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A PALAVRA-LAVA-MAGMA-EXPLOSÃO DE FERNANDO BRAGA ROBERTO FRANKLIN ADEUS NANDO
Encontro Internacional Literário com o escritor Mia Couto acontece no Teatro Sesc
Amanda Machado
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A Academia Ludovicense de Letras (ALL), o Sesc e a Duvel realizam em São Luís “Conversações de além-mar: encontro internacional de literatura da língua portuguesa” com o escritor português Mia Couto, ganhador do Prêmio Camões 2013, no dia 02 de junho, às 19h30, no Teatro Sesc. O evento é apenas para convidados, mas no dia 3 de junho o público pode bater um papo com o escritor no auditório principal do Prédio Paulo Freire (térreo) da UFMA, às 15h30. O objetivo do evento é promover e divulgar a literatura de língua portuguesa, estimular a leitura e contribuir para a formação de uma sociedade cada vez mais consciente, crítica e humana por meio do diálogo com Mia Couto, o autor moçambicano mais conhecido mundialmente na atualidade.
MIA COUTO
Mia Couto nasceu em 1955, na Beira, Moçambique. É biólogo, jornalista e autor de mais de trinta livros, entre prosa e poesia. Seu romance Terra sonâmbula é considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX. Recebeu uma série de prêmios literários, entre eles o Prêmio Camões de 2013, o mais prestigioso da língua portuguesa, e o Neustadt Prize de 2014. É membro correspondente da Academia Brasileira de Letras.
O continente africano, com seu encanto e sua cultura, está em todos os livros de Mia Couto. Um dos mais relevantes autores da atualidade, ele produz obras que tentam recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, produzindo um novo modelo de narrativa e revelando uma outra maneira de falar e de contar histórias. É o único escritor africano membro da Academia Brasileira de Letras. Dentre suas obras publicadas no Brasil destacam-se O fio das missangas, E se Obama fosse africano, Antes de nascer o mundo, Estórias abensonhadas e Terra sonâmbula. Em 2013, foi agraciado com o Prêmio Camões de Literatura e, em 2014, com o Prêmio Literário Internacional Neustadt. No ano de 2015, tornou-se o primeiro escritor em língua portuguesa a ser indicado ao Prêmio Man Booker. Seus livros mais recentes publicados no Brasil são O bebedor de horizontes, terceiro romance da trilogia “As areias do imperador”, O terrorista elegante e outras histórias, escrito em parceria com José Eduardo Agualusa, e o infantil A água e a águia. Por meio de suas criações, Mia Couto produz histórias repletas de humanidade, lirismo e fantasia. Ao buscar elementos das mitologias tribais, das lendas e dos causos regionais, torna mais evidente em suas obras a existência de um português de múltiplos, comprovando que a língua portuguesa está em constante evolução.
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ERNANDO BRAGA*
Os integrantes da noit
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Fernando Braga
Fernando Braga é um poeta referencial pelo qual nutro muito afeto e admiração. A poesia dele é “densa de conteúdo e expressão” como assegurou ninguém mais ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade. O cântico de Fernando já foi celebrado por Thiago de Mello, Josué Montello, Cassiano Ricardo, Oswaldino Marques, Nelly Novaes Coelho, isso para citar apenas alguns poucos nomes entre tantos que reconhecem e confirmam o talento e a substância da obra do poeta, autor de “Campo Memória”, um canto de amor a São Luís.
Tenho Fernando como um irmão que os caminhos da poesia me deram. Uma das pontes para nossa aproximação foi o saudoso poeta Déo Silva, com o qual Fernando Braga teve a oportunidade de trabalhar e conviver. Fui presenteado por Fernando com o livro “Magma” (Editora Kelps, 2014), sendo que, em tal volume de poesia, Fernando se revela, nas linhas e entrelinhas, o mesmo menino de sempre, com as “muitas marcas da vida”.
