![](https://static.isu.pub/fe/default-story-images/news.jpg?width=720&quality=85%2C50)
23 minute read
ENTREVISTA COM ANTONIO NOBERTO
*por Osmar Gomes dos Santos
Nas últimas semanas assistimos atônitos casos de ofensas racistas que a nós chegaram por meio de noticiários e redes sociais. Situações vistas em jogos do Campeonato Brasileiro e das copas Sulamericana e Libertadores são estarrecedoras.
Advertisement
Comportamentos que colocam o ser humano na posição mais baixa na escala evolutiva. Não aquele contra quem a ofensa é cometida, mas aquele qualificado como autor da afronta. Racismo não pode ser tomado como uma brincadeira, sequer de mal gosto. Tirar sarro de outro em razão de sua cor não está nas regras do desporto, seja ele encarado profissionalmente ou como mero lazer. Xingamentos tomaram conta das redes sociais e das arquibancadas. O espaço que deveria servir para o bom embate de posições, de uso para incentivar o seu time na busca da vitória, serviu como palco para cenas deploráveis. Arremessos de bananas, imitação de gestos comuns aos macacos, xingamentos racistas. Tudo dentro de uma arena esportiva que deveria servir a um único objetivo, tendo o futebol como eixo central. Os casos que trago aqui aconteceram na Argentina, em jogos de times brasileiros contra o River Plate e o Boca Juniors. Lá, apenas 0,4% da população se declara afrodescendente, o que enfraquece as políticas públicas de combate ao racismo. A própria Constituição “Hermana” estabelece que o governo federal deve priorizar a imigração europeia, como uma espécie de política de priorização da pele clara. Assim, o debate do racismo corre à margem da sociedade.
Apesar de toda repercussão, fatos se sucederam dia após dia durante algumas semanas. Torcedores identificados, chamados à delegacia, pagaram o equivalente a alguns reais e já estavam nas ruas a rir da situação que provocara. Inaceitável. Por outro lado, os casos agitaram os bastidores das entidades que representam o futebol sulamericano. Várias confederações, dentre elas a Conmebol e CBF anunciaram medidas mais duras e imediatas para reprimir atos racistas. Além do clube, penas mais duras contra a prática, que, infelizmente, não chega a ser crime em todos os países. A Conmebol já anunciou o aumento de valores das multas para 100 mil dólares, cerca de meio milhão de reais. A CBF prometeu punições mais severas para a temporada 2023, o que pode incluir com perda de pontos aplicada ao time cujo torcedor ou jogador venha a cometer ato racista. Embora manifestado nas arenas esportivas, o racismo é, na verdade, um comportamento social. No estádio, ele apenas manifesta aquilo que parte da sociedade ainda guarda consigo como uma herança cultural. Na mesma semana em que o fato ocorreu em estádio argentino, tivemos um caso de grande repercussão no Brasil, em que uma defensora pública aposentada xingou um motorista de entregas, de macaco. Basta! Chamar alguém de macaco não é um mero xingamento. É crime de racismo. Ofende o moral de quem é vítima. Mas ao mesmo tempo coloca o agressor como um ser humano ultrapassado em sua pequenez. O pensamento retrógrado, que remete a reprodução de um comportamento do século XIX, em que pessoas de cor eram vistas como inferiores. Onde essas pessoas que continuam a agredir ficaram na escala de evolução? Em que época elas ficaram estacionadas? São em manifestação como essas – do estádio de futebol, que constitui uma arena pública – que boa parte dos cidadãos mostram sua identidade e reproduzem ao mundo a imagem de um país atrasado.
Vale destacar que os crimes cometidos na Argentina não podem ser classificados como de xenofobia, mas de racismo. Foram propositada e intencionalmente direcionadas a pessoas de cor, de pele parda ou preta e não porque eram brasileiros. Não apenas o Brasil, mas a América do Sul também é negra, construída com a força de trabalho de africanos que para cá vieram realizar trabalhos forçados. Muitas das angústias e problemas sociais vividos lá são também os de cá.
Mesmo que em nações distintas, somos, ou deveríamos ser, um só povo. Unidos sob a bandeira da esperança, do respeito e da fraternidade. Retardamos, mas ainda é tempo de rompermos com as amarras que nos prendem a uma formação de base colonialista, sob a lógica da exploração e da segregação entre comuns.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.
Entrevista com Antônio Noberto para RNN NEWS
Noberto é um avatar de Daniel de La Touche?
