Brochura Carlos Nunes

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Carlos Nunes dias de objectos em luz nublada Curadoria de Fรกtima Lambert

3 junho >>> 8 julho de 2016


Depois do Espaço t, surge a Quase Galeria Espaço t, espaço de integração pela arte, numa perspectiva de inclusão total, sem tabus, estereótipos, preconceitos e tudo aquilo que segrega o valor humano. Valorizamos apenas a aceitação incondicional do outro. Numa perspectiva transversal da sociedade, dos ricos dos pobres, dos coxos aos esteticamente intitulados de belos, todos cabem no conceito. Num mundo cada vez mais desumanizado, solitário, onde todos são ―colocados em gavetas‖, verificamos que o homem apenas representa o papel que lhe é dado, e quase nunca mostra o seu verdadeiro interior. Com o Espaço t, aqueles que por ele passam ou passaram, crescem e entendem que o verdadeiro homem não é o do ―gaveta‖ mas o do seu interior e entenderam também o que há na sua verdadeira essência, quer ela seja arte bruta, naïve ou apenas arte de comunicar, é por si só a linguagem das emoções, a linguagem da afirmação do maior valor humano. O pensar e o libertar esse pensamento crítico sobre uma forma estética. Esse produto produz uma interacção entre o produtor do objecto artístico e o observador desse mesmo objecto; promovendo assim sinergias de identidade e afirmação melhorando dessa forma a auto estima e o auto conceito daqueles que interagem neste binómio e se multiplica de uma forma exponencial. Este é o Espaço t, E apesar de sempre termos vivido sem a preocupação de um espaço físico, pois sempre tivemos uma perspectiva dinâmica, e de elemento produtor de ruído social positivo, ruído esse que queremos que possa emergir para além das paredes de um espaço físico. Apesar de não priorizarmos esse mesmo espaço físico, pois ele é limitador e castrador f oi para esta associação importante conseguirmos um espaço adaptado às necessidades reais e que fosse propriedade desta associação que um dia foi uma utopia. Com a ajuda do Estado, mecenas, e muitos amigos do Espaço t, ele acabou por naturalmente surgir. Com o surgir do espaço do Vilar, outros projectos surgiram tendo uma perspectiva de complementaridade e crescimento desse espaço, que apesar de real o queremos também liberto desse conjunto de paredes, fazendo do espaço apenas um ponto de partida para algo que começa nesse espaço e acaba onde a alma humana o quiser levar. Surgiu assim a ideia de nesse lugar criarmos outro lugar, também ele figurativo embora real, chamado Quase Galeria.

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Uma galeria de arte contemporânea com um fim bem definido: apresentar arte contemporânea Portuguesa nesse espaço, dentro de outro espaço, onde cada exposição será uma fusão de espaços podendo mesmo emergir num só espaço. Com este conceito pretendemos criar uma nova visão do Espaço t, como local onde outros públicos, outros seres podem mostrar a sua arte, desta vez não terapêutica mas sim uma arte no sentido mais real do termo que forçosamente será também terapêutico, pois tudo o que produz bem estar ao individuo que o cria é terapêutico. Com o apoio das galerias: Graça Brandão, Carpe Diem – Arte e Pesquisa, Carlos Carvalho, Presença, Reflexus /Nuno Centeno, Modulo, 3 +1, Jorge Shirley, Alecrim 50, Ateliê Fidalga (São Paulo/BR), Progetti (Rio de Janeiro/BR), Waterside

(Londres/UK),

Módulo, Vera

Cortes

(Contemporary Art Agency), Filomena Soares e com a Comissária e amiga Fátima Lambert, temos o projecto construído para que ele possa nascer de um espaço e valorizar novos conceitos estéticos contribuindo para a interacção de novos públicos no espaço com os públicos já existentes promovendo assim, e mais uma vez a verdadeira inclusão social, sem lamechices, mas com sentimento, estética e cruzamentos sensoriais humanos entre todos. Queremos que com esta Quase Galeria o Espaço t abra as portas ainda mais para a cidade como ponto de partida para criar sinergias de conceitos, opiniões e interacções entre humanos com o objectivo com que todos sonhamos – A Felicidade.

Jorge Oliveira O Presidente do Espaço t

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Da luz e de outras histórias O ato de pescar abstrações. O que não vemos das coisas. Poderiam as coisas nos mentir? Projeto para um dia nublado. O que as coisas nos devolvem. (de luz) Poderia o paralelepípedo nos dar algo?

