Revista Eixos

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outubro de 2018

eixos

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editorial por Amora de Andrade 2


Revista Eixos.

Eixos por indicar movimento. Eixos por indicar linha imaginária (ou não) a ser seguida (ounão). Eixos por indicar uma reta comum a um feixe de planos. Eixos por indicar aquilo que sustenta, apoia, o ponto mais importante. E é assim, através da revista Eixos, que iremos mostrar como as visitas desenvolvidas ao longo da disciplina de Introdução a Arquitetura e Urbanismo, ministrada pela professora Luciana Jobim, nos guiaram por importantes eixos físicos e reflexivos acerca do estudo de Arquitetura e Urbanismo no espaço urbano da capital federal. Com todas as aulas externas à FAU sendo realizadas no plano piloto, foi possível a anáise de diferentes escalas que convergem e convivem na cidade de Brasília. Escala residencial, bucólica, gregária e monumental e a coexistência de todas serão os eixos que nortearão os temas abordados de maneira crítica nessa revista. Esperamos que a leitura para você seja tão inspiradora quanto as aulas foram para nós. Obrigada, Revista Eixos.

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Equipe Editora chefe Amora de Andrade Teresinense "Brasília pra mim é começo" Redatora, repórter e fotógrafa Bruna Leite Goiana "Brasília pra mim é movimento" Designer Gráfico redator e repórter Leonardo Nóbrega Recifense "Brasília pra mim é encontro" Redatora, fotógrafa e editora de vídeo Mariana Leite Brasiliense "Brasília pra mim é caminho"

Colaboradores Pollyana Perez, Luciana Jobim, Lucas Mendes, Viviane Barros, Aldemir de Miranda, André Nóbrega, Samaria de Andrade, André Gonçalves, Amina Andrade, Ivan Presença, Michele Costa, Leila Costa, Ana Lúcia Nóbrega, Michael John Lewis

Orientação 4

Luciana Jobim, Leandro Ximenes e Isaac Willow


Bucólica e Residencial Retrato: Perseverança - 10 Infográfico: Se essa quadra fosse minha - 12 Ensaio:Fugere Urbem - 14

Gregária Crônica: Rodô - 18 Entrevista: Arte Música Contravenção - 20 Ensaio: CONIC como folha em branco - 24

Monumental Ensaio: Caminhada constante - 28 Relato: À Esplanada, ele não - 30

Outros Eixos "O que é Brasília para você?" - 34 Ensaio: Outras Lentes - 38

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eixos



Bucolica

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Bucรณlica e Residencial


poema

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retrato por Bruna Leite

perseverança Lourivaldo Marques, 80, dono da primeira banca de jornal de Brasília, viu a cidade nascer ao seu redor. Vindo de São Paulo, no dia 13 de fevereiro de 1960, começou vendendo jornal na rua em um caixote de madeira. Logo após conseguir a banquinha de 49 metros quadrados localizada na quadra 108 sul, o livreiro plantou a árvore de tronco retorcido que tomou grandes proporções e se tornou um marco na região. Ao ser perguntado sobre seu sucesso, Lourivaldo diz emocionado que não esperava. Conta que cresceu em fazenda e sempre teve uma forte intimidade com as árvores, "não é só plantar a árvore, é subir na árvore também". "Eu tenho uma vantagem, eu tenho o verde", declara ao ser perguntado como faz para continuar com a clientela diante

das inovações tecnológicas. Além do verde, Lourivaldo também conta com promoções para continuar com seu comércio, que com o tempo acabou se tornando um "minimercado". Sobre o desenvolvimento de Brasília, Lourivaldo diz sempre ter acreditado e que a cidade ensinou muito a ele. Desde antes do golpe militar até hoje, o livreiro sempre irá depositar suas esperanças em uma Brasília melhor. E para o futuro, ele diz sonhar com carros voadores e voos programados. Ao lado do seu neto, o primeiro livreiro de Brasília continua esperançoso no mesmo lugar que esteve por quase 60 anos, disposto a receber todos na sua banca.

