar... Sete fantasmas, sete crimes, Dos vivos golpeando a vida, Que nunca mais renascerá...”

possibilidade de gerar e oferecer mais energia aos consumidores. E isso perpassava por novos projetos, principalmente hidrelétricos, a especialidade do Brasil.

A adoção de projetos de fontes energéticas

renováveis ganhou força em 1973 quando o mundo viveu uma das grandes crises mundiais do petróleo. Os preços foram elevados em mais de 300%, como forma de embargo dos países árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) aos Estados Unidos e à Europa Ocidental por ter dado apoio e subsídios para que Israel resistisse às ofensivas egípcia

(Carlos Drummond de Andrade)

e síria na Guerra do Yom Kipur – o dia do perdão, uma das datas mais importantes do calendário judaico.

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países que tinham maior dependência do óleo natural já tinha grande conhecimento na geração de energia elétrica por fonte hidráulica, intensificou ainda mais a exploração de energias renováveis.

Poucos meses antes do conflito do Oriente Médio,

tinha sido assinado o Tratado de Itaipu entre Paraguai e Brasil, que marcava a definição legal do início da exploração do Rio Paraná em condomínio dos dois países, ou seja, o início de Itaipu. Como o Paraguai não tinha conhecimento técnico aprofundado – até a obra da binacional, o país só tinha uma pequena usina hidrelétrica –; tecnologia própria e capital financeiro para investir, diz-se que o vizinho brasileiro entrou só com a água. Mas era necessário conhecimento e recursos para que Itaipu deixasse de ser um projeto e passasse a ser efetivamente uma usina geradora de energia. Dessa forma, o Brasil se comprometeu em arcar com todos os custos. Para que o Paraguai fosse condômino no empreendimento, ficou estabelecido que a dívida seria paga em energia, não em dinheiro, ao longo de 50 anos. Por isso, o governo paraguaio é obrigado a vender toda a energia gerada por Itaipu e não consumida ao Brasil a preços abaixo do mercado.

O projeto da maior hidrelétrica do mundo, que

auxiliaria a suprir demandas energéticas dos dois países, foi a forma encontrada para resistir ao choque do petróleo e não cortar os investimentos e nem congelar o projeto. “O objetivo do presidente da República [do Brasil] era reforçar o abastecimento de energia de toda a região sudeste, vítima de constantes ‘apagões’”, conta o jornalista Tão Gomes Pinto, em sua obra Itaipu: integração em concreto ou uma pedra no caminho. Por isso, depois de assinado o Tratado em 1973, a obra só parou nove anos depois, em 1982, quando a usina foi finalizada, resistindo a mais outro choque do petróleo, o de 1979.

Mas nem todos os países do cone sul estavam

satisfeitos com o entendimento do Brasil e Paraguai. A Argentina, que também é banhada pelo Rio Paraná, temia que a usina prejudicasse seu território e interesses sobre as águas. “A Argentina questionou a construção da Itaipu justamente por causa da altitude da barragem, do nível do lago que seria construído. Ela disse que se o Brasil fizesse uma usina de tal porte iria impossibilitar a construção de uma usina que ela pretendia fazer


Herr Stahlhoefer/Wikimedia

Trabalhadores constroem uma das turbinas de Itaipu

Do

tupi e guarani

Quando o grupo de técnicos paraguaios e brasileiros fizeram as pesquisas e

buscas da região mais apropriada para a instalação da hidrelétrica, eles chegaram a um trecho do Rio Paraná chamado de Itaipu, que em tupi significa algo como “a pedra que canta”. No local existia uma ilha, conhecida por esse nome, que quase sempre ficava submersa devido à forte correnteza, acentuada por uma região de curva do rio. Naquele local foi registrado um excepcional rendimento energético, daí, foi definida a instalação da usina no local.

Assim como Itaipu tem influência das tribos indígenas existentes na região

anterior à chegada dos europeus, o Paraguai também tem. Ainda mais pela grande presença de índios e seus descendentes na composição da população. Mostra disso é que o país é bilíngue, falando espanhol e guarani. O próprio nome Paraguai, em Guarani, tem um significado relativo a águas. Paraguay seria originado de “águas do mar”, em Guarani. Sendo pará, o mesmo que “mar”; guá, que denota “origem”; e ý, que significa “água”. Assim, seu significando seria algo como “água que vem do mar”. O Rio Paraguai, um afluente do Rio Paraná, teria sido o primeiro a receber o termo indígena. Depois, com a formação da nação, o país recebeu o mesmo nome.

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desenvolvimento e tecnologia

também no Rio Paraná, mas mais abaixo, em

pelo lado brasileiro, e na Ciudad del Este, pelo

condomínio com o Paraguai”, explica a historiadora

paraguaio, a usina de Itaipu teve que construir uma

Ivone Carletto. A questão chegou a ser levada para a

verdadeira cidade para alojar os trabalhadores do

Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1972, e só

empreendimento. A cidade de Foz, antes do início de

foi resolvida em 1979, quando os três países – Brasil,

Itaipu, tinha cerca de 20 mil habitantes. No final da

Paraguai e Argentina – assinaram o Acordo Tripartite.

obra, a população já era de mais de 100 mil pessoas.

Esse acordo definiu as regras para o aproveitamento

Durante a construção, entre 1975 e 1978, foram

dos recursos hidráulicos no Rio Paraná, no trecho que ia

erguidas mais de nove mil moradias ao longo das duas

desde as Sete Quedas até a foz do Rio da Prata.

margens do Rio Paraná para abrigar os trabalhadores

que para a região se mudaram. No pico da obra, Itaipu

Somada à questão de aproveitamento hídrico do

rio, havia uma lenda de que se Itaipu fosse mesmo

chegou a ter 40 mil trabalhadores diretos, o dobro de

construída e o Brasil abrisse as comportas, como

toda população inicial de Foz de Iguaçu. Esse número

consequência de um eventual conflito entre os países

foi alcançado porque, entre 1978 e 1981, foram

ao sul da América Latina, que eram governados por

contratadas até 5 mil pessoas por mês.

ditaduras militares, a cidade de Buenos Aires seria

inundada pelas águas. Mas com o tratado entre os

1982. Com o reservatório formado, os presidentes

países, a questão diplomática foi solucionada. O

do Brasil, João Figueiredo, e do Paraguai, Alfredo

acordo deu tão certo que ele seria a gênese distante do

Stroessner, inauguraram Itaipu, em 5 de novembro de

Mercosul, contando ainda com a Declaração de Foz

1982, com o acionamento do mecanismo que levanta

de Iguaçu – de 1985, assinada pelos presidentes da

automaticamente as 14 comportas do declive, que

Argentina e Brasil, que selou as relações amistosas entre

liberaram a água represada do Rio Paraná. Depois

os dois países e foi a base da integração econômica

de mais de 50 mil horas de trabalho, a maior usina

do cone sul – e com o Tratado de Assunção, que

hidrelétrica do mundo estava finalizada, mas o giro

oficialmente criou o Mercado Comum do Sul, de 1991,

da primeira turbina só aconteceria no ano seguinte,

com a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai.

em dezembro de 1983, e a geração e a transmissão de

Construção

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As obras da barragem foram concluídas em

energia começaria dois anos depois, em 1984.

Transmissão

Depois dos estudos de campo e da definição do

local da usina, em 1973, o terreno foi preparado, em

1974, para que a usina começasse a ser erguida em

de Itaipu, como foi definido pelo Tratado de Itaipu, é

1975. A construção incluía o desvio de 2 quilômetros

gerada em duas tensões e frequências diferentes. Como

do Rio Paraná, com 150 metros de largura e 90 metros

o Paraguai é movido a uma frequência de 50 Hz e o

de profundidade para a formação do reservatório

Brasil a 60 Hz, a solução encontrada pelos técnicos

da usina. A recém criada Empresa Brasileira de

do empreendimento foi produzir metade da energia,

Comunicação, a Radiobrás, em 1978, noticiou que

referente à parte brasileira, em corrente alternada,

“o desvio do rio por um canal artificial correspondeu

já a 60 ciclos por segundo e 750 kV, enquanto a

à primeira fase de construção para a secagem de

outra metade, do Paraguai, seria gerada em corrente

seu leito. O canal de desvio, escavado em rocha, na

contínua, em 50 Hz e 600 kV.

margem esquerda, tem proporções incomuns”. Tudo

em Itaipu era gigantesco, por isso, foi chamado pela

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

revista norte-americana Popular Mechanics de um

(Poli/USP) José Antônio Jardini explica que “Itaipu

“trabalho de Hércules” – em referência aos doze

era para ser toda em corrente alternada, mas como

trabalhos que o semi-deus grego teve que realizar e

o Paraguai emprega frequência de 50 Hz e aqui é 60

que só podiam ser realizados por alguém com força

Hz, não dá para ligar um no outro, então, era preciso

sobre-humana.

retificar os 50 Hz da usina de Itaipu: gerar em 50 Hz,

para o Paraguai, depois retificar e inverter para outra

Localizada no município de Foz do Iguaçu,

Toda energia produzida pela Usina Binacional

O engenheiro eletricista e professor doutor da


Números de Itaipu A construção da Usina custou US$ 1 mil/MW instalado. O equivalente a cerca de US$ 14 bilhões, à época. A obra demorou 8 anos para ser concluída. Foi iniciada em 1974 e concluída em 1982. Mas só começou a gerar energia dois anos depois, em 1984. Entre 1975 e 1978, mais de 9 mil moradias foram construídas às margens do rio para abrigar os homens que atuavam na obra. A alteração do curso do Rio Paraná removeu 55 milhões de m³ de terra e rocha para escavar um desvio de 2 km de extensão, 150 m de largura e 90 m de profundidade. Para tanto, foram usadas 58 toneladas de dinamite. Só no dia 14 de novembro de 1978, foram colocados na obra 7.207 m³ de concreto, o equivalente a 1 prédio de 10 andares/hora. O total de concreto utilizado na barragem, 12,3 milhões de m³, seria suficiente para concretar 4 rodovias como a Transamazônica. Itaipu alavancou o PIB do Paraguai, que em 1978 cresceu 10,8%. Entre 1978 e 1981, eram contratadas até 5 mil pessoas/mês. No pico de construção, tinham cerca de 40 mil trabalhadores diretos. O transporte de materiais para a Itaipu utilizou 20.113 caminhões e 6.648 vagões ferroviários em 1980. 26 dias foi o tempo recorde de transporte de rodas de turbinas entre a fábrica e a usina. Essas peças tinham cerca de 300 toneladas cada e percorriam um caminho de até 1.350 km. O enchimento do Rio Paraná levou 14 dias. A lâmina de água tem 4 vezes o tamanho da Baía de Guanabara.

As mãos de Itaipu Foi necessário mais do que conhecimento técnico, tecnologia e dinheiro para construir Itaipu. A obra foi feita pelas mãos de diversos homens que, durante muitos dias, tinham o trabalho como suas vidas. Devido ao grande porte da usina e à região inicialmente sem estrutura para uma construção dessa magnitude, foi necessário montar uma verdadeira cidade em torno do canteiro de obras. Casas, refeitórios, assistência. Tudo foi oferecido àqueles que lá trabalharam por anos. Mas a vida de uma pessoa não se resume à profissão. É composta pelas relações sociais, como relacionamentos afetivos e fraternos. Com os funcionários de Itaipu, claro, não foi diferente. Engenheiros, encarregados, topógrafos, geólogos, especialistas de cálculos de concreto, peritos em explosivos, ou seja, todo o tipo de “barrageiros” tradicionais, como são chamados os trabalhadores responsáveis pela construção de barragens de usinas hidrelétricas. Todos eles foram mandados para Foz do Iguaçu, pelo lado brasileiro, a fim de preparar o terreno de Itaipu. “No canteiro binacional, os paraguaios chegavam com sede de aprender e prestavam muita atenção no trabalho dos colegas brasileiros. Era uma relação carinhosa. No fim da história, casaram-se muitos brasileiros com paraguaios e viceversa”, conta o jornalista Tão Gomes Pinto, no seu livro Itaipu: integração em concreto ou a pedra no caminho. Mas, durante as obras, o relacionamento entre empregados não era bem visto pela empresa. Era, inclusive, proibido. Tão Gomes relata em seu livro a história do namoro de um engenheiro com uma bibliotecária que foi coibido pela empresa. “A paixão do jovem engenheiro foi correspondida. Foram vistos pelo canteiro, algumas vezes, de mãos dadas. O assunto chegou à diretoria, que decidiu pela demissão do rapaz. Ele conta que chegou a chorar quando o encarregado de pessoal simplesmente pegou a tesoura e cortou a ponta do seu crachá. Era o ritual que o desligava de Itaipu”, conta.

170 km foram submersos entre os municípios de Foz do Iguaçu e Guaíra. 8.519 propriedades foram desapropriadas e inundadas na margem brasileira do Rio Paraná.

Recorde de geração Em 2004, quando a usina completou 20 anos de atividade, Itaipu já havia gerado energia suficiente para abastecer o mundo durante 36 dias. Recorde de geração foi de 94.684.781 de MWh, em 2008.

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desenvolvimento e tecnologia

frequência, de 60 Hz, para então ligar no sistema

18 estados brasileiros conectados ao sistema sofreram

brasileiro. É por isso que Itaipu gerou uma parte em

com a falta de energia elétrica. Quatro deles tiveram

corrente contínua, a metade do Paraguai”.

falta total, atingindo todos os seus municípios – Rio de

E já que Itaipu, para o Brasil, foi pensada para

Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo

solucionar problemas de abastecimento e demanda de

–, e os demais 14 estados registraram blecautes parciais.

energia em grandes centros consumidores, como São Paulo e Rio de Janeiro, essa energia precisava chegar

Impactos

a essas regiões. Dessa forma, foi definido, desde antes da conclusão da Usina, que a eletricidade gerada seria

conectada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) e

região da tríplice fronteira – Paraguai, Argentina e

enviada para abastecer, em especial, São Paulo, pela

Brasil. Levou não só a usina para o município de Foz

transmissão de Furnas Centrais Elétricas. O gerente da

de Iguaçu, levou milhares de pessoas a se instalaram

Subestação de Ibiúna, Sergio Luiz Iasbeck, explica que

na região e promoveu desenvolvimento para a cidade

“o Brasil compra a energia não utilizada pelo Paraguai

que se resumia a duas ruas asfaltadas no final da

e por um processo de conversão transforma a corrente

década de 1960, início de 1970. Mas, em contrapartida,

alternada em corrente continua, transmite em corrente

retirou uma obra de beleza natural do mundo, o Salto

continua e, na Subestação de Ibiúna, na cidade de

de Sete Quedas, uma região de 1,5 km² de florestas e

Ibiúna (SP), se converte essa energia para a forma

terras agriculturáveis, que foi inundada. Mais de 36 mil

de energia utilizada no sistema elétrico brasileiro”. A

animais foram deslocados de seu habitat natural e 8

energia paraguaia, por sua vez, é transmitida para todo

mil famílias tiveram que sair de suas terras.

país pela Administración Nacional de Eletricidad (Ande).

de implantação de Itaipu e dos impactos sobre a

O sistema em corrente alternada de Itaipu, em 750

A historiadora Ivone Carletto, estudiosa da história

KV e 60Hz, compreende três linhas de transmissão

população, conta como se deu o processo. “Houve

que saem da Subestação de Foz de Iguaçu, com 18

uma grande desapropriação, foram mais de oito mil

das 20 unidades geradoras da hidrelétrica, e chegam

processos só do lado brasileiro. E muita gente se sentiu

à Subestação Terminal de Tijuco Preto, em São

prejudicada porque achava que não foi justo o preço

Paulo. Essa energia passa ainda pelas subestações de

e eles fizeram um movimento, o Movimento dos

Ivaiporã, no Paraná – um dos principais pontos de

Sem Terra (MST), que hoje faz parte da história dos

conexão e intercâmbio de energia elétrica das regiões

movimentos sociais do Brasil”. Foi nesse período que o

Sul e Sudeste –, e de Itabera, em São Paulo. Por esse

MST foi formado, em cidades no interior do Paraná. “E

percurso, a energia gerada por Itaipu, referente à

foi um movimento”, relata Carletto, “que fez com que

parte brasileira, chega aos demais estados do país.

Itaipu cedesse bastante, porque eles conseguiram quase

Já a energia comprada do Paraguai é convertida

tudo que pediram na época”.

na Subestação de Ibiúna, em São Paulo, de onde é

retransmitida e conectada ao sistema interligado.

era a questão imobiliária. Isso porque, no início dos

anos 1980, a inflação era muito alta (a inflação

Desde 1984, quando Itaipu começou a gerar

A principal reivindicação das famílias expropriadas

energia, a transmissão brasileira é realizada por Furnas.

acumulada do ano de 1979 foi de 77,21%). “Por

Como é conectada ao SIN, todos os Estados brasileiros

exemplo, você recebia dinheiro de Itaipu hoje e

interligados ao sistema comandado pelo Operador

amanhã já não conseguia comprar quase nada porque

Nacional do Sistema Elétrico (ONS), acabam recebendo

as coisas aumentavam de preço, não a cada dia, mas a

energia elétrica de Itaipu. Atualmente, três dos 26

cada hora”, acrescenta a historiadora.

