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1 Os ambientes de prática profissional de enfermagem e a qualidade em saúde
José Luís Guedes dos Santos; Fernando Henrique Antunes Menegon; Etiane de Oliveira Freitas; Diovane Ghignatti da Costa; Renata Cristina Gasparino
Nota Introdut Ria
O ambiente de prática profissional de enfermagem corresponde às características e condições físicas e organizacionais que interferem no desempenho adequado do exercício profissional. Fatores como porte da instituição ou do serviço de saúde, modelo de gestão, hierarquias profissionais, cultura organizacional, infraestrutura e recursos humanos e financeiros para a realização da assistência podem potencializar ou limitar a prática de enfermagem (Numminen et al., 2016).
Assim, ambientes de trabalho que apresentem esses aspetos fortalecidos trazem maior satisfação profissional do enfermeiro, influenciando, assim, a qualidade da assistência de enfermagem. A qualidade em saúde é definida como o conjunto de atributos relacionados com a excelência profissional, o uso efi ciente de recursos, um mínimo risco para os doentes e a elevada satisfação por parte dos mesmos (Costa et al., 2020; Marquis, & Huston, 2010).
Este capítulo tem como objetivo discutir o impacto e os efeitos das características do ambiente de prática profissional de enfermagem na qualidade do cuidado em saúde. Para isso, serão desenvolvidos três tópicos: z Ambiente de prática profissional de enfermagem; z Qualidade em saúde; z Impacto/Efeitos do ambiente de prática na qualidade em saúde.
Ambiente De Pr Tica Profissional De Enfermagem
O trabalho da enfermagem é influenciado pelas características do ambiente de trabalho em que os en fermeiros desenvolvem a sua prática profissional. Contudo, é necessário recordar que esta discussão surge com base na teoria ambientalista de Florence Nightingale, em que o meio ambiente é interpretado como causador de todas as condições e influências que intervêm na vida das pessoas, sendo ele capaz de contribuir no processo de saúde e doença. Desde então, muitos estudos têm sido realizados com o intuito de analisar esta relação: o trabalho e o ambiente de prática de enfermagem (Gasparino, & Guirardello, 2009; Medeiros, Enders, & Lira, 2015). Desde então, na década de 80 do século xx, os investigadores perceberam que o défice de profissionais de saúde nos Estados Unidos da América era significativo, e inúmeros hospitais e instituições de saúde apresentavam dimensionamento de pessoal inadequado. Assim, a Academia Americana de Enfermagem realizou um levantamento, em 1981, com o intuito de identificar características que pudessem facilitar a prática de enfermagem e descrever os componentes organizacionais que interferem na qualidade da assistência à saúde (Gasparino et al., 2019).
Já na década de 90, a American Nurses Credentialing Center (ANCC) introduziu o Magnet Recognition Program® , um processo voluntário para identificar os hospitais que tinham excelência na capacidade de retenção da equipa de enfermagem e apresentavam bons indicadores de resultados de enfermagem e baixos índices de burnout, bem como alta satisfação profissional (Aiken, Havens, & Sloane, 2009). Os hospitais com a reputação de “magnet hospitals” passaram a ser reconhecidos como hospitais de excelên cia no trabalho em enfermagem e considerados bons locais para a prática de enfermagem, evidenciando indicadores de mortalidade menores do que hospitais que não possuíam esse título (Aiken, Smith, & Lake, 1994; McHugh et al., 2016). Além disso, esses hospitais eram capazes de proporcionar maior autonomia
FIgura 1.1 – Relação entre ambiente de prática e qualidade em saúde
Nota Final
Este capítulo procurou discutir o impacto e os efeitos do ambiente de prática profissional de enfermagem na qualidade dos cuidados em saúde. Para alcançar esse intuito, os autores apresentaram dois tópicos com uma breve retrospetiva histórica e conceptual sobre ambiente de prática profissional de enfermagem e qualidade em saúde. À luz deste panorama teórico -conceptual, foram referidos, no final, exemplos de artigos científicos que ilustram o impacto/efeitos do ambiente de prática na qualidade em saúde.
Este capítulo está longe de esgotar a problemática em causa; porém, pode contribuir para que estudantes, profissionais e gestores de enfermagem compreendam a articulação entre as características do ambiente de prática profissional de enfermagem e a qualidade do cuidado em saúde. Também pode auxiliar investigadores a identificar lacunas e/ou potencialidades que possam ser exploradas em novas investigações, a fim de fomentar melhores práticas de cuidado em saúde e enfermagem.
