PRIMEIRO TEXTO
Jornal Laboratório do 4o semestre de Jornalismo (FaAC) - Noite - Edição Especial - Dezembro 2007
CADERNO ESPECIAL
Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
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Editorial
Jornalismo Social DOUGLAS LUAN E SHEILA ALMEIDA Nós, alunos, sabemos que o Jornalismo cumpre uma função social muito importante. Os professores nos falam isso desde o primeiro dia em que entramos na faculdade. Essa importância é comprovada a cada dia, a cada reportagem universitária que nos traz cada vez mais aprendizado. Neste último mês, ao visitarmos o bairro da Vila Alemoa, uma antiga vila que fica à margem da Rodovia Anchieta, na entrada da cidade de Santos, conhecemos de perto uma realidade completamente diferente daquelas que estamos acostumados a ver. Em nosso dia a dia, passamos por ruas asfaltadas, largas, bonitas com esgoto tratado e carros do ano. Tudo isso foi trocado pela visão de becos com cerca de um metro de largura, pontes de madeira, estreitas e perigosas, e carros bem longe, pois o acesso para veículos automotores na maior parte da favela é impossível. Assim foi a primeira impressão durante a visita da turma da Jornalismo, ao bairro. Enfim, muitos tiveram um verdadeiro choque de realidade. Além de servir para nos abrir os olhos para uma realidade até então desconhecida, esse primeiro contato nos ajudará daqui para frente no dia-a-dia do Jornalismo. Daí a convicção: momentos como estes nos fazem enxergar a vida de uma outra forma, pois o povo da Alemoa precisa de ajuda, e nós, como futuros jornalistas, temos que fazer alguma coisa. Já sentimos na pele a força do Jornalismo. Fazíamos estágio em um jornal comunitário na Zona Noroeste quando fomos pela primeira vez até a Vila Alemoa. Lá conhecemos um bebê que morava numa palafita com sua mãe. A criança tinha um problema de má formação nos lábios, conhecido como lábio leporino. Por essa razão, não podia mamar. Essa família precisava de ajuda e fizemos uma matéria contando o caso do bebê. Em pouco tempo, diversas doações chegaram à casa da mãe da criança. Elas vinham de empresários e pessoas comuns que leram o jornal e se sensibilizaram com aquela história. Ficamos felizes e satisfeitos por saber que aquilo sim era Jornalismo. Quando surgiu a oportunidade de mostrar o que vimos para os nossos colegas, não pensamos duas vezes. Numa disputa acirrada pela escolha do bairro que visitaríamos, a Alemoa ganhou por um voto do Quarentenário, na Área Continental de São Vicente. A partir daí as portas se abriram e a classe conheceu um pouco mais de uma área que também faz parte de Santos. Nas próximas páginas você, leitor, verá a realidade traduzida em textos feitos por nós, alunos, em pleno exercício da futura profissão. Além de denúncias graves, matérias factuais e investigativas, mostramos também uma Alemoa humana. Um bairro formado por pessoas que ainda têm um fio de esperança, uma vontade de mudar, de ter uma vida melhor. Esperamos que esse trabalho sensibilize a sociedade, assim como o texto daquela criança que conseguiu ajuda por meio de um trabalho jornalístico semelhante a esse. Esperamos também que essa edição especial do Primeiro Texto sensibilize as autoridades competentes para que a realidade que perdura por décadas, se torne realmente passado. Esperamos também que os nossos textos mostrem aos moradores do bairro que vale a pena lutar por uma comunidade melhor. Por fim, esperamos que o Jornalismo sempre cumpra a sua função social. Expediente PRIMEIRO TEXTO é o Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo. Redação, edição e diagramação dos alunos do 2º ano de Jornalismo do período noturno. Diretor da FaAC: Humberto Iafullo Challoub Coordenador de Jornalismo: Robson Bastos Professores Responsáveis: Fernando Claudio Peel, Fernando De Maria, Luiz Carlos Bezerra e Valéria Nader. Editores de textos: Douglas Luan e Sheila Almeida Editor gráfico: Aline Monteiro Editor Fotográfico: Jeifferson Moraes Foto da capa: Sheila Almeida O teor das matérias e artigos são de responsabilidade de seus autores não representando, portanto, a opinião da instituição mantenedora. DIAGRAMAÇÃO: ELAINE SARAIVA
Dezembro 2007
Alunos ouvem moradores e elaboram mural comunitário
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GABRIELA SOLDANO
s alunos do 4º semestre de Jornalis mo participaram de um Projeto Comunitário do Primeiro Texto. Cada aluno produziu uma matéria sobre a Vila Alemoa, sob a orientação dos professores Fernando De Maria, Fernando Peel, Luiz Carlos Bezerra e Valéria Nader. Primeiramente, três líderes comunitários compareceram à Faculdade: Maria Luiza Cristina de Jesus Silva, Ronaldo Pereira e Joselma Lima da Silva, pertencentes a Frente Popular da Vila Alemoa. Eles conversaram sobre o bairro, explicando as dificuldades e as possíveis soluções para os problemas do local. Os alunos ouviram atentos para posterior produção do mural. Todos puderam sanar
suas dúvidas sobre a Alemoa, com perguntas desde saúde pública até a contribuição da mídia para a melhoria do lugar. Os líderes informaram que hoje há na Alemoa 1113 famílias vivendo com luz elétrica e água precários, além de esgoto a céu aberto. Eles reclamaram da falta de urbanização do local para melhorar a qualidade de vida. Também explicaram aos alunos sobre as condições em que estão convivendo as vítimas do incêndio de 19 de dezembro de 2006; sobre as escolas disponíveis para as crianças moradoras da vila; das condições de atendimento da policlínica e sobre o projeto da CDHU. Falaram também sobre a Sociedade Melhoramentos e do movimento que está tentando ajudar a comunidade, do qual fazem parte a Frente Popular da Alemoa. Os alunos também per-
guntaram sobre a coleta seletiva do lixo no local, a ação da Polícia Militar e também sobre as empresas que ali se instalaram. Os líderes explicaram ainda sobre a falta de projetos do governo para a melhoria do local, tanto no lazer quanto em termos de educação e cultura, entre outros assuntos que foram levantados na ocasião. No final da reunião, cada aluno recebeu uma pauta, escolhida por eles mesmos para a produção do mural. A segunda etapa do trabalho foi visitar a Alemoa, no dia 6 de outubro de 2007, para a elaboração das matérias. O veículo será enviado para cada vereador e também para o prefeito da Cidade, para que eles possam conhecer os problemas da comunidade, que vai ter voz por meio dos alunos do curso de Jornalismo. Sheila Almeida Sheila Almeida
Depois de ouvir os moradores da Vila Alemoa, alunos discutem os assuntos que virariam matérias
Alemoa: histórias e paradoxos P AULA FURLAN Em um bairro cheio de paradoxos, uma história que se entrelaça ao próprio desenvolvimento da Cidade. No bairro da Alemoa, encontra-se uma réplica da realidade do País: a convivência nem sempre harmoniosa e pacífica entre um dos pólos industri ais mais im portantes para a economia paulista e nacional e uma das áreas mais pobres e sem estrutura do Município. Apesar da austeridade de suas indústrias, a Alemoa era, em princípio, um bairro rural, formado na maior parte por sítios. Com a criação da Via
Anchieta, na década de 50, o caráter residencial do bairro foi quase totalmente perdido, as indústrias e empresas retroportuárias se instalaram na região, que é vizinha do município de Cubatão, lugar estratégico para que os serviços destas companhias subissem a Serra do Mar. As palafitas começaram a ser construídas a partir da década de 60 e hoje a favela da Alemoa comporta cerca de 10 mil habitantes – contra apenas cerca de 600 no restante do bairro. O nome A lemoa ou Alamoa também é motivo de controvérsias. A história oficial conta que a esposa de um imigrante ale-
mão, M aria M argari da Künem, adquiriu um sítio no lugar que hoje abriga o bairro da Alemoa. O povo se referia a Adan Künem como “o alemão” e após sua morte, passaram a chamar o lugar de sítio da Alemoa ou Alamoa, que apesar de gramaticalmente incorreto, permaneceu. O pesquisador Daniel Bicudo diz, ainda, que o nome pode ter surgido com os imigrantes portugueses de Famalicão, da antiga lenda portuguesa das almazenas ou almajonas, mulheres gordas, grandes, de seios imensos, também chamadas de alamoas, vistas como assombrações.
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A primeira impressão é que não “dá”
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Jeifferson Moraes
JOSÉ BARBOSA
primeira impres são é de que a vida é inviável na quelas condições. Casas amontoadas, ainda de alvenaria, a pobreza estampada nas moradias, vestuário e rostos que recepcionaram os alunos mais cautelosos do que curiosos. Em pleno movimento dos caminhões que rumam para o maior pólo de entrada e saída de mercadorias do País e da América Latina, crianças dividem a pista com os veículos, brincando descalças em meio a emaranhados de fios que se amontoam nos postes, e como uma teia avançam para as casas. Este foi o cenário da primeira parte de uma “viagem” especial. Avançando dentro do complexo “habitável” da Alemoa, o que parecia impossível se torna real. A pobreza descrita acima piora em níveis inaceitáveis. Esse quadro remete a triste verdade, localizada a 15 minutos dos centros de Santos e São Vicente. As casas outrora de alvenaria dão espaços aos madeirites e janelas, ou qualquer tipo de material que possa ser usado para erguer uma “casa”. As palafitas sobre o esgoto e o lixo exalam um odor terrível, nauseante aos narizes acostumados à brisa do mar, o cheiro dos perfumes, e do saneamento básico do ecossistema centro-urbano. Essa deplorável realidade remete a uma música do imortal Chico Science: “Os urubus têm casas, mas ‘eles’ não têm asas” Segunda Impressão Mesmo com todos esses agravantes o comércio é muito aquecido no local. Já
dificuldade de acesso. Contudo, ele passa cinco vezes por semana e chega a vender até 12 botijões por dia, que custam em médi a R$ 33,00 c ada. Como em toda periferia, alguns botijões são vendidos no “F”, como eles chamam, que nada mais é do que o bom e velho “fiado”. Outra loja que atrai a atenção é a do aposentado J o s é M arque s , 70 anos, há cinco morador do complexo. Nascido em Pilar do Sul, desde 1965 na Baixada Santista, ele compra a matéria-prima e faz em sua lojinha, de dois metros de largura por seis de comprimento, os desinfetantes, e cloros, e afins, os quais ele mesmo sai vendendo de porta em porta. Diferente de “Seo Zé”, Manuel do Carmo, 53 anos, comerciante há sete na Alemoa, que comanda uma
Impressão final Como não poderia deixar de ser, o tráfico de drogas e o comércio de produtos sem procedência também ocorrem no local. Segundo uma fonte que preferiu não revelar a sua identi dade, menores comercializam drogas livremente no local. Podese encontrar um cigarro de maconha por R$ 3,00, até drogas sintéticas, como o “Ácido”, que varia de R$ 30,00 a R$ 75,00. De acordo com a fonte, são comuns os playboys - jovens de classe médiaalta - irem até o local em busca da droga, e existe um respeito ao consumidor, mas a maioria não se arrisca a entrar no lugar para c om prar, e us am “aviõezinhos” para fazer o serviço, pois têm medo da ação da polícia. Outro aspecto que chama a atenção são os celulares e aparelhos eletrônicos. Muitos são vistos e os preços desses produtos são caros. Contudo, existe um grupo de pessoas que “c onsegue” estes aparelhos e os levam para as favelas da região, e repassam a preços promocionais. É a saída dos que ainda não conseguem entrar em outros mundos.
idade do grupo é de 40 anos, Marco Aurélio; Cosme e Damião da Silva; Rosa Barbosa e Carlos Roberto Barbosa Barreto, para quem o bairro foi esquecido pelas autoridades. As reuniões acontecem pelo menos duas vezes ao mês, nas sextas-feiras, na
casa da líder. “A Frente Popular é uma organização clandestina”, segundo Ronaldo. “Uma das pretensões é torná-la oficial e construir uma sede.” As últimas conquistas da equipe foram: o pagamento do salário atrasado que a Prefeitura dá para as vítimas do incêndio que ocorreu no ano passado, para pagar o alu-guel das casas, e um palco para a confraternização do Dia das Crianças, cedido pela Administração Regional. Foi o primeiro evento do tipo organizado pela Frente.
Mesmo com os problemas estruturais, comércio é forte na Alemoa
na entrada há uma bicicletaria, uma quitanda, e um bar. Aliás, os bares chamam a atenção, pois a cada quatro bares se vê um comércio diferente. As igrejas também são fatores intrínsecos dentro da comunidade. Padarias, placas oferecendo serviços de carretos e até o artesanato feito pela Maria Lúcia Cristina, a Cris, uma das guias dos alunos, que comercializa na garagem de sua casa, são encontrados no complexo. Na Travessa São Jorge, uma das principais do bairro, um garoto corria com um carrinho, gritando “Olha o gás!”. A estranheza estava no fato de que não havia nenhum caminhão próximo e o carrinho carregava apenas cinco botijões. O rapaz tem 21 anos e se chama Tiago. De acordo com o entregador, os caminhões não chegam até o local pela
mercearia dentro das palafitas, onde carros não conseguem chegar. Por isso, ele não tem fornecedores à sua porta e faz as suas compras no Assai ou no Atacadão, que ficam próximos ao bairro. Contudo, a maior dificuldade ainda não é esta. Ele precisa levar as mercadorias da entrada até o seu comércio com um carrinho de mão, pois não existe outra forma. Manuel trabalha com alimentos.