Publicado em: 18/05/2022 Compartilhe:
RNN News entrevistou o pesquisador, escritor e inspetor da PRF Antonio Noberto, um dos nomes cotados para compor como vice-governador na chapa do Dr. Lahésio Bonfim nas eleições deste ano.
_a curiosa pergunta presente no título desta entrevista faz parte da obra internacional "Pepitas brasileiras: do Rio de Janeiro ao Maranhão, uma viagem de 5.000 quilômetros em busca dos heróis negros do país" (Autêntica), livro do consagrado etnólogo e escritor francês Jean-Yves Loude_
RNN News entrevistou o pesquisador, escritor e acadêmico Antonio Noberto, sendo abordados diversos assuntos, desde economia, política, história do Maranhão e até religião, e as respostas foram surpreendentes. Noberto é considerado atualmente o principal maranhense que preserva o link ou o fio do que restou do elo de sucesso Maranhão & Europa dos séculos anteriores. Suas viagens de pesquisa, especialmente à França, Portugal e Espanha, são uma espécie de hiato dos áureos tempos, quando o Maranhão estava no _top five_ das províncias mais prósperas dos séculos dezoito e dezenove.
Antonio Noberto é um dos chefes da comunicação da PRF mais bem avaliados do Brasil, é membro-fundador e ex-presidente da Academia de Letras de São Luís (2018 e 2019), vice-presidente da Cruz Vermelha no Maranhão, membro-fundador do Conselho Comunitário de Defesa Social da zona rural de São Luís - CCDS, idealizador e curador da exposição França Equinocial para sempre, vencedora do Prêmio Cazumbá de turismo 2012, na categoria Melhor evento cultural voltado para os 400 anos de São Luís. É o atual presidente do Sindicato dos policiais rodoviários federais no Maranhão - SINPRF/MA e está cotado para a vaga de vicegovernador na chapa do médico e ex-prefeito de São Pedro dos Crentes, Lahésio Bonfim.
O nosso ilustre entrevistado, além de culto é pessoa simples apresentando um lado místico que chama a atenção. Algumas coincidências chegam a arrepiar ou causar espanto. As ações dele, as coincidências de algumas datas e o fato dele ter sido o único maranhense a fazer uma visita oficial à cidade natal de Daniel de la Touche (2019) colocam-no como um ludovicense diferenciado. Ele é também o homem dos 400 anos, vez que participou das comemorações dos 400 anos de São Luís, da Câmara Municipal da capital maranhense, ministrou a palestra de abertura da primeira cidade do Pará, Bragança, a convite do IFMA e da Prefeitura Municipal bragantina; ministrou a palestra magna das comemorações dos 400 anos de Rosário/MA; participou em Cancale, na França, dos preparativos dos 400 anos da partida da esquadra francesa para o Maranhão. Noberto esteve lá em maio de 2012 poucos meses antes da data das comemorações da partida.
RNN News - "eu o chamo de professor, escritor, historiador ou inspetor Antonio Noberto?"
Noberto - fique à vontade, meu amigo. Quaisquer das designações eu as receberei com alegria, pois fazem parte da minha trajetória.
Aproveito para publicizar que você é irmão de uma das personalidades mais distintas das letras da região tocantina e de todo o Maranhão, o meu amigo e companheiro de pesquisa, o escritor Adalberto Franklin. Isto torna esta entrevista muito mais especial para mim.
RNN News - Muito obrigado, inspetor. Muito grato pela sua manifestação em favor de Adalberto
E qual das suas múltiplas vertentes você mais gosta e se dedica?
Noberto - O grande general Leclerc, genro do ex-presidente Charles de Gaulle, dizia: "Um soldado que só sabe ser soldado é um péssimo soldado". Amo tudo que faço. O meu espírito de aventura, de quem cruzou muitos mares calmos e bravios não me permite gostar só disso ou daquilo. Por isso, gosto da não rotina das estradas, de atender os acidentes e socorrer as pessoas nas rodovias, de atender a imprensa e informar os últimos acontecimentos... e gosto também da vida acadêmica, das letras, da intelectualidade que transforma e nos faz melhores seres humanos, gosto de ministrar palestras, de participar da Cruz Vermelha porque lá me aproximo da essência humana, daquilo que existe de mais bonito nas pessoas, que é estender a mão e ajudar. E também gosto de política, porque é uma boa oportunidade para ajudarmos no atacado, através de discursos que abrem as mentes para as práticas que ajudam efetivamente a melhorar a vida das pessoas.
RNN News - Como você consegue lidar com tantos trabalhos e coisas diferentes, existe um segredo para isto?