Estados brasileiros (mais o Distrito Federal) não estão interligados ao sistema. São eles Amapá, Amazonas e Roraima. Mas o abastecimento prioritário da usina é para os estados do Sul e Sudeste. Abastecimento, este, que ficou prejudicado em novembro de 2009. Por um problema na transmissão da energia gerada por Itaipu,

10

É certo que Itaipu alterou significativamente a

Pesquisa: • Itaipu: integração em concreto ou uma pedra no caminho. Tão Gomes Pinto, Amarilys. • Itaipu: as faces de um mega projeto de desenvolvimento. Ivone Teresinha Carletto de Lima, Editora Germânica. • A energia do Brasil. Antonio Dias Leite, Nova Fronteira.


Herr Stahlhoefer/Wikimedia

As

hidrelétricas

Rio Paraná

A Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional foi

o terceiro empreendimento hidrelétrico brasileiro ao longo do Rio Paraná. A primeira obra foi a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, iniciada em 1965 e concluída em 1978; seguida pela Usina Hidrelétrica Engenheiro Sousa Dias, conhecida como Usina de Jupiá, que foi iniciada na primeira metade da década de 1960 e finalizada em 1974. Após o início de operação da binacional, ainda foi construída mais uma geradora no rio do lado brasileiro: a Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, conhecida como Usina de Porto Primavera, iniciada em 1980 e concluída no ano 2000. Foi o primeiro projeto hidráulico em águas paraguaias. Maiores do mundo

Itaipu foi durante muitos anos a maior usina

geradora de hidreletricidade do mundo. Com potência instalada de 14 mil MW, proporcionada por 20 unidades geradoras de 700 MW cada, perdeu o posto para a Usina Hidrelétrica de Três Gargantas, na China, que, apesar de atualmente gerar menos energia, tem maior potência instalada com previsão de chegar a 22,4 mil MW quando estiver completa, com todas as turbinas em funcionamento, o que deve acontecer em 2011. A terceira maior usina do mundo também é latino-americana. A Usina Hidrelétrica de Guri, na Venezuela, tem potência instalada de 10.300 MW e abastece, além do próprio país, o Estado de Roraima, no Brasil, que não está ligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

As obras da usina foram iniciadas em 1974 e concluídas em 1982

Comparativo

entre Itaipu e

Três Gargantas

Usina

Itaipu

Três Gargantas

Turbinas

20

32 (6 subterrâneas)

Potência nominal

700 MW

700 MW

Potência instalada

14 mil MW

22,4 mil MW (quando estiver completa,

Recorde de produção anual

94,7 bilhões kWh/ano (2008)

80,8 bilhões kWh/ano (2008)

Concreto utilizado

12,57 milhões m³

27,94 milhões m³

Altura

196 metros

181 metros

Comprimento da barragem

7.744 metros

4.149 metros (concreto 2.309 m e dique

(concreto, enrocamento e terra)

Maoping 1.840 m)

prevista para 2011)

175 metros (dique de Hernandárias) Vertedouro (capacidade de vazão)

62.200 m³/s

120.600 m³/s

Escavações

63,85 milhões m³

134 milhões m³

Fonte: Itaipu Binacional

11


era da eletricidade

Por Bruno D’Angelo

O ADVENTO DA ILUMINAÇÃO ARTIFICIAL A história da luz através dos tempos, desde a revolucionária descoberta do fogo pelos homens primitivos até o desenvolvimento da iluminação pública

12


Muito antes de archotes, lamparinas a gás,

descargas elétricas atmosféricas atingissem árvores,

querosene e lâmpadas elétricas, era a luz do sol que

fagulhas se formassem e o fogo iniciado se espalhasse

guiava os homens pelo mundo. De dia e à noite

pela floresta com a ação do vento. Nessa etapa, o

também, já que o luar nada mais é do que a luz do

homem ficava totalmente dependente do acaso, o que

sol refletida na lua.

dificultava bastante qualquer tipo de planejamento.

Afinal, usufruía-se apenas momentaneamente do que

O caso é que nem sempre os homens podem

contar com o brilho da lua para realizarem alguma

a natureza oferecia. Assim que a chama se extinguia

atividade noturna. Muitas vezes o céu fica encoberto

era preciso voltar à vida anterior, com a esperança de

por nuvens, impedindo que apreciemos o luar, outras

que no futuro a floresta se iluminasse de novo.

tantas, os raios solares refletem em uma face da lua

que não se oferece para nós, aqui da Terra, fenômeno

de fogo por parte do homem, provavelmente, ele

chamado de Lua Nova. Nada mais certo, então,

começou assim: a observação de que o fenômeno

que os primeiros homens tenham concentrado suas

se propagava pelo aquecimento de galhos ou folhas

tarefas no período diurno, deixando para a noite o

secas indicou que a chama poderia ser iniciada com

descanso.

temperaturas elevadas. Daí para a descoberta de que

o atrito entre dois pedaços de madeira seca poderia

Durante muito tempo, pode-se dizer, até a

No que concerne ao domínio da produção

invenção da lâmpada incandescente por Thomas

causar tal efeito foi um pulo.

Edison, a situação permaneceu basicamente a

mesma. Não que, neste ínterim, algumas descobertas

se batia sílex com ferro ou aço as fagulhas eram mais

não tenham propiciado ao homem um melhor

fortes e persistentes. Este procedimento, de tão eficaz,

aproveitamento da noite, fazendo dela também um

persistiu até o começo do século XX em diversos

palco para atividades privadas. Essas descobertas,

cantos do mundo, inclusive no Brasil.

porém, devido às suas peculiaridades, não permitiram

o florescimento de uma cultura noturna nos moldes

e manter as chamas, começava a segunda fase do

da que ocorreu após o invento de Edison.

fogo. Assim, o homem conseguiu, pela primeira

Atrito, faísca e o homem se ilumina

Muito tempo depois, foi descoberto que quando

Com o domínio do processo de como produzir

vez, iluminar suas noites com suas próprias forças sem depender da boa vontade do Sol. E não só. O fogo trouxe outros benefícios à raça humana

A primeira grande transformação realizada

que pôde fundir metais e fabricar ferramentas

pelo engenho humano, no que tange à produção de

para atividades de labor e de guerra, aquecer-se

luz, surgiu ainda na pré-história, com a descoberta

melhor do frio e cozinhar seus alimentos e, dessa

de meios para obter e controlar o fogo. A data de

forma, consequentemente, melhorar suas condições

quando nossos ancestrais realizaram tal achado não

de vida, aumentando sua expectativa de vida. A

pode ser muito bem precisada, porém, evidências

eletricidade, mais tarde, traria benefícios semelhantes

encontradas em cavernas atestam de que cerca de

e aprimorados.

500 mil anos a.C.., na Era do Paleolítico Posterior, o chamado Homem de Pequim já utilizava o fogo nas

Os primórdios da iluminação artificial

suas práticas diárias.

O uso do fogo apresenta duas fases: aquela na

Descoberta a maneira de se obter fogo e fazê-

qual o homem somente se beneficiava da existência,

lo durar, o homem tinha agora um novo desafio:

mas ainda não sabia como produzi-lo e outra, na

fazer essa descoberta não ficar restrita a espaços

qual o homem finalmente se apossava dos meios

determinados, era preciso fazer andar a chama. No

antes pertencentes somente a natureza, para poder,

início, atritando madeira ou pedra para produzir o

assim, provocar o fogo na hora que bem entendesse.

fogo, o homem fabricava pequenos arbustos para

que ele continuasse vivo. Em pouco tempo, porém,

Na primeira fase, era necessário esperar que

13


era da eletricidade

14

o processo foi se tornando mais bem elaborado.

Por exemplo, na Babilônia, na Fenícia e no Antigo

por qual passaram os equipamentos de iluminação, na

Egito, já eram empregadas madeiras mais resinosas

época do fogo, o surgimento dos castiçais, cuja ideia

desfiadas em tiras, amarradas em cipós de piches e

era simples: aumentar a altura da fonte luminosa

resinas. Estas foram, aliás, as primeiras tochas, que

para que o espaço iluminado fosse mais amplo. Com

possibilitaram ao homem mover-se juntamente com

o aparecimento da vela, os castiçais e também os

o fogo, marcando o início de uma fase da iluminação

candelabros tornaram-se ainda mais importantes.

artificial denominada de homem-luz.

contribuiu para a melhoria da iluminação artificial.

Provavelmente, o primeiro material combustível,

Pode-se destacar também nessa transformação

O vidro foi outra relevante descoberta que

além da madeira, foi a graxa animal. Mais tarde,

O material já era fabricado pelos egípcios em 2 mil

descobriu-se que o óleo extraído de produtos vegetais

a.C, mas alcançou grande difusão na Idade Média.

como o linho, a mamona e até azeitonas também

Utilizado ainda hoje na fabricação de lâmpadas

eram úteis. Alguns desses elementos, aliás, seriam,

elétricas, o vidro sempre foi de grande ajuda porque

tempos depois, também empregados como biomassa

funcionava como abrigo para a chama, evitando que

para geração de energia elétrica. Esses óleos eram

esta se apagasse ou mesmo se espalhasse e, ao mesmo

coletados em chifres de animais, conchas marinhas ou

tempo, por sua transparência, favorecia a iluminação

pedras com cavidades naturais, que, posteriormente,

dos ambientes.

passaram de simples aparelhos recolhedores de óleo

para receptáculos onde se era gerado, mantido e

empregados na fabricação de artefatos de iluminação,

transportado o fogo; surgiram assim as primeiras

estas inovações continuaram durante muito tempo

lucernas. Mais tarde, as pesadas e rústicas lucernas

sendo aproveitadas pelas camadas mais ricas da

de pedra foram cedendo espaços para utensílios mais

população. De acordo com livro A História da

sofisticados feitos de barro e de metal

Iluminação Artificial – das origens até o século XX,

de Natale Bonali, a plebe continuou iluminando as

Nas civilizações antigas, as lucernas ou tochas

O fato é que independentemente dos materiais

se tornavam cada vez mais fixas, com o intuito de

andanças noturnas, com a primitiva luz manual feita

iluminar grandes áreas, foros públicos e anfiteatros.

de rochas arcaicas. Muitas vezes, ao andar nas vielas

Em Roma, por exemplo, o circo Máximo e o

escuras, a camada menos favorecida guiava-se apenas

Coliseu eram iluminados dessa forma. Chamadas de

por luzinhas de minúsculos oratórios localizados em

“fax” ou “taedas”, elas acompanhavam, também,

algumas esquinas. Já os mais ricos que gostavam

excepcionalmente, cerimônias como bodas ou

da vida noturna, utilizavam servos lanterneiros para

mesmo cortejos fúnebres. Na Grécia, as tochas eram

guiarem o caminho.

imobilizadas também para iluminação pública e,

ocasionalmente, tornavam-se aparelhos manuais

XV, ela era considerada dever dos cidadãos e não das

para iluminarem festas em competição onde eram

autoridades; prova disso eram as leis que vigoravam

disputadas corridas a pé ou a cavalo.

na época, estabelecendo penas pecuniárias para

aqueles que desrespeitassem as regras. Os castelos

É necessário notar que as técnicas de geração de

No que tange à iluminação pública, até o século

luz não se modificaram muito desde sua descoberta

dos senhores feudais também não ajudavam na

até ao século XIX; o processo continuou a ser o

tarefa da iluminação pública, já que eram todos

mesmo: a queima de combustíveis líquidos para

muito sombrios, apresentando, geralmente, como

a produção de fogo. Ao contrário, os materiais

iluminação externa, uma solitária tocha postada na

empregados para suporte do fogo, as lucernas,

ponte elevadiça.

sofreram todo o tipo de alteração. Passaram a

contar, por exemplo, com uma variada e artística

e palácios senhoriais foram progressivamente

ornamentação; sendo fabricadas com metais e com

melhorando a visibilidade urbana ao instalarem

materiais preciosos.

lanternas de ferro forjado nas esquinas de onde

No século XVI, numerosos edifícios públicos


Augusto Malta A História da Iluminação Artificial – das origens até o século XX

Rio de Janeiro, no final da década de 1920, com a inauguração da iluminação da Avenida Maracanã, na ponte do cruzamento com a rua Uruguai

A luz trêmula e azulada emitida pelo gás formava em sua volta uma atmosfera de vago lirismo, uma aura romântica, que junto com os ‘gasistas’, trabalhadores responsáveis pela operação do aparelho, tornou-se parte

Europa e dos demais continentes que vieram a utilizá-la

do folclore popular da Gasista acende luminária pública

15


era da eletricidade

estavam situados. Mesmo assim, passado um século,

às primeiras importações de aparelhos acabados.

a iluminação pública européia não apresentou

relevantes modificações. As praças e as ruas

falar de iluminação nos países colonizados. No Brasil,

continuavam às escuras e a luz ainda vinha quase em

destaque para a cidade do Rio de Janeiro, que, em

sua totalidade de braseiros e tochas localizadas em

1763, por iniciativa de seus moradores, começou a

pátios e em passadiços de grandes mansões.

iluminar seus logradouros públicos. Foram instalados,

na época, 20 lampadários de madeira, envidraçados,

No término dos anos 1600, porém, os

Com a chegada de novos materiais, foi possível

governantes passaram a tomar a iluminação das

à base de azeite de peixe, e suspensos por varões de

ruas como sua responsabilidade e começaram

ferro. Como explica o engenheiro eletricista e perito

a instalar lanternas em algumas esquinas, nas

em luminotécnica, Milton Martins Ferreira, estes

principais cidades. Estes novos equipamentos eram

lampadários eram acesos todas as noites, exceto na

abastecidos por equipes chamadas de faroleiros que

lua cheia, quando a luz refletida era suficiente.

contavam com roldanas ou escadas para subirem às lanternas e assim conseguirem realizar a função

Novas tecnologias

para qual foram destinados.

16

Estas ações foram, certamente, o começo de

Com a crescente preocupação dos governantes

uma nova fase, porque já no início do século XVIII,

com a iluminação pública, começa-se a prestar mais

uma programação mais racional de iluminação

atenção no desenvolvimento de novos materiais

pública começou a ser efetuada na Europa, na qual

que pudessem fornecer uma iluminação mais

as principais cidades do continente viram lanternas

eficiente, em termos econômicos e de luminosidade.

se multiplicarem por suas ruas. A nova iluminação

Obviamente, as soluções iniciais permaneceram

funcionava à base de óleos vegetais, cujo consumo

no âmbito do fogo. Não se pensou de pronto em

era mais lento, mas a luminosidade da chama era

outro meio de iluminação artificial. Modificou-se a

mais fraca. Conforme Bonali, o primeiro avanço

maneira como a chama passou a ser produzida.

técnico para melhorar a fruição da luz, deu-se em

1760, com a adoção de um espelho côncavo de

lâmpada Argand. Inventada pelo suíço Pierre Argand,

metal polido dentro da lanterna que permitiu melhor

em 1783, o equipamento era baseado no fato de que

reflexão da chama.

o ar canalizado em um canudo, aquecido por uma

chama, subia mais rapidamente ao recambiar-se,

Se na Europa, o cenário da iluminação artificial

Uma das grandes iniciativas pioneiras foi a

estava progredindo, na América, por outro lado,

no fundo desse canudo, com ar frio. Processo que

os avanços eram praticamente imperceptíveis.

recebeu o nome de dupla corrente de ar e que por isso

Descoberta há pouco, serviu no início do seu

conseguia multiplicar seu poderio de iluminação.

processo de colonização, para iluminar as andanças

dos descobridores, com aparelhos manuais trazidos

alguns inconvenientes, como a sombra projetada pelo

dos veleiros, fogaréus improvisados e archotes

reservatório, que devia estar sempre acima do nível

rudimentares.

do queimador e o custo elevado. Esses problemas

não foram efetivamente resolvidos, mas também

Posteriormente, grupos religiosos difundiram

Segundo Bonali, a lâmpada apresentava, contudo,

as velas, empregadas para iluminar as igrejinhas

não impediram a invenção de ter relativo sucesso na

que começavam a tomar conta da nova terra.

época. Prova disso é que quase imediatamente ao seu

Algumas tentativas de desenvolver equipamentos

surgimento, ela foi convertida em lustres e apliques,

de iluminação mais sofisticados também foram

ajustando-se, com o tempo, aos preceitos estilísticos

colocadas em prática, mas a solução veio apenas a

vigorantes do século XVIII.

partir do século XVII, quando a imigração tornou-se

mais numerosa e o contato com o velho mundo e

mudanças ainda estavam por vir. Ainda nos anos

entre as igrejas se tornou mais frequente, o que levou

1700, mais especificamente, em 1792, o inglês

Mas era só o início e muitas invenções e


Willian Murdoch encontrou uma maneira de

cidade do Rio de Janeiro o sistema inventado na

armazenar um produto que havia sido descoberto

Inglaterra. Cá como lá, achou-se por bem não usar

um século antes quando se destilou o carvão

tal invenção em ambientes internos, pelo risco

fóssil: era o gás aeriforme, que, de fato, tornou-se

que oferecia a vida das pessoas, de intoxicação e

a primeira alternativa relevante descoberta pela

incêndio. Outro fator que freou a difusão do novo

humanidade para conseguir superar os tradicionais

sistema foi o custo elevado. Conforme o engenheiro

combustíveis que alimentavam a iluminação

eletricista Milton Ferreira, esse obstáculo encontrou

artificial gerada pelo fogo.

uma saída com a descoberta do querosene. Menos

perigoso, ele podia ser usado em ambientes doméstico

O armazenamento do gás possibilitou a Murdoch

iluminar sua casa e sua fábrica. Para tanto, foi

à noite, sem o perigo de espalhar-se como o gás e

necessária a criação de uma complexa canalização

causar grandes transtornos.

feita de tubos de cobre ou chumbo que possuíam

em cada extremidade, torneiras reguladoras e uma

iluminação a gás passou por um aprimoramento,

série de pequenos orifícios para a saída das chamas.

aumentando sua difusão. A melhoria que levou

Apesar do sucesso aparente, o novo combustível

a esse cenário veio, sobretudo, com a invenção

apresentava um grande obstáculo relacionado à

do “bico Auer”, um retino de algodão embebido

segurança; ele podia escapar facilmente, aumentando

de óxidos que, além de permitir regular a saída

o risco de explosões. Além disso, a implantação do

do gás, tornava-se incandescente sem queimar,

sistema era cara.

possibilitando um grande aumento de luminosidade.