Apesar de todas as dificuldades, o comércio informal é forte no bairro
Problemas com iluminação foram o “estopim” para a criação da Frente Popular
Frente Popular defende núcleo CAMILA NATALO
A Frente Popular da Alemoa é uma organização de 18 moradores do bairro, formada para reivindicar soluções para problemas da comunidade, sem a dependência da Prefeitura ou da Associação de Melhoramentos do bairro. U m pr o bl e m a c o m a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) foi o estopim para a criação da Frente. No dia 20 de setembro de 2006, a Alemoa ganhava um “time” para trabalhar em benefício da comunidaDIAGRAMAÇÃO: MONIQUE ARAÚJO DE OLIVEIRA
de, idealizado por Maria Lúcia Cristina de Jesus Silva, nascida na Alemoa, que por meio de uma eleição se tornou a l íder do grupo c om 36 votos. Os principais membros, além da líder Cri s ti na, são: Ronal do Pereira, o caçula de 21 anos, já que a média de
Professores e alunos chegando na casa de Cristina, líder da Frente Popular
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Madrugada para esquecer
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AMANDA CRISTINE
Ligações elétricas podem ter ocasionado o incêndio que destruiu os lares de 166 famílias
Algumas famílias foram encaminhadas para abrigos provisórios
or volta de 1h30 da ma drugada, os moradores acordaram com gritos e choros. Assustados tiveram tempo apenas de salvar suas vidas e a de seus filhos. Alguns ainda salvaram os documentos e peças de roupa. Esses foram os momentos difíceis passados por 166 famílias, que ficaram desabrigadas no incêndio do bairro Alemoa, em 19 de dezembro de 2006. “Foi triste! Foi a experiência mais horrível da minha vida e ainda está sendo. Estamos aqui sem esperança, vivendo de promessas”, relembra Maria Virgínia dos Santos, ainda traumatizada com o episódio. “O fogo acabou com todos os barracos e só se apagou porque não tinha mais nada para queimar. Às 6h da manhã, só restava a fumaça”. Os bombeiros tiveram dificuldades no combate ao fogo. Eles não tinham como chegar com o caminhão pipa ao local, pois os becos são estreitos. A mangueira também não alcançava e o hidrante que há no lugar não tinha água. Celso Ricardo dos Santos, uma das vítimas, conta como os moradores tentaram ajudar a apagar o fogo. “A gente se reuniu e quebramos o cano. Pegamos baldes com água e tentamos apagar o incêndio”, relembra.
Atualmente, as famílias estão morando no alojamento provisório da prefeitura e aguardam a construção do conjunto habitacional no morro da Nova Cintra para a mudança definitiva. Mas a situação está indefinida. “Prometeram os prédios e até agora ninguém veio nos dar satisfação. Não falaram mais nada, não temos uma resposta, uma decisão e nem esperança”, afirma Maria Virgínia dos Santos. Alguns dos moradores que estão nos alojamentos provisórios gostariam que esse conjunto habitacional fosse construído no próprio bairro. É como afirma o morador Celso Ricardo dos Santos. “O conjunto habitacio-nal deveria ser construído aqui mesmo, e não no Morro da Nova Cintra, porque temos famílias que moram aqui. Nossos filhos já estão acostumados com o bairro e o nosso trabalho fica aqui perto da Alemoa. Se formos para lá, quem vai arcar com as despesas de transporte?”, indaga. Além de todos esses problemas, as vítimas do incêndio não estão recebendo o auxílio prometido pela Prefeitura de Santos. De acordo com os moradores, a administração municipal deveria doar durante um ano cestas básicas e vale-transporte. “Eles ajudaram com vale-transporte e cesta básica somente por três meses. Depois disso ficamos desamparados”, reclama a dona-de-casa Maria Virginia dos Santos. Jeifferson Moraes
Quem não foi para o abrigo, recebe ajuda da Prefeitura para alugar uma moradia, como esta, por R$ 250,00 mensais
Área da Vila Alemoa devastada pelo incêndio, que afetou 166 famílias DIAGRAMAÇÃO: RODRIGO CASTELÃO
Dezembro 2007 Aline Monteiro
“Gatos” e até churrascos próximos aos barracos podem ser fatais
Incêndios mostram fragilidade das favelas ALINE MONTEIRO O excesso de problemas soci ai s na V il a Alemoa fez com que moradores, c om o Carl os Roberto Barbosa Barreto, participante da Frente Popular, apelidassem o lugar de “Terra dos Esquecidos”. Para eles, a favela não é lembrada pel os governantes, que só se preocupam com a orla da Praia. No dia 19 de dezembro de 2006, um incêndio destruiu cerca de 200 barracos e tornou o bairro da Alemoa mais conhecido. As favelas se tornam alvos fáceis para incêndios devido a proximidade dos barracos, o material de que são construídos e o modo de distribuição da energi a el étri ca. Mari a Virgínia dos Santos, de 57 anos, vive em um dos 30 alojamentos construídos pela Prefeitura para abrigar as famílias que perderam suas casas no ano passado. Segundo ela, os becos estreitos dificultaram a passagem das mangueiras usadas pela equipe do Corpo de Bombei ros p ara a pagar as chamas. Maria Marilene dos Santos, de 35 anos, m or a v a em u m a c as a a l u ga da n a ár ea o nd e ocorreu o incêndio. Ela perdeu o barraco, mas n ão p ôd e p e r m a n e c e r como os demais na Unidade Municipal de Educ a ç ã o (U M E ) Os wa l d o Justo. “Não poderia ficar n aq u el a s i t ua ç ão c o m uma barriga de 8 meses. Fiquei na casa da minha sogra”, afirma. Cubatão O drama de não ter onde viver e precisar dividir o mesmo espaço com ou-
tras pessoas é hoje vivido pelos desabrigados do incêndio ocorrido, no último dia 27 de setembro, em uma favela da Vila Esperança, em Cubatão. Cerca de 50 desabrigados dividem com cortinas de lençóis um pátio da UME D. Pedro I. W el li ngton de Oliveira, 35 anos, e Cintia de Menezes, 30 anos, estão com os seis filhos no pátio da escola. “Minha filha que percebeu o i ní c i o do i nc ê nd i o” . Gabrielly, de 11 anos, assistia ao programa infantil Sítio do Picapau Amarelo quando foi até a porta, percebeu o fogo e avisou a mãe. “Só deu tempo de pegar as crianças, morávamos no fundo e s e d em o rá s s e m o s u m p ou c o m ai s nã o d a ri a para sair”, afirma Cintia. Ainda que os dois acid en t e s t en h a m d e s a brigado muitas famílias, há o alívio de não terem causado vítimas. O que não aconteceu no incêndio da Vila Socó, atual Vila São José, também em Cubatão, em 24 de fevereiro de 1984. O vazamento de 700 mil litros de gasolina no oleoduto da Petrobrás, que ligava a Refi nari a P res i dente B ernardes ao Term i nal da Alemoa, desencadeou o incêndio à uma hora da manhã e queim ou cerc a de doi s mi l barracos. O número de mortos chegou a 93, oficialmente, embora contagens extra-oficiais baseadas no número de alunos que deixaram de comparecer às escolas, e e m f am í l i as i n t ei ra s que não tiveram seus corpos reclamados, afirmem um número apontem 500 vítimas fatais.
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Jovens querem direitos básicos e infra-estrutura
Jeifferson Moraes
JESSICA SALLES
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gua e luz para a maioria das pessoas é o básico da vida, mas para os moradores da Vila Alemoa é a esperança de um futuro melhor. A falta de benfeitorias na comunidade se torna o principal obstáculo de uma perspectiva de vida melhor, principalmente para os jovens, que almejam objetivos diversos. A dona-de-casa, Jaciara Barbosa, 24 anos, tem três filhos e está desempregada. Ela é uma das pessoas que sonha em ter água encanada. “Eu queria tomar banho em um chuveiro, não de balde. Para mim, a felicidade seria a água”. Ela também reclama da situação do bairro e se mostra desmotivada. “Estamos esquecidos. Vivemos em uma situação precária. As ligações elétricas são mal feitas e a qualquer momen-
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Eu queria tomar banho em um chuveiro, não de balde. Para mim, a felicidade seria a água.
Jaciara Barbosa Dona-de-casa
Moradores consideram a água encanada e luz elétrica um luxo. Eles pedem benfeitorias no bairro
to pode causar outro incêndio, sem contar que não temos uma área de lazer. Eles dizem que vão melhorar, mas daqui a quantos anos? Ninguém mais acredita. Eu pelo menos não tenho esperança alguma”. Jaciara estudou até a 6ª série, mas gostaria de te rm i n ar o s es tu do s e cursar Administração. A declaração da moradora não é diferente das outras. A maioria deixa bem claro que resolvendo esses problemas a situação seria melhor. Ronaldo Pereira de 21anos, também tem o sonho de ter água e luz na comunidade. Ele espera um dia ser político para trazer a urbanização ao bairro. “Tendo a urbanização,
Falta do líquido é problema constante M ONIQUE A RAUJO Além dos problemas diários, os moradores da Vila Alemoa, em Santos, sofrem c om o rac ionamento de água no calor. Isso se torna ainda mais constante nas áreas irregulares do bairro. O líquido, necessidade básica no dia-a-dia para lavar roupa, cozinhar, beber, tomar banho, entre outras funções, chega escasso para a população pagante da c o nta da S a bes p, quand o o tem po es tá quente. Se o sol é muito forte, nem passa nas torneiras. A alternativa, em muitos casos, é armazenar em casa ou recorrer ao vizinho. Para Marcos Gouveia, funcionário público e residente há 18 anos do bairro, essa redução ocorre em função da alta temporada de verão. “No calor, eles cortam a água, pois preferem deixar os turistas com água do que a gente”. DIAGRAMAÇÃO: GABRIELA SOLDANO
A situação é mais grave para quem mora na parte invadida, na travessa São Jorge, no final da M al v i na, onde s ó tem água diariamente das 22h às 4h e bem pouca. Caso esteja muito calor, o líquido nem vem. Os moradores deste trecho não pagam conta. Desta forma a ligação é feita sem um marcador da Sabesp. Segundo a empregada dom és ti c a Gi nal v a , que mora no local há 12 anos, a maior dificuldade com a falta d’água é não tê-la para dar aos filhos, quando estão com muita sede. “Nestes dias eles estavam com sede à noite. Tive que esperar amanhecer para dar de beber a el es ”. Ginalva aproveita um cano debaixo de sua casa para lavar roupas. Ela trabalha de segunda a sexta-feira e só fica em casa no período noturno. O único tempo que lhe resta para realizar suas tarefas domésticas é nos finais de sema-
já garantirá a metade do meu futuro”. Ronaldo está desempregado, mas procura um trabalho registrado para pagar o curso de Psicologia que tanto deseja. A falta de infra-estrutura no bairro afeta outras perspectivas dos jovens. Uma delas é a educação, que consequentemente atrapalha a busca por um emprego melhor e qualificado. Cel s o Ri c ardo dos Santos, 25 anos, tem dois empregos. Ele é motoboy e repositor de supermercado e diz que seu maior erro foi parar de estudar. Celso foi vítima do incêndio que ocorreu em dezembro de 2006 e também reclama dos problemas de moradia, água e luz, mas sua prioridade é
terminar os estudos para ter u m bom em p rego. “Queria ser operador de máquinas, mas meu grau de escolaridade é muito baixo, por isso fica difícil”. Ele cursou até a 8ª série. A maioria dos jovens an s e i a m p or m e l h or es c on d i ç õ es d e v i d a n o próprio bairro, mas exist em p es s oa s qu e nã o têm mais esperança em ficar na comunidade. “Estou pensando em ir para Minas Gerais, onde mora meu pai. Faz 17 anos que m or o a q ui e n ã o v ej o mais perspectiva. Apesar da região ter muitas empresas, não consigo emprego porque sou menor de idade”, desabafa o estudante Stiven Jesus Silva, de 17 anos. Jeifferson Moraes
“Queria ser operador de máquinas, mas meu grau de escolaridade é muito baixo, por isso fica difícil”. Celso Ricardo dos Santos Motoboy
“A urbanização, já garantiria a metade do meu futuro”. Ronaldo Pereira
A água é escassa e os moradores precisam captá-la em canos
na. “Estou limpando as roupas desde às seis da manhã. Só faltam os tênis, que pelo jeito terá que esperar, pois já está acabando a água”. De acordo com a líder da Fr ente P opul ar da A l em o a, M ari a Luc i a Cristina de Jesus Silva, cerca de 150 famílias da área irregular convivem c om es s a roti na. A Sabesp, segundo a líder, já foi notificada, mas nada fez para a melhoria de todo o bairro.
Resposta Em resposta, às reclamações da população, a Sabesp diz não ter conhecimento da falta de água nos tempos quentes, assim mandará técnicos para avaliar os problemas que ocorrem nos locais regularizados. Segundo a empresa, para que haja água encanada na travessa São Jorge, a Prefeitura santista precisa autorizar a implantação da rede, pois se trata de um espaço de ocupação irregular.
“Esses dias eles estavam com sede à noite. Tive que esperar amanhecer para dar de beber a eles”. Ginalva, Empregada Doméstica
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Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
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Iniciativa do governo não impede aumento do número de barracos
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D OUGLAS LUAN
Programa de Congelamen to de Favelas, i ni c i at i v a do Governo Federal em parceria com o Estado e Muni c ípi o, fo i c ri ado em 2001 para barrar o crescimento de moradias em áreas irregulares em todo País. Mas, mesmo com a implantação desta iniciativa na Alemoa, o número de barracos aumentou 4% em seis anos, com base no último levantamento realizado ano passado. Em 2000, existiam no lugar 1.039 m oradi as e em 2006 esse índice passou para 1.081. Segundo a gerente de serviço social da Cohab/ BS, Adriana Bispo Araújo, a distorção dos números pode ter acontecido por causa da troca de equipes de triagem. “Por não ter pessoal suficiente, terceirizamos o serviço de levantamento em 2006. A empresa que contratamos conta somente o número de famílias e, em 2000,
Jeifferson Moraes
nós incluíamos no mapeamento o número de barracos”. Ela explica que a Cohab/BS é responsável somente pelo levantamento de moradias e a Administração Municipal busca apoio do Governo Federal, por meio do Ministério das Ci dades, para urbanizar os locais. A gerente ainda diz que para a COHAB existe, em média, quatro pessoas por barraco, o que dá cerca de cinco mil moradores. Já para o arquiteto Victor Mendonça, assessor da chefia do departamento da Seção Zona Noroeste da Prefeitura de Santos, o papel da sua equipe é somente monitorar e fiscalizar se estão sendo construídas novas moradias. “Se é constatado algo, orientamos as famílias a paralisar a construção e ir para casa de parentes ou integrar projetos da Prefeitura”, explica. Mas, mesmo com o incêndio que atingiu o lugar em 2006, o número de famílias ainda evoluiu
Em seis anos, 42 barracos foram construídos, apesar do programa de congelamento do Poder Público
um pouco nos últimos seis anos. Em Santos, o programa de congelamento foi implantado em 2001 por meio de um decreto que criava a Comissão Especial de Controle para As-
sentamentos Habitacionais, responsável por cuidar de todas as moradias irregulares da Cidade. Compunham essa c om i ss ão repres entantes do Poder Público e moradores destas áreas
d e r i s c o . A pa r t i r d e 2005, o organograma da P re fe i t ur a m ud ou , e o sistema passou a ser dividido em quatro seções: Zona Noroeste, Zona Leste, Morros e Caruara (Área Continental).
