Manual de Medicina Intensiva

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MANUAL de

MEDICINA INTENSIVA Coordenação:

Pedro Ponce João João Mendes

Guia prático de consulta indispensável em Medicina Intensiva Textos claros, objetivos e de fácil consulta Fundamental para uma melhor atuação clínica


Índice Lista de autores ..........................................................................................................

Vii

Lista de siglas e abreviaturas ....................................................................................

Xi

I – CUIDADOS INTENSIVOS NEUROLÓGICOS 1.

Coma e estados alterados da Consciência ......................................................

3

Alexandre Amaral e Silva, João Alcântara

2.

acidente Vascular Cerebral................................................................................

19

Filipa Falcão, Teresa Pinho e Melo, José M. Ferro

3.

Convulsões e estado de Mal epilético .............................................................

32

Manuel Manita

4.

Traumatismo Cranioencefálico e Vertebromedular .........................................

39

Rui Manilha, Bruno Santiago, Manuel Cunha e Sá

5.

Neuromonitorização ...........................................................................................

55

Manuel Manita

6.

analgesia, sedação e Delirium .........................................................................

61

Joana Estilita

7.

diagnóstico de Morte Cerebral e Manutenção do dador em Morte Cerebral ............................................................................................

70

Ana Paula Fernandes

II – CUIDADOS INTENSIVOS RESPIRATÓRIOS 8.

Insuiciência Respiratória ..................................................................................

81

Paulo Freitas, Aurélia Martinho

9.

abordagem da Via aérea ...................................................................................

87

Joana Estilita

10. Ventilação Mecânica invasiva ...........................................................................

94

João João Mendes

11. Ventilação Mecânica Não invasiva ................................................................... 113 João João Mendes

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12. Síndrome de Diiculdade Respiratória do Adulto ............................................. 123 Pedro Ponce

13. agudização da doença Pulmonar Obstrutiva Crónica/asma .......................... 132 João Gouveia, Raquel Marques Carvalho

14. Tromboembolismo e Hipertensão Pulmonar .................................................... 142 Pedro Ponce

15. doenças da Pleura, Hemoptises e Lesão inalatória........................................ 148 José Cepeda Ribeiro, António Bugalho


IV Manual de Medicina Intensiva

III – CUIDADOS INTENSIVOS CARDIOVASCULARES 16. Conceito de Choque e Choque Hipovolémico .................................................. 159 Tomás Lamas

17. Monitorização Hemodinâmica – do Básico ao avançado ...............................

174

Tomás Lamas

18. Insuiciência Cardíaca Aguda ............................................................................ 195 Lídia de Sousa, Susana Martins

19. síndromes Coronárias agudas .......................................................................... 205 Duarte Cacela, José Sousa Ramos

20. arritmias.............................................................................................................. 228 Luís Brandão, Soia Almeida

21. Ressuscitação Cardiorrespiratória .................................................................... 234 Pedro Ponce

22. síndromes aórticas agudas ..............................................................................

240

Tiago Nolasco

23. emergências Hipertensivas ...............................................................................

246

Pedro Ponce

IV – CUIDADOS INTENSIVOS

EM

SITUAÇÃO

DE

LESÃO RENAL

E

METABOLISMO

24. Lesão Renal aguda – avaliação e Terapêutica ................................................ 255 Pedro Ponce

25. Técnicas depurativas......................................................................................... 264 Ana Carina Ferreira

26. alterações do equilíbrio Ácido-Base..................................................................