Devido às suas características, quando o dispositivo

Estas peculiaridades, segundo Bonali, limitaram,

Antes de ceder espaço para outra tecnologia, a

no início, o aproveitamento doméstico da iluminação

começou a ser utilizado, a partir de 1886, o perigo

a gás, mas não impediram que fosse utilizada para

de explosões diminuiu drasticamente, além do mais,

iluminação pública e de grandes estabelecimentos

por causa dele, pôde-se virar, pela primeira vez, a

como teatros, cafés e salões de festas. A primeira

chama iluminante para baixo, facilitando o processo

instalação pública permanente baseada em gás que se

de manutenção. Outra modificação nos lampiões a

teve notícia aconteceu, porém, algum tempo depois

gás que o tornaram equipamentos ainda melhores

da ideia de Murdoch, em 1807, na rua Pall Mall, em

para época foi o acoplamento das camisinhas cujo

Londres. Todavia, após o empurrão inicial, as coisas

desenvolvimento de material permitiu que a luz

fluíram mais rapidamente e, em pouco tempo, as

emitida pelo equipamento apresentasse um brilho

principais cidades da Europa passaram a contar com

mais intenso.

sistemas de iluminação a gás.

Auer”, o certo é que os sistemas de iluminação a gás

Os sistemas consistiam em lampiões colocados

Mais ou menos portentosos, com ou sem “bico

sobre pilastras situadas nas calçadas e presos por

mudaram os cenários das cidades. De acordo com o

longos braços instalados nas esquinas ou suspensos no

especialista em iluminação, Milton Ferreira, antes da

meio da rua. De acordo com Natale Bonali, os novos

chegada de tal invento, sob a precária iluminação

equipamentos eram sem muito luxo, apresentados em

vinda do fogo, as atividades noturnas da sociedade

discretas formas quadradas ou trapezóides, feitas com

em geral, tanto internas como externas, eram bem

ferro-gusa ou simplesmente chapas de ferro soldadas.

limitadas. “O gás foi a primeira manifestação de

Afinal, a intenção era apenas iluminar e não adornar

melhoramento na iluminação publica, agilizando as

a cidade. Isso, entretanto, não impediu certas ruas da

atividades noturnas”, diz.

cidade, habitadas por luxuosas mansões, exibirem

equipamentos de iluminação que mais pareciam obras

em diversos aspectos e mesmo que seu uso tenha sido

de arte.

durante um curto período de tempo, sua passagem

foi marcante. Como escreve Bonali, “a luz trêmula e

No Brasil, a iluminação a gás chegou em 1854

por obra do Barão de Mauá, que importou para a

Depois dele, a vida das pessoas se transformou

azulada emitida pelo gás formava em sua volta uma

17


era da eletricidade

atmosfera de vago lirismo, uma aura romântica, que

contava com esse depósito que era anteriormente

junto com os ‘gasistas’, trabalhadores responsáveis

ocupado com óleos viçosos e cheirosos.

pela operação do aparelho, tornou-se parte do folclore popular da Europa e dos demais continentes

A iluminação elétrica

que vieram a utilizá-la”.

A Light and Power Company, assim como outras companhias de eletricidade, divulgava os benefícios da iluminação elétrica por meio de propagandas

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Concomitantemente ao gás aeriforme, outros

Experimentos com produção de luz por meio

combustíveis foram largamente utilizados no

da eletricidade já vinham sendo feitos desde o

século XIX para a produção de luz. O carboneto

século XVII. Mais especificamente, como informa

de cálcio (acetileno), por exemplo, substância

o engenheiro de Iluminação da GE Consumer &

orgânica, gasosa, incolor, foi empregado em

Industrial, José Cervantes, desde 1650, quando

carroças, bicicletas, vagões ferroviários e, no fim

o cientista alemão Otto von Guerike descobriu

dos 1800, em veículos motorizados, para iluminar

que a luz poderia ser produzida pela excitação

os caminhos das pessoas que os guiavam. Ao

elétrica. De lá pra cá, muitos outros achados. No

receber gotas de água, o acetileno dá origem

início da década de 1700, por exemplo, o inglês

a vivas chamas, o que o tornou uma opção

Francis Hawskbee, realizou uma experiência na

eficiente para os veículos em geral, apesar de sua

qual colocava enxofre dentro de um globo de

instabilidade e do risco de explosão. Segundo

vidro vazio; fazendo isso, percebeu a formação de

Bonali, em 1899, o carro Fiat, por exemplo,

luz e este experimento foi considerado a primeira

já exibia dois grandes faróis alimentados pelo

lâmpada elétrica desenvolvida no mundo.

carboneto de cálcio.

Cerca de um século e meio mais tarde, em 1840,

O petróleo também foi utilizado para produzir

outro inglês, William Grove, descobriu que tiras de

iluminação a partir do fogo. A existência do material

platina e outros metais devidamente aquecidos, até

é conhecida desde a Antiguidade em que textos já o

se incandescerem, produziam luz por um período

descreviam em forma betuminosa flutuando na água

de tempo. Um ano depois da experiência de Grove,

dos charcos. Contudo, sua descoberta oficial é datada

mais uma vez um britânico, Frederick de Moleyns,

de 1859, quando o coronel norte-americano Edwin

patenteou a primeira lâmpada incandescente

Laurentine Drake, ao perfurar o solo do deserto da

que se tem notícia. Contudo, tanto o aparelho de

Pensilvânia, nos Estados Unidos, fez pela primeira vez

Moleyns quanto os outros inventos desenvolvidos

jorrar do chão o óleo negro viscoso.

até então apresentavam limitações técnicas, ou seja,

a luz produzida não possuía intensidade e duração

A imagem do petróleo é mais atrelada à

produção de derivados de combustíveis para fazer

suficientes para serem utilizados em larga escala

funcionarem veículos motorizados. Não sem motivo,

para substituírem os equipamentos de iluminação

afinal de contas, a história provou ser essa a sua

existentes naquele período.

mais importante função. Entretanto, nos primeiros

anos de sua maciça extração, serviu também

relativo sucesso comercial foram as de arco voltaico.

de alimento para os arcaicos equipamentos de

Inventadas no início dos anos 1800 pelo químico

iluminação. Isto porque, destilado, ele tem um alto

inglês Humphry Davy, elas foram basicamente

grau de absorção capilar, além de ser armazenado

utilizadas na iluminação pública. Conforme o

facilmente e de, na época, ter custo baixo.

engenheiro eletricista Milton Ferreira, as lâmpadas

a arco voltaico operavam em circuitos-série,

Segundo Bonali, na área de iluminação,

As primeiras lâmpadas elétricas que tiveram

empregou-se mais o petróleo nas lâmpadas de mesa,

exigindo para seu controle, o emprego de vários

já que havia dificuldades técnicas em utilizá-lo nos

equipamentos auxiliares, o que encarecia o processo,

aparelhos pênseis por causa da falta de reservatórios

além disso, elas apresentavam grande intensidade

para o combustível. As lâmpadas de mesa, pelo

luminosa, não prestando dessa forma, ao uso

contrário, já dispunham, na época, de um acervo que

interno. Uma experiência realizada, em 1858, no


farol de South Foreland, na Inglaterra, comprovou

prolongar seu dia até a noite de maneira sustentável

a dificuldade em se utilizar o equipamento; sua

e econômica. “A partir deste descobrimento, a

queima era inconstante e a vida útil muito curta,

rotina do mundo civilizado e a vida das pessoas

exigindo constante manutenção.

mudaram radicalmente, não só permitindo o maior

desenvolvimento material no mundo, mas, ao

A solução veio com o norte-americano Thomas

Alva Edison. A ideia da lâmpada incandescente já

longo do tempo, um padrão de vida melhor para o

existia, mas foi Edison que encontrou o filamento

ser humano”, diz Ferreira. De fato, a invenção da

adequado para que a luz gerada fosse intensa e

lâmpada elétrica revolucionou todo o comportamento

duradoura. Ele tentou mais de seis mil materiais de

da sociedade, aumentando o horário das atividades

filamentos alternativos durante dois anos, e gastou

comerciais ou industriais e possibilitando o lazer e

40 mil dólares daquela época (cerca de US$ 1 milhão

atividades esportivas no período noturno.

de hoje) realizando mais de 1.200 experiências até

que descobrisse o filamento de algodão. Edison

elétrica aos quatro cantos do mundo, a lâmpada

acendeu seu filamento no dia 19 de outubro de 1879

fluorescente, que funciona à base de vapor de

e dois dias depois ele ainda estava incandescente.

fósforo, difundiu a questão de economia no que

tange à iluminação via eletricidade. Isto porque,

Posteriormente, buscando maior duração do

Se a lâmpada incandescente levou a luz

tempo de iluminação da lâmpada, Edison e os

tendo, basicamente, a mesma qualidade de luz que a

demais cientistas da época partiram atrás de outros

lâmpada incandescente, utiliza cerca de 70% menos

materiais para filamento. Edison ecnontrou, em

eletricidade que ela e conta com uma vida útil até 20

primeiro lugar, como opção eficiente, o filamento

vezes maior. Por isso, se tornou tão popular quanto

de bambu carbonizado que apresentou melhor

a lâmpada incandescente no mundo, utilizada em

rendimento e durabilidade que o fio de algodão.

residências, indústrias e estabelecimentos comerciais.

Depois, foi a vez do filamento de celulose suplantar o bambu. Mas nada que se comparasse ao metal

No Brasil

tungstênio, material que ganhou a disputa, sendo utilizado ainda hoje, por, entre outras razões,

apresentar um ponto de fusão mais elevado do que

sistema de iluminação pública a eletricidade, ainda

3.000° C, ou seja, ter uma temperatura de trabalho

que embrionário e de modestas proporções, foi

mais alta do que os outros materiais.

Porto Alegre, isto porque, a capital do Rio Grande

do Sul, já servia-se, desde 1887, da energia gerada

O novo invento mostrou-se eficiente, prático

A primeira cidade do país a contar com um

e, sobretudo, seguro e limpo, se comparado aos

pela Velha Usina Térmica da Companhia Fiat Lux.

equipamentos de iluminação que vinham sendo

Para se ter uma ideia de como o município estava

utilizados até aquele momento. Por isso, foram

avançado, de acordo com o livro Vida cotidiana

comercializadas em larga escala, já em 1880, sendo

no Brasil Moderno, a energia elétrica e a sociedade

o primeiro sistema de iluminação introduzido em

brasileira (1880-1930), as duas principais regiões

1882, no viaduto Holburn, em Londres. No mesmo

do País, na época, São Paulo e Rio de Janeiro,

ano, a iluminação elétrica chegou a Nova York para

só foram contar com um sistema de iluminação

iluminar a Pearl Street Station.

elétrica no início da década de 1900.

Mas a difusão da lâmpada não se deu

São Paulo, por exemplo, havia inaugurado

magicamente, para que ela tivesse apelo comercial,

seu sistema de iluminação a gás em 1872 e já se

Thomas Edison teve que trabalhar no seu

interessava pela nova técnica que surgia. Demorou,

aperfeiçoamento. Ao rudimentar bulbo com filamento

então, alguns anos até que aportasse em terras

de algodão, foi acrescentado, por exemplo, uma base

paulistanas o invento de Thomas Edison. Não que

rosqueada para uso em receptáculos. O certo é que,

durante essa espera nada relacionado à eletricidade

com a invenção de Edison, as pessoas conseguiram

tivesse dado as caras em solo paulista. Pelo contrário,

19


era da eletricidade

20

diversos projetos na área foram realizados, entre

Censo, um terço das vilas e municípios do país

eles, a instalação de lâmpadas de arco voltaico pela

já possuía iluminação elétrica: no estado de São

Empresa Paulista de Eletricidade, posteriormente

Paulo, 137 dos 158 municípios contavam com

encampada pela Companhia Água e Luz de

iluminação exclusivamente elétrica; em Minas

São Paulo, mais tarde incorporada pela Light; a

Gerais, 98 dos 112; no Paraná, 26 dos 29; e no Rio

inauguração dos serviços da Companhia Paulista

Grande do Sul, 39 das 60 cidades.

de Eletricidade, em 1888; e a iluminação da Rua

Barão de Itapetininga, em 1905, pela The São Paulo

1910 e 1926, viu seu número geral de pontos de

Tramway, Light and Power Company Ltd.

eletricidade quintuplicar nos logradouros públicos da

região, passando de 3,5 mil para mais de 16 mil, isso

No entanto, foi somente em 1911, que a Light,

A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, entre

responsável pela distribuição de energia elétrica

tudo puxado por um consumo que aumentara oito

para São Paulo, fechou seu primeiro contrato com

vezes neste mesmo período. A progressão acelerada

o governo estadual para iluminação pública a

possibilitou, já em 1920, a substituição total do gás

eletricidade. Neste acordo, curiosamente, estava

pela eletricidade na iluminação pública do município.

incluída a distribuição de luz para as avenidas

Brigadeiro Luís Antônio e Higienópolis, duas das

elétrica incandescente no Brasil, nada mais certo

atuais principais avenidas da cidade.

que o cotidiano de seus habitantes mudasse

vertiginosamente. As ruas das grandes cidades, por

Nesse sentido, se houve certa demora para a

Com adesão sistemática da iluminação

lâmpada elétrica chegar em São Paulo, em pouco

exemplo, deixaram para trás, pelo menos naquele

tempo, porém, ela se espalhou. Em 1914, o município

momento, a imagem que médicos, policiais e

já possuía 1637 pontos de iluminação, dos quais 818

autoridades públicas, constantemente, lhe impunham,

eram de lâmpadas incandescentes e 819 de lâmpadas

de um lugar insalubre, violento e inseguro. Com a

a arco. Mesmo assim, em 1916, os lampiões a gás,

chegada da luz elétrica, a rua passou de meio para

em número de 8.605, superavam ainda, em muito, a

fim, de lugar de passagem rápida para ponto de

iluminação elétrica.

encontro, reuniões e festividades. Podia-se, agora, em

uma cidade em que os índices de criminalidade ainda

No Rio de Janeiro, a introdução sistemática

da energia elétrica começou um pouco mais cedo,

não eram elevados, desfrutar de passeios noturnos nas

em 1904, com as obras de construção da Avenida

novas grandes avenidas e marcar encontros e eventos

Geral, cujo fornecimento de energia ficou a cargo da

nas praças e nos parques urbanos.

empresa Branconnot e Irmãos, que fora contratada

pela companhia francesa Societé Anonume du Gaz,

iluminação elétrica. Tornaram-se mais claros, mais

responsável pela distribuição do gás na cidade,

agradáveis e mais seguros também porque diminuíram

na época. Na mesma região, fixou residência a

o risco de incêndios que existia quando eram

companhia The Rio de Janeiro Tramway, Light

iluminados por tochas ou por lampiões alimentados a

na Power Company Ltd., empresa que se tornaria

gás. Neste contexto, a cidade do Rio de Janeiro assistiu,

responsável pela iluminação pública da cidade.

em 1909, à inauguração do Teatro Municipal, em

um estado de grande desenvolvimento do lazer e da

Independentemente da região do país,

Os teatros também se beneficiaram bastante da

a situação ainda era incipiente, mas com

cultura. Já em 1911 foi a vez de São Paulo inaugurar o

investimentos sólidos em unidades produtoras e

seu Teatro Municipal. A luz elétrica também fez surgir

distribuidoras de energia localizadas próximas às

uma série de novas diversões públicas, como os salões,

áreas a serem iluminadas, as cidades brasileiras

clubes e bilhares. Eles começaram a proliferar graças

foram gradativamente deixando de lado os

ao novo invento, oferecendo à população variadas

lampiões a gás e instaurando as lâmpadas elétricas.

opções de lazer e divertimento.

Só para se ter uma ideia, em 1920, segundo o

Se as opções de lazer aumentavam devido ao


advento da luz elétrica, os problemas relacionados ao progresso econômico também. Ao lado de todo avanço tecnológico podia-se ver a miséria gerada na

Foto de 1930 que mostra a iluminação pública da Rua Viana Drummond, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro

esteira deste. A rua estava cada vez mais povoada pelas multidões que proliferavam nos cortiços e casas de cômodos. Cenário que, de acordo com o livro a Vida cotidiana no Brasil Moderno, era visto, por muitos, como uma ameaça à ordem, um retrato da barbáries e do atraso, resistência à civilização.

Era preciso tomar uma atitude para que a

situação não se tornasse mais calamitosa para aqueles que podiam desfrutar dos novos progressos. Neste momento, começa a se consolidar a relação, quase automática que se faz hoje em dia, entre segurança e ruas iluminadas à noite. Diante disso, a sociedade, preocupada com seu próprio bem-estar, aumentou a cobrança sobre o Estado, buscando a continuidade e a expansão dos benefícios da iluminação elétrica das

Luminária residencial para uso de gás, na parte superior, e eletricidade, na parte inferior.

vias públicas.

