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Leros - Março 2020
from Leros - Março 2020
Mais de 500 brasileiros já foram deportados dos Estados Unidos em voos fretados. O Brasil não aceitava voos fretados com pessoas deportadas desde 2006, mas em outubro passado o governo Bolsonaro passou a autorizar que aviões fretados com imigrantes brasileiros aterrissassem em solo brasileiro.
O oitavo voo com brasileiros deportados dos Estados Unidos pousou no dia 9 de março no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, Minas Gerais, e 42 pessoas desembarcaram.
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Cerca de 550 brasileiros foram deportados desde outubro do ano passado, quando chegou a Belo Horizonte o primeiro voo, com cerca de 70 pessoas, e marcou o retorno de uma medida que não era aceita pelo Brasil desde 2006, ano em que governo Lula alterou a política de trato de brasileiros no exterior. A decisão de não aceitar mais o fretamento de aviões em 2006 impedia as deportações em massa e pressionava as autoridades americanas a analisarem caso a caso, o que dava aos brasileiros que vivem nos Estados Unidos, mesmo ilegalmente, a possibilidade de reverter a decisão de deportação, o que pode acontecer quando o cidadão tem filhos norteamericanos ou negócios. Como a maioria dos brasileiros que vive nos Estados Unidos e na Europa votou em Bolsonaro na eleição de 2018, a decisão de facilitar a deportação de trabalhadores brasileiros que vivem irregularmente nos Estados Unidos chocou muitos imigrantes e seus familiares.
Mas para quem acompanha a atitude do governo Bolsonaro em relação a imigrantes, a medida que facilita a deportação para atender aos pedidos do governo Trump não surpreende. Uma semana depois que Bolsonaro assumiu a Presidência da República, o governo anunciou que o Brasil abandonaria o Pacto Global para a Migração das Organizações das Nações Unidas (ONU).
Trata-se de um documento internacional que tem um efeito simbólico, porém importante: recomenda, por exemplo, que imigrantes ilegais obtenham documento de identificação e acesso a serviços de saúde e educação, além de reduzir a vulnerabilidade dos migrantes. Ao sair do Pacto, o Brasil tornou menos eficaz a intervenção de um representante de um de seus consulados caso algum brasileiro seja alvo de
discriminação em um aeroporto, por exemplo.
Como há mais de três milhões de brasileiros morando fora do país e cerca de 750 mil estrangeiros que vivem no Brasil, “Um brasileiro ilegalmente fora do país
é um problema do Brasil, isso é vergonha nossa, para a gente. Um brasileiro que vai para o exterior e comete qualquer tipo de delito, eu me sinto envergonhado”. EDUARDO BOLSONARO, deputado federal “Não acho ilegalidade tentar uma vida melhor para o meu filho” UELINGTON PINHEIRO, brasileiro deportado dos Estados Unidos
o governo deixou três milhões de brasileiros mais vulneráveis no exterior para negar direitos a 750 mil imigrantes no Brasil.
Na mesma época, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, visitou os Estados Unidos e declarou que brasileiro que vive ilegalmente fora do país é uma vergonha: “Um brasileiro ilegalmente fora do país é um problema do Brasil, isso é vergonha nossa, para a gente. Um brasileiro que vai para o exterior e comete qualquer tipo de delito, eu me sinto envergonhado”, afirmou o deputado, ao fim de um evento organizado por Steve Bannon, em Washington.
Como o único “delito” que a maioria dos brasileiros nos Estados Unidos comete é trabalhar, o deputado deixou claro que imigrantes não deveriam contar com nenhuma forma de solidariedade do governo brasileiro.
Para facilitar as deportações, em agosto passado o governo Bolsonaro emitiu um parecer autorizando a volta de brasileiros ao país apenas com um atestado de nacionalidade.
A lei brasileira proíbe a emissão de passaportes à revelia do cidadão, o que impedia o governo americano de embarcar brasileiros que não estavam dispostos a pedir um passaporte. O governo Temer, sob pressão dos EUA, fez um acordo para que os consulados emitissem o certificado em alguns casos, mas algumas empresas aéreas se recusavam a aceitar o documento. Com a
A deportação em massa foi uma experiência traumatizante para Rogério Caldeira. Com sua esposa, Lidiana Caldeira, e o fi lho Rafael, de três anos, ele decidiu deixar Governador Valadares, em Minas Gerais, em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos. Entrevistados pelo programa Fantástico, da TV Globo, eles contam que pegaram um ônibus para Belo Horizonte, onde embarcaram em um voo com escala no Panamá para a
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autorização dos voos fretados, deportar brasileiros ficou ainda mais fácil, já que não há necessidade de documento para desembarque no Brasil.
Brasileiros deportados recentemente dos Estados Unidos relataram maus tratos.
Segundo uma reportagem do telejornal MGTV, tanto homens quanto mulheres disseram que passaram o tempo todo presos com correntes na cintura, nos pulsos e nos pés. ‘Passamos 24 horas algemados, nos pés e nas mãos’, disse uma brasileira deportada.
O mineiro Danilo Dias de Souza conta que ficou alojado Cidade do México. De lá, foram para Juárez, na fronteira com os Estados Unidos. Ao chegarem em El Paso, no Texas, foram colocados em uma viatura e levados para um abrigo americano, onde permaneceram detidos. “A gente não conseguia nem dormir”, relembra Lidiana, “o menino acabava de dormir e vinham os ofi ciais pra fazer chamada, faziam chamada toda hora, chutavam os colchões”. Rogério diz que seu fi lho fi cava
em um cômodo minúsculo: “Colocaram 38 pessoas num
lugarzinho que não tinha nem dez metros quadrados”.
Como a comida era escassa, ele perdeu dez quilos durante os 40 dias em que ficou detido antes de embarcar no voo fretado. “Tem muitos brasileiros sofrendo lá, passando fome, humilhação. Toda hora um desmaia no chão com fome. A comida lá é um burrito. A comida do brasileiro lá é isso daqui, ó [mostra o burrito que conseguiu trazer]. É de manhã e na hora do almoço. E, à tarde, é um lanche”, relatou um brasileiro ao site G1. triste, não queria brincar e passou três dias sem conversar com os pais. Quando foram deportados para o Brasil, o único apoio que receberam foi um lanche oferecido pela concessionária que administra o Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confi ns, ao grupo que desembarcou com eles. Rogério descreve a receptividade como “chegou no aeroporto, se virem, sigam seu rumo agora!”.
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De acordo com o programa Fantástico, da TV Globo, o número de brasileiros tentando cruzar a fronteira do México com os Estados Unidos de forma ilegal disparou no ano passado e eles agora sofrem com o endurecimento da política americana de imigração. Na reportagem do Fantástico, o brasileiro Uelington Pinheiro conta que começou a se sentir humilhado assim que foi abordado pelas autoridades americanas: “Brasileiro? Começaram a rir. Dava pra ver que olhavam pra gente com nojo, tipo ‘o que vocês estão fazendo aqui no meu país?’”.