Esta edição foi composta em BEBAS Neue e DIN e impressa em Papel Casca de Ovo, Marfim - 90g/m² da Filipaper
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AQUI, DA RASGO A Rasgo é uma revista independente, que traz a cada edição um tema interessante do unverso das artes visuais. Com expírito totalmente exerimental e livre, a revista informa e forma de maneira leve e fluida. Nesta edição, viemos celebrar o aniversário dos 200 anos da Escola de Belas Artes, a EBA. Para isto, contamos com o apoio de discentes docentes e suas impressões sobre esta instituição. Abrimos com um breve texto de Agélica Ricci Camargo sobre como surgiu a ideia de criar a Escola de Belas Artes, uma entrevista com o professor Rui de Oliveira, ilustrador e autor da obra Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar para crianças e jovens, e fechamos com a colaboração do aluno Matheus Costa, vulgo Padawan, estudante de Comunicação Visual, no 3º período. Espero que você se divirta com a essa edição, tanto quanto nós daqui da redação. Um abraço, e até breve!
Leticia Q.
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Leticia Quintilhano Estudante de Design Gráfico
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EDIÇÃO 01 MARÇO | 2016 Edição Julie Pires Design Leticia Quintilhano Fotografia e pós produção Leticia Quintilhano Revisão Julie Pires Colaborador desta edição Matheus Costa Impressão e Acabamento
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Gráfica do CT
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CAPA Em seus 200 anos, a Escola Real de Ciências, artes e of[icios
ENTREVISTA Rui de Oliveira fala sobre a arte de ilustrar para crianças e jovens
xx SEM TÍTULO Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
xx EX ALUNOS NOTÁVEIS Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
xx PELOS ANDARES... As esculturas do prédio de Belas Artes
xx NA FORMAÇÃO Oficinas da Escola de Belas Artes
25 SEM TÍTULO Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
50 SEM TÍTULO Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
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20 32 SEM TÍTULO Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
xx VAMOS FALAR? O prédio não construído
xx SEM TÍTULO Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
xx ESPAÇO VÓRTICE Neste mês, a exposição
95 SEM TÍTULO Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
86 SEM TÍTULO Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
100 SEM TÍTULO Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos
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COLLAB A natureza de maneira fantástica, por Matheus Costa
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MATÉRIA por Angélica Ricci Camargo
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Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios foi criada pelo decreto de 12 de agosto de 1816, com a finalidade de promover e difundir o ensino de conhecimentos considerados como indispensáveis para a “comodidade e civilização dos povos”, abrangendo áreas como agricultura, mineralogia, indústria e comércio.
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Os estudos realizados na Escola eram voltados para as atividades cuja prática e utilidade dependiam de conhecimentos teóricos das artes e das ciências naturais, físicas e exatas. Para isso, foram empregados alguns profissionais estrangeiros que, segundo o decreto de criação do órgão, buscaram a proteção real de d. João para se dedicarem ao ensino. Na relação que acompanhou o ato figuravam os nomes de Joaquim Lebreton, Pedro Dellon, Jean-Baptiste Debret,
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C i ê n c i a s ,
A r t e s
pintor histórico, Nicolas-Antoine Taunay, pintor, Auguste-Marie Taunay, escultor, Auguste-Henri-Victor Grandjean de Montigny, arquiteto, Charles-Simon Pradier, gravador, François Ovide, professor de mecânica, Charles-Henri Levasseur, Louis Meunié e François Bonrepos, com as respectivas pensões que seriam concedidas pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (ARQUIVO NACIONAL, códice 62, v. 2, f. 30, 31). Em razão dos acontecimentos políticos na França após a derrota de Napoleão em Waterloo em 1815, vários artistas e pessoas ligadas à arte e aos serviços oficiais do governo francês buscaram outros meios para desenvolver seus trabalhos, como o secretário perpétuo da Classe de Belas Artes do Instituto da França e administrador