Refer Ncias
Aiken, L. H., Havens, D. S., & Sloane, D. M. (2009). The Magnet Nursing Services Recognition Program: a com parison of two groups of magnet hospitals. The Journal of Nursing Administration, 39(7‑8), 5‑14. doi: 10.1097/ NNA.0b013e3181aeb469.
Aiken, L. H., Smith, H. L., & Lake, E. T. (1994). Lower Medicare mortality among a set of hospitals known for good nursing care. Medical Care, 32(8), 771‑787. doi: 10.1097/00005650‑199408000‑00002.
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Camponogara, S., et al. (2022). Ambiente de prática profissional dos enfermeiros em hospitais universitários brasi leiros: estudo transversal multicêntrico. Acta Paulista de Enfermagem, 35, eAPE0333345. doi: 10.37689/acta ape/2022AO0333345.
Cho, E., et al. (2015). Effects of nurse staffing, work environments, and education on patient mortality: an observational study. International Journal of Nursing Studies, 52(2), 535‑42. doi: 10.1016/j.ijnurstu.2014.08.006.
Costa, D. G. et al (2020). Satisfaction attributes related to safety and quality perceived in the experience of hospitalized patients. Revista Gaúcha de Enfermagem [ online ], 41 (n. spe), e20190152. doi: 10.1590/1983 1447.2020.20190152.
Tabela 2.1 – Conceitos‑chave da segurança do doente
Termo Definição
Evento Ocorrência que aconteceu a ou que afeta um doente
Dano associado aos cuida dos de saúde
Dano resultante ou que está associado a planos ou ações tomadas durante a presta ção de cuidados de saúde, e não a uma doença ou lesão subjacente
Erro Falha na execução de uma ação planeada de acordo com o desejado ou o desenvol‑ vimento incorreto de um plano
Quase evento (near miss) Um incidente que não alcançou o doente
Evento sem dano Um incidente em que um evento chegou ao doente, mas não resultou em danos discerníveis
Incidente com dano (evento adverso) Um incidente que resulta em dano para o doente
Reação adversa Um dano inesperado que resulta de uma ação ou tratamento justificado em que foi implementado o processo correto, para o contexto em que o evento ocorreu
Efeito secundário
Um efeito conhecido, além do principalmente desejado, relacionado com as proprie dades farmacológicas de um medicamento
Adaptado de Estrutura Concetual da Classificação Internacional sobre Segurança do Doente (DGS, 2011)
PLANO NACIONAL DA SEGURANÇA DO DOENTE 2021 ‑2026
Em Portugal, a área da segurança do doente tem vindo a ser trabalhada desde 2008/09, aquando da adesão aos desafios mundiais da Aliança Mundial para a Segurança do Doente da OMS, tendo sido, posteriormente, definida como uma das prioridades da qualidade organizacional no Plano Nacional de Saúde 2004 -2010 da DGS. Em 2015, com a publicação do PNSD 2015 -2020, a segurança do doente foi definida como uma prioridade estratégica, e o PNSD tornou -se numa ferramenta de apoio para os gestores e profissionais de saúde. Com a aprovação da Lei de Bases da Saúde, Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, a segurança do doente ganhou novo destaque, surgindo associada à Base 1, relativa ao direito à proteção da saúde, da qual se torna uma componente fundamental, ou à Base 2, na qual se determina que as pessoas têm direito ao acesso a cuidados de saúde adequados e de acordo com, entre outros, as boas práticas de qualidade e segurança em saúde (DGS, 2022).
O PNSD 2021‑2026 (Despacho n.º 9390/2021, de 24 de setembro) resulta da necessidade de conso lidar e promover a segurança na prestação de cuidados de saúde, e constitui uma ferramenta não apenas dirigida aos gestores de topo ou aos gestores da segurança do doente, mas também aos profissionais de saúde, exigindo o envolvimento ativo de todos, com o objetivo principal de aumentar a segurança na prestação de cuidados de saúde, tomando o doente e os seus cuidadores como foco. O PNSD 2021 -2026 encontra‑se estruturado em cinco pilares (Figura 2.3), constituídos por 14 objetivos estratégicos.
z SEE Nursing Practice – Structure (com 43 itens distribuídos por seis dimensões); z SEE Nursing Practice – Process (com 37 itens distribuídos por seis dimensões); z SEE Nursing Practice – Outcome (com 13 itens distribuídos por duas dimensões) (Ribeiro et
2021).
