ESPAÇO DE ACOLHIMENTO E RESSOCIALIZAÇÃO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA NA REGIÃO CENTRAL DE SP.

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ESPAÇO DE ACOLHIMENTO E RESSOCIALIZAÇÃO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO

LETÍCIA PERES ROCHA | ARQUITETURA E URBANISMO USCS 2023



UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO

LETÍCIA PERES ROCHA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Municipal de São Caetano do Sul, como requisito final para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista. São Caetano do Sul, 12 de dezembro de 2023.

BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Prof. Mestre Tiago Seneme Franco

____________________________________________________________ Profa. Mestre Daniela Rosselli ____________________________________________________________ Arquiteta e Urbanista Tatiane Waileman Baggio


AGRADECIMENTOS À minha avó, Dagmar Peres, por dedicar a maior parte de sua vida à minha criação, por sempre estar presente em todos os momentos e sempre lutar pelos meus sonhos. Agradeço também por toda paciência ao logo desses anos de formação. À minha noiva, Jheniffer, por ter me incentivado, apoiado e por toda a paciência durante essa longa trajetória. Torno-me uma pessoa melhor a cada momento que convivemos juntas. Ao meu orientador, por conduzir o trabalho com paciência e dedicação, sempre disponível para compartilhar os melhores conhecimentos. Aos meus colegas de faculdade, e em especial a Priscila e Rodrigo, da qual tive o imenso prazer de compartilhar minha vida acadêmica e pessoal. Tudo ficou mais leve com vocês. E, por fim, ao GAS (Grupo de Atitude Social) por me ensinar que não se muda o mundo ficando de braços cruzados.


RESUMO A desigualdade no Brasil é um fato inegável, e a distribuição dos recursos evidência a precariedade de acesso da parcela mais pobre da população aos direitos básicos. No entanto, a vida nas ruas e o acesso aos serviços assistenciais não se constituem da mesma forma para homens e mulheres. Dito isso, este trabalho tem como tema a criação de uma proposta arquitetônica de apoio e acolhimento às mulheres em situação de rua na região central de São Paulo, além de buscar expressar o caráter social da arquitetura, bem como o papel do arquiteto e urbanista como agente catalisador de possíveis dinâmicas sociais, visto que a conformação urbana influência diretamente no comportamento humano, gerando ambientes excludentes e menos democráticos, a exemplo da prática da arquitetura hostil. Através de estudos e pesquisas para o desenvolvimento, a proposta de projeto busca garantir espaços que visem proporcionar ferramentas para reinserção social, profissional e recolocação no mercado de trabalho, além de buscar discussões acerca da necessidade desta proposta.

ABSTRACT Inequality in Brazil is an undeniable fact, and the distribution of resources highlights the lack of access for the poorest segment of the population to basic rights. However, life on the streets and access to welfare services do not unfold in the same way for men and women. With that said, this work focuses on creating an architectural proposal to support and provide refuge for women in street situations in the central region of São Paulo. It aims to express the social aspect of architecture, as well as the role of the architect and urban planner as a catalyst for potential social dynamics, considering that urban design directly influences human behavior, generating exclusionary and less democratic environments, such as the practice of hostile architecture. Through studies and research for development, the proposed project seeks to ensure spaces aimed at providing tools for social reintegration, professional advancement, and reentry into the job market, while also initiating discussions about the necessity of this proposal.



SUMÁRIO 1.0 INTRODUÇÃO

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2.0 PROBLEMÁTICA

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3.0 OBRAS CORRELATAS

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3.1 THE BRIDGE HOMELESS ASSISTENCE CENTER 3.2 OFICINA BORACEA 3.3 CONJUNTO CORNES ESPAÇO RESIDENCIAL

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4.0 ÁREA DE INTERVENÇÃO

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4.1 O BAIRRO DA LUZ

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4.2 RECORTE DA ÁREA DO PROJETO 5.1 ÍNDICES URBANÍSTICOS

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5.2 O CONCEITO E PARTIDO

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5.3 PROGRAMA DE NECESSIDADES E MATERIALIDADE

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5.4 DESENHOS TÉCNICOS E VOLUMETRIA