Folhas Mortas Fala ao vento sou folha Eu sou vida e vou cair ao tempo Sendosoprada e deslizando no ar Farei um roteiro para encontrar A natureza agradece pelo colorido Que faz, e o tempo e o vento Ficou para trás 11


infográfico por Mariana Leite

quadra

se essa rua fosse minha posto de saúde

Centro Cultural Renato Russo

Escola Classe

comercial 308 Igreja Nossa Senhora de Fátima

biblioteca

Clube Vizinhança 12


equipamentos urbanos necessários numa unidade de vizinhança modelo

supermercado

Escola Parque

comercial 108

cinema Cine Brasília

entrequadras comercial 107 e 108 13


ensaio por Amora de Andrade

Fugere Urbem

sessĂŁo de fotos

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Gregรกria


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crônica por Bruna Leite

Rodô Lágrimas, tédio, felicidade, rotina, reencontro. Pastel, frutas, salgado, biscoito de polvilho. Um cigarro, panfleto de promoções e um jornal. Conversa, olhares, calados mas nunca em silêncio. O silêncio as vezes ensurdece. A certeza de que o 115 vai estar na plataforma A às nove da manhã e a esperança de não estar muito cheio. Malas e sacolas, indo e vindo, acompanhados de pessoas com um destino em mente. 10 por 5 e 20 por 10. O cheiro do pequi misturado com o doce da goiaba. Olha o lançamento da adidas, 20 reais só hoje! Pastel, frito na hora, o cheiro das frutas agora é só uma lembrança vazia. Água gelada, mais barata que essa não tem! Passos rápidos, esbarrões fortes e nenhuma desculpa, afinal não há tempo. O ônibus está saindo. O ônibus tá chegando. Mais uma leva de pessoas com suas histórias chega e outra explosão acontece. Lágrimas, tédio, felicidade, rotina e reencontro. Mais abraços e mais empurrões. E tudo continua como um ciclo infinito no universo do piloto. Quantos desconhecidos você já não tocou na rodoviária e que provavelmente nunca mais vai tocar? Quantas histórias você não ouviu e que nunca vai saber o final?

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entrevista por Leonardo Nóbrega e Bruna Leite