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O f í c i o s
das Obras de Arte no Museu do Louvre, Joaquim Lebreton. Após conhecer os relatos de Alexander Humboldt, correspondente estrangeiro do instituto, acerca da possibilidade de progresso artístico na América portuguesa, Lebreton propôs ao marquês de Marialva, d. Pedro José Joaquim Vito de Menezes Coutinho, representante de Portugal em Paris, um plano de estabelecimento de uma Academia de Belas Artes no Brasil. Essa proposta compactuava com as idéias de Antônio de Araújo e Azevedo, conde da Barca, que percebia na vinda de cientistas e intelectuais para o Brasil a oportunidade de edificação de um novo Reino, calcado nos valores da civilização e do progresso. Depois de muitas negociações com representantes brasileiros, Lebreton e um grupo de profis-
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E s c o l a
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sionais por ele recrutados viajaram para o Brasil, sendo acolhidos pelo próprio conde da Barca, que intercedeu pela criação da Escola junto ao príncipe regente. Nesse primeiro grupo, ainda foram incorporados o mestre-serralheiro Nicolas Magliori Enout, o mestre-ferreiro Jean-Baptiste Level, os carpinteiros e armadores de carros Louis-Joseph Roy e Hippolyte Roy e os surradores de peles e curtidores Pilité e Fabre (DIAS, 2006; PEDROSA, 1998).
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A ideia de organizar uma escola que abrigasse estudos científicos, de belas artes e de ofícios mecânicos estava de acordo com a indistinção que havia, no início do século XIX, entre as belas artes e as artes mecânicas, e com a valorização das artes relacionadas aos ofícios. Os estudos destes diversos campos do
saber destinavam-se a atender os interesses do Estado, com o objetivo de preparar homens para os empregos públicos, além de formar especialistas em atividades técnicas como construção naval e arquitetura, até então inexistentes no Brasil. O projeto inicial de Lebreton visava estabelecer no país uma instituição nos moldes franceses dos séculos XVII e XVIII. Contudo, a o decreto de 1826 não chegou a ser implantado e a Escola não funcionou, levando os profissionais a lecionarem para um reduzido número de alunos ou a procurarem outras atividades sob proteção régia (SCHWARCZ, 2002, p. 313). Posteriormente, o decreto de 23 de novembro de 1820 mandou estabelecer a Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, afastando-se
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No entanto, na mesma data, outro decreto mandou principiar com outro nome – Academia das Artes – as aulas de pintura, desenho, escultura e gravura previstas pelo decreto de 12 de agosto de 1816, estabelecendo, ainda, aulas de arquitetura e mecânica, juntamente com as de botânica e química que já
existiam, representando um retorno ao primeiro projeto. Em seguida, apresentava uma relação com as pessoas empregadas, em que apareciam, como lente de desenho e encarregado das aulas, o retratista português Henrique José da Silva, em substituição a Joaquim Lebreton, falecido em 1819; como secretário, Luiz Raphael Soyer; como lente de pintura de paisagem, Nicolas-Antoine Taunay; como lente de pintura histórica, Jean-Baptiste Debret; de escultura, Auguste Taunay; de arquitetura, Henri-Victor Grandjean de Montigny; e, de mecânica, François Ovide. Na lista de pensionários de desenho e pintura, figuravam Simplício Rodrigues da Silva, José de Christo Moreira e Francisco Pedro do Amaral; de escultura, Marc Ferrez; e, de gravura, Zephérin Ferrez. No entanto, mais uma vez, a Acade-
mia das Artes não saiu do papel. Somente em 1826 ela foi aberta e seus estatutos executados, sob a denominação de Academia Imperial de Belas Artes (SILVA, 1977).
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do projeto inicial de 1816, que abrangia mais áreas de conhecimento. O decreto determinava que os lugares de professores e substitutos seriam ocupados pelos artistas estrangeiros que recebiam pensão oficial, por aqueles que se distinguissem no exercício e perfeição das referidas artes, e mais pessoas necessárias, cujos trabalhos e ensino seriam realizados em conformidade com os estatutos, que não chegariam a ser expedidos.