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5.0 A PROPOSTA

6.0 CONCLUSÃO

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7.0 BIBLIOGRAFIA

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1.0 INTRODUÇÃO No Brasil, a situação das mulheres em situação de rua é um reflexo doloroso da desigualdade social e das barreiras sistêmicas que afetam profundamente suas vidas. Esse grupo vulnerável enfrenta desafios singulares, nos quais a interseção de gênero, pobreza e a ausência de políticas específicas as coloca em extrema fragilidade social. Contrariando a visão estereotipada de que a população em situação de rua é predominantemente masculina, as mulheres nessa condição enfrentam obstáculos adicionais, muitas vezes imperceptíveis aos olhos da sociedade. Conforme apontado por Nigro (2015), o ambiente urbano e sua paisagem têm passado por transformações devido à presença das pessoas em situação de rua. Seja por meio de habitações temporárias ou pela forma como ocupam o espaço público, essas mudanças podem ser comparadas a sintomas das condições urbanas. A negligência em relação a essa parcela da população na região central de São Paulo é uma realidade alarmante e multifacetada. Apesar de ser uma área vibrante e economicamente ativa, a região central muitas vezes é testemunha do descaso sistemático em relação a uma população vulnerável, que enfrenta diariamente a falta de acesso a condições básicas de vida, como moradia, alimentação adequada e serviços de saúde. A ausência de políticas públicas eficazes e a escassez de abrigos e programas de assistência contribuem para a perpetuação desse quadro. A própria dinâmica da região central pode acentuar a marginalização desses indivíduos. A falta de segurança, a exposição a violências físicas e psicológicas, e a ausência de oportunidades para reintegração social são apenas algumas das consequências dessa negligência. A criação de espaços de acolhimento não se limita a fornecer abrigo físico, mas envolve a construção de ambientes que compreendam e atendam às necessidades complexas e singulares dessas mulheres. Esta introdução explora a importância vital desses espaços, destacando como eles podem ser pontos de partida essenciais para a reconstrução da dignidade, segurança e oportunidades para mulheres que enfrentam uma condição tão vulnerável e frequentemente negligenciada pela sociedade. Além disso, discute a necessidade urgente de abordagens específicas e políticas inclusivas para enfrentar essa realidade dolorosa.

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2.0 PROBLEMÁTICA As principais características da população em situação de rua se dão pela pobreza extrema, falta de moradia regular e segura, direitos básicos previstos na Constituição Federal e aos vínculos familiares rompidos ou fragilizados. A pobreza é um fenômeno multidimensional, relacionado a fatores sociais, culturais, etários, de gênero, econômicos, entre outros. Impulsionado, principalmente, pela pandemia Covid-19, o número de pessoas em situação de rua passou de 24.344, em 2019, para 31.884 no final de 2021, representando um aumento de 31% de acordo com o Censo da População em Situação de Rua conduzido pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da prefeitura de São Paulo. Os dados da Política Nacional de Inclusão Social 2008 referem-se a uma população predominantemente masculina (82%), com idades compreendidas entre os 25 e os 44 anos (53%). Quanto aos motivos de se encontrarem nessa situação, 35.5% afirmam ter problemas com uso de álcool e drogas, 29.8% afirmaram estar desempregados e 29.1% alegaram ter desavenças familiares. Viver em situação de rua reflete as piores faces do processo de vulnerabilidade e exclusão social que tem raízes econômicas, sociais, culturais e políticas, caracterizado pela falta de pertencimento social, dificuldade de acesso à informação, falta de perspectiva e perda da autoestima. No entanto, a vida nas ruas e o acesso aos serviços assistenciais não se constituem da mesma forma para homens e mulheres. Conforme o censo, o número de mulheres em situação de vulnerabilidade passou de 14.8% em 2019 para 16.6% no final de 2021, e o número de mulheres transsexuais passou de 2.7% para 3.1%, contudo, apesar de serem minoria nas ruas, passam por questões específicas. A rua apresenta-se como um cenário fortemente masculinizado e preconceituoso em relação a mulheres. As vivências de violências como repressão, espancamentos, abusos e preconceitos, também comuns a mulheres que não se encontram nessa situação, potencializam-se de maneira brutal.