10.
See Nursingpractice
FIgura 5.1 – Dimensões da SEE Nursing Practice
Além dos contributos de diversos autores, os itens incluídos em cada dimensão da SEE Nursing Practice resultaram também de uma pesquisa qualitativa prévia, realizada no contexto português, integrando, portanto, todos os aspetos relevantes dos ambientes de prática profissional de enfermagem (Ribeiro, 2018).
Na SEE Nursing Practice, a resposta a cada item está pontuada numa escala tipo Likert com cinco opções, em que 1 corresponde a “nunca”, 2 “raramente”, 3 “às vezes”, 4 “muitas vezes” e 5 “sempre” (Ribeiro et al., 2021).
As seis dimensões da SEE‑Nursing Practice – Structure estão explanadas na Figura 5.1: z Dimensão 1: Gestão de pessoas e liderança no serviço; z Dimensão 2: Ambiente físico e condições para o funcionamento do serviço; z Dimensão 3: Participação e envolvimento nas políticas, nas estratégias e no funcionamento da instituição; z Dimensão 4: Política institucional para a qualificação profissional; z Dimensão 5: Organização e orientação da prática de enfermagem; z Dimensão 6: Qualidade e segurança dos cuidados de enfermagem.
A dimensão Gestão de pessoas e liderança no serviço é constituída por 12 itens: z O enfermeiro gestor orienta os enfermeiros numa atuação congruente com os padrões de quali dade dos cuidados de enfermagem; z O enfermeiro gestor gere os conhecimentos e capacidades de todos os enfermeiros da equipa, de modo a que sejam alcançados os objetivos definidos; z O enfermeiro gestor utiliza os erros como oportunidades de aprendizagem; z O enfermeiro gestor apoia os enfermeiros da equipa nas dificuldades que emergem no dia a dia, mesmo quando em conflito com outros profissionais;
Potencialidades Da Escala De Avalia O Dos Ambientes De Pr Tica Profissional De Enfermagem
O ambiente de prática profissional de enfermagem é determinante para a obtenção de melhores resultados para clientes, enfermeiros e instituições, tornando -se relevante a existência de instrumentos que permitam avaliar todos os seus atributos.
Comparativamente aos instrumentos já existentes (Ribeiro et al., 2020a), a SEE -Nursing Practice apresenta aspetos diferenciadores. Embora as escalas anteriores se centrem no componente Estrutura, a complexidade dos ambientes de trabalho e as exigências com a qualidade dos cuidados justificam a pertinência de instrumentos que, além da Estrutura, contemplem os componentes Processo e Resultado, considerados fundamentais à qualidade em saúde (Donabedian, 2003). Por esse motivo, a SEE -Nursing Practice é mais abrangente. Enquanto, na maioria dos instrumentos, a escala de resposta tipo Likert varia em níveis de concordância, na SEE Nursing Practice, o enfoque está em perceber a frequência com que os atributos dos ambientes de prática profissional de enfermagem são favoráveis à qualidade dos cuidados. Outra vantagem da SEE Nursing Practice é a incorporação de aspetos relacionados com os referenciais teóricos e legais da profissão e disciplina de enfermagem (Figura 5.3).
Fatores da dimensão Estrutura
1. Gestão de pessoas e liderança no serviço (12 itens)
2. Condições para o funcionamento adequado do serviço (13 itens)
3. Participação e envolvimento dos enfermeiros nas políticas, nas estratégias e no funcionamento da instituição (8 itens)
4. Política institucional para qualificação profissional (3 itens)
5. Organização e orientação da prática de enfermagem (4 itens)
6. Qualidade e segurança dos cuidados de enfermagem (3 itens)
Fatores da dimensão Processo
1. Colaboração e trabalho em equipa (9 itens)
2. Estratégias para garantia da qualidade no exercício profissional (7 itens)
3. Práticas autónomas no exercício profissional (7 itens)
4. Planeamento, avaliação e continuidade de cuidados (6 itens)
5. Sustentação teórica e legal do exercício profissional (4 itens)
6. Práticas interdependentes no exercício profissional (4 itens)
Fatores da dimensão Resultado
1. Avaliação sistemática dos cuidados e dos indicadores de enfermagem (7 itens)
2. Avaliação sistemática do desempenho e supervisão dos enfermeiros (6 itens)
FIgura 5.3 – Visão global da SEE Nursing Practice
Embora, no contexto internacional, existam escalas para avaliar os ambientes de prática, o desafio, na perspetiva de alguns autores, está na necessidade de existirem instrumentos ajustados não só aos ambientes de trabalho contemporâneos, mas também ao desenvolvimento da enfermagem e às particularidades do exercício profissional em diversos países. Neste contexto, a SEE -Nursing Practice, ajustada à realidade portuguesa, constitui uma ferramenta útil à definição de estratégias que garantam ambientes favoráveis à qualidade dos cuidados de enfermagem e ao bem -estar dos enfermeiros.