Lúcia, o Governo Federal liberou uma verba R$ 2,5 milhões, mas até hoje o dinheiro está parado e o projeto não saiu do papel. “Antes, eles tinham, ao menos, o seu barraco e, agora, precisam esperar a boa vontade do governo para ter novamente o seu cantinho”. Maria Marilene dos Santos diz não ter encontrado nenhuma casa por exatamente R$250,00 e, por isso, vive com seu marido e duas crianças em um a c as a al ugada por R$150,00. Dentro há só um banheirinho, onde mal cabe o vaso sanitário e o chuveiro, e um cômodo que serve de sala, quarto e cozinha. Na atual situação, a mãe de família dorme com seu bebê na única cama que cabe no cômodo, enquanto seu marido e filha passam as noites em um c ol c hão de s ol tei ro es tendi do no chão de cimento. O casal tinha comprado há dois anos a casa que perdeu. Maria lembra que ela não era grande, mas era maior do que a que estão vivendo hoje e, desabafa: “ Queria ver se o prefeito Papa conseguiria dormir uma noite nessa casa!” Adriana Bispo de Araújo,
funcionária do serviço social da Cohab, informa que “até a presente data não houve acordo entre a Prefeitura de Santos, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU), o Governo Federal e a Caixa Econômica, proprietária do conjunto residencial inacabado, devido à falência da empreiteira responsável”.
deral já anunciou que os rec urs os s e rão l i berados”. Mas, o projeto será apresentado até o final deste mês e deve demorar seis meses para ser aprovado e licitado. O novo B ai rro da Alemoa contará com a canalização do Rio Furado, saneamento, água, energia e com a construção de 1240 apartamentos. No fim, a CDHU fez acordo com a Caixa Econômica Federal e vai adquirir o Cruzeiro do Sul II, assim que a atual proprietária finalizar as obras. Esse conjunto residencial acabará mesmo servindo de pulmão para o projeto da Vila Alemoa, mas não necessariamente para as vítimas do incêndio, revela o gerente regional da CDHU. O fato é que a favela possui áreas que precisarão ser preservadas e invadiu parte do trecho da Dersa, por isso perderá espaço ao ser reurbanizada. Os moradores serão distribuídos entre áreas do Jardim São Manoel, da própria Alemoa e no Conjunto Habitacional Cruzeiro do Sul II, onde provavelmente pagarão uma taxa mensal durante determinado tempo, até que adquiram a casa.
Vítimas do incêndio clamam por soluções definitivas
NATALIA MONTEIRO Moradores da Vila Alemoa reclamam da Prefeitura de Santos, que prometeu, há quase um ano, projetos que garantiriam moradia digna aos desabrigados pelo incêndio, ocorrido na favela em 19 de dezembro de 2006. No dia do trágico incidente, após cadastrar todos os desabrigados, a Prefeitura alojou a maioria deles na escola do bairro, enquanto os demais ficaram na casa de amigos e parentes. Segundo Maria Lúcia Cristina de Jesus Silva, uma das líderes da Frente Popular da Alemoa, 166 barracos queimaram naquele incêndio e, atualmente, apenas 30 famílias vivem nos alojamentos, enquanto, para o resto “a Prefeitura está pagando um aluguel de R$250,00, para que vivam em situação pior do que aquela que enfrentavam antes”. Janete dos S antos Ferreira acredita que as famílias abrigadas na escola foram mais beneficiadas do que aquelas que, como sua família, foram para a casa de parentes ou conhecidos e não tiveram depois a oportunidade de ir para o alojamento. DIAGRAMAÇÃO: GABRIELA AGUIAR
Entretanto, a moradora Jailda Barbosa dos Santos, que está vivendo com o marido e o filho em uma das casas do alojamento, não está nada satisfeita com a medida tomada pelo prefeito João Paulo Tavares Papa e lembra que “a promessa era que ficaríamos aqui só três meses e, depois, seríamos trans-
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Queria ver se o (prefeito) Papa conseguiria dormir uma noite nessa casa!
Maria Marlene dos Santos Dona-de-casa feridos para prédios”. As vítimas do incêndio estão apenas cobrando o que foi prom eti do pelo próprio prefeito, ou seja, a trans ferênc i a para o Conjunto Cruzeiro do Sul II, n o M orro da Nov a Ci ntra, que s ervi ri a de abrigo provisório, até o término da construção de um núcleo habitacional na área do incêndio. De acordo com Maria
CDHU esclarece De acordo com José Marcelo Ferreira Marques, gerente regional da CDHU de Santos, os planos da Prefeitura da cidade não puderam ser concretizados, pois a verba do Programa de Resposta aos Desastres, do Governo Federal, só poderia ser utilizada no local do incêndio e não na compra e finalização das obras do Cruzeiro do Sul II. Mas, ele garantiu que já existe um outro projeto em andamento. Nele, os R$ 2,5 milhões serão utilizados para a urbanização e regularização da área do desastre e o prefeito utilizará recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a erradicação definitiva da favela. Conforme M arques : “Em tese, o Governo Fe-
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Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
Faltam vagas nas creches da Alemoa
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DEBORAH PELLEGRINETI
“Era tudo mato. Nós lutamos muito para ter o que nós temos. Falta homem do poder para resolver nossos problemas, mas parece que eles não querem. É muito importante conhecer o outro lado da cidade”
único problema é que, às vezes, demora para s moradores conseguir vaga”, explica do Bairro da a m a n i c u r e Q u i t é r i a A l e m o a Soares da Silva, que tem sentem a fal- seus filhos matriculados ta de vagas na escolinha. para as crianças nas Essa situação deixa os creches do bairro. pai s das cri anças sem Para familiares de o p ç ã o , j á q u e e s t e s crianças matriculadas na trabalham e muitas vezes creche Dona Hilda n ã o t ê m c o m q u e m Rabaça, as creches deixar seus filhos. municipais da Alemoa, A mesma reclamação apesar de serem foi ouvida de vários outros capacitadas, não atendem entrevistados. “Depois de a quantidade de crianças fazer a i ns c ri ç ão, que residem no bairro. dem oram m ui to para “As creches são boas. O chamar, e a gente tem
que ficar com a criança em c as a” argum enta Ronaldo Pereira. O bairro da Al em oa dispõe de duas creches, sendo um a destas Municipal e outra particular sem fi ns l uc rati vos (Sorriso de Criança). A creche Dona Hilda Rabaça aceita matrículas de crianças com idade entre 1e 2 anos e 11 meses e foi inaugurada no dia 5 de agosto de 1994. A creche se localiza à Rua Santa Maria, número 9, no bairro Chico de Paula.
Fornecimento de energia da CPFL é criticado Jeiferson Moraes
Quitéria Soares da Silva, Manicure
“Eu sou agente comunitário de saúde em Santos e falta muita coisa para fazer na saúde por aqui”
Edilson Santiago Agente comunitário
“Antigamente tinha um rio bonito, com peixes, hoje está cheio de sujeira. Mas aqui é bem melhor para trabalhar, porém o que é ruim mesmo são os mosquitos” Manoel Francisco de Furtado, dono de uma papelaria
Sebastião da Silva, Morador há 30 anos na Alemoa
“As creches são boas. O único problema é que, às vezes, demora para conseguir vaga”
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Os chamados “gatos” predominam na Alemoa, causando perigo a quem mora nas proximidades
ISABEL TETÉO A Companhia Piratininga de Força e Luz (CPFL), empresa responsável pelo fornecimento de energia na região, é apontada como uma das principais causadores de queixas dos moradores do Bairro da Alemoa em Santos. Segundo os moradores, o local sofre com freqüentes quedas de energia principalmente após as 18 horas, quando o problema costuma se agravar, não possibilitando a ligação dois aparelhos elétricos ao mesmo tempo. De acordo com os moradores, quando isso ocorre sempre um dos aparelhos tende a queimar. Outro fato apontado por membros da comunidade é o valor das contas de energia, que custam de R$300,00 a R$ 600,00. “Eu já enviei carta com c ópi as de c ontas , falando sobre as quedas de luz, os perigos que estamos sofrendo. Afinal, do jeito que está, a qualquer momento, pode acontecer uma tragédia, mas a CPFL não responde, não nos dá uma
DIAGRAMAÇÃO: ELAINE SARAIVA E LINCOLN CHAVES
posição concreta sobre o nosso caso”, reclama a moradora e uma das líderes da Frente Popular, Maria Lúcia Cristina Silva. O bairro possui um elevado número de casas não regularizadas pela empresa e isso faz com que existam fontes, de energia clandestina no local, os chamados “gatos”. São esses dispositivos que representam perigo para os moradores, aumentando a chance de curto-circuito e de descarga de energia em caso de contato com algum fio que esteja desencapado. “A CPFL só sabe cobrar de nós. Meu sogro está com uma conta de R$399,00 em casa para pagar. Agora, como um aposentado vai conseguir pagar isso? Até os moradores das casas que foram queimadas no incêndio do ano passado ainda recebem conta de luz. Não existe mais a casa mas ainda há a conta”, desabafa o morador Carlos Roberto Rosa. Segundo o assessor de imprensa da CPFL, Marcos Sambro, a empresa tem um projeto no qual o Bairro da Alemoa está incluído,
chamado Rede Comunidade, que tem por objetivo regularizar consumidores de energia clandestinos e de baixa renda. Para que isso ocorra, é necessário apenas a aceitação da população. Sambro diz ainda que vários fatores podem contribuir para os altos valores das contas pagas por moradores, dentre eles a possibilidade dos equipamentos de instalações internos de energia estarem em mau estado de uso, e também o fato de uma residência servir de fonte de energia para outras residências vizinhas. A relação das casas que foram quei madas em dezembro pas sado, segundo o assessor ficou sob a responsabilidade da Prefei tura, que deve repassá-la à CPFL com os nomes dos proprietários, para então acontecer o cancelamento das contas. O que ocorreu, segundo Marcos, foi que alguns nomes não constaram na relação. Ele aconselha os moradores que es tão ness a si tuaç ão a comparecer ao posto de atendimento em Santos, que fi ca à P raça do Andradas, 30, no Centro.
“Até os moradores das casas que foram queimadas no incêndio ainda recebem conta de luz” Carlos Roberto Rosa, morador
“Eu não gostaria de sair daqui. Minha casa pegou fogo e estou morando no alojamento da prefeitura” Maria das Dores, moradora há mais de 40 anos
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Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
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Associação busca parceiros para solucionar problemas
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ROGÉRIO AMADOR
riada em 1981, a AMA - A Associ ação dos Em presários do Distrito Industrial e Portuário da Alemoa – surgiu com o objetivo de unir as empresas do bairro para interagir e reinvidicar junto aos órgãos governamentais, principalmente ambientais e municipais, soluções referentes aos problemas enfrentados pelas empresas, como a falta de segurança, asfaltamento de ruas ou até mesmo a dragagem do cais santista. Contando atualmente com 45 empresários filiados, a instituição é comandada desde 2002 pelo proprietário da Alemoa S.A., João Maria Menano, 37 anos, que representa importantes empresas do pólo, como Fassina, Acimex, Granel Química, Usisal, Columbia, Vopak e União Terminais. kkkkkkkkkk No momento, uma das maiores preocupações do grupo é coordenar ações para reduzir o trânsito de ve-
ículos pesados, devido ao aumento substancial no volume de cargas comercializadas pelos terminais. Segundo o presidente da entidade, um dos pontos fortes do seu mandato é o excelente relacionamento com a Prefeitura Municipal de Santos. “Desde que o prefeito Papa assumiu, foram realizadas importantes obras para o bairro como o término do recapeamento das avenidas Alfredo das Neves, Albert Schwartz e Via C, além das instalações de câmeras de segurança ligadas ao SIM – Sistema Inte-
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Acredito que a solução seria a construção de conjuntos habitacionais em outro lugar.
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João Maria Menano Presidente da Alemoa S.A
grado de Monitoramen-to”, diz Menano.kkkkkkkkkk A parceria da Prefeitura com a AMA permitiu a ampliação do SIM, que ganhou mais sete quilômetros de rede de fibra óptica entre o Paço Municipal e o bairro. Foi possível instalar as três primeiras câmeras no Distrito - uma no viaduto e outras duas em diferentes pontos da Via C, e estão previstas outras duas. A associação investiu R$ 260 mil no projeto, segundo João Maria. Além de contribuir com a segurança, os equipamentos permitem melhor controle sobre o trânsito. Outra parceria formalizada foi com a Policia Militar, que recebeu a doação de R$ 22 mil, referentes a compra de 2 motos e 8 bicicletas, para auxiliar no trabalho de segurança e vigilância do bairro. Quanto à responsabilidade social das empresas perante a comunidade, o presidente da instituição foi categórico. “Procuramos ajudar as entidades que possuem credibilidade perante a sociedade e que demonstrem seriedade na
Moradores da periferia sofrem com o descaso BRUNO PIESCO Alemoa, localizado na entrada de Santos, parece um lugar esquecido pelas autoridades. Como toda periferia, é considerada feia. Se houvesse mais organização, talvez os moradores tivessem menos problemas. Falta de água, luz, saneamento básico, moradia regular e vias de acesso são apenas alguns dos desafios enfrentados pela população do local, as pectos que para qualquer cidadão de classe média podem s er banai s e que pas sam despercebi dos no dia-a-dia.kkkkkkkkkk Na Alemoa, no último dia 6 de outubro, bastaram dez minutos no local para que integrantes da equipe da FaAC fossem abordados por um senhor de trajes simples, costel etas brancas, l em brando o Elvis Presely um pouco mais velho. Aparentando muita preocupação, disse que uma passarela muito utilizada está cedendo. Es te s enhor se c hama Carlos Roberto Barbosa Barreto, um homem que demons trou estar engajado em mudar a sua realidade social, mas que encontra muita dificuldaDIAGRAMAÇÃO: MARIANE RODRIGUES
de ao tentar da melhor maneira possível. Dificuldade essa que pode ser sentida nos di as subsequentes. "A passarela está cedendo, já faz quase um mês e cada vez que chove a água vai minando ainda mais" desabafou o humilde morador. A situação é lamentável
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A passarela está cedendo, já faz quase um mês e cada vez que chove a água vai minando mais.
