ÍNDICE Agradecimentos VII Autores IX INTRODUÇÃO XI Dez notas preliminares XI Estrutura do livro XXI
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1. O QUE É O PODER 1 Poder como capacidade de obter e de recusar 2 O poder aumenta a probabilidade de obediência esperada 4 Dependes de mim – tenho poder sobre ti 5 Há assim tamanha diferença entre “querer” e “ter de”? 8 O charme discreto do poder dos desprovidos de poder 9 O poder é social e dinâmico 11 O poder muda-nos 13 A carreira, o poder e a gestão política 16 O poder é maligno? 17 Sete notas para uma visão tão realista quanto idealista do poder 18 2. DE ONDE VEM O PODER? 21 O poder é mais do que atributo pessoal 22 O poder e as novas formas organizacionais 24 “Não me venham dizer o que é bom para mim” 25 O poder emerge de um triângulo de influências recíprocas 26 Poder – uma força escondida atrás do palco? 27 Motivação para o poder 29 Três faces do poder – para, com e sobre 31 Desconfiemos de (alguns) grandes líderes 34 A dureza do poder macio 37 Nem sempre está onde parece estar 40 De onde vem – entre o sagrado e um “pajarito chiquitito” 41 Poder e estatuto 44 O poder da hierarquia 48 O tamanho conta? 51 III
PODER: VENENO E REMÉDIO
Prémios de beleza Ser ou não ser, ter ou não ter – eis as questões Sentir-se poderoso e ganhar poder Nascidos para ter poder? Guerra e paz – a política nas arenas de poder O poder do poderoso carismático não reside apenas no poderoso Conclusão
54 57 59 60 60 69 73
3. O (DES)PODER SUBINDO À CABEÇA 75 Doenças do poder 75 Usar o poder para abusar 78 O poder muda – os poderosos e os outros 80 O poder “dado” pelo comportamento dos outros 80 A atenção segue o poder 81 O poder desinibe – o (des)poder inibe 85 Efeitos de contágio 92 Conclusão 96 4. GANHANDO PODER 97 Se tem poder, mostre-o 98 Se não tem poder (mas quer ter), mostre o poder (que ainda não tem) 99 Mostrar poder gera mais poder 100 Mostrar que poder? 101 Sinalize poder e comunique de forma não verbal 102 Força versus cordialidade? 104 Prepare-se para o escrutínio 105 “Conhece-te a ti mesmo” 107 Pergunte para servir 107 Fundamente os seus pontos de vista 108 Não deixe que o poder lhe suba à cabeça 110 Seja paciente 113 A importância dos contrapoderes 114 Conclusão 115 5. MANTENDO E DESENVOLVENDO O PODER: O PODEROSO EM DIÁLOGO CONSIGO PRÓPRIO E COM OS OUTROS 117 O poderoso dialogando consigo próprio 118 O poderoso na relação com os outros 143 Conclusão 155 6. MANTENDO E DESENVOLVENDO O PODER: O PODEROSO E A REALIDADE REAL 157 O poderoso dialogando com a realidade real 157 O poderoso e as suas decisões 170 IV
Índice
O poderoso escapando às ciladas da fragmentação organizacional 183 Conclusão 194 7. PERDENDO PODER 195 Tudo se perde, tudo se cria, tudo se transforma 195 Húbris 199 Não se queixe do azar 207 Afrodites em cada esquina 210 Esquecendo a integridade 215 Contra a ratoeira da bajulação – o “graxómetro” 218 Ovelhas e yes men – um séquito perigoso 219 O perigo das luzes da ribalta 223 Legitimidade – cá se constroi, cá se perde 225 Não queira provar o seu próprio veneno 227 Cuidado com o que deseja – ou “quem tudo quer tudo perde” 229 Schadenfreude 231 Conclusão 233
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8. DIZER ADEUS AO PODER É UMA ARTE DIFÍCIL 235 É difícil dizer adeus 236 “Não me telefonem” 237 O “silêncio brusco” faz muito ruído na mente e no espírito 240 Um silêncio que mata a vida 241 Escolha o timing 242 Muitos convites para não largar a cadeira do poder 244 Quando é chegada a hora? 245 Os poderosos boomerang 247 A capacidade de sair do inferno 250 Conclusão 253 9. 33 LIÇÕES CONDENSADAS SOBRE O PODER 255 1. O poder – fim ou meio? 255 2. Poder bom, poder mau 255 3. O poder não é peçonhento 255 4. O mundo não é o céu 256 5. O mundo não é feito de santos... 256 6. ... mas não é preciso ser santo para mudar o mundo 256 7. Apenas sorrisos? Pouco juízo! 257 8. Quem quer agradar a gregos e a troianos pode acabar por desagradar a troianos e a gregos 257 9. É preciso estar-se e não se estar nas tintas 258 10. Aprendendo com babuínos 258 11. Eles e elas 259 V
PODER: VENENO E REMÉDIO
12. De onde vem 13. A voz dos gestos 14. Os atos contam mais do que as palavras 15. Cuidado com o que faz e diz 16. A geleia real é um suplemento alimentar perigoso 17. Sobe mesmo à cabeça 18. Afrodite traz azar 19. Não queira provar o seu próprio veneno 20. Lembra-te, homem, de que és pó... 21. Para que não suba à cabeça, convém ter os pés na terra 22. Não projete as luzes apenas para o palco e, sobre ele, para si 23. Poder “humbicioso” 24. A doença é cada vez mais escrutinada 25. O (des)poder também sobe à cabeça 26. A responsabilidade dos acólitos 27. O perigo do poder carismático 28. Resultados, resultados... 29. O poder comporta um lado cruel 30. Os perigos da fragmentação do poder 31. Conhece-te a ti mesmo 32. A difícil arte de sair 33. A vida além do poder Referências Bibliográficas Créditos das Imagens
260 261 261 262 262 262 263 263 264 264 264 264 265 265 266 266 267 267 268 268 268 269 271 307
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AUTORES MIGUEL PINA E CUNHA é professor catedrático na Nova School of Business and Economics e presidente do conselho científico desde 2012. Investiga os processos de liderança e de mudança organizacional, tendo publicado mais de 150 artigos sobre o tema em revistas como Academy of Management Review, Journal of Management Studies, Leadership Quarterly e Organization Studies. Colaborou com diversas escolas internacionais, incluindo LUISS Guido Carli (Roma), Mediterranean School of Business (Tunis) e Universidad de los Andes (Bogotá). Em 2016, com Arménio Rego, Stewart Clegg e Jorge Gomes, recebeu o Best Paper Award da European Management Review.
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ARMÉNIO REGO é professor catedrático convidado na Católica Porto Business School. É autor ou coautor de diversos livros nas áreas da liderança e da gestão de pessoas. Tem realizado formação, coaching e consultoria nas mesmas áreas. Publicou em revistas como Human Relations, International Journal of Human Resource Management, Journal of Business Ethics, Journal of Business Research, Journal of Occupational Health Psychology, The Leadership Quarterly, Journal of Management e Organization Studies. Com trabalhos de investigação premiados em Portugal e no estrangeiro, a Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG) considerou-o, em 2014, uma das 25 pessoas mais influentes da gestão de recursos humanos em Portugal. ANA GUINOTE é professora associada na University College London. Fez o seu doutoramento na Universidade de Heidelberg, Alemanha. A sua investigação centra-se no modo como as relações sociais, em particular as assimetrias de poder e de estatuto, afetam a motivação, a cognição e a autorregulação. Estudou também a forma como o poder influencia a persecução de objetivos, a atenção e o altruísmo. Publicou em revistas de elevado impacto, incluindo Annual Review of Psychology, Journal of Experimental Psychology: General, Journal of Personality and Social Psychology, Psychological Science e Proceedings of the National Academy of Sciences. Foi editora associada das revistas Personality and Social Psychology Bulletin e British Journal of Social Psychology.