Encaro este trabalho como uma busca abstrata, é buscar objetos pela cidade que tenham um valor simbólico do lugar mas não pessoal, não procuro coisas que tenham valor pessoal, uma roupa, um sapato, não me servem. Tais objetos foram escolhidos por alguém por ter aquela determinada cor e combinar com um determinado conjunto que faz sentido para essa pessoa. Procuro coisas que não tenham o valor da escolha em sí, coisas que são de domínio comum de todos e principalmente da cidade. A questão da luz das coisas é uma abstração da condição do objeto que tem essa condição determinada por sua cor. O quanto de luz um objeto devolve ao mundo apenas por uma determinada condição cromática. É a busca de valor poético em um objeto qualquer. O quanto de luz um objeto devolve ao mundo. E o quanto ele guarda pra si.

Não terão as coisas, coisas para nos esconder? De tal lobo foge a ciência. Métodos para se encontrar abstrações.

Do Gonçalo M Tavares

Falemos de uma ilusão Tudo o que não podes desenhar é uma abstração. Há pessoas que não acreditam em ciência feita por objetos. Não terão as coisas motivo para nos mentir? Aprenda a usar metáforas, caro cientista.

Carlos Nunes

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dias de objetos em luz nublada [da praia da luz à rua do sol] "Perder território: ganhar o Fora e perder o dentro." (…) "Coleccionar só coleccionar impossíveis." Gonçalo M. Tavares, Livro da dança

Carlos Nunes escolheu o Porto para lhe achar uma luz que, acredito, imaginou possuir caraterísticas diferentes das que viu em outros lugares por onde já passou. Depois de a ter encontrado em outras geografias, mais recentemente em Madrid e no ano passado no Japão, a luz continua[rá] a ser o foco prioritário das suas pesquisas artísticas. A sua colheita, mais assídua e habitual, reside na capacidade de captar as mudanças da luz nos dias, nos meses, nos anos em São Paulo, cidade onde reside Brasil. A data prevista, para desenvolver a residência artística no Porto, fê-lo chegar numa época em que a luz deveria estar resplandecendo - como é próprio dessas semanas, quando o verão ainda não chegou mas os dias se distendem e o sol sobe em altura e permanece feérico. Mas tal não ocorreu tanto assim… antes se deparou com a persistência melancólica da luz nublada – em diferentes tonalidades, subindo e descendo escalas monocórdicas. Entrou, portanto, num mundo onde os dias se enxergavam quase sempre fechados, pese embora intermitências, entre os finais do mês de abril e até estes primeiros de junho. Pese embora as exceções que surgiram, para melhor diferenciar os dias, confrontou-se com a tenacidade da luz: na sua opacidade, mudada em translucidez e duração. Realizou breves incursões em cidades vizinhas e em Lisboa. Outras apetências de luz e céu se evidenciaram, possibilitando que Carlos Nunes colecionasse algo quase impensável: a luz dos dias [manhãs, tardes tanto como dos escureceres, das noite]. Transpôs – mentalmente - as diferencialidades da luz em durações mínimas, médias e longas, acompanhando-se de objetos que encontrou e dos quais se apropriou. Assim o demonstram os desenhos que povoaram, durante 5 semanas, o atelier que ocupou na Escola da Sé, na rua do Sol, numa zona mais elevada da cidade e sobranceira ao rio, às pontes e ao observatório atmosférico da Serra do Pilar. 5