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Carlos Roberto Barreto Morador do Bairro devi do ao ri sc o que oferce. O piso está em péssimas condições e as rachaduras são visíveis na estrutura da passarela. Ele afirmou ainda que a mesma foi c onstruída pela Ecovias, por estar em um trecho de estrada, mas a empresa está pintando em vez de resolver o problema. Aquela é a única pas-
sagem para o outro lado da pista. Carlos tentou entrar em contato c om a Ecovias e a Defesa Civil de Santos, mesmo sabendo que não é responsabilidade desta última, mas não adiantou nada, nenhuma o atendeu. Então, decidiu fazer um abaixo assinado e em duas semanas já conseguiu quase 50 assinaturas. Pretende conseguir mais, para resolver esse problema.kkkkkkkkk O desc as o das duas instituições preocupa. Em tentativa de contato pela reportagem não ouve qualquer retorno. Foram 14 dias, seis e-mails e cinco telefonemas para ambas. Os telefones da Defesa Civil de Santos parecem não existir, pois só dão ocupado ou ficam mudos. Na Ecovias, os telefones só servem para dar informações sobre as estradas. Ao se tentar falar com a atendente, a ligação não é completada.kk kk kk k Como se não bastasse a falta de estrutura básica para aqueles cidad ão s , o de s c as o c o m s eu s pr o bl e m as é u m fato. É como se aquelas pessoas e suas dificuldades não existissem perante a sociedade.kkkkkk
Reprodução
O Distrito Industrial da Alemoa concentra dezenas empresas
execução de projetos comunitários”, enfatizou. Recentemente a entidade doou uma cozinha industrial para a pastoral da Associação de Melhoramentos do bairro Jardim Piratininga, mais a contribuição de mil reais por mês para a “Comunidade Mãos Dadas”, que mantém um trabalho social na Vila dos Criadores, lugar próximo Distrito Industrial.kk Questionado sobre a Vila Alemoa, lugar visitado pelos estudantes, Menano afirmou que pelo fato da área ser da União, adminis-
trado pela Secretaria de Patrimônio da União – SPU, a AMA resolveu não ajudar as pessoas que moram em lugares invadidos. “Acredito que a solução seria a construção de conjuntos habitacionais em outro lugar da cidade pela Prefeitura, regularizando a situação tanto para os moradores como para o Governo”, emendou o empresário, que é a favor da utilização do terreno pelas empresas, aumentando o crescimento empresarial e a geração de empregos para o município.kkkkkkkkk
Agressões da polícia civil são rotineiras, dizem moradores JORDAN FRAÏBERG Além de conviver com graves problemas sociais, muitas vezes os moradores se deparam com abusos de autoridades policiais, conforme relatam. “Não tem horário para isso acontecer. Eles (policiais) chegam armados e xingando sem termos feito nada. Os investigadores aparecem por aqui, mas dificilmente acham alguma coisa.”, declara *C.F., sem falar o sobrenome com medo de represálias. Em defesa da Polícia Civil, o delegado da Seccional de Santos, Paulo Eduardo Barbosa, afirma que para os investigadores possam entrar nas moradias é necessária uma ordem judicial. Os policiais só entram em caso de flagrante ou se a vítima precisa de socorro. A segurança no local não é questionada porque não existem problemas de furtos, mas o tráfico aparece. “Não sei se tem alguém que manda aqui na favela, mas as drogas existem em todos os lugares”, afirma Carlos Roberto, morador e integrante da Frente Popular da Vila Alemoa. A maioria dos moradores adota um bordão em relação à polícia, que é: “Polícia só vem pra bater”.
O Grupo de Operações Especiais (GOE), que é uma força especial da polícia civil e que tem como função prestar auxílio às unidades policiais em ocorrências de alto risco, também aparece por lá. “Houve uma vez que eles vieram aqui e não tinham o que fazer, procuraram umas coisas e chutaram um garoto” diz outro líder da comunidade. “Se houver algum policial que faça algo ilícito é expedido um ofício para a Corregedoria investigar o mesmo que praticou”, explica o delegado. As agressões verbais e algumas físicas são consideradas normais pelos moradores da vila. Quando havia baile funk numa casa chamada Toca do Leão a confusão entre jovens e policiais eram maiores. “Eles chegam pelas vielas e estão nem aí. Pegam tudo o que é seu, celular, corrente, carteira etc. O que é meu é deles agora” declara um jovem de 14 anos que preferiu não se identificar. Os moradores só gostariam que essas agressões terminassem, pois ali, na Vila Alemoa, é relativamente seguro. * As fontes da matéria estão com iniciais fictícias por motivos de segurança.
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Moradores acusam PM de abuso do poder
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SIDNEY GIMENEZ
população que mora na Alemoa está cansada dos abusos cometidos pela Polícia Militar. Essa é a afirmação de vários moradores que se dizem assustados com as ameaças e agressões que a polícia realiza frequentemente. “O pior horário é de noite e madrugada”, afirma S.J.S. de 17 anos, que também já foi vítima dos abusos. “Estava vindo de um baile e parei para conversar com meus colegas aqui na rua. A polícia chegou, abordou todo mundo e começou a perguntar se nós tínhamos alguma droga. Quando nós falamos que não, eles começaram dar tapa na cara e chute em todo mundo”, relembra. Além das ameaças e agressões, moradores também já presenciaram policiais atirando nas ruas da favela para assustar a população. “De noite, se você
der bobeira, você pode morrer à toa de bala perdida, porque eles entram nas vielas atirando”, destaca *A. B, de 18 anos. Outro abuso freqüente que os policiais cometem é o de “plantar” drogas e prendê-los por crimes que eles não cometeram. Um exemplo disso foi a situação passada por *R.S., de 18 anos. “Fui jogar bola e ela caiu dentro de uma empresa. Eu pulei o muro para pegá-la e a polícia chegou e me prendeu dizendo que eu estava roubando as janelas de alumínio da empresa. Mesmo uma mulher tendo testemunhado ao meu favor, fiquei preso uma semana na delegacia. Para ser liberado, fui obrigado a contratar um advogado e gastar R$ 4 mil,”. Ele também diz que os policiais confiscam objetos de valor que os jovens possuem. “Os policiais já tomaram de mim uma corrente que paguei R$ 2.500. Outra vez, eles me enquadraram e queriam meu celular.
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De noite, se der bobeira, você pode morrer à toa de bala perdida, porque eles entram nas vielas atirando.
’’ R. S. 18 ANOS
A sorte é que eu tinha nota fiscal, senão eles levariam também”. De acordo com o morador, a maior agressão cometida pela polícia foi numa festa há três anos. “Estava acontecendo uma festa em um grêmio daqui do bairro e a polícia invadiu jogando bomba de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Eles bateram nos homens, nas mulheres e até nas crianças. Todo mundo apanhou e a festa acabou na hora. Ainda bem que ninguém foi ferido gravemente, mas algumas pessoas
ficaram com alguns hematomas pelo corpo”. Arrombamentos a casas também fazem parte dos abusos da polícia. De acordo com a moradora *C. F, de 24 anos, os policiais invadem as residências e tiram os moradores das casas para revistá-los na viela. “Às vezes estamos aqui sentados ou almoçando e eles entram e mandam a gente ir lá para fora para nos revistar. Em outra ocasião eles invadiram a minha casa, olharam e saíram sem dar qualquer justificativa”. Os moradores já reclamaram sobre os abusos nos batalhões e delegacias, mas segundo eles, nada adiantou. Alguns não denunciam a violência da polícia com medo de represálias. É como afirma o morador A. B. “Se você ir lá e reclamar, eles riem da sua cara e falam que se pegarem você na rua será pior. Aqui eles matam mesmo”. *As fontes da matéria estão com iniciais fictícias por motivo de segurança.
A proximidade com a Via Anchieta coloca em risco a situação dos moradores
Para major, policiais chegam com mais “energia” Arte: Thiago Chichorro
JÉFERSON MARQUES O major PM Armando Bezerra Leite, sub-comandante do batalhão e responsável pelo policiamento da cidade de Santos, afirma que principalmente de 1998 para cá, a Polícia Militar do Estado de São Paulo passou por uma série de mudanças, dentre elas os Procedimentos Operacionais Padrão, que visam justamente a questão da abordagem de pessoas: “ Regiões mais pobres da cidade e a Alemoa não foge disso normalmente são mais movimentadas na questão do tráfico, e justamente por esse motivo, a população se vê inibida de denunciar e quando o faz fica no anonimato, com receio de se expor. Não existe uma maneira discreta da PM chegar a esses locais. O normal nestas áreas mais complicadas, geograficamente falando, são as Operações de Saturação, ou seja, nós vamos com um aparato acima do normal, com mais viaturas e efetivo redobrado. Estes policiais chegam com mais “energia” a esses locais, que normalmente não são muito propícios a nós e primeiro de tudo, devemos zelar pela nossa segurança. Os policiais são devidamente instruídos para que
não ocorram excessos”, diz o major. Na questão da chegada da PM ao local e consequentemente, o uso excessivo de palavrões, Armando diz que nem sempre ele está presente em todos os momentos: “A recomendação nos treinamentos é que isso não aconteça. Essa região é muito problemática para nós em termo de tráfico de entorpecentes, e normalmente quem a habita, ou já teve algum problema com a polícia ou algum de seu familiar já o teve”. Conforme ele, no geral, a primei-
DIAGRAMAÇÃO: AMANDA CRISTINE E JÉSSICA SALLES
ra atividade dos jovens remunerada começa como “aviãozinho”, passando pela condição de consumidor chegando até a condição de gerente, e neste caminho acaba fatalmente se envolvendo com a PM: “Não é um preconceito, mas percebemos que nestes locais, cerca de 30 a 40% das pessoas abordadas já tiveram passagem criminal. Mesmo quando as pessoas abordadas são do bem, trabalhadoras, notamos que essas também não ficam tranqüilas com a ação da PM, pois pode acontecer um enfrentamento por parte dos traficantes para com a polícia, colocando em risco a sua vida e a de seus familiares”, explica Armando. Já a questão do fechamento de um baile funk no estabelecimento dentro da Alemoa chamado de Toca do Leão, Armando diz que a polícia, infelizmente, não possui autonomia para fechar esses locais, mas tra-
balha junto com o Ministério Público e a Secretaria de Segurança de Santos para evitar estes tipos de evento. “ Estas coisas só atraem o que há de pior na sociedade. Nem sempre se restringe ao lazer de seus moradores locais. Muitas v ezes serve de meio para arrecadação de receita para o PCC - Primeiro Comando da Capital - . Na verdade não passa de uma forma de lucrar para o crime organizado”, comenta o major. Armando finaliza dizendo que por incrível que pareça a PM ajuda muito os moradores da Alemoa: “ É u m l oc a l d e d i f í c i l acesso e que o serviço público muitas vezes não consegue chegar. Auxilia no socorro de pessoas doentes ou mulheres gráv i d a s , p or e xe m p l o . Quem chega primeiro é a Polícia Militar. Sabemos que esses locais são habitados por muitos que não têm opção, mas infelizmente o crime se aproveita disso, das condições do local. Em uma avaliação mais recente da c i d a d e d e S a nt o s , a Alemoa não tem nos dado tanto problema. Existem l oc a i s muito m ai s preocupantes. Dificilmente temos feito operações preventivas no local”.
“Não existe uma maneira discreta da PM chegar a esses locais”, diz o major PM Armando Bezerra Leite, referindo-se à Vila Alemoa
“Aqui eles matam mesmo”, afirma o morador R.S. referindo-se à PM
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Custo de construção de casas levanta suspeitas
Jeifferson Moraes
A marca do chuveiro custava no documento R$ 56,12, enquanto que o maior valor encontrado foi de R$23,00
Alojamentos construídos para 30 das 166 famílias atingidas pelo incêndio ocorrido na Alemoa, apresentam indícios de irregularidades
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BRUNO QUIQUETO
O conjunto completo de
bacia sanitária custou R$236,00, e as pesquisas mostraram que o máximo era de R$ 90,00
O preço das torneiras, nas notas da Terracom, custaram R$ 77,23. Mas nas lojas não passam de R$ 20,00
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DIAGRAMAÇÃO: GABRIELA AGUIAR
incêndio ocor rido em 19 de dezembro de 2006, na Alemoa, parece que ainda não terminou. O fogo atingiu 166 famílias que tiveram seus lares destruídos e suas vidas transformadas. Destes, 30 ficaram no núcleo, em alojamento, exatamente onde o “fogo” continua, não em chamas, mas em dúvidas, desconfiança e denúncias. Os moradores questionam as despesas com a construção desse alojamento que fica na Travessa Vila Nova. Denunciam que os valores existentes na planilha de preços e serviços dos materiais comprados, enviada pela Terracom, empreteria responsável pela obra, para a Frente Popular da Alemoa, estão com um aumento de mais de 100% em alguns casos. “É um absurdo os preços que estão na planilha”, declarou um dos líderes da Frente, Ronaldo Pereira. Eles estão enviando o assunto para a Câmara Municipal de Santos. O preço das torneiras (marca Kelly), que foram instaladas nas casas, custaram, conforme a Terracom, R$ 77,23, enquanto que o levantamento realizado pela Reportagem do Primeiro Texto consta que as mesmas torneiras, em três lojas de materiais de construção diferentes, não passam de R$ 20,00. O mesmo pode ser observado nos chuveiros. Além da marca detalhada na nota (Lorenducha) não ser a mesma observada nas instalações (Corona), o valor também di-
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É um absurdo os preços que estão na planilha
Ronaldo Pereira Líder Comunitário fere de R$ 56,13 (mostrada no documento) para R$ 23,00, o maior encontrado. Em relação à bacia sanitária, caixa de descarga com tampa e acessório, a discrepância dos números continua. No documento apresentado, o custo do conjunto ficou R$ 236,00 e as pesquisas demonstraram um gasto máximo de R$ 90,00 para o equipamento. Um fator importante é que nenhum valor levantado se encaixou com os números encontrados na planilha. Além destas incongruências, as casas, quando entregues, não possuíam piso, ficando os moradores com seus pés em contato direto com areia, apesar da obra prever o piso. Outra dúvida dos moradores é que, na área onde foi construída o alojamento, já havia outro no local, feito de alvenaria. Eles perguntam: “Por que então este foi demolido para a construção de um de madeira? E por que na nota entregue consta uma limpeza de materiais, enquanto que esta foi feita pelos próprios moradores?” A Reportagem entrou em
contato com o engenheiro responsável pela obra, o qual não quis se pronunciar e pediu que fosse feito um contato por meio da assessoria de imprensa da empresa. Ligações e e-mails foram enviados explicando toda situação, mas não houve nenhuma resposta durante duas semanas. Segundo a assessora Any de Oliveira, os diretores da empresa receberam a notificação, mas não se pronunciaram. O presidente da Companhia de Habitação da Baixada
Santista, COHAB-ST, Hélio Vieira, também foi procurado, mas estava viajando. A Terracom foi contratada pela COHAB-ST, processo n 0005/2007- I, sem licitação, com fundamento no inciso IV do artigo 24 da lei federal n 8666/93, em caso de emergência, ganhando a concorrência da Terral Engenharia e Construção e da Conterpav. A obra foi entregue dia 17 de fevereiro deste ano e custou R$ 244.835,00 para os cofres públicos. Sheila Almeida
Falha na infra-estrutura do alojamento causa problemas aos moradores
Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
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Operações das empresas põem em risco a segurança da população
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Foto: Jeiferson Moraes
W ILLIAN CÉSAR
titude é o que os moradores do bairro da Alemoa em Santos esperam por parte da Prefeitura. Há mais de cinco anos eles reivindicam ações que venham diminuir os riscos à saúde e ao meio ambiente, causadas pelas empresas localizadas nas proximidades do bairro. A formação do bairro da Alemoa ocorreu por volta dos anos 30 e as indústrias iniciaram seus trabalhos, a partir dos anos 50. Atualmente, são mais de cinco empresas de exportação, envolvendo papel reciclado, madeira e material hospitalar. Um dos vários pedidos feitos pelos moradores é a diminuição da fumaça, que pode causar até doenças, ressalta uma das moradoras, Nilda Ferreira, de 32 anos. Ela mora no bairro há 3 anos e teme que seu filho mais novo tenha algum problema de saúde no futuro, como bronquite alérgica ou sinusite, devido ao excesso de pó, que se acumula em frente à sua porta.