274

Pedro Ponce

27. alterações do equilíbrio Hidroeletrolítico .......................................................... 285 Pedro Ponce

28. Complicações Agudas do Doente Diabético e Controlo da Glicemia .............

301

Pedro Ponce

29. suporte Nutricional no doente Crítico .............................................................. 308 Aníbal Marinho

V – CUIDADOS INTENSIVOS

EM

SITUAÇÃO

DE INFEÇÃO

GRAVE

E

SÉPSIS

30. Sépsis, Sépsis Grave e Choque Séptico ........................................................... 321 João João Mendes

31. Princípios de antibioticoterapia no doente Crítico........................................... 336 João Gonçalves Pereira, Ana Margarida Araújo

32. infeções adquiridas na Comunidade ................................................................ 355 Helena Estrada, Isabel Miranda

33. infeções Nosocomiais ........................................................................................ 362 Helena Estrada, Isabel Miranda


Índice

VI – CUIDADOS INTENSIVOS

EM

SITUAÇÃO

DE

V

LESÃO ABDOMINAL

34. Hemorragia digestiva.........................................................................................

373

Jorge Canena, Manuel Liberato

35. abdómen agudo e síndrome do Compartimento do abdómen (a intervenção do Cirurgião) ............................................................................. 380 Patrícia Lages, Cláudia Pereira, Paulo Costa

36. Tratamento da Pancreatite aguda Metalitiásica ..............................................

387

Cláudia Pereira, Patrícia Lages, Paulo Costa

37. Insuiciência Hepática........................................................................................ 394 João Cruz

VII – CUIDADOS INTENSIVOS E INTOXICAÇÃO

EM

SITUAÇÃO

DE

LESÃO

DE

CAUSA EXTERNA

38. Trauma ................................................................................................................ 409 Pedro Moniz Pereira, Miguel Fróis Borges

39. Queimaduras ......................................................................................................

424

Célio Antunes, Elisabete Sousa

40. intoxicações e envenenamentos....................................................................... 452 Ana Vila Lobos

41. Hipertermia, Hipotermia e Lesões por imersão/Quase afogamento ............. 462 Pedro Ponce

VIII – CUIDADOS INTENSIVOS

EM

HEMATO-ONCOLOGIA

42. Coagulopatia.......................................................................................................

471

João Travassos

43. Política Transfusional .........................................................................................

481

João Travassos

44. Urgências Oncológicas ....................................................................................... 486 J. Paulo Fernandes

IX – OUTROS TEMAS

EM

CUIDADOS INTENSIVOS

45. doença Obstétrica.............................................................................................. 499 João João Mendes

46. doente Cirúrgico de alto Risco .........................................................................

510

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Luís Bento

47. Pós-Operatório de Cirurgia Cardiotorácica .......................................................

517

José Fragata

48. Transporte do doente Crítico............................................................................. 529 Paulo Freitas, Sara Gomes

49. Aspetos da Organização e Gestão de uma Unidade de Cuidados intensivos ...................................................................................... 536 Pedro Ponce


VI Manual de Medicina Intensiva

50. Índices de Gravidade e Modelos Prognósticos Gerais .................................... 545 Rui Moreno, Bruno Maia, Susana Afonso

51. aspetos Éticos das decisões Clínicas na Unidade de Cuidados intensivos ..................................................................................... Pedro Ponce

557


Lista de Autores Coordenador Pedro Ponce diretor da Unidade de Cuidados intensivos do Hospital CUF infante santo; Nefrologista, diretor Médico Nacional – Nephrocare Portugal.

João João Mendes serviço de Medicina intensiva do Hospital Prof. doutor Fernando da Fonseca, ePe; Unidade de Cuidados intensivos Polivalente do Hospital CUF infante santo; internista; doutorado em Medicina.

autores alexandre amaral e silva Neurologista na Unidade de Neurologia do Hospital Vila Franca de Xira.

ana Carina Ferreira Nefrologista do Hospital de Curry Cabral, CHLC, ePe; assistente Convidada da Nova Medical school; Nefrologista na clínica de hemodiálise dialverca; Chair-elected da Young Nephrologists’ Platform da sociedade europeia de Nefrologia (2015–2017).

ana Paula Fernandes assistente Graduada de Medicina interna; intensivista no Hospital Prof. doutor Fernando da Fonseca, ePe; Mestrado em doação de Órgãos, Tecidos e Células para Transplante na Universidade de Barcelona.

ana Vila Lobos assistente Graduada de Nefrologia; Médica da Unidade de Cuidados intensivos no Hospital CUF infante santo.

aníbal Marinho serviço de Cuidados intensivos, Centro Hospitalar do Porto.

antónio Bugalho Pneumologista no Hospital CUF infante santo; Professor de Pneumologia na Nova Medical school; investigador do Centro de estudos de doenças Crónicas (CedOC) da Nova Medical school.