1. A procura da luz é uma missão, uma senda, uma rotina, uma conquista tida como árdua, uma quase tarefa de Sísifo. Em outros tempos, sob desígnios da estética e metafísica da Luz, muitos foram os filósofos que sobre ela ponderaram, argumentando razões, crenças ininteligíveis (ou não), intuições enigmáticas e/ou sensibilidades. Místicos, contemplativos e poetas celebraram-na em culturas e tempos vários, por ela clamando, ansiando sempre. Goethe queria-a num esgar derradeiro, atribuindo-se-lhe a célebre frase: "Licht, mehr Licht." O simbolismo da Luz distribui-se em paradigmas que prevaleceram e subsistem em objetos, pensamentos e emoções contemporâneas. É uma substância conceitual que permanece sedutora na criação mais recente, dominada em tubos de néon, branca ou colorida [Dan Flavin et allie], sob morfologias industrializadas [rígidas] ou contorcionada em barroquismos [fluídos]. Oscila entre o desenho e a escultura, sendo motivo e fator na perceção arquitetural. Com a luz se escrevem mensagens intimistas ou gregárias [Bruce Nauman…], se proclamam emoções [Felix GonzalezTorres] se deteta a natureza da perceção [Robert Barry], se assinalam detalhes existenciais [Cerith Wyn Evans], se plasmam compromissos societários e políticos [de género: Jenny Holzer, Tracy Emin; de ideologia e história: Glenn Ligon…]. Falamos da luz delimitada em fronteiras de linha e volume; a que é capaz de ser dominada em termos de sustentação matéria; a que é suscetível de ser fechada, domesticada para consignações artísticas e, consequentemente, estéticas. Cada um dos artistas que a tomam como prioridade, que se aproximam da luz, a manipula, a transforma, a seduz, assinalando-se ainda outros nomes como os de James Turrell, de Joseph Kosuth, de Bill Viola, de Tatsuo Miyajima… Não é o caso de Carlos Nunes. A luz subjaz, decorre, sucede, manifesta-se de dentro para fora, sem ser representação ou execução artística.

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2. A cativação da luz versus iconografia metafísica e simbólica Ao longo da história da Arte, a representação da Luz foi obsessão partilhada e fruto de concupiscência. Pintá-la com minúcia sublime, significava dominar secretismo técnicos, desde os pigmentos aos vernizes e pincéis mais subtis, requintados e ocultos. Somente alguns domesticavam tais fórmulas esconsas, guardando para si, com esmero e silêncio, os detalhes que diferenciavam tais virtuosismos. O conceito de Luz reclama o de sombra, enquanto seja seu antónimo e/ou cúmplice. Associa-se ao de reflexão. Se esta implica objetos a ocuparem áreas configuradas em rebatimento, a sombra também é sustentada por convicção análoga, decididos ambos pelo sedentarismo vago e, por vezes, rápido. Luz, sombra, reflexo possuem um denominador comum: a impermanência. Outros também: intangibilidade,

simulacro,

incorporeidade,

ainda

que

sob

consubstanciações,

desígnios,

consonâncias díspares e combinatórias. Em todos subsiste a mudança, a transformação. Em certas circunstâncias advém-lhes a transfiguração, a metamorfose, a mutação. Tudo sinais, tudo evidências da mutabilidade irreversível e da incapacidade de guardar o intocável. Assim se convoca a matéria como volúpia e lucidez.

3. A natureza morta que é still leben Uma das primeiras exposições que vi em São Paulo, em 2004, intitulava—se Still life – Natureza Morta.1 Logo no início do texto para o catálogo, Ann Gallagher retrocedia até ao sentido primeira da terminologia que estava afeto à representação de objetos inanimados, designando uma tipologia de pintura, definindo uma categoria pictórica. Nos países latinos foi apelidada de ―natureza morta‖ e, 1

Catálogo Still Life – Natureza Morta, 2004, Niteroi, Museu de Arte Contemporânea de Nitéroi – curadoria de Ann Galagher e Katia Canton. 7