Uma das formas de se minimizar as mazelas sociais

é impedir que seus efeitos sejam sentidos por qualquer ponto da cadeia social, iluminando-se os logradouros públicos, torcendo para que a violência tenha os olhos feridos com a claridade das lâmpadas e se afaste.

É preciso lembrar que a eletricidade não gera

apenas luz, ela também produz movimento para as máquinas, que traz aumento de produção. O empregador vende mais mercadoria e tem mais lucro diante de um mercado consumidor cada vez maior; o empregado, que é também o consumidor, tem mais horas de trabalho e, consequentemente, mais dinheiro para consumir. Dessa forma, para aumentar a produção, era preciso trabalhar mais tempo, era preciso trabalhar também à noite e, para isso, a luz elétrica se tornou imprescindível. Se mais trabalho traz mais dinheiro, a iluminação elétrica não deixou de contribuir, dessa forma, para a melhoria das condições econômicas do operariado.

Pesquisa • Vida cotidiana no Brasil Moderno, a energia elétrica e a sociedade brasileira (1880-1930), Memória da Eletricidade • A História da Iluminação Artificial – das origens até o século XX, Natale Bonali

A iluminação doméstica foi beneficiada com a descoberta do querosene.

Menos

perigoso, ele podia ser usado em ambientes doméstico à noite, sem o perigo de espalhar-se como o gás e causar grandes transtornos.

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cidade em movimento

Por Flávia Lima

ELETRICIDADE SOBRE RODAS Entraves como carência de pesquisas e interesses políticos impediram o desenvolvimento dos veículos elétricos, nascidos em meados do século XIX, antes mesmo dos carros a combustão interna. Preocupação ambiental e crises da indústria do petróleo abriram caminho para um novo recomeço.

Senador George P. Wetmore, em um veículo elétrico chamado “Krieger Electric Landaulet”, em Washington, nos Estados Unidos, no ano de 1906.

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Carro a vapor Bordino, de 1854

Embora os carros de propulsão a gasolina

Um passo mais consistente foi dado, porém,

tenham dominado as ruas de todo o mundo,

pelo físico francês Gastón Planté, ao criar, em

eles não foram pioneiros em sua essência. Os

1859, a bateria recarregável de chumbo-ácido,

veículos elétricos – que voltam agora à cena

a mesma – com aprimoramentos – utilizada até

como uma solução ecologicamente viável –

hoje em automóveis convencionais. A descoberta

passam longe de ser uma novidade. Há registros

abriu caminho para os carros elétricos, que

de que o primeiro indício de veículo elétrico seja

ganharam a Europa e os Estados Unidos por

de 1827 na Hungria, tendo ganhado mercado a

três décadas, tendo sido a França e a Inglaterra

partir do final do século XIX com fabricação,

os primeiros países a apoiar o desenvolvimento

temporariamente, próspera.

dessa indústria.

Efetivamente, a partir da segunda metade do

Os americanos, na verdade, só deram atenção

século XIX, deu-se início à era da eletricidade

ao veículo elétrico após A.L. Ryker introduzir o

que se tornaria permanente. O recurso

primeiro carro a eletricidade no país, em 1895. A

energético aplicado, especialmente, com a

partir de então, o interesse cresceu e decidiu-se

invenção do motor elétrico e sua difusão com

investir fortemente na novidade entre os anos

aprimoramentos, revolucionou todas as áreas

1890 e as duas primeiras décadas do século XX.

da sociedade. Tendo o motor elétrico como

Para se ter ideia, em 1897, os veículos elétricos

mecanismo fundamental ao desenvolvimento

ganharam sua primeira aplicação comercial nos

da energia elétrica aplicada, a introdução

Estados Unidos com uma frota de táxis de Nova

dessa eletricidade nos processos produtivos

York, constituída pela Electric Carriage and

e no transporte deu-se quase que ao mesmo

Wagon Company of Philadelphia.

tempo. Nas máquinas que começam a surgir

nas décadas finais do século XIX, motores

automóveis movidos a combustíveis, os elétricos

mais modernos colocavam em prática os

foram uma solução bastante aplicada. O diretor

conhecimentos do eletromagnetismo. O mesmo

do Instituto Nacional de Eficiência Energética

ocorreu no transporte quando a eletricidade

(Inee), Jayme Buarque de Hollanda, conta

começa a tracionar as primeiras locomotivas,

que, até a virada daquele século, havia muitos

especialmente as de carga, sendo também

veículos elétricos em circulação. Estima-se que

aplicadas aos carros de passeio.

40% dos carros vendidos nesse período eram

elétricos, sendo o restante repartido em partes

A eletricidade é o mais antigo método de

O fato é que, antes do desenvolvimento dos

propulsão de automóveis que se conhece. A

praticamente iguais entre veículos a vapor e de

tecnologia pode ser atribuída a alguns célebres

combustão interna.

cientistas, a começar pelo húngaro inventor do motor elétrico, Ányos Jedlik, quem teria primeiro criado o princípio do dínamo elétrico de

Carros elétricos versus carros a combustão interna

autoexcitação, em 1827. Como sua criação não foi noticiada antes do nome de Siemens, este ficou

com a fama do invento mais tarde, em 1861.

Revolução Industrial, também deixou seu

O fim do século XVIII, marcado pela

23


cidade em movimento

Thomas Edison e um carro elétrico em 1913.

24

legado no transporte. Símbolo desta revolução,

época eram empregados em zonas urbanas,

a máquina a vapor exerceu grande influência

relativamente pequenas. Eles apresentavam ainda

sobre os meios de transporte. Em 1769, o francês

algumas vantagens em relação aos concorrentes:

Nicolas-Joseph Cugnot teria usado um motor a

não produziam vibrações, cheiro ou barulho.

vapor para movimentar um veículo pequeno, de

Além disso, trocar a embreagem em carros

três rodas, mecanismo que ganhou mais ênfase

movidos a gasolina era a parte mais difícil de sua

nas locomotivas do início do século XIX. E assim

dirigibilidade, ação não exigida pelos elétricos.

como as locomotivas conquistaram território,

os veículos a vapor, também o fizeram antes,

que possuíam motor com maior desempenho.

penetrando o mercado de automóveis de passeio

Hollanda conta que o veículo a combustão ainda

e de serviço. Estes veículos movidos a vapor

era pouco desenvolvido, apresentava alguns

concorreriam mais tarde com os elétricos e com

problemas, além de não contar com combustíveis

os de combustão interna, tendo este último sido

padronizados – até o amadurecimento

concebido na Alemanha, por volta de 1885,

da indústria do petróleo, empregavam-se

e obtido sucesso devido, principalmente, a

principalmente o querosene e o etanol, este, por

Henry Ford, que passou a fabricá-los em série,

ser mais homogêneo.

vendendo cerca de 15 milhões de unidades de

um único modelo, o conhecido T, entre 1908 e

entre as pessoas mais bem-sucedidas da época,

1927.

que os empregavam nas cidades por não exigir

grandes velocidades. Eles eram os preferidos

Desenvolvidos quase que simultaneamente

Na virada do século, eram os carros elétricos

Os carros elétricos tornaram-se populares

em um período propício à materialização das

também porque não se exigia esforço manual

pesquisas científicas que brotavam das mentes

para dar partida, ao contrário dos veículos

iluminadas, os carros elétricos e à combustão

a gasolina que dispunham de uma manivela

interna andaram juntos por algumas décadas

que demandava grande esforço físico para ser

a partir dos anos 1890, tendo o primeiro

acionada, com o intuito de dar partida no carro.

sustentado a posição de favorito por anos. Isso

O problema é que essa alavanca exigia muita

porque os elétricos chegaram a alcançar altas

força física dos condutores, chegando, inclusive,

velocidades e a vencer grandes distâncias. Um

a provocar acidentes nos usuários, como fraturas

dos mais notáveis recordes foi atingido pelo

nas mãos e nos braços. Por este motivo, os

conhecido “Jamais Contente”, criado pelo francês

elétricos eram os favoritos das mulheres, que

Camille Jenatzy, que, em 29 de abril de 1899,

também eram seduzidas pelas propagandas,

alcançou a velocidade de 105,88 km/h, sendo

as quais, frequentemente, exploravam essa

o único veículo a ultrapassar a marca dos 100

característica a seu favor. Hollanda conta que o

km/h na época.

próprio Henry Ford não admitia que sua esposa

dirigisse um carro com motor de combustão

Apesar do feito, de modo geral, os veículos

não apresentavam grande potencial de

interna, apenas o elétrico, receoso de que ela se

velocidade – o que não era uma desvantagem

machucasse ao manejar a manivela.

propriamente dita, já que os automóveis da

Por ser mais confortável e fácil de manusear,


Apreciador das novas tecnologias, Santos Dumont trouxe o primeiro carro elétrico para o Brasil, em 1891.

comparado aos outros meios de transporte da

partida elétrica para esses motores determinaram

época – a vapor e a combustão –, o veículo

o abandono da tração elétrica em automóveis.

elétrico tornou-se a solução favorita do

Soma-se a isso o fato de que, em comparação

transporte urbano, principalmente por sua

com um Ford T, por exemplo, um carro elétrico

simplicidade. “Sua construção e operação eram

chegava a custar até três vezes mais. Outros

mais simples do que as de veículos a vapor ou

fatos isolados também contribuíram. Na década

acionados por motores de explosão. Entretanto,

de 1920, a General Motors adquiriu o sistema

sua grande limitação era a autonomia de

de bondes elétricos da Califórnia apenas para

percurso, devida à pequena capacidade das

desativá-lo e introduzir o uso de veículos

baterias em relação a seu peso e tamanho”,

movidos a combustíveis fósseis.

explica o presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Pietro Erber.

Idas e vindas

Foi nos Estados Unidos que o veículo elétrico

ganhou mais aceitação, chegando a registrar, no

início da década de 1900, 33.842 carros elétricos.

mais duradouro presidente da General Motors,

Para se ter ideia, o conceito foi além dos carros

inseriu um motor elétrico na partida do veículo

de passeio. Em meados de 1920, havia mais de

a combustão interna, desenvolvendo assim o

quatro mil caminhões de entrega movidos à

motor de arranque. A nova tecnologia facilitou

eletricidade em Nova York. A França também

a vida dos condutores e marcou o início do

investiu na tecnologia, chegando a instalar

sucesso desse modelo. A descoberta, associada

cerca de 700 pontos de recarga, no ano de 1901.

ao fortalecimento da indústria de petróleo fez

No Brasil também temos registros de veículos

os carros a combustão deslancharem, ganhando

elétricos, por exemplo, os caminhões elétricos,

mercado, em detrimento dos veículos elétricos,

pesando quatro toneladas, que realizavam

cuja principal deficiência – a bateria – não

a manutenção da rede aérea, em 1906, pela

havia sofrido aprimoramentos significativos.

The Rio de Janeiro Tramway, light and Power

Números da indústria de petróleo da década

Company Limited.

de 1920 mostram que a queda de mercado dos

veículos elétricos está diretamente relacionada à

O carro elétrico perde definitivamente a

Na década de 1910, Alfred P. Sloan, o

corrida com o carro a combustão interna a

estabilidade e ao aumento da produção mundial

partir de 1912, quando as vendas começaram a

de petróleo.

definhar. Uma das justificativas que se dão ao

declínio do carro elétrico é a escassez de energia

decadência dos carros elétricos, nunca se deixou

elétrica, por volta de 1912, quando as residências

de fabricá-los, mas para aplicações específicas.

foram invadidas por equipamentos elétricos,

Pietro Erber afirma que eles passaram a ser

prejudicando a popularidade dos automóveis.

empregados em carros pequenos de serviço,

Erber acrescenta que a melhoria do desempenho,

principalmente na Europa, como carros de

a redução do custo dos motores de combustão

carteiros e de leiteiros. “Os carros elétricos são

interna, a maior autonomia e a invenção da

ideais para se trabalhar no regime do anda e

É importante lembrar que, mesmo com a

25


cidade em movimento

Pela simplicidade de manuseio, propagandas incentivavam as mulheres a consumir carros elétricos. Este é um anúncio da Detroit Electric, em 1912.

26

para, pois, parada, a bateria não descarrega,

começa a apresentar demanda por baterias mais

enquanto o carro a combustível não é indicado

leves e então os estudos recomeçam. As baterias

para atuar nesse ritmo”, compara. Em seguida,

modernizaram-se e isso reavivou as pesquisas

foram também empregados como empilhadeiras

também sobre as baterias para veículos (elétricos

e como meio de locomoção em campos de golfe,

ou não).

de futebol e em algumas grandes companhias.

saltos com relação ao recomeço do carro elétrico:

De qualquer maneira, o interesse por

É importante, entretanto, relatar dois grandes

pesquisas sobre baterias também se deixou

um estímulo norte-americano e outro francês. No

abater e não obteve grandes evoluções.

início da década de 1990, foi promulgada uma

Diferentemente da bateria utilizada nos

lei no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos,

automóveis como apoio ao motor de arranque,

que determinava que certo percentual dos carros

a bateria do veículo elétrico demanda

nas ruas deveria ter emissão zero de poluição.

características especiais, entre elas, deve ter a

A legislação não falava em carro elétrico,

propriedade de carga e de descarga contínua,

mas embora tenha havido algumas soluções

entretanto, com as pesquisas abandonadas, o

propostas, na prática, foi a do carro elétrico que

veículo elétrico continuava a apresentar pouca

mais se adequou. A iniciativa, entretanto, não foi

autonomia, principal entrave ao seu sucesso.

muito bem recebida e gerou polêmica, indo parar

no Supremo Tribunal dos Estados Unidos. A ação

O renascimento dos veículos elétricos se

daria a partir da década de 1970, com a crise

serviu para que os fabricantes se entusiasmassem

do petróleo. De acordo com o engenheiro Elifas

e procurassem saídas para se obter a tal emissão

Gurgel do Amaral, os problemas ambientais,

zero.

especialmente o aquecimento global, reforçaram

os investimentos em pesquisas. Ainda, a

(originalmente, electric vehicle number 1, ou

instabilidade do fornecimento de petróleo e

veículo elétrico número 1), produzido pela

a alta oscilação do preço causado pela crise

General Motors, mas agora, diferentemente,

financeira mundial intensificaram a necessidade

dos primeiros modelos do início do século,

de novos meios de transporte e fontes de energia

este protótipo possuía uma série de elementos

diferenciadas. Segundo ele, todos esses fatores

modernosos. O carro foi lançado, mas não

favoreceram a busca de novas tecnologias,

obteve sucesso nas vendas, pois o pacote de

fontes alternativas de energia, como os veículos

baterias ainda era muito caro. A solução então

flex, motores mais eficientes, veículos elétricos e

encontrada pela fabricante foi alugar o veículo,

híbrido, entre outras.

isto é, no lugar de vendê-lo, o carro seria

emprestado ao consumidor em troca de uma taxa

Outro ponto a favor é o surgimento dos

A mais famosa delas foi o carro EV1

celulares e dos notebooks, no final dos anos

mensal. A alegação era de que o aluguel seria

1980, que acaba por reacender as pesquisas

compensado pela economia com combustível.

sobre baterias. “Os primeiros celulares eram

O veículo possuía autonomia de mais de

verdadeiros tijolos e era comum ter uma

100 quilômetros e o tempo de recarga era de

bateria reserva na bolsa por conta da sua pouca

aproximadamente oito horas.

autonomia”, lembra. Nesse período, a indústria

Diversas empresas também se enveredaram


Um carro elétrico que circule aproximadamente 15 mil km por ano consome cerca de 300 kWh por mês, o que equivale ao consumo de um aparelho de ar-condicionado. Ele deverá ir ao encontro do conceito de smartgrid (redes inteligentes), pois poderão ter um efeito de estabilizador na rele elétrica distribuída, incorporando funções, em uma residência, como as de um nobreak, por exemplo.

Veículo

elétrico puro

São aqueles que usam apenas a energia elétrica como fonte de tração: • Podem usar bateria ou células fotovoltaicas • São recarregáveis • Baixa autonomia • Alto custo e baixo desempenho • Não emitem nenhum tipo de poluente

Híbrido Utilizam a fonte elétrica e o combustível convencional. • Principal solução em curto prazo em veículos elétricos • Bom desempenho • Boa autonomia

Henney Kilowatt, o primeiro carro elétrico regulado por transistores. Foi comercializado entre 1959 e 1962.

• É poluente

Híbrido

plug-in

Utilizam a fonte elétrica e o combustível convencional. • Bateria pode ser alimentada por fonte externa (na própria rede elétrica convencional) • Atenua as limitações das baterias

Eficiência

e emissões de veículos elétricos

Veículo elétrico a bateria • Eficiência: ~50% a 70% • Não emite no local em que circula Veículo elétrico híbrido • Eficiência: pelo menos 30% a 50% mais km/l que o convencional • Emissões: menos 40% a 90% que o convencional, dependendo do poluente

Prius: carro híbrido lançado pela Toyota em 1997. Conforme a fabricante, o próprio veículo recarrega a sua bateria, reunindo energia do calor dos gases de escape e energia cinética durante a travagem.

