PUBLICAÇÃO
TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO ÉPOCA 2018-19
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TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO ÉPOCAS 2018-19
ÍNDICE 1. Prefácio 2. Do Vídeo-Árbitro ao Vídeojogo Ensaio Académico sobre a ofensa à integridade física Ana Rita dos Santos Novo
3. A Profissionalização dos Árbitros como garantia de integridade no Futebol Ana Leonor Morais Taveira
4. Futebol Feminino André da Costa Gomes
5. Compliance nas Sociedades Desportivas Candido Mendes
6. O Artigo 16º do Regime Jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo Diogo Soares Loureiro
7. O contrato de trabalho desportivo - O caso de Alcochete José Pedro Costa Gonçalves Pereira
8. Owners’ and Directors’ Test: Confronto com o panorama Português Ricardo João Rodrigues da Silva Pinheiro Gonçalves
1. PREFÁCIO
1. PREFÁCIO
PREFÁCIO Dra. Maria de Fátima Ribeiro
Dra. Sónia Carneiro
Professora da Universidade Católica Portuguesa
Diretora Executiva Coordenadora da Liga Portugal
Coordenadora Científica da Pós-Graduação em Organização e Gestão no Futebol Profissional
Vivemos, hoje, circunstâncias verdadeiramente excepcionais e muito duras, que nos farão repensar
Uma das maiores preocupações do Presidente Pedro Proença, e da sua Direção Executiva, quando
a realidade que conhecemos, nas suas mais diversas vertentes - e o desporto não será exceção.
entraram na Liga Portugal foi o reposicionamento da instituição, e do Futebol Profissional português.
O futebol era, é e terá de continuar a ser depois disto (ou, até, sobretudo depois disto) um fenómeno
A Formação foi identificada como um dos pilares fundamentais para se construir, em Portugal, uma
globalmente catalisador e, quantas vezes, uma lição de superação. Simplesmente, não é menos certo
indústria cada vez mais profissional. Os desafios do futebol exigem competência e conhecimento.
que todos aqueles que partilham esta paixão se depararão no futuro próximo com desafios novos, problemas diferentes, cenários nunca previstos.
Com isso em mente, a Liga Portugal juntou esforços com uma das mais prestigiadas universidades portuguesas, a Universidade Católica do Porto, para elaborar um currículo que, se ajustem às necessi-
Só existe uma via para enfrentar e vencer este desafio, nesta como noutras áreas particularmente
dades dos recursos humanos que trabalham no futebol português, e nomeadamente no Futebol Profis-
afectadas pelas consequências da pandemia: continuar a pensar e estudar a fundo esta realidade,
sional. Neste sentido lançámos uma Pós-Graduação em Gestão e Organização no Futebol Profissional
investindo no conhecimento sólido e na reflexão informada. Estudar hoje o futebol é então, nos diversos
que, como reflexo do seu indiscutível sucesso, já vai na sua terceira edição.
domínios do saber que ele envolve, uma missão importantíssima. A Pós-Graduação permite obter, num ano letivo, conhecimentos ímpares no que respeita às comA Liga Portugal e a Universidade Católica iniciaram, em 2016, a formação qualificada de (já) centenas
petições profissionais, ao adquirir uma visão única da organização dos campeonatos profissionais
de pessoas, com o objectivo de as dotarem das competências necessárias ao exercício das mais
de futebol, o domínio dos quadros e instrumentos jurídicos fundamentais, e a interdisciplinaridade
variadas funções ligadas ao futebol: criou-se a Pós-Graduação em Organização e Gestão no
da gestão associada à competição e às Sociedades Desportivas. Conta com a participação de
Futebol Profissional.
um corpo docente de notoriedade da Universidade Católica e convidados de renome nacional e internacional ligados ao Futebol Profissional.
Nesta oferta formativa, agora na 4.ª edição, alia-se ao elevado rigor o estímulo do livre pensamento; desenvolve-se o sentido de responsabilidade e promove-se a criatividade; transmite-se conhecimento
Com o intuito de desenvolver as aptidões dos nossos formandos, na área da organização e gestão
enquanto, simultaneamente, se ensina a pensar com autonomia e espírito crítico. Em resultado, os
no futebol e temáticas adjacentes, a Liga Portugal e a Universidade Católica do Porto, incentivam os
formandos, necessariamente avaliados através de exames escritos obrigatórios, são também incen-
mesmos a desenvolver e apresentar um trabalho final. Para além de estimular a investigação nesta
tivados a elaborar um trabalho final, com apresentação oral e escrita. A partilha pública desses
indústria, trata-se da aplicação prática de conhecimentos adquiridos ao longo de um ano letivo e
trabalhos permite-nos, a todos, testemunhar o esforço e o mérito de cada um deles.
desenvolvimento do talento dos nossos formandos.
Reunimos nesta publicação os contributos dos formados pela última edição. É importante que todos
Estamos muito orgulhosos deste compromisso com a formação e profissionalização, e estamos abso-
aqueles que se empenham seriamente no estudo do futebol sintam que o seu contributo se dá a conhecer.
lutamente certos de que se trata de um grande benefício para o futebol português. Está dado o pon-
Ele é, agora, mais importante do que nunca: no futebol, a obra de todos, que é sempre a obra de
tapé de saída para afirmação do talento e rigor no Futebol Profissional português.
cada um, fará a diferença.
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DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO Ensaio Académico Sobre a ofensa à integridade física Ana Rita dos Santos Novo
2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO
2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO
Resumo Epígrafe O presente trabalho tem por base um ensaio de uma eventual evolução daquele que é o vídeo-árbitro, nos termos em que se apresenta atualmente. Agradar “a gregos e a troianos” será sempre uma opção complicada (dir-se-ia mesmo impossível), que fica ainda mais dificultada com a adição do elemento “paixão”. Como é de conhecimento comum, o desporto em geral, e o futebol em particular, mexe com as emoções daqueles que seguem mais de perto a modalidade. Criam-se laços, relações e rotinas que se articulam com o clube ao qual determinada pessoa se associa. É que, muitas vezes, o resultado final depende dos resultados de outras partidas. E, então, adeptos e associados de todas as equipas focam-se num jogo apenas onde tudo pode ser Quem duvida que o desporto
decidido. É paixão. É irracional.
É uma janela importantíssima
Mas se há uma forma de racionalizar aquilo que se sente é tentando encontrar
Para a propagação do jogo limpo
alternativas que protejam o espetáculo que todos os intervenientes pretendem apresentar,
E a justiça?
bem como a verdade desportiva a que tanta referência se faz. E o método que se encontrou
No final de contas, o jogo limpo
foi o do vídeo-árbitro. Decidido por pessoas, como não deve deixar de ser, continua a ser
É um valor essencial no desporto!
possível que se verifiquem erros, principalmente quando se limita o auxílio que se pretende dar ao árbitro a somente quatro lances: grandes penalidades, cartões vermelhos,
Nelson Mandela, 1997
troca de identidades e golos. Mas, e os outros lances? E a responsabilidade que é obrigatória por quem “toma conta” de todos aqueles que disputam o jogo? E quando se deixa a punição para a praça pública porque dentro das quatro linhas não se tomou uma decisão atempada? E o jogador que ficou impossibilitado de jogar mais do que quatro partidas, enquanto que o lesante as disputou sem punição? E a lealdade desportiva? É a estas questões que o presente ensaio busca responder, inspirando-se no Direito Penal e no sistema constitucional que protegem interesses que se ligam com a verdade desportiva, mas que se afastam largamente dos vazios que existem no mundo desportivo.
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2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO
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Conteúdo
Lista de Siglas e Abreviaturas C.Civil – Código Civil C.Penal – Código Penal
Epígrafe ......................................................................................................................... 63
C.R.P – Constituição da República Portuguesa F.P.F – Federação Portuguesa de Futebol
Resumo ......................................................................................................................... 74
VAR – Vídeo-Árbitro TAD – Tribunal Arbitral do Desporto
Lista de Siglas e Abreviaturas....................................................................................... 86 Introdução ..................................................................................................................... 97 1.
Princípios orientadores do Vídeo-árbitro .........................................................118
2.
A implementação do Vídeo-árbitro em Portugal: o regime em vigor............ 13 10
3.
Análise de Lances: os prós e os contras do sistema atual .............................. 15 12
4.
Arbitragem ..................................................................................................... 18 15
5.
A integridade física ........................................................................................ 21 18 a. O crime de ofensa à integridade física .................................................... 21 18 b. A disponibilidade do direito à integridade física..................................... 23 20
Conclusão.................................................................................................................... 26 23 Anexos ........................................................................................................................ 29 26 Referências Bibliográficas .......................................................................................... 32 29
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2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO
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Introdução
1. Princípios orientadores do Vídeo-árbitro O projeto do VAR foi elaborado pelo Internacional Board, num documento que
O ensaio académico visa uma apresentação de carácter crítico sobre o tema em
ficou conhecido como “Protocolo do Vídeo-árbitro”, e tem sofrido atualizações que se
debate, apresentando um posicionamento e reflexões sérias e racionais. Neste caso em
devem ao contributo das federações, dos árbitros e técnicos de arbitragem que estão
particular, pretende apresentar os mesmos pontos no que se reporta às vantagens e às
envolvidos no projeto. O documento apresenta os doze princípios que devem orientar a
desvantagens do atual sistema aplicado ao vídeo-árbitro e quais as possibilidades de
experiência de recurso ao vídeo-árbitro. Em primeiro lugar, a tecnologia de vídeo só deve ser utilizada sempre que se
evoluir para um sistema alargado, que permita abarcar o auxílio aos jogadores numa
verifique uma situação que passou despercebida à equipa de arbitragem em terreno de
questão muito particular – a violação da sua integridade física. Surge porque o vídeo-árbitro ainda continua a ser um “objeto não identificado”, que
jogo ou quando exista uma decisão claramente incorreta. No entanto, independentemente
causa bastante desconfiança e insegurança, sendo, assim, alvo de muitas críticas por parte
do parecer que seja dado pela equipa que auxilia o juiz do jogo, a decisão final pertence
daqueles que seguem o fenómeno que é o futebol. Ora, se causa confusão é porque
sempre a este último. Isto não invalida o princípio que determina que os assistentes de
existem aspetos que mereciam ser polidos, analisados e reorganizados para que o valor
vídeo-árbitro sejam considerados como elementos da equipa de arbitragem e, portanto,
da verdade desportiva seja elevado ao seu máximo. E é exatamente esse o objeto do
que qualquer informação que forneçam seja igualmente analisada pelo árbitro, como se
presente ensaio: colocar em perspetiva aquele que é o atual sistema em vigor, apontar
de uma informação do árbitro assistente ou do quarto árbitro se tratasse. Ao contrário do
vantagens e desvantagens e equacionar a possibilidade de abarcar novos temas, novas
que possa parecer crer, o quarto princípio diz que o árbitro deve sempre tomar uma
condicionantes do espetáculo que a tantos apaixona. Mas, acima de tudo, torná-lo mais
decisão. Ou seja, o árbitro da partida não pode deixar de tomar uma decisão relativamente
justo, mais comprometido com o seu objetivo e menos duvidoso.
a uma situação, remetendo essa mesma decisão para o VAR. O árbitro deve optar por um
Dividido em cinco partes complementares, que analisam os princípios orientadores
caminho e, só depois, auxiliar-se nas imagens e nos assistentes de vídeo-árbitro. Pode,
do vídeo-árbitro e a competência do Tribunal Arbitral do Desporto, bem como lances de
ainda, decidir continuar a partida e depois rever a situação que surgiu durante essa jogada.
partidas recentes, procura-se ir ao encontro de uma eventual responsabilidade penal
Apenas em situações muito raras é que o árbitro pode recorrer ao VAR sem inicialmente
associada à violação da integridade física dos jogadores. Colocando em perspetiva os prós
ter tomado uma decisão – por exemplo, quando tem sérias dúvidas se é uma falta para
e os contras, a evolução, os sistemas adotados nos demais países e as possíveis correções,
cartão amarelo ou vermelho, ou quando duvida sobre quem deve ser sancionado. No
surge o presente ensaio, numa tentativa de responder a algumas das muitas perguntas que
entanto, se o árbitro tomar uma decisão inicial, esta só será alterada caso o recurso ao
ainda se levantam. Recorde-se, até, que o presidente da UEFA, Aleksander Ceferin,
sistema de imagens mostre claramente que a decisão estava errada.
chegou a negar a utilização do sistema de vídeo-árbitro na Liga dos Campeões por esta
Ademais, o sexto princípio assenta que apenas o árbitro pode iniciar o recurso ao
ser uma tecnologia ainda não suficientemente clara para todos os elementos que giram
VAR – logo, os demais elementos da equipa de arbitragem apenas podem recomendar
em torno da modalidade.
uma revisão ao árbitro; os atletas ou membros das equipas técnicas não podem sequer fazer o sinal de revisão. Aliás, estes últimos não podem rodear o árbitro enquanto este é auxiliado pelo VAR, nem tentar influenciar a decisão de recorrer ao sistema de vídeoárbitro ou a decisão final tomada pelo juiz da partida; a contestação da decisão de recorrer ao sistema vídeo-árbitro é, também, proíbida. Se optar por iniciar o processo de revisão, o árbitro não está limitado a um certo período de tempo (embora muito se argumente e
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2. A implementação do Vídeo-árbitro em Portugal: o regime em
critique no que se refere à perda de “tempo útil de jogo”). No entanto, existe um período máximo, quer antes, quer após o incidente, para que este possa ser revisto. Enquanto o
vigor
árbitro é auxiliado, ou enquanto ele mesmo verifica as imagens, deve, como determina o décimo princípio, estar sempre visível (tanto quanto possível), durante o processo de
O vídeo-árbitro foi introduzido no futebol na época de 2017/2018, sendo essa a
revisão. Apenas desta forma é que se assegura a transparência que a situação e a verdade
principal novidade dessa mesma época. Portugal foi um dos primeiros seis países a ser
desportiva exaltam.
escolhido como pioneiro para a fase de testes deste sistema que visa um princípio de
Sendo certo, como já foi referido, que o árbitro pode decidir prosseguir com a
mínima interferência vs. o máximo de benefício1.
partida e verificar o incidente posteriormente, qualquer ação disciplinar que tenha sido
Trata-se de um sistema que pretende colaborar com o árbitro principal, no sentido
tomada no momento do incidente não é invalidada ou cancelada – essa decisão inicial
de o auxiliar nas suas decisões, corrigindo aquelas que são claramente erradas em
pode, eventualmente, vir a ser alterada. Exceciona-se deste princípio uma advertência por
momentos-chave do jogo e alertando para as situações graves que tenham passado sem a
impedir um ataque promissor ou uma expulsão que anula uma clara oportunidade de golo.
devida atenção da equipa de arbitragem. É um sistema de comunicação entre o árbitro
O décimo segundo princípio assegura que o protocolo do VAR se encontra, tanto
que se encontra no terreno do jogo e os árbitros que estão encarregados de visualizar as
quanto possível, de acordo com os princípios prosseguidos e a filosofia marcada nas Leis
imagens em direto. Essa visualização de imagens é feita numa sala com vários ecrãs,
do Jogo, não havendo, portanto, qualquer tipo de hierarquia ou subordinação entre estes
sendo que cada um deles transmite imagens sem qualquer tipo de tratamento e que
dois diplomas, mas antes um grau de igualdade e de mútuo respeito.
permitem aceder a todos os ângulos de câmara disponíveis no estádio onde a partida é disputada. A referida sala localiza-se na Cidade do Futebol, em Oeiras, embora inicialmente a F.P.F. tivesse equacionado a hipótese de colocar, pelo menos nas primeiras jornadas, um elemento móvel no exterior dos recintos desportivos. O vídeo-árbitro foi desenhado para intervir em somente quatro situações: golos, grandes penalidades, cartões vermelhos e troca de identidades. No primeiro caso (golos), o papel do vídeo-árbitro é o de apenas verificar que o mesmo não sofreu de qualquer tipo de vicissitude desde o início da jogada até à sua finalização. Pretende, portanto, auxiliar o juiz da partida a determinar se houve ou não alguma infração que possa resultar na invalidação do golo, ou seja, assinalar eventuais faltas ou foras de jogo que não tenham sido sancionados. Já no que toca ao segundo aspeto, o vídeo-árbitro deve assegurar que a decisão não tem um vício na sua formação. Isto é, deve a jogada ser analisada por quem acompanha o jogo nos ecrãs anteriormente referidos (isto é, pelos auxiliares do árbitro) ou pelo
O sistema já havia sido utilizado, em Portugal, no final da época anterior, na final da Taça de Portugal que colocou frente a frente o Vitória Sport Clube e o Sport Lisboa e Benfica. Foi ainda testado entre os meses de junho e julho de 2017, pela FIFA, na Taça das Confederações. 1
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3. Análise de Lances: os prós e os contras do sistema atual
próprio árbitro no terreno de jogo de forma a evitar que sejam tomadas decisões erradas no que se refere à marcação das grandes penalidades. Relativamente aos cartões vermelhos e consequentes expulsões, o papel do vídeo-
Como complemento de fundo do trabalho que se apresenta, é importante analisar
árbitro é assegurar que o juiz de uma partida não erra na altura de aplicar uma das sanções
lances de partidas recentes onde é notória a falta de cuidado e de rigor do Vídeo-árbitro.
mais gravosas durante a partida, desde logo, porque as imagens são, tal como todas as
Começamos pela partida que colocou frente a frente, no dia 16 de fevereiro de 2019,
outras, passíveis de ser revistas.
o Futebol Clube Porto com o Vitória Futebol Clube – por volta do minuto 52 há um corte
Finalmente, no que respeita à troca de identidade trata-se de quase um mero aspeto
feito por Herrera que, em vez de acertar na bola, toca nas pernas do seu colega adversário.
de controlo, para garantir que o jogador sancionado com um cartão amarelo ou vermelho
Visto ser um lance dentro da grande área, seria importante a intervenção do auxiliar de
é verdadeiramente aquele que cometeu a infração e não outro atleta que estivesse ou não
arbitragem para assinalar uma eventual grande penalidade. Mas nada se verificou,
envolvido na jogada.
continuando a partida apenas com uma chamada de atenção. E, logo depois, talvez
Assim sendo, sempre que se verifica algum destes quatro incidentes, o árbitro tem
atendendo a um critério de igualdade com premissas duvidosas, Éber proíbe a progressão
a possibilidade de recorrer ao vídeo-árbitro a fim de os rever. O árbitro pode, inclusive,
de Otávio com um corte que deixa poucas margens para a punição com mero cartão
optar por ser apenas aconselhado pelo vídeo-árbitro ou parar a partida e visualizar ele
amarelo. Certo é que o referido jogador, nessa mesma jogada, é expulso, mas por
mesmo as imagens num ecrã colocado fora das quatro linhas do terreno de jogo. Como
acumulação de amarelos. Um cartão vermelho puniria o lance e o jogador de forma
vimos, o juiz de campo é aconselhado pelos auxiliares que observam essas mesmas
diferente, talvez menos suave do que a sanção aplicada.
imagens brutas, sendo certo que a decisão final cabe sempre, como deve ser, ao árbitro
Já no jogo entre o Clube Desportivo das Aves e o Sport Lisboa e Benfica, disputado
que se encontra no terreno de jogo. Para além disto, é importante referir que o vídeo-
dois dias depois, teve, ao minuto 92, o jogador Rúben Dias numa jogada bastante
árbitro apenas se manifesta caso a decisão inicial do árbitro tenha sido incorreta; esse
agressiva sobre Miguel Tavares, colega da equipa adversária e visitante. A verdade é que
parecer não tem qualquer valor vinculativo, desde logo porque a função do vídeo-árbitro
o lance que merecia clara análise no vídeo-árbitro, por valer eventual cartão vermelho,
é de aconselhamento e não a de tomada de decisões.
passou, igualmente, sem qualquer punição.
Tendo em conta o princípio de mínima interferência vs. o máximo de benefício é
Mas mais grave do que uma incerta punição, foi o que se verificou no dia 26 de
de referir que este sistema é um expediente que serve apenas para corrigir erros claros ou
fevereiro de 2019, no jogo que colocava em confronto o Futebol Clube do Porto com o
situações de relativo relevo que tenham passado despercebidas à equipa de arbitragem.
Sport Lisboa e Benfica. Como se verificou, no minuto 58, após uma entrada agressiva do
Esta análise pode requerer que a partida seja pausada por mais tempo do que parece
guarda-redes sobre Herrera, o árbitro designado para a partida tomou a correta e sempre
plausível, sendo este um dos motivos que causa alguma aversão aos adeptos da
requerida atitude de verificar o vídeo-árbitro. Não obstante, aconteceu que o suporte de
modalidade. No entanto, e na defesa do princípio da verdade desportiva, não existe um
áudio ficou “sem pilhas”, não permitindo uma comunicação clara, mas, mais importante
tempo máximo previsto para que as imagens do incidente sejam revistas e a decisão
ainda, em tempo razoável. Por muito que não haja um limite de tempo para a análise dos
equacionada. O Internacional Board determina, até, que o “rigor é mais importante do
lances, há situações que devem, a todo o custo, ser evitadas a título de se proporcionar
que a rapidez”.
um espetáculo mais aprazível, mas também (e acima de tudo), mais rigoroso e verdadeiro.
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2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO
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Analisados os primeiros excertos das partidas, temos de considerar que existe,
minutos sem ocorrências, passou a existir uma brecha que, inevitavelmente, veio
obrigatoriamente, uma limitação da integridade física no contrato de trabalho, em ambas
alimentar as dúvidas e a desconfiança no projeto.
as vertentes. Não só fica a integridade física limitada, no sentido de que não pode ser
Desta feita, os lances analisados demonstram que o vídeo-árbitro necessita de
plenamente exercida porque um futebolista “dá o corpo ao manifesto” (isto é, o
evoluir, de ser profissionalizado e personalizado, sob pena de cair numa violação grave
instrumento de trabalho é o seu próprio corpo), como também está a limitar essas
de direitos. Se é verdade que corrige erros graves, que de outra forma permaneceriam,
possíveis ofensas. Quer isto dizer que, no contrato de trabalho desportivo, o outorgante é
também é verdade que avança com novos erros – veja-se o caso do jogo Desportivo de
assertivo no que respeita a saber qual é a linha que separa a sua integridade física das
Chaves vs. Sporting Clube de Portugal, em que, ao minuto 86, o Vídeo-árbitro decidiu
ofensas à mesma que ele aceita e tolera. O mesmo se verifica quanto à liberdade – por
corretamente anular o cartão vermelho a Maras, jogador do Desportivo de Chaves, mas
exemplo, o jogador de futebol sabe que não deve praticar desportos radicais porque corre
caiu no erro grave de assinalar falta punida com cartão vermelho a Ristovski, quando este
o risco de se magoar gravemente e, assim, fazer com que a sociedade desportiva perca o
acerta claramente na bola antes do tocar no colega de profissão.
seu ativo.