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aurélia Martinho assistente Hospitalar de Medicina interna; subespecialista em Medicina intensiva no Hospital Prof. doutor Fernando da Fonseca, ePe.

Bruno Maia assistente Hospitalar de Neurologia, Unidade de Cuidados intensivos Neurocríticos do CHLC, ePe.

Bruno santiago serviço de Neurocirurgia do Hospital Garcia de Orta, ePe, e Hospital da Luz.


VIII Manual de Medicina Intensiva

Célio antunes assistente Hospitalar de anestesiologia na Unidade de Cuidados intensivos Polivalentes do Hospital de Braga; assistente Convidado de Fisiologia do instituto de Ciências Biomédicas abel salazar da Universidade do Porto.

Cláudia R. Pereira interna de Cirurgia Geral no Hospital de santa Maria, CHLN, ePe; assistente Convidada de anatomia Normal da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

duarte Cacela assistente Hospitalar Graduado do serviço de Cardiologia no Hospital de santa Marta, CHLC, ePe; Cardiologista do Centro do Coração dos Hospitais CUF de Lisboa.

elisabete sousa assistente Hospitalar de Medicina interna no Centro Hospitalar de são João, ePe.

Filipa Falcão Cocoordenadora da Unidade de Cuidados intensivos de Neurocirurgia no CHLN.

Helena estrada assistente Hospitalar Graduada de Medicina interna e subespecialista em Medicina intensiva no CHLC, ePe.

isabel Miranda assistente Hospitalar Graduada de anestesiologia; subespecialista em Medicina intensiva (UCiP1) no Hospital de são José, CHLC, ePe.

Joana estilita anestesiologista; subespecialista em Medicina intensiva, Kantonsspital Olten, suíça.

João alcântara especialista em Neurologia e Medicina intensiva; ex-assistente Graduado de Neurologia no CHLC, ePe; Consultor de Neurologia de Medicina de Reabilitação de alcoitão.

João Cruz especialista em Nefrologia e Medicina intensiva; Unidade de Cuidados intensivos Polivalentes do Hospital CUF infante santo.

João Gonçalves Pereira Coordenador da Unidade de Cuidados intensivos no Hospital de Vila Franca de Xira; assistente da Nova Medical school.

João Gouveia assistente Hospitalar de Medicina intensiva no CHLN, ePe; Professor da disciplina de Medicina intensiva, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

J. Paulo Fernandes Oncologista médico e Hematologista clínico; Coordenador da Unidade de Oncologia no Hospital CUF descobertas.

João Travassos especialista em Nefrologia e Medicina intensiva; Unidade de Cuidados intensivos Polivalentes do Hospital CUF infante santo.

Jorge Canena Gastrenterologista do Centro Universitário de Gastrenterologia no Hospital CUF infante santo; Professor de Gastrenterologia da Nova Medical school.


Lista de Autores IX

José Cepeda Ribeiro Coordenador de Pneumologia no Hospital CUF infante santo.

José Fragata diretor do serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Hospital de santa Marta, CHLC, ePe; Professor Catedrático de Cirurgia da Nova Medical school; diretor de Cirurgia Cardíaca do Hospital CUF infante santo.

José M. Ferro diretor do departamento de Neurociências e saúde Mental e do serviço de Neurologia no Hospital de santa Maria, CHLN, ePe; Professor Catedrático de Neurologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

José sousa Ramos Consultor de Cardiologia; Coordenador de Cardiologia do Centro do Coração dos Hospitais CUF Lisboa.