1. Há quanto tempo você trabalha no CONIC? zado. Mas o comportamento das pessoas do conic Não trabalho no Conic tem tempo. Frequento o não mudou, mudou as gerações. O conic virou um Conic desde 86 mas as primeiras lojas apareceram ponto de referência desse comportamento subversiem 84 e 85. Eu via as lojas mas não era de frequenvo do que o sistema dita. Aqui é anti fascismo, aqui tar igual é hoje. Ir, sentar, tomar cerveja. Nesse cor- é anti homofobia redor aqui mesmo, chegava sexta feira tinha muitas 4. E na época da ditadura? pessoas, tinha o pessoal dos partidos e sindicaEra foda, o pessoal fazia a gente descer do ônibus tos, tinha uma pancada de gente falando de arte, e se tivesse com um visual diferente, era porrada. música e contravenção (risos). A mudança veio na Dentro e fora do conic, em Brasília inteira. Era arquitetura do Conic também. Como vocês podem um encosta aqui rapaziada e mais porrada ainda, ver, tá em obra, tinha coisa muito diferente. Tinha desse jeito. Aqui era o centro da cidade, tinha que o cogumelo que era onde a gente marcava de se ser mais organizado, so que a organização que eles encontrar. Foi tomando cores e formas. Começou traziam aqui era a polícia dar um coro na galera e ir a ter grafite, saiu a PM, começou a ter festas onde a embora, não faziam mais porra nenhuma. A noite PM ficava. Tem a parte de baixo do Conic, de baixo continuava o tráfico, a prostituição no Dulcina onde rolava festas. Veio as lojas de ska5. Como você descreveria a segurança por tes Fun House, a Red Collection que era de discos aqui? novos e usados e camisetas, o Café Belas Artes e o Muito melhor né cara? O mundo todo tá violento, porão da Dulcina. Era esse circuito que fazia tudo a cidade toda tá violenta, mas aqui tá mais vigiado, acontecer, e hoje em dia é totalmente diferente. Não ne? Aqui tem grades, agora é tudo fechado a noite. se sentava no Conic, era um lugar marginalizado, Antigamente nao tinha isso, o conic abrigava todo feio sujo e com barata. Melhorou bastante. Agora mundo, mendigos, malucos , desabrigados e fodaeu quero ver como que vai ficar, soube que uma -se. Você vinha aqui no final da noite e tinha uns parte foi vendida, quero saber o que eles vão fazer, botecos aqui em baixo, tinha puteiro, era tudo junse vão modificar o Conic por dentro ou só a casca to. O único lugar era o conic que ia até de manhã, toda, o que eu acho que não deveria. Passou pra ser todo mundo vinha pro Conic. E vou te falar, era um espaço de festas também né?, tem festas que bem underground mesmo, te falo que era a boca do são grandes e fecham tudo aqui. O conic também lixo mesmo se tornou uma referência de quadrinhos, de cami6. E você acha que o Conic e o setor comercial seteria e comportamentos diferentes, como tatuaexercem bem a função de centro da cidade de Brasídores, rodas de hip hop e muitas outras coisas lia? 2. E você percebeu chegada de algumas igrejas Não, de forma alguma. O conic ta engatinhando alterando a vibe do conic? nisso. Mas de forma alguma. O setor comercial era Cara, vou te falar, as igrejas tão começando a corpra ser aproveitado, ter uns espaços bacanas. Mas rer do conic. O conic está espantando as igrejas, quem aproveita são os craqueiros, acho isso muito porque já teve mais igrejas no conic. Aqui tinha o injusto. Você vê tanto lugar legal, tantas pracinhas, famoso Cine Hits que era um cinema porno que escadarias, galerias. Invés de botar pra funcionar durou anos e anos. Foi dos últimos a pra comunidade, fedendo a mijo cima ade baixo. Localizado noumencontro docinemas eixo rodoviário e o eixo tá monumental, o de Setor Diser fechado. Também tinha teatro de sexo ao vivo Isso aqui ainda é muito associado a tráfi co e prostiversoes Sul, mais conhecido como Conic, vem sendo um marco na resistência da cultura no palco, era uma louca, por isso que tinha tuição, mais tarde vai estar rolando, então sempre é underground decoisa Brasília. Inaugurado em 1967, começou sendo um setor elitizado, onde essa má fama. Era o Cine Hitz, Cine Badia e o desse jeito. Sempre alguém na quebrada se encontravam as embaixadas. A partir da década de 80, com a saída gradual destas Atlântidas, que tinha nessa quebrada, dois desses 7. Como você descreveria a função do conic e instituições, o Conic começou a receber os clubes noturnos, bares, casas massagem eram pornôs. Aí você já imagina, aliada a prostitui- das pessoas que frequentam nessesde dias de ameaça e cinemas pornôs, o que da área. ção em volta, como que essedeu lugarinício não fiacamarginalização margido retorno do fascismo Hoje, no Conic ainda resistem espaços alternativos Igrejas vai evannalizado? Aqui era muito sujo, o aspecto daqui era Rapaz, o conic éconvivendo um lugar que com simplesmente ser horrível Nesse contexto entrevistamos Reinaldo o primeiro ponto que vãodas desintegrar porque gélicas. Freitas, dono deeles uma lojas de discos 3. Você achadoque a manutenção muito aqui, juntas as pessoas que reúnem ideias contra do mais antigas Conic, a berlinmudou Discos e Altervir Batista, um frequentador assíduo aqui? eles, vai ser excluído do mapa local começo datádécada deorgani80 Mudoudesde muito,oMudou tudo, bem mais

Entrevista

arte música contravenção

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entrevista com Reinaldo Freitas Leonardo Nóbrega: Quanto tempo você trabalha aqui no conic? Reinaldo Freitas: Vai fazer 30 anos ano que vem LN: E como você descreveria o ambiente? RF: Ah cara, o ambiente aqui é o encontro de todas as tribos. Já foi um ambiente estigmatizado e tinha muita marginalidade, mas de 15 e 20 anos melhorou, agora tem todas as tribos. Jovens, trabalhadores em geral, mais jovens né, com as lojas de skates, discos, camisetas, muito rap e roqueiros LN: E quais mudanças você percebeu desde que chegou aqui? RF: De um setor que era voltado para a violência, marginalidade, pela prostituição, vem realmente mais público jovem. Depois que fechou as boates que tinha, e eram responsáveis por esse fluxo de pessoas a noite aqui e acabavam ficando pela manhã também. Veio as tribos de jovens com os festivais de música, skate, arte. Era um lugar amaldiçoado e agora é um ponto de encontro. Festas, encontros, aqui no dulcina, espaço para show, é um lugar de encontro mesmo. LN: Você percebe a influência de igrejas influenciando o público? RF: Nao, nao aqui a gente convive perfeitamente com isso. As igrejas fazem os cultos a noite ou finais de semana. Nao atrapalha em nada, ninguém se mete la e ninguem se mete aqui. Tem gente que nem sabe que tem igreja no Conic, praticamente é uma coisa invisível. Todo mundo se respeita, todo mundo se dá bem. A convivência é harmoniosa