Se é certo que o vídeo-árbitro será sempre uma análise feita por pessoas, como deve
Está verificado que há um mínimo nessa esfera de integridade física e de liberdade
ser, também é certo que está sempre sujeito a erros, desde logo porque não deixa de ser
que deve sempre ser respeitada, pois, caso contrário, o jogador pode se tornar um
um juízo/uma perceção (ou não se dissesse popularmente que “errar é humano”), também
presidiário (ao ceder toda a sua liberdade) ou um escravo (ao ceder toda a sua integridade
é certo que deverão ser tomadas as medidas necessárias para que se respeite a verdade e
física). Mesmo que esta cedência seja de livre vontade, o ordenamento jurídico português
a lealdade desportiva, encontrando formas de minorar todos os detalhes que conflituam
não permite que um determinado sujeito fique sem a totalidade da sua liberdade ou da sua
com este desejo de rigor e imparcialidade.
integridade física. Exemplo disso é o facto destes direitos estarem constitucionalmente consagrados. Assim, embora sejam direitos disponíveis, não são violáveis como veremos mais adiante. Já a última partida demonstra claramente a falta de atenção, de cuidado e de zelo que houve. Parece ser de lamentar que num jogo onde se procura a verdade desportiva e a lealdade com a modalidade se possa verdadeiramente perder tempo útil de jogo a título de uma falta de atenção com a bateria do aparelho de suporte áudio. É de recordar que o tempo em que a partida está parada não só é prejudicial para o próprio espetáculo, como os intervenientes diretos nele podem perder rendimento com uma pausa demasiado prolongada. Repare-se que, de acordo com uma nota emitida pela própria F.P.F, o sistema havia sido testado, tal como declara o protocolo. Não obstante, a partir do minuto 15 da referida partida a comunicação com o estádio foi perdida e essa mesma informação foi transmitida ao quarto árbitro e demais membros da equipa de arbitragem. Desta feita, o jogo decorreu sem o suporte de VAR, o que permitiu uma abertura à possibilidade de haver litígios que passaram impunes. Tudo porque houve falta de zelo em manter o sistema em funcionamento ou (assumindo que há falhas inevitáveis e de todo imprevisíveis) em recuperá-lo em tempo razoável. Se havia, na altura, cerca de 35 mil
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2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO
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4. Arbitragem
Na arbitragem, existe a possibilidade de se verificar o Sistema de Mediação Penal, introduzida no ordenamento jurídico português através das Lei nº 21/2007, de 12 de junho e que pretende mediar os litígios resultantes da prática de determinados crimes. Para tal
A arbitragem é uma figura que surge no território português entre o século XII e
é necessário que se verifiquem alguns pressupostos, nomeadamente:
XIII. Atualmente, ocupa um lugar de destaque, na medida em que é tida como uma válvula de escape à pesada e, por vezes, indiferente máquina da justiça estatal que
•
Que exista um processo crime;
demonstra dificuldades em encontrar soluções rápidas e eficientes para os litígios, por
•
Que estejam em causa crimes que dependam de acusação particular ou crimes contra as pessoas ou o património cujo procedimento penal dependa
muito complexos que estes se possam desenhar.
de queixa;
A maior parte dos casos de arbitragem encontra-se na modalidade voluntária2. No •
entanto, a arbitragem necessária ocupa hoje um espaço considerável, afirmando-se em
Que o tipo de crime em causa preveja pena de prisão até 5 anos ou pena de multa.
carácter laboral, desportivo (veja-se o Artigo 4º e 5º, ambos da Lei nº 74/2013, de 6 de setembro) e demais casos em que o legislador entende que, por um motivo ou outro,
Assim sendo, entre os crimes suscetíveis de mediação penal conta-se a ofensa à
deveriam ser submetidos a um regime de arbitragem necessária. Poderá equacionar-se
integridade física simples ou por negligência, duas hipóteses aqui abordadas. De notar
esta necessidade devido à urgência que se encontra em solucionar algum destes litígios.
ainda que durante a fase de inquérito3, o arguido e o ofendido podem, voluntariamente e
O primeiro impulso para a arbitragem é dado pelas partes e não pela lei. As partes
através de decisão conjunta, requerer ao Ministério Público a remessa do processo para
manifestam contratualmente a sua vontade, sendo que esta corresponde ao desejo de
mediação. Ora esta hipótese estaria salvaguardada se no contrato de trabalho existisse
submeter os seus litígios a este meio de resolução. Trata-se, então, de dizer que a natureza
uma cláusula em que os atletas aceitavam que, sempre que se verificasse uma situação de
jurídica da arbitragem assenta em dois pressupostos: corresponde a um instituto
ofensa à integridade física simples ou por negligência, o litígio seria remetido para
jurisdicional de resolução de litígios, submetido a um órgão privado escolhido pelas
mediação Penal, embora sem nunca impossibilitar a opção de prosseguir com o processo
partes. Não obstante, as partes podem estipular que o recurso destas decisões cabe sempre
pela via judicial dita comum. A necessidade de existir uma convenção prévia de arbitragem não retira a atualidade
aos tribunais estatais – basta observar o princípio da liberdade das partes e o Artigo 3º, nº
da vontade das partes porque não se deve olvidar que é a vontade das partes que comanda
7 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro). Tendo em conta a Lei da Arbitragem Voluntária parece ser de afirmar que a
todo o procedimento – é a parte que decide se quer dar início a este processo – bem como
arbitragem necessária é um regime arbitral sem convenção instituidora. No entanto, isso
a possibilidade que existe de recorrer para a justiça estadual, como anteriormente se
não significa que as questões de natureza processual não devam ser solucionadas à luz do
analisou. Para além disto, ao optar por esta via, as garantias processuais continuam a estar
conteúdo do ato que as origina.
garantidas, muito porque o demandado continua a ter direito ao contraditório. O Sistema de Mediação Penal deve ficar concluído no prazo máximo de 3 meses, pois, caso contrário, o processo prossegue pela via judicial. Isto garante celeridade processual, mas também que, em caso de especial complexidade da causa, o processo siga
2
Forma de resolução alternativa de litígios em que as partes, mediante convenção de arbitragem, submetem a decisão a Juízes Árbitros por elas escolhidos, que julgam a causa nos termos da lei ou por equidade, mediante autorização das partes e desde que o litígio não esteja exclusivamente atribuído a tribunal judicial ou a arbitragem necessária e não respeite direitos indisponíveis.
o caminho que melhor protege os direitos das partes. Para além disto, visto não ser a integridade física um direito indisponível (como
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veremos de seguida é um direito disponível, mas não é violável) e não se encontra este tema submetido exclusivamente a tribunal judicial, poderia seguir sempre o caminho da 3
Fase do processo em que se investiga a prática de um crime.
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5. A integridade física
arbitragem. Mas a própria lei já anteviu esta hipótese e estipulou que os litígios de carácter desportivo são exclusivamente submetidos à arbitragem necessária. Assim, se entendermos que as ofensas à integridade física devem merecer atenção e serem punidas,
a. O crime de ofensa à integridade física
o tribunal arbitral tem competência para as conhecer e solucionar, desde logo porque são submetidas à arbitragem necessária.
A integridade física vem prevista no Artigo 25º da C.R.P., disposição que declara
No que refere a matéria desportiva, existe o Tribunal Arbitral do Desporto
que a integridade, seja física ou moral, é inviolável. Não obstante, o Artigo 149º do
(doravante referido como TAD), criado pela Lei nº 74/2013, de 6 de setembro, e que
C.Penal afirma que a integridade física se considera livremente disponível, desde que haja
iniciou a sua atividade a 01 de outubro de 2015. A sua competência estende-se a todo o
consentimento por parte do titular do direito. De acordo com o Artigo 340º do C.Civil, o
território nacional e a sua sede localiza-se no Comité Olímpico de Portugal.
consentimento transforma um ato lesivo dos direitos de outrem em um evento lícito. Não
É tido como uma entidade jurisdicional independente, com competência específica
obstante, o nº2 da mesma disposição reitera que, independentemente desse
de administrar a justiça no que se refere a litígios no âmbito do ordenamento jurídico
consentimento, não se exclui a ilicitude do ato quando este for contrário a uma proibição
desportivo ou relacionados com a prática desportiva. É competente para, em sede de
legal ou aos bons costumes. Esta última parte vai ao encontro do que se renova no nº 2 da
4
arbitragem necessária , ter conhecimento dos litígios emergentes de atos ou de omissões
disposição da C.R.P. acima referida: por ser a integridade física um direito inviolável,
de toda e qualquer entidade desportiva, no âmbito do exercício dos poderes de
estão, portanto, proibidos todos os atos de tortura ou a aplicação de tratos ou penas que
regulamentação, organização, direção e disciplina. É, ainda, competente para conhecer
sejam desumanas, degradantes ou cruéis.
recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares ou pela Autoridade
O Artigo 149º do C.Penal vai mais longe e determina “para se decidir se a ofensa
Antidopagem de Portugal no que diz respeito à violação de normas de antidopagem (de
ao corpo ou à saúde contraria os bons costumes tomam-se em conta, nomeadamente, os
acordo com a Lei nº 38/2012, de 28 de agosto, que aprovou a Lei de Antidopagem no
motivos e os fins do agente ou do ofendido, bem como os meios empregados e a amplitude
Desporto). Porém, cabe ainda na sua competência, e podem ser submetidos à arbitragem,
previsível da ofensa”. Desta feita, apesar da liberdade de disposição do direito à
os litígios que se relacionem, quer direta, quer indiretamente, com a prática do desporto.
integridade física, encontramos aqui uma proteção e limitação dessa mesma
Nestes casos, há a necessidade de existir uma convenção de arbitragem ou uma cláusula
disponibilidade, que vai ao encontro do que se prevê na C.R.P., como visto no parágrafo
estatutária de uma federação ou de outro organismo desportivo, que, como se viu acima,
supra.
continua sem colocar em causa a atualidade da vontade das partes.
O C.Penal estabelece os vários tipos de ofensas que se podem verificar face à
Assim, existindo a possibilidade de Mediação Penal e um tribunal arbitral
integridade física. O Artigo 143º do C.Penal começa por descrever a ofensa à integridade
especialmente dedicado ao Desporto, está encontrada a fórmula necessária para que se
física simples que consiste na ofensa ao corpo ou à saúde de outra pessoa. Este crime
possa prosseguir com a sinalização de crimes de ofensa à integridade física.
depende de queixa por parte da pessoa com legitimidade (ofendido, representante legal ou sucessores), o que significa que se trata de um crime semipúblico. Neste tipo de crimes, as entidades policiais e os funcionários públicos são obrigados a denunciar este tipo de crime, sem embargo de se tornar necessário que o titular do direito de queixa exerça tempestivamente esse seu respetivo direito. Sem o seu exercício não há a possibilidade
4
Este conceito, de acordo com Duarte Nogueira, sofreu uma evolução histórica dividida em três fases. Numa primeira, que se inicia no século XIII era vista como uma subtração da competência do poder estatal para conhecimento das chamadas “bagatelas litigiosas”. Já num segundo momento, e de acordo com o Livro das Leis e Posturas, que se encontrava na Torre do Tombo, entre 1249 e 1393, a arbitragem necessária estava reservada apenas para os litígios entre os homens do mar. Finalmente, e também de acordo com Rui e Martim Albuquerque, opta-se por um caminho para a estipulação de um monopólio estatal da punição, deixando a arbitragem de ter carácter facultativo e passando a ser obrigatória.
de ser aberto inquérito. Assim sendo, se um crime de ofensa à integridade física fosse assinalado, o lesado manteria sempre a sua vontade de exercer ou não o direito que lhe 17 18
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corresponde. Haveria, no entanto, um agente responsável por assinalar essa mesma
futebol, importa a alínea b) do número 2, que refere que será punido o agente que ofender
violação do direito.
outro e daí resultar doença ou incapacidade para o trabalho por mais de 3 dias. Como será
Caso diferente seria nos casos dos artigos 144º a 146º do C.Penal, que são públicos5.
de fácil compreensão, aplica-se neste caso o esclarecimento que foi feito sobre o crime
A primeira disposição refere-se à ofensa à integridade física grave que se verifica quando:
semipúblico enquanto crime de ofensa à integridade física simples
•
Se priva o ofendido de importante órgão ou membro;
•
Se desfigura o ofendido de forma grave e permanente;
•
Se retira ou afeta a capacidade de trabalho, de intelecto, de procriação ou de
Lei nº 13/2017, de 02 de maio, estabelece-se o regime de responsabilidade penal por
fruição sexual do ofendido, de forma grave, ou se afeta a possibilidade de
comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e
utilizar o corpo, sentidos ou linguagem;
do seu resultado na atividade desportiva. O Artigo 6º deste diploma vem equiparar os
Se provoca ao ofendido um perigo para a vida.
titulares dos órgãos e os funcionários das pessoas coletivas desportivas aos funcionários
•
Considerando a Lei nº 50/2007, de 31 de agosto, na redação atual introduzida pela
públicos e às entidades policiais, na medida em que também estas têm a obrigação de Já o Artigo 145º do diploma refere-se à ofensa à integridade física qualificada, isto
transmitir ao Ministério Público notícia dos crimes previstos naquela lei de que tenham
é, quando se revele especial censurabilidade ou perversidade do agente. Remete, assim,
conhecimento no exercício das suas funções ou por causa deles. É certo que nesse
para a norma que explicita esta expressão, o Artigo 132º do C.Penal, sendo que no caso
catálogo de crimes não consta a ofensa à integridade física, independentemente da sua
do desporto, em particular o futebol, revelariam as alíneas f) e l), respetivamente:
modalidade, mas deveria estar presente na medida em que, de acordo com o elemento
•
A ofensa ser motivada por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor,
literal da norma, também a ofensa à integridade física pode “afetar a verdade, a lealdade
origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela
e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva”.
identidade de género da vítima; •
b. A disponibilidade do direito à integridade física
A ofensa ser praticada contra árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas.
O Artigo 149º CP afirma, claramente, que a integridade física se considera um Por sua vez, o Artigo 146º C.Penal determina as situações em que se trata de ofensa
direito livremente disponível. Porém, será apenas livremente disponível caso haja
à integridade física privilegiada, caso que se verifica quando o crime é praticado nas
consentimento. Para além disto, pode-se considerar que a integridade física está limitada
circunstâncias de homicídio privilegiado , previsto e punido no Artigo 133º da mesma
quando o atleta assina, porque concorda, o seu contrato de trabalho desportivo, dando aí
compilação.
o seu consentimento7.
Já em oposição a estes três últimos tipos de crime, mas em consonância com o
Não obstante, o Professor Germano Marques da Silva defende que a integridade
primeiro por voltar a ser um crime semipúblico, o Artigo 148º do C.Penal refere o crime
física, no mesmo plano da vida, honra e liberdade, é um valor constitucionalmente
de ofensa à integridade física por negligência6. No caso do desporto, em particular do
consagrado, logo inviolável. E se não chegava a disposição no nº2 do Artigo 340º do C.Civil, os Artigos 24 e 25º da C.R.P. apontam nesse mesmo sentido. Se assim é, então
A natureza de crime público determina que para o seu procedimento apenas basta a notícia do crime pelas autoridades judiciárias ou policiais, bem como a denúncia facultativa de qualquer pessoa. O processo corre mesmo contra a vontade do titular dos interesses ofendidos. 6 Segundo o Artigo 15º do C.Penal há negligência quando o autor não procede com o cuidado a que estava obrigado e é capaz de representar como possível aquele resultado que preenche um tipo de crime, mas atua sem se conformar com esse realização ou quando não chega sequer a representar a possibilidade de realização daquele facto. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.09.2014, classifica o primeiro caso como negligência consciente e o segundo como negligência inconsciente.
quando estes direitos são violados devem levantar sanções penais.
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Consentimento esse que é atual e formado de forma clara, livre e esclarecida, não padecendo, desta feita, de nenhum vício na sua formação. 7
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No que toca à integridade física, o atleta, considerado nesta explanação, dispõe do
previsões da C.R.P, nem as sanções previstas no C.P. Assim, porque as ofensas são
seu direito à integridade física apenas e só na medida em que as leis da modalidade que
previstas e punidas, o direito à integridade física não é livremente disponível, havendo a
pratica o estabelecem. Imagine-se que os jogadores profissionais não podem, no período
esfera mínima do direito que tem de ser respeitada. Se a há, então essa mesma esfera tem
das suas férias, praticar desportos radicais porque existe a probabilidade de se lesionarem
de ser protegida também no exercício da profissão. Ora, se no campo de jogo o jogador
e, desta forma, afetarem a sua performance na época que se avizinha. Esta limitação é
corre riscos de ver a sua integridade física violada, para além dos limites que aceitou no
possível e, eventualmente, justa, desde logo porque o atleta concordou com ela, assim que
seu contrato de trabalho, é necessário que haja uma forma de assegurar que, havendo essa
assinou o contrato, mas também porque há uma ideia de segurança que se lhe prende.
violação, o jogador tenha sempre direito de se defender. Como vimos anteriormente, são
Aqui o consentimento foi dado no momento da assinatura do contrato para um evento
vários os lances em que as lesões surgem, não da disputa de bola “pura e dura”, mas
futuro e provável; mas não deixa de ser um consentimento válido do ponto de vista que o
porque existiu um elemento volitivo que levou a que, por exemplo, um pé ficasse para
atleta compreendeu a limitação que lhe estava a ser exposta e será esta uma limitação que
trás para causar a queda e eventual lesão do companheiro de profissão que naquele
não cabe na esfera mínima do direito à integridade física. Desde logo, podemos afirmar
momento ocupa a posição de adversário. Se se permitem essas situações de eventuais
que esta limitação até protege a sua integridade física, na medida em que previne a prática
lesões a título do bom espetáculo, teremos um óbvio retrocesso à época romana onde se
de um desporto radical, cujas probabilidades de lesão podem ser altas. A questão coloca-
permitiam as ofensas corporais (máxime, a morte) para mero entretenimento dos
se quando ultrapassamos esta leve linha que separa o que é uma violação do direito do
espectadores.
que não é uma violação. Todo o desporto tem regras e enquanto estas são cumpridas estamos a praticar uma atividade legalmente permitida. O problema é quando se violam estas regras. Para isso, há as sanções disciplinares que visam apenas o bom funcionamento daquela atividade desportiva, e, para os valores fundamentais previstos pela constituição que são violados, há as sanções penais. A teoria que afasta esta responsabilidade penal é a do consentimento. Mas o jogador pode consentir umas “malandrices” – isso não significa que permita lesões que o deixem incapacitado. Hoje considera-se que um determinado ato pode ter dupla punição: tem sempre sanção disciplinar e, em caso disso, pode ainda ter sanção penal. Por isso, é certo que há sempre uma esfera mínima que tem, obrigatoriamente, de ser respeitada. Caso contrário, o jogador profissional não passa de um presidiário8 ou de um escravo9. Assim, parece ser de concluir que essa esfera mínima não pode, em caso algum, ser violada, muito porque violaria, máxime, o próprio direito à vida, esse verdadeiramente indisponível. Em conclusão poder-se-á dizer que o direito à integridade física é disponível, mas não na sua totalidade. Se fosse disponível no seu todo, então não faria sentido nem as A limitação da liberdade está apenas prevista em casos de pena de prisão. Se o atleta pode dispor da sua integridade física de forma livre e total, poderemos cair numa situação de tortura, expressamente proibida na C.R.P. 8 9
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Conclusão
correção da competição e o seu resultado. Desta feita, o Artigo 6º do diploma faria com que os titulares dos órgãos e os funcionários das pessoas coletivas desportivas (que são
As expetativas do projeto que é o vídeo-árbitro eram e continuam a ser muito altas,
equiparados aos funcionários públicos) também tivessem a obrigação de transmitir ao
motivo pelo qual as discussões e os problemas em torno do futebol continuarão a existir.
Ministério Público a notícia deste crime, tal como o devem fazer em relação aos demais
As polémicas, mais ou menos aguçadas, em torno das decisões, não vão desaparecer; pelo
ali previstos.
contrário, apenas irão aumentar porque agora não se contesta apenas a decisão do árbitro,
Atendendo a esses argumentos, o Vídeo-arbitro deve deixar de ser apenas um
mas, também, as intervenções (ou a falta delas) do VAR. Porém, por muito “pano para
auxiliar do árbitro e passar a designar-se por videojogo, como forma de integrar todos os
mangas” que continue a ser, o vídeo-árbitro é um projeto que deve continuar porque a sua
participantes dentro das quatro linhas. Só nesta opção é que se encontra a vantagem de
dissolução causaria mais malefícios do que benefícios. A ser considerado um mal (ora
abarcar este crime de situação que afeta o jogador e depende deste. É uma opção que se
porque retira tempo útil de jogo, ora porque retira entusiasmo ao futebol, porque os golos
deve seriamente ter em conta para que se possa criar, então, um mecanismo capaz de
têm de ser validados pelo sistema), terá de se considerar que é um mal necessário.
sanar as vicissitudes apresentadas, de modo a que se possa assegurar que, quer os direitos constitucionalmente consagrados, quer a verdade desportiva são protegidos, nem que seja
Como se viu, há ainda uma longa caminhada pela frente, desde logo porque a
numa esfera mínima que deve sempre ser reservada e preservada.
própria lei tem lacunas como a que identificamos aqui – a integridade física está desprotegida, visto não ser sancionada penalmente. A lesão causada pela simples vontade
Para além disto, e se formos ligeiramente mais longe, preveniria, ainda, as situações
de lesionar e de ferir a integridade física do outro, coloca sérias dúvidas no que respeita
dos hooligans ou da presença nos recintos desportivos de todos aqueles agentes que ali
a esta falta de punição. Somos obrigados a concluir que, olhando para o C.P., a decisão
não deveriam estar, por exemplo, por estarem a cumprir medida de segurança. Veja-se o
de punir um determinado jogador que impossibilitou o seu colega de participar nas
caso da Alemanha e da Itália que já implementaram este regime. Trata-se, não só, de uma
competições por mais de 3 dias com apenas o máximo de 4 jogos é estranha e reduzida
maior proteção dos espectadores, como, também, do próprio espetáculo em si mesmo
quando essa mesma ação configura um crime de ofensa à integridade física por
considerado.
negligência. Imagine-se, inclusive, que aquele jogador que sai lesionado, e assim se
Em suma, deveria ser adotado um sistema que permitisse abarcar todas as situações
mantém por várias partidas, poderia ter sido determinante para os resultados finais das
elencadas ao longo do presente ensaio, bem como permitir a punição, mesmo que seja a
partidas. É um juízo de prognose, é certo, mas que é necessário fazer caso seja ainda
título mínimo de ofensa à integridade física por negligência sempre que se provasse que
importante perceber a gravidade deste vazio jurídico. É uma clara violação ao princípio
a lesão resulta de uma ação do lesante que agiu por falta de cuidado e sempre que se
da verdade desportiva que tão prontamente é defendido. A punição do jogador x não
verificasse que o colega cuja integridade física foi afetada ficasse impossibilitado de
dissolve nem compensa a ofensa à integridade física do jogador y10, mas coloca as equipas
exercer a sua profissão por mais de 3 dias. Isto, obviamente, não exclui a possibilidade
em “pé de igualdade”, uma vez que permite que ambas tenham as mesmas oportunidades
de caminhar ao longo do crime de ofensa à integridade física e decidir que esta não foi
e condições para disputar as partidas que se seguem.
negligente – basta provar que o atleta lesante teve a intenção de produzir aquele resultado.
A instituir a ofensa à integridade física como crime que deve ser punido, a Lei
Os casos previstos nos Artigos 144º e 146º do C.Penal (ofensa à integridade física grave
50/2007, de 02 de Maio, deve ser alterada de forma a que essa necessidade esteja prevista
e privilegiada, respetivamente) não se verificariam na medida em que se reportam a
no elenco de crimes que a lei se reporta. É que, se estendermos ao elemento literal da
situações de tal forma gravosas que, principalmente no último caso, são equiparadas a
norma, também a ofensa da integridade física pode afetar a verdade, a lealdade e a
uma situação em que se verificam as circunstâncias de um crime de homicídio qualificado. Já a ofensa à integridade física qualificada (prevista no Artigo 148º do C.Penal) deveria ser a modalidade alternativa à ofensa à integridade física por
Caso contrário, seria defender uma ideia redistributiva plasmada no adagio “Olho por olho, dente por dente” que não é de todo a ideia defendida no sistema penal adotado no nosso ordenamento jurídico.
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negligência, apenas e só na medida em que for revelada especial censurabilidade ou 23 24
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perversidade do agente. Neste caso, o processo seguiria independentemente da vontade do lesado e pela via judicial, uma vez que o Sistema de Mediação Penal exclui da sua competência este crime.
Anexos Anexo 1 - Artigos 143º a 146º do Código Penal
A castigar o autor da ofensa (que, como dito supra, seria maioritariamente por ofensa à integridade física por negligência, na medida em que previu aquele resultado, mas acreditou que não se concretizaria – negligência consciente – ou porque, de todo, não previu o resultado que causou – negligência inconsciênte) deveria ter-se em atenção o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes (adequação, proporcionalidade em sentido estrito e necessidade). Desta feita, sempre que o lesado ficasse impossibilitado de disputar partidas por mais do que 4 jogos ou 1 mês (o limite máximo de punição), o lesante deveria ser sancionado nessa mesma medida. Caso o tempo de duração da lesão fosse meramente indicativo e não concreto, deveria ser feito um juízo na medida do princípio da proporcionalidade, enquanto tentativa de corrigir a verdade desportiva. Em suma, a previsão deste tipo de situação evitaria não só os vazios jurídicos que se verificam, mas, também, as suspeitas por parte dos demais participantes nas competições. Para além disto, é importante afirmar que a sinalização destas situações não retiraria tempo útil de jogo, uma vez que a gravidade da lesão já implica uma paragem no jogo. Todos os dias se leem informações que, independentemente da sua veracidade ou da falta dela, incendeiam as opiniões daqueles que seguem o fenómeno futebolístico e, principalmente, daqueles que desconfiam do sistema. Se um clube levanta a suspeita de que um segundo cometeu um crime ao pagar a um terceiro para que este lesione os jogadores do segundo, levantam-se, ao seu lado, queixas por calúnia e difamação. Ora, nada disto se verificaria, e os ânimos de todos ficaram mais calmos, se o videojogo fosse uma realidade, na medida em que abarcaria as situações que dão aso a estas polémicas tão devastadoras. Terminar-se-ia com as suspeitas, com as possibilidades e com as situações reais de ofensa à integridade física, desde logo porque todos saberiam o verdadeiro significado do adágio “a minha liberdade termina onde começa a do outro”.
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Anexo 2 - Artigos 147º a 148º do Código Penal
Anexo 3 – Artigos 24º e 25º da Constituição da República Portuguesa
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade Futebol 3. A no PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
“A profissionalização da arbitragem não pode ser considerada como
“Se a carta olímpica preconiza uma arbitragem de tipo amador, as
um fim em si mesmo, mas sim como um meio essencial e
federações não hesitarão, por necessidade, a “profissionalizar” as
indispensável para tornar a competição desportiva mais credível,
suas tropas.”
mais atrativa e de melhor qualidade.” Christian Blareau Relatório do Grupo de Trabalho
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
Dedicatória
Resumo No âmbito do fenómeno crescente e imprescindível de profissionalização e transparência do futebol português, o presente trabalho pretende percorrer a atualidade da situação laboral do árbitro de futebol a nível nacional, e debruçarse sobre as especificidades da sua função. Numa primeira parte iremos analisar o enquadramento geral da atividade do árbitro, assim como as suas atuais etapas de progressão na carreira, focando-nos nas suas características intrínsecas que, por consequência, fazem dele um agente desportivo peculiar que contrasta com os demais participantes do espetáculo de forma nítida. Para a minha equipa de arbitragem 2018/2019
A segunda parte será dedicada exclusivamente à qualificação jurídica da
Por cada jogo e cada aprendizagem
relação laboral existente na arbitragem, para se poder deduzir se o árbitro é ou
Ao sol ou à chuva
não um comum praticante desportivo. Para tal, recorrer-se-á brevemente às figuras de jogador e de treinador, o que nos ajudará juridicamente a posicionar o trabalho do árbitro da forma mais correta, atendendo à sua dupla dimensão de desportista e trabalhador, e ao vínculo específico que o une às entidades às quais presta o seu “serviço”. Para alargar horizontes e simultaneamente descobrir os desafios de outras realidades jurídicas do mesmo setor, serão igualmente referenciados dois modelos europeus pertinentes, que poderão, num futuro próximo, contribuir para o enriquecimento legislativo das ideias e das medidas que mais se adequam à atividade. Num terceiro ponto, abordaremos a temática da integridade e da sua estreita ligação com o árbitro, na sua vida pessoal e social, demonstrando-se que o árbitro pode contribuir (e muito) à defesa da integridade no futebol, através de mecanismos próprios que poderá desenvolver em paralelo à sua atividade primária de ajuizador de jogo. Por fim, terminaremos a exposição com as vantagens do fenómeno de profissionalização na arbitragem nacional, concluindo que esta se revela necessária para o bem e a integridade do futebol português. PALAVRAS-CHAVE: DESPORTIVO;
ÁRBITRO;
FUTEBOL;
PROFISSIONALIZAÇÃO;
FORMAÇÃO;
CONTRATO
DE
DIREITO
TRABALHO;
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS; INTEGRIDADE; FAIRPLAY. 5
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
Índice
74 4. O regime jurídico profissional………………………………………p.41
42 Glossário de siglas………………………………………………………………..p.9
78 5. As vantagens da profissionalização……………………………….p.45
43 Introdução…………………………………………………………………………p.10
79 III. Contributo social e ético do árbitro……………………………………….p.46
44 Enquadramento geral……………………………………………………p.11
79 1. A estreita relação com a Integridade………………………………p.46
45 1. O percurso atual da atividade……………………………………….p.12
79 1.1. Código de conduta FPF…………………………………….p.46
45 1.1. A estrutura organizacional de base……………………...p.12
81 2. Mecanismos dinâmicos de Integridade …………………………..p.48
47 1.2. As condições de admissão e incompatibilidades……..p.14
81 2.1. O Cartão Azul………………………………………………...p.48
50 1.3. De árbitro distrital a árbitro nacional…………………….p.17
82 2.2. O Cartão Branco Fairplay………………………………….p.49
51 2. Uma função específica……………………………………………….p.18
85 2.3. O Campeonato Foot Citoyen………………………………p.52
52 2.1. A componente física………………………………………..p.19
86 IV. Conclusão……………………………………………………………………..p.53
53 2.2. A componente técnica……………………………………...p.20
88 V. Bibliografia……………………………………………………………………..p.55
54 2.3. A componente psicológica………………………………...p.21
88 Livros e Artigos…………………………………………………………………..p.55
55 2.4. O limite de idade……………………………………………..p.22
89 Legislação…………………………………………………………………………p.56
55 2.5. A constituição das equipas de arbitragem……………..p.22
90 Regulamentos…………………………………………………………………….p.57
56 2.6. O sistema de nomeações…………………………………..p.23
91 Jurisprudência……………………………………………………………………p.58
57 2.7. As observações……………………………………………...p.24
91 Notícias…………………………………………………………………………….p.58
57 Enquadramento legal……………………………………………………p.24
92 Sites…………………………………………………………………………………p.59
I.