Noberto - O segredo é a vocação em servir. Quem gosta de servir sabe dosar o tempo e atender todas as demandas. É mais fácil uma pessoa ocupada ajudar alguém, que um desocupado, pois este não tem o hábito de ajudar e servir e sempre vai arranjar uma desculpa para não se envolver. O ocupado é diferente. Ele sempre encontra um tempinho para estender a mão, pois Têm o hábito de ajudar e servir.
RNN News - algumas pessoas comentam que você é um historiador diferenciado, por ter a capacidade de transportar os ouvintes para dentro da história abordada. Como isto é possível?
Noberto- realmente é um dom. É algo curioso e mágico fazer a pessoa viver a história, seja ela acontecida há um século ou há um milênio.
Certa vez, ministrei uma palestra intitulada "A morte e os mortos na pauta da sociedade mundial: falando de salubridade", proferida em um Congresso da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES. A abordagem começou trazendo à tona o nascimento da humanidade, há cem mil anos, quando o culto aos mortos e os rituais nos fizeram gente, humanos, quando iniciamos os rituais fúnebres no período das graduações. Após a exposição, vários médicos, todos de cabeça branca, que escutaram atentos à explanação, me parabenizaram pela "melhor palestra do evento". Entre eles haviam três psicanalistas, que me encheram de perguntas sobre o meu interesse pelo passado e pelo tema abordado. Um deles disse que tinham interesse em fazer uma regressão em minha vida. Um outro, que tinha clínica no interior de São Paulo, me falou que queria fazer comigo uma regressão de vidas, pois estava certo que era possível descobrir coisas fantásticas das minhas vidas pregressas. Confesso que fiquei curioso, mas preferi não levar a história adiante.
RNN News - mas você se acha uma reencarnação?
Noberto - Não sei te dizer. Mas não sou espírita (risos). Na minha primeira adolescência fiz Primeira Comunhão e iniciei Crisma na igreja Católica. Aos 16 anos, com a conversão da minha mãe na Igreja Evangélica Congregacional, no bairro Angelim, em São Luís, passei a frequentar a igreja com ela e abracei a causa. Quando adulto me tornei professor de História das religiões. Confesso que gosto dos ensinamentos de grandes almas, como Sidarta Gautama (o Buda), Confúcio, Maomé, Alan Kardec, Chico Xavier e tantos
outros. E sempre que vou a Paris visito o túmulo de Alan Kardec, no cemitério do Père-la-Chaise, principal necrópole francesa. Já visitei mais de duzentos cemitérios no Brasil e no exterior (risos). E escrevi um livro com o título: "Turismo nos cemitérios do Brasil", ainda não publicado.
Acho que são estas coisas que fazem com que as pessoas que tem carinho por mim e que acompanham minha obra acreditem que sou uma entidade ou algo nesse sentido. Quando lancei meu primeiro livro, "A influência francesa em São Luís" (EDICEUMA: 2004), quem fez o prefácio foi uma grande amiga minha, a professora Eva Maria Nunes Chatel, casada com o francês Michel Chatel. Ela é espírita e colocou assim na parte inicial do prefácio: "o que faz alguém conhecer tanto a história como se a tivesse vivido?". Ela já conduz o texto para algo transcendental. Em 2012, o escritor francês Jean-Yves Loude publica o livro "Pepitas brasileiras: do Rio de Janeiro ao Maranhão, uma viagem de 5.000 quilômetros em busca dos heróis negros do país" (AUTÊNTICA: 2012). A obra mostra um pouco da luta do negro no Brasil mostrando que nosso país vai muito além dos estereótipos conhecidos: mulher pelada e carnaval. Eu o levei a vários quilombos e mostrei o valor de muitos maranhenses, a exemplo de Negro Cosme e Maria Firmina dos Reis. Em determinado momento ele dedica um subcapítulo a falar da minha contribuição coletiva quando escreveu sobre "O turismólogo da França Equinocial". Nesta parte ele faz a seguinte pergunta: "Seria Noberto um avatar de Daniel de la Touche, o fundador de São Luís?".