LN: Você vê alguma diferença na manutenção e na organização do prédio? RF: Cara , o seguinte é isso aí que pega. Eu acho que não tem manutenção no espaço. Até porque o seguinte, o poder público abandonou isso aqui e nao tem demonstração alguma de apreço do poder público por esse setor. Revitalização, essa coisa nao tem nada, nunca teve. Todo governo que entra a gente faz reuniões e reuniões, para tentar melhorar isso aqui. Mas ninguém nunca investiu um dinheiro se quer aqui. Nos 4 ou 5 governos que eu estou aqui, ninguem fez nada, tá degradando cada vez mais. Não vi sinal nenhum de poder publico aqui. E cara, quanto a iniciativa privada também, como é um setor de pequenas empresas e micro lojas, as pessoas não tem condições de investir muito aqui LN: Quais os horários de pico e maior movimento? RF: Quinta e sexta são os dias de mais movimento aqui no conic. Exceto quando tem algum evento político ou artístico no local, aí pode ser na segunda e na terça. Geralmente tem eventos por conta de sindicatos que tem por aqui e fazem suas festas. Ah, movimentos artísticos, ai fica diferente o movimento é atípico nesse dia LN: E você acha que o conic e o setor comercial sul exercem sua função como centro da cidade? RF: Eu acho que sim. O setor comercial Sul, é um setor mais distinto. Tem mais trabalho e escrito e tal. Lá não funciona a noite. E o Conic é assim, falta uns barzinhos mais interessantes, um teatro funcionando. O conic é mais para diversão, eu entendo isso e o setor comercial sul é mais para trabalho

"o conic abrigava todo

mundo, mendigos, malucos, desabrigados e foda-se" 22


entrevista com Altervir Batista Leonardo Nóbrega: Há quanto tempo você frequenta o CONIC? Altevir Batista: Frequento o Conic desde 86 mas as primeiras lojas apareceram em 84 e 85. Eu via as lojas mas não era de se frequentar igual é hoje. Ir, sentar, tomar cerveja. Nesse corredor aqui mesmo, chegava sexta feira tinha muitas pessoas, tinha o pessoal dos partidos e sindicatos, tinha uma pancada de gente falando de arte, música e contravenção (risos). LN: Sobre a arquitetura do Conic, quais foram as maiores mudanças? AB: Tinha coisa muito diferente. Tinha o cogumelo que era onde a gente marcava de se encontrar. Foi tomando cores e formas. Começou a ter grafite, saiu a PM, começou a ter festas onde a PM ficava. Tem a parte de baixo do Conic, de baixo no Dulcina onde rolava festas. Veio as lojas de skates Fun House, a Red Collection que era de discos novos e usados e camisetas, o Café Belas Artes e o porão da Dulcina. Era esse circuito que fazia tudo acontecer, e hoje em dia é totalmente diferente. Não se sentava no Conic, era um lugar marginalizado, feio sujo e com barata. Melhorou bastante. Agora eu quero ver como que vai ficar, soube que uma parte foi vendida, quero saber o que eles vão fazer, se vão modificar o Conic por dentro ou só a casca toda, o que eu acho que não deveria. LN: Sobre os cinemas, como eram? AB: Aqui tinha o famoso Cine Hits que era um cinema porno que durou anos e anos. Foi um dos últimos cinemas a ser fechado. Também tinha teatro de sexo ao vivo no palco, era uma coisa louca, por isso que tinha essa má fama. Era o Cine