O mau cheiro também é outro problema que permeia o bairro por causa das fábricas que jogam seus resíduos no espaço onde estão os barracos de grande parte dos moradores da Alemoa. Outra reclamação feita é o barulho exaustivo das máquinas, comenta a líder da Frente Popular da Alemoa, Maria Lucia Cristina, conhecida como Cristina: “Não temos um horário de descanso, o barulho dura praticamente 24 horas”. No começo deste ano, os moradores encaminharam um oficio para a prefeitura, pedindo que as empresas terminassem seus serviços antes das 20h, porém, até hoje, este horário ainda não foi cumprido. Para Marcos Gouvêa, de 37 anos, morador há 18 na Alemoa, esse comportamento por parte das empresas é uma falta de respeito com todos os moradores do bairro. “Acima de tudo, somos cidadãos brasileiros. Não é justo vivermos assim, nestas condições”, ressalta Marcos.
Desemprego: Uma realidade comum
“Não temos um horário de descanso, o barulho dura praticamente 24 horas” Maria Lúcia Cristina, Líder Comunitária,a respeito da movimentação de contêiners
O risco com a movimentação dos contêiners preucupa os moradores
Preconceito prejudica a conquista por trabalho Foto: Jeiferson Moraes
GABRIELA A GUIAR Desempregado há 11 anos, Carlos Roberto B ar b o s a B a r r et o , 5 6 anos, achou uma maneira de suprir a falta do seu emprego ajudando a c om un i da de da Alemoa a se recuperar dos problemas que enfrentam no cotidiano. Além de poder colaborar com o bairro, ele vive prestando serviços para dar assistência a sua esposa e seus dois filhos. S eg u nd o Marcos R ob e r to B a r b os a Barreto, 20 anos, filho de Carlos Roberto, a falta de capacitação da escola da Alemoa não o f av o re c e pa r a qu e consiga um emprego. “Minha mãe trabalha em uma cooperativa, nos finais de semana como dom ésti ca, e m eu irmão em uma papelaria. É ass im que a gente sobrevive”. Ele acredita também que as pessoas têm preconceito com quem é morador do bairro da Alemoa, pois nas várias tentativ as de em pr e go el e percebia que era desc artado em razão de DIAGRAMAÇÃO: PAULA FURLAN
seu endereço. A Alemoa é um bairro circulado de empresas retroportuárias que não fornecem qualquer tipo de benefício para os moradores. Ao invés de nos dar emprego, eles estão tomando nosso espaço”, diz Carlos Roberto. Em f re n t e a Coordenadoria de Aids (Crais) há uma firma identificada como MM, que faz a ponte para a contração de funcionári os às em pres as do bairro. “Eles disseram q ue i am re g i s t r a r a g en t e h á u m a n o e nada acontece. Ganhamos R$ 50,00 por noite, mas só recebemos n o s áb a do , r ec l am a Luiz Carlos, que não citou o sobrenome. A c o m un i da d e d a A l e m o a é um a da s que mais sofrem com o d e s e m pr e g o e o s moradores estão lutando para que a única escola municipal localizada no bairro, Oswaldo Justo, tenha o Ensino M édi o e que p rom ova c ur s o s p ar a auxiliá-los em oportunidades de emprego.
D IANA L IMA Os m o ra d or e s da Alemoa enfrentam no seu dia-a-dia as dificuldades de conviverem, na visão deles, com o preconceito de quem não conhece bem o bairro e vê todos como simples favelados. As pessoas colocam no currículo o bairro Chico de Paula em vez de Alemoa por medo de serem rejeitados na procura ao emprego. Membro da Frente Popular, Carlos Roberto Barreto diz que seu filho não conseguiu várias vezes emprego porque morava no bairro e que por isso passou a usar o endereço da irmã. Na opinião de Car l os Robert o, “Os moradores sofrem discriminação simplesmente por morar aqui”. Segundo a moradora Maria A driana dos Santos , muitos sentem vergonha de dizer onde moram por causa do preconceito e da reação da polícia. O fato de morar, estar perto de uma “boca” (local de venda e consumo de drogas), ou mesmo andar à noite na rua já os tornam al v os de agressões e humilhações pela polícia. ”Os policiais
“Os moradores são discriminados por morar na Alemoa”, afirma Carlos
botam medo nas crianças e quando chegam ao bairro não diferenciam morador de bandido e acabam usando de violência contra qualquer um”, afirma a moradora. A participante da Frente, Rosa Barbosa, desc rev e c enas qu e s ão contadas por todos que sentiram na pele ou viram a ação policial. “A polícia bate primeiro e depois pergunta... Quando vê os meninos na rua não interessa se são de bem ou não. Vão enfiando as mãos nos bolsos deles sem falar nada antes, sem ter o direito de fazer i s s o”, di z Ros a Barbosa. El a ac redi ta que tudo isso acontece porque a políci a e as pes s oas a c ham que todo mundo que mora na
favela é malandro. “A pessoa rouba porque não encontra trabalho”, afirma a dona-decasa, Inácia Maria da Silva. Ela tenta mostrar que a população é honesta e trabalhadora apesar da fama que leva por causa da minoria. “Se houvesse ajuda para melhorar a comunidade a situação seria diferente”, explica Inácia. As pessoas do local lembram da necessidade de dizer que precisam de mais respeito dos policiais e da sociedade, que quando não são esquecidos, são marginalizados. “Precisamos de segurança, mas com a polícia agindo de outro modo. Existe muita coisa ruim, mas também tem muita coisa boa que não é mostrada. Queremos respeito”, diz Maria Adriana.
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Núcleo carece de áreas de lazer
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ANDRESSA RAMIREZ
s moradores da Alemoa procuram maneiras diferentes para se divertir em um cenário que carece de muitos recursos. O lugar não tem infra-estrutura que dê segurança para as crianças e moradores do bairro. Nes te c en ári o tão atípico, pais enfrentam o medo de deixar seus filhos pequenos brincarem
fora de c as a. “P refi ro comprar dvd’s para manter os meus três filhos em casa”, conta a manicure Qutéria Soares. Um dos divertimentos favoritos das crianças do bairro é, quando a maré sobe, pular de uma grande pedra, o que amedronta muito os pais, já que essa é uma brincadeira sem a mínima segurança. Os adultos também não encontram opções de lazer no local. Segundo o morador Ronaldo Pereira,
o único divertimento que eles tinham era o Baile Funk, onde as pessoas descontraíam e davam risadas. Porém, o lugar onde eram realizados esses bailes não tinha alvará e assim o local foi fechado. “Da mesma maneira que abordam temas sobre violência, gostaríamos que abordassem temas sobre alegria. Mas infelizmente não é o que vemos no dia-a-dia”, conclui a moradora Maria Lúcia Cristina.
nho um pouco maior ao de um escritório comum. A platéia muda é nada menos do que o amontoado de mosquitos que voavam em círculos, próximos aos sacos de lixo (em alguns casos, abertos), que estavam espalhados em volta do gramado. São nestas condições que as crianças da Alemoa conseguem praticar algum tipo de esporte perto de casa. O garoto Klisman Silva, de 13 anos, é um dos que tem que se virar para bater sua bolinha. Além do terreno, ele também joga na quadra da escola Oswaldo Justo, mas apenas nos finais de semana, quando o local é aberto ao público. Mas pode-se notar que falta incentivo. “Até pouco tempo, meu irmão dava treinos na escola. Tinha até um time. Mas ele precisou sair e nunca mais teve nada. Agora, é só um espaço para o pessoal jogar mesmo”, explica.
Praça Ao lado do colégio, já fora da comunidade, há uma pequena praça onde, às vezes, a garotada também se encontra para jogar. O espaço é semelhante ao campo encontrado próximo à entrada da Alemoa. Klisman conta como é jogar lá. “Normalmente, vão umas 20 pessoas. Quando vai gente desconhecida, nós arrumamos um jeito de jogar todo mundo, fazendo o time deles contra o nosso. Mas sempre sobra, porque o lugar é bem pequeno”. O garoto, porém, diz estar feliz, apesar das dificuldades para praticar o esporte que tanto gosta. “De uma forma geral, a molecada aqui acha isso bom. É o que a gente tem, não é?”, resume. Dá para ver que o futebol é o esporte de maior destaque na Alemoa, principalmente por ser o mais praticável. Os que não gos-
Dezembro 2007 Lincoln Chaves
Com o pouco espaço, crianças se divertem em volta do lixo e entulhos
Falta de espaço prejudica prática de atividades esportivas na Vila
LINCOLN CHAVES O gramado estava bastante maltratado, mas nada que impedisse a vontade dos jogadores que nele corriam. Em seu entorno, uma pequena, mas muda platéia, que ia de um lado para o outro, sem parar. Eis que, de repente, duas bolas entram em campo. Sim, eram duas partidas ocorrendo ao mesmo tempo... No mesmo lugar! O ambiente acima descrito pode parecer familiar a quem está acostumado às partidas de várzea – e, de certa forma, até o é - mas apenas lembra, pois as condições para que essa situação contada ocorresse são as mais tristes possíveis. O maltratado não diz respeito apenas ao projeto de gramado do local. Trata também do acúmulo de pedras e insetos que estavam espalhados no pequeno campo, que tinha um tama-
tam, porém, têm dificuldades ainda maiores para fazer alguma modalidade. Um dos principais membros da Frente Popular da Vila Alemoa, Ronaldo Pereira, é um exemplo. Ex-campeão de atletismo quando praticava a atividade no SESI, ele assume que, apesar de adorar assistir a partidas de futebol (é são-paulino roxo), não gosta de jogar. “Além de tudo, é um monte de homem correndo atrás de uma bola. Não é muito legal isso”, brinca. Com a experiência de que, desde pequeno, começou a correr treinando nas ruas de areia do bairro, Ronaldo acredita que seu caso não é único. “Esportes como o vôlei e o basquete, além do próprio atletismo, são muito bem aceitos principalmente pela criançada. O problema é que eles só têm como jogar futebol. Como alguém vai jogar basquete por
aqui? O futebol, pelo menos, se você tiver duas pedras e uma bola qualquer, você consegue fazer um gol e jogar”. O SESI, que fica a aproximadamente dez minutos a pé da região onde se localiza a Vila Alemoa, é uma das saídas para a prática de algum tipo de esporte. O grande problema disso tudo é o preço. Ronaldo reitera, porém, que o clube tem um planejamento que visa a captação de talentos e ainda tenta incentivar o treinamento da garotada. Por isso, critica o pensamento de alguns pais. “A cabeça deles é muito pequena, infelizmente. O garoto ou a menina tem a chance de poder, por meio do esporte, dar início à busca de algo melhor, mas os pais seguram essa criança, não deixando que ela participe de competições fora da cidade, sendo que o próprio SESI banca isso”.
Sheila Almeida
Serrano FC busca parceria para iniciar projeto social
De uma forma geral, a molecada aqui acha isso bom. É o que a gente tem, não é? Klisman Silva, 13 anos DIAGRAMAÇÃO: LINCOLN CHAVES
O varzeano Serrano Futebol Clube é a equipe mais tradicional e conhecida da Vila Alemoa. Sofrendo do mesmo problema que a garotada, o time não tem espaço para treinar “Partida, só mesmo jogando no campo do adversário”, conta o presidente do clube, Ricardo Nunes dos Santos, o Ricardinho. Apesar dessas dificuldades, a equipe não deixou a peteca cair. Por duas vezes desde que começou a disputar a competição ficou na terceira posição. Em 2006, ficou em quarto. Muito disso ocorreu pela força de vontade da turma mais jovem do Serrano, que, liderada por Ricardinho, conseguiu, há dois anos, recuperar o clube, que estava à beira da falên-
cia. De pé novamente, a entidade agora luta também por triunfos fora das quatro linhas para a comunidade.