Na sequência do recurso à SEE -Nursing Practice, a Estrutura torna -se mais favorável à qualidade dos cuidados quando promove a gestão de pessoas e a liderança, e conta com boas condições para o funcionamento do serviço; quando envolve os enfermeiros na definição das políticas, na estratégia e no funcionamento da instituição; e quando esta possui uma política institucional para qualificação profis sional e dos cuidados. O Processo é influenciado pelo trabalho em equipa e colaborativo, pelas estraté gias de garantia da qualidade dos cuidados e pelo planeamento e avaliação das práticas autónomas dos
FIgura 8.1 – Enquadramento do PEE numa organização de saúde
Os enfermeiros envolvidos com a organização contribuem para a criação de um trabalho significa tivo e procuram um sentido de propósito no seu ambiente de trabalho, bem como nas suas atividades de trabalho diárias. Através do envolvimento dos enfermeiros neste processo de planeamento estratégico, a organização ajuda a criar a ligação entre a visão intrínseca e os objetivos de uma forma impactante. Este envolvimento dos enfermeiros no planeamento estratégico – e, mais tarde, na sua execução – promove uma força de trabalho empenhada que conduz ativamente a organização para o futuro. Envolver os operacionais da linha da frente que estão ativos no trabalho, ligando os seus cuidados aos objetivos da organização, resulta em avanços e melhorias significativas na qualidade clínica, inovação, segurança dos doentes e indicadores sensíveis à enfermagem. Exemplo disso é a acreditação dos contextos da prática clínica (CPC) à idoneidade formativa, projetos inovadores, projetos na área da humanização e projetos de investigação, entre outros.
A definição clara de objetivos, metas e métricas para a enfermagem é de relevância central. Os objeti vos são estruturados e definidos de acordo com o nível de atuação de cada enfermeiro. Os objetivos macro da instituição, definidos pela liderança de topo, abraçam os eixos estratégicos. As lideranças intermédias realizam a intermediação entre o que é a estratégia institucional macro e a atividade departamental. Esta definição não é aleatória, mas sim focalizada nos eixos estratégicos e metas previamente definidas no PEE realizado pela liderança de topo. A definição de objetivos micro, ao nível operacional, é realizada de acordo com os objetivos organizacionais de topo e departamentais (Figura 8.2).
A experiência revela que a existência de um PPE, cujo acesso e consulta são fáceis, permite grande interligação entre todos os envolvidos. Várias são as reuniões dos CPC que debatem os mesmos, por forma a operacionalizar de acordo com a sua área de atuação.
Objetivos operacionais
Objetivos táticos
Objetivos estratégicos acompanha a gestão de risco clínico e não clínico no hospital. Várias são as ferramentas de suporte que estão em uso nesta unidade, com recurso a sistemas de informação (Figura 8.8).
Auditoria clínica
Efetividade clínica
Transparência
Governação clínica
Inovação e desenvolvimento
Cultura de segurança: z Sistema de notificação de incidentes
Formação
Gestão de risco z Ferramenta global Trigger Tool z Prevenção e controlo de riscos clínicos e não clínicos z Elos dinamizadores de enfermagem z Formação contínua
FIgura 8.7 – Governação clínica: exemplo prático na gestão de risco
Identificação e caracterização dos riscos
Análise e avaliação de riscos
Cultura se segurança Governação clínica Formação dos profissionais Definição de planos de ação para a gestão de risco
Ferramentas
Sistemas de informação de apoio
Operacionalização, controlo e acompanhamento
FIgura 8.8 – Formato resumo do modelo de gestão do risco em vigor numa organização de saúde
Este grupo institucional vai gerindo também a informação interna, realizando programas de formação sobre práticas seguras ajustados a todos os grupos profissionais e aos elos de ligação. Desenvolve e con sensualiza indicadores que permitem comparar e trabalhar resultados. Este grupo gere e operacionaliza sistemas de notificação de eventos adversos, partilhando e comunicando a informação produzida através de sistemas de informação interna. Várias são as instruções de trabalho, normas e procedimentos, que estão
Na área da gestão, a aposta está direcionada para formações relacionadas com o balanced score card, planeamento estratégico e suas ferramentas, motivação de equipas, governação integrada e clínica, ges tão de risco, idoneidade formativa, entre outras áreas temáticas fulcrais. A sua definição cronológica foi devidamente planeada com antecedência, prevendo aquilo que é a missão, a visão e os eixos prioritários de atuação, definidos em plano estratégico bienal.