27


cidade em movimento

Princípio de veículo elétrico idealizado por Ányos Jedlik em 1827.

pelo mesmo caminho, criando carros com esse

era de 23 milhas por galão. Praticamente todos

conceito. Apesar disso, em 2003, a General

os fabricantes entraram no jogo e levaram

Motors decidiu que não valia mais a pena

variados conceitos de automóveis, garantindo

continuar com esse sistema e resolveu retirar

que, em um futuro próximo, trabalhariam com

os veículos do mercado. “A GM havia dado

o rendimento proposto. O curioso é que todos os

saltos espetaculares, com várias patentes, mas

modelos apresentados eram da família híbrida,

resolveram jogar tudo fora, com um movimento

isto é, incorpora os dois conceitos: combustão

que foi lamentado, já que eles poderiam estar

e eletricidade. A tecnologia, aliás, não era tão

hoje muito mais à frente de onde estão; o Volt

original, já que, em 1917, o primeiro veículo

é o novo modelo criado pela montadora, mas

híbrido (gasolina – eletricidade) foi lançado pela

eles tiveram que começar tudo de novo”, avalia

Woods Motor Vehicle Company, em Chicago.

Jayme Buarque de Hollanda, do Inee.

Os híbridos não deram certo comercialmente,

pois ofereciam muito pouco pelo seu preço: não

O segundo ponto importante na história

dos carros elétricos veio dos franceses que,

atingiam grandes velocidades e apresentavam

preocupados com a questão da poluição

dificuldades de uso.

ambiental, lançaram um programa que incentivava algumas empresas, como o serviço

Um novo conceito

de correios, por exemplo, a utilizar carros

28

elétricos em suas frotas e grandes montadoras,

como Renault e Peugeot, sentiram-se encorajadas

tenha prosseguido com a fabricação dos modelos

e aderiram ao carro elétrico. Aqui também a

desenvolvidos, o evento desencadeou reações

ideia não vingou e, mesmo tendo produzido

do outro lado do mundo. No Japão, a Honda

cerca de seis mil carros e erguidos eletropostes

e a Toyota, receosas de ficarem aquém dos

pelo país, a experiência não foi bem conduzida e

acontecimentos globais, trataram de selecionar os

ficou na memória.

melhores engenheiros a fim de estudar os veículos

elétricos. Nasceu, então, no final de 1997, o Prius,

Mais um fato isolado e que funcionou como

Embora a indústria norte-americana não

um solavanco para a tecnologia da eletricidade

o primeiro carro híbrido (movido a combustão

aplicada aos veículos elétricos foi incentivado

e a eletricidade) produzido pela Toyota, tendo a

pela atmosfera de preocupação com o planeta

Honda no seu encalço, com a criação do Insight,

transmitida pela Eco 92, ocorrida no Rio de

um modelo híbrido mais esportivo e com soluções

Janeiro. Pouco tempo depois, o então presidente

técnicas diferenciadas. Começa então uma nova

dos Estados Unidos, Bill Clinton, criou um

geração de carros, os chamados veículos híbridos.

programa que definia o seguinte: para cada dólar

investido em pesquisa e desenvolvimento de carros

movimento iniciado na Califórnia teria sido o

elétricos, o governo investiria mais um dólar.

principal estímulo aos veículos elétricos, somado

à volta das pesquisas sobre baterias, reanimada

A única condição, estabelecida pelo próprio

Jayme Buarque de Hollanda lembra que o

governo, era de que esse carro do futuro

com o advento dos celulares e computadores

alcançasse a marca de 80 milhas por galão de

portáteis. “Atualmente, há 2,5 milhões de Prius

gasolina – a média de consumo naquela época

[da Toyota] em todo o mundo, além de outros


Comparativo:

modelos de diversos fabricantes”, comemora.

automóveis a bateria e a gasolina

Percebendo a tendência de preocupação com

Gasolina

Elétrico

Faixa de consumo

7 a 10 km/l

3 a 10 km/kWh

Consumo mensal (20 mil km/ano)

208 l

333 kWh

o meio ambiente, notando a tecnologia que, continua de vanguarda e acompanhando as recentes pesquisas, os fabricantes de automóveis passaram a se associar aos produtores de

8 km/l

Consumo médio

embora tenha nascido há mais de um século,

R$ 458

Custo mensal de combustível

5 km/kWh R$ 153

Fonte: ABVE

baterias, dando início a uma verdadeira corrida no sentido de aperfeiçoá-las – inserindo mais carga e reduzindo seu peso e tamanho – e formar os melhores conjuntos automotivos possíveis.

Em todo o mundo, montadoras estão

desenvolvendo e fabricando seus veículos elétricos; concessionárias de energia, em parceria com fabricantes, também estão criando suas tecnologias. No caso do Brasil, entretanto, além da questão da bateria – que, no tocante à

Funcionamento

autonomia, ainda precisa ser aperfeiçoada para concorrer com os autos de combustão interna

de um veículo elétrico

gerador

– há outro entrave significativo: o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para esses veículos é de 25%, ao passo que o de um carro convencional é de aproximadamente 7%.

Como escreveram Max Mauro Dias Santos e

motor elétrico

Gabriel Gonçalves, em um artigo sobre o tema,

motor elétrico

“no início da história do automóvel, os veículos elétricos ocupavam lugar de destaque, enquanto o motor a combustão interna era usado em competições e em trabalhos acadêmicos”. Os papéis foram invertidos, entretanto, apesar das barreiras, especialistas apostam na tecnologia como um futuro certo.

bateria recarregável

Pesquisa • Documentário Quem matou o carro elétrico? Direção de Chris Paine. Produtora: Electric Entertainment • Artigo “Uma visão geral dos veículos elétricos, híbridos e célula a combustível no Brasil”, de Max Mauro Dias Santos e Gabriel Gilvander Tomaz Gonçalvez (Disponível em www.simea.org.br) Associação Brasileira de Veículos Elétricos – www.abve.org.br Instituto Nacional de Eficiência Energética – www.inee.org.br

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evolução

Por Lívia Cunha

VIDA ELETRÔNICA A eletrônica começou a ser aplicada em equipamentos elétricos com maior intensidade depois da década de 1950, quando um dos principais componentes eletrônicos foi desenvolvido: o transistor. Graças a ele, os aparelhos eletroeletrônicos entraram tão fortemente na vida cotidiana que hoje é difícil imaginar o dia a dia sem eles.

30


Os computadores sempre inspiraram muito a

criatividade humana, seja na área técnica quanto na cultural. Durante o período áureo de desenvolvimento dessas máquinas, em meados do século XX, quando o cineasta Stanley Kubrick lançou 2001: uma odisseia no espaço, em 1968, um dos filmes mais marcantes da história do cinema – considerado sua obra prima –, vislumbrava-se qual seria o impacto desses computadores na vida das pessoas. Apesar de Kubrick ter apresentado em sua obra a temática do medo de que a técnica ganhasse vida própria, que a criatura dominasse o criador, o que reabriu uma série de questionamentos sobre ética e limites de desenvolvimento da ciência, este é um receio antigo na história da humanidade.

Fazendo um paralelo com o cientificismo, que

ganhou força nos séculos XVIII e XIX, acreditavase que a ciência poderia curar todos os males do mundo. O mesmo sentimento envolveu a computação, entre as décadas de 1950 e 1970, e a genética e a clonagem, no final do século XX, temas que também foram abordados em diversas obras de ficção científica.

O desenvolvimento tecnológico da informática e a

corrida espacial provocada pela Guerra Fria (19451991), em que americanos e soviéticos tentavam provar o seu poder e supremacia pela conquista do espaço, serviu de pano de fundo para que Kubrick elaborasse seu filme, no qual computadores tomam vida e dominam humanos. No período, devido ao desenvolvimento de novos componentes eletrônicos, os computadores começavam a reduzir de tamanho, a realizar mais operações e rondavam o imaginário popular. Estavam prestes a se tornar elementos pessoais indispensáveis para a vida contemporânea. Mas não só eles chegavam às casas e às vidas modernas. Eletrodomésticos e eletroeletrônicos se afirmavam como peças-chave na formação dos bens de consumo das famílias da metade do século passado.

Mas para que eles chegassem a esse estágio,

de indispensabilidade na vida moderna, inúmeros pesquisadores contribuíram com projetos. O Mulheres operam um dos grandes computadores do meio do século XX, o Eniac

computador, no entanto, é considerado uma invenção sem inventor, tamanha a quantidade de pessoas que contribuíram ao longo de anos.

31


evolução Origens

vieram facilitar e tornar a vida humana mais prática e

O conceito do computador moderno, para se ter

uma ideia, nasceu muitos anos antes de Kubrick, mais precisamente em 1822, quando Charles Babbage, matemático e professor da Universidade de Cambridge, idealizou a Máquina das Diferenças. O protótipo imaginado seria um dispositivo mecânico baseado em rodas dentadas que poderia computar e imprimir extensas tabelas científicas.

Até Babbage, os dispositivos criados para

computar e calcular eram equipamentos simples. Seu projeto, de 1822, queria mais. Mais do que ser uma máquina de cálculo e que resolvesse problemas matemáticos, a Máquina das Diferenças seria capaz de executar uma ampla gama de tarefas. Usando um sistema numérico decimal, funcionaria pelo giro de uma manivela. Com o protótipo, ele desejava levar a comunidade científica a um nível mais avançado de desenvolvimento técnico.

O projeto do equipamento é considerado o

primeiro computador moderno, que contaria com memória, programas, unidade de controle e periféricos de saída. Mas a modernidade foi exatamente o que inviabilizou o aparelho. Como a máquina era avançada demais para os recursos da época, ela começou a ser construída, mas não foi concluída por Babbage, devido às limitações técnicas do período.

O desenvolvimento da informática – da qual

Babbage é considerado o “pai” pela Máquina das Diferenças – e dos computadores modernos está diretamente relacionado ao surgimento da eletrônica e à aplicação dela tanto em equipamentos do nosso dia-adia, tais como televisores e aparelhos de som, quanto no setor elétrico de potência, com aparelhos mais complexos,

Os aparelhos eletroeletrônicos criaram uma nova forma de consumo e alteraram significativamente a vida e as relações de trabalho das sociedades seguintes. A revolução tecnológica é um dos fatores que tende a alterar padrões de consumo e hábitos de vida, ajudando a explicar as alterações que a sociedade sofreu

32

responsáveis pela supervisão e controle de indústrias das áreas de geração, transmissão e distribuição (GTD).

Talvez os inventores do século XIX não imaginassem

que em um futuro não tão distante todos utilizariam equipamentos recheados de componentes eletrônicos no seu dia a dia. Para longe das previsões futuristas de carros voadores e de famílias que passariam férias em outros planetas, o estágio alcançado nesse início do século XXI mostra uma tecnologia inclusiva que aparece cada vez mais para facilitar a vida humana: computadores pessoais e portáteis; telefones celulares, que, entre as diversas funções, de câmera, gravador e porta arquivos, também servem para conversar; aparelhos eletrodomésticos, que

rápida; entre tantas outras criações. Mas para chegarmos às atuais máquinas, dos

componentes e dos sistemas inteligentes, milhares de anos de desenvolvimento foram transcorridos. Dos dispositivos completamente rudimentares, passando pelos manuais, eletromecânicos, eletrônicos aos microprocessados, que incluem verdadeiros microcomputadores nos aparelhos, cada vez mais compactos, passaram-se milênios, com intensificação do desenvolvimento nos últimos séculos. Os computadores, por exemplo, um dos principais símbolos da modernidade eletrônica atual, nada mais são do que a evolução de máquinas de calcular, que remontam aos primeiros dispositivos de cálculo.

Desde a aurora do homem, como a pré-história

(próximo a 4.000 a.C.) é chamada na obra de Kubrick, o ser humano sentiu necessidade de efetuar cálculos. Inicialmente, eram utilizadas pequenas pedras e gravetos, agrupados e separados, para fazer contas como soma e subtração. Os dedos também eram utilizados nessa tarefa. Mas os primeiros registros do que futuramente culminariam na invenção do computador moderno são do oriente antigo. Nessa época apareceu o primeiro dispositivo manual de cálculo: o ábaco. Não há precisão quanto à data, mas há registros que ele teria surgido na Mesopotâmia (atual Iraque), em 5.000 a.C., no Egito, próximo a 3.500 a.C., ou ainda na China, perto de 2.600 a.C.

Composto por uma moldura com bastões

ou arames paralelos, dispostos na vertical – que correspondiam às unidades, dezenas, etc., nos quais eram colocados elementos móveis para realizar a contagem, podendo ser fichas, bolas, contas e assim por diante –, a equação era feita pela combinação dos elementos. O ábaco foi o método de cálculo mais rápido até o século XVII, quando surgiu a Régua de Cálculo, um dispositivo manual para contas rápidas.

Criada pelo inglês William Oughtred, entre as

décadas de 1620 e 1630, ela permitia que as soluções dos problemas numéricos fossem dadas por meio de duas guias graduadas deslizantes. A criação da Régua de Oughtred foi permitida graças à descoberta dos logaritmos pelo matemático escocês John Napier, na década de 1610. A tabela de logaritmos, elaborada por Napier, foi combinada com o dispositivo de William, dando origem à Régua de Cálculo.

Em seguida, surgiram as calculadoras automáticas,


como a Pascalina, a primeira máquina automática de cálculo. Era um equipamento com rodas dentadas que simulavam o funcionamento do ábaco e realizava contas de soma e subtração. Anos mais tarde, na década de 1670, como evolução da Pascalina, surgiu a chamada Calculadora Universal, capaz de realizar, além das funções básicas, a multiplicação, a divisão e a raiz quadrada das equações.

Esses equipamentos e os outros subsequentes

fizeram técnicas e conhecimentos serem aprimorados e difundidos. Essa cadeia, formada por físicos, matemáticos e outros curiosos e interessados pelo mundo técnico, permitiu que Charles Babbage projetasse o primeiro computador moderno. Isso porque nenhum inventor atuou sozinho. Todos deram continuidade a trabalhos anteriores e deixaram abertos os campos para pesquisas e desenvolvimentos futuros.

O primeiro computador totalmente automático

apareceu somente cem anos depois do projeto da Máquina das Diferenças. O Automatic Sequence Controlled Calculator, conhecido como Mark I, foi iniciado em 1939 na Universidade de Harvard, por Howard Aiken, e construído em parceria com a Marinha americana. Com 17 metros de comprimento por 2,5 metros de altura e um peso de cinco toneladas, o computador levava de três a cinco minutos para fazer uma conta de multiplicação. Mas era totalmente automático e não necessitava da intervenção humana para realização de seus cálculos.

Esses avanços representam a economia de horas

de trabalho para os trabalhadores. Isso porque até que máquinas e equipamentos como estes fossem desenvolvidos, as atividades que envolviam números levavam horas, às vezes, dias para serem realizados. Mas nesse período, entre os anos 1930 e 1940, toda a funcionalidade que os componentes eletrônicos poderiam agregar à vida humana era ainda potencial. Esses avanços e descobertas estavam concentrados nas mãos de poucos e não havia, ainda, o interesse de popularizar. O conhecimento, por influência das guerras mundiais, estava restrito a núcleos militares e

O Sistema Nacional Interligado (SIN), que conectou a rede elétrica brasileira a partir da década de

1970, foi possível

surgir com o desenvolvimento dos componentes eletrônicos

universidades de ponta.

Prova disso é que o primeiro computador digital

eletrônico surgiu sete anos depois do protótipo de Harvard, em 1946, com o desenvolvimento das válvulas eletrônicas. Essa máquina era o Eniac (do inglês Electronic Numeral Integrator and Calculator), criado pela Universidade da Pensilvânia em parceria

33


evolução

O ábaco foi o primeiro equipamento manual de cálculo. Surgido na antiguidade, foi utilizado até o século XVII

34

com o governo americano. O projeto foi iniciado em

baratos e com maior precisão. Dessa forma, a cada

1943, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

atualização, eram agregadas diferentes funcionalidades.

e tinha como objetivo computar ações táticas de

Com o passar dos anos e com o aprimoramento da

guerra. Mas como só foi concluído depois do término

técnica, novas tecnologias foram surgindo. A Guerra

do conflito, ele passou a realizar operações pacíficas.

Fria contribuiu para o desenvolvimento tecnológico

dessas máquinas, quando países do bloco capitalista e

O físico Carlos Bertulani relata que, quando foi

finalizado e começou a operar, o Eniac ocupava uma

do bloco socialista investiam em pesquisas militares.

sala de 140 m². Logo após, “no período de 1945 a

Com aprimoramento da tecnologia dos componentes

1951, irão surgir os primeiros computadores, nas

eletrônicos, a redução do custo dos processos e

diferentes universidades inglesas e americanas, ao

o gradual término do conflito permitiram que a

mesmo tempo em que serão construídas as últimas

comercialização dos computadores e de aparelhos

grandes calculadoras”, conta o engenheiro Philippe

eletrônicos começasse, especialmente, nos então

Breton no seu livro História da informática.

chamados países de primeiro mundo.

A partir de 1951, essas máquinas começaram a ser

Esses aparelhos eletroeletrônicos criaram uma

comercializadas e deixaram de ser exclusividade das

nova forma de consumo e alteraram significativamente

universidades pesquisadoras e programas militares.

a vida e as relações de trabalho das sociedades

Inicialmente utilizado em grandes empresas, foram

seguintes. A antropóloga de consumo e professora da

necessárias algumas décadas até que o computador se

Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Patrícia

tornasse um produto de consumo de massa, que tivesse

Pavesi, explica que a revolução tecnológica é um

o tamanho e o preço reduzidos e a capacidade e a

dos fatores que tende a alterar padrões de consumo e

velocidade de processamento aumentada.

hábitos de vida, ajudando a explicar as alterações que

a sociedade sofreu.