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Outras questões específicas envolvem diariamente a relação com o corpo, a sexualidade e o cuidado com os filhos, tendo em vista que, segundo o I Censo e Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua 2008, 20% das mulheres em situação de rua declararam ser responsáveis por pelo menos um filho, enquanto apenas 4.3% dos homens se mostram responsáveis pelos mesmos. A Política Nacional de Inclusão Social da população em situação de rua não apresenta nenhum recorte de gênero, não se sabe quem são essas mulheres, onde vivem, o que passam; sabe-se apenas que são minoria, comparadas ao número de homens na mesma situação. Estar excluída das estatísticas é estar excluída também das políticas públicas de proteção social. Juliana Reimberg, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da USP, acredita que os centros de acolhimento não atendem a todas necessidades das mulheres em situação de rua, visto que os centros de acolhida recebem diariamente mulheres idosas, enfermas, violentadas, sejam elas em situação de vulnerabilidade ou não. O grande problema neste caso é que não existem serviços pensados para cada cidadão, permitindo que as mulheres e mulheres transexuais em situação de rua, não consigam se adaptar a dinâmica diária destes locais, visto que existem experiências e necessidades diferentes que acabam recebendo o mesmo tratamento. Entende-se que a proposta de um projeto que vá além de um objeto arquitetônico para simples permanência provisória, poderia suprir as necessidades e demandas para atendimento direcionado a população mais vulnerável. O mesmo deve buscar permitir o desenvolvimento de parcerias e realizações de atividades diurnas que garantem ensino e profissionalização, apoio à saúde mental e física, acesso à cultura e fortalecimento de vínculos sociais, entre outros aspectos, visto que as mulheres em situação de rua se dão por muitas complexidades, indo além da falta de acesso à renda.

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3.0 OBRAS CORRELATAS 3.1 THE BRIDGE HOMELESS ASSISTENCE CENTER

Projetado em 2005 pelo escritório Overland Partners e concluído em 2008, o The Bridge Homeless Center, trata-se de um centro assistencial e apoio a pessoas em situação de rua e desabrigados na cidade de Dallas, no Texas – EUA. O projeto reúne, em seus 75.000 m² de área construída, diversos serviços na mesma edificação, o local atende diariamente cerca de 1.200 pessoas, durante 24 horas de maneira ininterrupta. Desde sua implementação, o centro de atendimento alcançou melhorias significativas na região do Texas, apresentando uma redução em 50% no número de pessoas em situação de vulnerabilidade. O complexo, além de estar localizado ao lado da importante Avenida Interestadual 30, que interliga Dallas a outras cidades e estados, também conta com uma extensa rede de infraestrutura urbana e equipamentos por toda região. Centros empresariais, edifícios de uso comercial e governamental são facilmente encontrados durante todo o percurso até o centro de acolhimento, implantado em uma região central da cidade, justificado pela facilidade de acesso ao público alvo, visto que se trata pessoas em situação de vulnerabilidade e que acabam se locomovendo a pé perpetuamente (OVERLAND PARTNERS ARCHITECTURE, 2011).

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Fonte: ArchDaily (2011); Overland Partners Architecture (2011).

Além disso, como afirmam os próprios autores do projeto, o propósito era criar um ponto de visibilidade e valorização destas populações em vez de mascarar problemas em relação a déficit habitacional, razão pela qual se justificou a escolha do terreno. O Centro Assistencial visa promover à reinserção no mercado de trabalho e à vida social, através de serviços disponibilizados em seu edifício, que incluem alojamentos, segregados entre feminino, masculino e adaptados, alimentação e educação, além de compor em seu programa de necessidades setores destinados a cuidados da saúde física e mental e assistência jurídica. O complexo The Bridge Homeless é composto por cinco blocos, sendo quatro deles com apenas um pavimento e outro bloco verticalizado. Os alojamentos e demais atividades oferecidas pelo centro assistencial são divididas de acordo com seus usos, como recepção; comunitário; espaço com dormitórios livres e/ou temporários; espaço para refeição destinado aos abrigados e visitantes; serviços gerais, além dos dormitórios fixos de estadia prolongada; jardins internos, sendo um destinado ao público geral e outros dois destinados aos residentes e funcionários; e um estacionamento para funcionários, carga e descarga, entre outros. O acesso principal está localizado na via Park Avenue, além dos acessos secundários.