A palavra-lava-magma-explosão de FB vai “Além do verbo”, bem como do título homônimo de Guimarães Rosa. Sobre essa própria relação com o verbo, declara a poesia bragueana: “Estou no meio do verbo / que me divide / eu sou e fui... / De pele e osso cobri-me / e serei de sobras;”. No livro “Magma”, eu pude me deparar com preciosidades como os poemas “O cavalotempo” e “O mar de minha culpa”, os quais sempre estarão comigo pelo poder de atravessamento de suas palavras-adagas.
Quanto ao antes referido “Campo Senado Federal, Edições Corrêa & Corrêa, Brasília, 1991), em síntese, pode-se dizer que esse poema-livro é um patrimônio sempiterno da ilha-patrimônio da humanidade.
Sinto-me muito pequeno para poder falar desse poeta de referência do nosso Mundanhão. Tenho-o como um mestre e sua amizade me é um privilégio dos grandes. Para poetas desse nível, eu peço a bênção e fico na plateia aplaudindo, tomando por empréstimo palavras de outro imenso poeta brasileiro, o meu conterrâneo Adailton Medeiros.
Uma das alegrias da minha vida vai ser dar um abraço, pessoalmente, em Fernando Braga, depois que esse período de crise sanitária passar. Por enquanto, eu o abraço por meio da minha palavr(h)humanidade nestas breves linhas sobre sua poesia & pessoa.
ROBERTO FRANKLIN
Partiste, tua voz silenciou, tuas memórias continuam vivas, tuas palavras navegam à procura de um porto seguro, ainda repousam sobre a mesa páginas que guardam tua inspiração, teus desejos. Guardam inúmeras conversas vadias. Nas ruas históricas de nossa cidade, sobrados vazios guardam tuas lembranças, cadeiras esperam teu calor, copos, com as marcas de tu mão, esperam mais um gole em noites frias, tendo como companhia amigos que, assim como você, partiram, não esperando o dia chegar. A noite que chega se mistura a gotas de água que se confundem com o choro de tua partida. Estamos sós à falta de quem falta. És tu, não era ainda tempo de tua viagem, sei que onde chagar um cordão dos teus te esperam para enfim tomar o último gole.
ANDREZA MARIA BRAGA
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Com a notícia da minha concepção ele já sabia: “é a Andreza Maria!” Como quem já me esperava há muitos anos para contar-me histórias de “mangudas e Jejês” e a me embalar com cantigas que me faziam dormir no aconchego de seus braços. Desde criança tenho comigo que ele era meu amparo, meu abrigo, minha proteção, por isso, dormíamos juntinhos e acordava com ele dizendo: “bençoe Derê”. Cresci admirando sua inteligência e os pronomes bem colocados. Tenho deliciosas lembranças dele em sua biblioteca lendo para mim a História do Brasil para Crianças, de Viriato Correia. Consigo sentir, ainda hoje, o cheiro do livro aberto enquanto eu no colo, apoiava a cabeça em seu ombro. Vivi entre essa e tantas outras histórias na infância com o papai. Era meu único amigo. Mamãe sempre fez o papel de mãe, mas era ele o meu cúmplice. Tínhamos muita afinidade, o mesmo gosto para tudo! O mesmo temperamento, o mesmo humor e o mesmo sentimentalismo: dois chorões! As mesmas perninhas grossas…. Ah, e claro, o mesmo gosto para comida! Embora eu não seja maranhense, aprendi com ele a comer com farinha de puba e a tomar Jussara na tijela com farinha e açúcar, como também, azeite português e vinho (na fase adulta), estes por influência de vovô, José Ernani, português, que infelizmente não conheci, mas pelas belíssimas histórias que papai contava com tanto amor, consegui ter o mesmo sentimento.