Lídia de sousa Consultora de Cardiologia no Centro do Coração, Hospital Cuf infante santo; serviço de Cardiologia, CHLC, ePe.

Luís Bento Responsável da subespecialidade de Medicina intensiva do CHLC, ePe; Coordenador da Unidade de Urgência Médica no Hospital de são José, CHLC, ePe; Coordenador da Unidade de Cuidados intensivos Polivalente do Hospital Curry Cabral, CHLC, ePe.

Luís Brandão Assistente Hospitalar Graduado de Cardiologia; Eletroisiologista Clínico do Centro do Coração dos Hospitais CUF; Coordenador da Unidade de arritmiologia do Hospital Garcia de Orta, ePe.

Manuel Cunha e sá serviço de Neurocirurgia do Hospital Garcia de Orta, ePe.

Manuel Liberato Gastrenterologista; Coordenador do Centro Universitário de Gastrenterologia do Hospital CUF infante santo.

Manuel Manita Neurologista; Coordenador da Unidade de Neurossonologia e do Polo de Neurologia do Hospital de são José, CHLC, ePe.

Margarida araújo assistente Hospitalar na Unidade de Cuidados intensivos no Hospital de Vila Franca de Xira.

Miguel Fróis Borges interno de Cirurgia no Hospital Garcia de Orta, ePe.

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Patrícia Lages Clínica Universitária de Cirurgia i, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Hospital de santa Maria, CHLN, ePe; assistente de Cirurgia Geral.

Paulo Costa Clínica Universitária de Cirurgia i, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Hospital de santa Maria, CHLN, ePe; Professor Catedrático e diretor de serviço.

Paulo Freitas diretor do serviço de Medicina intensiva no Hospital Prof. doutor Fernando da Fonseca, ePe.


X

Manual de Medicina Intensiva

Pedro Moniz Pereira Cirurgião no Hospital Garcia de Orta, ePe, e Hospital CUF infante santo.

Raquel Marques Carvalho assistente Hospitalar de Medicina intensiva no CHLN, ePe.

Rui Manilha serviço de Neurocirurgia no Hospital Garcia de Orta, ePe.

Rui Moreno especialista em Medicina interna; sub-especialista em Medicina intensiva; Coordenador da Unidade de Cuidados intensivos Neurocríticos do Hospital de s. José, CHLC, ePe: Professor na Nova Medical school.

sara Gomes Médica do serviço de Medicina intensiva do Hospital Prof. doutor Fernando Fonseca, ePe.

Soia de Almeida assistente Hospitalar de Cardiologia; Cardiologista no Hospital Garcia de Orta, ePe, e no Hospital CUF infante santo.

susana afonso assistente Hospitalar de Medicina interna; sub-especialista em Medicina intensiva.

susana Martins assistente Hospitalar de Cardiologia no Centro do Coração, Hospital CUF, e CHLN, ePe.

Teresa Pinho e Melo assistente Hospitalar Graduada sénior de Neurologia, responsável pela Unidade Cerebrovascular, Hospital de santa Maria, CHLN, ePe; assistente Convidada de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Tiago Nolasco assistente Hospitalar de Cirurgia Cardiotorácica no Hospital de santa Cruz, CHLO, ePe.

Tomás Lamas assistente Hospitalar na Unidade de Cuidados intensivos Polivalente no Hospital de egas Moniz, CHLO, ePe.


Lista de Siglas e Abreviaturas A aas – ácido acetilsalicílico aBC – airway, breathing and circulation adH – hormona antidiurética (antidiuretic hormone) AINE – anti-inlamatórios não esteroides aPTT – activated partial thromboplastin time ARDS – síndrome de diiculdade respiratória do adulto (acute respiratory distress syndrome) aVC – acidente vascular cerebral

B

G GCS – escala de coma de Glasgow (Glasgow coma scale)