Hitz, Cine Badia e o Atlântidas, que tinha nessa quebrada, dois desses eram pornôs. Aí você já imagina, aliada a prostituição em volta, como que esse lugar não fica marginalizado? Aqui era muito sujo, o aspecto daqui era horrível LN: O comportamento das pessoas que frequentam o Conic mudou? AB: O comportamento das pessoas do conic não mudou, mudou as gerações. O conic virou um ponto de referência desse comportamento subversivo do que o sistema dita. Aqui é anti fascismo, aqui é anti homofobia LN: E na época da ditadura? AB: Era foda, o pessoal fazia a gente descer do ônibus e se tivesse com um visual diferente, era porrada. Dentro e fora do conic, em Brasília inteira. Era um encosta aqui rapaziada e mais porrada ainda, desse jeito. Aqui era o centro da cidade, tinha que ser mais organizado, so que a organização que eles traziam aqui era a polícia dar um coro na galera e ir embora, não faziam mais porra nenhuma. A noite continuava o tráfico, a prostituição LN: Como você descreveria a segurança por aqui? AB: Muito melhor né cara? O mundo todo tá violento, a cidade toda tá violenta, mas aqui tá mais vigiado, ne? Aqui tem grades, agora é tudo fechado a noite. Antigamente não tinha isso, o conic abrigava todo mundo, mendigos, malucos , desabrigados e foda-se. Você vinha aqui no final da noite e tinha uns botecos aqui em baixo, tinha puteiro, era tudo junto. O único lugar era o conic que ia até de manhã, todo mundo vinha pro Conic. E vou te falar, era bem underground mesmo, te falo que era a boca do lixo mesmo LN: Como você descreveria a função do conic e das pessoas que frequentam nesses dias de ameaça do retorno do fascismo? AB: Rapaz, o conic é um lugar que simplesmente vai ser o primeiro ponto que eles vão desintegrar porque aqui, juntas as pessoas que reúnem ideias contra eles, vai ser excluído do mapa

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ensaio por Leonardo Nóbrega e Amora de Andrade

À Esplanada

o CONIC como folha em Em setembro de 2016, fui a Brasília ver minha mãe, que morava na capital federal para fazer o doutorado. Naquela conjuntura, há muitos momentos que podem ser citados para asomos contextualização - do cenário "Ao nascer uma folha em branco e o copolítico mais amplo à nossa esfera familiar nhecimento provém da experiência" - John Locke - e como tudo o que acontecia nos afetava. O concreto modernista afoicontextualicoberto por Portanto, decidi limitar-me palavras e figuras. Ao percorrer os corredozar apenas aquilo que ganhará importância res dos prédios da escala gregária percebeneste texto. Vamos lá. mos a identidade de edifícios que preservam e Emtransmitem primeiroideias. lugar, precisamos considerar que já éramos uma nação pós-golpe. O processoCada quetexto culminou nomarca. impeachment de tem uma Cada um que Dilma havia semanas antes caminha por sido lá viveconcluído uma experiência própria em construção que não é mais uma folha em e uma Temer já nos des-governava. O clima de branco. curiosidade diante do momento histórico havia nos feito atirar toda a atenção sobre o maior palco do grande acordo nacional : Brasília. Até aí, eu só havia ido à cidade uma vez, quando muito pequena, para visitar a família de um tio. Além disso, vinha cursando arquitetura na universidade, o que, de certo modo, já me colocava em débito com Niemeyer por não me apressar para conhecê-la. Minha mãe me aguardou em um flat, de onde caminhávamos dois ou três quarteirões e já alcançávamos a W3. Alguns minutos de ônibus e chegávamos à rodoviária. De lá, segui a pé pela primeira vez em direção à Esplanada dos Ministérios. É bem provável que você consiga imaginar como é revisitar um local guardado na memória por pelo menos uma década. Mas tente perceber o acúmulo disto com a oportunidade de ver com os próprios olhos um plano de cidade cujo criador tanto me havia sido consagrado. Adicione agora as perspectivas para um governo golpista, que já se instalava aliado a um plano de sucateamento da saúde e da educação públicas. As propostas de emenda constitucional logo começaram a nos mostrar a que Temer havia vindo e incitaram mais ainda o seu índice de rejeição

