REVISTA EM TEMPO EDITORIA: SAÚDE TÍTULO: Disciplina no tatame OLHO: O Muay Thai é uma luta tailandesa que prega a disciplina e o respeito pelas tradições. Mas, acima de tudo, também é uma ótima forma para manter o corpo em forma. Letícia Marina
Disciplina, respeito e fraternidade. São três palavras que você não associaria diretamente a um esporte que envolva luta se não o conhecesse. Mas, são essas características que passamos a associar o Muay Thai quando o conhecemos de fato. Antes de mais nada, é importante saber as raízes do esporte para entender o por que os lutadores demonstram tanto respeito ao falar sobre o assunto. Tradição é a palavra chave dessa luta. A origem da luta se confunde com a própria origem do povo Tailandês. “O Muay Thai é para os tailandeses o que o futebol é para os brasileiros”, diz Alexandre “Laud” Nunes. Laud divide o seu tempo dando aulas de Muay Thai e na diretoria da Liga de Muay Thai do Estado de Goiás (LMTGO) e, no ano passado, viajou até a Tailândia para aprender mais sobre a tradição do esporte ao qual dedica a sua vida a ensinar. O Muay Thai teria se originado a partir dos tailandeses que eram constantemente hostilizados e que sofriam muitos ataques de bandidos. Para se proteger e até mesmo para manter a sua saúde, os tailandeses criaram um método de luta chamado “Chupasart”. No entanto, era comum ocorrer acidentes durante os treinamentos, por isso, para treinar sem se ferir, os tailandeses criaram um método de luta sem o uso de armas, para assim, poderem se exercitar e treinar em tempos de paz e sem o risco de ferirse. Ao longo do tempo o esporte foi se popularizando e, com isso, ultrapassando os limites da Tailândia e dominando o restante do mundo. Essa técnica chegou ao Brasil e se popularizou ainda mais. O esporte continua muito ligado ao país de origem, tanto que os lutadores procuram fazer um tipo de “reciclagem” todos os anos e voltam à Tailândia para treinar. “Nossa equipe treina quase todos os fins de semana em Brasília com o Mestre Sandro. E ele vai todos os anos para a Tailândia para treinar e leva uma delegação com ele”, diz Laud. Sobre essa tradição de visitar à Tailândia todos os anos, Thiago “Toru” Costa, vice-presidente da LMTGO, diz que contribui para que o muay thai de hoje seja um dos mais “honestos” e ligados à cultura. Por isso, afirma que o Mestre Sandro é um dos maiores incentivadores do esporte no país, tanto pelos ensinamentos quanto pelas oportunidades de melhoria que oferece. Já que dessa forma, os lutadores sempre buscam aprimorar mais e estudar sobre o esporte que praticam.
Goianos no Muay Thai
A luta se fortaleceu no país e também no Estado, com a criação da Liga e com a alta do número de locais que oferecem as aulas. A aula de Muay Thai tradicional utiliza o tailandês, por isso, tanto os professores como os alunos precisam saber mais sobre a cultura da luta e sobre a sua tradição. A cultura também é mantida nos cumprimentos feitos no início e no fim das lutas, o que é uma forma de manter a tradição e também demonstrar respeito aos demais lutadores. Até mesmo a vestimenta é diferenciada para as aulas e competições. Seguindo essas características que Laud e sua esposa, Marcinha criaram o Centro de Treinamento Black Tiger. A história do casamento dos dois se mistura a própria paixão pelo esporte. Laud começou a treinar quando tinha 19 anos e viu no esporte uma forma de se manter saudável. Já Marcinha viu no Muay Thai uma forma de aliviar todo o estresse do dia-a-dia. Depois de uma aula, ela já se sentia mais calma e tranquila. Depois do primeiro contato, surgiu a ideia de dar aulas. Ela conta que recebe nas suas turmas de crianças a idosos. A equipe não fica restrita apenas a treinar futuros campeões, mas também estimula a prática do esporte para a melhoria da saúde. Além de uma técnica de defesa, o muay thai também é um grande aliado para quem quer emagrecer, sendo possível queimar até 1.500 calorias em uma única aula. Além das mudanças físicas do Muay Thai, Toru destaca que a luta também o ajudou emocionalmente e fortalece a disciplina nos jovens. “Eu tinha 7 anos quando começou o meu interesse pela arte marcial. Eu fiquei mais concentrado, mais focado após começar a lutar”. Por isso, ele também incentiva os seus dois filhos, Lucas, de 4 anos, e Giovanna, de 1 ano, a participarem de algumas aulas, ou melhor, brincadeiras no Centro de Treinamento. “Tudo para uma criança dessa idade é brincadeira. Não pode cobrar técnica e nem postura. Mas o Lucas já demonstra interesse, ele já treina, fala algumas palavras em tailandês e adora vir para o CT. A Giovanna já brinca no tatame, corre por tudo aqui.”, diz. Ele conta que a paixão pela luta contaminou a família toda, tanto que até a sua esposa também vai começar a treinar, mas apenas para cuidar da saúde, não para competir.