II.
57 1. A definição jurídica do árbitro………………………………………p.24 60 2. A relação laboral do árbitro em Portugal…………………………p.27 61 2.1. Os direitos e os deveres do árbitro………………………p.28 70 2.2. A relação contratual do jogador e do treinador………..p.37 71 3. A realidade jurídica dos árbitros noutros países………………..p.38 71 3.1. Espanha……………………………………………………….p.38 72 3.2. Holanda………………………………………………………..p.39 7
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
Glossário de siglas
Introdução Para Christian Blareau, professor do Instituto Nacional do Desporto e
AA – Árbitro Assistente
Educação de França (INSEP), “os bons árbitros são os que conjugam o espírito
AAA – Árbitro Assistente Adicional
do jogo com a regra e que desaparecem perante a qualidade do espetáculo,
AFP – Associação de Futebol do Porto
sempre vigiando pelo respeito do espírito desportivo”1. Efetivamente, a cada jogo
AFSVFP – Associação Francesa para um Desporto sem Violência e para o
de futebol, a partida começa com três equipas em campo, uma delas reduzida a
Fairplay
pelo menos três elementos, e parece indiscutível que sem árbitro não há jogo credível possível. Aliás, um jogo sem árbitro seria um jogo esvaziado de
CA – Conselho de Arbitragem
orientação e de sentido, já que ambas as equipas atuariam em campo de forma
CAJAP – Confederação das Associações de Juízes e Árbitros de Portugal
subjetiva, fazendo prevalecer a ânsia de vitória individual a qualquer custo, sem a mínima preocupação da aplicação das Leis do Jogo, um critério objetivo. A
CRP – Constituição da República Portuguesa
figura do árbitro nasce, pois, precisamente da necessidade de neutralidade e
FFF – Fédération Française de Football
imparcialidade do encontro desportivo coletivo, marcado pela conflitualidade derivada à ambição e à vontade de vencer, não só por parte dos jogadores, mas
FPF – Federação Portuguesa de Futebol
também dos seus treinadores e das restantes equipas técnicas em campo. No
INSEP – Instituto Nacional do Desporto e Educação de França
caso concreto do futebol, o jogo é caracterizado por um confronto físico de
IPDJ – Instituto Português do Desporto e Juventude
noventa minutos, sendo que historicamente a auto-arbitragem dos capitães de equipa ou a imparcialidade dos delegados nunca se revelaram eficientes para
LBAFD – Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto
haver lugar a um jogo justo, correto e jogável à luz das Leis do Jogo. O árbitro
LPFP – Liga Portuguesa de Futebol Profissional
faz, portanto, verdadeiramente parte do jogo como qualquer outro participante e exerce uma função própria de validação do resultado desportivo, o que possibilita
PNED – Plano Nacional de Ética no Desporto
o espetáculo per se, assim como o bom desenrolar da partida, minimizando os
RAAFP – Regulamento de Arbitragem da AFP
inevitáveis riscos de anarquia e de violência, associados à prática de futebol por
RAFPF – Regulamento de Arbitragem da FPF
vinte e dois indivíduos em disputa, confinados a jogar num retângulo competitivo
RALPFP – Regulamento de Arbitragem da LPFP
demarcado. Apesar da realidade desportiva e mediática muitas vezes teimar em nos
RDLPFP – Regulamento Disciplinar da LPFP
apresentar a figura do árbitro como sinónimo de “bode expiatório” 2, ou de “mal-
RJFD – Regime Jurídico das Federações Desportivas
amado do sistema”, convém notar que sem ele, ao invés de um jogo pacífico, sem incidentes, o efeito prático seria exatamente o contrário, multiplicando-se os fatores geradores de violência (verbal e física) e tudo o que não se quer num espetáculo social de prestígio, ao qual geralmente se está disposto a pagar pela 1 2
A Educação pelo Desporto – Perspectivas Europeias (2005), p. 61 a 74. Christian Blareau fala em “bode expiatório de eleição”.
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol entrada,
implicando
um
sacrifício
pecuniário
pessoal
por
parte
1. O percurso atual da atividade
do
adepto/espectador que merece o retorno satisfatório correspondente. Os
1.1. A estrutura organizacional de base
árbitros, enquanto condutores do jogo, desempenham um papel executivo, através de um processo jurisdicional instantâneo de regulação de litígio, com base nas Leis do Jogo, à qual as equipas aderem voluntariamente por convenção. Pois, se assim não fosse, as três equipas não entrariam em campo juntas. Ao entrar em campo, as equipas (e através delas indiretamente os respetivos clubes) aceitam tacitamente o regulamento de jogo em vigor e o poder disciplinar concedido aos elementos de arbitragem através de federações dotadas do estatuto de utilidade pública, porque tal se verifica como indispensável e a melhor solução encontrada, até aos dias de hoje, para haver um jogo decente e digno de espetáculo. Após esta breve reflexão abstrata sobre a importância do papel do árbitro e da sua função geral no jogo, analisemos agora concretamente as etapas do seu percurso em Portugal, e como se estrutura, à hora atual, a organização institucional envolvente da atividade. Deste modo, compreenderemos melhor a posição e o estatuto que o árbitro ocupa presentemente no futebol nacional.
É no âmbito da competência política e legislativa da Assembleia da República, nos termos do artigo 161º c) da CRP, que surge a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, a Lei nº 5/2007, de ora em diante mencionada por LBAFD. Pautada pelos princípios da universalidade e da igualdade (2º), da ética desportiva (3º), da coesão e da continuidade territorial (4º), da coordenação e da colaboração (5º), a LBAFD assenta num modelo de intervenção descentralizada no que diz respeito às atribuições e competências da matéria relativa à atividade física e ao desporto. Assim, verifica-se a promoção do seu desenvolvimento não só pelo Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, mas também pelas instituições de ensino e as associações desportivas, entre outras entidades desportivas. Estas últimas que podem ser públicas ou privadas (5º). No que toca à estrutura organizacional, o legislador opta pelo modelo associativo, dedicando-lhe um capítulo próprio (Capítulo III – Associativismo Desportivo), dos artigos 12º a 27º da LBAFD. Os tipos de associações possíveis encontram-se previstos noutra legislação avulsa relevante, ao abrigo do Regime
I.
Jurídico das Federações Desportivas e as Condições da Atribuição do Estatuto
Enquadramento geral Neste sentido, convém antes de mais relembrar que o artigo 79º da
Constituição da República Portuguesa de 1976, consagra e eleva o desporto à categoria de direito fundamental: “Todos têm direito à cultura física e ao desporto” (CRP, 79º nº1). O Estado Português reconhece igualmente certos benefícios relacionados com a prática desportiva por parte dos seus cidadãos, nomeadamente a nível da saúde (CRP, 64º nº2 b) in fine) e do desenvolvimento exponencial da qualidade de vida. A atividade física adquire, por isso, um valor jurídico reforçado e é constitucionalmente protegida, já que é missão e dever do Estado colaborar “com as escolas e as associações e coletividade desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do
de Utilidade Pública Desportiva (RJFD), o Decreto-Lei nº 248-B, publicado no final do ano de 2008. Nos termos deste diploma, as federações desportivas das modalidades coletivas, como é o caso do futebol, podem agrupar-se em dois tipos de associações: em associações de clubes e sociedades desportivas participantes nos quadros competitivos nacionais ou em associações de clubes participantes em quadros competitivos regionais ou distritais, definidos em função de determinada área geográfica (26º nº1), ou seja, existem dois planos distintos e autónomos que atuam em simultâneo: o nível nacional, que abrange todo o país e as Regiões Autónomas, e o nível regional ou distrital, que se concentra em determinadas zonas do território nacional.
desporto, bem como prevenir a violência do desporto” (CRP, 79º nº2). Ora
Para cada modalidade desportiva é constituída a sua respetiva federação
vejamos de que modo este preceito constitucional se tem aplicado ao ramo
(2º RJFD), definida como sendo “a pessoa coletiva sob forma de associação sem
específico da arbitragem de futebol de 11.
fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações 12
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos,
De notar que é neste contexto e de acordo com a estrutura orgânica
juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam
definida no RJFD (32º a 47º) que se enquadra o Conselho de Arbitragem (CA)
para o desenvolvimento da respetiva modalidade”, desde que exerçam poderes
da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Aí se estipula que este órgão
de promoção, regulamentação e direção da prática da modalidade a nível
colegial seja dividido por secções especializadas consoante a natureza
nacional e que obtenham o estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública,
profissional ou não profissional da competição (45º RJFD), o que vai ao encontro
conforme o disposto nos artigos 10º a 25º do Capítulo II do RJFD. O DL nº 248-
do disposto no artigo 25º da LBAFD. Assim, o CA da FPF divide-se atualmente
B/2008 exige igualmente uma distinção estrutural entre as competições
em três secções: a secção profissional, a secção não profissional e a secção de
profissionais e não profissionais de uma modalidade, ponto crucial para se
classificações. Cada uma destas secções é composta por um Presidente, um
perceber de que modo se repartem os árbitros no nosso país. Através de
Vice-Presidente e três vogais, tendo cada uma, individualmente, o seu próprio
poderes de delegação, a federação delega as primeiras a uma liga profissional
regulamento. Para a secção profissional, o Regulamento de Arbitragem é
(27º nº1 e 29º RJFD), enquanto as segundas são da competência exclusiva das
aprovado na Assembleia Geral da LPFP, devendo este ser ratificado pela
associações, organizadas de acordo com a área geográfica em que decorram
Assembleia Geral da FPF3. Para a secção não profissional e de classificações
as respetivas competições não profissionais (30º, 31º RJFD).
contempla-se que os regulamentos sejam ambos exclusivamente aprovados
Podemos desde já constatar a existência de uma tripla estrutura no
pela Direção da FPF45.
futebol, a única modalidade nacional provida com liga profissional, e delinear de forma sucinta o seguinte esquema organizatório:
1.2. As condições de admissão e incompatibilidades
Liga profissional Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP)
Associações A.F. Angra Heroísmo
Federação Federação Portuguesa de Futebol (FPF)
A.F. Aveiro A.F. Beja A.F. Braga A.F. Bragança A.F. Castelo Branco A.F. Coimbra A.F. Évora A.F. Algarve A.F. Madeira A.F. Guarda A.F. Horta A.F. Leiria A.F. Lisboa A.F. Ponta Delgada A.F. Portalegre A.F. Porto A.F. Santarém A.F. Setúbal A.F. Viana do Castelo A.F. Vila Real A.F. Viseu
Para poder exercer a função de árbitro, árbitro assistente ou quarto árbitro
Campeonatos profissionais
é necessário, antes de mais, reunir as condições exigidas no Regulamento de
Liga NOS
Arbitragem da FPF (RAFPF) e ter a devida formação. Os dez requisitos gerais
LEDMAN LigaPro
para um candidato (masculino ou feminino) ser admitido ao curso de formação
Allianz CUP
inicial de arbitragem, denominado Formação Inicial Nível 1, estão elencados no artigo 33º do RAFPF. O candidato que deseja formar-se nesta área deverá ser nacional de um país comunitário ou beneficiar do estatuto de dupla nacionalidade (33º nº1 a)); ter entre 14 e 18 anos para integrar a categoria jovem, CJ, (33º nº1
Campeonatos não profissionais
b) e 47º nº1 e nº2), ser menor emancipado ou maior até à idade máxima de 32 anos (33º nº1 b)); residir, estudar ou ter uma atividade profissional na área do
Campeonato de Portugal
distrito do Conselho de Arbitragem da Associação da candidatura (33º nº1 c));
Taça de Portugal Supertaça Campeonato de Juniores Distritais
O vigente Regulamento de Arbitragem das Competições Organizadas pela Liga Portugal foi aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 08 de junho de 2016, alterado na Assembleia Geral Extraordinária de 29 de maio de 2017, 13 de junho de 2018 e ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 30 de junho de 2018. 4 Regulamento de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, rectificado na reunião da direção da FPF a 23 julho de 2015, emitido em Comunicado Oficial a 28 de julho de 2015 e em vigor desde 1 de julho de 2015. 5 Regulamento de Classificações da Federação Portuguesa de Futebol. 3
Figura 1 A Estrutura Atual da Arbitragem
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
não sofrer de incapacidade civil (33º nº1 d)); não ter sido condenado a pena de
nem poderão intervir ou participar em qualquer fase ou tomada de decisão ou
prisão efetiva, por sentença com trânsito em julgado (33º nº1 e)); não ter sofrido
emissão de parecer em caso de conflito de interesses, devendo comunicar, por
sanção disciplinar, em qualquer modalidade desportiva, com pena igual ou
escrito, o seu impedimento ao Presidente do Conselho de Arbitragem, devendo
superior a noventa dias de suspensão (33º nº1 f)); não ser portador de doença
a declaração ser devidamente fundamentada no prazo de cinco dias (8º nº1 f),
ou defeito físico incompatível com a prática de arbitragem e, por isso mesmo, é
nº3 e nº4). Quanto aos árbitros profissionais dos quadros da Liga, estes estão
dever dos árbitros a realização de exames médicos anuais, após a conclusão da
vinculados a um regime especial de incompatibilidades, constantes no
formação inicial, para atestar com veracidade e de forma atualizada a aptidão
Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal
para a função (33º nº1 g) e 19º nº1 l)); ter uma altura mínima de 1,65 m,
(RDLPFP)7, vigorando uma presunção de conflito de interesses sempre que “os
ressalvando a categoria jovem (33º nº1 h)); ter o 12º ano de escolaridade ou
agentes da arbitragem estejam em condições de propor, discutir, deliberar,
equivalente, com exceção da categoria jovem para a qual exige a habilitação
informar, emitir juízos de valor ou ter acesso a informação privilegiada em que
mínima correspondente à idade do candidato (33º nº1 i)).
eles próprios possam ter interesse direto ou indireto, ou possa ter interesse
Deste artigo 33º se retira o facto de que a formação inicial dos árbitros, no
algum parente ou afim em linha direita ou até ao 3º grau da linha colateral”8.
nosso país, é ministrada no seio do Conselho de Arbitragem da respetiva
Uma vez que existe uma delegação de poderes do Conselho de
Associação distrital da candidatura, pelo que compete às vinte e duas
Arbitragem da FPF nos Conselhos de Arbitragem das Associações distritais,
Associações distritais cativar, atrair e formar de perto os seus potenciais filiados,
expressamente prevista no artigo 6º do RAFPF9, a gestão da arbitragem a nível
com os quais poderá vir a estabelecer uma relação direta e, em caso de
distrital caracteriza-se por uma certa autonomia e estatutos próprios. Por isso,
aproveitamento e vontade por parte do formando, uma relação prolongada no
podem existir certas diferenças regulamentares dependendo do distrito e da
tempo, época após época. Os árbitros de amanhã são os candidatos motivados
zona geográfica. Tomemos o exemplo da Associação de Futebol do Porto (AFP),
de hoje, pelo que a fase de recrutamento e de formação devem ser
que integra aproximadamente 750 árbitros10 e que é a maior associação distrital
administrados de forma zelosa e com todo o cuidado para manter uma afinidade
de Futebol do país. Nas suas condições de admissão ao curso de Formação
desportiva saudável que perdure6!
Inicial Nível 1, exige adicionalmente para as mulheres um mínimo de 1,55m de
Os candidatos a árbitros deverão igualmente certificar-se de que não reúnem qualquer incompatibilidade ou impedimento previstas no artigo 8º do RAFPF, por remissão da alínea j) do artigo 33º nº1, isto é, não poderão realizar negócios com a FPF, a LPFP, as Associações, os clubes ou com as outras pessoas coletivas naquelas filiadas (8º nº1 a)); não poderão ser gerentes ou administradores de empresas que realizem negócios com estas entidades ou que detenham nestas empresas uma participação social superior a 10% do capital (8º nº1 c)); não poderão ser jornalistas, colunistas ou comentadores no
altura, o que não acontece no RAFPF. Cada árbitro deve, pois, observar o regulamento específico que se aplica consoante a sua categoria e a natureza dos jogos que dirige. Exemplo disso é o uso obrigatório do emblema distrital no uniforme: se num jogo organizado pela AFP, um árbitro ou árbitro assistente usar o equipamento oficial de arbitragem da FPF, com o emblema da FPF (e não o emblema da AFP), este poderá vir a ser sancionado mesmo sendo habilitado a usar o emblema da FPF enquanto árbitro nacional11. O árbitro deve usar sempre
Já Aristóteles constatava que: “Somos aquilo que fazemos consistentemente. Assim, a excelência não é um ato, mas sim um hábito”. O futuro e a evolução do futebol implicam tomar medidas alinhadas hoje, investindo na formação de árbitros de excelência através da experiência a longo prazo, com base numa estrutura sólida de candidatos fixos e resilientes, evitando uma rotatividade desportiva fraca e sem rumo.
O Regulamento Disciplinar da Liga Portugal foi aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as últimas alterações de 29 de junho de 2018 e ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 30 de junho de 2018. 8 Artigo 5º nº 3 e 4 do RALPFP. 9 “O Conselho de Arbitragem delega nos Conselhos de Arbitragem das Associações os poderes necessários à gestão da arbitragem no âmbito das competições distritais” 6º nº2 RAFPF. 10 Fonte: http://www.afporto.pt/AFP/Sobre-a-Instituicao, consultada a 11-05-2019. 11 Corresponde a um dever específico do árbitro. Cf. art. 11º nº1 d) do RAAFP.
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ativo em órgão social, sobre matérias relacionadas com a arbitragem (8º nº1 e)); 6
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
o emblema da sua associação nos jogos distritais, assim como respeitar os
sexo, “obrigando-as” a não poder (se desejarem e forem técnica e fisicamente
regulamentos correspondentes às situações concretas do jogo12. Para tal, deve
capazes) se submeter às mesmas provas dos homens, onde os tempos são mais
manter-se sempre atualizado através dos comunicados oficiais, das circulares,
rigorosos e exigem uma corrida mais veloz. Quer isto dizer que a nível
e das eventuais rectificações regulamentares que são feitas ao longo da época,
regulamentar, neste momento em Portugal, não se permite uma ascensão
permitindo uma uniformização de critérios entre todos os agentes de arbitragem
profissional da mulher16, quer como árbitra principal, quer como assistente,
com vista a uma atuação homogénea em campo. De igual modo, nos jogos
contrariamente ao que sucede no sistema de arbitragem alemão17 ou francês18.
organizados pela Liga, é o emblema da Liga que deve ser usado por todos os membros da equipa, em detrimento do emblema da Federação.
2. Uma função específica19 Ser árbitro de futebol engloba um conjunto diversificado de capacidades
1.3. De árbitro distrital a árbitro nacional
que devem ser minuciosamente trabalhadas ao longo da época para garantir a
Presentemente, os árbitros agrupam-se num total de dez categorias e
melhor atuação possível em campo e uma boa interação entre os membros da
evoluem de forma progressiva por escalões, podendo os melhores atingir o
equipa. Concordamos com Teotónio Lima quando afirma que “um árbitro bem
“topo” através de um longo percurso que começa por baixo, no campeonato
preparado raramente é surpreendido pelas formas de jogar quer dos jogadores
distrital das respetivas associações, passando por inúmeros campos nos quais
quer das equipas”20. Apesar do árbitro atuar de forma visível no jogo para o qual
aperfeiçoam gradualmente a atividade, por vezes nas mais adversas condições
foi nomeado, o trabalho preparatório que o antecede é quase mais importante
laborais e independentemente das condições ambientais serem favoráveis ou
do que essa atuação pública, pois é dele que dependem a prevenção de falhas
não.
e a antecipação de certos acontecimentos indesejáveis. O trabalho do árbitro Ao longo do seu percurso desportivo, o árbitro de futebol integra de forma
sucessiva as categorias CJ, C6, C5, C4, C3, C3 Avançado no âmbito das competições distritais; a categoria C2, C2 Elite no âmbito das competições
começa, portanto, muito antes do apito inicial e todo o tempo empregue na preparação do jogo vai minimizar os erros técnicos, o cansaço, a falta de concentração, ajudando-o a manter o jogo controlado e bem gerido.
nacionais e a categoria C1 no âmbito das competições profissionais. 13 Para as árbitras, distinguem-se as árbitras das categorias C6, C5, C4, C3 no âmbito das competições distritais e as árbitras CF no âmbito das competições nacionais14,
O tempo de duração do jogo, por exemplo, varia consoante o escalão e está previamente determinado no regulamento da competição, assim como as paragens autorizadas para ingestão de líquidos. 13 Cf. art. 45º nº1 RAFPF. 14 Cf. art. 53º RAFPF. 15 É o caso da Associação de Futebol do Porto (AFP) com uma categoria exclusiva CFR1 e CFR2, previstas no art. 33º do seu Regulamento de Arbitragem (RAAFP).
O nº 9 do artigo 53º do RAFPF é bem claro ao indicar que “a categoria CF habilita a sua titular a arbitrar jogos das competições organizadas pelas Associações, do Campeonato Nacional de Futebol Feminino, Campeonato de Promoção de Futebol Feminino, Taça de Portugal Feminina e Campeonato Nacional de Juniores”. E o nº10 do mesmo artigo acrescenta apenas: “As árbitras CF podem ainda arbitrar o Campeonato Nacional de Seniores masculino e Taça de Portugal”. Ou seja, o percurso desportivo da mulher na arbitragem está regulamentarmente limitado e é menos amplo do que o dos árbitros masculinos, podendo estes ambicionar ir mais longe na carreira. 17 Bibiana Steinhaus dirigiu o jogo Hertha Berlin - Werder Bremen da Bundesliga aos 38 anos de idade, no dia 10 de setembro de 2017. 18 No dia 28 de abril de 2019, a árbitra Stéphanie Frappart tornou-se a primeira mulher a apitar um jogo da I Liga francesa, aos 35 anos, tendo sido nomeada pela Fédération Française de Football (FFF) para o encontro entre o Amiens e o Strasbourg, mas já apitava jogos da II Liga desde 2014! 19 Na presente secção, deverá entender-se por “árbitro”, o conjunto das diversas funções da equipa de arbitragem: o árbitro principal, o árbitro assistente e o quarto árbitro, já que cada um deles pode alternar de posição consoante o jogo para o qual é nomeado. O árbitro assistente de uma equipa nacional pode ter jogos distritais enquanto árbitro principal. 20 Manual do Árbitro, p. 35.
17
18
apesar de algumas associações pioneiras fazerem questão de já preverem esta última categoria nos seus quadros15, o que vai positivamente ao encontro da promoção da mulher no seio da arbitragem, com provas específicas adaptadas a ela, mas que, a nosso ver, impossibilita claramente uma uniformização de critérios no que toca às qualidades intrínsecas dum árbitro, independentes do 12
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
Na verdade, a arbitragem é uma função coletiva, pois cada agente tem a
A aparência física também é importante dada a dimensão pública da
sua função própria bem definida no relvado e atua “em conjunto” com os outros
função, pelo que o árbitro deve, como qualquer jogador, manter um estilo de vida
membros, numa troca constante de informação e de observação. São
saudável e uma alimentação equilibrada, sob pena de não estar ao nível físico
verdadeiramente uma equipa e não elementos soltos no campo. Contudo, o
dos jogadores durante o jogo.
treino e a formação técnica já são de ordem individual e, fora de campo, cada um por si deverá esfoçar-se para manter os seus objetivos pessoais e evoluir.
2.2. A componente técnica
Por consequência, o trabalho do árbitro implica muito mais do que noventa minutos de jogo e reúne um conjunto complexo de faculdades a desenvolver durante toda a época, de forma contínua.
Paralelamente aos treinos físicos, os árbitros participam ao longo da época em sessões de reciclagens por categoria, cursos e seminários de caráter obrigatório que lhes possibilitam desenvolver as competências técnicas de ajuizamento. Relembre-se que, de acordo com as Leis do Jogo, o árbitro detém
2.1. A componente física
o “poder discricionário para tomar as medidas adequadas”24 o que integra
A boa condição física é sem dúvida uma das grandes preocupações dos
simultaneamente a vertente técnica (bola ao solo, lançamentos laterais,
árbitros que são avaliados por provas físicas regulares, as quais devem realizar
pontapés de canto, pontapés de baliza, livres diretos ou indiretos) e disciplinar
com sucesso para poderem subir de categoria e apitar os melhores jogos.