RNN News - o que você acha que teria motivado o etnólogo a fazer esta pergunta?*
Noberto - Talvez o fato da minha desenvoltura e apego a esta bela história colonial brasileira dos gauleses dando o pontapé inicial do Maranhão, quando implantaram a França Equinocial, com a capital batizada de São Luís, em homenagem ao rei menino Luís XIII e em honra ao rei santo Luís IX, somado a algumas coincidências, as quais menciono agora (pausa): nasci 400 anos depois de Daniel de La Touche de la Ravardière. Ele em 1570 e eu em 1970. Ele fez a primeira incursão na América e no Maranhão em 1604, e eu lancei meu primeiro livro sobre o tema em 2004, portanto, quatrocentos anos depois. Ele fundou São Luís e a França Equinocial em 1612, eu lancei a exposição França Equinocial para sempre e o livro com este tema em 2012, quatrocentos anos depois. Em março de 2021, por sugestão de Adalberto Franklin, refiz a viagem de Daniel de la Touche de 1613, quando ele visitou os caetés (Bragança/PA), Cametá e Pacajá, ou seja, tem um monte de coincidências. Acho que isto motivou o etnólogo a levantar a questão.
RNN News - olha, é impressionante mesmo...
Noberto - tem gente que pensa que eu falo com os mortos (risos). Já botei medo em gente (mais risos). Quando eu realizava passeios turísticos no cemitério do Gavião, sempre advertia que ninguém podia jogar lixo ali dentro e nem deixar de pagar a contribuição do passeio, que custava dez reais, valor rateado entre os músicos... e finalizava: quem não pagar ou jogar copo descartável no cemitério vai receber a cobrança ou um puxão de orelha durante a madrugada. A inadimplência era zero (muitos risos).
RNN News - Você é o organizador do passeio? Ele continua sendo realizado?*
Noberto - sim. Comecei a pesquisa em 2002 e dei início ao cemitour musicado em 2004. Mostramos a história dos grandes maranhenses que insistiram ser protagonistas e deram importante contribuição coletiva, a exemplo de Aluísio Azevedo, Sousândrade, Joãozinho Trinta, Coxinho, Maria Aragão, dentre vários outros.
RNN News- Você sente alguma energia diferente, extra terrena?
Noberto - o meu grande motor é a fé e a esperança. Certeza que eu não teria conseguido chegar tão longe sem uma força do alto, que me conduz para galgar os degraus de cima. Sou Embaixador da paz pela Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos - OMDDH, Doutor Honoris Causa em História pela Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes - FEBACLA, vice-presidente da Cruz Vermelha no Maranhão, presidente do Sindicato dos policiais rodoviários federais no Maranhão SINPRF/MA, ex-presidente da Academia de Letras de São Luís - ALL, assessor de comunicação da PRF mais bem avaliado do Brasil, assessor parlamentar, ajudei a pacificar as rodovias do estado junto com o Conselho Comunitário, ajudo a quem precisa... enfim, sou um cara feliz, realizado e ciente que existe um mundo paralelo que nos ajuda e protege nas 24h do dia.
RNN News - Você acha que os que já partiram conseguem nos influenciar para estabelecermos um mundo melhor?
RNN News - acredito piamente que sim. Muitos povos do Oriente e do Velho Mundo pedem a orientações aos mortos quando estão diante de um grande desafio. Acredito que a energia dos nossos antepassados sempre nos dá uma forcinha.
RNN News - Seu apego à história tem alguma influência dos antepassados?*
Noberto - não tenho dúvida disto. Imagino que o compromisso e a responsabilidade com os nossos antepassados vem dos tempos pretéritos. É a explicação que enxergo. Tenho a determinação e a motivação deles, a vontade de criar, expandir, colonizar... São as heranças deles, o pragmatismo, a busca pelo conhecimento, a Atenas brasileira, a negação ás ideologias e às narrativas que nos empobrecem materialmente e nos tornam seres menores e marionetes da ganância.
RNN News - Você acha que se tivéssemos muitas das características dos nossos antepassados seríamos uma sociedade melhor?
Noberto - algumas destas características nos trariam mais Barra, força e sucesso. A nossa sociedade foi tornada frágil e, consequentemente, suscetível e receptiva aos interesses da ganância nacional e mundial. Um dia fomos pioneiros e protagonistas deste pedaço de Brasil. A alienação, no entanto, nos tornou meros consumidores de uma cultura que nos aliena e nos escraviza de uma forma imperceptível, sorrateira... mas este é um outro assunto...
RNN News - Inspetor Noberto, você tem acompanhado o pré-candidato a governador, Lahésio Bonfim, há algum tempo. Como está a cotação do seu nome na "bolsa de apostas" para a vaga de vice?
Noberto - sim. Estou andando com o amigo Dr Lahésio Bonfim desde meados do ano passado. E até o último mês, mesmo com gente de peso querendo a vaga, eu estava absoluto, a ponto de Lahésio me dizer que "não tenho plano B". Mas sei que a concorrência está ficando bruta... está nas mãos de Deus.