Desde pequena eu dizia a ele que éramos um só e ele respondia que eu era a cachaça dele. O doce que eu ganhava no colégio, eu guardava na mochila para dividir com ele em casa. A pasta que ele levava para o trabalho era cheio de bilhetinhos meus que eu colocava escondido com declarações de amor que inclusive, ele guardou até hoje em um envelope com muito apreço. As marcações dos livros que ele lia eram de desenhos meus, de vez em quando ainda encontro dentro de um livro ou outro…. sua chegada do Senado Federal, onde trabalhava, era muito esperada por mim. Eu me enfiava dentro de seu palitó e a abraçava sua barriga. Sem falar nada, ficava do ladinho da pasta esperando ele tirar o que me trouxera. Sim, todos os dias trazia uma guloseima para mim e para meus irmãos. Era
Eu sempre soube da grandeza de papai, não por ser meu pai, mas por reconhecer o gênio literário que eu tinha em casa. Advogado, poeta, ensaísta e pesquisador. Conhecido em sua terra natal, São Luís do Maranhão, bem como no interior de Barra do Corda, e em outros países como Uruguai (onde participou de um festival de poesia sul americana) Peru, Bolívia, Equador e Portugal (onde lançou o livro Bocage, o Injustiçado Cantor de Inês). Algumas poesias de papai viraram músicas na voz do uruguaio Leonardo Figueira, figura simpatissíssima que tive a oportunidade de conhecer aqui em Brasília juntamente com outros uruguaios que vieram a um Café aqui da Asa Norte para prestigiar meu querido pai. Vivemos assim, nesse entrelaço de amor e cumplicidade há 31 anos, inseparavelmente!Fui seus olhos, suas pernas, seus braços… com muito amor e carinho, até o último dia de vida aqui na Terra. Não era hora! Não era esperado! Estávamos fazendo planos, pois acabara de ser eleito como membro da Academia Maranhense de letras. A posse seria em março, justamente em março… Mas Deus precisou dele consigo para escrever e declamar poesias que é para alegrar o céu e também do seu bom humor na companhia de seus outros bons amigos que lá estão. E eu sigo aqui, de coração partido com uma saudade de rasgar o peito, tentando sobreviver sem sua presença marcante, sem sua linda voz e sem o joia que me dava sempre que me olhava. Ah…que saudade que doí! Que vontade de acordar disso tudo e correr para contar desse pesadelo. O único conforto que tenho é que nada, absolutamente nada, nos separará, pois como eu disse anteriormente e ele sempre soube: SOMOS UM SÓ! Seja nesse plano ou na eternidade, vamos nos reencontrar como energia e assim, seremos uma única força de amor. Sei que aí do céu esta intercedendo por nós juntamente com Deus. Virou meu guia, meu anjo da guarda. Tenho muitíssimo orgulho de ser filha de Fernando Braga, meu velho poeta! Obrigada por ter sido o melhor pai do mundo, o melhor marido e o melhor amigo de quem teve o prazer de ter sua amizade. Minha vida, meu amor, meu mestre, meu melhor amigo, meu paizinho… jamais direi Adeus… é apenas um até logo! Agora entendo o porquê tanto me esperou aqui na Terra e já sabia antes da medicina revelar meu sexo que era a sua Andreza Maria. Nós precisávamos um do outro até o fim como duas metades. Só tenho a agradecer a Deus por ter me dado esse maravilhoso pai. Te amarei INFINITAMENTE e fico feliz por ter provado esse amor até o último momento. Prometo que enquanto eu estiver aqui na Terra não deixarei seu nome no esquecimento, pois sempre será o “velho Fernando Braga”, nosso poeta imortal!
AMÉRICO AZEVEDO NETO
Fernando querido Era para ser um brinde. Era para ser um abraço. Era para ser um reencontro de jovens que, embora o tempo os tenha desgastados, mantinham a mesma luz que os iluminara outrora. Era para ser uma gargalhada, mas a surpresa fez, do riso, após o espanto, a lágrima imprevista. Era para ser recepção, mas é despedida. Era para ser uma ode mas será um réquiem. Era para ser uma explosão de afeto ...e continua sendo. Quando da tua posse na Academia, eu seria teu receptor. O discurso, cujo início já alinhavara, fugia da praxe, esquivava-se das regras e se atirava, inconsequentemente, nos braços de uma amizade antiga e de um carinho fraternal. Descia da poltrona e ia sentar-se novamente na beira de uma das calçadas da Rua do Trapiche. O discurso começava assim:
Senhoras, senhores
Era madrugada. E eu era jovem. Começava o dia e eu começava. São Luís, embora, à época, seus quase quatrocentos anos, não conseguira ainda envelhecer. São Luís era jovem. E eu, madrugada. Época em que se sabia fazer amigos. Sem conveniências, sem interesses, sem outras intenções além a de ser amigo. São Luís era madrugada. E eu, amanhecer.