O engenheiro eletricista e professor doutor da

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/

USP), José Antônio Jardini, relata que, no Brasil, “para

sociedade ocidental pelo rádio e pela televisão, sua

usar um computador na década de 1960, você tinha

sucessora como principal meio de comunicação de

que fazer um contrato com a empresa, levar uma série

massa. O rádio, criado no final do século do século

de cartões com os dados do seu computador e deixar

XIX, e a televisão, na década de 1920, ganharam

lá para o computador ler e processar; você levava para

grande popularidade após as grandes guerras e

a casa e olhava os resultados, se errasse um dado,

alteraram a forma como as famílias se relacionavam

você perdia o serviço e só saberia no dia seguinte, pois

com o lar. No período pós-guerras, possuir um

demorava horas para processar os dados”.

desses dois aparelhos passou a representar status

social e eles passaram a ser objetos da casa a serem

Diversos fatores contribuíram para que aparelhos

Prova disso foram os fenômenos provocados na

eletrônicos passassem a integrar nossas vidas

exibidos aos amigos, como símbolos de modernidade

rotineiramente. Muitos deles vão além da questão do

e sucesso profissional.

desenvolvimento tecnológico. Só a técnica, talvez, não

fosse capaz sozinha de provocar aquilo que alguns,

modelo capitalista imperou sobre o socialista, que

inclusive, chamam de revolução tecnológica ou da

acentuou essas mudanças de hábitos sociais. “Nos últimos

informação. Com o enfraquecimento da Guerra Fria

anos, o consumo aparece como um sinalizador social

e o surgimento da doutrina econômica neoliberalista,

dessas mudanças, inclusive em seus excessos. Dessa

adotada, principalmente, pelos Estados Unidos e pela

forma, mudanças nos padrões de consumo implicam

Inglaterra, os países estavam prontos para explorarem

mudanças no estilo de vida”, acrescenta Pavesi. Foi

o desenvolvimento das indústrias de bens de consumo

quando os equipamentos eletroeletrônicos sofreram um

e de capital, utilizando componentes de eletrônica. Isso

substancial avanço e modernos componentes passaram a

alterou, significativamente, a forma como as pessoas

ser construídos com os aparelhos.

se relacionavam com os produtos consumidos.

Consumo

Ao longo da segunda metade do século XX, o

Assim, diversos fatores contribuíram para o

sucesso da eletrônica na sociedade contemporânea: o desenvolvimento tecnológico, que culminou no barateamento dos aparelhos, que fortaleceu o estímulo

Os componentes eletrônicos foram responsáveis

ao consumismo para garantir status social e, assim por

por tornar equipamentos e aparelhos menores, mais

diante, todos eles alavancaram a produção, o consumo


e se alimentavam ciclicamente.

Quando a eletricidade começou a ser inserida

nas cidades, no Brasil entre 1890 e 1920, ela era recorrentemente associada ao progresso e à modernidade. Quando, na segunda metade do século XX, a eletrônica começou a se firmar como tecnologia dominante, pela maior eficiência e controle dos processos, possuir dispositivos eletroeletrônicos deste tipo também passou a ser associado à atualidade e à modernização.

Componentes eletrônicos

A eletrônica sempre esteve próxima da

área elétrica, até pelo sistema de alimentação e funcionamento. Mas sua aplicação foi gradativa, a partir do desenvolvimento da tecnologia, utilizada

O Eniac, primeiro computador digital eletrônico, surgiu em 1946 com o desenvolvimento das válvulas eletrônicas e ocupava um espaço de 140 m²

inclusive em outras áreas. Antes de chegar esse período, no final do século XIX e início do século XX, quando as usinas geradoras de energia elétrica

Como elas funcionavam a partir do aquecimento de

começavam a se instalar no Brasil para abastecer

seus componentes, era comum, nesse período, que,

pequenas indústrias e núcleos habitacionais, a

para se utilizar rádios, era preciso esperar que estes

eletricidade era um privilégio de poucos.

“esquentassem” até estarem prontos para serem usados.

Nessa época, as instalações eram pontuais, as

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918),

usinas não se conectavam umas às outras e a energia

a comunicação via rádio foi amplamente empregada,

produzida não era suficiente para abastecer a toda

aproveitando que o conhecimento técnico dos

população. Entretanto, mais do que uma política

aparelhos eletrônicos estava concentrado nos centros

excludente, o número restrito de beneficiados era

de pesquisas militares. Só após a guerra a indústria

uma limitação técnica e de recursos que os primeiros

eletrônica efetivamente surgiu, com o advento das

empreendimentos elétricos brasileiros tinham. Era nesse

emissões radiofônicas, crescendo rapidamente. “Entre

período, ainda, que a eletromecânica dominava o setor.

1922 e 1960, o total anual de vendas de equipamentos

eletrônicos subiu de US$ 60 milhões para US$ 10,2

Só um pouco mais tarde é que “a eletrônica

começou a entrar nos sistemas elétricos, antes da

bilhões”, conta Bertulani.

era da válvula, com os chamados retificadores,

inicialmente de selênio e depois de germânio”, conta

Na década de 1950, as válvulas começaram a ser

o escritor técnico, autor de mais de 100 livros de

substituídas pelos transistores. Desenvolvido em

eletrônica, Newton C. Braga. A válvula foi a primeira

1948 pelos físicos Walter Brattain, John Bardeen e

tecnologia eletrônica utilizada em larga escala,

William Shockley nos laboratórios da Bell Telephone,

especialmente na radiocomunicação, televisão,

conhecida como Bell Labs, nos Estados Unidos, o

computadores e outros equipamentos da primeira

transistor rendeu um Prêmio Nobel da Física, em

metade do século passado.

1956, aos inventores. Composto por um pequeno grão

de material semicondutor, no início, era utilizado o

Desenvolvida na década de 1900 pelo americano

Mas a técnica começou a mudar também.

Lee de Forest, a válvula eletrônica foi utilizada com

germânio mas, posteriormente, foi substituído pelo

força até a década de 1950, momento em que os

silício, no qual eram ligados três ou mais terminais, em

transistores foram desenvolvidos. Também conhecida

geral, filamentos de ouro.

como válvula termiônica ou a vácuo, ela é formada

por um invólucro de vidro com componentes metálicos

comercial na década de 1950, controlavam correntes

no seu interior, funcionando pelo aquecimento de um

muito fracas. Dessa forma, a introdução da eletrônica

filamento metálico. Uma das principais aplicações

nos sistemas elétricos ficou limitada até que os

da válvula eletrônica foi na radiocomunicação.

semicondutores evoluíram a ponto de poder controlar

“Quando os transistores surgiram na forma

35


evolução

Quando os transistores surgiram na forma comercial na década de 1950, controlavam correntes muito fracas. Dessa forma, a introdução da eletrônica nos sistemas elétricos ficou limitada até que os semicondutores evoluíram a ponto de poder controlar correntes intensas

correntes intensas. Foi a época em que a eletrônica

tiristor. Com o advento dos semicondutores, as válvulas

convencional se separou da eletrônica de potência e

foram substituídas pelos transistores, por tiristores,

mais eletrônica passou a ser encontrada nos sistemas

tais como os Diodos Controlados de Silício (SCRs), e

elétricos”, esclarece Newton.

diversos outros semicondutores de potência, como

os Triacs, IGBTs e MOSFETs de potência. O domínio

Mas a implantação dessas novas tecnologias

não era uniforme. O Brasil, por exemplo, estava

sobre a aplicação do silício, utilizado no transistor, foi

muito atrasado em termos de aplicação comercial

fundamental para o sucesso da indústria eletrônica,

desses novos dispositivos. Para se ter uma ideia,

para aplicação no sistema elétrico de potência e para

enquanto os transistores eram criados e começavam

incorporação desses aparelhos com esses componentes

a revolucionar a eletrônica mundial, o Brasil ainda

na vida cotidiana.

estava sedimentado na eletrônica analógica, como

conta o engenheiro eletricista e professor doutor da

tão fortemente dessa técnica que, em uma região da

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/

Califórnia, nasceu um conjunto de empresas dos ramos

USP) José Antônio Jardini: “era muito trabalhoso

de eletrônica e informática, a partir da década de 1950,

operar uma usina, com sistema elétrico antigamente,

que ficou conhecido como Vale do Silício, considerado

porque, na década de 1950 e 1960, você usava telefone

como uma região de desenvolvimento, de vanguarda

e rádio para operar o sistema. Telefonava para a usina

e de inovação tecnológica nesse ramo. Para Newton

e dizia ‘desliga a linha’. Era o uso de eletrônica, de

Braga, o desenvolvimento da tecnologia do silício

comunicação, para apoiar o setor elétrico”.

foi muito importante, pois possibilitou justamente o

Essa atividade de controle manual por meio de

aparecimento de novos dispositivos semicondutores de

sistemas de comunicação com componentes eletrônicos

potência e, ao mesmo tempo, microcontroladores cada

descrita por Jardini era chamada de despacho de carga.

vez menores, mais baratos e mais sofisticados a ponto

Muito comum em meados do século XX no Brasil,

de possibilitar a implantação de controles de potência,

começou a ser substituído quando as usinas foram

comandos, inversores e muitos outros dispositivos de

integradas ao Sistema Nacional Interligado (SIN), a

forma simples e eficiente.

partir da década de 1970, integrando as usinas do

setor elétrico brasileiro. Apesar de nem toda a malha

permitiu ainda a criação dos circuitos integrados,

elétrica do país estar interligada atualmente, a utilização

entre o final da década de 1950 e início de 1960.

de equipamentos elétricos e eletrônicos melhorou

Eles surgiram da necessidade cada vez maior da

consideravelmente o controle de operação e os

miniaturização e da economia de custos dos circuitos

processos, deixando-os mais precisos, seguros e rápidos.

eletrônicos. Admitiram, para os computadores,

a multiprogramação e a evolução dos sistemas

Apesar de terem demorado um tempo maior

O domínio da utilização de semicondutores

para serem introduzidos nos sistemas elétricos

operacionais. Também conhecido como chip, um

de potência, os transistores foram rapidamente

circuito integrado é um dispositivo microeletrônico

incorporados em equipamentos elétricos que

que conta com muitos transistores. Com dimensões

não exigiam grande potência, como na nascente

extremamente reduzidas, os componentes são

eletrônica de lazer, especialmente nos países mais

formados em pastilhas de material semicondutor.

desenvolvidos do hemisfério norte. Com isso,

a válvula foi substituída por esse componente

microprocessadores. Também conhecidos como CPUs

eletrônico mais moderno, rápido, barato e eficiente.

ou unidades centrais de processamento, são circuitos

Assim, os novos computadores conseguiram ter

integrados que realizam funções de computação em

seus tamanhos reduzidos, além do custo, que

uma máquina. A primeira CPU lançada foi o Intel

foi barateado, e da melhoria da velocidade das

4004, em 1971. Ela marcou época porque, até então,

operações. A indústria eletrônica se preparava

diversos transistores em chips tinham que ser ligados

então para crescer em produção e lucratividade nos

um a um para fazer funcionar o computador. Com

anos seguintes.

o microprocessador, todas as funções e comandos

eram realizados a partir de um único chip. Essas

Em 1958, a General Electric lançou um novo

dispositivo semicondutor multicamadas chamado 36

O desenvolvimento de computadores se aproveitou

Já na década seguinte, em 1970, surgiram os

novas tecnologias permitiam avanços não só na área


Gerações de computação, mas também nas indústrias que se modernizavam, especialmente pela automação de seus

dos computadores

Geração

Período

Tecnologia eletrônica

1940 – 1952

Válvulas a vácuo

1952 – 1964

Transistores

1964 – 1971

Circuitos integrados

1971 – 1981

Microprocessadores

1981 – Hoje

Circuitos com alta integração, VLSI (Very Large Scale Integration) e ULSI (Utra Large Scale Integration)

processos; nos transportes urbanos; entre outros.

Foi nessa década também que a eletrônica de

potência começou a ser aplicada em maior escala em diversas aplicações do sistema elétrico brasileiro. A eletrônica de potência permitiu um melhor controle de motores para tração elétrica, utilizados em metrôs e trens; o desenvolvimento de disjuntores de estado sólido; assim como a aplicação de componentes eletrônicos em diversas outras aplicações industriais. Foi em 1974, por exemplo, que a primeira linha de metrô do Brasil foi inaugurada, em 14 de setembro, na capital paulista, ligando Jabaquara à Vila Mariana.

O diretor de operação do Metrô de São Paulo,

Conrado Grava de Souza, e o engenheiro eletricista e consultor metroviário, Peter Alouche, relatam no artigo “Evolução da tecnologia no Metrô de São Paulo” algumas das alterações do período: “Era uma época de importantes inovações tecnológicas em todos os setores – elétrico, eletrônico e mecânico, com a telecomunicação e a informática sofrendo uma verdadeira revolução, em grande parte, fruto da conquista espacial. Os técnicos, então souberam aproveitar adequadamente esses avanços, na especificação dos sistemas de sinalização, com a adoção pioneira em linhas novas de metrô da condução automática e da supervisão automática da operação com uma centralização operacional para a supervisão e controle global de todos os subsistemas a partir de um centro de controle totalmente informatizado, inédito para os anos 1970”.

O aprimoramento da técnica e o barateamento

dos equipamentos, aliados ao desenvolvimento da internet, permitiram que um número muito maior de pessoas tivesse acesso ao conhecimento e à informação, o que implica uma pluralidade cada vez maior de tecnologias e ferramentas.

Pesquisa: • Livro “História da Informática”, de Philippe Breton. Unesp. • Livro “Memórias do computador: 25 anos de informática no Brasil”, de Vera Dantas e Sonia Aguiar. IDG Computerworld do Brasil. • Artigo “Introdução à Informática – História da Informática – Um olhar pelo sistema”, de Raul Silvério Coutinho. • Artigo “Do transistor ao microprocessador”, de Ewaldo L. M. Mehl. • Artigo “História da Eletrônica”, de Carlos A. Bertulani. • www.newtoncbraga.com.br

Principais características • Armazenamento de dados em cartões perfurados • Surgem os primeiros tambores magnéticos • Grandes computadores • Poucas horas de funcionamento • Aplicação científica e militar • Tempo de operação: milissegundos • Núcleos de ferrite, fitas e tambores magnéticos são usados como memória • Diminuição de tamanho • Mais rápidos • Menor consumo de energia • Aplicação gerencial e administrativa • Tempo de operação: microssegundos • Evolução dos sistemas operacionais • Miniaturização dos componentes • Redução do tamanho • Menor custo • Surgimento da multiprogramação • Memória feita com semicondutores e discos magnéticos • Surgimento do microprocessador permitiu grande redução no tamanho • Surgem muitas linguagens de programação • Tempo de operação: nanossegundos • Popularização do uso • Discos magnéticos de capacidade muito grande • Inteligência artificial • Alta velocidade de processamento • Alto grau de conectividade • Tempo de operação: picossegundos

Fonte: Artigo Introdução à informática – História da informática – Um olhar pelo sistema, de Raul Silvério Coutinho e apresentação “Evolução dos Computadores”, de Alexandre Vitoreti de Oliveira, professor de Tecnologias para Sistemas de Informação da Unisul

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nuclear

Por Gildo Magalhães

ENERGIA ATÔMICA Uma fonte para a “segunda onda” de eletrificação

38


A ampliação exponencial do consumo energético

átomo e em volta elétrons, de carga negativa.

ao longo dos tempos deve-se, historicamente, a

avanços tecnológicos como os que levaram ao

alguns núcleos eram estáveis, ao passo que outros

desenvolvimento da máquina a vapor, do motor

se desintegravam naturalmente, emitindo radiação,

elétrico, do motor a explosão, da eletrônica e da

fenômeno especialmente estudado na França

micro-eletrônica, etc. Se é verdade que a história

pelo casal Curie, Marie e Pierre, e que os levou à

da humanidade pode ser contada como a das crises

descoberta de novos elementos químicos, como o

energéticas sucessivas, como o desflorestamento da

rádio. Em 1932, novas experiências amadureceram

Europa na Idade Média e, mais contemporaneamente,

a ideia de que o interior do núcleo atômico continha

a escassez relativa do carvão, do petróleo, etc., não é

dois tipos de constituinte: o próton, com sua carga

menos verdade que esta é também a história de como

elétrica positiva, e o nêutron, sem carga, mas com

tais crises foram superadas pelo engenho criativo

propriedades especiais, pois alguns conseguiam

do ser humano. A busca por fontes energéticas

atravessar paredes espessas. Começou-se a usar os

abundantes, mais eficientes e baratas faz parte do

recém-descobertos nêutrons para bombardear átomos

padrão cultural humano de todas as épocas e lugares.

pesados como o urânio, até que uma pesquisadora

alemã, Lise Meitner, do laboratório de Otto Hahn,

A conquista da energia nuclear é, nesse sentido,

Em seguida, discutiu-se intensamente porque

um dos relatos mais fascinantes da história da ciência.

percebeu que nesse processo acontecia a quebra do

Seu uso controlado foi considerado pelo cientista

núcleo atômico, ou fissão nuclear, dando origem a

Linus Pauling (Prêmio Nobel de química em 1954

átomos mais leves e liberando uma energia enorme,

e Nobel da paz em 1962) como a mais importante

que se podia calcular usando a fórmula de Einstein de

contribuição científica desde a conquista do fogo

conversão da matéria em energia.