IX
INTRODUÇÃO “Os seres humanos são as únicas criaturas capazes de se comportarem irracionalmente em nome da racionalidade.” Ashley Montagu[1]
“A aceitação acrítica, pelas pessoas, de histórias que as fazem sentir-se bem acerca da liderança impede-as de aceitar a realidade e de adotar ações que melhorem as coisas.” Jeffrey Pfeffer[2]
“Se quer fazer o bem – no sistema educativo, no serviço público, no tratamento do cancro da mama, ou ao serviço dos acionistas – necessita de ter poder.” Jeffrey Pfeffer[3]
“Cheguei a uma idade em que me apercebi de que a única verdadeira sabedoria é a compreensão de que sabemos muito pouco.” Kets de Vries[1]
DEZ NOTAS PRELIMINARES 1. ILUSTRAÇÕES NÃO SÃO GUIAS DE AÇÃO Ao longo deste livro, o leitor encontrará numerosos exemplos práticos de poder em ação. Têm propósitos ilustrativos e não procuram caucionar nem julgar os casos mencionados. São descritivos, não prescritivos. Destinam-se a facilitar a explanação dos nossos argumentos. Ajudam os leitores – esperamos nós – a compreender a natureza do poder, os seus usos e as suas consequências. Não pretendem ser guias de orientação. Partilhamos, seguidamente, a experiência de dois autores deste livro, para sublinhar a importância dessa cautela. Em setembro de 2016, dois autores deste livro receberam uma mensagem de uma leitora brasileira. Chamemos-lhe Rute, pseudónimo. Rute alegava ser apreciadora
PODER: VENENO E REMÉDIO
de um livro nosso (em coautoria com um colega brasileiro) sobre as virtudes dos líderes, publicado, em 2013, no Brasil[4]. Pretendia continuar a recomendar o livro aos seus alunos, mas sentia desconforto com o facto de a obra aludir a dois líderes brasileiros que haviam caído em desgraça: o ex-Presidente Lula da Silva e o empresário Eike Batista. Rute perguntava se a obra seria revista e reeditada. Eike Batista é descrito na obra como figura dotada de grande autoconfiança. Lula da Silva é descrito como determinado e perseverante. A queda de ambos não apaga essas qualidades, mas chama a atenção para dois aspetos que importa aqui, enfaticamente, sublinhar. Primeiro: uma força, uma virtude, ou um atributo potencialmente positivo precisam da companhia de outras qualidades. Segundo: uma qualidade positiva pode ser usada de modo negativo ou para finalidades menos virtuosas. Algumas ilações podem daqui ser extraídas para o propósito deste livro que o leitor tem em mãos: • O facto de alguém ser apresentado neste livro como dotado de uma dada qualidade não representa um atestado à posse de outras qualidades. Pode ser-se determinado e... desonesto! • Simetricamente, o facto de mencionarmos um pecado ou um pecadilho de alguém não pretende significar que essa pessoa é desprovida de qualidades positivas. Mandela cometeu pecados e pecadilhos, como todos os humanos. Mas a sua dimensão moral é inquestionável. • Uma virtude é uma qualidade. Contudo, um indivíduo virtuoso é alguém com diversas qualidades que se nutrem mutuamente. • Tal como muitas outras qualidades humanas, o poder e o desejo de exercê-lo podem ser usados para o bem e para o mal. Nem mesmo o amor é imune a esse risco!
2. DISCUTIR O COMPORTAMENTO DE ALGUÉM PODEROSO NÃO SIGNIFICA SUPORTAR ESSA CONDUTA Há alguns anos, um prezado colega enviou a um dos autores uma mensagem eletrónica de desapontamento. Havíamos escrito um texto no jornal Expresso sobre as origens do poder dos poderosos em Portugal. O estimado colega expressava, pelo menos implicitamente, alguma antipatia por alguns dos líderes retratados no texto – e considerava que as referências a esses líderes representavam a nossa simpatia por eles. De facto, nenhuma simpatia nos movia. Apenas pretendíamos sublinhar que as pessoas poderosas denotam algumas características que ajudam a explicar as origens do seu poder. Como autores, temos as nossas simpatias e antipatias. Mas divergimos em muitas delas. Isso não nos impediu de convergir no entendimento do que são as bases do XII
Introdução
poder, o seu uso e as suas implicações. Como escreveu a cineasta Kathryn Bigelow, “retratar uma coisa não é o mesmo que defender essa coisa”[5]. Se escrevemos algo sobre um político português, tal não significa que sejamos detentores de um cartão do respetivo partido, ou do partido adversário, no caso de o comentário ser menos abonatório. Aliás, não temos cartão partidário – mas poderíamos ter. Ilustremos o nosso pensamento com casos extremos. Hitler foi persistente. Porém, ao escrevermos que a persistência é um nutriente do poder, não estamos a defender elogiosamente a persistência de Hitler. Estamos apenas a constatar que Hitler foi persistente e que essa persistência lhe permitiu alcançar resultados que, de outro modo, não teria alcançado[6]. De facto, sublinhamos que uma qualidade como a determinação pode ser canalizada para edificar usos desumanos do poder. Eis outro exemplo: Pol Pot, o facínora cambojano responsável pela morte assassina de milhões de cidadãos, nunca desistiu da sua visão. Mas esta afirmação não representa um elogio ao “Irmão Número Um”. Apenas esclarece que liderar com visão pode ser mais perverso do que não ter visão alguma. Consideramos que ignorar os maus usos do poder não ajuda a melhorar o mundo! A nossa preferência por um mundo justo não faz do mundo um lugar melhor do que ele é. Convém, aliás, que sejamos vigilantes na confiança que projetamos sobre os líderes. Líderes repletos de qualidades podem usar malevolamente o poder que essas qualidades lhes conferem. Não devemos ignorar essa perversidade apenas porque sentimos que (também) são dotados de boas qualidades.
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3. CASANDO MORALIDADE COM PRAGMATISMO O poder, dada a sua complexidade, pode ser abordado a partir de múltiplos ângulos de análise, incluindo o moral e o pragmático. Do ponto de vista ético, importa saber se o poder é ou não usado segundo princípios e regras eticamente aceitáveis. A complexidade da questão resulta, frequentemente, do binómio meios-fins. Por exemplo, será ético usar o poder de modo pouco ético para alcançar fins nobres? Os fins justificam os meios? Será eticamente desejável que um líder desista de um fim nobre porque não está disposto a fazer uso de processos menos éticos para alcançar tal finalidade? Do ponto de vista pragmático, a questão emergente é: funciona ou não funciona? Esta foi a perspetiva adotada por Maquiavel e tem como corolário que “os fins justificam os meios”. Pelo exposto se compreende que os dois ângulos de observação são inseparáveis. Ambos têm implicações éticas e práticas, sendo que a forte valorização de uma das perspetivas pode descurar a outra. Se o leitor tem dúvidas, pense em Abraham Lincoln, antigo Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), ainda hoje amplamente admirado pelos cidadãos norte-americanos. Lincoln teve um papel XIII
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determinante na aprovação da 13.ª emenda constitucional, que acabou com a legitimação constitucional da escravatura. Contudo, sentiu-se compelido a usar o seu poder, como Presidente, para “comprar” os votos de meia dúzia de opositores[7]. Sem esse ato, a medida não teria sido aprovada – e não sabemos como o resto da história teria decorrido. Na parte final do filme Lincoln, realizado por Steven Spielberg, um personagem afirma que “o homem mais puro da América” acabara de, através da corrupção (“compra de votos”), alcançar um dos feitos mais notáveis da história do século XIX. Esta constatação inquieta os espíritos mais honestos, representando bem o dilema e os paradoxos a que estão submetidos os melhores líderes. Representa, também, o dilema essencial do uso do poder – a desarmonia entre a ética dos meios e a dos fins. Este livro resulta, assim, da interseção das duas abordagens. A nossa proposta pretende ser clara. No entanto, admitimos, é potencialmente ambígua: tratamos o poder de uma forma empírica, mas com preocupações ético-morais. Incorremos no risco de ser demasiado moralistas para os práticos e demasiado pragmáticos para os moralistas. É um risco que assumimos e do qual não somos capazes de escapar, pelas razões que expomos de seguida.
