ÍNDICE Cordália ....................................................................... 03 Mulheres Inventadas ................................................... 09 Capitu .................................................................... 10 Dona Flor ............................................................... 11 Gabriela ...................................................................... 12 Diadorin ...................................................................... 13 Emília .................................................................... 15 Iracema ................................................................... 17 A Equipe ................................................................... 19
CORDÁLIA O Brasil representado por uma de suas manifestações mais próprias. Os traços e estrutura da literatura de cordel reinventa as mulheres inventadas pelos grandes nomes da literatura clássica, fundindo não só os dois gêneros literários, como dois “Brasis”, através da Iracema de José de Alencar, Capitu de Machado de Assis, Gabriela e Tieta de Jorge Amado até a Emília de Monteiro Lobato, que ao longo do tempo se tornaram ícones nacionais, deixando de ser apenas personagens e passando a figurar no imaginário como mulheres reais.
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“Cordália” é esse mundo onde essas mulheres, e todas que virão à sua mente, podem se encontrar, na levada do repente e em traços únicos, que adicionam mais uma face à sua multiplicidade.
Prestem muita atenção no que eu vou lhes contar A história é mesma mais muita coisa pode mudar Dê um tempo, para um minuto vem no Brasil embarcar No mundo de ‘Cordália’ vamos ‘junto’ viajar
d Qual a diferença do que eu leio e Tudo uma questão de como vai se Toda moeda tem duas faces como ‘pode’ Toda história tem dois lados vamos todos
você lê entender perceber aprender
d Se Assis escreveu assim podemos entender passado Capitu traiu Bentinho ou estamos enganados? Cada um pense o que quer, só não fique contrariado Se você quer outra história tem um tal de Jorge Amado
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Dona Flor tem dois maridos há quem diga ‘sorte dela’ Com Gabriela é rima é fácil já vem com Cravo e Canela
QUAL A DIFERENÇA DO QUE EU LEIO E VOCÊ LÊ? Dá mudar de assunto e chamar Diadorin No cançago ela é ele, Guimarães que quis assim
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O que é uma graúna, talvez eu possa explicar Cor de cabelo de índia para lá do Ceará Agora veja que marmota, uma boneca ‘viro’ gente Mais o causo é verdade, quanto a isso ‘nós’ não mente
d
Vou acabando essa rima que é pra muito não ‘longar Porque fique ‘sinho’ sabendo tudo tem hora pra’cabar Ainda tem muita história que não vou me alembrar Um outro tanto de mulher que não dá para guardar
d
O Brasil é das mulheres quem é que vai discordar Nesse verso tudo é delas você pode reparar Se tudo tem um outro lado isso é só pra terminar Cordel agora é Cordália e vamos ver no que vai dar
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CAPITU OLHOS DE CIGANA OBLÍQUA E DISSIMULADA Capitu gostava de rir e divertir-se e, nos primeiros tempos, quando íamos a passeios ou espetáculos, era como um pássaro que saísse da gaiola. Arranjava-se com graça e modé tia. Embora gostasse de jóias, como as outras moças, não queria que eu lhe comprasse muitas, nem caras, e um daí afligiu-se tanto que prometi não comprar mais nenhuma; mas foi só por pouco tempo.” O ciúme de Bento Santiago, o Bentinho e mais tarde Casmurro, seu esposo, a todo instante conjecturava sobre seu caráter, contribuindo para a essência enigmática da “criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheirava a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos”. Foi pelos olhos profundos e inexplicáveis, diferentes conforme as circunstâncias, que Capitu, mulher de personalidade forte e envolvente, se consagrou, deixando na literatura brasileira uma marca inconfundível: “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” ou “olhos de ressaca” (descrição influenciada pela opinião de sua mãe, tia e um agregado, que não desejavam o casamento), segundo o parecer do marido ciumento, o sr. Bento Santiago, vulgo “Dom Casmurro”.