enquanto género de pintura, começou por ser menosprezada, para ser validada progressivamente a partir do séc. XVII. Os conteúdos iconográficos, que a constituíram inicialmente, primavam pela representação de objetos do quotidiano, elementos prosaicos, num surto compositivo estruturado e sistematizado, ainda que tal não fosse óbvio, num primeiro vislumbre. A pintura espanhola, assim como a flamenga, impulsionou o género, outorgando-lhe um estatuto privilegiado e absorvido, entranhado no gosto da época. As composições relevantes passaram a incorporar flores, frutos, legumes e outros alimentos; animais vivos e mortos (embalsamados ou carcaças); peças de louça, vidro, cristais – copos, vasos, jarras, xícaras, pratos…; objetos decorativos em prata, mármore e materiais enobrecidos…Mais tarde, seriam incluídas estatuetas de figuras mitológicas, às quais se associaram excentricidades procedendo de outras culturas. Havia livros ricamente brochados, tecidos opacos que se colocavam em volumetrias maneiristas, instrumentos musicais, partituras, armas, coleções de história natural, desde fósseis até fragmentos achados numa qualquer expedição arqueológica em progresso. Cada vez adensando-se em maior complexidade, desde os séculos XVII e XVIII, progredindo para oitocentos, as composições de ―natureza morta‖ decalcavam os simbolismos e o poder arrecadados quer nos WunderKamera, quer nos Gabinets de Curiosités… A ausência de critérios para catalogação das tipologias compiladas tornou-se um potencial insubstituível para o impulso alegórico que se foi impondo nas pinturas deste género. Assim, os pintores especializados asseguravam nas suas obras, as funcionalidades e intenções estéticas que proclamavam a sedução pelo exótico, o prazer que raiava a luxúria. O impulso estético pela miscigenação exacerbava a diversidade de formas, texturas, sinuosidades herdadas do barroco, dinamizando-se até se instituírem em ambientes vitorianos e decadentistas. Nas vanguardas de início de séc. XX. A experimentação residiu de forma substantiva nas naturezas mortas, proliferando na produção de cubistas, futuristas e abstraccionismos de radicação representacional – quer pela via expressionista, quer pela da geométrica. A viragem da representação para os objectos em si mesmos, chegou com o impulso de Marcel Duchamp, chamando os objets trouvés, os ready made a uma ribalta que não abandonariam tão cedo, sendo reapropriado o conceito mais e mais, reconvertido em consonância às exigências históricas da arte e nos entrecruzamentos suscitados. Suspendeu-se por assim dizer a iconografia do género pictórico, para se impor a tridimensionalidade efectiva das coisas. Também as transmigrações, travestimentos dadaístas e, sequentemente, surrealistas, por via de estratégias criativas ―automatizadas‖ descontaminadas pelo exercício da razão, souberam atribuir novas aceções às coisas e às obras achadas…pelo acaso primordial. Os objectos do quotidiano entraram de novo na cena artística, pela via da sua factualidade, da matericidade, da reificação direta ou mediada, consoante as respectivas finalidades e utilizações pelos artistas. Os objetos do quotidiano moderno e contemporâneo invadiram as composições de natureza-morta. Estas, evidenciam a condição e estado de Still Leben, na sua dupla aceção literal: ―ainda vivas‖ e ―estando/permanecendo localizadas vivas‖...Existem quietas e ainda.

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4. A procura caminhada dos objetos A desconstrução do conceito de obra de arte, subsumida através de um procedimento que primou pelo isolamento dos objetos, assumida por Marcel Duchamp, propiciou invenções organizativas de teor instalativo, promovendo novos e mais olhares que teriam encaminhamentos ainda mais distanciados (do iniciado) na contemporaneidade. Ao destaque individualizado, objeto a objeto – enquanto matéria artística conceptualizada - pela aglomeração de valência escultórica e/ou de instalação tridimensional que manifestou-se incontornável, estava associada todo um cenário de complexidades, rico em enigmas e polissemias, a partir dos anos 50 do séc. XX. Refiro-me ao cenário de ―assemblages‖, ― O impulso pela coleta de objetos industrializados (produzidos em série), ao tempo da modernidade, no que signifiquem os termos ―acumular‖ e ―aglomerar‖, iniciou-se com Kurt Schwitters, sob terminologia de Merz, termo que lhe surgiu a partir do recorte de um título impresso encontrado ao acaso: "Kommerz und Privat Bank". Passou a ser o emblema de uma nova consignação artística, implementada através de uma atitude perante a realidade 2, bem diversa do até então conhecido. Mencionem-se as suas derivações artísticas: os Merzbilder — quadros Merz, os Merzzeichnungen — desenhos Merz, a Merzbau — a construção Merz, etc. A intenção de reunir num espaço/atelier elementos isolados que tomavam sentido no seu acumulo e totalidade consignou a pregnância da relação dos objetos ao espaço, quanto o podem ocupar e como, porquê… Os Merzbilder — quadros-objetos questionavam a dificuldade de diferenciação entre as categorias