FIgura 9.2 – Áreas formativas de acordo com os eixos prioritários do planeamento estratégico de enfermagem de uma instituição hospitalar
No que concerne à formação do âmbito operacional, esta foi definida de acordo com as diferentes áreas de cuidados e também em consonância com as áreas temáticas estratégicas da enfermagem na organização. As temáticas formativas foram diversas, incluindo a área do risco, prevenção e controlo de infeções e resistência aos antimicrobianos (PPCIRA), suportes básico e avançado de vida, indicadores, padrões da qualidade dos cuidados de enfermagem, sistemas de informação em enfermagem, entre outros.
Formação para Enfermeiros dos Contextos da Prática Clínica
Planeamento Estratégico de Enfermagem
Formação para Enfermeiros Gestores dos Contextos da Prática Clínica
FIgura 9.3 – Tipologia da formação segundo as funções da equipa de enfermagem
Nota Final
Desenvolvimento de competências específica s Desenvolvimento profissional
Núcleo Enfermeiros Especialistas em Saúde Mental e Psiquiátrica
Núcleo Enfermeiros Especialistas em Enfermagem Comunitária
Núcleo Enfermeiros Especialistas em Saúde materna e Obstétrica
Núcleo Enfermeiros Especialistas em Saúde Infantil e Pediátrica
Núcleo Enfermeiros Especialistas em Médico-Cirúrgica
Núcleo Enfermeiros Especialistas em Reabilitação
Núcleo Enfermagem Cuidados Gerais
FIgura 9.5 – Núcleos de enfermagem de uma organização de saúde
A criação de ambientes de prática de enfermagem positivos deverá ter foco nas lideranças de enfermagem que privilegiem a formação e o desenvolvimento profissional dos enfermeiros. Para que os enfermeiros sejam líderes transformacionais dos sistemas de saúde do futuro, é premente que desenvolvam um suporte organizacional capaz de promover uma prática profissional atualizada, com formação permanente que permita o desenvolvimento de uma carreira e trajetória profissional profícua das equipas de enfermagem. Neste contexto, assume nuclear importância o reconhecimento da formação formal e informal, assim como a formação académica, tendo premente a criação de mecanismos que fomentem a sua prática sus tentada. Este desenvolvimento profissional, assente na formação e na diferenciação das equipas, assegura a prestação de cuidados de qualidade em ambientes favoráveis à prática profissional. O investimento por parte das organizações na qualificação profissional não é utópico e é passível de operacionalização, sendo exemplo disso a organização usada como referência prática neste capítulo.
Refer Ncias
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American Nurses Association. (2011). Continuing professional development of nurses. Disponível em: http://nursin gworld.org/CE/ cewelcom.cfm.
Anderson, V. L., Johnston, A. N. B., Massey, D., & Bamford -Wade, A. (2018). Impact of MAGNET hospital desig nation on nursing culture: An integrative review. Contemporary Nurse, 54(4‑5), 483‑510.
Embora o plano elaborado na instituição contemple as ações, os indicadores, as metas e as métricas, dada a impossibilidade de, neste capítulo, incluir a totalidade do conteúdo, serão apenas apresentadas as ações, em relação a cada um dos pilares.
Pilar 1: Cultura de segurança
Segundo a OMS, a cultura de segurança numa instituição de saúde corresponde ao conjunto de valores, crenças, normas e competências individuais e de grupo que determinam o compromisso e a ação relativos às questões da segurança do doente (Ministério da Saúde, 2021). Neste contexto, no Quadro 11.1, estão explanados os objetivos e ações definidos na instituição para o pilar cultura de segurança.