Estou deixando a presidência do Sindicato para cumprir a legislação eleitoral, que me manda me afastar quatro meses antes do pleito ... se não der certo seguirei a minha vida como PRF, escritor e fazendo o que sempre fiz.
Antonio Noberto foi entrevistado pelo Wallace Castro apresentador do programa STANDBY, e está programado a participação do entrevistado no dia 21 de Maio na 4a. Temporada ao vivo pelo YouTube e editado nas demais plataformas digital da www.rnnn.com.br.
OSMAR GOMES DOS SANTOS
A vida simples num barraco, bem pregado com madeira, ou mesmo numa casa de taipa, coberta de folhas de coqueiro. Um telhado nada seguro, já denunciado pela goteira. Na janela um pano barato, muitas vezes um plástico, quebrava a brisa fria da noite e a chuva de vento que teimava querer entrar. O colchão era a esteira, por onde deitavam três, quatro ou cinco, praticamente no mesmo lugar. Sem tramela era o portão, quando havia para ser trancado. Da vida na roça difícil na Enseada Grande ou sob a palafita na cidade, em meio à escuridão. Nem lá, nem cá, havia vermelhão no cimentado, pois de barro ou madeira era o chão, mas estavam lá a luz de vela e o lampião. Uma andorinha de louça dava enfeite à parede, de barro ou de restos de madeira. No filtro de barro água salobra, a única que tinha para matar a sede. Pesada realidade, aliviada com boas doses de animação que a rua trazia. Soltar pipa nos barrancos ou descer desatinado, brincando de bola ou pique-esconde. Em qualquer pirambeira, era a rotina alegre, não faltava brincadeira. Pegar jaca, colher jambo e atirar pau na manga madura, uma atitude disfarçada de alegria para acabar com a fome dura. Mesmo sendo tão carente, simplesmente eu fui feliz. Por entre caminhos da mata, por becos e vielas de palafitas, que formaram uma das mais antigas favelas de São Luís. E existe este lugar, que é bom de morar. Apesar de não ter morro, fica ao lado do mar. Como é bom te exaltar, sou tua raiz, seu nome é favela, cresci dentro dela e sou muito feliz. Lembro do nosso velho barraco, vida social em descompasso cujos passos caminhava até a pingueira. Lá voltava o menino, pés no chão, corpo franzino e lata d’água na cabeça. Nas ribanceiras da vida, o carrinho de rolimã carregava os sorrisos daqueles que ousavam romper com a dificuldade para se permitirem ser felizes. Ainda que por um instante. Bola de gude, pião e atiradeira, eram outras atividades, depois de uma manhã de domingo a vigiar carros na feira. Gorjeta suada, pouca, mas bem-vinda sempre. Os poucos centavos juntados para poder comprar um pão, noutras oportunidades, inteirava o feijão. Entre um carro e outro, lá estava eu em disparada atrás de um doce de São Cosme e São Damião, como toda criança peralta. Este artigo é inspirado na canção “Meandros da ladeira”, do cantor e compositor carioca Renato da Rocinha. A letra parafraseada é profunda e se aplica à dura realidade de tanta gente aos quatro cantos deste Brasil.
Com todo respeito à maior favela do país, não podia deixar de exaltar aquele canto da minha Ilha onde tantos anos fui feliz. Salve a Ilhinha e as suas lindas cores, pincelando mil amores, frutos da recordação. Viver com intensidade deve ser um propósito de vida, em qualquer circunstância. Do alto do morro, em palafitas, nas casas de taipa. A realidade pode ser dura, mas por ela só passa quem vive e viver é dádiva maior que temos. Mudar essa realidade cabe a cada um, mas sem nunca perder a essência da simplicidade. Esta semana dedico a leitura para aqueles que apreciam uma vida simples, aos que passaram por muitas
dificuldades, mas sagraram-se vencedores. Aos que souberam tirar do lado difícil da vida a inspiração para seguir. Das brincadeiras de moleque ao trabalho duro para ajudar no sustento do lar, o balde carregado com pão cheio, que vazio voltava da movimentada Magalhães de Almeida. Fases da vida que trazem memórias marcantes de uma infância ao mesmo tempo ingênua e cheia de responsabilidades domésticas. Como passar por tudo isso? Bom, hoje posso responder apenas uma coisa: vivendo. O resultado da caminhada dependerá de cada passo a ser dado em um caminho cheio de armadilhas, dissabores, mas também de alegrias, esperança, fé, conquistas.