“
Queremos dar às crianças essa distração para elas se ocuparem com algo que possa deixá-las longe de problemas
”
Ricardo dos Santos Presidente do Serrano O jovem presidente do Serrano, de 30 anos, conta que, já algum tempo, o clube pretende criar uma escolinha de futebol. “A gente sabe que as crianças daqui, por mais aten-
ta que seja a família, têm um risco muito grande de parar na criminalidade. Queremos dar a elas essa distração, que é o futebol, para elas se ocuparem com algo que, no futuro, possa até dar frutos, e deixálas longe de problemas”. A idéia, entretanto, ainda necessita de apoio. “Estamos em busca de parceiros. Se tivermos isso e um local, por menor que seja, nós, do Serrano, podemos correr atrás da estrutura”. Entre os planos, está também o incentivo ao futebol feminino, em alta após os Jogos Pan-Americanos e a Copa do Mundo. “Para isso tudo, poderíamos juntar um professor daqui da Alemoa com algum estagiário de Educação Física, e eles desen-
volveriam esse trabalho que queremos. Buscamos usar o prestígio que temos por aqui para poder incentivar a molecada a aderir”, explica o presidente. As expectativas para o projeto estão, de certa forma, boas para 2008. A razão? “O ano que vem é eleitoral, e, provavelmente, muitos políticos influentes passarão por aqui. A idéia é divulgar nossos planos, junto da Frente (Popular), e ver se isso começa a andar”, av al ia Ricardinho. “É uma iniciativa muito interessante, e, com certeza, vai ajudar Santos a revelar ainda mais atletas, pois temos aqui muitos talentos que, pela falta de oportunidade, acabam sendo desperdiçados”. (LC)
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Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
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Condições ambientais são inadequadas
T Chinelos, brinquedos, lixo doméstico e outros materiais são encontrados na área de mangue
Além do odor desagradável, a dona de casa vê da janela de seu lar, uma paisagem cheia de lixo
Até pneus e móveis são encontrados no ambiente em que vivem os moradores da Alemoa
DIAGRAMAÇÃO: MONIQUE ARAUJO
NATALIA MORAES r at a -s e d e um dos maiores bairros d e S an t os , mas, por ser u ma zona industrial. Os espaços verdes restant es d es a pa r e c e m ao s poucos para dar lugar às novas empresas. O B ai rro da A l em oa abriga hoje um importante complexo i ndustrial, com pátios e depósitos de contêineres utilizados no transporte de cargas para o Porto de Santos. É considerado o maior parque industrial de Santos. Os moradores que vivem nas proximidades da M ar gi na l A n c hi e ta s ão prejudicados pela poluição, devido ao intenso tráfego de caminhões e ao pó fino que cai sobre os telhados das casas, nas árvores e nas vielas e caminhos. Devido a falta de saneamento básico, o mangue localizado no bairro foi transformado em esgoto. As mais afetadas são as
Douglas Luan
Falta de saneamento básico leva crianças a brincarem em valas a céu aberto ou no mangue
crianças. Por falta de espaços recreativos, brincam entre o lixo e o mau cheiro do mangue. Segundo o assessor da Secretaria do Meio Ambiente de Santos, Carlos Tadeu Eizo, as famílias es-
Seriedade garante o Sorriso de Criança DOUGLAS CAMPOS “As pessoas acham que tem sempre ‘maracutaia’, e não é o nosso caso, pois aqui todos trabalham com seriedade.” É assim que a coordenadora Noêmia Colafati de Carvalho define a instituição Sorriso de Criança, idealizada e mantida por seu Toninho e sua esposa, que não gostam de aparecer e dar entrevistas, auxiliados pela Seduc- Secretaria de Educação. Os dois formam um discreto casal, mas ao mesmo tempo presente na vida das 160 crianças internas, aproximadamente 70% delas residentes na Alemoa. “Eles tiram do próprio bolso, montaram a escola para não dei xar faltar nada”, afirma Noêmi a. Como um verdadei ro “paitrocínio”, os filhos entre dois e seis anos das famílias de baixa renda dançam, bri nc am , comem, bebem e dormem neste ambiente, que representa um segundo lar. Mais do que moradia, os futuros cidadãos aprendem as lições da vida com cinco professoras e são assistidos por mais 20 profissionais.
Se por ventura, os valores morais e éticos necessi tarem de reforço, as mães se reúnem por meio do Projeto Célula-tronco. A interação promove uma troca de experiências, já que elas discutem os problemas individuais buscando soluções em conjunto. Os projetos educacionais não se limitam às crianças. Após o término das reformas, com a ampliação do refeitório, da área de lazer, dos dormitórios e das salas de aula, a instituição visa o atendimento aos familiares. Alguns desses planos já foram desenvolvidos no papel, como, por exemplo, o Projeto Grupos de Jovem e Alfabetização de Adulto. São idéias abrangentes a todas as faixas etárias, e só pelo fato de serem estudadas, mostram que nunca é cedo ou tarde demais para se aprender ou ser feliz. A creche funciona na Rua D. Alfonsina Proost de Souza, nº 185, Bairro Chico de Paula. As inscrições são abertas permanentemente e as vagas preenchidas de acordo com a capacidade de instalação da entidade.
tão morando de forma irregular. “Existe um processo judicial para a retirada das famílias. A Cohab está trabalhando para receber essas pessoas.” Para Eizo, as famílias mais antigas se instalaram
no bairro devido à renda que obtinham do antigo lixão. “Eles acabaram perm anec endo l á. É um a subsistência, pois o bairro é área industrial e comercial, não é um lugar apropriado para moradia.”
“Alegra Favela” busca revitalização RODRIGO CASTELAO
O primeiro evento foi realizado em 12 de ouM e s m o c o m t o d a s tubro, Dia das Crianças. as dificuldades, a co- Segundo Maria Lúcia m u n i d a d e d a V i l a Cristina de Jesus Silva, Alemoa demonstra es- 3 6 a n os , um a da s tar sempre unida. idealizadoras do projeQuas e um ano de- to, o evento durou das pois do incêndio que 13h às 22h, contou com acabou com 166 barra- 2.200 brinquedos doacos, os moradores ain- dos por vereadores da da têm voncidade e tade de fashows do zer com MC Careca, que o bairO projeto desen- Meninos da ro ressurja Vila Alemoa volvido n a e Meninos da das cinzas. Alemoa é seme- Vila Saboó. Depois lhante ao Alegra de muito Segundo Centro pedir ajuda Ronaldo a empresas Pereira, 21 e institui anos, m oções e não r ad o r d o Ronaldo Pereira ter qualquer bairro e um Morador tipo de resd os l íd e posta, os próprios mo- res comunitários, o proradores resolveram bo- jeto é semelhante ao tar a mão na massa. “Ale-gra Centro”, que Um dos projetos que es ta-bel ece pol íti c as eles desenvolvem é o que func i onam c om o “Alegra Favela”, com a indu-toras da revitalizaintenção de arrecadar ção da região central b ri n qu e do s , r e al i za r d e S a n t o s , t a n t o n a shows, dança, feiras de parte física quanto cularte e teatro, tanto na tural. E é isso que as Alemoa quanto nas ou- famílias que moram na tras comunidades da V i l a A l e m o a p e d e m Zona Noroeste. hoje: revitalização.
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Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
Dezembro 2007
Reeleições de presidente incomodam moradores Sheila Almeida
SHEILA ALMEIDA
“Ah, esse presidente de bairro não tá com nada, não!” Edvaldo Oliveira, de 57 anos, ajudante de caminhoneiro morador da Alemoa
“Antes, o canal era limpo toda a semana. Faz tempo que ninguém vem limpar...” Iracema Araújo Silva, 61 anos do lar
A
ssim como Saddam Hussein, que ficou décadas no poder no Iraque, outro presidente também se eternizou na função. Isso porque desde 1981, o cargo da presidência da Associação Pró-Beneficiência e Melhoramentos da Vila Alemoa é ocupado pelo mesmo homem: José Inácio Leite. Uma das diferenças, já que Leite também é chamado por alguns moradores da região pelo apelido de “Saddam”, é o tempo de poder. Principal liderança do mundo árabe, Hussein impôs ordem de 1979 a 2003, ou seja, por 24 anos. Já no bairro da Alemoa, em Santos, o tempo de poder na presidência da Associação de Melhoramentos ultrapassou a 26 anos. No entanto, tanto tempo no poder, ao invés de abrir espaço para ampliar a realização de cursos culturais e profissionais, registrou várias histórias de festas. Olhando a sede por dentro é possível encontrar nas paredes de madeira, sustentadas na palafita sobre o Rio Furado, memórias do que já ocorreu: Além de reuniões com membros associados, festas de casamento e batizados celebrados pelo padre local da época. Os cursos profissionais realizados na Associação, como corte e costura, deixaram de existir, segundo o próprio presidente, há mais de dois anos. Reclamações da população indicam que seria impossível tirar Inácio Leite da presidência: “A gente tenta, mas não pode se associar na sociedade. Eles não deixam e ninguém tira o ‘Saddam’”, conta Ronaldo Pereira, morador 21 anos, criado no local e que faz parte do grupo social intitulado
Frente Popular da Vila Alemoa. Para rebater a informação, Leite explica que no estatuto da ‘sedinha’ consta que somente é permitido associar pessoas “idôneas”. “Para se associar tem que se apresentar. A partir daí, toda a diretoria da Associação conhece a pessoa para saber as idéias dela. Depois tem que levar o R.G e pagar a “Jóia” (nomenclatura utilizada para designar o valor necessário para se cadastrar). Não associamos qualquer um que só aparece para reclamar. Os assuntos têm que ser discutidos na hora que estão em pauta. Se quisessem, que participassem antes”, explica, pedindo para que a informação de como se cadastrar não fosse repassada. Além de confirmar a atual situação de não associação dos moradores, o valor da “Jóia” não foi lembrado pelo atual presidente. Questionado quanto a uma data para que os mora-
“
Eu só entendo o que está no papel, e o que está documentado é que o presidente da associação sou eu”.
”
J. Inacio Leite dores retornem a participar, José Leite disse que antes será feito um recadastramento, necessário por causa do afastamento da maioria dos associados. Isso significa que, enquanto esse recadastramento não começa e nem termina, ninguém se associa. As eleições para a presidência acontecem a cada quatro anos. Podem votar os membros associados que estão em dia com as menDouglas Luan
“Não tem melhoramento algum aqui. O presidente não faz nada pelo bairro.” Adriana Oliveira Silva, 23 anos, Do Lar Durante a noite acontecem as aulas de alfabetização de adultos DIAGRAMAÇÃO: SHEILA ALMEIDA
José Inácio Leite, está na presidência desde 1981
salidades, que custam R$ 2,00 por mês ou R$ 20,00 por ano. Outro fato ressaltado pelo jovem nascido e criado na Alemoa, Ronaldo Pereira foi a facilidade de reeleição: “Entre os poucos membros que podem votar, estão os familiares do presidente.” A afirmação foi confirmada com uma voz irritada pelo telefone: “Tenho parentes que moram no bairro e podem se associar. Eles participam, mas eu tenho muita dignidade. Já trabalhei desde o setor de limpeza até uma agência de banco. Sei o que você quer apurar. Tem gente saindo no jornal A Tribuna se intitulando líder comunitário. Eu só entendo o que está no papel e o que está documentado é que o presidente da Associação sou eu”, enfatiza. O lado bom Ainda assim, não se pode dizer que a sociedade não fez nada pelo bairro. A primeira coisa a ser feita pela “sedinha”, como é conhecida a Associação, na década de 80, foi a festa de inauguração que reuniu cerca de 50 pessoas. A próxima ação para o bairro se concretizou ao longo de dois anos, quando o asfaltamento foi levado a alguns trechos e o pedido de saneamento e iluminação de vias. Onde havia terra firme, relógios marcadores de luz foram instalados. Leite afirma que a Associação conseguiu, além de água e luz nas principais vias, os conjuntos habitacionais para os moradores de maior risco, ganhos de processo de desapropriação de barracos e
barreiras que protegem a Marginal Anchieta. “Também pode ser que ninguém dê valor, mas eu fico todos os dias pela manhã na sedinha, atendendo as pessoas que vão lá diariamente”, explica o presidente. Porém, como nem todos os moradores desejam ter marcadores de luz em suas casas por causa do alto valor gasto por causa dos ‘gatos’ (ligações de luz clandestinas que visam roubar energia a fim de dividir a luz para outras moradias), Adriana Oliveira da Silva, de 23 anos, explica: “Em algumas casas eles colocaram relógio de luz, em outras, não. Daí, aqui nessa rua tem relógio para todo mundo, só para ele que não tem”. Entre as atividades que ocorrem atualmente no local estão as aulas noturnas de alfabetização de adultos, realizada em parceria com a Prefeitura Municipal de Santos e o programa Viva Leite, do Governo do Estado. Maria Lúcia Cristina de Jesus Silva, de 36 anos, desmente: ’Luz e água fomos nós que acompanhamos as reuniões. As famílias vitimadas pelo incêndio não recebiam o valor do aluguel cedido pela prefeitura. Reclamamos e tudo que estava atrasado foi pago. Nós conseguimos e ele que leva a fama”. Para o ajudante de caminhoneiro, Edvaldo Oliveira, de 57 anos, “esse presidente de bairro não está com nada, não”. O ditador árabe foi enforcado em 30 de dezembro do ano passado. Já a próxima eleição para a presidência acontece somente em 2009.
Dezembro 2007
Unidade de Saúde da Alemoa reformada é inaugurada
O
Sheila Almeida
Priscila Sancovich
s moradores da Alemoa e Chico de Paula, na Zona Noroeste, já contam com melhores condições nas áreas médica e odontológica. A Unidade Básica de Saúde do local foi reformada graças à parceria da Prefeitura com o Rotary Club de Santos- José Bonifácio. Durante a realização dos serviços, o atendimento da unidade foi feito no Centro Comunitário da Alemoa (Marginal Direita Anchieta, 218), onde algumas salas foram adaptadas. Para receber a unidade, o Centro Comunitário fez algumas mudanças. “Foi preciso instalar divisórias e outros equipamentos como pia e compressores para inalação”, diz o agente de saúde Edílson Gomes Santiago. O local tem três consultórios, sala de coleta e curativo, sala de vacina, administração e farmácia. A previsão é que a unidade de saúde permaneça no Centro Comunitário durante três ou quatro meses. “Neste período, o ônibus odontológico já dá suporte a quem precisa de tratamento dentário, para que estes tratamentos não sejam interrompidos”, destaca a chefe do Departamen-
A nova Unidade conta com 300 m2 e novos equipamentos
to de Atenção Básica, Carla Gonzaga. “A reforma, estimada em R$ 100 mil, além de recuperar toda a estrutura física do imóvel que abriga a unidade de saúde, proporcionará a instalação de dois consultórios odontológicos no piso superior, com a construção de mais de 85 metros quadrados (totalizando quase 300 metros quadrados), e também a reformulação da recepção e sala de espera, que oferecerá maior conforto aos usuários e atendimento mais hu-manizado”, diz o ex- presidente do Rotary Club José Bonifácio, Virgilio Pina, que colaborou com o projeto do bairro. Também houve a instalação de uma plataforma hidráulica que dá acesso a todos os andares do prédio. Após a obra, os servi-
ços serão disponibilizados da seguinte maneira: no primeiro piso fica a farmácia, sala de vacina, sala de curativo e inalação, enfermagem e três consultórios (pe-diátrico, ginecológico e de clinica geral), além dos banheiros. No segundo piso, estão instalados os dois consultórios odontológicos e mais um de pediatria, almoxarifado,copa e cozinha, sala de reuniões, vestiários, sanitários e a sala do compressor. O projeto é da Secretaria de Saúde e a realização e custeio da obra, que inclui a contratação da empreiteira,esteve a cargo da T-GRÃO Cargo Terminal de Grãos,de propriedade de Pina. A policlínica funciona à Rua Santa Maria,186 na Alemoa.