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dentro do ambiente universitário. Pra quem não lembra, a PEC do teto ou, como ficou conhecida entre os movimentos sociais, a PEC do fim do mundo consistia no congelamento, ao longo de 20 anos, dos gastos do governo federal com educação, saúde e outras diretrizes de impacto social. Durante o seu julgamento, escolas e universidades foram ocupadas por todo o país. O que em setembro eu ainda não sabia era que retornaria à Esplanada dois meses mais tarde, junto a cerca de outros 10 mil brasileiros, e entre eles, minha mãe. O sucesso e resistência das ocupações haviam contribuído para que um ato nacional acontecesse. Queríamos Temer fora, e que nenhum investimento em educação nos fosse retirado. No dia 29 de novembro, estudantes e professores do Brasil caminharam junto a movimentos sindicais e populares, a famílias e a diversas manifestações de apoio à causa através do eixo monumental de Brasília. Mais surpreendente do que a adesão ao que estávamos construindo naquele dia histórico foram os instantes cinematográficos que se seguiriam minutos após o início da movimentação, e que só cessariam horas mais tarde. A mando do presidente interino, tropas de choque munidas de bombas de gás e spray de pimenta protegiam o local onde acontecia a votação. Viaturas, helicópteros com disparos e lanternas, drones e até mesmo a cavalaria atuaram para que, mesmo antes de pensarmos em avançar, fôssemos violenta e inescrupulosamente dispersados. Naquele dia, eu e minha mãe só encontramos uma a outra após a primeira onda de truculência. Choramos e nos abraçamos. Lembro que foi também a primeira vez que vi Boulos de perto. Mal sabia que lá do alto do caminhão, cumpria o papel que mais tem executado nos últimos dias até esse texto ser escrito: o de renovar esperanças. Ele pedia para que voltássemos em direção ao


m branco

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Monumental

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ensaio por Mariana leite

Caminhada constante

Caminhar pela esplanada atualmente, muito embora seja uma experiência única, é uma experiência que transcende gerações. Apesar de algumas mudanças, como o impedimento do acesso a parte superior do congresso, podemos ter o mesmo visual e sensação que as gerações passadas tiveram

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ao passear por este ambiente, tornan=do-o atemporal. "É pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de uma duração concretizados em longos estágios. O inconsciente estagia." (GASTON BACHELARD, 1957, A Poética do Espaço).


O cartĂŁo postal ĂŠ caminhada Pelo concreto cinza contraste azul A esplanada ĂŠ eterna

fotos de Leila Costa e cedidas por Michele Costa, tiradas em 1982 29


relato por Amina Andrade

À Esplanada

À Esplanada, como ele não Em setembro de 2016, fui a Brasília ver

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minha mãe, que morava na capital federal Em de 2016, fui a Brasília ver parasetembro fazer o doutorado. Naquela conjuntuminha que morava na ra, há mãe, muitos momentos quecapital podem federal ser cipara Naquela conjuntutadosfazer para oa doutorado. contextualização - do cenário ra, há muitos momentos queesfera podemfamiliar ser cipolítico mais amplo à nossa tados para a contextualização - doafetava. cenário - e como tudo o que acontecia nos político mais amplo à nossa esfera familiar Portanto, decidi limitar-me a contextualie como tudo o que acontecia afetava. zar apenas aquilo que ganharános importância Portanto, decidi limitar-me a contextualineste texto. Vamos lá. zar queprecisamos ganhará importância Em apenas primeiroaquilo lugar, consideneste texto. Vamos lá. rar que já éramos uma nação pós-golpe. O processo que culminou no impeachment de Em primeiro lugar, precisamos considerar Dilma havia sido concluído semanas antes que já éramos uma nação pós-golpe. O proe Temer já nos des-governava. O clima de cesso que culminou no impeachment de Dilma curiosidade diante do momento histórico havia concluído semanas antes e Temer havia sido nos feito atirar toda a atenção sobre já nos des-governava. O clima de curiosidade o maior palco do grande acordo nacional : diante do Até momento havia feito Brasília. aí, euhistórico só havia ido nos à cidade atirar todaquando a atenção o maior palco uma vez, muitosobre pequena, para vido grande acordo nacional : Brasília. Até aí, sitar a família de um tio. Além disso, vieu havia ido à cidade uma vez, quando nhasó cursando arquitetura na universidade, muito visitar a família de em um o que,pequena, de certopara modo, já me colocava tio. Além disso, vinha por cursando arquitetura débito com Niemeyer não me apressar na universidade, o que, de certo modo, já me para conhecê-la. colocava com Niemeyer porde não me Minha mãeemmedébito aguardou em um flat, onde apressar para conhecê-la. caminhávamos dois ou três quarteirões e já alcançávamos a W3. Alguns minutos de Minha me aguardouàem um flat, deDeonde ônibusmãe e chegávamos rodoviária. lá, caminhávamos dois ou três quarteirões e segui a pé pela primeira vez em direção já à alcançávamos a W3. Alguns minutos de ôniEsplanada dos Ministérios. É bem provável bus chegávamos rodoviária. Deélá,revisisegui que evocê consiga àimaginar como a péum pela primeira vez em à Esplanatar local guardado nadireção memória por pelo da dos Ministérios. É bem provável que você menos uma década. Mas tente perceber o consiga imaginar como é revisitar um local acúmulo disto com a oportunidade de ver guardado na memória uma com os próprios olhospor um pelo planomenos de cidade década. Mas tente acúmulo disto cujo criador tanto perceber me havia osido consagracom a oportunidade ver com os próprios do. Adicione agora asdeperspectivas para um olhos um plano de cidade cujo criador governo golpista, que já se instalavatanto aliame havia sido consagrado. Adicione agora as do a um plano de sucateamento da saúde perspectivas para um governo golpista, que e da educação públicas. As propostas de já se instalava aliado a um plano de sucaemenda constitucional logo começaram a teamento da asaúde e da educação públicas. nos mostrar que Temer havia vindo e inAs propostas de emenda constitucional logo citaram mais ainda o seu índice de rejeição começaram a nos mostrar a que Temer havia

