APOSTILA ARTE AO NATURAL

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Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura e Honda apresentam:

ARTE AO NATURAL

Oficinas de artes plásticas com ênfase no grafismo africano e indígena (brasileiro, inca, maia e norte-americano) a partir de materiais naturais encontrados no meio ambiente e pigmentação natural.



OBJETIVO Proporcionar ao participante a oportunidade de deixar fluir a sua subjetividade, dando vazão a seu impulso de expressão e comunicação. Trazer o olhar do indivíduo para o meio natural, valorizando materiais acessiveis, explorando o potencial expressivo da materialidade da terra e vegetais que podem ser usados em diversas técnicas artísticas. Promover um olhar mais sensível e de sustentabilidade ao meio natural. Possibilitar o aprendizado de extração de pigmentos, produção, conservação e aplicação de tintas. Finalmente, expressão e leitura dos trabalhos produzidos.


CURSO – PARTE TEÓRICA

PARTE 1 – HISTÓRIA DOS CORANTES NATURAIS

As cores sempre exerceram fascínio sobre a humanidade. Por toda a história, corantes e pigmentos foram objetos de atividades comerciais. O uso de corantes pelo homem tem mais de 4.000 anos. Os pigmentos naturais vêm sendo empregados desde a pré-história para a obtenção de cores diversas em pinturas ou na confecção de objetos utilitários.

As cavernas pintadas em Lascaux, na França, datadas de cerca de 12.000 a.C. revelam as primeiras cores usadas pelo homem. Os pigmentos principais, vermelho ocre e preto, simbólicos da vida (sangue) e morte, eram comumente criados a partir dos óxidos de ferro que coloriam a terra vermelha e do carvão ou osso queimado. Eles eram misturados às gorduras de animais e aquecidos para serem trabalhados. O amarelo ocre também era usado, enquanto o branco brilhante, feito a partir dos cristais da calcita, eram cuidadosamente incorporados no projeto total, entre as linhas de contorno do desenho, nas paredes da caverna.

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Os pigmentos eram inicialmente obtidos de fontes naturais: o uso de corantes artificiais só iniciou em 1856. Entretanto, muitos corantes naturais utilizados na antiguidade ainda são empregados, e em larga escala. Exemplos são o índigo e a henna, utilizados na indústria têxtil e de cosmética, respectivamente. Atualmente a crescente conscientização ecológica vem buscando uma reutilização de matérias primas naturais, particularmente para uso como pigmentos, de modo a diminuir o impacto ambiental provocado pelos métodos sintéticos de produção. As tintas naturais podem ter muitos benefícios, o principal deles é justamente eliminar componentes químicos de sua composição. As roupas tingidas com tintas naturais precisam de alguns cuidados especiais, mas elas são bem menos agressivas tanto para o meio ambiente quanto para as pessoas que as utilizam. Os pigmentos naturais extraídos das fontes naturais são compostos por matérias orgânicas de origem vegetal, mineral e animal. Neste trabalho estaremos desenvolvendo tintas à base de pigmentos vegetais e minerais.

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CURSO – PARTE TEÓRICA PARTE 2 - TINTAS NATURAIS

A produção de tintas naturais é um rico universo de possibilidades que não se acaba, considerando que o gesto de fazer tintas é pessoal e varia pelo próprio interesse do artista ou artesão, se o mesmo busca tons alegres e vivos ou terrosos e sóbrios. Além da relativa disponibilidade e condições do meio ambiente em que se atua. Contudo, é uma alternativa viável e sustentável de produção artística, agregada ao valor cultural de resgate de antigas técnicas pictóricas aliada ao enfoque saudável e terapêutico que essa prática promove. As tintas naturais podem ser utilizadas livremente por crianças, gestantes, idosos, pessoas alérgicas ou com baixa imunidade. São excelentes para utilização em salas de aula devido ao baixo custo, potencial criativo, diversidade de cores e texturas, além de serem facilmente preparadas e manuseadas. Recomenda-se guardá-las em potes fechados depois de utilizadas, bem como armazenar em geladeira as que forem perecíveis. Podem ser preparadas de acordo com a técnica a ser utilizada: aquarela, guache, têmpera e óleo. Cada técnica utilizada irá produzir determinados efeitos em virtude da combinação de pigmentos, aglutinantes, fixadores e conservantes.

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É também possível utilizar técnicas de sobreposição de cores, veladuras, sombreamento e criação de volume e texturas. As várias técnicas empregadas variam conforme o suporte utilizado, se papel, tela, madeira, cerâmica, pedra, vidro, parede, tecido ou fibras vegetais. As tintas naturais podem ser utilizadas em pinturas diversas e também em tingimentos de tecidos e fios (algodão, juta, lã, buriti, rami, sisal) e para isso é necessário utilizar caldeirão de grande porte e mordentes¹ apropriados para cada vegetal e material a ser tingido.