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No primeiro pavimento, setorizados em cinco blocos, está localizado o maior número de serviços diversificados. O atendimento a público geral encontra-se próximo a entrada principal, justamente para facilitar o acesso da população, bem como o bloco de frente a Park Avenue, que contempla a recepção, escritórios jurídicos, biblioteca, auditório e espaço destinado as mulheres; ainda próximo a entrada principal encontra-se o bloco armazém, destinado para objetos dos abrigados, canil e sala de segurança; visto que o projeto foi adaptado a uma estrutura de pavilhões existentes, os dormitórios, serve como alternativa aos abrigados dormirem ao ar livre caso tenham preferência, principalmente no período de adaptação ao centro de acolhimento; o bloco do refeitório possui acesso para toda a comunidade, servindo refeições com preços acessíveis, espaço próprio para refeição dos abrigados, cozinha e depósito, nesse mesmo bloco, podemos encontrar também vestiários e oficina mecânica; o último bloco é o único do complexo que possui três pavimentos, contemplando áreas voltadas a saúde física e mental e salas de ensino para os alojados. O segundo pavimento, separado e acessado através de um hall, conta com áreas de atendimento destinado apenas aos abrigados, além dos ambientes de convívio voltado aos residentes do complexo, dormitórios e vestiários de residentes fixos, divididos em feminino e masculino. Na outra parte do bloco, podemos encontrar diversas salas individuais e coletivas para usos variados voltados as atividades proporcionadas pelo Centro Assistencial. Em relação aos dormitórios, as unidades são projetadas de forma a serem semi-privadas, com divisórias de meia-parede em alvenaria, que proporcionam privacidade aos abrigados e ao mesmo tempo, permite o controle dos funcionários, caso seja necessário. Em casa alojamento, sendo um para cada abrigado, é destinado um armário, uma cama e um pequeno ambiente de estar, já os banheiros e vestiários são de uso comum e compartilhado. Fonte: ArchDaily (2011); Overland Partners Architecture (2011).

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De acordo com a coordenação do Centro Assistencial The Bridge Homeless, aqueles que buscarem apoio e acolhimento não serão tratados apenas como pessoas em situação de rua, mas sim como clientes. A humanização, que faz parte do conceito do projeto, pode ser vista e percebida através das janelas de vidro que, além de garantir que os dormitórios sejam iluminados constantemente, mantém uma conexão entre o interior e o exterior. Nos vidros, alguns textos gravados por pessoas que passaram pela unidade, expressão mensagens de motivação e homenagem ao abrigo. Com base na análise, compreende-se a importância do Centro Assistencial The Bridge Homeless como estudo de caso, uma vez que alguns pontos podem servir como norteadores para a implantação do projeto a ser proposto na cidade de São Paulo, visto que se trata da mesma categoria de edificação. Alguns parâmetros serão compatibilizados ao programa de necessidades, refletindo ainda aspectos de valorização humana e senso de comunidade.

3.2 OFICINA BORACEA

Localizado no bairro Barra funda, região oeste da cidade de São Paulo, a Oficina Boracea é um projeto criado pela prefeitura de São Paulo e idealizado como parte do plano de acolhimento e atenção à população em situação de rua. Projetado pelo escritório brasileiro LoebCapote Arquitetura, o complexo de 17.000 m² de área construída, foi implementado em um ponto estratégico da cidade, no qual faz parte do trajeto percorrido pela população de rua e dispondo de algumas empresas de reciclagem da região.

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Implantado a partir da readaptação de antigos galpões de transporte, a Oficina comporta um extenso programa de necessidades, com espaço para hospedar até 400 pessoas em situação de rua, contendo diversos programas e serviços de assistência social que visam a retomada dos vínculos sociais nessa população. Se tratando de um projeto inovador em relação a essa categoria de edificação, o objetivo principal era conceber espaços que se diferenciassem das alternativas existentes de albergues presentes na cidade de São Paulo. Além da função de albergue, a Oficina Boracea abriga diversos serviços como um núcleo de atendimento para catadores, abrigos adaptados para idosos, banheiros e lavanderias, espaços de encaminhamento de trabalho e profissionalização, ambulatórios, restaurante, escola de ensino básico, centro de convívio, cursos de alfabetização e informática, eventos culturais e oficinas voltadas a música, artes plásticas e esporte, além de contemplar um canil com assistência veterinária disponível para os animais de estimação dos abrigados na Oficina. Apesar da readaptação em uma estrutura existente, o edifício obteve um partido adotado que se firmou através de um programa de necessidades em forma horizontal e fluída, onde permite diversas conexões dos espaços internos com o externo, utilizando pátios abertos e áreas de convivência.