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Relembre-se que a recusa a Schwitters deve ser entendida de acordo com as diretrizes imperantes no período pós-primeira guerra mundial da Alemanha derrotada: o valor da obra não se reduz à sua constituição artística e estética mas revela-se pela sua capacidade de confronto ideológico e subversão da ordem sociopolítica e moral — assunção de uma axiologia acessória ao estético determinadora da condição e estatuto socioideológico dos trabalhos de arte. 9


da bi e da tridimensionalidade no seu sentido académico. Mediante uma ―volumetria topográfica‖ usufruíam de nova identificação global. Schwitters pesquisava o resultado da articulação entre os diferentes objetos, de modo a que existisse uma reconciliação e harmonização entre elementos de classes diferentes, criando assim as diretrizes para uma nova ordem estética. As assemblages detalhadamente concebidas, composições originadas na recolha casuística dos objetos, (em termos metodológicos) surgem fruto da preocupação livre pela definição aberta do produto a cumprir. Schwitters conseguiu instituir esteticamente uma cumplicidade entre os propósitos fundadores do Dada e do Construtivismo, o que a priori pareceria contraditório, senão quase impossível. Por outro lado, deu impulso a ramificações referenciais para estéticas desenvolvidas depois de 1945. Em França, na primeira metade dos anos 60, surgiu o movimento de ampla e irónica significação plástica - os Nouveaux Réalismes - cuja designação pareceu ser a mais apropriada para expressar as preocupações de um retorno à figuratividade de valor realista, cumprindo propósitos artísticos que revisitavam, através de uma nova intencionalidade, as orientações de uma via de presentificação, mais do que a representação das imagens e das coisas. As propostas incluídas no "Manifesto do Novo Realismo", datado de 1960, resultavam da intenção, e atividade conjunta, de um grupo heterogéneo, no qual participaram artistas de diferentes gerações. Foi uma nova aproximação percetiva do real, próxima da constatação, da incidência visual e sociológica debruçada sobre o mundo - suas imagens e coisas. A teorização dos princípios orientadores foi autoria de Pierre Restany, quem estabeleceu/compreendeu o posicionamento artístico que visava captar a realidade, ―naquilo‖ em que esta se revelava, e através de configurações que o artista sabia reconhecer. Assim, o artista tomava os elementos objetuais concretos, fragmentos ou totalidade, que transportavam a consciencialização matérica da realidade presente no meio urbano. A realidade recuperada — e reconhecida na sua tridimensionalidade — respeitava à condição matricial e objetual das coisas e dos fenómenos, na existencialidade efetiva, adulterando-a e exibindo-a embora, fora dos moldes habituais para a sua presentificação. Tal o caso dos objetos em que Arman interveio, caso dos violinos estriados e nos pianos destruídos, nas máquinas de escrever partidas — dispersas as suas peças — ou então na cadeira queimada, em todos eles (e outros mais) objetos se reconheciam as respetivas estruturas internas, normalmente ocultadas quando preservada a sua integridade e acabamento. A evidenciação isolada do objeto, unidade por obra, tomava contudo uma significação gregária quando Arman reunia elementos de uma mesma classe na "acumulação". Tratava-se de séries de objetos idênticos (ou da mesma classe) com o propósito de evidenciar também o sentido recolector do homem contemporâneo. César optou por um procedimento específico — as compressões — que permite condensar os volumes das carrocerias dos automóveis, tal como os volumes compactos próprios do habitual tratamento dos destroços no ferro-velho, sublinhada a possibilidade da destruição deliberada e da desmitificação do objeto idealizado, tornando-se explícitas as marcas ambíguas da precaridade e da vontade humanas. Daniel Spoerri, seguindo o processo de assemblage de objetos, cria os "tableaux-pièges", que permitem a mudança radical do ponto de vista — e de colocação física — do espectador 10