H HTa – hipertensão arterial

I ieCa – inibidores da enzima de conversão da angiotensina ig – imunoglobulina iNR – international normalized ratio

bpm – batimentos por minuto

C CaP – cateter da artéria pulmonar Cid – coagulação intravascular disseminada CiV – comunicação intraventricular CPaP – continuous positive airway pressure cpm – ciclos por minuto CVC – cateter venoso central

D dPOC – doença pulmonar obstrutiva crónica

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E eaM – enfarte agudo do miocárdio ECG – eletrocardiograma eCMO – oxigenação por membrana extracorporal (extracorporeal membrane oxygenation) eLisa – enzyme-linked immunosorbent assay

F FC – frequência cardíaca FR – frequência respiratória

L LCR – líquido cefalorraquidiano LRa – lesão renal aguda

M MRsa – Staphylococcus aureus resistente à meticilina (methicillin-resistant Staphylococcus aureus)

P Pa – pressão arterial Pad – pressão arterial diastólica PaM – pressão arterial média Pas – pressão arterial sistólica PEEP – pressão positiva no inal da expiração (positive end-expiratory pressure) PiC – pressão intracraniana PPC – pressão de perfusão cerebral PTT – púrpura trombocitopénica trombótica PVC – pressão venosa central

R RCR – ressuscitação cardiorrespiratória RM – ressonância magnética


8

abordagem da Via aérea Joana estilita

9

Ventilação Mecânica Invasiva 10 João João Mendes Ventilação Mecânica não Invasiva 11 João João Mendes Síndrome de Diiculdade Respiratória do Adulto 12 Pedro Ponce agudização da doença Pulmonar obstrutiva Crónica/asma 13 João Gouveia, Raquel Marques Carvalho tromboembolismo e Hipertensão Pulmonar 14 Pedro Ponce doenças da Pleura, Hemoptises e Lesão Inalatória 15 José Cepeda Ribeiro, antónio Bugalho

Cuidados Intensivos respiratórios

Insuiciência Respiratória Paulo Freitas, aurélia Martinho

II


capítulo

8

Insuficiência Respiratória

Paulo Freitas, Aurélia Martinho

INTRODUÇÃO A abordagem de um doente em insuiciência respiratória baseia-se na constatação isiológica simples: o oxigénio não é armazenável no organismo humano. Este “erro” da isiologia do nosso organismo leva a que a causa de morte humana seja a hipoxemia. desta forma, toda a sequência de intervenções terapêuticas deve ser encadeada para ser prevenida a hipoxemia celular. Fisiologicamente o ser humano desenvolveu centenas de mecanismos de adaptação à hipoxemia consoante a sua causa. assim, os doentes portadores de doenças crónicas têm melhor tolerância à hipoxemia do que o doente agudo previamente saudável. Desta forma, a monitorização mais importante na abordagem do doente em insuiciência respiratória é a oximetria de pulso, seguida da gasometria arterial e da radiograia torácica. O quarto exame complementar será o ecocardiograma. se constatarmos uma saturação inferior a 85% na oximetria, a primeira prioridade é a oxigenoterapia, se necessário com máscara de alta concentração. Os restantes exames permitem-nos identiicar causas reversíveis de hipoxemia aguda em 15–20 minutos. Não se deve atrasar o início da ventilação nem hesitar recorrer a ajuda especializada, se for constatado que a insuiciência respiratória não é reversível sem suporte ventilatório. Resta alertar para que o atraso da introdução da ventilação se traduz num excesso de mortalidade em relação aos doentes em que a decisão é tomada atempadamente.