PERDER A ALMA PARA SALVAR A CIDADE, OU PERDER A CIDADE PARA SALVAR A ALMA? O dilema que o poderoso experimenta quando se confronta com o binómio meios-fins foi emblematicamente expresso por Adriano Moreira, a propósito do exercício do poder político[8]: “Dentro do grupo que participa na mesma constelação de valores, e na decisão de cada homem, a ação também aparece subordinada a uma antinomia fundamental, que é a que se verifica entre a moral de responsabilidade e a moral de convicção. A primeira, que orienta a ação do Príncipe de Maquiavel, para conseguir realizar ou salvar um valor da comunidade não hesita em sacrificar outros valores, segundo a regra de que os fins justificam os meios. Weber deu como exemplo o homem que, segundo Maquiavel, perdeu a alma para salvar a cidade. A moral de convicção, tributária do imperativo categórico de Kant, recusa sacrificar os valores essenciais, sejam quais forem as consequências, e perde a cidade para salvar a alma. Weber, como exemplo, citou o dito de Lutero: ‘Eis a minha posição, e não posso proceder de outra maneira’.”
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Introdução
4. SUJO NÃO É O PODER, MAS O SEU USO “O poder é a última palavra suja. É mais fácil, para muitos de nós, falar sobre dinheiro, ou mesmo de sexo, do que acerca do poder. Quem o tem, nega-o; quem o pretende, procura não o demonstrar; quem é bom a obtê-lo, faz segredo da forma como o obtém.” S. P. Robbins[9]
O poder é uma palavra “suja” e um tema “escorregadio”. Muitos executivos argumentam que não querem exercer poder, apenas liderança. Alguns dos nossos amigos com funções de liderança ficam incomodados quando usamos a palavra poder para descrever algumas das suas atividades. No quadro interpretativo desses nossos amigos, o poder é exercido pelos chefes – a liderança pelos líderes! Frequentemente, mesmo aqueles que mais gostam de exercer o poder afirmam que não é “poder” que procuram. Pretender o “poder” é, muitas vezes, encarado com suspeição. É por isso que uma “boa” e maquiavélica forma de o procurar e cultivar é alegar que não se pretende o poder. A lógica adotada neste livro é simples: o poder é necessário para fazer coisas, melhorar o mundo e mobilizar recursos e pessoas em prol de fins meritórios. Embora, por vezes, seja temido, é, geralmente, desejado por grupos, por organizações e pela comunidade, por facilitar o alcance de metas sociais partilhadas[10]. Enquanto força social, o poder pode ser usado como alavanca de liderança positiva[11], uma força de inclusão e de progresso. Se se quer fazer o bem em grande escala, importa ter poder. Naturalmente, o poder pode também ser usado para as finalidades mais perversas. Hitler, Estaline e Mao usaram o poder para fins, e por meios, perversos. Usaram o poder na aceção mais suja que lhe é frequentemente atribuída. Diferentemente, Abraham Lincoln, Nelson Mandela e o Papa Francisco usaram-no, ou têm-no usado, para fins mais virtuosos.
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5. A COABITAÇÃO DO BEM E DO MAL O exposto permite desde já extrair quatro ideias-chave. Primeira: as virtudes de bons líderes não apagam os seus pecados. Devemos ter consciência de que mesmo os melhores líderes não são santos. Segunda: as maldades de líderes perversos podem ser prosseguidas com base em “boas” qualidades. Terceira: podemos aprender com os “bons”, mas também com os “maus” – para nos inspirarmos nos primeiros e neutralizarmos os segundos. Também podemos aprender com os maus momentos dos bons líderes. E não tenhamos ilusões: o poder é um recurso neutro, podendo ser usado para fazer o bem ou para destruí-lo. A quarta ideia, que desenvolvemos na XV
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décima nota deste texto preliminar, é a seguinte: o melhor exercício do poder é, porventura, o que combina flexibilidade com princípios. Flexibilidade sem princípios origina abuso de poder, desconfiança e arenas onde impera a lei da selva. Mas uma postura de princípios sem flexibilidade gera inflexibilidade cega e incapacidade para obter finalidades virtuosas. Com este livro, pretendemos ajudar o leitor a usar o poder positivamente. Pretendemos alertá-lo para os maus usos do poder – mesmo por parte de líderes persuasivos e portadores de visões aparentemente meritórias. Sublinhamos que ignorar o potencial destrutivo do poder não resultará em nada virtuoso. E alertamos para o facto de que a repulsa pelo poder não é uma posição realista, nem virtuosa. O que corrompe não é o poder, é o uso que dele se faz. E convém ter cautela com poderosos que alegam não gostar de poder. Ou com políticos que alegam não apreciar a política.
AS DUAS FACES DO PODER SEGUNDO UM CIENTISTA POLÍTICO “A imagem de Janus, o deus de dupla face, exprime a realidade política mais profunda. O Estado – e, de uma maneira geral, o poder instituído numa sociedade – é sempre, e por toda a parte, o instrumento da dominação de certas classes sobre outras, utilizado pelas primeiras em seu proveito e com desvantagens para as segundas; mas é, também, um meio de assegurar uma certa ordem social, uma certa integração de todos na coletividade, para o bem comum.”[12]
6. O PODER ESTÁ EM TODO O LADO O poder está em todo o lado. Entre pais e filhos, entre irmãos, entre amigos, na vida das empresas, na vida das nações, nos clubes desportivos, até na natureza não humana – mesmo, ou sobretudo, a mais selvagem. Há poder sempre que há relações de dependência, seja esta material, relacional ou mesmo emocional. Daqui não decorre a ilação de que todos devemos relacionar-nos com os outros numa lógica de poder submissivo. Devemos, sim, estar cientes da nossa natureza humana e social, aprender com a história das relações humanas e assumir que podemos melhorar o mundo através do poder, mesmo que tenhamos apenas o poder de nada termos a perder, por não termos poder. XVI
Introdução
7. O PODER NÃO TEM NACIONALIDADE O livro está repleto de ilustrações de líderes portugueses e estrangeiros. Alguns leitores poderão sentir desconforto pela inclusão abundante dos segundos. Eis o que pensamos: • O poder não tem nacionalidade. É exercido, mesmo quando é partilhado, em todas as comunidades humanas. Compreendemos melhor os meandros do poder quando nos consciencializamos de que as suas manifestações e dimensões são transversais a diferentes culturas, ainda que diferentes quadros culturais possam recomendar diferentes práticas. O leitor compreenderá que o poder não é, de facto, exercido do mesmo modo na Rússia e na Finlândia. • A investigação sobre os fenómenos do poder, da liderança e das organizações é levada a cabo em todo o mundo, sendo que a investigação feita em Portugal sobre a realidade portuguesa representa uma parcela modesta. Por conseguinte, a compreensão desses fenómenos não pode deixar de considerar esse amplo espaço de produção de conhecimento. • A interpretação de poderosos portugueses é mais facilmente condicionada pelas ideologias, crenças e opções políticas de cada leitor – no caso de este ser português, naturalmente. O que referimos nas duas primeiras notas é um reflexo dessa tendência. É, porventura, mais fácil interpretar com distanciamento os casos estrangeiros do que os portugueses. Ao que fica exposto, acresce que os mundos da política e dos negócios são globais e alvo de escrutínio mediático à escala planetária. Não faria, pois, sentido adotar uma abordagem paroquialista.
8. É MAIS FÁCIL ESCREVER DO QUE FAZER
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Falar e escrever sobre poder, as suas virtudes e os seus vícios, é mais fácil do que exercer poder de modo virtuoso. Como autores que escrevem sobre poder, não somos imunes aos seus vícios e tentações. Que o leitor frua mais da jornada que tem em mãos do que dos jornaleiros que a criaram.
9. UM EXEMPLO DE COMO OS IDEAIS REQUEREM FLEXIBILIDADE “Não estou obrigado a ganhar. Mas tenho o dever da verdade.” Abraham Lincoln[13]
XVII
PODER: VENENO E REMÉDIO
Lincoln foi, e continua a ser, um dos presidentes mais amados pelos norte-americanos. Numa sondagem realizada, em 2012, pelo The New York Times e pela CBS News, sobre o “maior Presidente”, Lincoln recolheu 55% dos votos, contra 31% de George Washington. O resultado é espantoso, considerando que Lincoln guiou os destinos dos EUA há cerca de século e meio (1861-1865). A sua inclusão autonomizada, aqui, resulta do facto de o seu legado inspiracional ter perdurado até aos dias de hoje[14]. A sua excecionalidade impeliu Peter Baker a escrever, no The New York Times[15]: “Lincoln vive na Casa Branca, inspirando os sucessores com o seu exemplo, mas confrontando-os com um padrão que é impossível satisfazer.”