OSMAR GOMES DOS SANTOS
Venho me dedicando ao tema pobreza há algum tempo, pois o considero um dos principais a serem exaustivamentedebatidosemnossasociedade.Muitosefaladeumpaísdofuturo,doprogresso,mas que,paraalémdaretórica,aconjunturaapontacaminhoscadavezmaisobscuros. Aoafirmarquea pobreza torna ohomemescravo, vouparaalémda servidão constatada noperíodo colonial,naqualtentou-seprimeiramentesubmeterosnativos,mas aalternativafoitrazerosescravos africanos.Estaescravidãosedavacombasenaforçafísica,sobpenadoaçoite. Aescravidãodequetratoaquiéaquelamoral,queseprocessanoplanopsicológicodoindivíduo.Uma servidão a qual o próprio sujeito se submete para ter que colocar minimamente um pão na mesa da família,desafiocadadiamaior,diga-se. Essetipodeexpropriaçãodamão-de-obra,dosuor,sedáemcontrastecomosaltoslucrosdepatrõese empresários. Sob o pano de fundo de um salário mínimo constitucional, paga-se o soldo “rasteiro”. Diante de mais de doze milhões de desempregados, impera a lógica do “se tu não quer, tem quem queira”. Eisqueocidadão,paidefamília,especialmentenasgrandescidades,submete-seaacordaràs03h,sair de casaàs 04h, pegar três conduções para atravessar a cidade e chegar no horário no serviço. Bater ponto,abrirloja,organizararotinadodia. Diaqueparaelenãoexiste,postoqueregressaparacasaporvoltadas20h,21h.Come,dormeeamesma rotinanodiaseguinte.Quandosai,osfilhosdormem;quandoretorna,jáestãonacama.Maltemtempo paraassistiraumprogramadeTVcomafamília,quiçáverosfilhoscrescerem. Nofimdomês, pouco mais de milreais, quemalcobre despesas diárias, masé oquetem. Agradece, portanto,poraindaterumaoportunidadede“defender”suadignidadenaduraepesadavidadeuma típicacidadebrasileira. Cidadedecontrastes,quemuitasvezesimplicaaessestrabalhadoresetrabalhadorasmentirsobreo bairro onde moram para conseguir a vaga de emprego. Se mora em favela, é discriminado e não qualificadoparaoportunidade;semoralonge,necessitapegarmaisconduções,gerandomaisdespesas paraaempresa. Endereçoatualizado,empregogarantido,vidaquesegue.Muitasvezesamoradiaficaembairropobre, porentrebecosevielas,seminfraestrutura,semsaneamento,semcondiçõesparaumavidadecente. Ocenáriodavidaquesepassaépraticamenteamesmodocortiço,tristerealidadeconstatadahámais decemanosporAluísioAzevedo,masqueaindaéademilhõesdebrasileiros. Assim comooretratodocortiço, permanecevivaa frase “Brasil,PaísdoFuturo”,doaustríacoStefan Zweig,radicadonoRiodeJaneiroemmeadosdoséculopassadoparafugirdonazismo.Tãoatualque aindapodemoslê-lanaíntegra,sempôrenemtirarumavírgula,dadofuturoquenuncachega. Éaliteraturaganhandocontornosderealidadeexponencialmente,comaprópriavidaquepassadiante dosolhos.Meus,seus,dopobretrabalhador,dosgrandesempresários,dosnossosgovernantes. Trabalhador este que se permite à condição degradante para garantir alguns poucos reais ao fim do mês. Que, contextualizando, pouco poderá fazer diante de uma inflação galopante. Cada vez mais dá parapôrmenosnamesa. É ohomemrealmente livre? Donode si e seudestino?Ouseria ele,dentrode uma nova ótica de um capitalismo predatório apenas um escravo de si próprio, de uma vontade forjada sobre uma falsa sensaçãodeliberdadequesempreolevaàmesmadeplorávelcondiçãohumana?