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FISIOPATOLOGIA A insuiciência respiratória deine-se pela incapacidade de o sistema respiratório efetuar trocas gasosas, oxigenação e/ou eliminação de dióxido de carbono (CO2). Pode tratar-se de um processo agudo ou crónico. Os sinais e sintomas da insuiciência respiratória resultam da hipoxemia, da hipercapnia e do aumento do trabalho respiratório para compensar as necessidades metabólicas. estes sinais e sintomas incluem: alteração do estado de consciência; Cianose periférica; Bradipneia; evidência do aumento de trabalho respiratório (adejo nasal, tiragem intercostal, supraesternal e supraclavicular, movimento abdominal paradoxal, polipneia); Resposta adrenérgica (taquicardia, hipertensão, diaforese). O diagnóstico de insuiciência respiratória é feito com base na gasometria arterial: pressão parcial de oxigénio no sangue arterial inferior a 60 mmHg (PaO2 <60 mmHg) e/ou pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial superior a 45 mmHg (PaCO2 >45 mmHg). A insuiciência respiratória pode ser de causa pulmonar ou extrapulmonar, sendo frequentemente multifatorial (Tabela 8.1).


82 Manual de Medicina Intensiva

Etiologia da insuiciência respiratória.

Tabela 8.1

origem

exemplos

sistema nervoso central (snC)

Fármacos, drogas, encefalopatia metabólica, infeção do sNC, hipertensão intracraniana, apneia obstrutiva do sono, hipoventilação alveolar central

sistema neuromuscular (inclui espinal medula)

Trauma medular, mielite transversa, poliomielite, tétano, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotróica, síndrome de Guillain-Barré, miopatia dos corticoides, miopatia dos cuidados intensivos

Parede torácica

Cifoescoliose, obesidade, distensão abdominal, trauma, queimadura

Vias aéreas superiores

Obstrução por tecidos moles, massa, traqueomalacia, paresia das cordas vocais, infeção

Vias aéreas inferiores / parênquima pulmonar

Broncospasmo, insuiciência cardíaca, infeção, doença do interstício pulmonar

sistema cardiovascular

Choque, hipertensão pulmonar

A insuiciência respiratória pode ser classiicada de acordo com o mecanismo isiopatológico. Tipo I: também designada de insuiciência respiratória hipoxémica ou parcial, é o tipo mais frequente. Geralmente resulta de shunt intrapulmonar por preenchimento alveolar, embora existam outros mecanismos (Quadro 8.1). A insuiciência respiratória tipo I por shunt não responde à oxigenoterapia, enquanto a insuiciência por desequilíbrio da ventilação/perfusão responde. É importante relembrar que a hipoxemia celular pode ocorrer sem hipoxemia em situações particulares: intoxicação por monóxido de carbono; meta-hemoglobina e intoxicação por cianeto.

Quadro 8.1

Mecanismos de hipoxemia.

• Pressão parcial de oxigénio inspirada baixa (por exemplo, altitude elevada) • Hipoventilação • Shunt direito–esquerdo (V/Q=0) • desequilíbrio ventilação/perfusão (V/Q baixo) • alteração da difusão • Oxigénio venoso misto baixo Tipo

ii: também designada de hipercápnica, global ou ventilatória. Pode ocorrer em diferentes situações mas geralmente resulta da hipoventilação alveolar (Quadro 8.2), que pode ter origem: Æ Na perturbação do sNC (o doente não respira por ausência de estímulo respiratório, e não há resposta do centro respiratório à hipercapnia); Æ Na perturbação da transmissão neuromuscular (o doente não respira por incapacidade de resposta muscular por lesão neurológica ou por lesão muscular intrínseca);


92 Manual de Medicina Intensiva sucesso Plano a: intubação orotraqueal inicial

Laringoscopia direta

intubação orotraqueal

intubação falhada sucesso Plano B: intubação orotraqueal secundária

Conirmar TOT + Fibroscopia através da iLMa® ou LMaTM

iLMa® ou LMaTM

Oxigenação falhada sucesso Plano C: Manutenção da oxigenação e ventilação

Reverter para máscara facial, oxigenar e ventilar

Tentar intubação orotraqueal em diferido acordar o doente (se possível)

Oxigenação falhada Plano d: Técnica Rescue Can’t intubate, can’t ventilate

Melhoria da oxigenação

LMaTM Hipoxemia mantida

Cricotiroidotomia por agulha

Tentar intubação orotraqueal em diferido acordar o doente (se possível)

Cricotiroidotomia cirúrgica

Figura 9.1 Algoritmo de abordagem da via aérea em cuidados intensivos (modiicado das guidelines da Dificult Airway Society).