Agentes comunitários cuidam de famílias do bairro Jeifferson Moraes
AMANDA ALBUQUERQUE A Alemoa conta com ajuda para deixar suas famílias protegidas e saudáveis. Existe um grupo de cinco agentes comunitários de Saúde para garantir e auxiliar na saúde e controle de natalidade, preocupações que não mais tiram o sono dos cidadãos. Os agentes são Edílson Gomes Santiago, Lucilene Albuquerque, Marta e Marilene (sobrenomes desconhecidos), além de Wanda Rosa, cada um responsável por uma parte da Alemoa. “Nosso trabalho é garantir que as famílias estejam sempre protegidas e bem informadas de todos os perigos e soluções de doenças que possam atingilas!”, diz Edílson. “Se tem algum problema, já indicamos para o hospital, mas na maioria das vezes, visitamos as casas alertando à população e precavemos os problemas para que não DIAGRAMAÇÃO AMANDA ALBUQUERQUE
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Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
Planejamento familiar também é preocupação dos agentes
haja doenças atacando os moradores”. O trabalho desses dedicados cidadãos baseia-se não só em cuidar e evitar doenças freqüentes, como leptospirose e cólera, mas, também, em tratar as futuras mamães. “Instruindo e cuidando, o número de mães precoces, entre 11 e 15 anos, diminuiu muito em cinco anos! Agora distribuímos camisinhas e informa-
mos sobre os riscos de se ter um filho tão cedo, além de explicarmos e ajudarmos no planejamento familiar!” afirma Edílson. “Mesmo assim, ajudamos as mamães a cuidar de seus bebês desde o princípio: levamos para fazer pré-natal, acompanhamos a gestação e os dois primeiros anos da criança. Tudo para garantir a saúde da família!”, completou Edílson.
Secretário destaca reforma da unidade ANNE CAMPOS “A população é quem ganha com a colaboração da iniciativa privada junto aos municípios na construção de maternidade e hospitais”. Com essa frase, o secretário de Saúde de Santos, Odílio Rodrigues Filho explicou os rumos da Saúde na cidade. Um dos exemplos desta mudança é a nova Unidade Básica de Saúde do bairro da Alemoa. “Nós contaremos com todos os equipamentos dos grandes hospitais do País, com ar climatizado e muito conforto”, diz o secretário. “É o resultado de uma parceria entre a prefeitura municipal e o Rotary Club de Santos José Bonifácio”, diz. O presidente da sociedade melhoramentos da Alemoa, José Inácio Leite, diz que a antiga policlínica já era excelente. “A unidade que agora está em re-
forma já era querida pela comunidade. Todos os médicos e enfermeiros já conheciam as pessoas”. “E não são só os moradores do bairro que utilizam a policlínica. Muitas pessoas vêm também do bairro Chico de Paula”. Um dos projetos do secretário é uma unidade da Farmácia Popular (criada pelo Governo Federal) na Alemoa, já que Santos conta com duas lojas, uma na Zona Noroeste e outra na Zona Leste. “Mesmo sem a Farmácia Popular, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) continuam fornecendo os medicamentos gratuitamente”, disse o secretário. Em Santos, existem 20 UBSs. “Cada uma pode atender de 20 a 25 mil pessoas, ou seja, tanto a comunidade da Alemoa, como a de Santos está bem coberta”, acredita Rodrigues.
Prefeitura traz melhorias para o local CAMILA GASPAR A Alemoa é um dos bairros mais antigos da Zona Noroeste de Santos. Surgiu nos anos 60 e se localiza sobre um grande manguezal. O local, hoje, abriga um importante complexo industrial, com contêineres utilizados no transporte de cargas para o Porto de Santos. As pessoas que habitam naquela área moram nas vias marginais à rodovia e contam com serviços prestados pela Prefeitura de Santos. Os moradores da Alemoa dispõem de Unidade Básica de Saúde, que facilita muito no atendimento e necessidades diárias. Em junho deste ano, foram realizados 1.945 atendimentos. Outros 12 pacientes passaram pelo Serviço Atendimento Domiciliar (SAD). As crianças e adolescentes do bairro estudam na Escola Osvaldo Justo localizada no Chico de Paula. Na área habitacional, 20 unidades estão em fase de conclusão. O Centro Comunitário da Alemoa é outra opção de aprendizado para os moradores, com diversos cursos, como crochê, corte e costura e bordado em ponto cruz, capoeira, pintura e desenho para crianças e adolescentes. No dia 2 de agosto, a Prefeitura fez uma festa em comemoração ao aniversário do bairro, com direito a música e um palco com apresentações de grupos de dança. Fátima dos Santos, uma
das organizadoras dos eventos que acontecem no bairro, fala que sempre quando organiza uma atividade fica muito feliz com o resultado. “Quando vejo as crianças brincando e os moradores se divertindo, é sinal de dever cumprido”, diz Fátima. Ela também conta que todo evento que ocorre no bairro tem o apoio da Prefeitura. “Tenho ajuda do Po-
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Quando vejo as crianças brincando e os moradores se divertindo, é sinal de dever cumprido
Fátima dos Santos Moradora der Público e de pessoas voluntárias. Isso contribui bastante para que o evento dê certo”, explica. A dona-de-casa Maria de Fátima, 53 anos, diz estar satisfeita com as melhorias que a Prefeitura tem feito. “Fico feliz de não esquecerem do nosso bairro. Muita coisa mudou e hoje está um lugar bem melhor para se viver”, conta a aposentada. Já a estudante Rafaela Silva, 13 anos, diz que adora quando fazem festa no bairro. “Adoramos quando tem festa, tem muita coisa para fazer e vem muita gente”, disse Rafaela.
Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
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Festa é motivo de alegria para 2.400 crianças
E
Foto: Mariane Rodrigues e Gullith de Jesus (Frente Popular)
MARIANE RODRIGUES ra para ser mais um Dia das Crianças normal no complexo da Alemoa, sem
Durante a festa, teve pintura de rosto e muita brincadeira
A comunidade ajudou a organizar o evento, preparando doces e muita comida
As crianças tiveram uma rara oportunidade para, enfim, poderem se divertir
DIAGRAMAÇÃO: JORDAN FRAIBERG
grandes novidades, sem grandes “nada”, mas este ano não foi. Graças ao Projeto Alegra Favela, organizado pela comissão Frente Popular da Vila Alemoa, músicos da comunidade e apoiadores, as coisas foram diferentes desta vez e foi possível fazer o primeiro evento para os jovens. Aproximadamente 2400 crianças estiveram dentro do complexo e participaram da festa que teve início às 13h, e forçadamente acabou às 22h, segundo Maria Lúcia Cristina, conhecida na comunidade como Cris. Tal foi à alegria do evento, que ao desligarem o som as pessoas se queixaram, e disseram que a festa estava apenas começando. Não foi apenas a música que deu o tom dessa festividade. As brincadeiras infantis como queimada, batata-quente, entre outras animaram a criançada. Além das atividades também foi emprestado um contêiner onde uma bancada foi montada com fogões para a preparação e distribuição dos alimentos. De acordo com o MC Jecão, cantor de funk e morador da Alemoa, a festa foi maravilhosa. Ele ressaltou o prazer que teve em cantar para as crianças do bairro onde vive, e de perceber a felicidade estampada naqueles rostos. Apesar disso, por trás da festa houve um contexto social. O evento serviu não apenas para dar um dia a mais de alegria para os jovens e pais, mas para chamar atenção da sociedade e dos representantes municipais para a situação das crianças do local. De acordo com Cris, é necessário mais ajuda. “A intenção é conseguir mais apoio para as próximas festas. Que não falte nada! Queremos proporcionar o melhor para as crianças. Espero que tanto a Prefeitura e vereadores, quanto as empresas em geral, ajudem para que melhorem cada vez mais as futuras festinhas”. O ‘Seo’ Cosme Damião da Silva, carpinteiro e participante da comissão, concorda com a Cristina. “Na Alemoa temos muitos talentos que não são re-
Mais de 2.400 jovens participaram da festa das crianças, organizada pelo projeto Alegra Favela
conhecidos por falta de apoio, interesse. Temos meninos que jogam futebol, músicos, dançarinos de hip-hop, entre outras atividades e com muito potencial. Eles precisam ter a chance de crescer.” D os 17 v e r e ad o re s apenas quatro, um número considerado muito baix o, a ju d ar a m os organizadores do evento, e nt r e e l es e s t a v a à v er e a do r a C a s s a n dr a Maroni (PT), que ajudou com 50 brinquedos, e os v er e ad o re s B e ne d i t o Fu rt ad o (PSB), c o m R $ 50,00, profesor Fabi ão (PSB), com 50 brinquedos, e Adem ir Pes tana (PSB), com 30 brinquedos. A iniciativa privada também fez a sua parte. O que ficou bem claro na declaração dos organizadores é que essa ajuda foi muito bem vinda e foi fundamental para a realização do evento. Contudo este foi um paliativo para o problema. O necessário mesmo é que a soci edade ol he para o Alemoa e faça mais para aquelas crianças, que elas possam não ter apenas brinquedos no Dia das Crianças, mas condições dignas para crescerem como pessoas e se integrarem à sociedade. Além disto, Cosme ressaltou que o evento serve também para não desviar o foco da “molecada” e para que eles mantenham o interesse nas coisas normais da vida de qualquer criança, como brincar, correr, se sujar, interagir com os outros, não caindo no mundo da marginalidade, que está muito próximo deles.
Religiões afro-brasileiras sobrevivem na Alemoa VITOR GOMES Mesmo com o crescimento da população evangélica na Vila Alemoa, as religiões afro-brasileiras resistem duramente, assim como muitas famílias resistiram ao incêndio ocorrido em 19 de dezembro de 2006. Uma das sobreviventes é a baiana Alice de Souza Oliveira, de 65 anos, mais conhecida como Tia Alice. Residente da Alemoa há mais de 40 anos, Tia Alice é a mais antiga babalaô (chefe de terreiro) da vila. Ela incorpora diversas falanges da umbanda e do candomblé (cultos de origem africana que se misturaram às tradições brasileiras). “Temos diversos adeptos aqui na Alemoa, embora muitos praticantes das religiões e seitas afro-brasileiras tenham deixado o local, por causa do incêndio. Antes, eu era a principal chefe de terreiro daqui. Agora, sou uma das poucas que restam”, lamenta Tia Alice. O terreiro onde Tia Alice incorporava diversas falanges, como Pretos Velhos e Caboclos das Matas, se transformou em cinzas. Com isso, ela perdeu boa parte de sua clientela. Mesmo assim, ela conta que ainda recebe pessoas de toda a região para fazer trabalhos ou benzimentos. “Vem gente de todos os cantos: Santos, São Vicente, Praia Grande, Cubatão e até Guarujá. Antigamente eu fazia de tudo. Hoje, eu atendo na minha própria casa e faço apenas pequenos trabalhos, todos voltados para o bem,
como benzimentos e cura de doenças.” Mas a maioria pessoas procura a babalaô para realizar trabalhos que resolvam problemas sentimentais. “Embora muita gente me procure, não faço mais este tipo de trabalho. Mesmo assim, percebo que é o mais praticado, pois quando saio na rua e vejo um trabalho sei exatamente para quem ele foi oferecido e o que foi pedido. E a maioria é referente às causas do coração, envolvendo amarrações e vinganças”, revela Tia Alice, que já trabalhou em mais de 10 terreiros na Baixada Santista e na Bahia. Ela dá crédito ao velho
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Temos diversos adeptos aqui na Alemoa, embora muitos praticantes das religiões e seitas afrobrasileiro tenham deixado o local.
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Tia Alice Babalaô
mito popular e diz que quem debochar ou desr es p ei t a r u m t ra b a l h o será amaldiçoado. ”Embo ra m ui ta ge nte di ga que não acredita nessas coisas, nunca vi ninguém fazendo pouco dos trabalhos. No fundo, no fundo, as pessoas respeitam”, acredita.
Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
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Hip hop da Alemoa vai a Paris JEIFFERSON MORAES
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m fevereiro dese ano, o dançarino de hip hop da Alemoa, Leandro dos Santos de Oliveira, foi representar o Brasil em uma das competições mais importantes do mundo; o campeonato Mundial de Hip Hop, que ocorreu no Museu do Louvre, em Paris, na França. Ley, como é conhecido, viajou com o amigo, ex-morador da Alemoa, Ricardo Alves da Silva, o Zóio, para disputarem com outras 36 duplas de vários países e chegaram até as oitavas-de-final. Ley mora com sua mãe na favela da Alemoa há seis anos. Em 19 de dezembro do ano passado, ele perdeu sua casa no incêndio que deixou 166 famílias desabrigadas. Mas a tragédia que quase tirou a vida de Ley trouxe também uma oportunidade. Por causa do incêndio, o prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa (PMDB), visitou a favela e foi quando Ley o conheceu e apresentou sua intenção de participar do campeonato internacional para conseguir apoio cultural. Segundo o dançarino, Papa prometeu ajudar e pediu que fosse procurá-lo no gabinete. Após várias idas à prefeitura e todas sem ter conseguido falar com o prefeito, conheceu o presidente da Câmara Municipal de Santos, Marcus de Ro s i s (P M DB ) . P or meio do vereador, Ley obt
“Durante a viagem queria sair do avião, e as 12 horas me deixaram impaciente”
“Com a dança e a cultura diminui bastante as chances de as crianças se envolverem com drogas e violência”
teve R$ 1 mil para custear parte das despesas da viagem. O valor de R$ 1 mil arrecadado foi o “pontapé inicial”, mas ainda faltavam cerca de R$ 4 mil para comprar as duas passagens e outro tanto para as despesas e hospedagem. Ley comenta que conseguiu comprar as passagens porque o dono da Casa Real Turismo, na Rua Augusto Severo em Santos, aceitou um cheque pré-datado. Fez um empréstimo bancário e com apenas 400 euros no bolso foi com o amigo para Paris. Fizeram conexão em Madrid na Espanha e permaneceram na França durante uma semana. Mas tinham pago apenas dois dias de hospedagem. Com ajuda dos amigos franceses que conheceram, não dormiram na rua e se hospedaram em suas residências. “Quando chegamos não havia ninguém para nos recepcionar, não sabíamos falar o francês e o inglês eu falo pouco. Mas deu para se virar”, recorda Ley. Para se alimentar, o dançarino comenta que sempre comprava pão e salame, tanto para o almoço como para a janta. O dinheiro não era suficiente. Os novos amigos franceses perceberam a situação delicada e levaram os dois dançarinos para almoçar em um restaurante chinês em Paris. Com 20 euros cada um, eles comeram à vontade e, segundo Ley, foi a primeira refeição deJeifferson Moraes
“Em Paris, o hip-hop é considerado uma arte, uma expressão cultural”
Mãe de Leandro segura lembrança trazida da França pelo filho DIAGRAMAÇÃO: RODRIGO CASTELÃO
Jeifferson Moraes
Dançarino Leandro dos Santos levou o hip hop brasileiro à França
cente que fizeram na viagem. “A idéia de viajar para um país distante não me dava medo, mas viajar de avião me dá muito medo. Durante a viagem queria sair do avião e as 12 horas de vôo me deixaram impaciente”, comenta Ley. Ley revela que seu desejo em participar do campeonato internacional era um sonho que parecia distante. “Foi uma conquista e uma realização muito gratificante representar o País. Infelizmente o hip hop no Brasil ainda não tem o reconhecimento como deveria”. O dançarino critica a falta de apoio e incentivo cultural para a modalidade no País, que muitas vezes é confundido com outros gêneros musicais como o funk, que predomina nas periferias e favelas brasileiras, e constantemente são rotuladas como festas que promovem a violência e o sexo. Hip hop O hip hop é uma cultura muito saudável. Em Paris, é considerado também uma arte, uma expressão cultural onde é comum presenciar
dançarinos que realizam apresentações em praças públicas e com movimentos que parecem desafiar “a lei da gravidade”. No Brasil, o hip hop começou a se espalhar a partir dos anos 80, por meio de dançarinos como Frank Ejara e Nelson Triunfo, que realizavam suas apresentações nas ruas do centro de São Paulo. Atualmente, Ley recebe uma pequena ajuda da Prefeitura Municipal de Santos, realiza cursos e workshops para crianças no projeto Escola Total, no espaço cultural da Cadeia Velha e em eventos nas praias. “Dar aula para crianças, principalmente carentes, e tentar convertêlas para o hip hop é um desafio. Acredito que enquanto essas crianças estiverem envolvidas com a dança e a cultura, diminuirão bastante as chances de se envolverem com as drogas e a violência”, afirma Ley. Serviço Ley dá aulas e faz apresentações de dança hip hop. Contato pelo celular: (13) 9154.9260.