Quadro 11.1 – Objetivos e ações definidas no pilar 1
Pilar 1: Cultura de segurança
Objetivo estratégico 1.1 – Promover a formação dos profissionais de saúde no âmbito da segurança do doente a) Realizar um curso, preferencialmente online, na área da segurança do doente e de notificação de inci dentes de segurança do doente
Ações b) Implementar um plano de formação anual, no âmbito da segurança do doente, para os profissionais de saúde das unidades prestadores de cuidados de saúde c) Implementar um plano de formação anual, no âmbito da prevenção e controlo de infeção, para os profis sionais de saúde das unidades prestadores de cuidados de saúde
Objetivo estratégico 1.2 – Aumentar a literacia e a participação do doente, família, cuidador e da sociedade na segu rança da prestação de cuidados a) Realizar campanhas de comunicação e ações de sensibilização alusivas à segurança do doente b) Criar um e‑book no âmbito da literacia em saúde
Ações c) Promover a participação de doente, família, cuidador e sociedade nas ações promovidas pela instituição, no âmbito do PNSD d) Realizar campanhas de comunicação e ações de sensibilização alusivas à prevenção e controlo de infeção
Pilar 2: Liderança e governança
Ao priorizar, desenvolver e criar condições que permitam garantir uma cultura centrada na segurança, as lideranças e gestores conduzem a instituição para um nível em que doentes, famílias e profissionais de saúde sentem confiança e abertura para discutir e antecipar as fragilidades do sistema, para relatar a ocorrência de eventos indesejáveis, mas também para responder de forma transparente aos desafios da complexidade inerente à prestação de cuidados de saúde (Ministério da Saúde, 2021). Neste contexto, no Quadro 11.2, estão explanados o objetivo e as ações definidas na instituição para o pilar liderança e governança.
Quadro 11.2 – Objetivo e ações definidas no pilar 2
Pilar 2: Liderança e governança
Objetivo estratégico 2.1 – Garantir o envolvimento dos órgãos máximos de gestão e das lideranças das instituições, na implementação do PNSD a) Consolidar a articulação dos elos de gestão de risco com os profissionais e estrutura do serviço b) Promover o desenvolvimento de projetos de gestão de risco clínico
Ações c) Consolidar a articulação dos elos dinamizadores do Grupo Coordenador Local do PPCIRA com os pro fissionais e a estrutura do serviço: médicos, assistentes operacionais e enfermeiros d) Promover o desenvolvimento de projetos no âmbito da prevenção e controlo de infeção a todas as categorias profissionais z Nos resultados – padrões de desempenho e gestão por objetivos; z Na personalidade – escalas ancoradas em traços de personalidade; z Na comparação do avaliado com outros colaboradores – comparação por pares, distribuição forçada e ordenação simples (Alves, 2016).
A avaliação de desempenho é uma prática com um papel de destaque na gestão de recursos humanos (GRH), pelas suas consequências ao nível da produtividade, por via direta, enquanto processo de controlo do desempenho, e por via indireta, pelas relações estreitas com as restantes práticas de GRH (Alves, 2016).
A noção de desempenho nos contextos organizacionais inclui um componente de desempenho da tarefa, desempenho contextual e comportamentos de cidadania organizacional, desempenho adaptativo, lidar com comportamentos contraproducentes e gestão das alterações do desempenho ao longo do tempo (Machado, 2018). Nesta linha, gerir o desempenho diz respeito ao processo contínuo de identificar, medir e desenvolver o desempenho dos indivíduos e das equipas, alinhando o desempenho com os objetivos estratégicos da organização (Rapin et al., 2022). Em relação ao referido, o autor destaca dois aspetos, nomeadamente a ideia de continuidade, isto é, a gestão de desempenho não é um momento, mas um con tínuo que envolve o estabelecimento e redefinição contínuos de objetivos, a observação do desempenho, o feedback e o coaching como meios de comunicar e de estimular o desenvolvimento; e a ideia de alinha mento, em que as chefias são responsáveis por garantir que as atividades e resultados dos colaboradores e das equipas são congruentes com os objetivos da organização, permitindo uma vantagem competitiva. Nesta linha, a gestão de desempenho faz a ligação entre o desempenho individual e a performance organizacional, tornando explícito para a organização o contributo de cada colaborador (Alves, 2016).