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DONA FLOR FLOR SE RESSENTE DA AUSÊNCIA DE MUNDINHO, PELO QUAL VIVE A SUSPIRAR Dona Flor, jovem bonita, domina os mistérios da boa culinária, e encanta-se por Mundinho, também jovem, belo e mulherengo, com o qual se casa. O jovem casal tem uma intensa vida amorosa, enquanto Mundinho permanece no mundo da malandragem, com muita farra, mulheres e intrigas. Até que um dia, em plena festa de carnaval de Salvador da Bahia, que aglutina multidões, por um motivo qualquer, é assassinado. Flor, mulher apaixonada sente muita falta do amado companheiro, mas rapidamente passa a ser assediada por diversos homens, mediante o fascínio que exerce e a má fama que tinha seu marido, e decide se casar brevemente com um respeitável senhor, renomado farmacêutico da cidade. Apesar do conforto e estabilidade que lhe oferece o novo marido, Flor se ressente da ausência de Mundinho pelo qual vive a suspirar, até que este se faz presente em espírito para animar os seus dias. Jorge Amado é um mestre da descrição de lugares e personagens que caracterizam o modo de ser e viver do povo da Cidade de Salvador da Bahia, a mais antiga da América Latina, com suas ruelas e becos, mansões e construções barrocas, bem como personagens clássicos, como o malandro de cassaca, sedutor e vadio e sua turma de amigo de diferentes matizes, além das senhoras cristãs, ainda que pecadoras
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GABRIELA CORPO DE MULHER JOVEM, FEIÇÕES DE MENINA Corpo de mulher jovem, feições de menina. Sucesso que deve se principalmente à maneira do autor, com seu espírito jovial, de escrever e trabalhar tão bem suas personagens. Há nele duas princ pais vertentes que ocorrem paralelamente e que conduzem todo o romance: O amor entre a mulata Gabriela e o sírio Nacib (o foco amoroso da narrativa) e, a chegada do progresso a Ilhéus, local onde se passa a história. O campo social e político da narrativa. Pode-se considerar Gabriela e o turco Nacib os protagonistas devido a importância do romance vivido entre eles. Gabriela - moça de grande vitalidade que reúne grandes características do povo nortista do interior, sendo retirante fugida da seca. Animada, bem disposta, era bonita e por onde passava chamava atenção dos homens, provocando inveja nas mulheres. Não era mulher de relacionamentos mais sérios como o casamento nos quais se sentia “presa”. É Gabriela que dá ênfase à trama. “Caído o braço roliço, o rosto moreno sorrindo no sono, ali, adormecida na cadeira, parecia um quadro. Quantos anos teria? Corpo de mulher jovem, feições de menina.” Este trecho exemplifica e exalta a beleza física de Gabriela. Nacib- Personagem fundamental tanto pela sua relação com Gabriela como também pelo fato de ser dono do mais importante ponto de encontro da região, o Bar Vesúvio. Era imigrante da Síria e não gostava de fazer parte de nenhum laço político. Pensava ele que se fizesse parte da política poderia perder clientela em casos de desentendimento, já que todos da sociedade freqüentavam seu bar. É ele o primeiro homem, na narrativa, a se encantar com a beleza de Gabriela “Do que não se recordava mesmo era da Síria, não lhe ficara lembrança da terra natal tanto se misturara ele à nova pátria e tanto se fizera brasileiro e ilhense.