O democrata Obama foi um dos que mais se associou ao legado do republicano Lincoln. Jay Winik (autor de April 1865, um livro sobre os últimos dias da Guerra Civil) afirmou[15]: “Ele continua a ser uma inspiração para os presidentes, sejam eles democratas ou republicanos. […] Ele vive numa espécie de espaço na estratosfera.”
Mark K. Updegrove, diretor do museu e da biblioteca Lyndon B. Johnson, afirmou que Lincoln permaneceu como pedra de toque para os que lhe sucederam, acrescentando[15]: “Não há sequer um presidente que eu tenha entrevistado – Ford, Carter, Bush pai, Clinton, Bush filho – que não me tenha dito que foi para Lincoln que se virou em primeiro lugar, como fonte de inspiração, durante os dias mais difíceis da sua presidência. Ele é inquestionavelmente a referência.”
David Brooks escreveu, também no The New York Times, que todos os candidatos a presidente deveriam aprender com Lincoln[14]. O que mais interessa reter dos argumentos de Brooks, para os propósitos deste livro, é a natureza contraditória do antigo Presidente norte-americano. Lincoln era de tal modo honesto que uma das suas alcunhas era Honest Abe (“Abe” é diminutivo de Abraham). Mas era também suficientemente flexível para realizar compromissos morais, o que lhe permitiu alcançar valores da mais elevada ordem. Segundo Brooks, a natureza contraditória de Lincoln não era um problema, era uma virtude[14]: “Denotou um espírito dual de que precisamos em todos os nossos líderes. […] Estava consciente do seu próprio poder, mas igualmente ciente de XVIII
Introdução
quanto estava indefeso nas mãos do destino; era extremamente autoconfiante, mas profundamente humilde. Os candidatos que não têm este temperamento contraditório não têm modo de se examinarem a si mesmos e são, portanto, perigosos.”
O que podemos daqui extrair para a compreensão do uso do poder? A ilação que aqui pretendemos sublinhar é, precisamente, a de que Lincoln combinou, com sabedoria, princípios com flexibilidade. Eis o que sobre ele foi escrito numa resenha1 a uma biografia de Lincoln[16]: “Abraham Lincoln era um pragmático no uso do poder. Winston Churchill escreveu que Lincoln se ‘preocupava em manter o barco equilibrado e numa rota estável, mesmo quando o peso estava todo ora de um lado, ora de outro. Os seus argumentos em cada caso, quando comparados, não tinham apenas naturezas diferentes – eram, efetivamente, contraditórios em espírito e opostos no sentido; mas, porque o seu objetivo era o mesmo… não podemos afirmar que havia inconsistência. A única forma de um homem se manter consistente no meio de circunstâncias mutantes é mudar com elas e, simultaneamente, preservar o mesmo propósito principal’.
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Lincoln era também um idealista, que acreditava que o poder deve ser exercido com princípios. […] Estava bem ciente dos abusos do poder […]. Para Lincoln, o poder era inseparável dos princípios. […] Lincoln compreendeu as necessidades do clientelismo político para reforçar o seu poder presidencial e que, por vezes, era mais importante aplacar os inimigos do que satisfazer os amigos. Estava, também, muito consciente dos limites dos seus poderes […]. Lincoln compreendeu que o poder era necessário para fazer o bem. A ambição era necessária para obter o poder, como o próprio reconheceu, aquando da sua primeira campanha para funções públicas, em 1832. […] Era um homem ambicioso, mas desejava o poder menos por razões de prestígio ou autoridade do que pelas oportunidades que o poder proporciona de ser útil e fazer o bem […]. A Guerra Civil deu ao presidente um poder sem precedentes, mas Lincoln equilibrou-o com a compaixão […]. Allen Thorndike Rice escreveu: ‘Tendo o poder de um rei, Lincoln manteve a modéstia de um plebeu. Visitantes da Casa Branca, tanto os poderosos como os desprovidos de poder, testemunharam que Lincoln tinha um toque comum’.” http://www.abrahamlincolnsclassroom.org/abraham-lincoln-in-depth/abraham-lincoln-and-power/#alp.
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Esta descrição do poder representa, em grande medida, a mensagem que pretendemos transmitir com este livro. Se alguém que dispusesse apenas de dois minutos para ler nos perguntasse que parte do livro sugeriríamos, a resposta estaria nestes excertos. Concedemos tamanha relevância a Lincoln porque a documentação é vastíssima e o seu mandato e o seu legado têm sido amplamente estudados. Lincoln não é um expoente apenas relevante para a liderança política. Um texto publicado em 2013 pelo The New York Times referiu-se à “Escola de Gestão de Lincoln”. A autora, Nancy Koehen, professora na Harvard Business School e que usa a biografia de Lincoln para formar executivos empresariais, foi perentória[17]: “A presidência de Lincoln, num momento de grande paixão moral na história do país, é um estudo de liderança de elevado calibre. […] As lições de Lincoln parecem tão frescas como sempre. Elas demonstram a importância da resiliência, da paciência, da inteligência emocional, da escuta atenciosa e da consideração de todos os lados de uma disputa. Também mostram o valor de nos mantermos fiéis a uma missão maior.”
Daqui decorre um último desejo dos autores deste livro: que os cursos universitários de gestão adquiram uma componente histórica mais forte. A história não contribui apenas com conhecimento, também ajuda a desenvolver sabedoria.
10. TRABALHO COM SIGNIFICADO Há outra mensagem que este livro pretende veicular e que procura responder à seguinte questão: “O que devemos fazer com o poder que temos ou queremos ter?”. Para o efeito, inspiramo-nos em Manfred Kets de Vries, um prestigiado académico da escola de negócios INSEAD e reputado coach e consultor. Num dos seus livros mais interessantes – e aparentemente estranhos para o mundo da liderança, do poder e dos negócios –, escreveu sobre sexo (e desejo), dinheiro, felicidade e morte. Estas quatro dimensões da vida estão presentes em todos os humanos e os poderosos não são exceção. Podemos controlar a satisfação do desejo, mas não podemos impedir que o mesmo surja. O dinheiro é importante como fonte de satisfação de outras necessidades, incluindo as mais virtuosas. Todos queremos ser felizes. E… todos morremos. O que é interessante no argumento do autor é a tese de que, independentemente do que fazemos com estas quatro dimensões, (quase) todos desejamos ter uma vida com significado. Buscamos, pois, sentido para o que fazemos no quotidiano. O próprio Kets de Vries assume que, após o falecimento da mãe, adquiriu maior consciência da sua própria mortalidade, o que o levou a alterar a sua agenda de vida[1]: XX
Introdução
“[…] Atingi uma idade que me consciencializou da natureza transiente das coisas. Sabemos que nascemos e sabemos que morreremos. A questão passa a ser a de como podemos fazer bom uso do tempo que medeia entre os dois momentos, e esse tempo somos nós. Há um tempo na vida para deixar que as coisas aconteçam, e há um tempo para fazer com que as coisas aconteçam. Acredito que nos mantemos jovens focando-nos nos nossos sonhos mais do que nas nossas mágoas.”
A agenda que Kets de Vries associou ao seu livro, com o qual nos revemos e, por isso, citamos, foi expressa do seguinte modo[1]: “Um desafio adicional para mim é levar os executivos a consciencializarem-se de que a vida não se circunscreve a símbolos de poder e posição; não se limita ao dinheiro. Como posso ajudá-los a descobrir que o modo como despendem o seu tempo é mais importante do que o modo como despendem o seu dinheiro? Eles devem compreender que o estatuto é uma entidade ilusória, a popularidade um acidente, a riqueza muito volúvel, e que apenas o caráter é duradouro. Tento mostrar-lhes que os bens materiais não são as coisas mais importantes na vida. O que é verdadeiramente importante são as relações com significado, a capacidade de fazer a diferença e a criação de significado. O grande uso da vida é despendê-la a fazer algo que nos sobreviva. Que exemplo querem eles dar aos outros?”
Este livro também indaga: no exercício do poder, que exemplo queremos dar aos outros? Estamos a usar bem o tempo, que somos nós, entre o momento em que nascemos e aquele em que deixaremos o mundo dos vivos?
ESTRUTURA DO LIVRO “As sereias do poder a todos podem seduzir.”