(advertências e expulsões). Esta formação contínua é desenvolvida pela
Resulta do estudo21 de Monge da Silva, sobre a preparação física dos árbitros,
Academia de Arbitragem da FPF25, centro de formação nacional, que em
que o árbitro percorre muitas vezes distâncias maiores do que o atleta. Segundo
coordenação com os Conselhos de Arbitragem das Associações distritais,
este autor, os árbitros precisam de “um sistema de preparação contínua para
organiza os programas dos cursos dos árbitros.
que, semana a semana, estejam preparados para realizar uma tarefa em que lhes é exigido quase a infalibilidade”22. Por isso, existem Centros de Treinos especializados, criados pela FPF e algumas Associações23, para semanalmente ministrarem aos seus árbitros treinos acompanhados com técnicos qualificados.
Espalhados um pouco por todo o país, os Núcleos de árbitros26, atuam à margem desta formação institucional oficial, mas são grandemente apoiados (mesmo financeiramente) pelas respetivas Associações e pela APAF 27, desenvolvendo variadíssimas ações todas as semanas, organizadas por árbitros
Os números de testes físicos exigidos para cada categoria são definidos
para árbitros. Contribuem de forma significativa para a aprendizagem, a
no início da época nas normas de atuação e classificação da FPF ou da respetiva
integração e o convívio social entre os árbitros fora dos relvados, com um estilo
Associação distrital. Consistem em provas de velocidade, de resistência,
próprio descontraído e informal, muitos deles providos com um bar. Uma das
havendo provas específicas para os árbitros assistentes especialistas (AAE).
recentes apostas dos Núcleos são nomeadamente os cursos de inglês para
Para reforçar a importância do desempenho físico, a avaliação do índice de
árbitros28 e a realização de sessões de preparação para os testes escritos. São,
composição corporal pode igualmente dar lugar a bonificação para certas categorias. Leis do Jogo, Lei 5. RAFPF, artigo 6º nº4 e 14º. 26 Existem atualmente 51 Núcleos de Norte a Sul do País. 27 Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol. 28 Além das provas físicas e escritas sobre Leis do Jogo, existem testes de inglês sobre Leis de Jogo para os árbitros. 24 25
Manual do Árbitro, p. 220. Idem, p. 219. 23 Na AFP, por exemplo, existem treinos à segunda e quarta-feira no Centro de Treinos de Pedroso, em Gaia. 21 22
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
além do mais, uma verdadeira uma partilha de experiências, já que qualquer
autoestima baixa irão também ter as suas capacidades mais afetadas, já que
árbitro de qualquer categoria pode estar presente nestas sessões.
terão menos confiança e se sentirão mais stressados em determinadas situações de jogo. Por estas razões e independentemente dos seus bons resultados físicos
2.3. A componente psicológica
e técnicos, deve o árbitro apostar sempre na prevenção, reduzindo a
Para se manter no ativo na arbitragem e não desistir do percurso, não
probabilidade de falhas que não dependem de si, isto é, os fatores externos. O
basta ser bom a nível físico ou técnico, também é preciso saber lidar com o
scouting e a análise prévia dos intervenientes do jogo revelam-se cruciais quanto
stress, a ansiedade e as críticas derivadas ao ambiente em que decorre o jogo.
a este aspeto, permitindo de certa forma antever possíveis atritos entre
Para tal, torna-se indispensável uma motivação que supere os obstáculos
jogadores e aliviar a pressão da responsabilidade do jogo.
inevitáveis e constantes do percurso. A dimensão psicológica e a força interior do árbitro devem igualmente ser treinadas, de forma exponencial, à medida da 2.4. O limite de idade
ascensão na carreira. Podemos distinguir quatro fontes de stress ligadas à atividade29. As fontes
O RAFPF estabelece certas limitações de idade para a promoção dos
situacionais de stress para o árbitro são a importância do evento e o seu nível
seus árbitros. Assim, o artigo 81º define que nos quadros nacionais de futebol, a
de incerteza. Geralmente, quanto mais importante for a competição, maior será
idade máxima de promoção para a categoria C1 é até aos 36 anos (nº1 a)); até
o stress provocado no árbitro. No caso de um árbitro estagiário (que nunca tenha
aos 34 anos para chegar à categoria C2 (nº1 b)); os árbitros C2, C1 e os árbitros
apitado) ser nomeado para um jogo distrital, embora seja um jogo de menor
assistentes especialistas só podem exercer a sua atividade até aos 45 anos
dificuldade de que um jogo nacional, este último sentirá inevitavelmente um
(nº3). No entanto, existe uma tolerância para os Conselhos de Arbitragem das
maior nervosismo do que outro colega experiente nas mesmas condições, por
Associações que podem “autorizar os árbitros dos quadros distritais ou regionais
ser o seu primeiro jogo. O mesmo se pode associar a certas equipas cujas
a permanecer em atividade no âmbito distrital após a idade limite para o
claques violentas podem gerar um fator adicional de stress para o árbitro que
exercício, desde que os interessados se encontrem em boas condições físicas
dirige a partida. Por outro lado, quanto maior for o nível de incerteza associado
para o efeito e demonstrarem deter as capacidades técnicas necessárias” (nº6).
ao jogo, maior será o stress causado. Pensemos, por exemplo, num jogo de fim
Os limites de idade são aferidos ao dia 30 de junho da época de promoção e não
de época em que as duas equipas que se defrontam se encontram exatamente
obstam à conclusão da época desportiva em curso pelo seu titular (nº7).
com o mesmo número de pontos na tabela classificativa do grupo, sendo o jogo decisivo para a manutenção das equipas no campeonato. O resultado
2.5. A constituição das equipas de arbitragem
imprevisível vai obviamente tornar o ambiente mais pesado em campo. O segundo tipo de fontes de stress são o traço de ansiedade e a autoestima. Enquanto o traço de ansiedade se manifesta através da personalidade própria do agente e a sua predisposição subjetiva em ver determinado acontecimento como uma ameaça maior ou menor, os árbitros com
29
Com a exceção do futebol de 7, os árbitros atuam sempre em equipa. Esta é constituída no início de cada época desportiva, devendo seguir o disposto nas normas regulamentares em vigor. Os nomes dos árbitros que a compõem devem ser transmitidos à FPF e à Associação da qual façam parte, através do respetivo formulário.
Manual do Árbitro, p. 104.
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
Para as competições distritais, as equipas são constituídas por um árbitro e dois árbitros assistentes, sem referência a qualquer categoria (82º RAFPF). Já
lista de designações e não serem nomeados, no caso da ocorrência das seis situações mencionadas no nº 2 do artigo 93º do mesmo regulamento.
para o Campeonato Nacional de Juniores, as equipas têm de ser constituídas por um árbitro da categoria CF ou C2 ou C3 Avançado 2 e por dois árbitros 2.7. As observações
assistentes (83º). Para as competições femininas, prevê-se um árbitro da categoria CF ou C2 ou C3 Avançado 2 e dois árbitros assistentes, podendo
“Os árbitros e árbitros assistentes podem ser observados com caráter
serem equipas só de árbitras ou equipas mistas, com elementos masculinos e
classificativo em quaisquer jogos das competições distritais, nacionais não
femininos, ou mesmo ser uma equipa só com elementos masculinos (84º). As
profissionais e profissionais”30, com a exceção das finais da Taça de Portugal,
equipas que atuam no Campeonato Nacional de Seniores devem ser
da Taça da Liga e dos jogos da Supertaça. O relatório do observador que tenha
constituídas por um árbitro da categoria C2, C3 Avançado ou CF Internacional e
analisado o desempenho do árbitro é enviado no prazo máximo de cinco dias
dois árbitros assistentes C3, C4, C5 ou C6 dos quadros das Associações (85º).
úteis contados da sua realização, de forma individual, por mail. É admitido ao
Para as competições profissionais, organizadas pela LPFP, as equipas são
árbitro ou árbitro assistente discordar do relatório através de reclamação, no
formadas obrigatoriamente por um árbitro de categoria C1 ou C2 Elite, dois
prazo de cinco dias úteis contados da sua disponibilização, desde que a sua
assistentes e um quarto árbitro C1, AAC1, C2, C2 Elite ou C3 Avançado (86º
reclamação seja relativa a erro no preenchimento do relatório (98º nº2 a) do
nº1). No caso de se incluírem nestes jogos árbitros assistentes adicionais (AAA),
RAFPF) ou quanto ao seu teor incorreto, devendo para tal provar por suporte de
estes devem ter a categoria C1 ou C2 Elite (86º nº2).
imagem em formato digital com gravação integral do jogo (98º nº2 b)). Esta reclamação é dirigida à Secção de Classificações.
2.6. O sistema de nomeações II.
Os árbitros não escolhem os jogos em que atuam, obedecendo a um
Enquadramento legal
sistema de nomeações com critérios específicos. Estes são designados pelo
Para podermos analisar a relação laboral do árbitro propriamente dita e
Conselho de Arbitragem da FPF para os jogos nacionais, e pelo Conselho de
vermos qual é o nível de proteção jurídica de que goza atualmente em Portugal,
Arbitragem das respetivas Associações para os jogos distritais. Segundo o artigo
convém, antes de mais, saber como é que a lei o define.
92º nº3 do RAFPF: “Nenhum árbitro ou árbitro assistente pode deixar de ser designado em razão da sua filiação distrital ou preferência clubista”. 1. A definição jurídica do árbitro
Os critérios são distintos consoante se trate de jogos da Secção Não Profissional ou Profissional. São três os critérios para a designação dos árbitros
Ana Cristina Couto retrata acertadamente o estado atual da arbitragem
pela Secção Não Profissional, nomeadamente a classificação obtida na época
portuguesa quando afirma que “o árbitro foi claramente negligenciado na LBAFD,
anterior, a avaliação do desempenho na época em curso (feita pelos
não lhe sendo atribuída nenhuma alínea ao longo de todo o diploma”31.
observadores de árbitros) e, finalmente, o grau de dificuldade do jogo em causa,
Efetivamente, ao lermos a segunda secção do Capítulo IV da Lei nº5/2007,
aferida em função da posição ocupada pelos Clubes intervenientes na tabela
dedicada concretamente aos agentes desportivos da atividade física e da prática
classificativa e a rivalidade existente entre esses mesmos, conforme o artigo 94º do RAFPF. Não obstante, os árbitros podem ser temporariamente retirados da
30 31
Artigo 96º nº1 do RAFPF. Profissionalização dos Árbitros Desportivos, p. 15.
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
desportiva, ficamos surpreendidos por não encontrarmos nenhuma referência ao
ser considerado como técnico, fazendo com que não se insere em nenhuma das
árbitro, agente imprescindível do jogo. Os únicos agentes desportivos elencados
categorias previstas.
neste diploma são cinco: os praticantes desportivos (34º), onde incluímos os jogadores; os técnicos (35º); os titulares de cargos de dirigentes desportivos (36º); os empresários desportivos (37º) e, por fim, os voluntários (38º). Na ausência de indicação expressa, nesta lei de valor reforçado que define todo o sistema jurídico desportivo e é a base de validade de toda a regulamentação desta área, surge o problema de saber se o árbitro cabe ou não numa destas categorias ou se foi drasticamente esquecido, dando lugar a uma indefinição jurídica prejudicial para o exercício das suas funções.
Embora não contendo nenhuma definição legal do árbitro, a Lei de Bases refere-se ao mesmo nalgumas disposições e pressupõe a sua existência. Nomeadamente para definir o conceito de federação desportiva (14º); para fins de disciplina e arbitragem (25º); de medicina desportiva (40º nº4); e nas normas relativas às medidas de apoio ao desporto de alto rendimento (44º nº2) onde verificamos uma distinção clara entre o praticante desportivo, os técnicos e os árbitros participantes nos mais altos escalões competitivos, a nível nacional e internacional.
Podemos desde logo excluí-lo da categoria de dirigente e empresário desportivo, assim como da categoria de voluntário já que esta última remete para o regime de voluntariado, a Lei nº20/2004 de 5 de junho, na qual se entende por voluntário “o indivíduo que exerça funções de direção executiva em regime de gratuitidade”, o que não corresponde à realidade dos árbitros que recebem valores fixos (prémio, subsídio de alimentação e transporte) consoante os jogos que fazem e dependendo da função em que atuam32. O árbitro também não pode ser considerado praticante desportivo, apesar de poder ser cumulativamente jogador na categoria CJ33, porque na verdade não pratica a modalidade em si, não joga futebol, nem se enquadra no regime jurídico do contrato de trabalho correspondente34,
não existindo nenhuma obrigação de prestar a atividade
desportiva a um clube. Os árbitros são, pelo contrário, nomeados em caso de disponibilidade35. De acordo com o artigo 35º da LBAFD, são técnicos os agentes que possuam a formação académica ou profissional adequada e que
Apesar de prevalecer esta ambiguidade jurídica lamentável quanto ao estatuto do árbitro, certo é que podemos afirmar que, à luz da legislação em vigor, o árbitro é, sem dúvida alguma, agente desportivo, pois a epígrafe da Secção III (Proteção dos agentes desportivos) assim o deduz ao conter as poucas referências feitas a esta figura do jogo. Por consequente, aplica-se ao árbitro o disposto no artigo 42º quanto ao seguro obrigatório e ao regime fiscal específico (48º). Não se percebe, no entanto, a razão de uma não equiparação ao praticante desportivo neste aspeto, possibilitando aos árbitros profissionais beneficiar das deduções previstas para as profissões de desgaste rápido do Código do IRS36. Numa mesma perspetiva, o Regulamento Disciplinar da FPF37 e o Regulamento de Prevenção de Violência da FPF38, ambos classificam o árbitro como agente desportivo, assim como o próprio RAFPF que insere os direitos e
desempenhem funções técnicas nas áreas de gestão desportiva, no exercício da saúde, na educação física e no treino desportivo. Como visto previamente, o árbitro de futebol forma-se no seio institucional da FPF e atua segundo regras e regulamentos aprovadas por ela (ou pela associação do seu distrito através de uma delegação de poderes), não existindo para tal nenhuma formação profissional inserida no mercado de emprego. Nestes termos, o árbitro não pode O árbitro principal recebe mais do que um árbitro assistente por jogo. Artigo 47º nº6 do RAFPF. 34 Lei nº 54/2007. 35 Artigo 92º nº1 do RAFPF e 12º nº 1 do RALPFP. 32 33
O atual artigo 27º do CIRS só considera como profissões de desgaste rápido as de praticantes desportivos, definidos como tal no competente diploma regulamentar, as de mineiros e as de pescadores. Não sendo o árbitro um praticante desportivo, não lhe é aplicável este privilégio, apesar de fisicamente se justificar, no mínimo no que diz respeito a árbitros que tenham jogos da mesma exigência do que os jogadores profissionais. 37 Artigo 4º b): “Agente desportivo”: os titulares de órgão social da FPF ou de sócio ordinário da FPF, de comissão permanente ou não permanente da FPF ou de sócio ordinário da FPF, os dirigentes de clube e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores de clubes, os jogadores, treinadores, auxiliarestécnicos, elementos da equipa de arbitragem (…). 38 Artigo 3º a): “Agente desportivo”: o praticante, treinador, técnico, pessoal de apoio, dirigente, membro da direção, ponto de contacto para a segurança, coordenador de segurança ou qualquer outro elemento que desempenhe funções durante um espetáculo desportivo em favor de um clube, associação ou sociedade desportiva, nomeadamente, o pessoal de segurança privada, incluindo -se ainda neste conceito os árbitros, juízes ou cronometristas. 36
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
os deveres dos árbitros no Título II39, uma secção que se dirige expressamente
época45 através de um documento escrito assinado por todos os membros da
a estes agentes. O Regulamento Disciplinar da Liga confirma também que os
equipa de arbitragem. Por isso, o árbitro exerce as suas funções decisórias,
elementos da equipa de arbitragem são tratados como agentes desportivos40.
técnicas, disciplinares e de mera verificação sob a alçada do responsável pela
Como refere Nuno Barbosa41, a única definição legal do árbitro é dada pela Lei nº 50/2007 de 31 de agosto, sobre o regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva. Neste diploma, é considerado árbitro desportivo “quem, a qualquer título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade desportiva” (2º c)). Contrariamente à
organização do jogo ou da competição (Associação distrital, FPF ou LPFP), sujeitando-se ao poder disciplinar federativo46. Em caso de alguma violação prevista no RDFPF47, o árbitro responde e é sancionado consoante a gravidade da falta (muito grave, grave ou leve), sendo que a sua responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal 48. Desde logo verificamos que o exercício da atividade requer um elevado grau de responsabilidade.
LBAFD, aqui já existe uma definição autónoma para o árbitro, o que manifesta uma falta de rigor e de unidade na coordenação dos diplomas legais. Não parece
2.1. Os direitos e os deveres do árbitro
razoável a LBAFD, enquanto lei de valor reforçado e molde jurídico do setor, não
A atividade de arbitragem caracteriza-se, portanto, por um conjunto
definir o árbitro, mas já encontrarmos a sua definição num diploma consagrado
específico de direitos e deveres que pautam o seu funcionamento e que
exclusivamente à responsabilidade penal para casos de crimes graves 42!
estabelecem uma relação bilateral com a entidade que o nomeia. Para averiguarmos justamente o peso e as regalias da função, apresentamos os
2. A relação laboral do árbitro em Portugal
seguintes gráficos, ordenando cada direito e dever (geral e específico) pela sua
Ao contrário do praticante desportivo, que se vê protegido juridicamente
natureza e pelo nível da sua atribuição (distrital, nacional e profissional):
por um regime jurídico próprio43 de base contratual sólida e bem definida, com
Direito
Tipo
garantias de segurança consideráveis para desempenhar a sua função em condições estáveis44, a natureza do vínculo laboral do árbitro é essencialmente federativa, não existindo nenhum contrato específico para a sua atividade. O árbitro é, na verdade, associado de uma federação de utilidade pública desportiva, a FPF, e filiado da Associação distrital em que se filia no início de
Nível de Arbitragem Associação49
FPF50
LPFP51
Receber formação adequada
Formação
Previsto
Previsto
Não previsto
Gozar de independência técnica Exercer os poderes que lhe são conferidos pelas
Atividade
Previsto
Previsto
Previsto
Jogo
Previsto
Previsto
Não previsto
Correspondente aos artigos 17º a 26º. Artigo 4º nº1 b) do RDLPFP. 41 O Estatuto Jurídico do Árbitro no Direito Português, p. 48. 42 Os crimes previstos são a corrupção passiva (8º), a corrupção ativa (9º), o tráfico de influência (10º), a oferta ou recebimento indevido de vantagem (10º A), a associação criminosa (11º) e a aposta antidesportiva (11ºA), havendo lugar a uma agravação para os árbitros (12º nº1 e 2). 43 Lei nº 54/2007. 44 O contrato do praticante desportivo é um contrato a termo com a duração mínima de uma época e no máximo até cinco anos, o que possibilita uma relação estável entre jogador e clube evitando a insegurança jurídica ou mesmo pessoal.
Convém neste ponto observar que os árbitros podem ao longo do seu percurso mudar de associação quer por razões profissionais, académicas ou pela “transferência” ser mais vantajosa a nível pessoal devido ao número reduzido de árbitros dessa associação, o que implica ter mais jogos e mais probabilidades de subir de categoria, por haver mais vagas a preencher e menos concorrência. 46 Artigo 54º n 1 do DL º248-B/2008. 47 Capítulo VIII Das Infrações Disciplinares Específicas dos Elementos da Equipa de Arbitragem, Observadores de Árbitros e Delegados ao Jogo da FPF, ART. 172º a 182º. 48 Artigo 55º do DL nº 248-B/2008 e artigo 4º da Lei nº112/99. 49 A comparação é feita com referência ao Regulamento de Arbitragem 2018/2019 da Associação de Futebol do Porto (AFP). 50 Nos termos do RAFPF vigente. 51 Nos termos do RALPFP 2018/2019.
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
Leis do Jogo, desde a sua entrada nas instalações desportivas até à sua saída Receber as cópias dos relatórios técnicos dos jogos em que tenham participado
Ser eleito para cargos ou funções em entidades associativas da sua classe Dispensas de atuação
Atividade
Ter conhecimento da chave de correção dos testes escritos ou cópias destes após a classificação Reclamar dos relatórios e classificações obtidas Ser promovido
Formação
Previsto apenas para os jogos em que tenham sido observados
Previsto
Previsto
Previsto
Previsto
Previsto
Previsto
Não previsto
Progressão
Previsto
Previsto
Não previsto
Auferir as importâncias estabelecidas pela FPF, LPFP e/ou Associações
Compensação
Previsto
Previsto
Previsto após consulta à APAF
Ser reembolsado das despesas efetuadas com a participação em reuniões, conferências ou cursos Solicitar pareceres sobre as leis de jogo e regulamentos ao Conselho de Arbitragem Beneficiar de um seguro de acidentes pessoais que cubra, no mínimo, os riscos previstos na legislação em vigor, resultante de acidente ou lesão no exercício ou por causa das suas funções Receber indemnização pelos danos que lhe forem causados, constantes do relatório de jogo ou em documento complementar Recorrer para as instâncias competentes das decisões que afetem os seus interesses Obstar à utilização pública ilícita da sua imagem para fins de exploração comercial Requerer licença, reingresso na carreira e jubilação Assistir gratuitamente a jogos
Compensação
Previsto
Previsto
Previsto
Não previsto
Previsto
Compensação
Previsto
Previsto
Previsto
Compensação
Não previsto
Previsto
Não previsto
Garantia
Previsto
Previsto
Não previsto
Atividade
Previsto com prazo de 12 dias
Não previsto
Previsto com prazo de 20 dias, até duas dispensas por época
Previsto
Atividade
Atividade
Previsto
Figura 2 Os Direitos dos Árbitros na Época 2018/2019
Dever
Não previsto
Progressão
Previsto
Não previsto
Atividade
Previsto
Previsto
Previsto
Progressão
Previsto
Previsto
Não previsto
Compensação
Não previsto
Previsto
Previsto
Aceitar as nomeações para que esteja designado Comparecer aos jogos para os quais esteja nomeado Justificar a sua não comparência ao Conselho de Arbitragem, logo que tenha conhecimento do facto impeditivo Proceder com correção e urbanidade no exercício das suas funções e fora delas Manter uma conduta conforme os princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade, rectidão nos jogos e nas relações de natureza desportiva, económica e social e bom entendimento com todos os órgãos da hierarquia desportiva, clubes, dirigentes, treinadores e demais agentes desportivos Comparecer para depor em inquéritos, processos disciplinares ou protestos sempre que notificado Não emitir declarações ou opiniões públicas, em qualquer local e sem autorização prévia, sobre matérias relativas ao sistema específico da arbitragem e a qualquer jogo Abster-se da prática de atos na sua vida pública ou que nela se possam repercutir que
Tipo Atividade
Associação Previsto
FPF Previsto
LPFP Previsto
Atividade
Previsto
Previsto
Previsto
Atividade
Previsto
Previsto
Previsto
Comportame nto
Previsto
Previsto
Não previsto
Comportame nto
Previsto
Previsto
Previsto
Atividade
Previsto
Previsto
Previsto
Comportame nto
Previsto
Previsto
Previsto
Comportame nto
Previsto
Previsto
Previsto
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
se revelem incompatíveis com a dignidade e probidade no exercício das suas funções Cumprir as normas e regulamentos em vigor Guardar confidencialidade dos relatórios dos observadores Entregar ao Conselho de Arbitragem o cartão cedido, quando aplicada pena de suspensão ou requerida licença ou jubilação Realizar exames médicos anuais para a avaliação da aptidão para o exercício da sua função, a custas da FPF, LPFP ou Associações Assinar o boletim do jogo, nele registando qualquer discordância quanto ao seu conteúdo e a comunicar esse facto, por escrito, ao órgão que o tiver nomeado Moderar a utilização das redes sociais não publicando nem comentando assuntos relacionados com a arbitragem ou com as competições, clubes, jogadores, adeptos e árbitros Comparecer nas instalações desportivas, com a antecedência exigível, para a verificação das condições regulamentares do recinto de jogo Diligenciar no sentido de suprir as deficiências encontradas no recinto de jogo e inscrever os factos no boletim Apresentar-se em campo com o equipamento oficialmente aprovado Iniciar o jogo à hora marcada
regulamentares para que tenham sido convocados Colaborar com o Delegado da Liga no exercício das suas funções Informar de quaisquer factos que violem um comportamento de correção ou ainda que contrariem os comportamentos éticos e morais exigíveis Submeter-se aos treinos físicos semanais, comparecendo nos dias, locais e horas previamente determinadas, salvo se expressamente dispensados Registar em livro próprio a relação do seu património e rendimentos, bem como todas as situações profissionais e patrimoniais relevantes
Concluir o jogo para o qual tenha sido nomeado Participar em todas as ações de formação, aperfeiçoamento e avaliação, bem como a todos os testes 52
Atividade
Previsto
Previsto
Previsto
Atividade
Previsto
Previsto
Não previsto
Atividade
Previsto
Previsto
Não previsto
Atividade
Não previsto
Previsto
Previsto
Jogo
Previsto
Previsto
Previsto (e-Liga)52
Jogo
Não aplicável
Não aplicável
Previsto
Denúncia
Não previsto
Não previsto
Previsto
Treino
Não previsto
Não previsto
Previsto
Registo de Interesses
Não previsto
Previsto
Previsto
Figura 3 Os Deveres dos Árbitros na Época 2018/2019
Comportame nto
Previsto
Não previsto
Não previsto Dever específico53
Jogo
Previsto
Previsto
1H antes
Previsto 1H30 antes
Jogo
Previsto
Previsto
Não previsto
Atividade
Previsto
Previsto
Previsto
Jogo
Previsto
Previsto
Não previsto
Jogo
Previsto
Previsto
Não previsto
Formação
Previsto
Previsto
Previsto
Através da plataforma E-Liga.