Fonte: LoebCapote (2003).

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Os locais de uso comum, como restaurantes, cinemas e oficinas, se encontram de forma centralizada próximos à praça, enquanto o restante do programa acontece no edifício voltado para a área central. Transmitindo uma linguagem construtiva e silenciosa, a arquitetura da Oficina Boracea e utilizada como instrumento para conectar a capacidade de resiliência e reorganização da população de rua. A estrutura metálica presente e vedações de blocos de concreto possibilitaram uma obra rápida e organizada. Os espaços de convivência, sendo eles abertos ao ar livre e mobiliados, permitem o bem estar do usuário e proporciona ventilação e iluminação natural aos ambientes internos da edificação, além de permitir uma abordagem discreta de assistentes sociais e grupos de apoio informais. O pé direito alto, resultado da adaptação do antigo galpão de ônibus, caracteriza a percepção de amplitude aos espaços internos.

Fonte: LoebCapote (2003).

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Apesar dos esforços em idealizar e projetar um conjunto complexo, voltado para a população em situação de rua na região de São Paulo, o edifício encontra-se com seus acessos e circulações restritos e limitados tanto para usuários regulares da Oficina, quanto para funcionários. As significativas reduções de recursos financeiros, acabam implicando diretamente em modificações administrativas, tanto em relação ao apoio à essas instituições, quanto a realização das funções previstas. O complexo, que contava com locais de cooperativa para catadores, passou a receber pessoas em situações delicadas quanto a mobilidade e saúde, afetando diretamente seu programa de necessidades. Experiências como a Oficina Boracea, indicam o potencial da arquitetura em criar espaços de qualidade, a partir de programas elaborados, e contando com a participação direta das comunidades locais e apoio institucional.

3.3 CONJUNTO CORNES ESPAÇO RESIDENCIAL

Composto por 125 habitações, garagens e depósitos, o complexo residencial Cornes, localizado em Santiago de Compostela – Espanha, permite o desenvolvimento de 22 tipos diferentes de unidades, sendo elas em um único andar ou duplex. Apesar de não ter outros usos além do residencial, o edifício, com área total construída em 28.500 m², apresenta espaços abertos para uso público e diversos espaços comuns cobertos, como sala infantil , academia e refeitórios.

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Atribuído em um terreno ocupado desde 1873 pela Estação Ferroviária Cornes, o complexo residencial previa um layout composto por três blocos lineares e dois espaços abertos públicos, com elementos articulados entre as construções. Seu traçado linear possibilita que os espaços abertos para uso exclusivo dos perdestes, se formalizem de forma fluída entre as edificações. Sua circulação planejada para criar relações diretas com os térreos dos edifícios apresenta-se de forma fragmentada, em decorrência dos desníveis existentes no terreno, como solução, além dos patamares e para facilitar e conectar os acessos as habitações, projetou-se um corredor verde, que busca desenhar as vias transversais que dão acesso a construção, essas áreas verdes buscam conectar o complexo com visual e ecológico presentes nos parques vizinhos da região.

Fonte: ArchDaily (2022).

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As construções que se encontram acima do nível do solo, são uma composição de três edificações, onde o seu comprimento varia de 60 a 100 metros e a linha central de 12 metros. Por todo o seu perímetro, elementos em balanço foram construídos, permitindo liberar plenamente a planta para fora do alinhamento da fachada, o fechamento de vidro e a composição de brises soleil possibilitam a entra de iluminação natural nas residências e a vista entre as edificações. Portanto, o que define o volume da construção, é a composição dos elementos da fachada com as áreas em balanço. Buscando evitar que o conjunto residencial Cornes se perdesse na paisagem monocromática do seu entorno, optou-se por tingir o seu envoltório de concreto, além de relacionar a estética da edificação com o caráter industrial do espaço original. A construção, além de se tornar um monumento na paisagem de Santiago de Compostela, consegue expressar-se de forma fluída, criando espaços de convivência, lazer e áreas verdes, transformando os caminhos que conectam o complexo com a cidade lugares agradáveis e de permanência, tomando partido através da geometria herdada no planejamento urbano da implantação, gerando volumetria e originalidade.