Aconstataçãodequeapobrezaforçaohomemlivreaagircomoescravonãoéminha,masdeHannah Arendt,aindanoséculoXX.Elaseinteressouesedebruçousobreosestudosdapolíticaporentender queseriaumaviapossívelparaopluralismo,ainclusãodooutro. Aconstataçãoquefaçohoje,nãoéadequeelaestavaerrada,absolutamente.Masadeconfirmarsua certeza e, ainda assim, ver que pouca coisa mudou desde os tempos do cortiço. Bom fosse que os teóricosquesãoreferênciasnasacademiaspudessemser“praticados”nodiaadia. Talcomohápoucomaisdeumséculo,essecidadãoquesepermiteescravizaremtrocadeumpunhado dereaisquemalacalentasuasnecessidadesbásicas,tem,predominantemente,acorpretaoupardae ocupaosespaçosurbanosemcondiçõesmaisinóspitaspossíveis. É o mesmo cidadão que se viu no fogo cruzado nesta semana, em uma operação policial no Rio de Janeiro,naVilaCruzeiro,equevitimoumaisdevintepessoas.Eraparasermaisumamanhãcomotantas outras na vida de centenas de “escravos”, acordar, passar um café, comer um biscoito ou um pão dormidoetocarrumoaotrampo. Noentanto,osestampidosdefuzisdegrossocalibreinterromperammuitosplanosnaquelamadrugada. Não estou a fazer juízo de valor sobre a operação, mas apenas ressaltando que ali está, também, o cidadãodequefalonestecurtorascunho. OBrasilsegue.DeumladoumBrasilrico,pujante,quecomecaviar,passeiadelancha,viajaaoexterior eandadehelicópterooudejatinho.Dooutro,umpaísquenãodignificaseucidadão,ondecadadiase mataumleão,noqualcadaqualseviracomopodeparasobreviver. Quepaíséeste?JáperguntavaocantorecompositorRenatoRussonofimdoséculopassado.Dianteda realidade,emborasendootimista,ficadifícilacreditarnofuturodeumanaçãonaqualgrandepartede suagente,pornecessidade,aindaprecisaanestesiarsuamenteparaescravizarsuamão-de-obra.
Osmar Gomes dos Santos
Horasafiodeumachuvaquenãopassa.Umcontínuoperíododeprecipitaçãoeumaquantidade de água que há muito não se via. Apenas chove. Um, dois, três dias seguidos. Os alertas são emitidos.Apenaschove.CabeaobomnordestinoelevarseupensamentoaDeus,ouquemsabe ao“PadimCiço”. Semterparaondeir,oúnicoabrigodemilhareséjustamenteolugarqueagoratrazmaisperigo: seuprópriolar.Umaarmadilhaedificadasobreencostas,nabeirademorrosourios.Láfora,a chuvatorrencialsegue,intensa.Defesacivilemitealertas,masnenhumaprovidênciaéadotada. Asaturaçãodaencostachegaaopontomáximo,jánãotemmaiscomosegurar.Pedras,árvores, água,lama,casas.Tudovemabaixoemmaisumdeslizamento,destavezsomadoaoalagamento debairrosinteiros.PartedaregiãometropolitanadoRecifeagoniza. Umdosgrandesdesafiosdenós,escritores,éfalarmossobreastragédiashumanas.Eescrever crônicas fatalmente nos leva a contar situações cotidianas das quais não gostaríamos de abordar,masqueéprecisosimfalardoproblema. Minhamãesemprediziaquenãoadiantavachorarpeloleitederramado.Nestecaso,ochoroé porvidasperdidas,pelomenos128histórias,comidadesdiversas,queseperdememmeioao mardelama.Alamúriaéoúnicoalentoparadezenasdefamílias. Sobre o leite derramado, infelizmente estamos nos acostumando a uma cultura reativa, deixando para agir sempre após os acontecimentos. Cristalizamos uma cultura reação em detrimentodaprevençãoeestamospagandoumpreçoaltoporessaescolha. Adesatençãoeodescasocontinuamafazervítimasfataise,aoqueparece,comumafrequência cadavezmaior.Vítimasquesevão,enlutamfamiliareseamigoedeixamumvazioeterno,que nadapoderápreencher. Háperguntasquenãocalamemtodasessastragédiasurbanas.Porqueessaspessoasestãoa ocupar áreas de risco, muitas delas há décadas? Por que nada foi feito para evitar que ocupações, muitas delas irregulares, se consolidassem? Cadê os programas habitacionais há muitoprometidosdenorteasulemumpaís? Face à ausência de políticas públicas eficientes, que contemple toda a dimensão da moradia, direitoconstitucional assegurado,essas tragédias vão serepetindodentrodeum enredoque nãocombinacomnossopaísrico,mudandoapenasdecenário. Convémlembrarestamosdiantedeumaaceleradaalteraçãonosfatoresambientaisdoplaneta. Associadoaisso,umaprecáriainfraestruturademoradiaeaescassezdepolíticasquegarantam soluçõesparaasáreasurbanas. Édentrodessecontextoqueasliderançasdenossopaísprecisamfocarsuasenergias.Asolução paraessasáreasnãopodeserapenasadabala,fundadaemumapolíticadesegurançaquenão respondeaosanseiossociais. Comoescritor,vezporoutra,gostodeescreversobreliteratura,amor,paixão.Transcendero plano concreto rumo a um imaginário que toca a alma e transborda de sentimentos. Mas acredito que, por outro lado, temos, também, um importante papel de provocar debates públicos.