Cumprir e fazer cumprir as leis do jogo e os regulamentos aplicáveis Verificar o cumprimento pela sua equipa da comparência ao jogo com a antecedência exigível e reportar o seu incumprimento Inscrever no relatório de jogo os motivos justificativos do não início ou conclusão do jogo para o qual seja nomeado
53
Tipo
Nível de Arbitragem
Jogo
Associação Previsto
FPF Previsto
LPFP Previsto
Jogo
Previsto
Previsto
Não previsto
Jogo
Previsto
Previsto
Não previsto
Dever específico do árbitro enquanto chefe de equipa (árbitro principal).
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol Elaborar o boletim do jogo mencionando os incidentes ocorridos antes, durante ou após o jogo, bem como os comportamentos imputados aos jogadores, treinadores, médicos, massagistas, dirigentes e demais agentes desportivos, bem como os factos que constituam fundamento para a aplicação de sanções disciplinares Enviar o boletim do jogo nos termos definidos pela Secção ou Conselho de Arbitragem
Jogo
Fazer constar de relatório complementar os factos suscetíveis de serem incluídos no boletim de jogo, de que tenha tomado conhecimento após o preenchimento daquele Enviar o relatório complementar nos termos definidos pelo Conselho de Arbitragem
Jogo
Previsto
Previsto
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol Previsto, inclui alterações ao plano de viagem e a sua justificação
Jogo
Não aplicável
Previsto até ao 2º dia posterior à emissão da credencial da nomeação
Contrapondo, deste modo, os direitos e deveres atuais do árbitro, Atividade
Previsto até ao 2º dia útil, após a realização do jogo
Previsto
Previsto
Previsto
Previsto (e-Liga)
podemos desde logo notar um certo desequilíbrio entre o fardo das tarefas exigidas e as vantagens obtidas. Os direitos essenciais resumem-se ao direito de reclamação dos relatórios e das classificações obtidas, a possibilidade de
Previsto
recurso para as instâncias competentes, a indemnização dos danos causados
(e-Liga)
mencionados no relatório (ex. carro riscado ou vidros partidos), um seguro54 e o valor pecuniário estabelecido pelo respetivo beneficiário (Associação, FPF ou
Previsto até 24H após o envio do relatório de jogo
Atividade
Previsto
Previsto no prazo de 12H após preencher boletim
Atividade
Não previsto
Previsto
Previsto
LPFP). Neste último ponto, enaltece-se a recente correção efetuada com a publicação do Orçamento de Estado para 2019, com a ampliação da incidência negativa do IRS55 para os árbitros e juízes não profissionais, que finalmente já não são obrigados a estarem coletados como trabalhadores independentes até ao limite máximo de 2375€, ao abrigo de uma bolsa desportiva. Até à entrada em vigor desta alteração, muitos foram os jovens árbitros que se viram forçados a abandonar a atividade de arbitragem para não perderem o direito à bolsa de estudo! Este foi, sem dúvida, um marco importante para valorização da função e para cativar jovens árbitros que apostam, em paralelo, numa formação
Atividade
Não previsto
Previsto
Previsto
académica, o que só beneficia a qualificação da classe, tão necessária para uma efetiva profissionalização de todos os agentes desportivos, a todos os níveis e
Formação
Não previsto
Previsto
Não previsto
Atividade
Previsto
Não previsto
Não previsto
Atividade
Previsto
Não previsto
Previsto
em todos os escalões. Em relação às responsabilidades inerentes à função, facilmente se deduz que, além de ser uma atividade de risco pelo meio envolvente, existem
Obrigatório por lei, conforme o disposto no art. 42º da LBAFD. O novo Código de IRS (Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro) já preconiza no art. 12º nº5 b): As bolsas de formação desportiva, como tal reconhecidas por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do desporto, atribuídas pela respetiva federação titular do estatuto de utilidade pública desportiva aos agentes desportivos não profissionais, nomeadamente praticantes, juízes e árbitros, até ao montante máximo anual correspondente a 2375 €, bem como, com este mesmo limite, as compensações atribuídas pelas mesmas federações pelo desempenho não profissional das funções de juízes e árbitros. 54 55
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Não aplicável
Figura 4 Os Deveres Específicos do Árbitro na Época 2018/2019
(e-Liga)
Realizar anualmente um exame médico-desportivo e informar o Conselho de Arbitragem do seu resultado Realizar testes regulamentares, sempre que para tal seja convocado Participar em reuniões, conferências ou cursos, diligências ou outros eventos Recusar a direção de qualquer jogo não iniciado ou dado por findo, por outro árbitro, salvo nos casos regulamentarmente previstos Não participar em qualquer jogo que ocorra fora do âmbito das competições organizadas sem que tenha sido nomeado pelo Conselho de Arbitragem ou tenha sido autorizado a sua participação
Remeter o plano de viagem da equipa, salvo nomeações excecionais, em que fará no mais curto espaço de tempo, antes da data do jogo, bem como eventuais alterações ao plano inicial de viagem, devidamente fundamentado
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
imposições e deveres comportamentais que afetam o árbitro fora da sua
da arbitragem exige que os árbitros forneçam mais informações60 do que os
atividade desportiva, diretamente na sua vida pessoal. O facto de o árbitro dever
deputados da Assembleia da República e já foi até considerado como
“aceitar as nomeações para que esteja designado56”, implica nunca saber ao
inconstitucional por certos membros da arbitragem, uma vez que não é
certo, com um prazo razoável de antecedência57, os horários exatos e os dias
determinado para nenhum outro agente desportivo, mas somente e
de atuação. Sendo os jogos maioritariamente ao fim-de-semana, deverá, por
exclusivamente para os árbitros e agentes dedicados à arbitragem. Ora, embora
isso, reservar todo o sábado e todo o domingo para estar disponível para os
a declaração almeje uma maior transparência desportiva, o que em si é louvável,
jogos, sendo que os horários dos jogos podem variar de semana para semana,
para alcançar eficazmente o seu propósito deveria ser alargada a todos os
dependendo dos escalões e da competição para o qual foi nomeado. Também
titulares dos órgãos estatutários e aos próprios sócios ordinários das federações
pode acontecer não ser nomeado, o que gera uma instabilidade laboral acrescida
desportivas, como previa o Projeto de Lei nº 378/VIII, mas cuja alteração foi
quando comparando com outras atividades ou mesmo com os jogadores ou
rejeitada. No entanto, na opinião de Ana Couto, faria mais sentido o registo de
treinadores, pois estes sabem do seu calendário logo no início da época. Por
interesses se aplicar a outros agentes desportivos, mas reduzindo também o
isso, uma vez que os treinos físicos dependem do dia de jogo, podemos afirmar
número de informações a constar na declaração, pois realmente a norma legal
que é mais difícil para um árbitro planear os seus treinos físicos semanais do
parece transmitir “uma má imagem da arbitragem”.61
que um jogador que sabe com antecedência os seus horários de atuação. Adicionalmente, o local de jogo é sempre diferente e o tempo de viagem para chegar ao campo também deve ser tido em conta em termos de disponibilidade. Na prática, não havendo horário fixo nem plano mensal regular prévio
Outro dever inerente à arbitragem é observar um comportamento social adequado, adotando uma postura de correção e urbanidade, moderando as suas redes sociais, não fazendo declarações públicas relativas a algum jogo, mesmo fora das suas funções técnicas.
torna-se também difícil conciliar os jogos com a sua vida pessoal e faz com que o árbitro tenha de iniciar a semana de trabalho sem descanso, uma vez que a arbitragem, por regra, não é um meio de subsistência. Quer isto dizer que atuar enquanto árbitro ao fim-de-semana pode prejudicar o trabalho do árbitro à semana, consoante as exigências da sua profissão, sem mencionar que muitos empregos não contemplam folga ao sábado. Apenas os árbitros que beneficiam do estatuto de alto rendimento58 encontram-se mais protegidos quanto a esta conciliação entre a arbitragem e a profissão.
Se é certo que o RAFPF indica claramente a prevalência do amadorismo62 na arbitragem portuguesa, excluindo o seu caráter profissional63, achamos pertinente e mais do que justificado ajustar o paradigma jurídico à realidade disciplinar do árbitro, com fundamento nos deveres diversificados que lhe incumbem. Assim se asseguraria alguma estabilidade e mais dignidade à função, colmatando a atual disparidade de tratamento entre os agentes desportivos.
A obrigação do registo de interesses para as competições profissionais, introduzida pela Lei nº 112/9959, é outro ponto que se tem vindo a discutir no setor. Este requisito que se estende também aos titulares de órgãos dirigentes
Art. 19º nº1 do RAFPF. As nomeações oficiais são publicadas à sexta-feira à tarde para os jogos não profissionais. 58 Cf. 44º nº2 e 3 da LBAFD e arts. 2º e) e 25º DL nº 272/2009. 59 Cf. art. 9º e Projeto de Lei nº 378/VIII. 56 57
Os elementos a constar no modelo da declaração da FPF são os seguintes: Identificação completa, profissão, retribuição mensal, rendimento anual, cargos sociais, património imobiliário, quotas, ações, participações ou partes sociais do capital de sociedades civis/comerciais, direitos sobre barcos, aeronaves, automóveis, carteiras de título, contas bancárias à ordem, contas a prazo, direitos de crédito de valor superior a 25 mil euros, discrição pormenorizada de quaisquer outros elementos de ativo patrimonial. 61 Profissionalização dos Árbitros Desportivos, p. 30. 62 “Os árbitros exercem a sua atividade desportiva na qualidade de agentes desportivos amadores” lê-se no art. 23º nº1 do RAFPF. 63 Nos termos do art. 23º nº2 do RAFPF, apenas se prevê o estatuto de não amador para os árbitros das competições organizadas pela LPFP. 60
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
jurisprudência uma base sólida para enquadrá-lo juridicamente e protegê-lo66,
2.2. A relação contratual do jogador e do treinador Não pretendendo analisar minuciosamente os vínculos laborais de todos
adaptando-se à realidade mutante da sociedade.
os intervenientes do espetáculo desportivo, também eles sob alçada disciplinar da federação, devemos, porém, realçar que os jogadores, assim como os
3. A realidade jurídica dos árbitros noutros países
treinadores, são juridicamente mais protegidos do que os elementos da equipa de arbitragem. O jogador ou praticante desportivo beneficia dum regime próprio, o Regime do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, regulado na Lei nº54/2017 de 14 de julho, prevendo igualmente o contrato de formação desportiva e o contrato de representação ou intermediação. O legislador abordou com cuidado todos os aspetos relevantes, definindo um contrato a termo 64 e não
Aqui chegados, uma questão pertinente se coloca: será que a situação de indefinição jurídica laboral do árbitro de futebol e a persistente falta de intervenção legislativa neste sentido resume-se a uma imperfeição exclusiva do nosso ordenamento? Para responder a tal dúvida, propomo-nos abordar a realidade de dois países próximos, escolhidos consoante um critério de potencial auxílio legal.
se limitou a regular a prática desportiva apenas para os maiores de idade. Atendendo à posição mais fraca do menor, perante o clube ou a SAD, protegeu-
3.1. Espanha
o do mesmo modo nos artigos 28º e seguintes. Neste diploma, além de se preverem os cinco deveres do praticante desportivo (13º), a lei obriga a respetiva entidade empregadora a respeitar certas disposições, o que evita algum eventual aproveitamento por parte de quem se encontra numa posição hierarquicamente superior. O jogador deve estar registado (7º), podendo haver lugar a um período experimental (10º) e a uma cedência (20º). Todos os pontos necessários parecem estar devidamente regulados, contribuindo para oferecer as melhores condições de trabalho ao praticante desportivo.
O nosso país vizinho partilha o mesmo tipo de dilema no que toca ao enquadramento legal do árbitro. Rosalia Ortega Pradillo, advogada especialista em Direito Desportivo, tem vindo a escrever sobre o assunto e defende que o árbitro devia receber o mesmo tratamento legal que o treinador, o que não acontece atualmente em Espanha. O Real Decreto 1006/1985, de 26 de junho, que regula o Regime Laboral Especial dos Desportistas Profissionais, subsidiariamente à Lei do Estatuto dos Trabalhadores67, não tem vindo a ser aplicado ao árbitro de futebol pelos tribunais espanhóis que o afastam
Por sua vez, os treinadores também gozam de estabilidade jurídica.
sucessivamente de qualquer proteção jurídica.
Segundo Pedro Miguel Henriques, aos treinadores “deve-se aplicar por analogia o regime jurídico do contrato dos praticantes desportivos (…) No entanto, se mediante o caso concreto não se demonstrar possível o recurso à analogia, aplicar-se-á subsidiariamente o regime laboral comum, regulado no Código do Trabalho”65, sem prejuízo da aplicação primária do Contrato Coletivo de Trabalho, celebrado entre a Liga e a Associação de Treinadores de Futebol.
No entanto, a maior parte da jurisprudência espanhola assume que o treinador pode ser qualificado como desportista profissional, o que parece ser um contrassenso, pois as funções do árbitro em campo preenchem de forma mais direta os pressupostos exigidos para o desportista profissional. Este último é entendido como aquele que “em virtude de uma relação estabelecida com
Como se verificou para o árbitro, note-se que a LBAFD não definiu o treinador, nem especificou as suas funções, mas é possível encontrarmos na
64 65
Art. 9º da Lei nº54/2017. Estudos de Direito Desportivo em Homenagem a Albino Mendes Baptista, p. 281.
Citando Nunes de Carvalho: “A necessidade de adaptação das regras juslaborais a certos contextos organizativos típicos ou a outros modos de ser essenciais não se esgota na previsão de diversas modalidades de contratos que apenas possuem um nomen júris e outros há que vêm emergindo da realidade social e jurídica, revestindo contornos específicos independentemente de um expresso reconhecimento pelo legislador”. 67 Real Decreto Legislativo 2/2015 de 23 de outubro. 66
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
caráter regular, se dedica voluntariamente à prática de desporto por conta e
as vertentes, constituída por dois comités de arbitragem distintos: um para as
dentro do âmbito da organização e direção de um clube ou entidade desportiva
competições profissionais e outro para as competições amadoras. Enquanto a
a troco de uma retribuição”68. Para a autora existe uma omissão legislativa clara
KNVB encarrega-se da formação dos árbitros e da regulação desportiva da
neste domínio que urge uma intervenção legislativa. A autora comprova também
modalidade (como a FPF), as nomeações e a classificação dos árbitros são da
que o árbitro exerce uma função pública por delegação, com funções de natureza
inteira responsabilidade dos dois comités, estruturalmente separados em dois
administrativa, sendo agentes das suas federações. Exercem, no jogo, poderes
órgãos distintos, abdicando assim da secção desnecessária de classificação.
disciplinares atribuídos pela federação, criando-se uma relação de dependência: o árbitro só tem poderes através da delegação da federação.
O que mais caracteriza a arbitragem na Holanda é a existência de um contrato de trabalho71 com a federação, a termo certo, que pode durar entre 1 a
O primeiro árbitro de futebol espanhol a recorrer às instâncias judiciais
5 anos, o que permite aos árbitros atuar com alguma estabilidade laboral. Neste
para refutar a sua descida e beneficiar do regime de despedimento previsto no
caso, já é possível ser árbitro a tempo inteiro e investir numa progressão de
Estatuto de los Trabajadores, ficou conhecido como o caso Hernán Angulo69.
carreira de sucesso. Além dos prémios de jogo também se prevê, por um lado,
Tanto na primeira como na segunda instância, os juízes negaram existir alguma
um salário base mensal e, por outro, a ajuda de custos inerentes às deslocações,
relação entre os árbitros e as suas federações, com fundamento na inexistência
o que significa que mesmo não sendo nomeado o árbitro irá ter garantias de
hipotética de submissão dos mesmos ao âmbito de direção e organização
estabilidade financeira.
federativa.
Importa referir que os árbitros holandeses não estão limitados pela idade,
No meio do debate doutrinal acerca da questão, a solução legal mais
não existindo nenhum limite máximo para se reformarem da atividade, podendo
adequada do ponto de vista da autora resume-se a tratar os árbitros como
estes tirar o curso de formação inicial desde os 12 anos. Alargar a faixa etária a
artistas de espetáculos públicos70, excluindo categoricamente as possíveis
mais jovens parece ser uma boa opção para inculcar bem cedo as Leis do Jogo
variantes de trabalhador autónomo, trabalhador autónomo dependente,
e o espírito de ajuizamento nos candidatos e assim potenciar a longo prazo
trabalhador independente, desportista compensado, agente delegado da
melhores árbitros, com uma experiência rica e sólida. Julgamos efetivamente
Administração enquanto prestação de serviço público desportivo e, finalmente,
que pode não fazer muito sentido criar barreiras a nível da idade na arbitragem,
a prestação de serviços. Rosalia Pradillo aponta falhas na conciliação da função
pois a condição física e técnica pode variar de árbitro para árbitro, não se vendo
arbitral com o regime próprio de cada uma destas figuras.
nenhum inconveniente em manter os árbitros que passem em todas as provas exigidas no ativo. Seria, aliás, uma excelente forma de combater a atual escassez de árbitros: ao invés de se contornar esta falha pela via de
3.2. Holanda
recrutamento de novos elementos e recomeçar todo um processo de
Contrariamente a Portugal e Espanha, na Holanda não existe nenhuma
aprendizagem bastante demoroso e dúbio, parece ser muito mais coerente e
liga profissional prevista para as competições profissionais. Cabe à Federação
consistente dar antes prioridade a quem tenha a experiência e aptidão
Holandesa de Futebol, a KNVB, a regulação e o supervisionamento de ambas
necessária e imediata.
Iº Congresso Internacional sobre o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, p. 204 (Traduzido do espanhol) 69 AS 1999/56 4 de fevereiro. 70 Real Decreto 1435/1985 de 1 de agosto. 68
71
Cf. Profissionalização dos Árbitros Desportivos, 2018.
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4. O regime jurídico profissional
O desequilíbrio de tratamento e a ausência de regulação jurídica
Embora já se preveja a arbitragem desportiva como profissão na Classificação Portuguesa das Profissões72 do Instituto Nacional de Estatística desde 2010, a verdade é que a sua codificação e a definição oficial das suas funções não se revelaram suficientes para poder de facto se afirmar que a realidade corresponda ao levantamento estatístico efetuado. Com a exceção do projeto piloto de profissionalização de nove árbitros da categoria de Elite, levado a cabo pela FPF em 2013, a arbitragem não é, neste momento, a atividade principal dos árbitros portugueses, nem de longe a sua principal fonte de rendimento. Com muito esforço, estes enfrentam o dilema da conciliação de duas atividades: por um lado a atividade desportiva e os jogos, por outro a profissão primária que os sustenta, o que implica “encaixar” a arbitragem de futebol às exigências laborais prioritárias, remetendo esta então para segundo plano, como se de um hobby se tratasse, muito embora não se ponha de todo em causa a dedicação máxima por parte dos árbitros. Dedicar-se à arbitragem como a atividade (e o futebol!) o exige parece, nestas condições, ser uma missão impossível. E não se revela justo reivindicar dos árbitros, o dobro dos jogadores, pois um só é o espetáculo e cada interveniente contribui para que este possa ter lugar. A profissionalização dos árbitros no futebol português ainda está numa fase experimental e enquanto as épocas se sucedem, mais indispensável se torna refletirmos sobre o seu futuro e o futuro das competições. O cenário atual incita deveras a uma mudança de paradigma e o que se constata é o seguinte: “Os atletas profissionais treinam diariamente, acompanhados por uma equipa de profissionais especializados dedicados a ajudá-los, isto é, são profissionais altamente preparados e, ainda assim, erram muitas vezes, mas quando o fazem são facilmente desculpados. Este benefício não é dado aos árbitros, que atuam nas mesmas competições que estes atletas, em condições de trabalho e preparação muito inferiores, e quando erram criticamos imediatamente o seu trabalho.”73
adequada para todos os intervenientes do espetáculo desportivo 74, coloca uma séria ameaça à qualidade do futebol português e julgamos que a profissionalização é a via mais favorável para os árbitros se dedicarem de corpo e alma à especialização da atividade, tal e qual como os jogadores. Obviamente que a profissionalização diz respeito sobretudo aos árbitros que atuam nas competições profissionais (Iª, IIª Liga e Taça da Liga), mas relembramos que, conforme os clubes apostam fortemente nas suas escolas de formação para mais tarde ter os melhores jogadores, quanto mais cedo se melhorarem as condições de formação e progressão laboral do árbitro, mais possibilidades haverá de surgirem melhores árbitros no futuro. As competições inferiores não são, pois, de menosprezar e deveriam ser tidas em conta num eventual plano de reestruturação profissional da arbitragem. Nesta linha de pensamento, a preocupação do Grupo de Trabalho procedente à avaliação da atividade dos árbitros e entidades equiparadas e à sua eventual profissionalização, criado através do despacho nº 12691/2011, foi um passo promissor e de grande utilidade quanto aos aspetos jurídicos específicos da questão. Reunindo os mais ilustres especialistas de Direito do Trabalho da atualidade, entre os quais o Prof. Doutor João Leal Amado, o Prof. Doutor Júlio Gomes e o Mestre Lúcio Correia, assim como representantes da FPF e da LPFP, juntos, debruçaram-se sobre o desafio jurídico da qualificação do regime laboral a adotar para a profissionalização. A consideração e a seriedade com que o tema foi abordado surpreende pela positiva e é um excelente ponto de partida para a necessária revolução. O relatório começa com a seguinte advertência: “O tema da profissionalização dos árbitros e entidades equiparadas (designadamente juízes e cronometristas) deve ser profundamente analisado, tendo em atenção as consequências que podem advir para estes agentes desportivos e, de um modo geral, para o mundo do desporto.”75 Segundo o relatório, já em 2011 se observava a necessidade da redefinição conceptual do árbitro enquanto mero agente benévolo ou não
É surpreendente verificar que a lei já preveja, desde 2008, o Regime dos Contratos de Trabalho dos Profissionais de Espetáculos Públicos noutras Áreas (teatro, cinema, televisão). Cf. Lei nº4/2008. 75 Relatório A Profissionalização dos Árbitros e Entidades Equiparadas, p. 3. 74
Sob o código 3422.2: árbitro (juiz) de desportos. 73 Profissionalização dos Árbitros, p. 50. 72
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
profissional, em virtude da evolução da atividade desportiva, geradora de
contratação por um período de dois a quatro anos, correspondendo aos ciclos
avultados fluxos económicos, do seu impacto direto e indireto no mercado de
olímpicos e às fases finais dos campeonatos mundiais ou europeus, e
trabalho e dada a dimensão da sua mediatização e exposição. Permanecendo
defendemos que o mínimo seria obrigatoriamente uma época para garantir a
(passado oito anos) a ser o único agente não profissional no meio futebolístico,
estabilidade do campeonato, e isto em qualquer escalão. A este contrato de
face a uma estrutura cada vez mais profissional e complexa que contempla
trabalho específico seriam subsidiariamente aplicáveis as regras gerais do
vínculos laborais profissionais para os demais intervenientes76, propomo-nos
Código do Trabalho, desde que compatíveis.
referir agora as eventuais soluções legais apresentadas pelo Grupo de Trabalho.
Para a efetiva implementação deste regime, também se deverá prever um
Em primeiro lugar, o vínculo laboral a estabelecer seria idealmente entre
vínculo de formação profissional, mais ou menos duradouro, quanto aos árbitros
o árbitro e a sua federação ou, eventualmente, com a respetiva liga profissional,
formandos, “visando o estabelecimento do aludido vínculo laboral (e integração
atendendo às especificidades do exercício da função da arbitragem. Uma das
na Elite, que em qualquer caso não poderá ser um grupo fechado e inamovível),
conclusões a que chegaram os especialistas foi de que se pretende “um árbitro
uma vez reunidos todos os requisitos legais e desportivos para o efeito”82; e uma
profissional, trabalhador altamente qualificado mas juridicamente subordinado
equiparação ao regime das profissões de desgaste rápido.
em relação à entidade organizadora da competição desportiva (federação ou, porventura, num outro contexto legislativo, a correspondente liga profissional), como alguém que se dedique em exclusivo ou predominantemente à arbitragem desportiva, mediante retribuição”, estabelecendo-se um regime jurídico próprio77 onde se afirmasse o princípio da dedicação exclusiva, pelo menos, dos árbitros profissionais. Este regime deveria ainda prever o regime de acesso à profissão de árbitro, assim como o exercício da sua atividade, reconhecendo-se formalmente o seu papel “insubstituível”78 de “magistrado desportivo”79 no seio da competição desportiva. Nesta hipótese e no âmbito do ordenamento jurídico português, o vínculo laboral assentaria em contratos de trabalho, sendo a federação desportiva80 a entidade empregadora
dos árbitros. No entanto, as
federações usufruiriam de alguma margem de liberdade quanto à escolha da modalidade contratual que melhor se adeque às necessidades dos respetivos intervenientes e à realidade subjacente da modalidade e da competição, estas que estão sujeitas a mudanças ao longo do tempo. O contrato a estipular seria um contrato a termo resolutivo
certo81.
Concordamos com a opção de uma
As discussões no seio do Grupo de Trabalho abordaram ainda a possibilidade do modelo de prestação de serviços para a arbitragem profissional, posição defendida por alguns autores, fundamentando-se nomeadamente nas características de independência e imparcialidade da arbitragem que, à primeira vista, parecem ser incompatíveis com qualquer situação de subordinação jurídica. “Neste cenário, a federação apenas contrataria os árbitros para que estes lhe prestassem um serviço, com total autonomia: arbitrar as competições promovidas e organizadas pela federação, a troco de uma determinada remuneração.”83 Apesar desta hipótese ter sido maioritariamente descartada pelos membros do Grupo de Trabalho, inclusivamente pela CAJAP, refletir sobre esta alternativa não deixa de ser pertinente porque nos leva a encarar a arbitragem num contexto totalmente diferente, inexistindo um vínculo laboral entre os árbitros e a federação. Neste contexto, seriam os promotores do espetáculo a contratar os serviços dos árbitros, havendo uma seleção e escolha prévia, impondo às federações lidar com uma estrutura alheia e independente. Um exemplo interessante a considerar seria a criação de uma “escola” nacional de árbitros, devidamente acreditada, onde se conciliasse a aprendizagem da
Atletas, dirigentes, treinadores, sponsors, media, agentes de segurança. O relatório fala de “estatuto jurídico da arbitragem”, “estatuto jurídico-desportivo profissional(izante)” (p. 12) e de “contrato de formação arbitral” (p.17). 78 Relatório A Profissionalização dos Árbitros e Entidades Equiparadas, p. 12. 79 A Arbitragem e o Futebol Profissional, p. 17, citando Reis (2005). 80 Com fundamento no art. 3º da Lei nº 112/99. 81 Não se excluindo, contudo, um contrato sem termo, de duração indeterminada. Cf. Relatório, p. 18.
atividade arbitral com a formação académica e onde os árbitros ficassem
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82 83
Relatório, p. 17. Relatório, p. 20.