Esta Academia era, então, um desconhecido e não ambicionado porto. Vagávamos os dois, Fernando Braga e eu, ao sabor de ondas que sabíamos amigas. Perdidos entre poesias e putas, perambulávamos, despreocupadamente, entre os muitos versos e os poucos anos.
São Luís nos abraçava em grades e nos acalantava em pedras. São Luís sussurrava tranquilidades e as angústias que hoje proliferam, espalhando e entulhando tempo, cidade e gente, eram vagas narrativas de lugares distantes.
Aqui, na provinciana aldeia de então, pacata cidade só de calma feita, conversava-se nas madrugadas que pareciam proteger aqueles que as buscavam. Sorvia-se a noite. E nos embriagávamos de alvoradas.
Éramos amigos. E sabíamos. Éramos poetas. E reconhecíamos.
Aquela juventude não desperta saudades. Descobri agora, Fernando, a jovem maldade que transforma os anos a serem vividos numa ameaça trágica e dolorosa. Ah que a velhice é uma mentira que a juventude nos conta apenas para engrandecer-se. Juventude é a idade em que se escreve, se inventa, se cria. Isto acontece
nesta casa. Aqui há o escrever, o inventar, o criar. Portanto, a juventude mora aqui. E eu saúdo a centenária juventude desta academia. Esta cadeira em que agora tomas posse, será como foram as anteriores mesas de bar onde, Waldemiro, tu e eu atravessávamos a madrugada a conversar cervejas e beber poesia. Ah infeliz daquele que nunca se embebedou de versos, que nunca sentiu a madrugada morrer num copo e nunca reverenciou a aurora com olhos ensopados de sono e a alma lavada de estrofes. Ah que, se viver não é sonhar, sonhar é, com certeza, exercitar a vida. Sonhei e sonho. Vivi e vivo. Misturei ambos – vida e sonho – com tamanha eficiência que nunca percebi quando se distanciavam um do outro e, principalmente, se isso era possível. Poeta, meu poeta, quem te saúda é o sonho. É ele quem te abre a porta desta casa e te indica a cadeira onde sentarás. Eu sou, apenas, o arauto desse sonho. Sinto-me como o inverso de Caronte pois arrepio a travessia fatídica e te devolvo para a vida e te reponho no planejado.
Quantas vezes tentaste? O que sofreste? Que de indecisões te atormentaram nesta última tentativa? Quanto de hesitações sofreste? Faltava oportunidade? Faltava cadeira? Waldemiro, irmão nosso, na sua imensa generosidade, tomou a iniciativa, te deu a cadeira que faltava e realizou a sonho em que te embalaste. O mérito de tua candidatura é dele. Foste o candidato de Waldemiro. E se teus méritos legitimaram tua vitória, a saudade dele legitimou tua candidatura.
Ah Fernando, meu irmão Fernando, o quanto me grada te chamar irmão. O quanto me engrandeço quando intitulo de irmão o que deveria ser apenas confrade.
Ah senhores, que uma academia de letras, às vezes perdida entre densas nuvens de vaidade e arrogância, perde a doçura da convivência fraternal e tolhe o elogio que nasceu sincero mas é assassinado por uma inveja sem nome e sem origem. E o pronome nosso, intimidado, desaparece.
Fernando, esse era o início do discurso, do discurso que nunca será dito, que permanecerá inédito. Mas se o discurso não será oficializado, se tua posse, fisicamente, não acontecerá, isso não significa silêncio, até porque, o silêncio em que agora te tornaste, não será mais, como confessaste, um Silêncio Branco. Agora, Fernando, esse silêncio deixou de ser branco e se tornou, definitivamente, luminoso. Um grande abraço.