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DIADORIM SEU CORPO ERA DE MULHER, DIADORIM ERA MUHER O fazendeiro Riobaldo esclarece a um forasteiro que os tiros que o homem ouvira não eram de nenhuma briga, mas ele que estava atirando numa árvore, abaixo do córrego, praticando, como fazia desde moço. Inicia uma narrativa longa sobre o tempo em que fora jagunço e pertencia a bandos, e percorria o sertão, pilhando cidades, lutando, matando, fugindo da polícia. Acreditava ter feito um pacto com o diabo e, um dia, deveria encontrá-lo para acertar as contas. Vivera inúmeras aventuras, mas nenhuma comparava-se ao que sucedeu depois que conheceu outro jagunço, Diadorim, cujos olhos verdes o queimavam. Diadorim perturbava-o, mas não sabia o porquê. Riobaldo era um homem corajoso, não fugia de brigas, não temia outros jagunços. A vida deixara-lhe bruto por fora, mas conservava uma sensibilidade que o levava a refletir sobre coisas. “(...) Me tre não é aquele que ensina, mas aquele que aprende. (...)” Era um filósofo sertanejo, que enxergava na amplidão do sertão, mais que podia ser visto pelos olhos. “(...) O sertão é o mundo (...)”. E pela vastidão desse mundo, deixou de ser jagunço para ser líder. No entanto, temia o encontro fatal com o diabo.
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Quando criança, Riobaldo salvou outro garoto de ser violentado por um homem, matando-o. Salvou Diadorim. Adultos, reencontraram-se, e Riobaldo viu-se enredado, sentiu-se frágil, atraído, queria cheirar o corpo de Diadorim, mas repelia essa vontade. Amaria Diadorim? Teve medo de si mesmo, ele que somente tinha medo do diabo. Pensava em Otacília, a mulher que o esperava, e fingia consolar-se. A agonia de Riobaldo somente chegou ao fim, quando Diadorim foi baleado, morto. Ele chorou. Tirou o casaco de vaqueiro de Diadorim e teve o mistério revelado. Soube porque aquele homem perturbava-o: seu corpo era de mulher, Diadorim era muher. Uma mulher que fingira ser homem para ser jagunço e vingar-se de outro jagunço. Vivera uma farsa que impediu que Riobaldo confessasse seu amor. O medo que Riobaldo sentiu de si mesmo impediu que vivesse o amor. Sofreu. Riobaldo descobriu, adiante, que não havia pacto com o diabo, que não estava preso a nada. Velho, restavam-lhe as lembranças do que não fora, e a certeza de que o diabo não existia, o que existia era o homem. O mais era travessia.
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EMÍLIA SOU A INDEPENDÊNCIA OU MORTE Emília, na trama criada por Lobato, foi feita por Tia Nastácia para a menina Narizinho. Nasceu muda e é curada pelo dr. Caramujo, que lhe receitou uma “pílula falante”. Emília, então, desembesta a falar: “Estou com um horrível gosto de sapo na boca!”. Narizinho, preocupada, pediu ao “doutor” que a fizesse vomitar aquela pílula e engolir uma mais fraquinha. Mas, explicou Caramujo, aquilo era “fala recolhida”, que não podia mais ficar “entalada”. Ela é conhecida por volta e meia “abrir sua torneirinha de asneiras”, principalmente quando quer explicar algo de difícil explicação ou justificar uma ação ou vontade. Além de falar muito, também costuma trocar os nomes de coisas ou pessoas por versões com sonoridade semelhante. Emília é uma boneca de pano, recheada de macela. Em muitas histórias, ela troca de vestido, é consertada ou é recheada novamente. Narizinho também faz e refaz suas sobrancelhas (segundo Reinações de Narizinho) e seus olhos (que são de retrós e por isso arrebentam se Emília os arregala demais). Ela é capaz de andar e se movimentar livremente, porém muitas vezes é tratada por Narizinho como uma boneca comum e é “enfiada no bolso”.
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Por ser uma boneca, embora evolua e vire gente, Emília pode cometer impunemente pecados infantis como birra, malcriação, egoísmo, teimosia e espertezas. Diz o que pensa e quando leva bronca, finge que não é com ela. Não teme nada, apronta todas e é cheia de vontades. Em A Reforma da Natureza, ela inventa o “livro comestível”: “(...) Em vez de impressos em papel de madeira, que só é comestível para o caruncho, eu farei os livros impressos em um papel fabricado de trigo e muito bem temperado. (...) O leitor vai lendo o livro e comendo as folhas, lê uma, rasga-a e come. Quando chega ao fim da leitura, está almoçado ou jantado.” Através da boneca, Lobato expressa a idéia de leitura prazerosa. Livre de obrigações sociais impostas pela educação à criança, é ela quem melhor se define: quando Visconde lhe perguntou que criatura ela era, respondeu: “Sou a independência ou Morte”. Dentro das histórias do “Sítio”, Emília foi biografada pelo Visconde de Sabugosa. Todo cheio de conhecimento enciclopédico, ele aproveita para dizer umas verdades sobre a boneca: “Emília é uma tirana sem coração. (...) Também é a criatura mais interesseira do mundo. (...) Só pensa em si, na vidinha dela, nos brinquedos dela”.