Jovens campeões É importante destacar também o papel social do projeto encabeçado pelos professores. Muitos dos jovens que procuram o treinamento acabam encontrando uma nova família dentro do esporte. Isso porque, além de incentivar a melhora de cada aluno, a equipe também se preocupa com o que passa com os seus alunos fora do centro de treinamento. Por isso, sempre buscam incentivar nos estudos e também com conselhos. “A gente faz uma cobrança para eles, se eles quiserem treinar com a gente tem que mudar o jeito que se comporta lá fora, não pode brigar e tem que tirar notas boas na escola. Procuramos manter um contato com as mães para que eles fiquem mais focados”, diz Marcinha. A presidente da liga também destaca a importância da presença dos pais durante o treinamento dos filhos. “Se você faz um trabalho e tem a confiança dos pais e também dos alunos, é muito mais fácil
trabalhar. E é muito bom ver que eles estão melhorando. Quando isso acontece, a gente acaba querendo fazer muito mais pelos alunos, não importa se não tem apoio necessário”, afirma. Wellington Faria, de 16 anos, é uma das figuras mais carismáticas do centro de treinamento. Com pouco mais de um ano treinando, o jovem já exibe seis medalhas e a vontade de conquistar muito mais. “As medalhas vieram pelo esforço de participar dos campeonatos e também dos incentivos dos professores, que sempre me ajudaram muito”, afirma. Mas, quem pensa que ele tem tempo para se dedicar apenas ao esporte, está muito enganado. O jovem mantém uma rotina muito puxada para conseguir treinar. Ele estuda pela manhã, trabalha a tarde e treina a noite. Mesmo com o pouco tempo que tem para se dedicar inteiramente ao esporte, ele mostra garra de sobra ao contar sobre os seus combates. Após apenas dois meses treinando, Welligton subiu no tatame pela primeira vez. “Eu machuquei o pé, mas continuei lutando. Estava doendo muito. Quando acabou o primeiro round, os meus professores me incentivaram muito. Voltei para o segundo round lutando melhor e acabei ganhando”, lembra Welligton. O jovem campeão se mantém muito humilde e até brinca que antes das lutas ele sempre fica nervoso e com “frio na barriga”.
Preconceito e incentivos Os esportes envolvendo confronto andam mais em alta após a popularização do MMA e da solidificação de grandes lutadores, no entanto, aqueles que se dedicam ao esporte contam que ainda existe certo preconceito com a luta e, por muitas vezes, até pela própria família. Laud e Toru contam que a família ainda ficava com um pouco de receio sobre o esporte. Toru diz que seu pai não gostou muito da ideia à principio, mas que, agora, depois de conhecer mais sobre o muay thai e participar de alguns eventos, ele passou a gostar e até contribuir com o centro de treinamento. Laud tem uma história semelhante. Ele conta que a mãe tinha muito medo quando ele começou o esporte e não aceitava muito bem. Hoje, ela virou praticante da luta e até deixou de lado os outros métodos de emagrecimento, como a academia e dietas, e agora pratica apenas o Muay Thai. “Ela já está pensando em participar de alguns campeonatos”, brinca Laud. Marcinha conta que também sofreu preconceito quando começou, principalmente pelo fato de ser uma mulher. “Quando comecei só tinha homens e eles sempre ficavam falando que Muay Thai não era coisa para mulher”, conta. Hoje, além de ser uma das professoras mais querida pelos seus alunos, Marcinha ainda é presidente da LMT-GO. No entanto, este fato também complica na hora de conseguir incentivos. Eles dirigem o centro e a liga sozinhos, contando com a colaboração de amigos e familiares dos atletas para produzirem os eventos e competições. Para os profissionais, ainda falta incentivo dentro do esporte, tanto da iniciativa pública, quanto da privada. “Falta apoio tanto dos empresários quanto dos políticos. Todos os campeonatos que participamos até hoje não recebemos nenhum incentivo ou apoio”, conta Marcinha.