(1) Mordentes são elementos químicos que facilitam a fixação do corante nas fibras. De um modo geral os corantes naturais só tingem tecidos de fibras naturais como a seda, a lã e o linho. Os corantes vegetais utilizados com mordentes adequados, tingem rapidamente e muito bem todos os tecidos de fibras naturais.

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CURSO – PARTE TEÓRICA PARTE 3 - TINTAS VEGETAIS

As plantas são capazes de fornecer mais de 500 cores. Você pode utilizá-las para tingir tecido e papel, corar alimentos ou em cosméticos. Obtendo cores através dos pigmentos vegetais

AÇAFRÃO (amarelo)

Dissolver uma colher (sopa) cheia de pó de açafrão (comprado em mercado ou feira livre) em meio copo de água filtrada com uma colher (sopa) de álcool. Mexer bem e após, acrescentar uma colher (café) de cola branca rótulo azul dissolvida em um pouco de água. Não entrar em contato com área pintada em azul (anil) devido a reação química. MATE DE CHIMARRÃO (verde escuro)

Levar para ferver duas colheres (sopa) bem cheias de mate de chimarrão com meia colher (café) de bicarbonato de sódio em dois copos de água. Deixar ferver por 15 minutos. Coar e acrescentar uma colher (café) de cola branca rótulo 8


azul, diluída em um pouco de água. URUCUM (vermelho)

Coletar o fruto do urucum antes de amadurecer totalmente, a casca deve estar meio macia. Debulhar e colocar as sementes em água filtrada da noite para o dia. Mexer bem e coar em peneira, apertando as sementes para soltar o pigmento. Guardar em geladeira, se quiser pode guardar com as sementes e a medida que for utilizando coar novamente (assim a tinta fica mais concentrada). Retirar o que será usado e acrescentar um pouco de cola branca rótulo azul, diluída em água filtrada. ANIL (azul)

Dissolver um tablete de Anil (comprado em mercado para branquear a roupa) em 50ml de água filtrada. À parte, dissolver uma colher (sopa) cheia de goma arábica e acrescentar ao anil diluído. Não é necessário guardar em geladeira. Se quiser um tom mais claro, acrescentar uma colher (sopa) de argila branca diluída em uma colher (sopa) de água filtrada e mexer bem. CARVÃO (preto)

Triturar pedaços de carvão socando em um pilão e levar para ferver por meia hora. Bater no liquidificador com a água e 1 colher (sopa) de álcool e voltar a ferver por cerca de 40 minutos. Coar e acrescentar 1 colher (sopa) de goma arábica para cada copo de líquido mexendo bem para ficar 9


homogêneo. Pode-se também utilizar fuligem de carvão, encontrada no teto de forno a lenha, acrescentando álcool, água filtrada e goma arábica. AMORA OU CASCA DE JABUTICABA (lilás)

Picar bem as amoras ou as cascas de jabuticaba e deixar de molho da noite para o dia. Ferver por uma hora na própria água que ficaram de molho. Guardar em geladeira e tirar o que será usado. Coar e acrescentar uma colher (sopa) de cola branca rótulo azul, diluída em um pouco de água filtrada. CAFÉ (marrom)

Fazer um café bem forte utilizando café solúvel. Acrescentar goma arábica ou cola branca rótulo azul, diluída em um pouco de água filtrada. Para reaproveitar sobras de café, juntar durante uns dias o café que sobrou e guardar em geladeira. Juntar também a borra de café de alguns dias. Colocar tudo em uma panela, acrescentar uma colher (café) de amoníaco liquido e deixar ferver por 40 minutos. Coar em coador e guardar em geladeira. Retirar apenas a porção que será usada e acrescentar cola branca rótulo azul ou goma arábica. ESPINAFRE (verde claro)

Bater no liquidificador espinafre, meio limão sem sementes e um pouco de água. 10


Coar e acrescentar um pouco de cola branca diluída em água filtrada. Guardar em geladeira. BETERRABA (rosa)

Bater no liquidificador uma beterraba descascada e picada, suco de um limão e uma gema de ovo. Coar e acrescentar um pouco de cola branca diluída em água filtrada. Guardar em geladeira. Tinta de CASCA DE CEBOLA (ferrugem claro)

Colocar de molho um pacote de supermercado de cascas de cebola com um litro de água e uma colher (sopa) de amoníaco. Deixar de molho por 24 a 48 horas. Ferver por mais ou menos uma hora. Coar e acrescentar um pouco de cola branca diluída em água filtrada. Não é preciso conservar em geladeira.

