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No mundo dos órgãos, quem governa quem?
Sabendo que Portugal é pródigo em médicos que são ou foram talentosos e consagrados escritores, averiguei, sobretudo através dos títulos, extratos e recensões críticas nas obras de diversos autores, todos médicos, e ainda noutros que não professavam a arte de Esculápio, uma abordagem “portuguesa” da doença hepática.
Pude concluir que a literatura portuguesa e, por arrasto, os escritores portugueses não têm dado mostras de grande interesse em abordar especificamente a doença. Pontualmente, a doença aflorou num ensaio ou num diário, amiudadamente como problemas pessoais – a velhice, a depressão –, mas só esporadicamente a doença surge como o fio condutor da narrativa. O silêncio sobre a doença hepática não deixa de ser estranho, especialmente num país em que o consumo de álcool e a doença hepática alcoólica atinge proporções assustadoras, originando problemas familiares e sociais graves: ciúme, violência doméstica, divórcio, absentismo, acidentes de viação, internamentos hospitalares e uma parcela importante de óbitos. A cirrose hepática é a nona causa de morte em Portugal. A doença hepática alcoólica é mais uma extensão deste problema!
O que sobressai dos relatos que encontramos na literatura, tratando -se de ficção ou realidade, é a dificuldade que a maioria dos médicos revela em dialogar com os doentes e familiares, menosprezando a desejável empatia e a necessária confiança: substituem a linguagem comum por indecifrável jargão médico, debitam catadupas de análises e outros exames, justificam com confusas estatísticas, e não se coíbem, pelo meio, de enaltecer as suas qualidades e méritos e exemplificar com outros casos. A relação entre o médico e o doente é um encontro singular, que vai muito para além de um mero encontro entre duas personalidades: um ser humano “por acaso doente” e um técnico. Uma relação proveitosa implica confiança, empatia, esperança e compaixão. A confiança, ou a capacidade de conquistar a adesão do doente para as orientações prescritas e a certeza de que estas são entendidas como adequadas e seguras, começa logo na escolha do médico e na crença de que aquele clínico é o mais adequado para tratar o seu caso.