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Kets de Vries[18]
“Tendo bebido uma vez da fonte do poder, torna-se difícil não querer beber mais.” Kets de Vries[18]
O livro está estruturado em torno de nove capítulos. No Capítulo 1, clarificamos a noção de poder, discutimos a estreita relação entre poder e dependência (temos poder sobre quem depende de nós), mostramos a XXI
PODER: VENENO E REMÉDIO
natureza dinâmica do poder (o poder ganha-se e perde-se), e argumentamos que o poder muda quem o detém (não necessariamente para melhor!) e quem é dele desprovido. Sugerimos, ainda, que o poder é um fenómeno positivo ou negativo, consoante o uso que dele é feito. Fechamos o capítulo com notas para “uma visão tão realista quão idealista do poder”. No Capítulo 2, explanamos “de onde vem o poder” e quais são as suas fontes. Mostramos que o poder é mais do que a posse de atributos pessoais, resultando, também, da estrutura em que o poderoso está inserido e do modo como esses atributos participam nas relações de poder. Argumentamos que o poder oriundo exclusivamente da hierarquia é um poder de perna curta. Discutimos três formas de poder (para, com e sobre). Sublinhamos a força do soft power (poder macio). Mostramos que o poder nem sempre está onde parece – pode estar onde menos se espera e pode não estar onde se espera. Discutimos, ainda, a natureza política das organizações e a necessidade de o líder dela ter consciência. Fechamos o capítulo com uma breve discussão sobre o carisma, mostrando que o poder do líder carismático não depende apenas dos seus atributos, mas também, ou sobretudo, do modo como esses atributos estão alinhados com as necessidades dos liderados e as características da situação. O Capítulo 3 discute as razões pelas quais o poder sobe à cabeça, não apenas dos poderosos, mas também dos desprovidos de poder. Argumenta que a doença do poder mais problemática é a húbris – uma combinação explosiva de arrogância, deslumbramento pessoal, incapacidade para avaliar os riscos das decisões, hiperconfiança e tendência para ver os outros como simples instrumentos ao serviço do poderoso. O capítulo também sublinha que os poderosos fazem o que fazem porque os desprovidos de poder aceitam, ativa ou passivamente, os seus desmandos. A doença de uns e outros é contagiosa e pode minar o funcionamento de uma equipa, de uma organização, de uma comunidade ou mesmo de uma nação. No Capítulo 4, analisamos os meandros da aquisição do poder. Argumentamos que algumas práticas são moralmente aceitáveis e legítimas; outras, pouco recomendáveis; e outras ainda, bastante frívolas. Sublinhamos a necessidade de adotar condutas poderosas para ganhar e mostrar poder, mas também referimos que o poder, para ser fonte de construção de positividade organizacional, não pode assentar no mero interesse pessoal e narcísico do líder, devendo ser um poder que serve! Deve, também, ser um poder partilhado. Os bons líderes são os que, partilhando o poder, se tornam mais poderosos. Nos capítulos 5 e 6, discutimos modos de desenvolver e manter o poder. No Capítulo 5, argumentamos que manter o poder requer dois diálogos da parte do poderoso: consigo mesmo e com os outros. Por diálogo consigo mesmo entendemos a capacidade de compreensão das forças e das fraquezas próprias, assim como o autocontrolo emocional, a sensatez, o tino nas palavras usadas, a capacidade de escuta e de aceitação da crítica e o discernimento para criar contrapesos ao poder próprio e XXII
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Introdução
escapar à húbris – a fatal doença do poder. Por diálogo com os outros entendemos o tratamento dos liderados como adultos, respeitando-os, reconhecendo-os, mostrando-lhes gratidão e comunicando devidamente. No capítulo 6, damos continuidade à relevância do diálogo do poderoso com a realidade “real”. Dado que um dos maiores riscos associados à detenção de posições de poder é a perda de contacto com a realidade, é recomendável que o poderoso escute essa realidade. Aconselhamos as experiências no terreno, a leitura da realidade que se esconde por detrás do organograma, a escuta dos outros (incluindo dos críticos) e a capacidade de se fazer rodear por gente sensata e que comunica a verdade, por mais azeda que esta seja. Argumentamos que, dotado dessas capacidades, o poderoso fica mais apto para tomar decisões mais realistas. Partilhando o poder, fica também mais capaz de executar as decisões, pois estas são implementadas pelos liderados. No Capítulo 7, abordamos os labirintos de perda de poder, não só os criados pelo poderoso, mas também pelos seus adversários e, sublinhe-se, pelos seus apoiantes. Argumentamos que o poder é afrodisíaco, tentador, viciante. Sublinhamos, de novo, que a húbris é, porventura, a doença mais grave. Gera arrogância, sentimentos de invencibilidade, excessos de confiança e de otimismo e perda de noção da realidade. Discutimos, pois, as razões pelas quais a doença é contraída e sugerimos modos de evitá-la. Notamos que os poderosos devem, acima de tudo, consciencializar-se de que quanto mais querem aproximar-se do sol, maior é a probabilidade de as suas asas de cera derreterem; que, se não forem cautos e não atuarem para manter a sua legitimidade, acabarão por provar do seu próprio veneno. Dedicamos o Capítulo 8 à arte de abandono do poder. Discutimos que, sendo o poder viciante, é difícil fazer o desmame, seja porque a vontade de mantê-lo é forte, seja porque os liderados pressionam o poderoso para permanecer. Argumentamos que descartar o poder é tão difícil quanto conquistá-lo, que a arte de sair é tão importante como a de entrar e que os regressos tanto podem ser bem-sucedidos, como transformar uma antiga glória numa saída pela porta baixa. Sugerimos, em suma, que é preciso saber sair e saber viver sem os doces prazeres do poder de outrora – a reputação, a bajulação, a ocupação do centro do palco. No Capítulo 9, elencamos uma síntese das principais lições que os líderes podem extrair do conhecimento sobre o poder. As fronteiras entre os capítulos não são estanques. O nosso objetivo é ajudar o leitor a compreender o poder como um fenómeno incontornável da vida social, da vida política e da vida organizacional. Mostramos que o poder, por si só, não é uma coisa boa, nem uma coisa má. Pode ser ambas as coisas, dependendo do modo como é usado e das finalidades prosseguidas. Uma coisa é certa: para mudar o mundo e as organizações para melhor, é necessário ter poder; não o poder pelo poder, mas o poder de influenciar pessoas e instituições, de remover barreiras, de suscitar apoios e de prosseguir, com determinação, em prol de objetivos valorosos. XXIII
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O QUE É O PODER “Pergunta essencial da história: o que é o poder?” Tolstói[1]
“Em todas as empresas as chefias têm poder, o qual tende a corromper.” The Economist[2]
“Muitos executivos promissores descarrilam algures durante as suas carreiras, muitas vezes por não serem suficientemente bons na gestão da política do escritório.” Jeffrey Pfeffer[3]
“Política é a capacidade de decidir o que deve ser feito, poder é a capacidade de o fazer.” Zygmunt Bauman[4]
NOTAS DE ABERTURA Este capítulo discute o que é o poder. Mostra que o poder não é simplesmente um atributo, mas, antes, provém das relações. Alguns atributos e recursos são importantes para se deter poder. Contudo, apenas são relevantes na relação com os outros. Temos poder quando temos capacidade para levar os outros a fazerem o que pretendemos, a obedecer-nos, a empenharem-se na prossecução dos nossos intentos, sejam estes meritórios ou não. Tal acontece quando temos a capacidade de recompensar ou de punir os outros, ou simplesmente de informar, reconhecer ou orientar em matérias relevantes para eles. Nessa lógica, mesmo quem está numa
PODER: VENENO E REMÉDIO
fraca posição hierárquica pode ter poder sobre quem ocupa posições mais elevadas na hierarquia. É também nesse quadro que se compreende que o poder é dinâmico – perde-se, ganha-se, reconfigura-se. Pedro pode hoje ter poder sobre David, mas, amanhã, noutra matéria, ou porque as circunstâncias se alteraram, David pode impor a sua vontade a Pedro. O capítulo explica também que o poder muda os poderosos e os desprovidos de poder. E argumenta-se que o poder não é necessariamente maligno, como com frequência se presume. O que pode ser maligno é o uso que dele se faz! O capítulo fecha com sete notas, ou recomendações, sobre como fazer um uso realista do poder para prosseguir finalidades idealistas. Em suma: para prosseguirmos ideais e sermos eficazes a alcançá-los, temos de ser realistas e compreender que precisamos de poder – do poder bem orientado e assente em missões valiosas.