relativamente à obra. Não se trata de obras de pintura, tampouco de escultura no sentido convencional. Por exemplo: Spoerri reunia, numa superfície determinada previamente, objetos referentes à situação de uma refeição: pratos, copos, talheres, restos de comida. A "mesa-quadro" sofre uma rotação de 90º, sendo pendurada na parede como uma tela. O autor propunha aos espectadores uma condição subversiva de visualidade para o conjunto, que nada tem de casuístico, pois se trata de uma composição tridimensional devidamente pensada para criar um efeito ilusório acentuado. O jogo estabelece-se entre o verdadeiro e o falso, entre a ilusão e a lucidez. No caso do tridimensional, as manifestações da iconografia Pop, presentificavam-se nas peças de Jaspers Johns e Robert Rauschenberg. Este último apresentava peças criadas a partir da agregação de objetos vários — alusão aos ready-mades e objects-trouvés de Duchamp — segundo princípios afetos ao espírito casuístico e associacionista, sugestionado por uma atitude combinatória de cariz minimalista. As peças de escultura de Roy Lichtenstein pretendiam atribuir existência concreta a fenómenos e situações derivados da desejada complementaridade imagética da sua pintura; Claes Oldenburg transpunha, recorrendo à exacerbação de escala e ao dinamismo na volumetrização, para as visualizações — míticas e não apenas funcionais — objetos quotidianos, ironizando o consumismo idólatra e denunciando os condicionalismos permissivos da publicidade, motivações que ainda recentemente mantêm a sua pertinência. Em Inglaterra, anos mais tarde, apareceu um núcleo de artistas que partilhavam das preocupações implícitas na arte povera, se bem que concretizando-as de acordo a tipificações específicas: Savage Art — Richard Wentword, David Mach, Tony Cragg, Bill Woodrow. Tony Cragg — nos finais dos anos 70 recupera detritos — lixo da civilização — com o propósito assumido de abrir a denúncia situacional do homem em sociedade, como agente e vítima dos seus abusos. Woodrow apresenta fragmentos degradados de objetos simbólicos da sociedade de consumo: máquinas de lavar, T.V., carros, fechaduras... Os seus objetos confrontam o público que quotidianamente os usufrui (ou convive com outros de aspeto idêntico), obrigando-se a reflexões, a nível formal, material e conceptual sobre os mesmos, acentuando-se a consciência crítica sobre as deturpações plásticas e representações objetuais próprias na sociedade ocidental. Sem que aqui se pretenda esgotar, uma jornada cronológica pela História da Arte, sob desígnio do objeto, referiu-se a intencionalidade da recolha de objetos, e sua apresentação, em autores emblemáticos, acrescendo ainda o caso de Arthur Bispo do Rosário. Este artista brasileiro foi marinheiro3, residindo nesse mar que terá devolvido a terra os seus objetos transfigurados, convertidos em objetos escultóricos, sendo pedaços de si mesmo. A sua criação concretizava-se, mediante uma metodologia intuitiva, fundada na apropriação singular sobre materiais que lhe eram facultados no hospício, onde viveu quase em reclusão, por períodos recorrentes. Estabelecendo para si um mundo onde se entrecruzavam as lembranças da sua vida passada no mar, sob auspícios de

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Alistou-se aos 15 anos na Escola de Aprendizes de Marinheiros de Sergipe, em Aracaju, a 23 de Fevereiro de 1925. Navegou em diferentes navios: Dom Floriano, o destroyer Pará, Belmonte, caçatorpedeiros Piauí e Rio Grande do Norte e S. Paulo, um couraçado. Em1933 foi excluído da Marinha. 11


desígnios efabulados da vidência divina. Vestia um manto e benzia pessoas, à medida que ia acumulando os seus objetos/obras, realizando-os a partir dos mais diversos materiais. Os distintos grupos de ―coisas‖ estipulam categorizações 3D, que lembram as aglomerações de Arman, a serialidade (objetual quanto conceptual) de Marcel Broodthaers ou de Mel Bochner. Usufruindo, no caso de Bispo do Rosário, de um peso acrescido pela intuição, simultaneamente lúcida e compulsiva, elevada até à maior potência. A necessidade de ordenar, catalogar, categorizar significou uma salvaguarda,

correspondendo

a

uma

ancoragem

psicoafectiva,

pois

que

o

autor/coletor/colecionador/arquivador domina (reconhecendo) o que lhe é exterior, pelo ato de posse. As menções anteriormente evocadas servem para diferenciar no caso do artista brasileiro, a relevância missão antropológica, finalidade artística rigorosa e, portanto, os correspondentes procedimentos estéticos que conduzem e assistem na pesquisa, criação e apresentação de peças tridimensionais de Carlos Nunes.

5. A luz imanente dos objetos nublados e o assentamento dos objetos em luz nublada Os objetos que podem ser vistos na Sala da Quase Galeria/ Espaço T, assim como as três intervenções escultóricas no Museu Nacional Soares dos Reis refletem os conhecimentos pensados nos objetos, concluindo-se assim a residência artística de Carlos Nunes no Porto.

