Alcina, a girafa, tinha muitas insónias. Só dormia duas horas por noite e, por isso, durante o dia, todos os dias, piscava os olhos trezentas e oitenta e sete vezes e bocejava, pelo menos, duzentas e sessenta e cinco. A cada bocejo engolia meia dúzia de moscas que lhe faziam muitas cócegas na barriga e lhe causavam soluços intermináveis.
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Um dia acabaram-se as moscas na ilha Sem Nome. Alcina tinha-as engolido todas! Por isso, eram pirilampos que ela engolia, agora, nos seus longos bocejos. E foi assim que, tal como as moscas, os pirilampos desapareceram e, com eles, a luz que iluminava a ilha e as tocas dos animais. — Como viver naquela ilha sem luz? – Perguntavam-se os animais, muito aborrecidos. Não tinham luz à noite e, assim, não podiam ler antes de dormir. Foi então que a Alcina começou a receber cartas de reclamação. Sim, porque todos sabiam que tinha sido ela o motivo de toda aquela desgraça. Preocupada, resolveu ir consultar o mocho Sabe Tudo, bibliotecário erudito da ilha.
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O mocho Sabe Tudo, mestre da sabedoria, era surdo. Quando algum animal lhe pedia conselhos, tinha que comunicar com a ajuda do gestuário da língua dos animais. Era confuso, mas divertido falar por gestos. Depois de perceber o problema, o mocho Sabe Tudo procurou uma resposta nos dicionários, nos dramas e nos romances. Até nas histórias de terror! Por último, procurou na grande enciclopédia dos animais e, ainda assim, não encontrou solução… 8
Resolveram, então, escrever um anúncio:
Colocaram-no dentro de uma garrafa e lançaram-no ao mar. Podia ser que alguém que o encontrasse soubesse resolver o problema das girafas que não dormem. Talvez até existisse um livro que só falasse de problemas de girafas e alguém o pudesse enviar pelo correio. Iriam esperar!
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Logo no outro dia, sem demora nem mandado, um barco enorme atracou na ilha Sem Nome! Este barco era comandado por um verdadeiro pirata, o papagaio Perna de Pau que era coxo e tinha apenas cinco penas na cabeça. Ora este Perna de Pau era muito afamado nas lides marítimas porque tinha feito de modelo num anúncio de gelados para a televisão. Como era famoso, estava sempre ocupado a dar autógrafos às gaivotas, e teve que contratar o pinguim Atchim para conduzir o navio e ainda um Pica Pau autista, sábio de rotas marítimas. 10
Com uma tripulação assim, nem sabia como tinham chegado até ali — pensou o Perna de Pau. O pinguim Atchim passava o dia a espirrar e a rezar com receio que tempestades e monstros marinhos engolissem o navio. O Pica Pau não falava, mas sempre que alguém se desviava do caminho marítimo picava no mastro com todas as suas forças para voltarem à rota certa. Estava a ser injusto — pensou, de novo, o Perna de Pau — o que seria sem eles?
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tripulação, O pirata Perna de Pau e a sua aventureiros ousados sem igual, puseram-se a caminho de casa do mocho Sabe Tudo quando encontraram uma toupeira a apanhar banhos de sol.
— Toupeira, o por do sol já lá vai, não sabes que já é quase noite? A esta hora não se apanham banhos de sol! – Disse o comandante. A toupeira escavadeira, sobressaltada com aquela voz que não conhecia, rapidamente respondeu que não sabia, era quase cega, ou seja, tinha baixa visão e nunca tinha visto o sol. Surpreendidos, e sem nenhuma resposta, fizeram mais uma pergunta.
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—Procuramos a Alcina, a girafa bocejante. Sabes onde podemos encontrá-la? Mas a toupeira escavadeira também nunca tinha visto a girafa Alcina e muito menos sabia onde é que ela morava. Mas tinha ouvido dizer que um tal de cão da pradaria, que era hiperativo e nunca parava sossegado, conhecia a morada de todos os animais. Era ele o carteiro oficial de telegramas da ilha.
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Depois de se despedirem da toupeira escavadeira, puseram-se à procura do cão carteiro mas ninguém o conseguiu encontrar. De certeza que andava nalguma missão telegráfica.
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Entretanto a escuridão chegava à ilha Sem Nome. Os pirilampos tinham desaparecido no longo pescoço da Alcina e a única luz era das primeiras estrelas da noite que começavam a brilhar no céu. —Está a ficar escuro! Já não temos luz para encontrar a casa do mocho Sabe Tudo. – Disse o pirata Perna de Pau. Inesperadamente, sem que ninguém a visse chegar, ouviu-se a voz da toupeira escavadeira. —Eu sei o caminho para casa do mocho Sabe Tudo! Eu ajudo-vos! Mas vamos pelo meu caminho, pelos meus túneis debaixo da terra! – Afirmou ela.
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A lua já tinha acordado no céu escuro, fazendo companhia às estrelas, quando chegaram a casa do mocho. Assim que abriu a porta, rapidamente percebeu o que estavam ali a fazer. Era preciso encontrar a Alcina. Mas quando baixou os olhos e viu a toupeira, o coração do mocho Sabe Tudo começou a bater muito depressa, a sua boca ficou seca e sentiu borboletas na barriga. Gostava muito da toupeira escavadeira. Estava verdadeiramente apaixonado! Naquele momento, esqueceu a girafa Alcina, os pirilampos e os novos visitantes da ilha. Os seus olhos só viam a toupeira!