pelo homem primitivo. A radioatividade natural de

certas substâncias despertou a atenção dos cientistas

de fissão durante um tempo em que essa energia

principalmente nas últimas décadas do século XIX,

liberada pudesse ser aproveitada? Com os trabalhos

quando se sucederam inúmeras investigações e

de Enrico Fermi realizados já nos Estados Unidos

descobertas: os raios catódicos e a luz fluorescente, os

durante a Segunda Guerra Mundial, estabeleceram-

raios X evidenciados por Röntgen em 1895 (e que logo

se as condições teóricas e práticas para responder

se transformaram em um uso pioneiro e pacífico da

afirmativamente, por meio da chamada reação

energia nuclear na medicina) e a radiação do urânio.

em cadeia, que aproveitava o produto de uma

fissão emitindo novos nêutrons que, por sua vez,

Esses fenômenos apontavam para a existência

Seria possível manter uma reação química

de uma estrutura interna do átomo e vários modelos

bombardeavam outros núcleos pesados, criando um

hipotéticos foram sucessivamente propostos e

efeito multiplicador em cascata. Estava assim realizado,

debatidos, em especial os de Thomson, Rutherford e

de certa forma, o velho sonho dos alquimistas de

Bohr. No início do século XX, chegou-se aos poucos

transmutação da matéria.

a um consenso, de que haveria um núcleo de carga

elétrica positiva onde se concentrava a massa de cada

coordenaram então um maciço esforço de equipes

No secreto Projeto Manhattan, os americanos

39


nuclear

40

científicas, lideradas por Robert Oppenheimer para

primeiro submarino Nautilus foi assim denominado

produzir um formidável artefato bélico, cujo protótipo

em homenagem a Júlio Verne, que em Vinte Mil

foi testado com êxito em Los Alamos em 1945. A

Léguas Submarinas havia descrito uma embarcação

seguir prepararam-se as bombas atômicas que seriam

desse tipo. Logo, a Alemanha construiu o primeiro

desnecessárias e cruelmente lançadas contra o Japão

cargueiro nuclear, o Otto Hahn. Conhecimentos na área

em Hiroshima e Nagasaki, pondo fim à Segunda

energética acabaram revertendo para outras aplicações

Guerra Mundial.

nucleares, como na medicina (rádio-isótopos e outros

elementos radioativos para tratamento e cura do

O que é menos conhecido dessa história nuclear é

que já há tempos tinha-se pensado em usar a grande

câncer) e na agricultura, para irradiação de alimentos

liberação de calor promovida pela reação nuclear para

– um método econômico de conservação sem alterar

esquentar água e assim promover a geração térmica

sua aparência ou gosto, aplicável a muito mais classes

de eletricidade. A ampliação em grande escala dos

de alimentos do que a tradicional pasteurização. Cabe

primeiros reatores nucleares com essa finalidade se

citar aqui o avanço brasileiro nessas áreas, verificado

daria no início da década de 1950, graças a esforços de

pelo trabalho de instituições como, respectivamente,

cientistas, como o casal francês Frédéric Joliot e Irène

o Instituto de Pesquisas de Energia Nuclear (Ipen) na

Curie, que, a partir de 1948 estabeleceram um plano

Cidade Universitária, em São Paulo, e o Centro de

de metas do Estado para impulsionar a economia

Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade

debilitada pela guerra, usando como mola propulsora

de São Paulo em seu campus de Piracicaba.

o consumo de eletricidade gerada nuclearmente. A

comunidade internacional percebeu que a energia

energia a partir do núcleo atômico. Existe também

nuclear permitiria uma independência da importação

a possibilidade de se juntar núcleos de átomos leves,

do petróleo árabe, como, aliás, evidenciou-se com a

formando um elemento mais pesado – é a fusão

crise egípcia-israelense do Canal de Suez, deflagrada

nuclear. O processo é de tal maneira mais eficiente

em 1956.

que todas as outras formas de produção energética,

que ele pôde finalmente explicar algo que intrigava

O programa Átomos para a Paz foi lançado

A fissão nuclear não é a única forma de produzir

em 1953 pelo presidente Eisenhower, destinado a

os cientistas há muito tempo: de onde as estrelas

incentivar o uso pacífico e a pesquisa da energia

tiram o combustível para manter suas temperaturas

nuclear, tornando-se um grande incentivo para

extraordinariamente altas? A resposta é que elas

desenvolver a correspondente indústria americana. As

realizam reações de fusão nuclear como fonte

décadas de 1960 e 1970 viram uma expansão notável

energética, como o nosso Sol, que funde átomos

da produção nuclear de eletricidade, até que a opinião

de hidrogênio (trata-se de isótopos de hidrogênio,

pública foi mobilizada contra, em virtude dos acidentes

deutério e trítio; isótopos são variantes de um átomo,

dos reatores de Three Mile Island (1979) nos Estados

cujos núcleos têm o mesmo número de prótons, mas

Unidos e de Tchernobyl (1986), na Ucrânia.

quantidades diferentes de nêutrons), transformando-os

em hélio.

Nesse entremeio, o uso nuclear pacífico se

expandiu. Além da geração elétrica para uso público,

a marinha dos EUA, tendo o almirante Rickover à

para criar armas e a bomba de fusão do hidrogênio

Infelizmente, tal capacidade também foi utilizada

frente, equipou submarinos com propulsão nuclear – o

foi experimentada pelos Estados Unidos em 1952,


A conquista da energia nuclear é um dos relatos mais fascinantes da história da ciência. Seu uso controlado foi considerado pelo cientista Linus Pauling como a mais importante contribuição científica desde a conquista do fogo pelo homem primitivo.

41


nuclear

intensificando a corrida armamentista, transformada

matriz elétrica), Hungria, Suécia e Coreia do Sul (todos

em guerra “fria” nas décadas subsequentes. Apesar

acima de 40%), Suíça, Espanha, Alemanha, Japão

disso, a energia de fusão também se presta de forma

(30%), Estados Unidos e Grã-Bretanha (20%), Canadá

notável para a produção de usinas elétricas térmicas.

e Argentina (15%). São ao todo 44 países em que a

O problema tem sido manter a reação de fusão a

energia nuclear desempenha algum papel relevante na

temperaturas altas por um tempo suficiente para que

matriz energética nacional.

o processo seja econômico, e houve grandes avanços

na pesquisa tecnológica de materiais e processos nesse

atentar para vários fatores, começando com a

sentido, como na implosão a laser e nos geradores

concentração de energia implícita na eletricidade

toroidais (“tokamak”).

de origem nuclear. Uma usina com potência de 1

Não há dúvida de que a energia nuclear

Gigawatt necessita de 35 toneladas de urânio para

possibilitada pela fusão se apresenta no momento

suprir durante um ano uma cidade com um milhão

como a mais interessante, pois a matéria-prima para

de habitantes; se fosse uma térmica a carvão seriam

é liberada de forma

a fusão é abundante, servindo, por exemplo, a água

necessárias 2 milhões de toneladas de hulha.

descontrolada, ao

pesada (com os isótopos de hidrogênio e existente

nos mares) e o lítio (que se encontra por toda parte na

operou durante nove anos consumindo apenas 55

crosta terrestre). Assim, virtualmente, qualquer nação

quilos de combustível nuclear. A densidade energética

teria em princípio acesso à matéria-prima energética,

(quantidade de energia gerada por unidade de massa

ficando livre de cartéis de fornecedores. Enquanto

do combustível) do urânio natural em um gerador de

a fusão pura não se torna comercial, uma solução

última geração (com regeneração de combustível a

alternativa é o reator híbrido de fissão-fusão, em que a

partir do chamado “lixo” atômico) é mais de 500 mil

energia nuclear da fissão pode servir para a ignição da

vezes maior do que a da gasolina – permitindo que

reação de fusão.

o custo da eletricidade gerada seja competitivo com

o da própria hidroeletricidade. Caso se viabilize o

Em todas as aplicações bélicas, a energia nuclear

passo que no uso pacífico se delimita e se consegue desacelerar de forma controlada a produção de

A necessidade de gerar eletricidade continua

Para entender o porquê dessa opção, é necessário

Outra comparação: o navio mercante Otto Hahn

sendo um dos mais fortes impulsionadores para o

reator de fusão, a densidade energética seria ainda no

uso pacífico da energia nuclear e, como referido, a

mínimo 14 vezes maior do que no melhor reator de

França foi pioneira nesse esforço. Isso se deveu a

fissão de urânio.

diversos fatores, entre eles a relativa dificuldade de

nucleares modernas

aproveitar a geração hídrica nos rios franceses e o

é liberada de forma descontrolada, ao passo que no

são potencialmente

alto nível científico e tecnológico do país, que pôde

uso pacífico se delimita e se consegue desacelerar

ser aplicado à indústria nuclear e levou a um custo do

de forma controlada a produção de nêutrons na

quilowatt-hora mais baixo do que nas usinas térmicas

reação em cadeia. As usinas nucleares modernas são

que usam combustível fóssil, bem como mais baixo

potencialmente mais seguras do que outras formas

do que a energia nuclear em outros países europeus.

de geração, inclusive a hidroeletricidade. Para isso

O resultado é que 80% da eletricidade francesa é

contribuiu o desenvolvimento do conceito de failsafe,

de origem nuclear. Há, porém, outros motivos, que

ou falha segura, isto é, em caso de qualquer falha que

levaram à expansão da eletricidade de origem nuclear

possa comprometer a segurança do sistema, o processo

por outros países do mundo, como: Bélgica (60% da

é levado à interrupção.

nêutrons na reação em cadeia.

As usinas

mais seguras do que outras formas de geração, inclusive a hidroeletricidade. 42

Em todas as aplicações bélicas, a energia nuclear


Não há dúvida de que a energia nuclear pela fusão se apresenta como a mais interessante, pois a matéria-prima para a fusão é abundante, servindo, por exemplo, a água pesada e o lítio - recursos abundantes.

Esse princípio já tinha sido introduzido desde

considerada ao mesmo tempo uma das mais limpas

meados do século XIX na tecnologia ferroviária

que há e uma verdadeira fábrica de novos materiais.

para controle do tráfego (a chamada engenharia de

“sinalização ferroviária”), com o uso de componentes

nuclear feita por vários países deve-se lembrar que

ditos “vitais” – em caso de situação de insegurança

não é desprezível o custo de transmissão da energia

ou de falha do próprio dispositivo de segurança, o

elétrica. No caso das barragens hidrelétricas, seu

sistema de controle interrompia a circulação de trens,

local é definido por critérios de desnível, vazão, área

gerando um sinal vermelho – mais modernamente

de alagamento, etc. e normalmente a geração fica

esse sistema atua nos próprios trens e leva-os à

a centenas ou milhares de quilômetros dos centros

parada automática. Essas noções de segurança foram

consumidores, necessitando-se de extensas linhas

generalizadas e estendidas às regras operacionais, aos

de transmissão de alta tensão, o que tem encarecido

programas de computador e outros itens das centrais

consideravelmente a eletricidade.

nucleares – o que pode ser atestado comparando-se o

projeto conceitual de usinas modernas com uma antiga

a um custo relativamente baixo até a usina, pois

como a de Tchernobyl, concebida dentro de premissas

graças à já citada alta densidade energética se trata

mais adequadas ao uso militar do que civil da energia

de quantidades comparativamente pequenas de

nuclear.

combustível, as centrais podem ser localizadas próximas

aos consumidores e até serem levadas para locais

Com essas medidas, a energia nuclear de fissão

Finalmente, para entender a adoção da energia

Como o combustível nuclear pode ser deslocado

e fusão torna-se mais segura do que viajar de avião

ainda pouco povoados, como um vetor para induzir

ou de metrô. A segurança decorre dos altos índices

o desenvolvimento econômico (conceito de cidades

de confiabilidade das usinas nucleares, de seus

“nuplex”). Isto permite planejar complexos agro-

componentes e processos, que são resultado do

industriais ou de extração e beneficiamento de minérios,

investimento intensivo em tecnologia. A própria carga

e sua respectiva infraestrutura, com uma flexibilidade

radioativa a que toda pessoa está constantemente sujeita

maior do que com outras fontes de energia.

no planeta (devido à radiação terrestre natural, aos raios

cósmicos, etc.) é cerca de dez vezes maior do que aquela

da Segunda Guerra Mundial chamar a atenção da

recebida pelo trabalhador nas usinas nucleares.

necessidade de se pesquisar e produzir a energia

nuclear. O almirante Álvaro Alberto (1889 – 1976), que

Outro fator de atratividade para a energia nuclear

No Brasil, coube a um cientista e militar ao final

tem sido a progressiva reciclagem dos resíduos

era também químico e empresário, foi eleito presidente

radioativos. A expressão “lixo atômico” é, aliás,

da Comissão de Energia Atômica da recém-criada

inteiramente inadequada, pois os produtos da fissão

Organização das Nações Unidas (ONU), cargo em

nuclear são ricos em produtos cuja aplicação tem

que se empenhou para garantir o acesso à energia

despertado cada vez mais a atenção dos cientistas. Os

nuclear aos países em geral, e não somente para as

produtos das reações nucleares contêm uma grande

superpotências. Esta sua posição causou-lhe muitos

variedade de isótopos úteis para uma série de processos

problemas políticos, principalmente, por parte dos

naturais, alguns com propriedades inovadoras, que

Estados Unidos. No Brasil, Álvaro Alberto conseguiu

só agora começam a ser estudadas. Adotando-se

criar o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) em

esse enfoque tecnológico, a energia nuclear pode ser

1951, importante suporte para o desenvolvimento

43


nuclear

44

científico em geral.

reação em cadeia. Tal façanha permitiu ao Brasil entrar

no seleto clube dos que dominam essa tecnologia,

Após um período de instalações experimentais

de pequeno porte e o estabelecimento de grupos

podendo-se imaginar um futuro de independência

de pesquisa (em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas

econômica com relação ao cartel europeu de

Gerais), já durante o período de governo militar pós-

enriquecimento do urânio – o que causou verdadeira

1964, foi comprada a usina nuclear de Angra 1 (depois

celeuma internacional, tendo inclusive sido motivo

batizada com o nome de Álvaro Alberto), que começou

para a Agência Internacional de Energia Atômica fazer

a ser construída em 1972 mas só entrou em operação

vistoria em Iperó com o pretexto de comprovar se

comercial a partir de 1985. Esta usina sofreu atrasos

havia intenção de fabricar armas nucleares.

diversos, mas a acusação maior que se pode fazer é

ter sido comprada dos Estados Unidos na forma de

diversas etapas de fabricação do elemento combustível,

“caixa preta”, sem permitir o acesso pelos brasileiros à

por outro lado, pode-se considerar uma nação

sua tecnologia. Mesmo com tantos problemas, deve-se

favorecida por possuir enormes jazidas de minério

ressaltar que Angra 1 é responsável por suprir uma

(uma das maiores reservas mundiais, na forma de

importante zona industrializada no sudeste brasileiro

uraninita), principalmente as de Lagoa Real (Bahia)

e um sinal de sua importância foi que, durante o

e Itatiaia (Ceará). Apenas um quarto do território

dramático apagão registrado em 2001, ela contribuiu

nacional já foi devidamente mapeado quanto a isso,

para que a situação no Estado do Rio de Janeiro não se

mas nessa região já se constatou que há imensas

tornasse ainda pior.

reservas de minério (300.000 toneladas).