Fonte: ArchDaily (2022).

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4.0 ÁREA DE INTERVENÇÃO 4.1 BAIRRO DA LUZ Localizado em um ponto estratégico da cidade de São Paulo e cortado pelos dois principais rios da cidade (Tietê e Tamanduateí), o Bairro da Luz tornou-se uma região enriquecedora em relação a comércio e local de importantes construções arquitetônicas. Juntamente com o crescimento populacional da cidade de São Paulo, o Bairro da Luz, favorecido por abrigar a estação ferroviária mais importante do país, se tornou uma região elitizada e considerado um dos mais charmosos bairros da cidade. Como escreve Simões Junior e Righi (2001): “A época áurea do bairro da luz foi o final do século XIX, prolongando-se até a década de 1930” (SIMÕES JÚNIOR; RICHI, 2001). Apesar dos esforços para impedir o crescimento de cortiços na região, a implementação do rigoroso código sanitário de 1886, não impediu que outras áreas fossem afetadas pelas residências populares e encortiçadas. A instalação de bondes movidos à energia fez com que a cidade crescesse e adensasse ainda mais, passando de 200 mil habitantes para um milhão. Porém, o planejamento urbano, marcado por propostas elitistas e higienistas, não acompanhou esse crescimento populacional. Aplicado a partir da década de 40, o novo plano para a cidade estava voltado a expulsar os mais pobres para regiões mais afastadas e os ricos habitando a região central. Esse senário só foi passível de mudanças com os novos loteamentos localizados na Avenida Paulista, Jardins e Morumbi, onde o desejo por terras menos propícias a alagamento, se tornam os novos loteamentos de desejo da população elitista, deixando a população vulnerável com terrenos menos valorizados. Esse modelo urbanístico, com o passar dos anos, foi prevalecendo e segregando cada vez mais a população paulista, como pode ser analisado:

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Do ponto de vista urbanístico, os anos 70 marcaram o deslocamento do centro de consumo das elites, da cidade do Centro Histórico em direção à Avenida Paulista e jardins. Até essa data, a São Paulo metropolitana contava com um único centro, feito de suas partes: o “Centro Tradicional” (região do triângulo), constituído durante a primeira industrialização (1910- 40), e o ‘Centro Novo’ (da praça Ramos à praça da república), que se desenvolveu no pós-guerra (1940-60). A vida cultural, econômica e política de todos os grupos sociais da metrópole compartilhava um espaço que abrigava simultaneamente a boca do lixo e do luxo, a sede das grandes empresas e uma multidão de vendedores ambulantes, engraxates, pastores e pregadores do fim dos tempos, magazines elegantes da rua Barão de Itapetininga, os apartamentos luxuosos da avenida São Luís e os chamados ‘treme-treme’ feitos de kitchenettes superpovoadas nas baixada do Glicério e na Bela Vista. (ROLNIK, 2001)

Em relação à arquitetura, o Bairro da Luz é considerado um dos mais importantes para a história da cidade, contando com o Museu de Arte Sacra, Pinacoteca, Sala São Paulo e DPH (Departamento de Patrimônio Histórico). Se por um lado a beleza do Bairro foi um dos motivos pelo qual existe diversas intervenções públicas na região, foram estas mesmas intervenções que conduziram o bairro a decadência atual. Segundo o IBGE, de 1980 a 2000, o Centro da capital foi a região que mais perdeu moradores, segundo o próprio instituto, os moradores da região central migraram para outras cidades como o Bairro do Bom Retiro, consequência das especulações imobiliárias, ausência de políticas públicas no centro, e crescente criminalidade nas regiões centrais.