PODER COMO CAPACIDADE DE OBTER E DE RECUSAR Assumamos que o poder é a capacidade de controlo assimétrico (isto é, numa relação, uma parte tem mais do que a outra) sobre resultados valorizados e que permite tomar decisões que afetam os outros[5,6]. De forma ainda mais simples, consideremos que o poder é a capacidade de influenciar e “produzir um efeito desejado”[7]. Assim definido, o poder é um dos temas mais atrativos para quem estiver interessado no funcionamento das organizações. Mas os interessados são muitos – incluindo muitos dos que alegam não ter interesse nele. Em 2013, a palavra mais pesquisada no dicionário online Priberam, em Portugal, foi “poder”[8]. O poder já foi caracterizado como o conceito mais importante (mas também como o mais ambíguo e polimórfico[9]) das ciências sociais[10]. Não é concebível a existência de grupos ou organizações sem diferenças de poder e de estatuto[11]. Para as empresas, sempre potencialmente próximas de climas políticos corrosivos[12], o tópico ultrapassa o interesse académico. Quem assume posições de liderança, quem deseja fazer as coisas acontecer, quer tenha mais ou menos vontade de “mandar”, fica inevitavelmente confrontado com a natureza e as regras escritas e não escritas do poder. O poder é o “meio de produção” da liderança[13]. Não estamos a sugerir que o poder advém apenas de quem tem posições de mando, de autoridade, de chefia. De facto, pelo menos em algumas circunstâncias, os chefiados são mais poderosos do que o chefe. O que estamos a sublinhar é que, sem a capacidade inerente ao poder, as estratégias dos líderes não passam de efabulações[14]. O poder ajuda as coisas a acontecer e permite impedi-las. A estratégia pode, aliás, ser definida como a capacidade de extrair de uma situação mais do que o sugerido pelo equilíbrio de poder[15]. 2
PODER: VENENO E REMÉDIO
pensam[44], aquilo a que prestam atenção[45,41], o modo como sentem, como se relacionam, como se comportam. Os poderosos sentem mais liberdade para dizerem aquilo que pensam[33] (ver o destaque “Licença para prevaricar”) e são menos atentos às necessidades dos outros – não necessariamente por razões perversas, mas porque necessitam de canalizar as suas energias para ações “importantes”. As pessoas com poder também se sentem mais dotadas de direitos, por vezes, de modo despudorado. E sentem-se ainda mais autorizadas a prevaricar, isto é, a cometer pecados e pecadilhos[37]! Mesmo quem detém pouco poder sente-se, por vezes, encorajado a fazer uso dele para alcançar os seus intentos. Pense o leitor no funcionário público “cioso”, que cria entraves à fluidez de um processo, apenas para mostrar o seu poder e obter pequenas benesses. Há cerca de 30 anos (antes da emergência das novas tecnologias da informação e da comunicação), um dos autores conheceu uma grande empresa cujo telefonista era alguém com poder – conhecia “toda a gente”, dentro e fora da organização, e fazia uso da sua posição (e. g., acelerando ou atrasando o acesso a uma chamada) para obter vantagens.
“LICENÇA PARA PREVARICAR” É frequente as pessoas ficarem desiludidas com a conduta perversa de líderes que consideravam moralmente nobres. Lula da Silva, ex-Presidente brasileiro que gozou de grande popularidade, parece ter caído em desgraça por essa razão. Mas, ao longo da história, outros líderes têm conduzido os liderados ao mesmo desconsolo. “Como é possível que este líder, que eu considerava sério, seja, afinal, como os outros?!”, é a interrogação que frequentemente colocamos. A investigação sugere, todavia, que não deveríamos ficar tão surpresos. Os humanos, especialmente os líderes que encarnam missões e objetivos nobres, são, com frequência, apanhados na teia de um “pecado original”: a “licença para prevaricar” (tradução livre de moral licensing[37,46,47]. Martin Luther King, o “santo” da luta pelos direitos dos negros, tinha um historial bem documentado de infidelidades matrimoniais[48]. Para um pastor do seu gabarito, a nódoa mancha o pano (Figura 1.2).
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O que é o poder
FIGURA 1.2 Martin Luther King Jr., o “santo” dos direitos dos negros, prevaricava
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nos pecados da carne3
A “licença para prevaricar” representa a tendência para nos sentirmos mais livres para agir menos corretamente depois de termos adotado ações moralmente elevadas. Após termos atuado de forma (que consideramos) generosa ou moralmente elevada, formamos uma identidade, perante nós próprios e os outros, de pessoa boa, ética e com caráter. Sentimo-nos, então, mais livres, menos constrangidos para fazermos o que queremos realmente fazer. Por um lado, ficamos convictos de que, com a nossa autoridade moral, ninguém desconfiará! Por outro lado, sentimos que essa presumida autoridade moral legitima que adotemos determinados comportamentos. Entendemos que, porque somos moralmente superiores, nos encontramos à margem dos códigos destinados aos que são menos honestos do que nós! Adquirimos “créditos morais” que nos permitem “comprar” más ações subsequentes. A inclinação é, porventura, mais comum em pessoas dotadas de poder, incluindo as que (de facto ou apenas alegadamente) prosseguem missões louváveis: “Sou tão importante, o meu desígnio é tão relevante para a humanidade, que me sinto autorizado a usar meios menos apropriados para concretizá-lo”. Da constatação deste pecado original dos humanos resultam duas implicações. Primeira: todos nós, sobretudo se ocuparmos posições de poder, devemos estar cientes dos riscos, para evitarmos cair na armadilha. Segunda: como liderados, devemos ser cautos. Convém que não nos deslumbremos com líderes poderosos que julgamos santos.
Na Marcha dos Direitos Civis, em Washington, nos Estados Unidos da América, em 28 de agosto de 1963.
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Investigação recente ajuda a explicar quando esta realidade é mais provável: o poderoso foca-se mais no seu autointeresse quando está desprovido de forte identidade moral. A identidade moral é o grau em que a pessoa toma a dimensão moral como parte do seu autoconceito. Por conseguinte, a experiência psicológica do poder aumenta a consciência moral daqueles que possuem forte identidade moral, mas diminui essa mesma consciência moral nos que possuem fraca identidade moral[153]18.
Forte
Poderoso relutante
Poderoso convicto
O detentor do poder controla vastos recursos, mas, por disposição ou inexperiência, não se apercebe do poder que tem, não o valoriza excessivamente ou sente-se desconfortável com ele. Exemplo: um jovem executivo detém grande influência, mas a insegurança associada à novidade da função fá-lo sentir-se menos poderoso. Poder real
O detentor de um pequeno poder que se atribui grande importância.
Exemplo: o “cabo raso” consciente de que a sua posição organizacional é pouco expressiva do ponto de vista do poder; o cidadão alvo do “reizinho” na repartição pública; ou Josef K., de Kafka. Fraco
Exemplo: o presidente de um município que conhece o poder sobre um conjunto de atores individuais e organizacionais.
“Reizinho” (com o rei na barriga)
Sem-poder O indivíduo não tem poder e está consciente desse facto ou tem um pequeno poder que não valoriza.
Fraco
O detentor do poder está consciente da sua capacidade de influência sobre os resultados dos outros.
Exemplo: o pequeno burocrata usa o seu escasso poder de forma ostensiva (é, em boa medida, a esta personagem que se deve a existência de organizações burocráticas ditas kafkianas).
Sentimento de ser poderoso
Forte
FIGURA 2.11 Ter poder e sentir-se poderoso
Já Joaquim Agostinho dizia que “não se sobe o Alpe d’Huez [mítica etapa da Volta à França, conquistada pelo português] com bife grelhado e água Evian”[154]. Para um tratamento académico do tema, ver Palmer (2013)[155].