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r u i d e o l i v e i r a
ENTREVISTA O Ilustrador, escritor e doutor em Comunicação e Estética do Audiovisual pela Escola de Comunicação e Artes da USP e professor na Escola de Belas Artes da UFRJ, fala sobre a a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Por Salto Para o Futuro SALTO Rui, qual é a história da ilustração nos livros, mais especificamente nos livros para crianças e jovens? RUI DE OLIVEIRA A história da ilustração e do livro ela é remota, é muito antiga. Para crianças e para jovens você vai encontrar exemplos de ilustração já no século XV, mas a ilustração, como nós a conhecemos hoje em dia, o que entendemos do livro ilustrado começa no século XIX, meados do século XIX. SPF Você foi estudar ilustração na Hungria, porque naquela época não havia instituição formadora de ilustradores aqui no Brasil. E hoje, como é formar um ilustrador no Brasil? RO Nós ainda não temos uma escola própria de ilustração aqui no Brasil, poucos países têm. Mas nós temos boas escolas de design. Eu acho que o design é o início do aprendizado de qualquer ilustrador, se você tem uma boa escola de design, se o ilustrador é bem formado nessa área, com certeza ele já tem um bom início, porque tudo é realmente um projeto, a ilustração é um projeto e essa questão conceitual, essa questão do projeto começa com o design. SPF Você estudou design? RO Sim, eu sou formado em design. Minha formação inicial é
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SPF Como surgiu seu interesse pela ilustração? RO Eu sempre desenhei, na minha vida toda aquilo que eu não pude dizer com palavras, ou não podia dizer para as pessoas, eu dizia por desenho. O desenho me acompanhou a vida toda até hoje, eu não posso parar de desenhar, o desenho para mim é compulsivo. O meu interesse por desenho começa pelo meu interesse pela imagem, sempre tive um interesse pela imagem: imagens dos livros, imagem do cinema, a imagem, por exemplo, dos quadrinhos, mas principalmente pelas imagens dos livros. A imagem dos livros me seduzia muito e eu sempre gostava de copiar, copiava os desenhos que eu via, e sempre achei que seria um momento de estar comigo mesmo. SPF Alguma imagem específica? RO Eu tenho várias imagens que permanecem para sempre. Aliás, uma característica do ilustrador é fazer a memória feliz das pessoas. Você cria o imaginário das pessoas, você tem que ter muito cuidado com o que ilustra, por exemplo, existe um livro chamado O Brasil pela imagem, que eu acho tão importante em termos de imagem quanto é Os Sertões, para a literatura brasileira, quanto Geografia da fome, etc. Esse livro foi feito a bico de pena pelo ilustrador Álvaro Marins. Ele fez esse livro durante seis anos no período Vargas. Muitas daquelas
imagens eu resgatei mais tarde em meus desenhos, tal foi a pregnância que tinham aquelas imagens para mim. E quando se tem esse interesse particular, você se sente alfabetizado, isso é uma coisa muito curiosa, porque no ato de desenhar, geralmente, a criança fala o que está desenhando. O desenho é sempre um estopim, é sempre um estímulo à fala. Isso vem derrubar várias teorias de que o desenho seria o bloqueador da expressão verbal, muito pelo contrário, o desenho para uma criança é um estímulo para ela falar, até no ato de desenhar e também no ato de fluir a imagem, no ato de ver essa imagem, ela também narra. Toda a ilustração tem que despertar a verbalidade, toda ilustração tem que despertar o verbal. Uma boa ilustração é aquela que você gosta de falar sobre ela, essa é uma boa ilustração. SPF Você já citou uma influência no seu trabalho. Que outras influências você teve? Teve influências também da pintura? RO Muito, até hoje eu me considero um pintor. Eu comecei com pintura. Eu me considero um pintor da palavra, tudo aquilo que eu aprendi dentro da pintura, que é o fundamento para o ilustrador, a pintura é um fundamento. Eu já citei o design, o design é na questão conceitual da página, é na questão assim do “projeto” da página, é saber contar uma história em espaço, tempo, etc. Agora, em termos de linguagem, em termos gráficos, plásticos, a pintura é o fundamento e, dentro da pintura, mais fundamento ainda é o desenho. Então, a pintura foi e é até hoje um referencial. Eu me considero
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em design, depois me especializei em ilustração editorial, porque existem outros gêneros de ilustração. Eu me especializei na relação da palavra com a imagem, e o trabalho final foi ilustrar três livros.