CONCLUSÃO a abordagem da via aérea depende da integração do conhecimento individual, do senso clínico / adequabilidade ao doente e da capacidade técnica – fatores que evoluem ao longo da carreira de cada proissional. a abordagem da via aérea é um trabalho de equipa em que todos falam a mesma língua: o treino de ferramentas cognitivas entre todos os intervenientes e o reconhecimento da necessidade precoce de um médico proiciente em VAD é fundamental para evitar complicações. Se for antecipada diiculdade na intubação orotraqueal, deve ser considerada a exequibilidade de uma abordagem alternativa inicial: uso de máscara laríngea, videolaringoscopia ou ibroscopia. se a laringoscopia direta for a técnica escolhida inicialmente para a intubação orotraqueal, é importante reter que a primeira tentativa é sempre a melhor, sendo que após a segunda tentativa o risco de complicações sobe exponencialmente, devendo o posicionamento e a pré-oxigenação ser otimizados tanto quanto possível. a abordagem da via aérea não se aprende na teoria: todas as técnicas devem ser treinadas em contexto eletivo (no bloco operatório) ou de simulação, sendo fortemente recomendada a frequência de um curso de via aérea difícil. Os internos de especialidade que se encontram responsáveis pela gestão de doentes críticos devem aprender a abordagem simples da via aérea emergente.


414 Manual de Medicina Intensiva

Tabela 38.3

Comparação de lavagem peritoneal diagnóstica, ecograia e tomograia computorizada na investigação do traumatismo abdominal. Lavagem peritoneal diagnóstica

Indicações

Vantagens

desvantagens

Ecograia

tC

documentação de hemorragia intra-abdominal em doente hipotenso

documentação de hemorragia intra-abdominal em doente hipotenso

documentação de lesão de órgãos abdominais em doente normotenso

Rápido, barato, pode ser feito na sala de emergência. acuidade de 98%

Rápido, não invasivo e repetível. acuidade de 86–97%

Mais especíico para deinir limites anatómicos da lesão, não invasivo, dá-nos informação sobre tórax e bacia, visualiza retroperitoneu. acuidade de 92–98%

invasivo, não nos dá informação sobre os órgãos lesados, pode não diagnosticar lesões do diafragma e retroperitoneu

dependente do operador, ar subcutâneo e gás intestinal podem tornar exame difícil, pode não diagnosticar lesões do diafragma, intestino e por vezes pâncreas. a presença de ascite pode diicultar diagnóstico

Custo mais elevado e consome mais tempo, pode não diagnosticar lesões do diafragma, intestino e por vezes pâncreas

Umbigo incisão

Músculo do reto

Cateter Tubo lexível

Linha branca

45º

Cateter

Figura 38.2 Técnica de lavagem peritoneal diagnóstica aberta.


Trauma 415

Ecografia A ecograia, nomeadamente quando se aplica um protocolo especíico para a deteção de líquido livre intra-abominal, é um método fácil de aprender e realizar. Com este protocolo, em menos de 5 minutos, na sala de emergência e sem interferir com o desempenho da equipa de reanimação, é possível saber se existe ou não líquido livre dentro da cavidade abdominal com uma sensibilidade de 90% e uma especiicidade de 99%. Este método consiste na avaliação de quatro áreas veriicando se existe líquido livre (sangue): espaço hepatorrenal, espaço esplenorrenal, fundo de saco de douglas e saco pericárdico. Tomografia computorizada a TC dá informações precisas sobre a extensão e localização das lesões, nomeadamente dos órgãos sólidos. No entanto, este exame deve ser reservado para doentes hemodinamicamente normalizados. a sala de TC não é o local ideal para doentes instáveis, pois o nível de cuidados que aí se podem prestar é sempre inferior ao da sala de trauma/emergência ou UCi (Figura 38.3).