Hámomentosemquearealidadeprecisasertrazidaàtona,exposta,aindaquesejaaquelaface maiscruelequenostocaatodos.Penseiemváriostemasparatrazerestasemana,masdiante dador,dochoro,dodesespero,nãotinhaambienteparatrataroutroassunto. Assim como os avisos de perigo que enunciaram a iminente tragédia, esta crônica sepropõe, também,comoumchamadodeatençãoparatodasociedade.Nãoignoremososalertas
Osmar Gomes dos Santos
Ao longo de décadas a nossa querida Lagoa da Jansen, ou Laguna, como alguns preferem, adotando o termo técnico, foi centro de calorosos debates. Extensão do mar na década de 1970, onde atravessávamos a nado para jogar bola na deserta Ponta D'Areia, sua ligação com a maré foi reduzida a um canal, regulado por uma comporta. Justamente neste acesso, que nesta semana apresentou problema no funcionamento, que se faz a troca hídrica com o mar e o controle de vazão da quantidade de água represada na Lagoa. Com o mau funcionamento, o que era inimaginável aconteceu: a Lagoa da Jansen secou. Em verdade, há muito tempo a Lagoa agoniza. A grande quantidade de esgoto, lançado nela ainda in natura, mesmo após tantas intervenções, serve de substrato para algumas algas, que se proliferam em excesso, morrem e exalam um mau cheiro que atinge toda a região. Um lugar que foi palco de muitas atrações, espaço de empreendimentos em segmentos diversos, agora luta para se manter economicamente viável. Competição esta com a região vizinha da península, que recebe cada vez mais o aporte de novos negócios de lazer e gastronomia. Na área da Lagoa, muitos bares, restaurantes, quiosques e outros pequenos negócios de seu entorno não resistiram. Outros, no entanto, ainda seguem na esperança de que uma intervenção séria devolva a vida para a Lagoa e todo o seu redor. Ao que parece, aos olhos de alguns é muito mais conveniente seguir a cultura do deixar destruir para reconstruir. Como gestor público, que também sou, no humilde “quadrado” que me cabe no Judiciário, entendo que promover a manutenção é melhor e mais econômico que a recuperação. Para muito além da perda financeira, uma vez que deixa de ser uma referência turística, um cartão postal, também há uma perda social e moral. A deterioração do espaço público contribui diretamente para a baixa autoestima da sociedade vinculada a ele diretamente.
A seca da Lagoa da Jansen parece sinalizar o ponto alto com o descaso e os cuidados com aquele espaço público, além de parecer um mau presságio para o que ainda poderá ocorrer se nenhuma ação substancial for feita.
Desde que revitalizada, no início da década de 2010, a Lagoa da Jansen passou a ser uma referência de lazer, prática esportiva, reunião de amigos, eventos culturais e artísticos. Um espaço que guarda túneis de construções antigas e que pode esconder mistérios seculares. O magnetismo do Mirante, palco de um inigualável pôr-do-sol. Ciclovias e calçadões que eram convite para quem queria deixar em dia a saúde, nas caminhadas, corridas e pedaladas, diárias ou noturnas. Embora seu projeto arquitetônico e paisagístico seja contemporâneo, em contraste com a secular história da “cidade velha” que fica acolá, a Lagoa se consolidou como um cartão postal da nossa Ilha Magnética. Não é justo que na Semana do Meio Ambiente ela seja tomada como símbolo do abandono, fruto de descaso com a coisa pública. É necessário que nos indignemos enquanto cidadãos, para que não prevaleça a inércia e a demora na resposta definitiva. Não somente quanto à comporta, mas a retomada completa do projeto de reurbanização do espaço, o que inclui evitar que continuem direcionando esgoto para a Lagoa. Caso nada seja feito, em breve poderemos ter uma tragédia ambiental irreversível, que extinguirá o pouco que ainda resta de fauna e flora. Neste ponto, faço um apelo aos órgãos competentes como O Governo do Estado do Maranhão; o Ministério Público com atribuição ambiental; A defensoria Pública com atribuição ambiental; As Secretarias Estadual e Municipal do Meio Ambiente; As Universidades Federal, Estadual e
Particulares e os movimento ativistas ambientais para que assumam suas posições e responsabilidades, mas conclamo, também, à toda sociedade civil para que abracemos a Lagoa, afinal de contas, ela é de todos nós.