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ENTREVISTA um pintor, mas eu pinto o que eu estou lendo nos livros. A minha ilustração é profundamente pictórica, mesmo usando recursos gráficos, como contorno, etc. A preocupação que eu tenho com a cor no meu trabalho, apesar de ele ser reproduzido, eu tenho uma preocupação muito grande com a cor. Essa é uma típica preocupação de alguém que teve a formação pictórica. Quanto à pintura americana, eles pintam sobre tela, isso é uma tradição da pintura americana, pintar sobre tela. Muitas vezes, você não sabe se é ilustração ou se é pintura, quer dizer, existem realmente diferenças conceituais, de estética até, entre a ilustração e a pintura.
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SPF Que pintor americano, por exemplo, tem essa forma de trabalho? RO Por exemplo, quase toda pintura americana é figurativa, essa é uma característica da pintura americana: ser figurativa e ser realista, isso é uma influência direta da ilustração nos Estados Unidos. Isso é uma opinião pessoal, logicamente, acho que é arte nacional deles. (…) Então, o americano tem muito esse culto à imagem narrativa, que nós precisamos também ter, só que a nossa formação foi muito oral, a nossa formação é muito voltada para a tradição oral e, no caso dos Estados Unidos, é muito voltada para a tradição visual, isso é interessante, essa diferença entre duas visões da ilustração.
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SPF E com relação aos pintores? Quais são os pintores que o influenciaram? RO Para a formação acadêmica, para a formação do ofício de
qualquer ilustrador, ele tem que procurar os clássicos. A formação clássica é necessária, não podemos nos aventurar em ilustração se não temos um bom domínio da figura humana. E para ter um bom domínio da figura humana, temos que retroceder um pouco no tempo, temos que ir até o Renascimento. Um jovem que estuda bem Raphael, por exemplo eu não estou citando nem Leonardo, nem Miguelangelo, porque eles são outras formas de desenhar estou citando Raphael porque ele é o equilíbrio entre os dois, ele é o homem do meio. Esse ilustrador, que estuda os clássicos, será imbatível, porque ele vai fazer qualquer coisa ao longo de sua carreira. Se ele consegue aprender os fundamentos que esses mestres passam eu citei aqui apenas o Raphael, mas poderia citar outros ele não só tem o domínio do espaço, como tem o domínio do tempo e da narração, porque a pintura ocidental sempre foi muito narrativa. Ela só deixa de ser narrativa no início do século XX, quando advém o informalismo, quando advém a arte abstrata, mas até a arte abstrata a pintura do Ocidente contou muita história. Daí vem a importância da pintura na formação dos ilustradores.
O desenho é sempre um estopim, é sempre um estímulo à fala.