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PODER: VENENO E REMÉDIO
O PODER MUDA – OS PODEROSOS E OS OUTROS Em bom português: “Se queres ver o vilão, põe-lhe a vara na mão”. Henry Mintzberg colocou a questão de forma equivalente: se quer conhecer os defeitos de uma pessoa, case com ela ou trabalhe para ela[16]. O poder altera o comportamento[17]. Crianças de cinco anos a quem, experimentalmente, se confere um estatuto mais elevado são menos generosas para os seus pares do que crianças com estatuto mais baixo[18]. Ou seja, o lugar muda a pessoa. Tolstói referiu “o tom condescendente de quem está habituado a mandar”[19]. Se o leitor tem dúvidas sobre o efeito do poder no poderoso, basta que preste atenção às pessoas a quem o poder subiu à cabeça. Mas o poder também altera o comportamento dos subordinados, como o mesmo Tolstói sugere: “Alguém – por certo uma pessoa importante, a julgar pela pressa com que lhe abriam caminho”[19]. Múltiplas razões explicam as mudanças comportamentais associadas ao exercício do poder. Por um lado, os menos poderosos têm de considerar uma maior quantidade de perspetivas e de pontos de vista[20,17]: os seus e os de quem tem poder sobre eles. O processo de consideração de perspetivas tem implicações, levando as pessoas a alterar o seu funcionamento cognitivo, incorporando, na tomada de decisão, a perspetiva do outro. Por outro lado, a falta de poder prejudica as funções executivas, isto é, os mecanismos gerais de controlo que coordenam os subprocessos cognitivos, nomeadamente a atualização de informação relevante para a prossecução de objetivos e a inibição de informação irrelevante para os objetivos[21]. Os menos poderosos têm de considerar os seus objetivos e os objetivos dos seus chefes. Em resultado, os menos poderosos negligenciam mais os seus objetivos, não por serem altruístas ou negligentes, mas devido à assimetria de poder, que os obriga a considerar cuidadosamente os objetivos dos seus superiores hierárquicos e a tentar ajudar a alcançá-los.
O PODER “DADO” PELO COMPORTAMENTO DOS OUTROS Uma razão que impele as pessoas poderosas a sentirem-se poderosas reside na alteração do comportamento dos outros: quando alguém ganha poder, os outros alteram o seu comportamento para com essa pessoa. Estas alterações são retratadas, de forma soberba, em Guerra e Paz, de Tolstói. Eis a descrição do momento em que Pierre Bezúkhov, filho bastardo já apontado como futuro herdeiro do Conde, chega a casa do pai, deitado no seu leito de morte, encontrando vários elementos próximos da família[19]: 80
MANTENDO E DESENVOLVENDO O PODER: O PODEROSO EM DIÁLOGO CONSIGO PRÓPRIO E COM OS OUTROS
Há outros modos de se ser diferente, que passam por se ser autêntico sem se ser insensato. Por se ter uma marca pessoal confiável. Por se fazer a diferença, para melhor, na vida dos outros e da comunidade. Por se ser capaz de elogiar boas diferenças dos outros, em vez de apoucá-los ou insultá-los. Por se usar o poder com e para, e não sobre. O leitor escolherá a diferença.
PRENDA-SE AO MASTRO – CRIE CONTRAPESOS AO SEU PRÓPRIO PODER “As pessoas estão fartas do capitalismo selvagem.”
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João Botelho[39]
O poder diminui constrangimentos externos e permite atuar de acordo com a própria vontade, aspetos que podem originar expetativas irrealisticamente otimistas e subestimação dos riscos. Uma forma de minorar este perigo nas organizações consiste em fazer uma boa seleção dos líderes. A outra forma passa por incutir, nos poderosos, um maior sentido de responsabilidade e uma maior sensibilidade às implicações dos seus atos sobre os outros, o mundo empresarial em geral e a comunidade[40]. Uma terceira forma consiste em punir exemplarmente, seja judicialmente ou pela vida da reprovação social, os comportamentos irresponsáveis. Um tópico que merece aqui atenção é o das remunerações. Os gestores de topo nas maiores empresas são pagos faustosamente. O argumento usado costuma ser o do mercado e não deve ser descontado. De facto, as pessoas mais valiosas e talentosas devem ser pagas diferencialmente – com equidade. Mas há limites de razoabilidade que não devem ser ultrapassados. Naturalmente, o traço que delimita essa razoabilidade não é exato e é, certamente, alvo de controvérsia. Contudo, há doses de (ir)razoabilidade que não merecem dúvidas. Como compreender, por exemplo, que se atribuam milhões em prémios de “desempenho” a gestores cujas empresas foram alvo de ajudas estatais? A disparidade absurda de compensações gera diversos efeitos perversos (Tabela 5.1). Cria desconfiança no público. Aliena os membros organizacionais que observam despedimentos e cortes salariais, ao mesmo tempo que os autores dessas medidas se compensam faustosamente. E provoca sentimentos cínicos sobre o próprio funcionamento do mercado. Como explicou Mike Mayo, analista financeiro, a propósito da queda de Vikram Pandit do Citigroup, esquemas de pagamento como aqueles que têm afastado o topo e a base da organização podem ajudar a destruir o bom nome do sistema de mercado e, até, erodir a sua legitimidade junto da sociedade[41].
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MANTENDO E DESENVOLVENDO O PODER: O PODEROSO EM DIÁLOGO CONSIGO PRÓPRIO E COM OS OUTROS
O PODEROSO NA RELAÇÃO COM OS OUTROS “Em Portugal, a liderança ainda é um one man job.” F. C. P. Pinto[85]
TRATE OS ADULTOS COMO ADULTOS “Tive treinadores que diziam: ‘Tens de fazer isto porque eu to estou a dizer’. Não compreendo. Não posso ser – come si dice? – autoritário.” Carlo Ancelotti[86]
Exercer poder e influência requer um diálogo, concretizado em palavras, mas sobretudo em ações, com os outros. Dessa matéria, trataremos seguidamente. Começaremos pela necessidade de os líderes tratarem os adultos… como adultos! Segundo Carlo Ancelotti, treinador do Bayern de Munique, alguns treinadores tratam os seus jogadores como adultos e outros tratam-nos como crianças. É possível infantilizar-se as pessoas de múltiplos modos: não as escutando, não lhes explicando as decisões que as afetam, impedindo-as de participar nas decisões, ignorando-as ou insultando-as. Alguns leitores terão vivenciado, em algum momento das suas vidas, experiências desse teor. O uso do poder como um recurso pessoal absoluto, que fala por si, é infantilizador. Se as pessoas não sabem porque fazem aquilo que fazem, dificilmente desenvolvem interesse em fazê-lo. Fazem-no por obrigação e não por gosto ou sentido de missão e responsabilidade pessoal. Um gestor autoritário é – come si dice? – um pai tirano.
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EMPODERE E APOIE, MAS EXIJA QUE LHE PRESTEM CONTAS Tratar adultos como adultos implica empoderá-los, isto é, dotá-los de poder. Esta oferta não é necessariamente bem acolhida, nomeadamente se o poder conferido é mais cerimonial do que real; se é muito (de)limitado; se é mais uma benesse aos fracos do que um exercício genuíno de partilha autonómica; se é um presente envenenado; ou se a pessoa que recebe o poder fica com um “filho nos braços” que não sabe como tratar. Ademais, o alegado aumento de autonomia pode ser acompanhado por um maior controlo da organização, nomeadamente, por via de sistemas de informação[87,88] – o poder que se concede pela porta é retirado pela janela. Em suma: “dou-te mais poder, mas tenho mais poder sobre ti”. Infelizmente, o empoderamento não é uma prática comum em Portugal[85], por duas razões. Primeira: empoderar os outros é uma forma de lhes mostrar respeito e de tratá-los como adultos. Segunda: quando bem utilizado, o empoderamento 143
PODER: VENENO E REMÉDIO
PROCURANDO RESPOSTAS CERTAS EM VEZ DAS PERGUNTAS CERTAS É possível ter as respostas certas para as perguntas… erradas. Os bons líderes têm a capacidade de fazer boas perguntas, criando condições para que as boas respostas surjam da diversidade das suas fontes. Como escreveram A. G. Lafley (ex-CEO da P&G) e três colegas académicos, os gestores devem deixar de perguntar “qual é a resposta certa” e concentrar-se em descobrir “quais são as perguntas certas”[10].