dentro do ambiente universitário. Pra quem não lembra, a PEC do teto vindo e incitaram mais ainda o seu índice ou, de como ficou conhecida entre os movimentos rejeição dentro do ambiente universitário. sociais, a PEC do fim do mundo consistia no congelamento, ao longo de 20 Pra quem não lembra, a PEC do anos, teto dos ou, gastos do governo commovimentos educação, como ficou conhecidafederal entre os saúde eaoutras de impacto sosociais, PEC dodiretrizes fim do mundo consistia cial.congelamento, Durante o seu e no ao julgamento, longo de 20 escolas anos, dos universidades foramfederal ocupadas todo o gastos do governo compor educação, país. O eque em setembro eu de ainda não sabia saúde outras diretrizes impacto soera que retornaria Esplanada dois meses cial. Durante o seuàjulgamento, escolas e mais tarde, junto a cerca de outros 10 mil universidades foram ocupadas por todo o brasileiros, e entre eles,eu minha supaís. O que em setembro aindamãe. não Osabia cesso resistênciaà das ocupações era quee retornaria Esplanada dois haviam meses contribuído um ato mais tarde, para juntoque a cerca denacional outros acon10 mil tecesse. Queríamos Temer fora,"mãe. e queO nebrasileiros, e entre eles, minha sunhum investimento educação noshaviam fosse cesso e resistênciaem das ocupações retirado. para que um ato nacional aconcontribuído No dia 29Queríamos de novembro, estudantes e protecesse. Temer fora, e que nefessores do Brasil caminharam a monhum investimento em educaçãojunto nos fosse vimentos sindicais e populares, a famílias e retirado. a diversas manifestações de apoio à cauNo dia 29 dedonovembro, estudantes prosa através eixo monumental de eBrasífessores do Brasil caminharam junto a molia. Mais surpreendente do que a adesão vimentos sindicais econstruindo populares, anaquele famíliasdia e ao que estávamos a diversasforam manifestações de cinematográapoio à cauhistórico os instantes sa através eixo monumental de Brasília. ficos que sedo seguiriam minutos após o início Mais surpreendente do que a adesão que da movimentação, e que só cessariamao horas estávamos dia histórimais tarde.construindo A mando donaquele presidente interico foram os instantes cinematográficos no, tropas de choque munidas de bombasque de se minutos após o início da mogásseguiriam e spray de pimenta protegiam o local vimentação, e que só cessariam horas helimais onde acontecia a votação. Viaturas, tarde. A mando do presidente interino, trocópteros com disparos e lanternas, drones pas choque munidas de bombas de que, gás e atédemesmo a cavalaria atuaram para e spray antes de pimenta protegiam em o local onde mesmo de pensarmos avançar, acontecia votação.e Viaturas, helicóptefôssemos aviolenta inescrupulosamente ros com disparos e lanternas, drones e até dispersados. mesmo para mesmo Naquelea cavalaria dia, eu e atuaram minha mãe sóque, encontraantes de pensarmos em aavançar, mos uma a outra após primeirafôssemos onda de violenta e inescrupulosamente dispersados. truculência. Choramos e nos abraçamos. Lembro que foi também a primeira vez que Naquele e minha sóque encontramos vi Boulosdia, de eu perto. Mal mãe sabia lá do alto uma a outra após a primeira onda trucudo caminhão, cumpria o papel que de mais tem lência. Choramos e nos abraçamos. Lembro executado nos últimos dias até esse texto que também a primeira que vi Boulos ser foi escrito: o de renovarvez esperanças. Ele de perto. Mal sabia que lá do alto do camipedia para que voltássemos em direção ao nhão, cumpria o papel que mais tem execu-