A gestão de desempenho representa uma evolução dos sistemas de avaliação de desempenho, em que existe uma avaliação, tipicamente anual, do desempenho dos colaboradores, destacando os aspetos positivos e os aspetos a melhorar, e que visa dar resposta a decisões sobre os colaboradores. De facto, tal como reforçam Nascimento e Pereira (2015), a avaliação do desempenho é uma das várias etapas do processo que visa a aferição do desempenho. No que diz respeito aos objetivos dos sistemas de gestão do desempenho, estes podem dividir -se em quatro quadrantes, conforme apresentado na Figura 19.1.
Alinhar o desempenho com a estratégia da organização; fornecer informação aos colaboradores sobre o que a organização valoriza; definir e medir objetivos; medir e melhorar o desempenho
Gestão e envolvimento dos colaboradores
Organizacional Administrativa Individual Controlling
Gestão de remunerações, de recompensas/promoções de carreira
Motivação e reconhecimento, desenvolvimento, coaching e mentoring
Tabela 20.14 – Média dos itens da dimensão Avaliação sistemática do desempenho e supervisão dos enfermeiros
OLHARES SOBRE OS COMPONENTES ESTRUTURA, PROCESSO E RESULTADO DOS AMBIENTES DE PRÁTICA DE ENFERMAGEM
Em relação ao componente Estrutura (Figura 20.1), os estudos realizados comprovam que as dimen sões mais frágeis são: Participação e envolvimento dos enfermeiros nas políticas, nas estratégias e no funcionamento da instituição e Política institucional para qualificação profissional (Ribeiro et al., 2022).
Gestão de pessoas e liderança no serviço
Ambiente físico e condições no serviço
Participação e envolvimento dos enfermeiros
Política institucional para qualificação profissional
Organização e orientação da prática de enfermagem
FIgura 20.1 – Dimensões do componente Estrutura
Qualidade e segurança dos cuidados de enfermagem
No que se refere ao componente Processo (Figura 20.2), as dimensões que têm evidenciado mais fragilidades são: Estratégias para garantia da qualidade no exercício profissional e Práticas inter‑ dependentes no exercício profissional (Ribeiro et al., 2022).
Colaboração e trabalho em equipa
Estratégias para garantia da qualidade no exercício profissional
Práticas autónomas no exercício profissional
Planeamento, avaliação e continuidade de cuidados
Sustentação teórica e legal do exercício profissional
Práticas interdependentes no exercício profissional
FIgura 24.1 – Características promotoras de ambientes favoráveis
Adaptado de Ribeiro et al. (2020), Wang et al (2015) e Wei et al. (2018)
No seguimento do referido, a realidade vivenciada na atualidade, em que é notória uma escassez global de enfermeiros, coloca um desafio essencial aos gestores de enfermagem, no sentido de maximi‑ zarem a retenção e o bem -estar destes profissionais. Embora sejam vários os fatores que concorrem para a satisfação e retenção dos profissionais, Donley (2021) adverte para a necessidade de criar ambientes que caracterizados por qualidades já bem descritas na literatura (Figura 24.2).
Reconhecimento e apoio
Automonia e envolvimento nas decisões
Comunicação clara
Principais qualidades dos ambientes de prática de enfermagem saudáveis
Autenticidade do líder
Interações respeitosas, confiança e segurança
Oportunidades pessoais e profissionais de crescimento
Trabalho em equipa e colaboração
FIgura 24.2 – Principais qualidades dos ambientes de prática de enfermagem saudáveis
Adaptado de Donley (2021)
Ainda neste contexto, cabe aos enfermeiros gestores estar atentos às necessidades e solicitações dos enfermeiros da equipa, definindo estratégias que garantam mais prontamente a sua capacitação (Góes et al., 2022; Bitencourt et al., 2020).
Ainda que a comunicação, o trabalho em equipa, as práticas colaborativas, o reconhecimento, a autonomia e as oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional sejam elementos fulcrais, a promoção de ambientes de prática de enfermagem positivos requer uma atenção particular às diversas dimensões que, na literatura, se relacionam com a temática. A existência de um instrumento que reúne essas dimensões, de que é exemplo a Escala de Avaliação dos Ambientes de Prática Profissional de Enfermagem (SEE‑Nursing Practice, do inglês Scale for the Environments Evaluation of Professional Nursing Practice) (Ribeiro et al., 2021), além de facilitar o diagnóstico da situação, permitirá uma mo nitorização contínua (Figura 24.3).