OS BONS OUVINTES NÃO SÃO ESPONJAS, SÃO TRAMPOLINS Zenger e Folkman escreveram um interessante texto sobre as características dos bons ouvintes[9]. Argumentaram que estes não são meras esponjas, silenciosas, que absorvem o que o falante lhes diz: são, antes, trampolins que energizam os outros e os ajudam a clarificar o pensamento e a amplificar o potencial das boas ideias. Eis as quatro características dos bons ouvintes, segundo os autores: • Não se limitam a ficar calados. Também fazem perguntas que promovem a descoberta e a perspicácia. • Fazem da conversa uma experiência positiva para o interlocutor, apoiando-o e reforçando a respetiva autoestima. • Facilitam o fluxo mútuo, que transforma a conversa numa conversação cooperativa. • Facultam feedback de modo respeitador e fazem sugestões que ajudam a compreender as alternativas disponíveis.
Infelizmente, esta capacidade de abertura à voz dos outros é, frequentemente, limitada por um fraco sentido de autoeficácia (ou autoconfiança) gestionária. Os gestores que confiam pouco nas suas competências de gestão minimizam a participação dos outros como forma de protegerem o seu ego de ameaças que possam advir dessa participação[11]. Entre receberem uma resposta que não conhecem, uma que não querem ou uma que não lhes agrada, e darem eles próprios a resposta mais conveniente, optam pela conveniência. Conhecemos, um dia, um experiente gestor que considerava o feedback uma fantochada. Este é um caminho perverso, que afasta os decisores da realidade. 162
Perdendo poder
EU, ME, MI, MIGO
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A húbris e diversos problemas a ela associados, embora resultem do uso do poder e da subida do mesmo à cabeça, podem ser facilitadas pelo narcisismo extremo. Alguns indivíduos, devido à sua personalidade, ou em alguns momentos da sua vida, interpretam-se como o centro do mundo e ignoram a realidade circundante, ou veem-na de modo distorcido. Um biógrafo escreveu sobre Ariel Sharon, antigo primeiro-ministro israelita: “O único deus em que acreditava era o que via todos os dias ao espelho”[11]. O narcisismo extremo não resulta sempre em catástrofes, mas é um potenciador vigoroso da perda de poder, se conduzir ao progressivo desligamento da realidade envolvente. Jardim Gonçalves, ex-presidente do Banco Comercial Português (BCP), insistia na justeza da sua reforma mensal de 160 mil euros, apesar da crise do banco que ajudou a fundar e da situação desesperada da economia portuguesa. Eis o argumento usado: a sua reforma não custaria “um cêntimo ao banco”[12]. Os poderosos podem criar uma realidade paralela e para aí mudarem a sua residência. Vejamos como Tolstói imagina a realidade autocentrada de um Napoleão: “Tudo o que estivesse fora dele não tinha qualquer importância porque, segundo a sua ideia, tudo no mundo dependia apenas da sua vontade”[13]. Daí que, como Shakespeare escreveu em Hamlet, “a loucura dos poderosos não pode passar sem vigilância”. A sua loucura é, apenas, um correlato normal do seu poder – ou ser potenciada pelo exercício do poder. Os poderosos que não querem perder o poder devem rodear-se de quem lhes diga a verdade e lhes sopre ao ouvido: “Lembra-te de que morrerás”.
A doença terá afetado também Carly Fiorina, que se terá deslumbrado com o estrelato proporcionado pela condução dos destinos da gigante HP (ver secção “Não esconda a cabeça na areia”, no Capítulo 6) e acabou vítima de um “golpe de estado” organizacional (ver o destaque “Golpes de estado organizacionais”). A mesma maleita terá sido contraída por outros líderes empresariais, cuja conduta gerou a crise financeira dos últimos anos[14]. Um exemplo cabal é o de líderes que se atribuíram bónus milionários pouco tempo depois de as suas empresas terem sido salvas da bancarrota com ajuda estatal. O sentimento de superioridade e de autoconfiança dos poderosos pode levá-los a querer impor os seus ideais. Um estudo revelou que quanto mais poder os CEO tinham, mais implementavam iniciativas empresariais ligadas às suas preferências políticas[15]. Da mesma forma, alguns quadros superiores da JP Morgan, importante 201
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Kets de Vries extraiu desta confidência uma lição, inspirada em Robin Williams6: “Deus criou-nos com um pénis e um cérebro, mas infelizmente não nos deu sangue suficiente para ambos ao mesmo tempo.”7
O pénis foi dado a metade da humanidade, pelo que não é possível saber se a escassez de sangue é um problema para a outra metade. Sabemos, até, que o fruto proibido é o mais apetecido. É, pois, possível que ambas as metades, quando dotadas de poder – ou quando próximas do poder – desenvolvam maior apetite. Porém, pode supor-se que, por razões biológicas e evolutivas, as duas metades se comportam de modo diferente em matéria sexual. Os homens são mais reativos à mudança de parceiro sexual. Ou seja, são biologicamente mais atraídos e excitados pela diversidade de parceiras do que as mulheres o são pela diversidade de homens. O efeito Coolidge[59,60] ajuda a compreender porquê (ver o destaque “O efeito Coolidge na capoeira do poder”).
O EFEITO COOLIDGE NA CAPOEIRA DO PODER8 Calvin Coolidge (Figura 7.5) foi o 30.º Presidente dos EUA (1923-1929). Conta-se, sobre ele e a sua esposa, a seguinte história – porventura, apócrifa. Ambos estavam a visitar um aviário, mas cada um em roteiros diferentes. Quando a mulher de Coolidge viu um galo a acasalar com uma galinha, perguntou ao guia se um só galo era capaz de dar conta do recado a tantas galinhas. O guia retorquiu: “Sim, claro, este galo merece o que come. Trabalha muito”. A Senhora Coolidge ficou intrigada: “A sério? Ele faz isto diariamente?”. O guia respondeu: “Oh, sim. Na verdade, faz isto várias vezes por dia”. Ao que a Senhora Coolidge reagiu: “Isso é muito interessante! Pode dizer isso ao Presidente, se faz favor?”. Pouco tempo depois, o Presidente deu início à mesma visita e o guia deu-lhe conta do comentário que a sua mulher havia feito. O Presidente perguntou, ironicamente: “A mesma galinha todos os dias?”. “De modo nenhum, uma diferente de cada vez”, respondeu-lhe o guia. O Presidente sorriu e pediu ao guia: “Diga isso à minha mulher”. http://www.quotesvalley.com/god-gave-us-a-penis-and-a-brain-but-not-enough-blood-to-use-both-at-the-same-time-4/.
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A citação é apresentada em Kets de Vries (2009)[42] com uma ligeira variação.
7
A história (ou anedota?) é relatada em Kets de Vries (2009)[42]. Foi primeiramente referida em Hatfield & Walster (1978)[61], embora com algumas pequenas diferenças – ainda que a “lição” seja invariável.
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Perdendo poder
FIGURA 7.5 Calvin Coolidge, o Presidente que,
segundo a anedota, não gostava da mesma galinha todos os dias
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ESQUECENDO A INTEGRIDADE A integridade é um atributo fundamental nos líderes, da qual depende fortemente a sua credibilidade e a confiança que neles é depositada. Naturalmente, não basta ser honesto, sendo necessárias outras qualidades, como a competência, a determinação, a resiliência e diversas competências de relacionamento social. Mas sem honestidade e integridade, as restantes qualidades ficam ensombradas. A integridade pode, aliás, ser um contraponto à menor presença de outras competências. Mandela é um caso exemplar. O bispo Desmond Tutu, também agraciado com o Nobel da Paz, descreveu Mandela como um lousy speaker, ou seja, alguém sem o dom da palavra[62]. Porém, acrescentou Tutu, não era por isso que as pessoas deixavam de o seguir fervorosamente, na África do Sul e em todo o mundo. Obama foi descrito por Clara Ferreira Alves, em 2008, como “um chefe político decente, limpo e tranquilo. Alguém que chefia pelo exemplo e não pela autoridade”[63]. A autora veio a escrever outra crónica, já no final do mandato de Obama, alegando que, mesmo com todos os seus defeitos e insucessos, a sua decência ficava demonstrada – apesar do apertadíssimo escrutínio, Obama não fora apanhado em qualquer escândalo relacionado com negócios ou relacionamentos menos claros. Uma das maiores demonstrações da relevância da honestidade reside na observação das consequências da sua ausência. Atente-se, por exemplo, no que aconteceu 215