SPF Como deve ser o diálogo com o texto, Rui? Você disse que costuma ler o texto antes de ilustrar, mas qual é o seu processo de ilustração? RO Eu gosto muito de ler. Eu citei que o ilustrador necessitaria de ter uma formação pictórica, uma formação de design, mas ele também tem que ter uma formação literária, tem que gostar de ler, não se admite um
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SPF Aliás, você diz isso no livro Pelos jardins Boboli, que não há como o ilustrador não ser ilustrador se ele não lê, se não for um bom leitor. RO Tem que ser um bom leitor, ele tem que conhecer literatura, tem que conhecer escolas. Por exemplo, ilustrar um escritor realista é diferente de ilustrar um escritor contemporâneo fantástico. Muda tudo, muda a maneira, muda a palavra, muda o desenho, é assim que eu vejo. Nesse caso, a literatura automaticamente tem um outro clima para essa palavra, para essa literatura, e esse clima é dado pelo ilustrador. É necessário conhecer bem as metáforas literárias para saber traduzir essas metáforas literárias em metáforas visuais. Talvez essa seja a maior dificuldade da arte de ilustrar. Muitas vezes, (…) o
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ilustrador que não goste de ler. Porque, muitas vezes, o que é interessante na ilustração não está no texto, está no entre-palavras, está naquilo que o escritor não está dizendo ou, então, está dizendo de uma forma muito rápida, nem sempre aquilo que é interessante como literatura é interessante como ilustração. (…) Quer dizer, você precisa ler para poder ilustrar, aprender a ler as entrelinhas, aprender a ler além de tudo aquilo que o escritor diz. Muitas vezes, você até faz o seu trabalho com elementos que o escritor nem escreveu, eu chamo isso de leituras paralelas, (...) é quando o ilustrador começa a contar as suas próprias histórias a partir do texto, quer dizer, não é burlar o texto, mas criar outros interesses que não sejam só o que está no texto.
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escritor diz assim: “o cavalo azul”. O cavalo azul pode ser extremamente poético na palavra, mas quando você passa isso para o papel, você concretiza, você cria um corpo. A grande dificuldade da ilustração é justamente esse dado: você tem que corporificar a abstração, porque cada um tem um cavalo azul, quando você passa para o papel, faz um específico cavalo azul, que muitas vezes não está de acordo com aquilo que deveria ser o cavalo azul.
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SPF Então, a ilustração não precisa ser fiel ao texto? RO Não. Ela tem que ser coerente. Ela não tem que ser um espelho do texto, tem que ser um prisma. Eu vejo a ilustração como um prisma do texto, ela não é um espelho, a ilustração não é um simulado desenhado do texto, tem que ir muito além disso, porque senão ela não tem interesse para uma criança, pois ela vê algo que já está lendo. Você tem que sugerir novas leituras a partir daquilo que a criança está lendo, ela está vendo algo, mas também está lendo outras coisas... Ver essas “outras coisas” é o oficio do ilustrador: é criar, como disse ainda pouco, essas leituras paralelas, essas leituras que você faz, a sua própria literatura. O ato de desenhar, o ato de ilustrar é uma forma literária, é uma forma de literatura, é uma forma de escrever, ilustração é o alfabeto. Então, a criança vai ler de acordo com a sua cultura, com a sua formação social, com seu nível familiar, etc. Mas ela fica muito mais feliz quando descobre mais alguma coisa. E quando vê automaticamente aquilo no desenho, cria até uma certa frustração para ela.