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Como se sabe da dança contemporânea e da performance, os objetos hieráticos, simbolizam não somente a consciência da demora e duração – plausíveis - do tempo, da quietude, da lentidão mas, sobretudo a dimensão existencial que lhes está subjacente. Assim, os objetos aquietados por Carlos Nunes na Sala de Henrique Pousão recebem a aura e a memória do jovem pintor português, prematuramente desaparecido e cuja luz foi plasmada nas fachadas brancas e no céu azul das paisagens de Capri. Os galhos das árvores materializam-se e são entrecortados por pedaços de pedras, destroços vividos na estética de ruínas, resgatados no quotidiano atual. É uma dramaturgia visual, arcaica e presente, paralelamente. Na Sala do século XX, onde habitam as pinturas e peças tridimensionais de Fernando Lanhas, Carlos Nunes ficou fortemente impressionado pelos seixos pintados. Assim, deslocou-se quase todos os dias à praia, à procura dos vestígios das marés, tendo apanhado na Praia da Luz (Foz do Douro) as pedras polidas que organizou numa linha do tempo, que em tudo se relaciona com os estudos de cosmogénese e filogénese do grande pintor português. Lanhas desenvolveu nas décadas seguintes uma obra ímpar na cena portuense — apelidado de "Homem dos sete rostos" por Fernando Guedes, um dos seus mais antigos e destacados estudiosos. A intervenção realizada na Serra de Valongo em 1949 foi uma premonição, uma antecipação pertinente daquilo que viria a ser assunto, alguns anos mais tarde, da Earth Art e Land Art. Também as caminhadas em companhia da esposa, remetem para o que mais tarde seria designado por walkscapes ou caminhadas estéticas. Dessas caminhadas, ficavam para obra intemporalizada, precisamente, os seixos pintados que emocionam os visitantes do MNSR. Agora, a conversa estabelece-se com a peça compósita de Carlos Nunes. Na Sala dos Vidros, no corredor do 2º piso, onde se mostram as peças de vidro da Coleção, o artista brasileiro instalou garrafas que rebatem – na contemporaneidade – o espírito do tempo. Ou seja, não mais se trata de colecionar objetos requintados e decorativos que embelezavam os sonhos, antes os despojos dos dias, parafraseando James Ivory. As garrafas alinham por tonalidades descem do mais escuro, ao mais claro ou vice-versa, consoante a colocação do visitante. Evocam uma sublimidade do tempo presente, construída a partir da escolha meditada e assegurada pela poética de Carlos Nunes. CODA Na cena, no palco das coreografias contemporâneas tornou-se frequente verem-se objetos disseminados, concentrados e simbolicamente assumidos pelas identidades que se expõem existencialmente ao público. Yvonne Rainer, William Forsythe, Emmanuelle Huynh Nguyen, entre outros, são alguns dos coreógrafos que converteram os objetos em elementos imprescindíveis na sua qualidade categorial de dança e performance. Os objetos/coisas mais díspares tornaram-se interlocutores, opressores ou intermediários catárticos, participantes nas suas peças. ―A choreographic object is not a substitute for the body, but rather an alternative site for the understanding of potential instigation and organization of action to reside. Ideally,