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IRACEMA A VIRGEM DOS LÁBIOS DE MEL Iracema, a virgem dos lábios de mel, guardiã do segredo de Jurema, apaixona-se por Martim, jovem português que está sob a proteção de sua tribo, os heróis tabajaras. Apaixonaram-se quase que à primeira vista. Devido a diferença etnica, por Iracema ser filha do pajé da tribo e por Irapuã gostar dela, a única solução para ficarem juntos, é a fuga. Ajudados por Poti, Iracema e Martim, fogem do campo dos tabajaras, e passam a morar na tribo de Poti (Pitiguara). Isso faz com que Iracema sofra, mas seu amor por Martim é tão mais forte, que logo ela se acostuma, ou pelo menos, não deixa transparecer. A fuga de Iracema faz com que uma nova batalha seja travada entre os tabjaras e os pituguaras. Pois Arapuã quer se vingar de Martin, que “roubou” Iracema, mas Mertim é amigo de Poti, índio pitiguara, que irá protegê-lo. Além disso, a tribo tabajara alia-se com os franceses que lutam contra os portugueses, que são aliados dos pitiguaras, pela posse do território brasileiro. Com o passar do tempo, Martim começa a sentir falta das pessoas que deixou em sua pátria, e acaba distanciando-se de Iracema. Esta, por sua vez, já grávida, sofre muito percebendo a tristeza do amado. Sabendo que é o motivo do sofrimento de Martim, ela resolve morrer depois que der à luz ao filho. Sabendo da ausência de Martim, Caubí, irmão de Iracema, vai visitá-la e dia que já a perdoou por ter fugido e dado às costas à sua tribo. Acaba conhecendo o sobrinho, e promete fazer visistas regulares aos dois. Conta que Araquém, pai de Iracema, está muito velho e mal de saúde, devido à fuga de Iracema.
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Iracema agora estava no fim de sua gestação, foi quando, pela segunda vez, Martin partiu. Dera a luz a um menino, chamou-o Moacir, o filho da dor, da dor e culpa por ter traído seus irmão e os visto morrer. Era duas vezes o filho de sua dor e sofrimento, pois precisava amamentá-lo, mas fraca e sem ânimo não se alimentava mais dando toda sua energia para pr duzir o alimento do menino. Quando Martin regressou, sentiu que algo estava acontecendo, o cão latia alegre mas a Jandaia cantava triste. Correu até a cabana e viu Iracema na rede, ela lhe estendeu o menino disse que havia se demorado muito, pois já não podia alimentar o bebê. Em seguida deitou a cabeça, falecendo. Martin ainda conseguia ver no corpo de Iracema a beleza e juventude, seus lábios ainda eram de mel. Enterrou a esposa ao pé do coqueiro onde cantava a Jandaia e partiu com o pequeno filho, prometera a Poti que voltaria. O coqueiro floresceu quatro vezes depois que Martin se fora das praias do Ceará. Regressou. Assim que sentira o calor da areia branca em seus pés, inúmeras recordações da jovem esposa lhe vieram à mente e a saudade ao coração. Às vezes, um choro abundantemente lhe cobria o rosto sobre o túmulo da amada, lembrando do quanto fora feliz ali. A Jandaia ainda cantava triste, mas já não repetia o nome de Iracema.
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A EQUIPE ilustrações LETICIA QUINTILHANO PAULA BETH texto THIAGO RODRIGUES