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O pirata Perna de Pau, que também já se tinha apaixonado, percebeu logo o que se estava a passar. Tinha que agir depressa e, pelos vistos, sem a ajuda do mocho Sabe Tudo. Pediu ao pinguim que, rapidamente, lhe fosse buscar duas garrafas de sumo de algas do mar ao navio. Mas das vazias. Ainda não era tempo de festejar. Num instante o dedicado pinguim estava de volta com as garrafas e noutro instante o forte pirata tinha-as partido. Mas não completamente. Habilidosamente, do fundo das garrafas, o Perna de Pau fez uns óculos para a toupeira, que lhe colocou sobre os olhos piscos, com a ajuda de um arame. Agora, o mocho e a toupeira já se podiam olhar olhos nos olhos! Será que a toupeira também gostava do mocho? Bem, mas agora não tinha tempo para pensar nisso, era urgente encontrar a Alcina.
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Alcina vivia do outro lado da ilha. O mocho Sabe Tudo também sabia isso. Sem perder tempo, o mocho, o papagaio, o pinguim, o pica-pau e a toupeira contrataram um jaguar e partiram a grande velocidade. Assim que chegaram, e sem qualquer explicação à Alcina, que se sentia muito aflita com tudo aquilo, o papagaio Perna de Pau examinou-a com uma lupa e depois com um estetoscópio. De seguida pôs-lhe uma espátula na boca e fez-lhe umas cócegas nas orelhas. Finalmente começou a fazer-lhe perguntas, umas em cima das outras que nem dava tempo à pobre Alcina de responder:
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—Quantos chocolates comes por dia? E rebuçados? Comes sopa? Bebes leite? Depois de muito pensar e de muito examinar, o Perna de Pau chegou à conclusão que aquela girafa era, afinal, igual a todas as outras. O pirata não conseguia arranjar explicação para o problema…até que teve uma ideia …. —Existe algum macaco nesta ilha? – Perguntou o pirata. Sem perceberem o porquê daquela pergunta tão estapafúrdia, o mocho Sabe Tudo, a toupeira e o jaguar disseram que sim. Mas o Mocho Sabe Tudo avisou logo que o macaco tinha umas ideias estranhas. Ouvira dizer que ele era diferente porque era sobredotado… um problema desconhecido que não vinha escrito nos livros dos animais e que o levava a dizer coisas que ninguém entendia. Ninguém acreditava muito no que ele dizia e, por isso, nenhum animal socializava com ele.
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O Perna de Pau, que era um pirata muito corajoso, foi falar com ele. Além disso, precisava de resolver rapidamente toda aquela embrulhada. Era urgente que a luz voltasse aquela ilha. Zacarias, assim se chamava, era um macaco de poucas falas. Ouviu o problema com muita atenção enquanto comia três bananas e descascava dois quilos de amendoins. Por fim, coçou a cabeça sete vezes até que recomendou que se contratasse uma avestruz. Só uma avestruz poderia ajudar a girafa Alcina a adormecer.
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Tal como das outras vezes, ninguém entendeu o macaco, mas tinham que acreditar nele. Contrataram a avestruz mais velha da ilha e a girafa teve, logo ali, a sua primeira aula de enterrar a cabeça na areia, para tentar dormir de cabeça para baixo. E para que a Alcina se sentisse uma verdadeira avestruz (ou quase) e ter sonhos encantados durante o sono, a avestruz professora atou-lhe três lindas penas à sua cauda. Assim que o seu pescoço comprido se curvou, devagarinho, e no preciso momento antes da Alcina enterrar a cabeça na areia, todos os pirilampos e todas as moscas que ela tinha engolido ao longo dos dias saíram pelas suas pequenas orelhas, voando tremulamente. Felizes por estarem livres, brindaram todos os animais ali presentes com um festival aéreo de voos acrobáticos! 25
Alcina, que era uma boa aprendiza, depressa aprendeu a dormir oito horas por noite. Sem sono, os bocejos terminaram e os pirilampos voltaram a iluminar a ilha e as moscas a incomodar os animais. O pirata Perna de Pau e a sua tripulação, cansados de cruzar os mares, ficaram a viver na ilha Sem Nome com os seus novos amigos. O navio foi transformado numa biblioteca gigante e a girafa tornou-se escritora. Escreveu um livro sobre as girafas e os seus problemas, para poder ajudar outras girafas que não dormem. Por esta altura, Alcina está a escrever mais um livro, desta vez sobre macacos sobredotados.
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Mas antes de terminar esta história, querem saber o que aconteceu ao mocho e à toupeira? Pois bem, se bem se lembram, o mocho era surdo e a toupeira, cegueta, nunca tinha aprendido a ler. Por isso, todos os dias, o mocho fazia desenhos de amor à toupeira até que, um dia, ela se apaixonou pelo mocho. Aprendeu a ler e casaram-se, no meio de uma grande festa. O pinguim Atchim foi o padre, a Alcina a madrinha e o Pica Pau autista o músico. O almoço foi gelado que o pirata Perna de Pau ofereceu a todos os convidados. O macaco Zacarias também foi à boda, mas como não gostava de gelado e não havia bananas, foi-se embora para casa amuado!
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