Depois de Angra 1 foi assinado, ainda durante o

Se o Brasil atualmente domina todo o ciclo das

Na matriz energética é saudável haver diversidade

período militar, um acordo de cooperação nuclear entre

e, dependendo de diversos condicionantes sócio-

o Brasil e a Alemanha Ocidental, que trouxe alguns

econômicos e geo-climáticos, as diversas fontes

novos e sérios problemas – sobrelevando que parte

energéticas serão recomendáveis, tanto as tradicionais

da tecnologia vendida pelos alemães ainda não era

quanto as consideradas alternativas, sem exclusão.

testada. Desse acordo resultaram as usinas de Angra

Observa-se, no entanto, que a insistência nas energias

2 e 3 (ainda não terminada). Hoje Angra 1 e Angra 2

alternativas em detrimento das energias tradicionais

abastecem quase metade da demanda energética do

representa muitas vezes um desdobramento do

Estado do Rio de Janeiro e representam cerca de 2%

pensamento malthusiano, derivado da visão de política

da matriz de geração brasileira. Um programa militar

econômica do inglês Malthus ao final do século

secreto envolvendo a energia nuclear foi denunciado

XVIII, segundo a qual os recursos são finitos e seu

no governo Collor, tendo sido descontinuado em

esgotamento compromete o padrão de vida dos mais

1991. Mesmo assim, permaneceu em vigência um

desenvolvidos.

acordo de pesquisa nuclear envolvendo a Marinha, a

Universidade de São Paulo e o Instituto de Pesquisas

em palavras cuja boa intenção é notável, mas que

Energéticas e Nucleares (IPEN) para desenvolver um

frequentemente aparecem envoltas em um manto de

protótipo de gerador elétrico para submarino.

obscuridade, tais como “crescimento sustentável”. É

preciso evitar que sob uma ideia útil e de apelo popular

Apesar dos cortes drásticos de verbas e da

Essa ideia tem se traduzido nos últimos tempos

falta de apoio oficial, a Marinha continuou suas

se esconda uma intenção de diminuir o potencial

pesquisas em Iperó, próximo a Sorocaba, no interior

que necessita ser liberado pela industrialização e

de São Paulo. O fruto dessa persistente batalha foi

pleno emprego da economia. É nestas condições

alcançar em 2006 o completo domínio do ciclo de

que o termo “sustentável” nem sempre é bem

enriquecimento do urânio, ao nível necessário para a

entendido, podendo se transformar apenas em uma

produção de eletricidade – o urânio natural precisa ser

justificativa de adotar um crescimento paliativo,

“enriquecido” por isótopos que possibilitem manter a

abaixo do necessário para o pleno emprego produtivo


A energia nuclear de fissão e fusão torna-

que viria com o desenvolvimento econômico

primeiro nível, em uma proporção muito maior do que

acelerado. O conservacionismo quando aliado ao

a que corresponde à sua presença nas profissões de

anti-industrialismo deixa de lado a potencialidade

física, química ou engenharia. Pode-se dizer que sem

para realizar um crescimento virtualmente ilimitado,

a participação feminina, desenvolvimentos cruciais da

principalmente se for levado em conta o potencial de

energia nuclear não teriam sido possíveis na época e

viajar de avião ou de

se resolver as crises pelo uso da capacidade criadora da

nas circunstâncias em que ocorreram. Uma lista mais

mente humana.

completa seria longa, mas apenas para citar algumas

metrô. Isso porque

dessas mulheres, lembramos os nomes de Marie Curie,

A política energética faz parte do planejamento

estratégico das nações independentes para criar

Irène Curie, Lise Meitner, Ida Noddack, Marguerite

e ampliar sua infraestrutura. Sem energia de alta

Perey, Maria Goeppert-Meyer, Elisabeth Rona, Mareitta

densidade, não há meio para se atingir o bem-estar

Blau, Ellen Gleditsch e Leona Wood.

social com uma boa qualidade de vida, o que está

2) O almirante Álvaro Alberto tentou, sem conseguir,

intimamente ligado aos objetivos sociais mais amplos

uma licença dos americanos para importar uma central

e a serem distribuídos de forma mais justa e equitativa,

nuclear dos EUA em 1953. A alternativa então por

como habitação, saúde, educação e cultura.

ele imaginada foi comprar na Alemanha, em 1954, as

partes componentes de ultracentrífugas para realizar

Neste sentido, a distribuição do consumo

energético é altamente concentrada no mundo e no

um dos processos para enriquecimento de urânio. Com

Brasil, em particular. Cerca de um terço da população

esse estratagema, as autoridades norte-americanas não

mundial não tem acesso à eletricidade e o Brasil

perceberam o que se escondia no carregamento que

consome em média três vezes menos eletricidade do

partiria em navio do porto de Hamburgo. No entanto,

que a Espanha ou Portugal e seis vezes menos do que

partiu do próprio Itamarati uma denúncia do fato às

os EUA. Há uma demanda reprimida de eletricidade,

autoridades norte-americanas, que embargaram o

que se evidenciará cada vez mais claramente à medida

despacho, pois a Alemanha era então um país ainda

que houver a substituição dos combustíveis fósseis,

militarmente ocupado pelos Aliados.

como por exemplo, nos transportes, sem falar no risco

3) Houve muito folclore em torno da necessidade de

de sérios e continuados apagões. Não parece remoto

aprofundar as escavações para os alicerces de Angra

falar na necessidade de uma segunda onda mundial de

1. Dizia-se que a usina estava sendo construída em

eletrificação, a exemplo daquela que ocorreu no início

terreno inapropriado, algo que seria sabido até pelos

do século XX. A questão nuclear tem sido palco de

indígenas, que chamavam aquele local de Itaorna, ou

grandes controvérsias.

pedra podre. Ocorre que a praia de Itaorna deriva seu

nome de um pico defronte na Serra do Mar, este sim

Para esta nova fase de eletrificação, é necessário

saber algo dessa história da energia nuclear para

possivelmente chamado de Itaorna por algum motivo

entender como a sua contribuição tenderá a crescer

legítimo...

com o esgotamento das fontes convencionais e pela impossibilidade das fontes alternativas suprirem essa demanda reprimida de forma significativa e econômica.

Algumas curiosidades envolvendo a energia nuclear 1) Há poucos domínios científicos e tecnológicos em que a presença das mulheres tenha sido tão significativa quanto na pesquisa nuclear. Elas desempenharam neste setor um papel protagonista de

se mais segura do que

os altos índices de confiabilidade das usinas nucleares, de seus componentes e processos, são resultado de investimento intensivo em tecnologia.

Pesquisa: Guilherme Camargo. O fogo dos deuses. Rio de Janeiro: Contraponto. D. Hémery, J.-C. Debier, J.-P. Deléage. Uma história da energia. Brasília: Edunb. Bruno Latour. “Joliot: a história e a física misturadas”. Michel Serres (Ed.), Elementos para uma história das ciências, vol. 3. Lisboa: Terramar. Paulo Marques. Sofismas Nucleares. São Paulo: Hucitec. S. Motoyama, J.C.V. Garcia (Org.). O almirante e o novo Prometeu. São Paulo: Edunesp. Jonathan Tennenbaum. Energia nuclear. Rio de Janeiro: MSIa. Jonathan Tennenbaum. A economia dos isótopos. Rio de Janeiro: Capax Dei.

Gildo Magalhães dos Santos é professor livre-docente em História da Ciência na Universidade de São Paulo (USP).

45


sob um olhar

Por Renato de Oliveira Diniz

Crédito da foto Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC)

A CONSTITUIÇÃO DA CESP COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO DA ENGENHARIA HIDRELÉTRICA BRASILEIRA

Usina Euclides da Cunha em obras (rio Pardo, SP, 1956), uma das primeiras hidrelétricas construídas com investimentos do tesouro paulista. Sua construção foi iniciada em 1954 pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e inaugurada em 1960 pela Companhia Hidrelétrica do Rio Pardo (Cherp), uma das estatais antecessoras da Cesp.

46


No começo de março de 1980, a Eletronorte

e na operação de usinas geradoras de médio e

construía a maior usina hidrelétrica inteiramente

de grande porte possibilitou, a partir dos anos

brasileira – Tucuruí, 8.360 MW – no rio

1950, principalmente nos Estados de São Paulo,

Tocantins, no estado do Pará, quando as obras

Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a criação de

foram atingidas pela maior cheia observada, no

conhecimento técnico e de tecnologia necessários

século XX, nesse rio. A cheia, entre as cidades

para a expansão desse setor no Brasil.

de Marabá e Tucuruí, não foi provocada pela

construção da usina, pois ocorreu fora da área

foi criada em dezembro de 1966, tendo como

de alagamento do reservatório e o rio ainda não

principal acionista o tesouro do Estado de

estava represado; mas tornou-se séria ameaça à

São Paulo e se caracterizava, já no início dos

continuidade da construção da usina se rápidas

anos 1980, como empresa portadora de parte

e eficientes medidas não fossem tomadas pela

significativa do conhecimento acumulado no país

Eletronorte e pela empresa responsável pelas

da tecnologia de construção de grandes usinas

obras civis (Camargo Corrêa). Para altear em

hidrelétricas. A cooperação técnica fornecida à

poucos dias a ensecadeira (barragem provisória

Eletronorte na construção de Tucuruí demonstra a

que ‘seca’ parte do leito do rio para a construção

‘expertise’ da empresa geradora paulista, que não

das estruturas definitivas de concreto), a

se traduzia apenas nos conhecimentos técnicos

Eletronorte contou com a cooperação da

de projeto, construção e operação técnica dessas

Companhia Energética de São Paulo (Cesp), no

centrais hidrelétricas.

fornecimento de informações a respeito das

vazões e das chuvas. A contribuição fornecida

projetos em execução por suas antecessoras, seu

pela companhia paulista foi importante, pois

corpo técnico precisou desenvolver a percepção

forneceu subsídios para a equipe que, por dias e

de que construir uma usina que aproveita a força

noites seguidos, transformou o que poderia ser um

das águas de um rio para gerar energia elétrica

dos maiores desastres da construção hidrelétrica

pressupõe uma série de necessidades que, em

no Brasil, em uma prova da capacitação da

um primeiro momento, pode parecer apenas o

engenharia brasileira nessa área. A experiência

conhecimento sobre como desenvolver a maior

desenvolvida no estudo, no projeto, na construção

capacidade possível de se produzir quilowatts/

e na operação de usinas geradoras de médio e

hora a partir da construção de uma barragem e de

de grande porte possibilitou, a partir dos anos

uma casa de máquinas. Foi preciso desenvolver

1950, principalmente nos estados de São Paulo,

métodos de trabalho que também dessem conta

Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a criação de

das dimensões sociais, culturais, econômicas e

conhecimento técnico e de tecnologia necessários

ambientais de modo abrangente e complexo.

para a expansão desse setor no Brasil.

a criação da Cesp foi o passo institucional que

A assistência técnica fornecida pela

A Cesp, resultado da fusão de onze empresas,

Crédito da foto Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC)

Durante a construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira (rio Paraná, SP/MS, anos 1960) foi necessário o desenvolvimento de vários estudos, muitos deles pioneiros no país, resultado da cooperação da Celusa/Cesp, do Instituto de Pesquisas Técnológicas (IPT) e das empresas envolvidas com sua construção.

Desde sua constituição, ao ‘herdar’ as obras e

Apesar de acontecer com dez anos de atraso,

companhia paulista foi importante para nortear o

marcou e definiu a implantação de grande

trabalho da equipe que, por dias e noites seguidos,

parte das diretrizes estabelecidas no Plano de

heroicamente transformou o que poderia ser um

Eletrificação do Estado de São Paulo, estudo

dos maiores desastres da construção hidrelétrica

encomendado pelo Departamento de Águas e

no Brasil, em uma prova da capacitação da

Energia Elétrica da Secretaria de Viação e Obras

engenharia brasileira nessa área; cuja experiência

Públicas do governo paulista e apresentado, em

desenvolvida no estudo, no projeto, na construção

1956, pela Companhia Brasileira de Engenharia

47


Usina de Ilha Solteira: grandes estruturas de concreto demandaram um amplo esforço de capacitação da engenharia nacional.

48

Crédito da foto Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC)

sob um olhar (CBE) que, em 1950, entregara plano semelhante

da indústria de material elétrico leve, ao

ao governo de Minas Gerais.

mesmo tempo em que capitalizou e capacitou

tecnicamente empresas privadas de construção

O Plano de Eletrificação, após um estudo das

perspectivas de desenvolvimento da economia

civil pesada, muitas delas atualmente constituídas

paulista e de uma análise histórico institucional

como fortes grupos empresarias nacionais em

de seu setor elétrico, define a forma como

processo de internacionalização.

deveria se dar a intervenção estatal na produção,

transmissão e distribuição da energia elétrica

técnica podemos fazer referência a depoimentos

em São Paulo. A linha diretriz era a criação

que recolhemos recentemente de engenheiros

imediata de uma holding controlada pelo

envolvidos com a construção das usinas do

tesouro estadual (Centrais Elétricas Paulistas –

complexo de Urubupungá (Jupiá e Ilha Solteira),

CELP) que seria responsável pela implantação e

que relatam a dificuldade inicialmente encontrada

operação de um sistema de usinas geradoras de

para a adoção de dimensões maiores para as

potência suficiente para dar base e incentivar

camadas de concretagem dos grandes blocos de

o crescimento econômico do Estado; de um

concreto armado da barragem, de dimensões

sistema de transmissão, interligado e coordenado

inusitadas para a época, a fim de que se pudesse

pela empresa; e da incorporação dos negócios

aumentar a produtividade e diminuir o tempo

de distribuição onde não havia interesse ou

total de execução do empreendimento. O intenso

disponibilidade de investimentos por parte da

calor produzido pela reação química entre o

iniciativa privada. O grande poder econômico

cimento e a água (“endurecimento do concreto”)

e a forte influência na vida política nacional e

provocava rachaduras, inviabilizando a execução

paulista do grupo Light que dominava o maior

de blocos muito grandes, exigindo reparos

mercado brasileiro de distribuição de energia

demorados e caros, além de causar dúvidas quanto

elétrica (eixo São Paulo-Rio) dificultou a

à segurança e à real eficiência das estruturas.

constituição da Celp, depois Cesp, imediatamente

A construção das usinas de concreto ao lado de

após a apresentação do Plano paulista.

grandes instalações industriais produtoras de gelo

resolveu um problema crítico da construção de

No entanto, a atuação da Cesp e de três

Para citarmos um exemplo de natureza

de suas antecessoras estatais (Uselpa, Cherp, e

grandes barragens, por meio da adição de gelo na

Celusa), como consequência direta da aplicação

composição do concreto, ao invés de água. Foi

de seus objetivos institucionais, provocou

a primeira vez que se adotou no país, em larga

o desenvolvimento do ramo da construção

escala, essa solução tecnológica já desenvolvida

hidrelétrica da engenharia brasileira: o

no exterior e que é hoje largamente utilizada.

planejamento e implantação das usinas, sistemas

de transmissão e redes de distribuição demandou

se resumiu apenas às questões de engenharia

um intenso esforço das diretorias de engenharia

e construção. Segundo o advogado Rubens

e planejamento da empresa, das empresas

Naves, diretor administrativo da Cesp em 1986, a

projetistas contratadas e das construtoras

empresa desenvolveu, em vinte anos de existência,

encarregadas da execução dos projetos. Esse

“uma metodologia cada vez mais abrangente

esforço traduziu-se, além da implantação física do

e interdisciplinar” no processo de implantação

parque gerador, constituído por grandes centrais

de um projeto hidrelétrico de grande porte. A

hidrelétricas, integrado entre si e o mercado

partir dos estudos de impacto socioambiental

consumidor, por um conjunto de extensas linhas

desenvolvidos para o Complexo de Urubupungá, a

de transmissão; produziu também experiências

estatal sistematizou, em 1978, no “Modelo Piloto

e conhecimentos que ainda hoje destacam a

de Projeto Integral” o know-how na construção

engenharia hidrelétrica brasileira no cenário

de grandes barragens. Nos anos 1980, esse

internacional. Possibilitou a implantação da

modelo serviu de base para a regulamentação da

indústria de equipamento elétrico pesado, ainda

legislação para licenciamento de aproveitamentos

que sob domínio quase total de empresas de

hidrelétricos em todo o país, em um processo

capital internacional; e o forte crescimento

natural, em que as novas questões legais

No entanto, o conhecimento produzido não


a necessidade de renovação da legislação e da consequente regulamentação.

A visão abrangente das repercussões da

construção de uma hidrelétrica do porte de Ilha Solteira já estava presente, em 1952, nos estudos para o aproveitamento hídrico do Oeste Paulista desenvolvidos pela Comissão Interestadual da Bacia Paraná (SP, GO, MG, PR, SC, RS) e na criação da Celusa, em 1961. Construído distante dos centros de consumo, o complexo de Urubupungá, além de fornecer energia para o centro industrial paulista próximo à capital, deveria criar um polo

Crédito da foto Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC)

demandadas pelos projetos em execução criaram

de desenvolvimento na região em que se instalava, possibilitar o estabelecimento de novas vias de comunicação entre o sul do então estado de Mato Grosso e o oeste paulista, e preocupar-se com os impactos sobre a natureza das áreas alagadas e na vida das populações ribeirinhas afetadas. Nos anos 1980, a Cesp já havia desenvolvido uma metodologia que considerava a necessidade de levar em conta os impactos socioambientais e suas repercussões como determinantes dos caminhos que se poderiam adotar em determinado projeto; a necessidade de uso múltiplo das represas como

Usina Hidrelétrica de Jupiá ou Eng. Souza Dias (rio Paraná, SP/MS, anos 1980) é considerada ainda hoje uma hidrelétrica de grande porte e formou com a Usina de Ilha Solteira o Complexo Hidrelétrico de Urubupungá, marco de escala e de qualidade da tecnologia de construção hidrelétrica no país.

abastecimento de água, turismo e recreação; e atenção ao patrimônio arqueológico, histórico, religioso ou cultural simplesmente afetado ou coberto pelas águas do reservatório. Isso nos permite concluir que a implantação do atual parque energético paulista foi e é um fator de desenvolvimento social em seu mais amplo sentido.

A construção da Usina do Jirau, em

Rondônia, obra símbolo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é um exemplo paradigmático da complexidade das ações que os empreendedores, hoje privados, devem desenvolver mesmo antes do início dos trabalhos de intervenção no leito do rio. Os estudos prévios dos impactos das obras e da operação da usina devem prever, por exemplo, a formação de mão-de-obra local para a construção da hidrelétrica; programas de proteção à infância e à adolescência; de estudo e desenvolvimento de procedimentos relativos à fauna da bacia hidrográfica do Madeira; e registro e salvamento do patrimônio arqueológico da ferrovia MadeiraMamoré.

Pesquisa • Águas de Março (filme, 16 min.). Jean Romain Lésage, Ciclo Filmes, 1980. • CESP: Pioneirismo e Excelência Técnica. Júlio César Assis Kühl e Renato de Oliveira Diniz, FPHESP, 2002. • Panorama do Setor de Energia Elétrica no Brasil. Renato Feliciano Dias (coord.), Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1988. • Plano de Eletrificação do Estado de São Paulo. Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE; Companhia Brasileira de Engenharia – CBE, 1956. • Urubupungá – Jupiá – Ilha Solteira. Enzo Silveira, Edições Ensil, 1970. • Depoimento do eng. Raphael Antonio Nogueira de Freitas ao Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa – CDMCC, em 4 e 13/02/2004.

Renato de Oliveira Diniz é coordenador do Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa (CDMCC), é doutorando em História das Ciências pela USP/ Projeto Eletromemória e foi um dos fundadores e diretor técnico da Fundação Energia e Saneamento entre 1998 e 2003.

49


Realização

Promoção

50

Coleção Energia - Volume 3

Apoio


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