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
habilitados a atuar em qualquer modalidade desportiva84. Deste modo, as
colmatando as atuais carências de recrutamento; a garantia de progressão e
federações ficariam mais aliviadas quanto à formação desta classe, focando-se
permanência na carreira, evitando desistências inerentes à falta de
na organização do evento em si, mantendo o poder disciplinar e o sistema de
compatibilidade
nomeações. Seria uma oportunidade única para serem formados árbitros de
representatividade de árbitros nacionais no panorama internacional; o equilíbrio
excelência, podendo estes ser nomeados para os jogos das mais variadas
entre agentes desportivos e, por consequência, o equilíbrio da competição.
de
horários
com
a
profissão
principal;
assegurar
a
modalidades, consoante o seu desempenho e classificação, gerando uma concorrência85 saudável no setor, além de se fomentar a rotatividade 86 dos árbitros, esta última que não existe atualmente. Neste caso, o árbitro atuaria
III. Contributo social e ético do árbitro
enquanto trabalhador independente ou, numa outra perspetiva, podendo até se
1. A estreita relação com a Integridade
prever contratos coletivos87.
Como visto previamente, uma grande parte dos deveres do árbitro
Já em 2010, Helena Pires, a atual Diretora Executiva de Competições da
cingem-se a deveres comportamentais, impositivos90 ou de abstenção91, mesmo
Liga, encarava positivamente a criação de uma escola de formação “a fim de
fora do âmbito do tempo regulamentar de jogo. Em outras palavras, podemos
equilibrar a formação em termos nacionais”, assim como uma escola nacional de
dizer que mesmo sem uniforme, o árbitro não se pode “esquecer” de que é
arbitragem para compilar e reunir “todas as pessoas e documentos referentes à
árbitro. À semelhança do jogador que, ao assinar contrato com o seu novo clube,
arbitragem”88. A profissionalização da arbitragem passa também, portanto, por
aceita as respetivas exigências (não fumar, não sair à noite na véspera de um
uma reformulação eficiente do seu modelo de gestão, dos seus árbitros
jogo), o árbitro assume igualmente um compromisso, mas com a integridade. A
(pessoas) e de toda a estrutura, que deve ser corretamente alinhada à política
partir do momento em que se torna habilitado para dirigir jogos, vincula-se a
de profissionalização.
valores
desportivos
basilares,
abdicando
de
certos
comportamentos
incompatíveis. No seu estudo sobre arbitragem e ética desportiva, Christian Blareau realça bem que: “A primeira tarefa dos oficiais e dos juízes é administrar
5. As vantagens da profissionalização
os regulamentos com imparcialidade, em conformidade com o juramento que
Como se conclui no Relatório do Grupo de Trabalho, a profissionalização
prestaram. Eles são os garantes da integridade e do respeito da ética desportiva.
traria inúmeros benefícios imediatos para a atividade, dos quais a clarificação do
Trata-se, antes de mais nada, de um princípio fundamental de justiça em toda a
enquadramento normativo do árbitro, oferecendo a estabilidade jurídica
sociedade civilizada”.92
adequada às suas funções e responsabilidades; a qualidade da preparação física e das prestações dos árbitros no jogo; a cativação de jovens motivados 89,
1.1. Código de conduta FPF Ao abrigo da orientação ética e moral que deve ser adotada e é exigida
Como, por exemplo, os professores de educação física que ensinam aos seus alunos as mais diversas modalidades, e não exclusivamente uma. 85 A concorrência entre os próprios árbitros, mas também entre todas as entidades formadoras, se considerarmos como possível haver árbitros independentes, não vinculados à federação. 86 Quer a nível da constituição das equipas, quer para os adeptos que vão ver o jogo. 87 “Se e quando surgirem associações sindicais de árbitros, então a via da contratação coletiva será, sem dúvida, a mais adequada”, Relatório, p. 27. 88 A Arbitragem e o Futebol Profissional, p. 110. 89 “Movidos pelo legítimo desejo de, um dia, virem a ser árbitros profissionais de elevado estatuto”, Relatório, p. 6.
Exemplo: não emitir declarações ou opiniões públicas, em qualquer local e sem autorização prévia, sobre matérias relativas ao sistema específico da arbitragem e a qualquer jogo. 91 Exemplo: abster-se da prática de atos na sua vida pública ou que nela se possam repercutir que se revelem incompatíveis com a dignidade e probidade no exercício das suas funções. 92 A Educação pelo Desporto – Perspetivas Europeias, p. 74.
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aos ajuizadores do jogo, uma vez que são eles os zeladores pela equidade 90
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol 2. Mecanismos dinâmicos de Integridade
desportiva através da aplicação das regras, o Conselho de Arbitragem da FPF consagrou, em outubro de 2018, o seu primeiro Código de Conduta, num documento próprio. Aplicável a toda a estrutura da arbitragem, desde o Conselho de Arbitragem, a Direção de Arbitragem, os Árbitros, os Árbitros Assistentes, os Cronometristas, aos Observadores, tanto no Futebol, Futebol de Praia como no Futsal, esta digna formalização veio comprovar a especificidade do papel do árbitro na sociedade e vincular todos os seus agentes ao Código de Ética da FIFA, já existente e, a nível nacional, ao Plano Nacional de Ética Desportiva (PNED).
Para responder à prévia questão, sugerem-se aqui algumas ideias para a execução concreta do princípio da integridade desportiva na sociedade, através da figura do árbitro, que além de juiz também tem uma função pedagógica, em particular no seu contacto semanal com jovens atletas e crianças. Estes mecanismos dinâmicos de integridade poderão na prática contribuir para contrabalançar a imagem negativa do árbitro que diariamente nos é difundida pelos meios de comunicação e ajudar a mudar mentalidades para um futebol harmonizador, saudável onde cada interveniente é respeitado e compreendido
Com vista a um “espetáculo cada vez mais justo e apaixonante”93, o
pela função única que desempenha no jogo.
Código de Conduta afirma claramente que existe uma responsabilidade acrescida por parte de todos os agentes que compõem a estrutura da arbitragem, 2.1. O Cartão Azul
sob pena de responsabilidade disciplinar em caso de violação (6º) e que este dever de conduta não se limita ao mero resultado desportivo ou apenas às
Encarregado de fazer respeitar os regulamentos e as Leis do jogo para
tarefas que desempenham no jogo. Numa tentativa de uniformizar o respetivo
manter o equilíbrio da disputa, o árbitro é visto, frequentemente, como
comportamento, caracterizando-o por “uma elevada ética e conduta moral”94,
sancionador, na medida em que raros são os jogos em que não exibe um cartão
definem-se também os seguintes princípios gerais de conduta do árbitro, no
amarelo ou vermelho, cujos efeitos disciplinares são efetivamente castigadores
artigo 3º do Anexo: a) a prossecução do interesse do desenvolvimento da
para o jogador em causa, podendo até prejudicar indiretamente toda a sua
arbitragem do futebol, futebol de praia e do futsal; b) a transparência; c) a
equipa.
imparcialidade; d) a probidade; e) a integridade e honestidade; f) a urbanidade; g) o respeito interinstitucional; h) a garantia de confidencialidade quanto aos assuntos reservados dos quais tomem conhecimento no exercício das suas funções.
Porém, a Federação Francesa de Futebol (FFF) foi pioneira na utilização de um “Cartão Azul” (Carton Bleu) na época 1995/1996, nos campeonatos nacionais sub-15 e sub-17. Este cartão foi especificamente criado e desenvolvido para as ações exemplares do jogo e veio dar aos árbitros franceses
A integridade e a honestidade são definidas como “o conjunto de
a possibilidade de desempenharem o seu papel educativo de forma direta no
qualidades pessoais que se expressam numa conduta honesta, justa, idónea e
jogo. Inspirando-se na Associação Francesa para um Desporto sem Violência e
coerente”95, mas como transpor um princípio abstrato em comportamento?
para o Fairplay (AFSVFP), a subsequente generalização do Cartão Azul alargouse com sucesso ao futebol de alto nível, na Taça de França (Coupe de France), a partir da 7ª eliminatória. A cada jogo é mostrado este cartão como forma de recompensa coletiva, o que permite a obtenção de pontos e uma classificação própria para cada equipa no que toca ao fairplay96 demonstrado. Consoante a classificação final, a
Mensagem do Presidente José Fontelas Gomes, Código de Conduta FPF, p. 3. Preâmbulo, Código de Conduta FPF, p. 4. 95 Art. 3º nº1 e). 93 94
96
«Le beau jeu et le beau geste», A Educação pelo Desporto -Perspetivas Europeias, p. 71.
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
equipa que acumular mais pontos beneficia de um prémio monetário97, sob forma
qualquer motivo dentro das Leis do Jogo, no caso de ser mostrado a um atleta,
de doação, permitindo, por exemplo, obter material desportivo e equipamento
treinador ou dirigente, e no final do jogo quando dirigido ao público.
novo. Paralelamente, existe uma recompensa desportiva, havendo lugar a uma repescagem para as fases finais da competição no escalão sub-17, assim como o privilégio da escolha do campo de jogo, na Taça de França, para o clube que tiver obtido o máximo de pontos. Os critérios do Cartão Azul são baseados em três comportamentos distintos, avaliados na sua globalidade: o comportamento dos jogadores em campo, o comportamento dos dirigentes do clube e, por fim, o comportamento do respetivo banco dos suplentes de cada clube. Parece ser uma excelente medida para motivar as equipas, no seu conjunto, a desenvolver e praticar os valores desportivos98 que enobrecem a modalidade!
Os respetivos prémios são atribuídos a cada época, no final do campeonato, sendo que a equipa que tiver recebido mais cartões 99 recebe o Prémio Fairplay, existindo normas específicas em caso de empate100. O árbitro aplica este cartão recompensador de boas condutas atendendo aos seguintes comportamentos merecedores (ou outros similares): Atleta Treinador Pede desculpa ao adversário Respeita, em todos os de forma sincera e mostrando momentos, e de igual arrependimento, após ter tido modo, os seus atletas e uma conduta imprópria adversários
Dirigente Respeita, em todos os momentos, e de igual modo, os seus atletas e adversários
Reconhece de forma pública e Incentiva os seus atletas Incentiva os seus atletas digna uma infração que a ajudar os adversários a ajudar os adversários acabou de cometer, ajudando sempre que aqueles sempre que necessitam o árbitro no controlo do jogo necessitam
2.2. O Cartão Branco Fairplay Em Portugal, atento às preocupações éticas no desporto, o Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED), também procedeu à consagração de um cartão próprio, promovendo o Cartão Branco Fairplay enquanto recurso pedagógico enaltecedor de condutas eticamente corretas. Em parceria com o IPDJ, a CAJAP e a Coca-Cola, sendo promovido nomeadamente pela FPF e a APAF, visa-se com este cartão promover o sucesso e o desenvolvimento do desporto, através da prática do fairplay, favorecendo o espírito desportivo entre os intervenientes. Criado exclusivamente no intuito de ser aplicado pelo árbitro em qualquer modalidade desportiva, tanto coletiva como individual, o Cartão Branco Fairplay pode ser exibido não só a jogadores, mas também a treinadores, dirigentes e até aos espectadores ou a outros intervenientes que o árbitro julgue merecedores da sua exibição. Deve ser exibido logo após o jogo ter sido interrompido, por
O valor do primeiro prémio era de 50.000 Francos e de 30.000 para o segundo lugar, na época 1995/1996. Fonte: https://www.liberation.fr/sports/1995/12/01/foot-operation-carton-bleu-pourencourager-le-fair-play_153201. 98 Para a FFF são estes o prazer (de jogar), o respeito, o compromisso, a tolerância e a solidariedade.
Repõe a verdade de forma pública e voluntária caso o árbitro se tenha enganado, ajudando este na clarificação de situações dúbias
Respeita os seus colegas de profissão, os dirigentes, espectadores e outros agentes
Respeita os seus colegas de profissão, os dirigentes, espectadores e outros agentes
Ajuda o adversário numa Promove o equilíbrio de Mantem a humildade e situação em que este jogo caso verifique que simplicidade na vitória necessita urgentemente de existe um número ajuda inferior na equipa adversária por razões de força maior Respeita as decisões mais Mantem a humildade e dúbias dos árbitros e/ou juízes simplicidade na vitória Anima e incentiva os colegas de equipa quando falham em momentos decisivos do jogo Trata de forma respeitadora e afável os vários agentes, mesmo quando provocado, zelando pelo bem-estar de todos
97
99
Os árbitros devem registar ao longo da época o número de amostragens do Cartão Branco. Cf. Normas do Cartão Branco/Fairplay, 11º b), c).
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
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Reconhece o valor do adversário e felicita-o na sequência de uma jogada de relevo, elevando o espírito do jogo Mantém a humildade e a simplicidade na vitória Verifica que existe um problema com o material desportivo do adversário e disponibiliza o seu (ou do seu clube) Toma a iniciativa de se defrontar em igualdade mesmo quando os regulamentos e código de conduta o beneficiam Demonstra um conjunto de valores importantes para a vida, dentro e fora de campo Promove um clima saudável com os adversários, antes e após o jogo Integra e dá bom exemplo (conduta) aos mais novos Espetadores Manifestam um são relacionamento pessoal e desportivo entre si e com os demais agentes desportivos
seria importante que todas as Associações de Futebol se juntassem à iniciativa e começassem ativamente a introduzir nas suas estruturas regionais uma componente ética reforçada através de ações de sensibilização obrigatórias, dirigidas aos seus filiados, de modo a espalhar os bons valores desportivos, necessários para combater a atual violência e os delitos antidesportivos 102 ligados à modalidade. Só assim se poderá estabelecer uma estrutura ética verdadeiramente sólida e mudar mentalidades, fazendo com que a integridade faça parte do jogo (profissional e não profissional) e que não seja encarada desprezivelmente como uma exceção à regra.
2.3. O campeonato Foot Citoyen Outra iniciativa interessante, criada em 2003, por jornalistas desportivos e patrocinada por treinadores103 e jogadores profissionais de renome, é o campeonato Foot Citoyen (Fute-Cidadão), campeonato que ocorre em paralelo ao campeonato oficial, em França. Com o intuito de reduzir os fenómenos de violência, neste caso, desenvolvem-se ações de prevenção junto dos educadores, dos árbitros, dos dirigentes e dos jogadores, que orientados por uma equipa de psicólogos, são
Apoia de forma positiva e com fairplay ambas as equipas
devidamente acompanhados no campo, nas suas mais diversas dificuldades.
Figura 5 Os Comportamentos Merecedores do Cartão Branco
Apesar das inúmeras campanhas de teor ético e dos esforços efetuados no âmbito de alargar ao máximo a aplicação do Cartão Branco a nível nacional, infelizmente, até à data de hoje, das 22 Associações Distritais de Futebol, apenas doze101 aderiram e assinaram o Memorando de Adesão que o PNED criou para o efeito, o que significa que nem todos os árbitros do país podem atribuir cartões brancos durante os seus jogos, mesmo querendo, uma vez que a respetiva Associação não o prevê no seu Regulamento. No entanto, a FPF e a APAF já manifestaram inúmeras vezes o seu apoio à causa e pensamos que
São elas a Associação de Futebol da Guarda, a Associação de Futebol de Aveiro, a Associação de Futebol de Beja, a Associação de Futebol de Braga, a Associação de Futebol de Évora, a Associação de Futebol de Leiria, a Associação de Futebol de Lisboa, a Associação de Futebol de Portalegre, a Associação de Futebol de Santarém, a Associação de Futebol de Setúbal, a Associação de Futebol de Viana do Castelo, a Associação de Futebol de Viseu.
“Baseado numa grelha de avaliação preenchida pelos árbitros no final de cada encontro, dá destaque a valores tais como o fair play, o convívio e o desportivismo”104. Cada fim-de-semana é feita uma classificação. Os árbitros avaliam de - 3 a +3 os visitantes e os visitados, em relação a seis temas e quinze comportamentos, desde o plantel, o treinador, o capitão da equipa, os jogadores do banco dos suplentes, os adeptos, ao acolhimento e à segurança do estádio. A cada mês, os pontos obtidos são recolocados a zero (apesar de serem reveladas oficialmente as médias gerais de cada equipa no final da época), o que obriga a um esforço redobrado para os clubes se manterem no topo da
101
Nomeadamente a nível das apostas desportivas efetuadas por agentes desportivos que tomem parte ativa no jogo, interferindo e viciando o seu resultado. 103 Arsène Wenger, ex-treinador do Arsenal. 104 A Educação pelo Desporto – Perspetivas Europeias, p. 72. 102
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tabela e afasta um eventual desleixo ou desmotivação com o passar das
um horário de trabalho legalmente definido, possibilitando assim uma dedicação
jornadas.
total por parte dos árbitros à função.
Este campeonato didático ainda mediatiza as operações no terreno de
Face ao cenário desproporcional do momento, a profissionalização dos
jogo, através de uma televisão, mantendo uma finalidade educativa e uma
árbitros revela-se como um meio necessário e implica uma restruturação e
postura de diálogo entre os intervenientes, focando-se na sensibilização da
mudança conceitual da atividade. Propõe-se, portanto, igualmente um
cidadania e na integração pela prática futebolística 105.
alargamento da formação inicial, que poderá ser frequentada a partir dos 12 anos, como o prevê a Federação Holandesa de Futebol, e que certos módulos da formação sejam dados nas próprias instalações dos clubes, para assim fortalecer a união desportiva entre os árbitros e os outros intervenientes desportivos, o que permitiria igualmente a realização de jogos-treinos nas
IV. Conclusão Com esta breve exposição académica pretendeu-se essencialmente abordar alguns aspetos relevantes do panorama geral da arbitragem portuguesa
condições mais semelhantes às situações reais de jogo, evitando que o árbitro atue em campo apenas nos jogos oficiais do fim-de-semana.
com o propósito firme de levar a uma profunda reflexão da sua atualidade, à luz
Em relação ao contributo social e pedagógico dos elementos de
do corrente fenómeno de profissionalização do futebol português. Perante uma
arbitragem, recomendamos que todas as Associações de Futebol adiram ao
indústria futebolística cada vez mais complexa, organizada e especializada, que
Cartão Branco Fairplay, para promover e garantir de forma eficiente e interativa
contribui anualmente de forma tão significativa para o PIB nacional, e cuja
a ética e a integridade desportiva, em parceria com o Plano Nacional de Ética no
exposição mediática é internacional, tencionámos expor algumas fragilidades do
Desporto, nos mais variados escalões da modalidade, de Norte a Sul do país (e
setor da arbitragem, verificando a existência real de um desequilíbrio entre os
Ilhas).
intervenientes do jogo. Na impossibilidade de analisar tudo o que seria desejável para um estudo aprofundado sobre a matéria, os pontos essenciais a reter deste estudo resumem-se a uma necessidade urgente das melhorias das condições laborais do árbitro de futebol, fundamentando-se na sua função de alta responsabilidade imprescindível e nos deveres desportivos que lhe incumbem, sem, no entanto, poder gozar do benefício das condições de proteção jurídica
Para terminar, destacamos ainda que o patrocínio dos árbitros profissionais e a introdução inovadora de uma câmara de filmar no próprio árbitro (Refcam), durante os jogos, são temas estratégicos oportunos que deveriam ser desenvolvidos num futuro próximo, em prol da dignificação da figura do árbitro e da modernização do espetáculo que todos amam.
equivalentes. Para tal, e atendendo aos diversos entendimentos abordados, defendemos que se poderá alcançar um maior equilíbrio das competições criando um regime jurídico próprio do árbitro, à semelhança do praticante desportivo e dos profissionais de espetáculos, de base contratual, a termo e de remuneração fixa, considerando a atividade como uma atividade principal, com
Como refere um dos responsáveis pela iniciativa: “É mais fácil educar e transmitir valores através da paixão desportiva. Os cidadãos estão mais aptos a interiorizar as regras e a ouvir, pois este contexto é favorável”. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UN6BfsEgacg 105
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
Bibliografia
GOMES, Duarte, Kick Off, Prime Books, 2017
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Profissional:
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A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol
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Lei nº4/2008, 7 de Fevereiro – Regime dos Contratos de Trabalho dos
na Assembleia Geral Extraordinária de 29 de maio de 2017, 13 de junho de 2018
Profissionais de Espetáculos
e ratificado na Assembleia Geral da FPF de 30 de junho de 2018
Lei nº 50/2007, 31 de Agosto – Regime de responsabilidade penal por
Regulamento de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, Comunicado
comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da
Oficial nº 39 de 28 de julho de 2015
competição e do seu resultado na atividade desportiva
Regulamento de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, Comunicado
Lei nº 54/2017, 14 de Julho – Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação
Oficial nº 272 de 24 de janeiro de 2019 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de
Projeto de Lei nº 378/VIII, 21 de fevereiro de 2001 Real Decreto 1006/1985, 26 de junho - Regime Laboral Especial dos Desportistas Profissionais Real Decreto 1435/1985 de 1 de agosto – Regime Laboral Especial dos Artistas
dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 30
de Espetáculos Públicos
de junho de 2018
Real Decreto Legislativo 2/2015, 23 de outubro - Estatuto dos Trabalhadores
Regulamento de Prevenção de Violência da Federação Portuguesa de Futebol, Comunicado Oficial nº 215 de 23 de fevereiro de 2016
Relatório de Avaliação da Atividade dos Árbitros e Entidades Equiparadas e Eventual Profissionalização, Presidência do Concelho de Ministros, Gabinete do Secretário de Estado do Desporto e Juventude, Grupo de Trabalho criado pelo
Jurisprudência
despacho nº 12691/2011, 16 de setembro
AS 1999/56, 4 de fevereiro – Caso Hernán Angulo
Regulamentos
Notícias
Código de Conduta da Federação Portuguesa de Futebol, Comunicado Oficial
https://zap.aeiou.pt/bibiana-apitou-entrou-historia-do-futebol-173311
nº 143 de 9 de outubro de 2019
https://www.dn.pt/desportos/interior/liga-francesa-tera-pela-primeira-vez-uma-
Leis do Jogo 2018/2019, versão portuguesa (tradução FPF), Zurique: IFAB,1 de
mulher-a-arbitrar-um-jogo-10825336.html
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Normas do Cartão Branco/Fairplay, Plano Nacional de Ética no Desporto
stephanie-frappart-sera-la-premiere-femme-a-officier-en-ligue-1-en-tant-qu-
Regulamento de Arbitragem das Competições Organizadas pela Liga Portugal, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 08 de junho de 2016, alterado
arbitre-centrale/1012072 https://www.fifa.com/news/blatter-professional-referees-are-the-way-forward96444 58
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3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS
A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol https://www.liberation.fr/sports/1995/12/01/foot-operation-carton-bleu-pourencourager-le-fair-play_153201
Sites http://www.afporto.pt/AFP/ www.apaf.pt https://footcitoyen.org/ www.fpf.pt https://www.ine.pt/ https://www.knvb.nl/ http://www.pned.pt/
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FUTEBOL FEMININO André da Costa Gomes
4. FUTEBOL FEMININO
4. FUTEBOL FEMININO
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................97 2
No âmbito do 3º curso de Pós-Graduação em Organização e Gestão do Futebol
1.
INÍCIO DA HISTÓRIA DO FUTEBOL FEMININO.........................................98 3
Profissional, da Universidade Católica Portuguesa em parceria com a Liga Portugal, foi
2.
proposta a realização de um trabalho de tema livre como sendo um dos instrumentos de
3.
INÍCIO DA PRINCIPAL COMPETIÇÃO FEMININA EM PORTUGAL .....98 3 EVOLUÇÃO DO FUTEBOL FEMININO NO MUNDO ...................................99 4
4.
EVOLUÇÃO DO FUTEBOL FEMININO EM PORTUGAL ............................100 5
evolução que o mesmo tem tido, considerei pertinente abordar, neste trabalho, o futebol
5. PROGRAMAS DA FIFA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO .................................................................................................103 8
avaliação do mesmo. Assim, devido ao destaque que tem sido dado ao desporto e à feminino. É certo que a prática desportiva feminina não é novidade deste século nem do
5.1
Estratégia do futebol feminino ...........................................................................103 8
passado, no entanto, somente a partir das primeiras décadas do século XX é que as
5.2
107 Convenção do futebol feminino ....................................................................... 12 108 Programa de Mentoria de Treinadoras da FIFA .............................................. 13
mulheres conquistaram maior espaço neste território tido como, essencialmente,
6. PROGRAMAS DA UEFA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO 108 FUTEBOL FEMININO ............................................................................................... 13
Olímpicos Modernos que, apesar de não ter se consolidado de forma tranquila, muito
6.1
109 Programa HatTrick .......................................................................................... 14
6.2
109 Programa de Desenvolvimento do Futebol Feminino da UEFA (WFDP) ...... 14 Programa de Liderança Feminina no Futebol .................................................. 110 15
o futebol feminino está a crescer em Portugal e no mundo: há mais clubes a competir,
5.3
6.3
7. PROGRAMAS DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO EM PORTUGAL ................................................................................................................. 111 16 8.
ESTATÍSTICAS FUTEBOL FEMININO .......................................................... 112 17
9.