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CURSO – PARTE TEÓRICA Outras Receitas

TINTA GUACHE: pode ser usada no papel ou na pele.

Material: 1 panela com tampa, água, colher, peneira ou coador, bacia, potes com tampa, etiquetas, gema de ovo, talco. Material orgânico para as cores: Casca de jabuticaba (rosa) Casca de uva preta (azul) Amora ou morango (tons avermelhados ou violetas) Espinafre ou erva-mate (verde) Folha de beterraba ou cenoura (verde) Beterraba (vermelho) Cenoura (laranja) Semente de girassol (amarelo) Pó de café (marrom) 1 - Coloque um copo de ingrediente escolhido picado ou em pó na panela. Adicione 1 litro de água. 2 - Tampe a panela e coloque para ferver. 3 - Depois que começar a ferver, reduza o fogo e cozinhe de 45 min. a 1 hora, mexendo constantemente. 4 - Retire do fogo e deixe esfriar bem. 5 - Coe ou passe a mistura na peneira, coloque a tinta nos potes e identifique com as etiquetas. Para a pintura em papel a tinta está pronta. 6 - Para usar na pele, acrescente 1 gema de ovo e talco até 12


formar uma pasta que lembra a tinta guache. 7 - Cuidado: teste na mão antes de usar na pele toda para prevenir reações alérgicas. (Prof. Rosane Santos)

TINTA DE NEVE

Material: Água, sal e farinha de trigo Em uma tigela misture 240 ml de água, 250 g de sal e 125 g de farinha de trigo, mexendo bem até obter uma substância homogênea branca, bem parecida com neve; principalmente se for aplicada sobre papel ou cartolina preta. Caso deseje obter outras cores, acrescente tinta guache ou corante alimentício na cor de sua preferência.

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CURSO – PARTE TEÓRICA PARTE 4 - TINTAS MINERAIS

Para preparar as tintas minerais utilize pedras coloridas trituradas ou argila medicinal em pó encontrada em lojas de produtos naturais. Se for coletar no campo, procure em áreas rurais, próximas a cachoeiras, lagos e rios. HIGIENIZAÇÃO DA ARGILA

Passar a argila coletada por uma peneira grande, eliminando os torrões. Levar ao sol por no mínimo duas horas. Peneirar em meia de nylon ou pedaço de voil, utilizando máscara (tipo hospitalar) para proteger narinas e pulmão. Voltar ao sol ou em forno baixo por meia hora. Para preparar a tinta utilize uma colher (sopa) de cola branca rótulo azul ou goma arábica dissolvida em 6 colheres (sopa) de água filtrada e acrescente aos poucos a mesma medida de argila, ou menor quantidade se preferir. A quantidade de cola vai depender do tipo de argila e do suporte a ser empregado. A argila branca pode ser misturada a outras cores, mas as demais não devem ser misturadas. Há muitas variações de tons de terra.

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Pintura realizada com pigmentos terra

Como preparar o pigmento para virar tinta?

• Recolha uma média de 10 colheres de terra, verificando se o tom é o mesmo. • Despeje a terra sobre um jornal e esfarele a mesma, desfazendo os caroços que se formam. • Passe a terra já esfarelada numa peneira para retirar pedrinhas, galhinhos ou outras sujeiras. • Guarde o pigmento “limpo” num vidrinho com tampa Fórmula: PIGMENTO + UM POUCO DE ÁGUA + COLA BRANCA = TINTA

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FIXAÇÃO DAS CORES

Para fixar as cores no tecido deve-se esperar a secagem completa e após, passar a ferro bem quente o lado avesso, onde não está a pintura, e manter por alguns segundos. O tecido só poderá ser lavado à mão, delicadamente usando sabão neutro e secado à sombra. Os contornos dos desenhos podem ser reforçados depois da fixação com caneta para tecido Acrilpen da Acrilex, na cor desejada. Pode-se também utilizar a fixação a vapor, conforme técnica utilizada para pintura de seda.

Grafismos étnicos 1. Grafismos Indígenas As etnias indígenas encontram-se em várias áreas do mundo e são bem diferentes entre si. Dentre elas podemos destacar os seguintes povos: INDÍGENAS NORTE-AMERICANOS

A maioria das etnias já foram extintas, as que restaram (como os Sioux e Pueblos) utilizam seus grafismos em cerâmicas, trabalhos têxteis e de couro. 16


Fazem uso de cores vibrantes como o vermelho, o amarelo e o turquesa, obtido das pedras turquesas. INDÍGENAS ASTECAS

Encontrados no México, aplicam os grafismos em têxteis de tear e bordados, além de cerâmicas, trabalhos com miçangas e ourivesaria. INDÍGENAS MAIAS