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Artesanato dá dinheiro e traz dignidade ELAINE SARAIVA
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“Graças ao artesanato eu pude ajudar a construir minha casa, no pagamento do carro e dar uma vida melhor aos meus filhos”, Maria Lúcia Cristina.
dentro de uma caixa que Maria Lúcia Cristina, moradora e líder da Frente Popular da Vila Alemoa, guarda o que ajuda no complemento da renda familiar, o artesanato. Segundo Cristina, o trabalho como artesã “é uma árvore que plantou e que agora está colhendo os frutos”. A m o ra d or a s e m eo u essa idéia há 20 anos, quando começou a vender seus produtos. “Eu aprendi sozinha, apenas lendo algumas revistas”. Com s eus trabal hos , Cri s ti na c ontri bui para uma melhor qualidade de vida da família. “Graças ao artes anato eu pude ajudar a construir minha casa, no pagamento do carro e dar uma vida melhor para meus filhos”. E l a c on t a q u e v e nd e seus trabalhos em casa, na policlínica e na escola de judô que o filho freqüenta. “Eu consigo tirar torno de R$350,00 por
Jeifferson Moraes
e a família. “Os cursos são gratuitos e os materiais são disponibilizados aos alunos” A aluna da oficina de ponto - cruz, Anatal ia Aragão, ai nda não comercializa o seu artesanato, mas vê a atividade como uma fonte de renda. “E u pretendo, se Deus permitir, um dia vender para fora”.
las no Centro Comunitário aqui da Vil a Al em oa”, relembra Suzana. O Centro Comunitário Maria das Graças Azevedo Souza, mantido pela P re f ei t u ra de S a n t os , promove algumas atividades para a população do bairro. Entre elas estão o fi c i n a s d e D a nç a d e Rua, Lambaeróbica, Teatro, brinquedoteca, aulas d e c r oc h ê, m ac r a m ê , patchwork - técnica que utiliza retalhos para confec ção de peç as c om o colchas - e ponto cruz. De acordo com a coordenadora de cursos, Magda Muniz, as atividades realizadas no local são voltadas para crianças, adolescentes
Resultados Para Cristina, o artesanato é mais do que uma ajuda financeira - é uma terapia. “Ele distrai a cabeça e dá força para querer investir em aprender cada vez mais”. Ela diz ter vontade de aperfeiçoar a técnica que aprendeu há duas décadas, porém esbarra em u m a qu e s t ã o q u e, s e gundo ela, afeta outras mul heres do bai rro: os horários que não combinam com os dos cursos oferecidos no Centro. “Muitas mulheres trabalham e cuidam dos filhos durante o dia”. Uma solução, ainda segundo Cristina, seria a criação de cursos noturnos. E nq u an t o i s s o nã o ocorre, Cristina relembra outro ponto importante do artesanato em sua vida. Para ela, a atividade significa também “dignidade recuperada”. “Existe muit o p re c on c e i t o c o m o pessoal da Alemoa e o meu trabalho mostra que eu estou batalhando para conquistar as coisas”, explica Cristina.
bicos em animações de fes- de talento. Orgulhoso, tas infantis. Sobre sua famí- mostra todos os certificaa favela da lia, ele desabafa: “Eu po- dos de vários cursos que Alemoa, crian- deria entrar no mundo do já fez entre eles rádio, teaças e adoles- tráfico a qualquer momen- tro, desenho e estamparia. centes esbar- to. Seria a coisa mais fácil, Sempre ao seu lado, está ram em situa mas tenho uma família uni- seu amigo de infância Victor ções complicadas de se lidar. da que não me deixa faltar Xavier de Assis, 16 anos, esE a porta do tráfico sem- nada.” Stiven é um menino tudante do 9º ano da escola Aline Monteiro pre fica aberta para quem quiser entrar. Para que isso não aconteça a base familiar é fundamental. Stiven de Jesus Silva, 17 anos, estudante do 1º Ano do Ensino Médio da escola Padre Bartolomeu de Gusmão é um desses adolescentes. Sempre morador da favela, confessa qual seu maior sonho “Quero muito ser um fazendeiro, ter minhas vacas em Minas Gerais”. Para ajudar no sustento da casa e comprar Descalços ou não, crianças brincam entre as vielas das suas coisas ele faz pequenos palafitas e sonham com um futuro melhor
Oswaldo Justo. Morador da favela da Alemoa, ele acompanha o amigo em animações de festas infantis. Com sonhos um pouco distintos Victor quer ser jogador de futebol. E a chance para seu sonho se realizar não faltou. Foi convidado para jogar pelo Santos Futebol Clube, mas devido à falta de dinheiro seu sonho foi interrompido. Por essa razão, por um momento, ele deixou de lado o futebol “quero futuramente ser técnico em informática e morar na Ponta da Praia.” Quando questionados sobre a amizade dos dois, Stiven me responde com a seguinte frase “Crescemos juntos e é para sempre. A farinha que um comia o outro comia também”, relembra.
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O que eu ganho ajuda bem na renda, além de garantir o frango de domingo
SuzanaCândida Cândida da SilSuzana da Silva va Boleira
Peças artesanais garantem renda complementar aos moradores
mês”, afirma Cristina. A “boleira” Suzana Când i d a d a S i l v a é o u tr o exemplo da importância do artesanato na vida de a l g u n s m or a d or e s d a Alemoa. “O que eu ganho ajuda bem na renda, além de garantir o frango no domingo” . Ela faz doces e salgados há 4 anos, e chega a arrecadar R$250,00 mensais, quantia que é reparti da c om s ua c o m adre M a ri l uz i a Te xei ra, q ue vende o que é produzido por Suzana. Ao contrário de Cristina, a boleira teve aulas antes de desempenhar o ofício. “Eu fiz um curso de panificação e cheguei a dar au-
Amigos de infância sonham em mudar suas vidas
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THAINARA ALVES
“Quero ser técnico em informática e morar na Ponta da Praia”, Victor Xavier, 16 anos “Crescemos juntos e é para sempre. A farinha que um comia o outro comia também”, Stiven de Jesus, 17 anos
DIAGRAMADOR JORDAN FRAÏBERG
Primeiro Texto/Comunitário/Alemoa
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Esperança por dias melhores
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Sheila Almeida
ROSÂNGELA FERREIRA
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reunião rea lizada entre a Prefeitura de S a n t o s , Com panhi a de Des envolv im ento Habi taci onal e Urbano (CDHU) de Santos e os representantes dos moradores do Bairro da Alemoa no dia 12 de novembro trouxe à tona uma palavra que há muito tempo estava esquecida: Esperança. A reunião s ervi u para apresentar o projeto à população. O Projeto Habitacional da Vila Alemoa, como é conhecido, prevê a construção de 520 apartamentos, 160 sobrados, além de 274 apartamentos no bairro São Manoel, em Santos. Existem outras 386 casas de alvenaria cons truídas que s erão mantidas. A área ocupada pertence ao Governo Federal e a CDHU não pretende abater no preço das novas moradias o valor investido pelos moradores que construíram casas no terreno. O projeto foi incluído no PA C - Program a de A c el er aç ão do Cr es c i mento do Governo Federal e conta com a parceria da Prefeitura de Santos e da CDHU, responsáv el pela construção das moradias. O valor estimado é de R$ 16 m i l hõ es da
União e R$ 37,6 milhões do Estado. A elaboração do projeto já começou e a realização está sendo feita com a participação da comunidade. A Prefeitura de Santos cedeu um terreno localizado no b ai rro S ão M anoel - próxi m o à Alemoa para completar o espaço necessário para construir habitações que atendam todos os moradores do bairro. Um dos critérios que será usado para definir onde os 1113 moradores da Alemoa cadastrados na CDHU irão morar, vai levar em consideração a quantidade de pessoas na família e se esta tem animal de estimação. Para os moradores do núcleo, principalmente, para as 166 famílias vítimas do incêndio ocorrido no dia 19 de dezembro de 2006, as obras de urbanização devem iniciar em fevereiro de 2008 e terminar em 2010, prazo dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A aposentada Valdelice Rodri gues B i s p o, 58 anos, uma das vítimas do incêndio, lamenta a demora na construção das casas e tem esperanças de ter de novo um lugar s eguro para m orar. “O fogo destruiu em minutos o que levei uma vida para conseguir: Deus sabe o que faz, mas é um trauma
que jamais vou esquecer, passe o tempo que pass ar”, l em bra dona Valdelice que sonha em poder tomar em breve, um café feito no fogão da sua nova casa. Marco Aurélio do Vale mora há 12 anos no bairro com a esposa e o filho de 9 anos e revolta-se em ver que o buraco deixado pelo incêndio que destrui u sua c as a de dois quartos é hoje usado por moradores como área de invasão e reclama da ausência do prefeito Papa diante da situação. “Vai fazer um ano que aconteceu o incêndio e eu vi o prefeito aqui no bairro somente uma vez”, reclama. Marco é um dos 18 integrantes da Frente Popular, movimento que representa os moradores da Alemoa e a sua esperança é continuar lutando: “Estou vivo, posso lutar!” P ara M ar i a Lúc i a Cristina de Jesus Silva, 36 anos, a Cristina, conhecida como a líder da Frente Popular, a urbanizaç ão do bai rr o é a chance que “os moradores terão de viver num lugar digno, com espaço e oportunidade”, já que muitos construíram suas casas de forma irregular e não têm escritura, pois o terreno pertence ao Governo Federal. A esperança de Cristina é a de que seus filhos pos-
Se o projeto acontecer, as crianças terão moradia digna até 2010
sam ter um futuro melhor e a Alemoa transforme-se em um bairro onde os seus moradores não tenham vergonha de onde moram. A próxima reunião entre prefeitura, CDHU, Frente Popular e os moradores da Alemôa está prevista para a segunda semana de dezembro. Esperança A notícia do início das obras de urbanização do bairro da Alemôa para alguns moradores é visto como o retorno de bene-
fícios suspensos desde maio de 2007. Rosa Barbosa da Silva de 54 anos mora há 30 anos no bairro e reforça a necessidade dos moradores em buscar mais informações sobre o projeto e participar das reuniões, cobrando da prefeitura e CDHU agilidade nas obras.” Existe morador reclamando por cesta básicas,mas eles esquecem que antes do incêndio, ninguém ficava sem comer.Só cesta básica não resolve. Esperança para mim significa moradia.”
Alunos ouvem a comunidade após conclusão do jornal Douglas Luan
DOUGLAS LUAN DA SILVA O fechamento do jornal Primeiro Texto não ficou somente na sala da aula da Universidade. Os alunos, após encerrarem todo o proc es so de ediç ão e diagramação do jornal, retornaram à Alemoa para apresentar o produto final à comunidade. Depois de ouvir todas as opiniões dos moradores locais, a Frente Popular do bairro voltou à faculdade com o jornal para mostrar aos alunos os erros acertos e comentar sobre a experiência realizada. No dia 24 de novembro os estudantes e os professores responsáveis pelo projeto levaram o jornal até a casa de Mari a Cristina de Jesus, integrante da Frente Popular. No local, vários moradores puderam ter o primeiro contato com o material, e conhecer tudo o que foi DIAGRAMAÇÃO: SHEILA ALMEIDA
Alunos voltaram à comunidade e, após leitura e aprovação dos entrevistados, o jornal foi concluído
feito pelos alunos. Os professores explicaram como foi feito o processo de edição e montagem do jornal, e como os alunos reagiram com essa nova experiência. Neste dia foi marcada a volta dos integrantes à faculdade para os comentários finais sobre a publicação.
Na data marcada, dia 2 de dezembro, três membros da Frente vieram à Unisanta para passar aos alunos a opinião da comunidade sobre o jornal, a própria Cristina, Ronaldo Pereira e Carlos Roberto. Segundo Cristina, “o trabalho desenvolvido por vocês (alunos) foi maravi-
lhoso. Não há nota que compense o material criado por todos”. Já para Ronaldo, o Primeiro Texto vai ajudar a aumentar a auto-estima dos próprios moradores. “Aquele que não conhecia a Alemoa vai ficar sabendo como são as coisas lá e, assim, terá forças para ir em busca de
um futuro melhor”, completa. Os alunos também aprovaram a idéia. Para Rogério Amador, o fato de ir até o bairro e ver de perto a realidade o ajudou bastante na produção da matéria “Conhecer in loco as dificuldades da população aumentou a minha sensibilidade e a percepção para a elaboração do texto”. Já para Déborah Pellegrineti, o mais importante é tornar público os principais problemas do núcleo. “Foi interessante conhecer a realidade da Alemoa, um lugar que não vemos frequentemente. O diferencial deste trabalho é que vamos transmitir isso para as outras pessoas”. O professor Fernando Cláudio Peel acredita que o trabalho ajudará os alunos no desenvolvimeno da futura profissão. “O aprendizado ficará para sempre”.