ECONOMIA DO FUTEBOL FEMININO ......................................................... 117 22 9.1
Assistências nos estádios ................................................................................. 117 22
9.2
Audiências televisivas ...................................................................................... 118 23
9.3
Patrocinadores .................................................................................................. 119 24
9.4
Prémios ............................................................................................................ 122 27
9.5
Transferências .................................................................................................. 122 27
9.6
Dívidas ............................................................................................................. 123 28
10. LUTA PELA IGUALDADE DE GÉNERO ........................................................ 124 29
masculino. Uma das razões para tal conquista foi a participação feminina nos Jogos menos fácil, possibilitou certa visibilidade da imagem da mulher atleta. A realidade é que mais praticantes federadas e uma maior atenção mediática. Assim, o presente trabalho tem como objetivos retratar a realidade do futebol feminino não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo, as conquistas que as mulheres têm de alcançar para serem reconhecidas pelo seu futebol e como é que o futebol feminino está a ser desenvolvido. No que diz respeito à estrutura, o presente trabalho começa com uma breve abordagem à história do futebol feminino, assim como do início da primeira competição feminina em Portugal, seguindo-se de uma análise da evolução do desporto em Portugal e no mundo. De seguida, é feito referência aos programas, tanto da FIFA como da UEFA, de apoio ao desenvolvimento do futebol feminino, às estatísticas do futebol feminino e à sua economia, finalizando com uma reflexão sobre a igualdade de géneros neste desporto. Por fim, irei fazer uma pequena reflexão individual sobre o tema.
11. REFLEXÃO PESSOAL SOBRE O FUTEBOL FEMININO ........................... 128 33 CONCLUSÃO............................................................................................................... 129 34 WEBGRAFIA ............................................................................................................... 130 35
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1. INÍCIO DA HISTÓRIA DO FUTEBOL FEMININO
Futebol Os Belenenses aceitaram o convite (o Boavista Futebol Clube já participava no Campeonato Nacional de Futebol Feminino) e assim foi criado um novo formato,
A FIFA contém as primeiras referências do primeiro jogo realizado por mulheres, data 1881, em Edimburgo. Contudo, a marca zero do futebol feminino foi o jogo realizado
constituído por 14 equipas, disputado num campeonato por pontos corridos. Por último, a partir da época 2017/2018 passa a ser disputado por apenas 12 equipas.
entre a seleção do Norte contra a seleção do sul de Inglaterra, em 23 de março de 1895.
Relativamente a competições de seleções de futebol feminino, Portugal tem um
Na maior parte dos outros países, o primeiro jogo entre mulheres realiza-se depois
grande destaque a nível mundial ao organizar o torneio Algarve Cup. Torneio este que é
de 1900, como é o caso da França e da Rússia, respetivamente em 1910 e 1911. Em países
realizado todos os anos pela FPF e pela Associação de Futebol do Algarve, desde 1994.
como Itália e Alemanha os primeiros jogos de futebol feminino só se realizaram depois
Este torneio realiza se com 12 seleções, que normalmente participam no Mundial, a
da Primeira Guerra Mundial. Em Portugal, o primeiro registo de um jogo feminino
convite da FPF. Este “Mundialito” é uma pré-preparação para o grande Mundial seguinte.
realizou-se entre equipas do C.D. Feirense e de paços Brandão, em março de 1935.
O Algarve Cup já viu jogarem todas as seleções que ganharam os mundiais de futebol
Em 1991, na China, realizou-se o primeiro Campeonato do Mundo de Futebol Feminino. A maior prova do mundo de futebol feminina contou com 12 equipas e
feminino. Por curiosidade, diversas vezes, a seleção que ganhava o Algarve Cup vencia também o Mundial que decorria após o torneio português.
consagrou a seleção norte-americana como a primeira campeã mundial de futebol feminino.
3. EVOLUÇÃO DO FUTEBOL FEMININO NO MUNDO Em todo o mundo, as mulheres jogam futebol com muita paixão. Nos estádios ou
2. INÍCIO DA PRINCIPAL COMPETIÇÃO FEMININA EM PORTUGAL
nos campos das aldeias, com equipamento de classe mundial ou em segunda mão, com
Foi criado, em 1985, pela FPF, a primeira competição oficial de futebol feminino denominada de Taça Nacional de Futebol Feminino. Foi a competição disputada por eliminatórias que determinou o campeão nacional até à época de 1992/93. Houve uma atualização a partir de 1993/94, a competição foi substituída pelo Campeonato Nacional de Futebol Feminino, uma competição com dez equipas jogado a duas voltas a pontos corridos. Neste formato, as quatro melhores equipas classificadas na fase inicial jogavam num grupo de apuramento de campeão e as equipas classificadas do
uma habilidade de um jogador profissional ou um entusiasmo de principiante - o futebol é o jogo global para mulheres e raparigas, que ultrapassa todos os limites em termos de sociedade, raça, religião, etnia e circunstâncias socioeconômicas. No nível de base, temos visto mais investimentos em projetos dedicados ao futebol feminino. Vários programas permitem que as associações distribuam níveis recorde de investimento para projetos de futebol feminino, com novas ligas e competições que são possíveis graças ao aumento do financiamento.
5º ao 10º lugar jogavam num grupo de manutenção. Os pontos obtidos na fase inicial
No entanto, a paixão pelo futebol feminino e o seu constante crescimento também
eram divididos em metade para a segunda fase. O clube vencedor do grupo de apuramento
demonstram as vastas oportunidades inexploradas apresentadas à comunidade do futebol
de campeão era sagrado campeão e qualificava-se para um lugar na Liga dos Campeões
como um todo - aumentar o jogo, envolver mais as mulheres nele no início, manter mais
de Futebol Feminino da UEFA. Os dois últimos lugares do grupo de manutenção seriam
mulheres no jogo durante mais tempo, e promover ainda mais o fortalecimento das
desprovidos ao Campeonato Promoção Feminino.
mulheres e os benefícios sociais do futebol.
A partir da época de 2016/2017, as equipas do principal escalão de futebol
O estado atual do futebol feminino é que o jogo está ainda subdesenvolvido e
masculino foram convidadas a formar uma equipa de futebol feminino. O Sporting Clube
precisa de mudanças fundamentais. Um marco importante foi a introdução da FIFA
de Portugal, o Sporting Clube de Braga, o Grupo Desportivo Estoril Praia e o Clube de
Women’s World Cup em 1991 e consequentemente a FIFA U-20 Women’s World Cup
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em 2002 e a FIFA U-17 Women’s World Cup em 2008. O nível de jogo melhorou
Atualmente a Liga feminina já conseguiu atrair para Portugal jogadoras
drasticamente. aumentou exponencialmente, e o jogo cresceu em popularidade. Basta
internacionais brasileiras, norte americanas e suecas, cujos países são exemplos para o
olhar para o enorme sucesso da FIFA Women’s World Cup Canadá em 2015, para indicar
futebol feminino. A nível mundial, a Liga Feminina portuguesa ainda é das poucas que
o quanto o desporto é popular e poderoso em todo o mundo, já que o evento gerou quase
conjuga a ausência de limite máximo de estrangeiras com obrigação de ter, na ficha de
meio bilhão de dólares de atividade econômica no país anfitrião. A final dos USA contra
jogo, um mínimo de jogadoras formadas localmente (8). Surge, portanto, uma
o Japão foi o jogo de futebol mais visto na história dos EUA. Sete jogos durante o torneio
controvérsia no futebol feminino. Por um lado, há uma maior visibilidade e
tiveram mais de 50.000 espectadores presentes e um total de nove bilhões de posts foram
competitividade da liga, por outro lado, para as jogadoras portuguesas há uma menor
registados no Twitter.
aposta nas mesmas.
No entanto, o sucesso competitivo e comercial está em contraste com os desafios
A estratégia de contratar jogadoras estrangeiras tem surtido resultados visíveis, ou
subjacentes que enfrentam o jogo e seus líderes quando se trata de base e desenvolvimento
seja, as primeiras classificadas da Liga Feminina tem o maior número de estrangeiras no
- que representam o futuro do jogo longe dos holofotes. Anos de negligência institucional
plantel, com exceção do Boavista, que desceu de divisão, apesar da aposta em jogadoras
e falta de investimento impediram que as mulheres praticassem o desporto e assumissem
estrangeiras. Outro caso, é do SL Benfica que subiu ao principal escalão também com
papéis em funções técnicas, administrativas e de liderança.
grande aposta em jogadoras estrangeiras (no caso, 11). Comparando Portugal com o
A falta de mulheres em cargos de responsabilidade na comunidade do futebol significa que houve vozes limitadas para defender a mudança. Estes últimos anos deu-se os primeiros passos para corrigir esse problema, aprovando algumas decisões marcantes para o futebol feminino e a representação das mulheres no futebol. Embora essas mudanças tenham sido significativas, os desafios que há pela frente ainda são grandes e
futebol de topo no resto do mundo, relativamente ao número de jogadoras estrangeiras, as diferenças são notórias. Se por um lado, nas principais ligas estrangeiras, o número médio de jogadoras estrangeiras é de 22%, na Liga Portuguesa, apenas o SC Braga e o SL Benfica (na divisão inferior) se aproximam do número, com dez e onze jogadoras estrangeiras, respetivamente.
é necessário continuar a aproveitar as circunstâncias criadas.
4. EVOLUÇÃO DO FUTEBOL FEMININO EM PORTUGAL Ainda longe da realidade do futebol masculino em Portugal, a verdade é que tem vindo aos poucos a realizar sucessivos progressos alcançando novas conquistas e a impor a sua presença. Para este crescimento ajudou a entrada do SC Braga e Sporting CP, e mais recentemente do SL Benfica. Para além do profissionalismo, estas equipas vieram trazer visibilidade e competitividade à liga feminina. Criaram equipas de raiz, desde a equipa A
Tabela 1 – Nº. de jogadoras estrangeiras e média de idade nas equipas da Liga feminina.
até aos escalões de formação e ofereceram a estas jogadoras as mesmas condições que as equipas masculinas têm, o que proporcionou o regresso de várias jogadoras internacionais portuguesas que jogavam no estrangeiro. Ana Borges, Carole Costa ou Laura Luís são alguns dos muitos exemplos. 5
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Comparativamente às principais ligas da europa, a média de idades das jogadoras é mais elevada na europa, com cerca de 25 anos, enquanto que em Portugal se encontra nos 22 anos. Estes dados devem-se a uma elevada taxa de desistência de atletas, fruto da falta de profissionalização das competições e dos clubes. Este facto obriga a uma maior
5. PROGRAMAS DA FIFA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO 5.1 Estratégia do futebol feminino
aposta dos clubes na formação e contratação de jovens jogadoras, na sua maioria estudantes, pois estas encontram-se mais disponíveis para conciliar o futebol e os estudos, criando um fosso competitivo entre as melhores equipas e equipas menos fortes. Uma das razões para isto acontecer é o facto de as equipas menos fortes só treinarem duas a três vezes por semana comparativamente às equipas mais profissionais, que treinam todos os dias. Outro motivo, tal como acontece no futebol masculino, é a exportação dos melhores talentos para o topo da Europa. A nível de seleção, Portugal tem feito história a cada passo que dá. Em 2017 participou pela primeira vez num Europeu de Futebol; em 2018 alcançou um inédito terceiro lugar na Algarve Cup e em 2019 entrou para o ranking das 30 de melhores seleções do mundo. A nível de formação, em 2012, a seleção sub-19 chegou às meiasfinais do Europeu da categoria e a geração de sub-17 alcançou pela segunda vez na história, uma fase final do campeonato europeu da categoria.
Os principais objetivos da FIFA relativamente à evolução do futebol feminino passam por aumentar o nível de participação, aumentar o valor comercial e construir os alicerces. •
AUMENTAR O NÍVEL DE PARTICIPAÇÃO A FIFA não deve apenas promover o futebol nas áreas em que não é atualmente
jogado por mulheres, mas também precisa desenvolver mais o desporto nas áreas em que as mulheres já praticam o desporto todos os dias. Aumentar o nível de participação feminina no futebol é fundamental para a organização alcançar as metas e objetivos delineados no FIFA 2.0: A visão para o futuro. A FIFA implementará novos programas e iniciativas para ampliar a participação, muitos dos quais procurarão melhorar os meios existentes para as mulheres participarem e adicionarem dimensões únicas ao jogo. Trabalhará diligentemente para garantir que mais mulheres tenham acesso ao futebol em regiões de todo o mundo, ao mesmo tempo que
Apesar de ainda estarmos distantes da realidade vivida por outros países europeus
apoiam as suas associações afiliadas no alcance dos objetivos de futebol feminino.
como a Espanha ou a Itália, Portugal está ainda a construir o seu futuro. A demonstração deste crescimento foi o novo recorde de assistência num estádio com 15.204 espetadores,
•
AUMENTAR O VALOR COMERCIAL
para assistir ao amigável e primeiro derby entre Sporting CP e SL Benfica, que
A capacidade da FIFA de desenvolver o jogo depende da sua eficácia para
ultrapassou os 12 mil espetadores da final da Taça de Portugal, em 2017, jogada entre
comercializar as suas competições e eventos. A FIFA tem uma tremenda oportunidade de
Sporting CP e SC Braga.
expandir os seus esforços de desenvolvimento, criando novas fontes de receita a partir de
Com a subida do SL Benfica ao escalão principal, na próxima época, é esperado que números como estes se voltem a repetir. A expetativa é que Portugal continue a fazer história, tanto a nível de clubes como a nível de seleção, para que um dia seja o nosso país um modelo a seguir.
competições e eventos das suas mulheres e fornecendo a todas as partes interessadas a orientação estratégica para fazer o mesmo. A organização otimizará as competições existentes para maximizar a sua qualidade e benefícios comerciais e dedicará o mesmo foco à criação de novas competições que fornecerão oportunidades adicionais para as mulheres jogarem no panorama mundial. •
CONSTRUIR OS ALICERCES Como a FIFA trabalha para aumentar a participação feminina no futebol e
aumentar os benefícios comerciais associados, ela basear-se-á nas fundações atuais para governar e regular efetivamente um ecossistema de futebol feminino mais sofisticado. A 8
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organização desenvolverá ainda mais plataformas de treino de liderança projetadas para
• Desenvolver e implementar um programa de Futebol nas Escolas;
atrair mulheres para os altos escalões da indústria do futebol, aperfeiçoará as atuais
• Promover maior cooperação, educação e defesa do futebol feminino entre a FIFA, as
estruturas reguladoras e modernizará a sua gestão do jogo, desenvolvendo e
confederações e as federações afiliadas.
aperfeiçoando as ferramentas pelas quais regula questões dentro e fora do campo. Como a FIFA trabalha para fortalecer todos os seus relacionamentos dentro da
Melhorar as competições femininas
comunidade global de futebol, dará especial atenção aos interesses do futebol feminino,
Aproveitar a popularidade da FIFA Women’s World Cup, desenvolver novas
sabendo que o aumento da participação feminina no futebol terá um papel importante na
competições FIFA, tornar o calendário internacional mais forte e otimizar as competições
realização dos maiores objetivos da organização como o crescimento do jogo, protegendo
regionais de todos os níveis.
sua integridade e trazendo-o para todos. Assim, a FIFA irá: • Aumentar o perfil da FIFA Women’s World Cup e usá-la como uma força motriz para
Para cumprir os principais objetivos, a FIFA vai se basear em cinco pilares: o Desenvolver e crescer;
o desenvolvimento do futebol feminino;
o Melhorar as competições femininas;
• Trabalhar com confederações para otimizar o caminho de qualificação regional para as
o Comunicar e Comercializar;
competições femininas da FIFA (idosos e jovens);
o Governar e liderar;
• Continuar a desenvolver torneios juvenis da FIFA para construir a participação feminina
o Educar e empoderar.
de elite numa idade mais precoce; • Desenvolver e lançar novos concursos internacionais para equipas nacionais e clubes femininos;
Desenvolver e crescer dentro e fora do campo
• Examinar, monitorar e analisar o panorama global das ligas profissionais de clubes, com Criar programas de desenvolvimento feitos sob medida para os membros associados, academias globais de futebol feminino, futebol nas escolas, desenvolvimento
vista a desenvolver o quadro regulamentar em torno do futebol feminino, protegendo a sua integridade e os jogadores.
e mentoria de treinadoras e desenvolvimento de árbitras. O objetivo é ter as estratégias em 100% dos membros associados e dobrar o número de
Comunicar e comercializar: ampliar exposição e valor Criar programa comercial dedicado ao futebol feminino, oferecer alternativas
associações com ligas juvenis em 2026, aumentando o acesso ao futebol feminino para
de distribuição de conteúdo digital, nomear embaixadoras do futebol feminino e trabalhar
as mulheres.
com organizações e influenciadores ativos em promoção e proteção de direitos humanos. Especificamente, a FIFA irá: • Duplicar o número de jogadoras para 60 milhões até 2026;
Objetivos específicos incluem:
• Elevar os padrões dos clubes e ligas de futebol feminino em todas as associações
• Conceber uma estratégia clara de comunicação do futebol feminino, abrangendo
membros;
competições e desenvolvimento;
• Duplicar o número de associações membros que organizaram ligas juvenis até 2026, a
• Desenvolver um programa de marketing eficaz para o futebol feminino global que
fim de diminuir a taxa de abandono e sustentar a participação das mulheres no futebol;
aproveite todo o seu potencial comercial e impacto social;
• Garantir que, até 2022, 100% das associações membros da FIFA tenham desenvolvido
• Desenvolver e implementar um programa comercial de futebol feminino até 2026;
estratégias abrangentes de futebol feminino; 10
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• Trabalhar para aumentar a conscientização sobre os principais atletas do sexo feminino
Assim, a FIFA irá:
e modelos de comportamento através de uma maior cobertura e exposição nas próprias
• Fortalecer a capacidade do futebol de ter um impacto positivo na vida de mulheres em
plataformas digitais e de comunicação da FIFA;
todo o mundo;
• Identificar embaixadores para elevar o perfil do futebol feminino e defender acesso,
• Aproveitar o poder das competições e eventos da FIFA para abordar questões sociais
oportunidades iguais, benefícios para a saúde e mudanças sociais positivas através do
específicas enfrentadas por mulheres e meninas (por exemplo, saúde, empoderamento,
jogo.
igualdade); • Educar e inspirar as jogadoras e as pessoas envolvidas na entrega do futebol feminino em questões médicas, a importância de estilos de vida e estratégias saudáveis para garantir
Governar e liderar: equilibrar a igualdade de gênero em papéis de liderança Garantir o futebol feminino e a representação feminina nos principais órgãos de
carreiras de longa duração;
decisão, melhorar estruturas regulatórias para impulsionar a profissionalização e capacitar
• Participar e/ou apoiar programas e campanhas promocionais com o objetivo de capacitar
aqueles dedicados à modalidade e promover uma rede global. O objetivo é que cada
as mulheres através do futebol;
membro associado tenha pelo menos um cargo no Comitê Executivo dedicado os
• Apoiar as associações afiliadas e entidades desportivas que fazem lobby para que os
interesses das mulheres e até 2026 ter pelo menos uma mulher a ocupar esse cargo, e, até
governos incluam o futebol feminino no currículo escolar.
2022, pelo menos um terço do comitê de membros da FIFA ser formado por mulheres. As medidas também visam fortalecer e expandir o Programa de Desenvolvimento de
5.2 Convenção do futebol feminino
Lideranças Femininas e promover profissionalização e supervisão regulatória. Trata-se de um evento de dois dias, realizado nas vésperas do Mundial Feminino Objetivos incluem:
de Futebol, que se realizou em Paris, onde estão representadas todas as 211 federações,
• 100% das federações filiadas à FIFA devem ter pelo menos uma mulher presente no seu
bem como as principais partes interessadas de todo o mundo como líderes do mundo do
comitê executivo até 2026.
futebol, política e sociedade. Com o propósito de discutir o desenvolvimento do futebol
• Até 2022, pelo menos um terço dos membros do comitê da FIFA serão mulheres.
feminino, os benefícios sociais do futebol para as mulheres e meninas e o impacto positivo
• Cada associação membro dedicará pelo menos um lugar em seu comitê executivo para
a níveis sociais, políticos e económicos, a fim de desafiar formas persistentes de
representar os interesses das mulheres no futebol e no futebol feminino.
discriminação e estereótipos que atrasam o progresso do empoderamento feminino.
• Avançar na profissionalização do futebol feminino, assegurando que as jogadoras estejam protegidos e tenham um claro reconhecimento pela sua profissão nos níveis da FIFA, associação de membros e confederação.
Da convenção resultou o primeiro memorando de entendimento entra a FIFA e a ONU para a Igualdade de Género e o Empoderamento da Mulher. O Memorando de Entendimento proporcionará uma estrutura sólida para o fortalecimento e o desenvolvimento de sinergias entre a FIFA e a ONU Mulheres. Ambas as organizações
Educar e Empoderar Criar parcerias com ONG’s e organizações para aprofundar o impacto social, implementar e apoiar campanhas de empoderamento feminino, desenvolver programar com membros associados a nível nacional.
pretendem trabalhar em plena colaboração com autoridades públicas, organizações internacionais, setor privado e organizações de mídia e desporto, tendo como objetivo tornar o futebol mais acessível a mulheres e disseminar conteúdos desportivos diversos para promover a igualdade de género. As principais áreas conjuntas de trabalho são o desenvolvimento de políticas desportivas, a promoção e apoio de projetos sustentáveis que ajudarão a criar um legado 12
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duradouro, mudança cultural, empoderamento de mulheres em todo o mundo, e
denominado de programa HatTrick e também o Programa de Desenvolvimento do
comunicações para aumentar a conscientização sobre igualdade de género por meio do
Futebol Feminino da UEFA (WFDP).
desporto, por exemplo, com o apoio das Lendas da FIFA e Embaixadoras da Boa Vontade da ONU, bem como de grandes torneios.
A UEFA promove a modalidade junto das federações ainda não ativas neste sector, incentivando-as a definir os principais objetivos estratégicos e financeiros, ainda recomenda a inclusão de mulheres em lugares-chave, e garante que todas as federações têm ligas nacionais femininas. Do mesmo modo, as federações estão a ser estimuladas
5.3 Programa de Mentoria de Treinadoras da FIFA
para promoverem o futebol feminino. A UEFA pertente também que as instalações e os
Parte do compromisso da FIFA consiste em aumentar oportunidades que existem
ambientes de jogo devem ser adequados a jogadoras, árbitros e espectadores. A nomeação
dentro do futebol para as treinadoras, o programa conta com treinadores experientes como
de estrelas do futebol feminino para os papéis de embaixadoras confere igualmente alto
mentores de um grupo de treinadoras promissoras de todo o mundo. Este programa
padrão à promoção da modalidade.
começou em outubro de 2018 e decorrerá até novembro de 2019. Esta mentoria é realizada de duas formas, por via Skype e cara a cara.
6.1 Programa HatTrick
Relativamente às reuniões que decorrem cara a cara, a primeira é organizada pelo O HatTrick foi lançado no final de 2003 e é totalmente financiado pelas receitas
mentorado que trata das questões referentes à hospitalidade e na segunda reunião acontece
do Campeonato da Europa (EURO). Foi criado para fornecer apoio financeiro às
o inverso. Outras reuniões serão acordadas entre os dois.
federações-membro da UEFA, de modo a desenvolver e fomentar o futebol a todos os níveis. O programa é assente em três pilares: verbas para investimento, partilha de 6. PROGRAMAS DA UEFA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO
conhecimento e formação desportiva. Em relação ao futebol feminino, fornece financiamento anual de solidariedade às
O futebol feminino desenvolveu-se bastante nestes últimos anos em toda a europa
federações-membro da UEFA, permitindo a sua participação nas competições de jovens, femininas e amadoras da UEFA. Através da criação do Programa de Desenvolvimento do
e está a tornar-se numa atração do futebol por direito próprio. Competições como o Campeonato da Europa Feminino ou a UEFA Women's
Futebol Feminino da UEFA (WFDP).
Champions League ganharam em exposição e desenvolveram o seu nicho distintivo e as futebolistas europeias de topo emergiram como personalidades e modelos a seguir pelas jovens raparigas. Cada competição passada, seja a nível sénior ou em torneios europeus
6.2 Programa de Desenvolvimento do Futebol Feminino da UEFA (WFDP)
de futebol feminino jovem, acrescenta progresso técnico e tático, despertando interesse
O WDFP iniciou-se, em Praga, em dezembro de 2010, com a assistência do
público e comercial, bem como a sensação inevitável de que o futebol feminino está a
programa HatTrick, no qual, visa a expansão, a todos os níveis, da variante feminina por
avançar a um ritmo tremendo.
toda a Europa.
Este crescimento levou a UEFA e as suas federações a criarem programas de
O crescimento do futebol feminino significa que, em especial as jovens, têm um
desenvolvimento do futebol feminino como o programa de assistência da UEFA,
número de jogadoras de topo em quem se inspirar cada vez maior. Essas jogadoras estão a tornar-se figuras respeitadas por direito. Consequentemente, a UEFA está a constituir 14
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um grupo de embaixadores, que irão trabalhar juntamente com o organismo europeu para cultivar o futebol feminino em toda a Europa.
7. PROGRAMAS DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO EM PORTUGAL
Com o programa WFDP, a UEFA pretende promover o futebol feminino junto das federações que ainda não estejam ativas neste setor, pressionará as federações nacionais a estabelecerem objetivos estratégicos e financeiros a este respeito, recomendará a inclusão de mulheres em posições de topo e assegurará que todas as federações nacionais
Uma das apostas da FPF para o desenvolvimento do futebol feminino em Portugal é o programa “Responde em campo”, que tem como objetivo tornar a modalidade o mais praticável possível de norte a sul do país.
tenham uma Liga feminina nos respetivos países. As atividades do futebol de formação
Este programa, lançado em 2017, tem a intenção de encorajar meninas e mulheres
estão a ser intensificadas, os planos de recrutamento e trajetos das jogadoras visam ajudar
a praticarem cada vez mais este desporto, mas também, de combater o preconceito
as futebolistas a encontrarem o seu nível apropriado e as instalações e ambientes de jogo
existente na cultura portuguesa e, portanto, mudar as mentalidades para desmitificar as
devem ser condicionados de modo a satisfazerem jogadoras, dirigentes e espectadores.
ideias pré-concebidas sobre o futebol feminino. Com o crescimento do futebol feminino e o seu salto qualitativo em Portugal, a
6.3 Programa de Liderança Feminina no Futebol
FPF tem criado novas competições nacionais e apostado na melhoria das condições de O futebol feminino europeu prossegue o seu trajeto rápido dentro e fora de campo,
trabalho tanto para as atletas como para os restantes agentes desportivos ligados ao futebol
com esse progresso a apelar a uma maior participação das mulheres no processo de
feminino. Este programa tem uma ferramenta que mostra todas as equipas existentes, em
tomada de decisão do futebol europeu.