Encontrados no México e América Central (Guatemala e Panamá) Aplicam os grafismos especialmente em têxteis: tapeçarias em tear de algodão e bordados INDÍGENAS INCAS

Encontrados no Perú, Bolívia e Equador Aplicam os grafismos em cerâmicas, ourivesaria e especialmente em têxteis INDÍGENAS BRASILEIROS

O Brasil possui cerca de 300 etnias, entre as conhecidas e as não contactadas pelo homem branco, o que o caracteriza

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como o país de maior diversidade étnica do mundo. Além disso, devemos considerar a influência africana na cultura brasileira, a imigração europeia e a interligação entre essas vertentes culturais entre si. O grafismo pode aparecer em variados suportes como: o corpo e/ou rosto (como os Kadiwéu, Kayapó Xikrin do Cateté, povos do Xingu); madeira (especialmente em máscaras rituais e utilitários ); cerâmica (como os Asurini, e Juruna do Xingu, Tukano do Amazonas); cestaria de fibras vegetais, redes de dormir e outros têxteis; couro de vaca (somente os Kadiwéu do Pantanal do Mato Grosso utilizam esse suporte, no qual fazem pinturas com sumo de jenipapo); armas de guerra (como os Wayana do Pará) ; entrecascas de árvores (como os Tikuna do Amazonas); cuias e cabaças (como os Asurini do Xingu e os Kadiwéu do Pantanal do Mato Grosso); em trabalhos com miçangas (como os Wayana do Pará e os povos do Xingu) e, recentemente também sobre papel (como os Kayapó, Kadiwéu e Karajá). Em geral, as cores utilizadas pelos indígenas brasileiros são os tons terrosos (ocre, ferrugem, amarelo, bege) obtidos das argilas. Os tons mais intensos como o vermelho e laranja do urucum e o preto azulado do jenipapo, o preto da fuligem de carvão e o branco do caulim. Somente os Kadiwéu (MS) utilizam cores mais vivas como o azul, rosa, preto, aplicados em cerâmicas. Segundo Darcy Ribeiro, antropólogo que se especializou 18


em arte indígena brasileira “...o objeto artístico produzido pelo índio brasileiro é perfeito, porque ele quer se retratar nesse objeto.”

2. GRAFISMOS AFRICANOS A África abriga cerca de 1000 etnias distribuídas em seus vários países, sendo que alguns deles como a Nigéria possui numerosas etnias. Os principais redutos da arte africana são: Nigéria, Angola, Congo Kinshasa, Gana, África do Sul, Moçambique, Quênia, Uganda, Daomé, Costa do Marfim, Senegal e Marrocos. O grafismo africano é muito diversificado, podendo aparecer em esculturas e peças de ourivesaria; entalhes de madeira nos bancos, máscaras rituais, tigelas e taças de cabaças; em escudos de madeira e couro pintados; em cerâmicas, cestaria, relevos de paredes de barro; pinturas de fachadas de casas; tear de algodão e ráfia e em padrões de “batik” de peças de vestuário e decoração. As cores utilizadas são bem vivas e vibrantes, como o azul, amarelo, verde, vermelho, preto e branco e as matériasprimas são obtidas dos vegetais (como a anileira que produz o azul “índigo”) e os vários tons obtidos das argilas, por eles denominadas “tintas de barro”. Segundo Iracy Carise, artista e antropóloga que pesquisou 19


a arte africana por 50 anos,”...a cultura africana tem características diferentes em cada região - mas não há dúvidas que existem traços comuns na sociedade da África negra, ou seja: – A crença em uma força vital da qual participam seres vivos; – A supremacia do chefe da família e do chefe da tribo; – A vida do grupo é a que predomina.” Iracy Carise em “África: trajes e adornos”

Grafismos Indígenas Grafismo de cerâmica Marajoara(PA) e grafismo corporal karajá (GO , PA)

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Grafismo de Máscara ritual do Xingu

Grafismo Indígena Pataxó- Bahia

Grafismo Corporal e de cerâmica Kadowéu (MS)

Grafismo corporal e de cerâmica Assurini do Xingu

Grafismo de cerâmica Marajoara (PA)

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Grafismos Africanos

Nigéria

Marrocos

Angola

Mauritânia

Grafismos Aborígenes Australianos

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CLARA AIDAR Formada em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas, possui Pós-Graduação em “Povos Indígenas do Brasil” pela Lato Sensu, Centro de Estudos e Pesquisa no Litoral Cepel/ Unesp (São Vicente, SP). Mestrado em Linguística, na Área de Análise do Discurso Aplicada à Propaganda Política (dissertação não concluída). Prof. Orientador: Haquira Osakabe pela Universidade Estadual de Campinas.


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