SPF Com o livro Cartas Lunares, que foi ganhador do Prêmio ABL de Literatura Infantil em 2006, você foi autor do texto e das ilustrações. Como foi essa experiência de escrever e ilustrar? RO Foi muito engraçado, quando eu recebi o diploma do Ivan Junqueira, nosso grande poeta, nosso grande tradutor, ele falou assim: “A Academia está dando o prêmio para o seu texto”, porque eles não opinam sobre ilustração, o prêmio foi dado para o texto, a ilustração não é área deles. Mas foi muito interessante porque, nesta mesma época, pela primeira vez, quando eu fiz trinta anos de carreira, eles fizeram uma exposição de uma síntese da minha obra, do meu trabalho, dentro da Galeria Manuel Bandeira. Foi a primeira vez que a Academia fez isso com um ilustrador. Mas é interessante, realmente, um livro que é ilustrado e eu ganhei um prêmio como literatura. Talvez por isso, porque o ilustrador, se ele ler bem, aliás não só o ilustrador, mas qualquer pessoa, se você se familiariza com o ato de ler, você certamente escreve bem, você certamente escreve corretamente, você certamente sabe se auto-expressar, inclusive verbalmente. Quer dizer, a palavra escrita é o alicerce, é a fonte para expressão verbal. É por isso que eu vejo que é muito importante o ato de ler não só para o ilustrador, mas para qualquer pessoa. Aqui, no caso, estamos falando do ilustrador. SPF Você lê os textos antes? RO Leio os textos, faço a minha interpretação, faço as minhas anotações. Eu geralmente procuro fazer pesquisa, eu pesquiso muito. O texto é uma sugestão
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SPF Você também já trabalhou em televisão cuidando da parte gráfica de um programa, que está até hoje no imaginário de muita gente, que foi o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Como é fazer ilustração de algo que sai do papel e vai para uma tela? RO Foi um problema muito grande, porque eu estava recém-chegado ao Brasil, havia passado muito tempo fora estudando e eu não tinha, na verdade, nenhuma experiência na televisão, a minha experiência era de cinema, cinema de animação e cinema de sequência viva. E quando eu fui trabalhar na Globo, no caso, que fazia uma co-produção com a TVE que era o Sítio do Pica-Pau Amarelo, que foi o maior projeto feito até hoje para a criança em televisão, eu realmente não conhecia nada. Eu me lembro quando saí na rua comprando livro de televisão. A televisão para mim foi impor-
tante para ilustração, porque a televisão é síntese, a televisão é um resumo de algo que tem que ser lido e visto com muita rapidez. Eu acho que essa economia gráfica que a televisão exige é justamente o oposto do ato de desenhar, o ato de desenhar ele é prolixo, o ato de desenhar ele é extravagante, ele é bizarro, na televisão não você tem que ser conciso. É uma dialética dos opostos, essa dialética de coisas tão antagônicas me ajudou muito no ato de ilustrar anos depois, porque durante o período de televisão eu ilustrei muito pouco, não tinha tempo também. SPF Então você acha que a alfabetização visual é imprescindível? RO Eu acho que sim, até por uma questão de amor à cidade, por uma questão urbana, uma questão de a pessoa preservar uma árvore, a beleza de uma árvore, preservar um prédio, não pichar esse prédio. A educação visual talvez esteja muito mais próxima de formar um cidadão (...). Por exemplo, a criança passa a gostar da cidade dela e do bairro dela quando descobre, por exemplo, que um prédio do bairro foi construído no século XIX e é um prédio barroco, que tem um valor histórico muito grande. É importante valorizar a história da arte e saber valorizar a história da cidade. Até certo ponto, a própria ecologia advém da formação plástica que uma criança tem na escola. SPF Rui, muito obrigado por essa entrevista! RO Eu é que agradeço essa oportunidade de falar sobra imagem. Parece um pouco insólito falar sobre imagem, mas as imagens para serem imagens precisam ser verbalizadas também.
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apenas para mim, depois é que começa o grande problema que é você encontrar a forma para abstração. É você encontrar um desenho que seja apto, que seja adequado para aquela literatura. Esse é o maior tempo que eu levo, não é o tempo de desenhar, é o tempo de você conceituar a ilustração. E as pessoas podem ver isso no meu trabalho, que eu mudo muito de estilo. Na verdade, eu não mudei de estilo, o escritor mudou, a palavra mudou. Claro que há sempre seu “DNA”, há sempre coisas que as pessoas identificam, “isso foi o Rui quem fez”. Eu posso estar ilustrando escritores diferentes, mas há sempre uma coisa que você repete, que não é bem o estilo, é o seu modo de ver a literatura. Eu não chamo isso de estilo, eu chamo isso de abordagem.
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a arte de Matheus Costa
SEM TÍTULO por Leticia Quintilhano
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Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós.
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Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós. Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da
fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós. Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação diante
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