Figura 38.3 Tomograia computorizada abdominal que evidencia laceração esplénica.

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Bacia A terceira área provável de hemorragia signiicativa do torso é a bacia. O exame físico pode identiicar instabilidade do anel pélvico que, por norma, se associa a fratura. Uma vez determinada a instabilidade pélvica, esta manobra não deve ser repetida pois pode provocar um agravamento da hemorragia. O exame auxiliar de diagnóstico que permite identiicar as fraturas pélvicas é a radiograia da bacia. As manobras iniciais indicadas para reduzir a hemorragia de origem pélvica implicam a diminuição do volume da bacia. isto pode ser conseguido com manobras simples como a colocação de uma cinta ou lençol envolvendo a bacia e, se possível, a rotação interna dos membros inferiores. A aplicação de ixadores externos é também de grande utilidade para diminuir o volume pélvico e limitar a hemorragia. Em casos mais graves, a arteriograia das hipogástricas com embolização dos ramos sangrantes é uma solução possível. Numa situação em que nenhuma destas manobras consegue controlar a hemorragia ou não estão disponíveis, o tamponamento pélvico por laparotomia pode ajudar (Figura 38.4).


426 Manual de Medicina Intensiva

a

Folículo piloso Glândula sudorípara Profundidade das queimaduras epiderme

Supericial (antigo primeiro grau) Espessura parcial supericial

derme

espessura parcial profunda

Gordura subcutânea

Terceiro grau (espessura total) Músculo

Quarto grau

B

Supericial (antigo primeiro grau)

espessura parcial profunda

espessura total (semelhantes às antigas de terceiro grau)

Figura 39.1 Classiicação das queimaduras. Ausência

de lictenas, secas; espontânea, em dias; ausência de sequelas (embora haja risco acrescido de cancro de pele). Cura

Queimadura de espessura parcial as queimaduras de segundo grau corresponderão às queimaduras de espessura parcial (epiderme atingida com envolvimento variável da derme), subdividindo-se em supericiais ou profundas (Figura 39.2A e B). As queimaduras de espessura parcial supericiais (corresponderão às de segundo grau supericiais) afetam a epiderme e a derme supericial (derme papilar). Caracterizam-se por:


MANUAL de MEDICINA INTENSIVA Embora continuem a existir fisicamente serviços designados por Unidades de Cuidados Intensivos, a Medicina Intensiva transcende as suas paredes. É necessária em qualquer local onde se encontre o doente crítico desde o pré-hospitalar às enfermarias, passando pela urgência e pelos blocos operatórios. É ainda decisiva na tomada de decisão sobre práticas e procedimentos e contribui para a otimização dos recursos humanos e técnicos disponíveis. Com efeito, tem havido uma evolução demográfica dos doentes internados, que são cada vez mais idosos, com maior número de comorbilidades e submetidos a intervenções cada vez mais ousadas. Daí que a Medicina Intensiva seja hoje uma área multidisciplinar, que desenvolveu um corpo de conhecimentos próprio e assumiu um conjunto de técnicas classicamente identificadas com outras especialidades. É igualmente uma filosofia de abordagem do doente crítico, cuja necessidade formativa constitui um imperativo técnico, científico e moral para qualquer médico. Este Manual, escrito por uma equipa de autores de renome, destina-se a todos os que, no dia a dia, contactam com a complexidade e diversidade nosológica dos doentes nos diferentes locais do hospital, e aos alunos ou internos em fase de aprendizagem e treino. Pedro Ponce: Diretor da Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital CUF Infante Santo; Nefrologista, Diretor Médico Nacional – Nephrocare Portugal.

João João Mendes:

www.lidel.pt

Serviço de Medicina Intensiva do Hospital Prof. Doutor Fernando da Fonseca, EPE; Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente do Hospital CUF Infante Santo; Doutorado em Medicina.

ISBN 978-989-752-070-9

9 789897 520709


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