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Como consequência do descaso, falta de políticas públicas voltadas para o Centro de São Paulo e o déficit habitacional o número de pessoas em situação de rua aumentou de forma significativa ao longo dos anos. Apesar da dificuldade de quantificar a população exata que vive nesta condição, já que este público é marcado pela transitoriedade e instabilidade, é possível afirmar que nos últimos dois anos a população em situação de rua na capital paulista aumento para 31%, segundo os dados do Censo da População em situação de Rua da prefeitura de São Paulo. Outro indicador que cresceu, foi o porcentual de mulheres em situação de rua, na qual representavam 14.8% do total em 2019, contra 16.6% em 2021. Do mesmo modo, a população classificada pela prefeitura como “trans/travesti/agênero/não binário/outros” foi de 2.7% em 2019 para 3.1% em 2021. Em tentativa de se inverter a realidade do centro da cidade, a prefeitura de São Paulo passou a aplicar projetos de revitalização na região da Luz, atraindo novos empreendimentos que buscavam por loteamentos mais baratos e com metragens adequadas para grandes empreendimentos, as construtoras encontraram na Luz grandes propriedades, como galpões, estacionamentos e casarões com potencialidade para se tornarem atrativos. Kowarick (2009), ao retratar o processo de transformação no centro da cidade de São Paulo analisa: [...] na Sé, os trombadinhas; e ao lado dos concertos da Sala São Paulo, na Júlio Prestes, a desumanidade da Cracolândia, agora mal controlada, pois os consumidores se espalham por pontos próximos. A erradicação deste local é uma grande bobagem política e social; revela um espírito higienista, segregador, que procura limpar a cidade de sua pobreza e que lembra as ações da polícia sanitária de 1910.

Apesar dos esforços, o projeto Nova Luz demonstra tentativas de se afugentar os mais pobres, principalmente a população em situação de rua e dependentes químicos, levando nele um espírito elitista e higienista, que vê a presença dos dependentes químicos e pessoas em situação de vulnerabilidade na região da Luz como um fator depreciativo e não como problema de saúde pública e um desafio a ser enfrentado pela municipalidade.

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4.2 RECORTE DA ÁREA DO PROJETO

Localizado no Bairro da Luz, entre as ruas Washington Luiz, Mauá, Brigadeiro Tobias e pela Av. Cásper Líbero, o terreno de 6.000 m² possui pouca inclinação, com apenas um metro de desnível e atualmente se encontra subutilizado. Situado em área de operação urbana, é classificado pelo Zoneamento – Lei 16.402/16 da cidade como ZC (zona de centralidade). Rodeado de grandes aglomerações comerciais e serviços variados, a região em que o terreno se encontra possui gabaritos diversificados, sendo seu máximo 28 m segundo os parâmetros de ocupação dos lotes determinados pela prefeitura de São Paulo, ainda em relação aos parâmetros, seu coeficiente de aproveitamento máximo é 2 e sua taxa de ocupação máxima é 0.7. Por se encontrar em zona de operação urbana, de acordo com a Lei 16.05 (PDE) pode depender de leiloes de CEPACs para adquirir coeficiente de aproveitamento adicional, quebra de gabarito, redução da taxa de ocupação e/ou mudanças de uso. Seu entorno, marcado por um caráter simbólico, acomoda diversas edificações historicamente relevantes, além de ser uma área de proteção do CONPRESP e CONDEPHAAT e sítio arqueológico, existem diversos bens tombados por toda região onde se localiza o terreno, além da notável quantidade de terrenos subutilizados, desocupados ou abandonados.

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Fonte: Elaborado pela autora (2023).

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Situado em uma região diversificada quanto aos usos, o terreno se encontra rodeado de equipamentos públicos e privados, áreas residenciais, comerciais, serviços e industriais, além de áreas sem predominância, com usos mistos e heterogêneos.

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

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O terreno contém diversos pontos de ônibus e faixas exclusivas em seu entorno, além de contar com uma rede cicloviária em uma das suas ruas de acesso. A Estação da Luz possuí dois acessos, sendo uma delas ao lado do terreno.

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

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Rede de alimentação Bom Prato, um programa de segurança alimentar brasileiro criado no estado de São Paulo em dezembro de 2000 para servir refeições de alta qualidade a preços acessíveis à população de baixa renda, bibliotecas, museus, assistências sociais e escolas de ensino técnico, se encontram próximo ao terreno.

Fonte: Elaborado pela autora (2023)

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