Processo zzColaboração e trabalho em equipa zzEstratégias para a garantia da qualidade zzPráticas autónomas no exercício profissional zzPlaneamento, avaliação e continuidade de cuidados zzSustentação teórica e legal do exercício profissional
Estrutura Resultado zzPráticas interdependentes no exercício profissional zzGestão de pessoas e liderança no serviço zzAmbiente físico do serviço zzParticipação e envolvimento dos enfermeiros zzPolítica para a qualificação profissional zzOrganização e orientação da prática de enfermagem zzQualidade e segurança dos cuidados de enfermagem zzAvaliação sistemática dos cuidados e dos indicadores de enfermagem zzAvaliação sistemática do desempenho e supervisão dos enfermeiros
FIgura 24.3 – Dimensões da Escala de Avaliação dos Ambientes de Prática Profissional de Enfermagem
Adaptado de Ribeiro et al. (2021) avaliação dos cuidados prestados e da cultura de segurança, sob a ótica desses profissionais, além de ser uma prioridade, pode dar excelentes contributos aos gestores, na medida em que permitirá identificar as áreas mais frágeis e definir estratégias de melhoria (Fassarella et al., 2018). Apesar de, durante a pan demia, ter sido evidente o investimento em algumas áreas dos ambientes de prática e da segurança do doente, a inexistência de uma cultura de notificação de eventos, já conhecida em Portugal no contexto pré -pandémico (Fassarella et al., 2018), dificultou a adoção de atitudes e comportamentos diferentes pelos profissionais. Este dado chama a atenção para a necessidade de investir nesta área (Ribeiro et al., 2022). Assim, torna‑se relevante: z Avaliar a cultura de segurança; z Avaliar os incidentes notificados; z Avaliar os cuidados omissos (cuidados que ficam por realizar); z Avaliar a qualidade dos cuidados prestados.
De facto, a avaliação dos ambientes de prática profissional, sob a ótica dos enfermeiros da equipa, além de ser uma prioridade, pode dar excelentes contributos aos gestores, na medida em que permitirá identificar as áreas mais frágeis e definir estratégias de melhoria (Ribeiro et al., 2022).
O diagnóstico situacional é essencial para a implementação de ações de melhoria no sentido de um ambiente mais positivo para clientes, profissionais e instituição. No âmbito da melhoria contínua dos ambientes de prática profissional, as áreas de atenção devem estar voltadas para os componentes Estru tura (características relativamente estáveis das instituições), Processo (atividades desenvolvidas para a produção de bens e serviços) e Resultado (realização de alterações desejáveis nos produtos ou serviços) (Donabedian, 2003), que se coadunam com a já mencionada SEE -Nursing Practice (Ribeiro et al., 2021). Nesta perspetiva, na gestão de enfermagem, a monitorização dos ambientes de prática profissional é também uma oportunidade única para melhorar a qualidade assistencial.
Face ao exposto, o enfermeiro gestor assume um papel de destaque na promoção de ambientes de prática profissional de enfermagem positivos, na medida em que é o elo de ligação entre os diferentes elementos da equipa e as diferentes estruturas de gestão das instituições.
Contributos Das Organiza Es De Sa De Para A Cria O De Ambientes De Pr Tica De Enfermagem Positivos
Na sequência dos aspetos abordados ao longo do capítulo, torna -se claro o contributo das organizações na promoção de ambientes de prática de enfermagem positivos. Além da adoção e implementação dos elementos‑chave (Figura 25.3), a divulgação dos avanços é fundamental como retorno não só para os profissionais, mas também para os cidadãos.
Elementos-chave da dimensão Estrutura
1. Gestão e liderança
2. Fundamentos de enfermagem
Ambientes de prática de enfermagem positivos:
Elementos-chave
Estrutura
3. Dotação de profissionais
4. Materiais, equipamentos e instalações
5. Capacitação profissional
6. Desenvolvimento profissional
7. Reconhecimento, valorização e incentivos
8. Saúde e segurança no trabalho
Elementos-chave da dimensão Processo
Processo
Resultado
1. Práticas autónomas
2. Práticas colaborativas
3. Sustentação teórica, legal e científica
4. Qualificação do exercício profissional
Elementos-chave da dimensão Resultado
1. Envolvimento e satisfação dos clientes
2. Indicadores de prevenção de complicações e ganhos em saúde
3. Bem-estar, envolvimento e satisfação dos profissionais
4. Acidentes de trabalho, absentismo e rotatividade
5. Segurança e qualidade dos cuidados
FIgura 25.3 – Elementos‑chave de ambientes de prática de enfermagem positivos