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choreographic ideas in this form would draw an attentive, diverse readership that would eventually understand and, hopefully, champion the innumerable manifestations, old and new, of choreographic thinking.‖4 Não somente os objetos cumprem uma metafísica da quietude, que se associa à reminiscência da estética de Benedetto Croce, quando se analisam as pinturas de ―naturezas-mortas‖ de Giorgio Morandi, como dinamizam movimentos internos, suscitando lassidão contemplativa e uma grande acuidade intrínseca, por parte de quem assiste/vê/participa. Quer isto dizer que a quietude dos objetos – que estão efetivamente sozinhos - nos desenhos e fotografias de Carlos Nunes, serve para mover razões poéticas e vivenciais no confronto recuperador do sentido quotidiano que, normalmente, esvazia a verdade das coisas. Num texto da autoria de Carlo Bertelli, no Catálogo que acompanhou a grande exposição de Giorgio Morandi na Fundació Caixa de Pensions, e a propósito da essência da obra do pintor de Bolonha, é referido: ―Uma pobreza não se compara com a riqueza, mas é uma maneira de ser, natural e sincera do homem.‖5 Nessa análise à obra de Morandi, para além de ser interpelada a própria noção de natureza-morta, somente enquanto tipologia de género convencionalizado, sobressai a pregnância de dignificar a sua poética, enquanto aliada e cúmplice poética. Sendo expressão constitutiva de olhar o mundo, não em suas anedotas e caprichos historicistas, mas na sua exponencialidade mais lúcida e, porventura, quase invisível. Ora cabe, ao artista – quer no caso da pintura e gravura que cativou os objetos de luz de Morandi, quer no caso da presentificação dos objetos pela razão da luz que reverbera as diferenças humanizadoras, nos processos e criações de Carlos Nunes. Os objetos consubstanciam, assim, uma dança quieta, muda e expandida, oferecendo novas consignações a si mesmos. É a generosidade estética, a dignidade das coisas pequenas, relembrando Nietzsche. Esta espécie de peregrinação silenciosa, decidida por Carlos Nunes, de [para] encontro aos objetos perdidos, negligenciados, negadas nos locais detalhados e olvidados da cidade, confere-lhes [aos objetos] uma carga estética diferenciadora. A reminiscência, a impermanência que subjaz ao ato de caminhar, impregnou as coisas recolhidas, que apenas o próprio conseguia transportar, por seus próprios meios. Verifica-se assim uma aceção antropométrica, a razão e capacidade do corpo próprio, como determinador do que, depois de coligido, se apresenta na grande peça instalada na Sala da Quase Galeria. As suas caminhadas estéticas, a apropriação de coisas que a cidade e o mar lhe legaram são, pois, as substâncias exigidas, para reconhecimento e transposição das condições identitárias da luz; a luz é conduzida nos objetos em si, através de um exercício que vai da materialidade até à imaterialidade para que, de novo, o jogo percetivo do espetador veja as tonalidades – diminuição e ascensão da luz nos objetos. Entre a Quase Galeria e as Salas que albergam as intervenções de Carlos Nunes, os objetos e a luz estão encenados e são intérpretes, protagonistas e captadores de vivências estéticas que são polissémicas. 4 5

William Forsythe, ―Choreographic Objects‖ in http://www.williamforsythe.de/essay.html (consulta 31 maio 2016) Carlo Bertelli, “L’infinit del quotidià”, Giorgio Morandi, Barcelona, Fundació Caixa de Pensions, 1985, p.38. 14


Existe, sem dúvida, uma memória da luz, um silêncio seu, uma concinnitas...que lhe advém - e expande, alastra - das camadas de tempo, na cronologia dos humanos. A luz, como se sabe, toma três aceções primordiais, seguindo Umberto Eco. A conceptualização triádica da Luz está na obra de Carlos Nunes: como Lux, como Lumen e como Color ou Splendor. Maria de Fátima Lambert

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Carlos Nunes

Nasceu e reside em São Paulo. Estudou na Fundação Armando Alvares Penteado. Suas obras apoiam-se, na maioria das vezes, em premissas extremamente precisas. Poder-se-ia dizer que existe, no âmago da sua produção, um jeito de conceber e realizar as obras que o aproxima do universo científico, como se cada desenho, escultura ou instalação fosse, em realidade, uma experiência a ser verificada empiricamente, ou um teorema a ser demonstrado. De suas individuais destacam-se: ―Modus operandi‖ na Galeria Raquel Arnaud em 2013 ―Amarelo‖ no Espaço Laika, em 2011 e ―Triunfo das cores, amor e música sobre os maldosos azuis‖no Centro de Cultura Britânica (Prêmio Cultura inglesa em 2010) e ―Até o fim‖ no Museu de Arte Contemporânea de Curitiba. De suas coletivas destacam-se: ―Tomar Posicion‖ na galeria Ponce+Robles em Madrid, ―Imagine Brazil‖ Exposição etinerante que esteve em Oslo na Suécia e Lion na França em 2015. ―Afinidades : Raquel Arnaud 40 anos‖ no Intituto Tomie Ohtake em 2014 ―A revolução tem que ser feita pouco a pouco‖ na Galeria Raquel Arnaud em 2012 e ―Boîte Invaliden‖ na Galeria Invaliden, Berlim, Alemanha em 2011. Realizou residênca em Matadero Madrid em 2014

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Diretor Geral: Jorge Oliveira Curadoria: Fátima Lambert Produção: Leonel Morais Relações Publicas: Claudia Oliveira

QUASE GALERIA Rua do Vilar, 54 4050-625 Porto dci@espacot.pt | www.espacot.pt Seg. a Sexta das 10:00h às 13:00h e das 14:00h às 18:00h

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