Perdi-me dela outra vez. Encontrei um grupo que me ajudou a fugir e, quando finalmente tudo parecia menos assustador, cruzei com 4 senhoras de idade, daquelas bem vovós. Uma delas virou para mim e falou: Cansou? Próxima semana, eu venho com elas de novo. A gente faz isso há uns 30 anos. Resistimos. Aquilo com toda certeza me deu a energia que precisei para retornar ao ônibus que, sem tempo para que sentíssemos as coisas direito, no mesmo dia, nos levou de volta para casa. Poderia dizer que nunca mais fui a mesma após o ocorrido. Consigo me lembrar de estarmos sentados na grama diante do Congresso e, em questão de segundos, atropelávamos uns aos outros, sem que enxergássemos um palmo diante dos olhos. Doía respirar, de um jeito que me fazia querer parar de tentar. Meu celular tocou. Era meu pai, mas não pude me dar ao luxo de correr entre tantas pessoas desconhecidas e desesperadas respondendo uma ligação. Eu precisava sair da frente; precisava não ser atropelada; precisava encontrar minha mãe. Lembro-me também do som que faziam as bombas e cavalos que passavam perto da rota de fuga que, também em modo selvagem, era traçada. Lembro-me da noite cair e ainda sermos perseguidos durante horas, com direito a holofotes de busca e emboscadas para quem achou que podia deixar a Esplanada como se não fosse cúmplice da baderna. Mas lembro-me também de almoçar debaixo de uma árvore do

jardim do Ministério da Educação, ouvindo tambores e falas de conscientização política. Foi no mesmo dia em que descobri para que serviam o vinagre, a segunda camisa e o leite de magnésia que tantos sindicalistas haviam me oferecido e, tola, subestimei: Não haverá repressão porque seremos pacíficos. Não fui outra vez à Esplanada, porém aposto e receio que não me faltarão oportunidades. Como minha mãe, que correu junto aos black blocs que viraram um carro de TV em direção à polícia. Como as senhoras, que não deixariam de participar de atos em defesa da democracia mesmo com a forte repressão. Como o pipoqueiro que apareceu ao lado do museu e sumiu por trás de uma bomba de efeito moral vinda dos céus. Como as pedras que deixaram os edifícios de Niemeyer caquéticos de vidraças. Vivemos uma Esplanada como eles não vivem ou viveram. Como eles jamais.

Foto por Lucas Mendes

tado nos últimos dias até esse texto ser escrito: o de renovar esperanças. Ele pedia para que voltássemos em direção ao Congresso, mas àquela altura pessoas já estavam feridas, vidraças quebradas, organizações desagrupadas. E fomos atacados, também, desmobilizados.

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outros eixos

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O que é Brasília para você?

por Amora de Andrade

"Mistério" Vlad Vendedor

"Surpresa" Amilcar Chaves, 74 Arquiteto

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"Trabalho" Maria da Penha Silva, 47 Cuidadora de idosos

"Caos organizado"

Tiago Franco, 22 Estudante de sociologia e professor


"Onde vivem as pessoas que eu amo" Michele Costa, 43 Funcionária pública

"Qualidade de vida" Viviane Barros, 37 Designer

"Espaço"

Eric Nóbrega, 5 Estudante

"Prazer e intensidade" Raick, 19 Estudante de direito

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"Amizade"

"Pessoas educadas"

Vendedor

Técnica de enfermagem

"Cidade laboratório"

"Uma vida inteira"

Ivan Presença, 70 Livreiro

João Batista de Lima, 42 Pintor

Patrick Raniele, 22

36

Vânia Alves, 34


"É tudo, Eldorado"

"Projeto político utópico"

Zé da Mata

Larissa Ferreira, 34

Programador cinematográfico

Professora

"Miscigenação do caos com arte"

"Um mar que gente vira sereias"

Lui Nogueira, 27 Vendedor

Carolina Costa, 4 Estudante

37


ensaio organizado por Leonardo Nóbrega

Olhares

Foto por Pollyana Perez, turista

Foto por Viviane Barros, funcionária pública

38


Foto por Lucas Mendes, militante

39


Foto por Aldemir de Miranda, morador de BrasĂ­lia

40


Foto por Luciana Jobim, professora de arquitetura

41





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