Portugal, com futebol feminino e os seus escalões disponíveis.
A UEFA responde, assim, ao retorno que lhe surgiu das federações-membro. Em
Outra das apostas da FPF é o foco nas camadas jovens - talvez a principal
resultado disso, o organismo europeu criou um programa específico de liderança para as
estratégia destes últimos anos. A nível de juniores, iniciou em 2016 o campeonato
mulheres envolvidas nas federações nacionais.
nacional de juniores de futebol nove, que de ano para ano tem mais equipas a competir.
Mais mulheres estão hoje envolvidas em lugares de liderança no futebol. Não obstante, os números mostram que ainda são muito poucas as mulheres que ocupam cargos de liderança nas federações nacionais. O objetivo da WFLP será, juntamente com as federações, acelerar um processo de desenvolvimento e dar apoio extra às mulheres já
Para além disto, também existe a Taça Nacional de juvenis sub-17 e duas competições distritais, no qual, a partir desta modalidade todas são praticadas em futebol sete. Também há distritais juvenis de sub-15, a Taça Nacional sub-14 de futebol misto e, por fim, o Encontro Nacional Infantis de sub-13.
em posições de liderança.
No que toca a seleções de futebol feminino para além da seleção sénior também
A iniciativa da WFLP destina-se a mulheres que trabalhem no futebol, não necessariamente aquelas que trabalham no sector do futebol feminino.
apresenta seleções em muitos escalões como a seleção nacional sub-19, sub-17, sub-16 e sub-15, algumas chegando a atingir fases finais de europeus. Estas competições e conjunto de seleções só se concretizam, porque também há a estratégia da criação e desenvolvimento de centros de treino com intuito de colher frutos num futuro a curto e longo prazo. Existem centros de treino em todos os distritos para jogadoras entre os doze e dezassete anos, com vista a aumentar as qualidades e identificar valores para o futebol feminino. Os treinos são geridos pelos coordenadores técnicos das associações e as atletas são avaliadas pelas equipas técnicas nacionais.
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Os centros de treino estão a ser premiados pela FIFA, que se enquadram no
O futebol feminino na Europa continua a crescer e a desenvolver-se de forma
programa FIFA Academies, com um apoio durante 18 meses, que consistem em
consistente. Uma pesquisa compilada pela UEFA para a temporada de 2016/17
financiamento e fornecimentos de equipamento.
(disponível em inglês) mostra que o número de jogadoras de futebol federadas é
Jornadas Técnicas de Futebol Feminino é um debate realizado pela FPF onde
atualmente superior a 1,270 milhões.
promove trocas de ideias e argumentos com os clubes com vista ao desenvolvimento do futebol feminino. Nestas jornadas são debatidas as realidades vividas pelos clubes, o
A título de exemplo, países como a Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, Noruega e Suécia têm mais de 100 mil jogadoras de futebol federadas.
trabalho realizado pela federação e também da seleção nacional. As jornadas têm o objetivo de melhorar o trabalho e a organização dos clubes e as próprias competições nacionais com a realidade dos mesmos e da federação. Isto só é possível com partilha, troca de ideias e informação do resultado da união e cooperação dos clubes e federação para melhorar projetos e desenvolver ideias.
8. ESTATÍSTICAS DO FUTEBOL FEMININO
É cada vez maior o número de jovens do sexo feminino a jogar futebol, com o
“O futebol é para todos” é um grande salto cultural que tem vindo a acontecer, isto é, todo o potencial do futebol feminino está a crescer e não tem limites. Isto deve-se às mudanças de mentalidade, principalmente uma maior abertura das famílias, que já aceitam que uma menina jogue futebol.
número de jogadoras de futebol federadas com menos de 18 anos a ultrapassar os 827 mil. Consequentemente, o número de ligas jovens (de Sub-6 a Sub-23) passou de 164 para 266 entre 2012/13 e 2016/17. Além disto, 52 países já contam com um campeonato nacional sénior feminino de futebol.
Todos os programas desenvolvidos pela FIFA, UEFA e pela FPF impulsionaram o futebol feminino, por exemplo, a UEFA quer duplicar o número de atletas femininas até 2024 pretendendo alcançar 2,5 milhões de atletas federadas entre os 55 países membros e as estatísticas comprovam estas alterações ao longo destes últimos anos.
O número de seleções europeias, incluindo equipas jovens, subiu de 173 em 2012/13 para 233 em 2016/17. Vinte federações possuem academias nacionais femininas destinadas ao desenvolvimento das jovens futebolistas. 17
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Relativamente a Portugal, e segundo dados da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), de 1990 até 2018 o número de jogadoras, a nível sénior, subiu de 375 para 1073.
Gráfico 2 – Nº. de jogadoras séniores e juniores, durante 4 épocas, em Portugal. (Fonte: FPF)
Como o futebol não é só realizado com jogadores, também existe uma evolução do número de treinadoras e árbitras que se registam, respetivamente, em 17.553 e 10.200 qualificadas nas federações europeias.
Podemos constar que em Portugal o maior crescimento no número de jogadoras do futebol feminino aconteceu significativamente a partir de 2015 nas camadas jovens de
44 federações possuem comité de futebol feminino. Em 2016/17, 399 mulheres
juniores, com 3701 jogadoras.
trabalhavam como diretoras ou num cargo superior em federações nacionais (121 em 2012/13).
Gráfico 3 – Nº de jogadoras, num conjunto de 4 anos, que jogaram pelos diferentes escalões da seleção portuguesa. (Fonte: FPF) Gráfico 1 – Número de futebolistas séniores femininas em Portugal. (Fonte: jornal Público)
Em relação ao número de jogadoras que passaram pela seleção nacional nos diferentes escalões, podemos verificar que seguiu a normal evolução do número de jogadoras que aumentaram de ano para ano. Com a federação a acompanhar esta 19
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tendência criando naturalmente, em 2013, as seleções nacionais de sub-17 e sub-16, no
mesmo de lhe chamar futebol masculino. E isto certifica o crescimento tremendo do lado
qual se jogaram até 2014 pela sub-17 44 jogadoras e pelas sub-16 40 jogadoras, pela sub-
feminino do desporto-rei.
19 de 2010 até 2014 jogaram 154 jogadoras já a seleção principal utilizou 165 jogadoras. Enquanto que de 2014 até 2018, jogaram pela seleção principal 134 jogadoras, pelas sub19 173, pelas sub-17 114 e pelas sub-16 119.
9. ECONOMIA DO FUTEBOL FEMININO 9.1 Assistências nos estádios A modalidade viveu nos últimos meses, principalmente na Europa, uma onda de popularidade que muito se deve ao investimento dos clubes e das federações como também uma maior atenção dispensada pela comunicação social. A popularidade levou a recordes de assistência em muitas competições, esta época, como no caso da liga espanhola feminina, em março. O Atlético de Madrid recebeu o Barcelona no Wanda Metropolitano e 60.739 pessoas encheram a bancada do estádio
Tabela 2 – Nº de treinadores licenciados, em Portugal. (Fonte: UEFA)
Colchonero, que ultrapassou o máximo de assistência que era de 50.212 espectadores, A UEFA também reteve dados sobre o futebol feminino em Portugal, na época 2016/2017, onde verificou que Portugal tem 248 treinadoras licenciadas.
registado na final da Liga dos Campeões de 2012, entre Lyon e Frankfurt. Em Itália para o campeonato italiano de futebol feminino o recorde estabeleceu-se em 39 000 pessoas a assistir ao jogo entre a Juventus e a Fiorentina. Na Inglaterra há cada vez mais espetadores e, consequentemente, estádios lotados. Em Portugal, como já foi referido anteriormente o recorde estabeleceu-se no amigável ente Sporting e Benfica com 15.204 espetadores. No jogo inaugural do Mundial feminino deste ano, em França, com a equipa anfitriã contra a seleção da Coreia do Sul, registou-se uma assistência de 45 mil adeptos. Mas ainda longe do recorde internacional, alcançado ainda em 1999, na final do
Tabela 3 – Dados sobre arbitragem feminina (Fonte:UEFA)
Campeonato do Mundo num jogo que se disputou entre os EUA e o Japão, na Califórnia, Apesar de Portugal ter 38 árbitras licenciadas, a FPF opta por ter ambos os sexos
com a incrível marca de 90 mil espetadores.
a arbitrar a principal liga feminina em Portugal. A FPF tem também programas de recrutamento e desenvolvimento de árbitras.
O Campeonato do Mundo de França está a ser encarado como o grande evento desportivo do ano. Este torneio só começou a 7 de junho, mas em abril já tinha mais de
Em Portugal, as mulheres possuem já vários postos nas direções da FPF como da
720 mil bilhetes vendidos. A FIFA já tinha dado conta de um número recorde de vendas
Liga Portugal e o comité do Futebol feminino é exclusivamente representado por
de bilhetes, sendo que os jogos de abertura, das meias-finais e da final se esgotaram em
mulheres.
menos de 48 horas.
Apesar destes números que crescem de forma sustentada, Portugal ainda está longe do patamar europeu. Apesar disso, há uma nova realidade, em Portugal, antes o futebol masculino era apenas “futebol”. Agora, Portugal está cada vez mais perto de ter
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9.2 Audiências televisivas
oferecer, segundo os especialistas, “um montante sem precedentes no futebol feminino”, se a seleção norte-americana conseguir conquistar o título mundial em França, em julho.
Ainda sobre o Campeonato do Mundo que decorre na França, para além das assistências dos estádios se aproximarem do máximo, as audiências televisivas superam as expetativas. Tudo indica que vai ultrapassar a fasquia dos 764 milhões de telespectadores que a FIFA garante que se uniram à voltas das televisões há quatro anos e, na qual, estima que durante este Mundial pode alcançar um milhar de milhões de pessoas a assistir pela televisão.
Em Portugal, não há nenhum canal com os direitos totais das competições femininas realizadas no nosso país, exclusivamente a RTP transmite todos os jogos da Seleção feminina. Consequentemente, o encontro com maior audiência num jogo de futebol feminino em Portugal, foi o encontro entre Portugal e Inglaterra, na fase de grupos do Europeu de 2017, com números a atingir 875 mil telespetadores, de acordo com os dados fornecidos pela GFK.
Segundo a TF1, que detém os direitos de transmissão, apontava a 5 milhões de espetadores para o jogo de abertura do torneio, mas na verdade, foram 10.9 milhões de pessoas, num recorde no que a audiências do futebol feminino diz respeito. O segundo jogo da França cotra a Noruega, chegou mesmo aos 11 milhões de espectadores. São números equivalentes aos registados nos primeiros jogos da seleção francesa masculina no Mundial da Rússia, em 2018.
Apesar de estes números se superarem cada vez mais, a realidade é que o futebol feminino ainda não tira proveito desse crescimento, isto porque, por exemplo, o Mundial que decorre na França é comercializado como um subproduto do mundial Masculino. Ou seja, o Mundial de Futebol feminino é vendido, a redes como a Fox nos Estados Unidos e Canadá ou TF1 em França, num pacote que inclui vários campeonatos internacionais ao mesmo tempo (Mundial masculino e feminino, Taça das Confederações, etc). Dentro
Os jogos da seleção brasileira também fizeram disparar as audiências da TV Globo, canal responsável pelos direitos de transmissão no Brasil, que transmite pela primeira vez desde que o Mundial feminino é realizado. No jogo de estreia da seleção brasileira contra a seleção jamaicana as audiências da TV Globo duplicaram
do ‘bolo financeiro’ que representam os direitos televisivos no futebol mundial, só um por cento vai para o futebol feminino. 9.3 Patrocinadores
comparativamente com os quatro domingos, segundo os números do Kantar Ibope Media.
O progresso tanto das assistências, como das audiências, tem repercussões
Em relação à transmissão televisiva de alguns dos principais campeonatos de
relativamente aos patrocinadores com o futebol feminino a ter uma maior visibilidade,
futebol feminino: em França, o Canal Plus antecipou-se às previsões e transmite, desde o
em termos mundiais, logo atrai cada vez mais patrocinadores e um maior montante
começo desta temporada, todos as partidas da Ligue 1 feminina. Segundo o jornal ‘Le
envolvido nos acordos com os mesmos. As candidaturas para sediar o próximo Mundial
Parisien’, a rede privada de televisão vai pagar 1,2 milhões de euros por temporada
de futebol feminino, em 2023, atingiu um recorde de 9 candidaturas de 10 países.
durante cinco anos, bem acima dos 110 mil euros desembolsados em 2011 e os 200 mil em 2017.
Sendo o mundial feminino a grande revolução do futebol feminino e para acompanhar as tendências recordistas, este mundial bate mais um recorde, desta vez ao
O grupo Mediapro, em Espanha, paga atualmente três milhões de euros por ano
nível de patrocínios, chegando pela primeira vez aos 12 patrocinadores. Destes
pelos direitos televisivos das principiais provas de futebol feminino, quando até agora
patrocinadores, 6 são incluídos obrigatoriamente porque patrocinam todas as competições
transmitia gratuitamente o futebol feminino.
organizadas pela FIFA. Estes são a Adidas, Coca-Cola, Hyundai-Kia, Qatar Airways,
Isso já não acontece nos Estados Unidos da América, onde nenhuma rede de televisão transmite os jogos do campeonato desde que a NWSL denunciou o seu contrato com o grupo A&E, embora atualmente esteja a negociar com a NBC, que poderia
Visa e Wanda. Os outros 6 que acrescem à lista são a empresa química Arkema, o banco Crédit Agricole, a companhia elétrica EDF, a agência de empregos Proman, a companhia ferroviária SNCF e, por fim, a multinacional de telecomunicações Orange, que já é um
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dos principais patrocinadores da Federação Francesa e de várias equipas de futebol
competição. Segundo o jornal The Guardian é o maior contrato da história do futebol
francês.
feminino inglês. As verbas serão distribuídas, pela primeira vez, pelos clubes de futebol,
Ainda sobre o Mundial, devido às assistências nos estádios que se aproximam do máximo, as audiências televisivas também superaram as expectativas e já levaram a um
os valores vão depender da classificação no final da temporada. O acordo ainda contempla apoio a mais de cem escolas de futebol feminino espalhadas pelo país.
aumento do preço dos espaços publicitários. No mesmo sentido, a TF1 aumentou os
A MasterCard é a nova patrocinadora das equipas femininas de futebol do
preços dos espaços publicitários exibidos nos intervalos dos jogos: um anúncio de 30
Arsenal, da Inglaterra, e do Lyon, da França. O objetivo da marca é aumentar a
segundos subiu de 73 mil euros para 116 mil, de acordo com o diário francês Le Parisien.
consciencialização sobre o futebol feminino, além de elevar os níveis de investimento,
Na sequência da separação dos direitos de patrocínio da UEFA, a Visa assume-se como o primeiro patrocinador oficial do organismo europeu para o futebol feminino. No âmbito do novo acordo, a marca torna-se, até 2025, o patrocinador principal da Liga dos Campeões de Futebol Feminino da UEFA, do Campeonato Europeu de Futebol Feminino,
profissionalismo e competitividade da modalidade. Escolheu estas duas equipas porque o Arsenal acabou de conquistar a Women's Super League (WSL), enquanto o Lyon venceu pela quarta vez consecutiva a Champions League feminina e também é o clube francês que ainda possui no currículo os títulos das últimas 13 edições da liga nacional francesa. O investimento da MasterCard no futebol feminino ainda terá outra vertente, o das
dos Campeonatos Europeus de Futebol Feminino Sub-19 e Sub-17 e do Campeonato da
jogadoras. A marca anunciou as suas primeiras embaixadoras na modalidade, com
Europa de Futsal Feminino. A Nike seguiu o exemplo da Visa e, pelo acordo assinado até 2021, a fabricante americana será responsável por fornecer a bola oficial dos principais torneios da UEFA incluindo a UEFA Women’s Champions League, o EURO Feminino, os Campeonatos da Europa Femininos de Sub-19 e de Sub-17 e o EURO Futsal Feminino. A Nike projetará uma bola personalizada apenas para uso em competições femininas.
destaque para a norueguesa Ada Hegerberg, campeã da Champions League com o Lyon e atual detentora da Bola de Ouro entre as mulheres. Além dela, as companheiras de equipe Kadeisha Buchanan, Saki Kumagai e Wendie Renard também foram escolhidas pela MasterCard, assim como Alex Scott, ex-jogadora do Arsenal e da seleção inglesa, Pernille Harder, do Wolfsburg e da seleção dinamarquesa, e Sam Kerr, do Chicago Red Stars e da seleção australiana.
A seleção brasileira obteve o patrocínio da empresa Guaraná Antarctica para o Campeonato do Mundo que está a decorrer. É a primeira campanha do futebol brasileiro para apenas jogadoras, sem envolvimento de jogadores brasileiros. As verbas do patrocínio serão repartidas pelas jogadoras e pelo projeto “joga Miga”, uma iniciativa sem fins lucrativos que apoia as mulheres a jogar futebol. Esta campanha da Guaraná Antactica impulsionou o apoio de mais cinco marcas: a agência de publicidade Almap
O relatório Football Money League, da Deloitte, que analisou o futebol feminino pela primeira vez, destaca o potencial de três quintos dos clubes de futebol das principais ligas femininas do mundo contam com patrocinadores exclusivos (que não são da equipa masculina) e preveem que isso aumentará para 100% antes do Campeonato do Mundo Feminina de 2023. Em Portugal, o BPI vai patrocinar a seleção feminina de sub-21, nos próximos
BBDO, Boticário, DMCard, GOL e Lay's, no apoio ao futebol feminino no Brasil. No futebol americano, a Visa também fez um novo acordo com a US Soccer para patrocinar as equipas americanas. A empresa exige que pelo menos 50% da verba do patrocínio seja direcionado paras as seleções de futebol feminino, principalmente para o desenvolvimento das categorias de base e iniciativas de marketing.
quatro anos e vai ser o principal patrocinador da 1ª Liga de Futebol Feminino. A 1ª Liga de Futebol Feminino vai até ganhar-lhe o nome e passar a designar-se ‘Liga BPI’, espelho do empenho do banco português, que já afirmou querer “contribuir para criar condições para aumentar o número de jovens praticantes”. A empresa Allianz patrocina também o futebol feminino português dando também o nome à “Taça de Portugal Allianz” e
Em Inglaterra, a instituição financeira Barclays será a patrocinadora da Superliga
“Supertaça Allianz”.
Feminina (WSL), até junho de 2022, no qual o nome da empresa será atribuído à 25
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9.4 Prémios
A esmagadora maioria das contratações no futebol feminino ocorrem sem
São ainda um assunto sensível entre as jogadoras e as federações, entre as seleções e a FIFA e entre as jogadoras e as suas patrocinadoras. Esta ainda é das principais lutas pelos direitos das jogadoras, um tema que explicarei melhor mais à frente. Os valores dos prémios estão a crescer e alguns a igualar os prémios do futebol masculino, em outros casos a distância ainda é grande. A este respeito, a FIFA melhorou um pouco a verba para este Campeonato do Mundo de Futebol Feminino ao duplicar o valor, em relação à última participação, 3,5 milhões para o vencedor e um montante global de 26,6 milhões a distribuir pelas equipas
compensação financeira. E em 90% dos casos, as jogadoras esperam que o seu contrato acabe para poder mudar de clube. Nos Estados Unidos da América, na competitiva liga feminina (NWSL), as escassas movimentações de jogadoras no mercado são feitas por ‘troca’, assim como nos demais campeonatos profissionais. Os 100.000 dólares (89 mil euros) que, segundo a imprensa, foram pagos pela MagicJack, a franquia de futebol feminino da Flórida, em 2011, pela estrela Megan Rapinoe, são a exceção.
participantes. O sindicato das jogadoras FIFPro vai entrar em conversações, no final do
Estas diferenças podem ser explicadas, em parte, pelo facto de as jogadoras serem
mundial, com a FIFA para a melhoria de reivindicações relativamente às folhas salariais,
amadoras na maioria dos países. Nos países onde o futebol feminino é mais desenvolvido,
mas também nas condições logísticas e nos serviços médicos disponibilizados.
as ligas de elite são formadas por um número limitado de clubes. E se há menos equipas,
As atletas patrocinadas pela Adidas que integrem a equipa que ganhar o
há menos jogos… e por isso é gerada menos receita.
Campeonato do Mundo feminino da FIFA, neste ano, irão receber os mesmos prémios de desempenho dos atletas masculinos, anunciou a empresa de produtos desportivos.
Mas para multiplicar as operações milionárias, os clubes têm necessidade de aumentar as suas receitas. Atualmente, um clube como o Lyon, uma referência na Europa
A partir de 2020, a UEFA vai aumentar as verbas encaminhadas para as Federações para desenvolvimento do futebol feminino, a FPF terá em mãos 150 mil euros
a nível de futebol feminino, dispõe de um orçamento que oscila apenas entre os sete e os oito milhões de euros.
(mais 50 mil do que recebe atualmente). Uma ajuda extra na missão de levar o futebol feminino de um nível médio, no panorama mundial, para um nível mais avançado.
9.6 Dívidas O futebol feminino vive um bom momento na Inglaterra. A poucos dias do
9.5 Transferências
Campeonato do Mundo, clubes ingleses chegaram a um número recorde de participações
As transferências de jogadoras ainda está num nível muito distante comparativamente às transferências com jogadores. No meio das ‘montanhas’ de dinheiro que cercam o futebol masculino, os números do futebol feminino, semi-profissional em muitos casos, parecem minúsculos. Em 2018, a FIFA registou 16.533 transferências no futebol masculino, com um total de 6,2 mil milhões de euros em movimentação de jogadores. No futebol feminino realizaram-se 696 contratações, num total de 503 mil euros em movimentação de jogadoras.
em campeonatos na Europa e atraem cada vez mais adeptos para os estádios que estão cada vez mais lotados. De olho neste cenário, as marcas estão a investir muito nas equipas, confiantes no potencial de crescimento do desporto no país. O quadro parece animador, mas esconde um detalhe preocupante. As contas apresentadas pela Superliga Feminina (WSL) mostram que os clubes profissionais tiveram prejuízo financeiro no último ano, segundo o jornal The Guardian. Além disso, as contas apresentadas pela Superliga Feminina (WSL) mostram números inconsistentes. A impressão é de que não há uma regra ou padrão, já que cada clube segue os seus próprios critérios para expor os dados.
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Na época anterior, a WSL tornou-se totalmente profissional e passou a ter jogos
mais bem-sucedido do que o masculino), que depois de eliminada ainda na fase de grupos
transmitidos pela BBC. Os maiores clubes do país, como o Manchester City, o Chelsea e
do Europeu esta anunciou a decisão da saída da seleção devido à “falta de preparação,
o Arsenal, apostam cada vez mais nas suas equipas femininas nos últimos anos. No
execução e comunicação” da Federação Norueguesa. Mais recentemente, a jogadora
entanto, o retorno ainda não veio. Pelo contrário, o futebol feminino está a gerar dívidas.
voltou a falar sobre a seleção onde relembrou as causas da renúncia à seleção: “Não
O Manchester City viu os seus prejuízos crescerem de 357 mil libras para mais de 1 milhão de libras. O Arsenal, embora tenha reduzido oficialmente o défice de 264 mil para 219 mil libras, tem custos operacionais adicionais de 2 milhões emprestados
erámos levadas a sério. Não existia uma cultura de treino com qualidade nem existia a vontade de ser melhor.”, ainda disse que tinha saudades de jogar pelo seu país, mas não pela Federação. A equipa anfitriã do Mundial, a seleção feminina francesa, que se encontrava a
inteiramente pelo seu controlador. O Chelsea viu as suas perdas operacionais crescerem de 107,7 mil libras para 776.7 mil enquanto o Birmingham, que já foi um clube lucrativo, viu o lucro de 9,8 mil libras transformar se em um défice de 13 mil libras. O Everton foi a única exceção, com um pequeno lucro de 770 libras. Ainda assim, bem inferior do que as 2,6 mil libras do ano anterior.
treinar no centro de treinos da federação para preparação do mundial, teve que “abandonar” o centro de treinos para a seleção masculina preparar um amigável. Esta decisão partiu da FIFA e não da Federação Francesa. A FIFA, para o Mundial, obriga as seleções femininas a mudar de centro de treino durante o mundial conforme a localidade onde serão realizados os jogos, contrariamente do que acontece com as seleções masculinas, que podem escolher o sítio onde pretendem residir durante o mundial. A seleção norte-americana, a atual campeã mundial em título, também atravessa
10. LUTA PELA IGUALDADE DE GÉNERO
uma fase controversa com as jogadoras americanas a processar a própria Federação por aquilo que chamou “discriminação de género institucionalizada”, no Dia Internacional da
O Mundial de futebol feminino que iniciou na França começou com inúmeras lutas internas e políticas sem procedentes.
Mulher. Um ano depois de vencerem o Campeonato do Mundo de 2015 no Canadá, as norte-americanas foram eliminadas nos quartos de final dos jogos olímpicos do Rio de
O campeonato do mundo está marcado pela ausência da melhor jogadora do
Janeiro. A partir daqui houve uma renovação da seleção americana com a selecionadora
mundo Ada Hegerberg, não porque a sua seleção não se qualificou mundial, mas sim
a experimentar 61 jogadoras em dois anos e meio, e a suspensão por seis meses da guarda
porque está de relações cortadas com a sua Federação. Ada Hegerberg é a jogadora de
redes e capitã da seleção pela United States Soccer Federation. Em 2019, quando tudo
futebol mais bem-sucedida do panorama atual. A avançada norueguesa de apenas 23 anos
parecia melhorar dentro do campo, a situação complicou-se fora das quatro linhas, com
recebeu no passado mês de dezembro a Bola de Ouro do futebol feminino e é tetracampeã
28 jogadoras da seleção a processaram a United States Soccer Federation devido a queixas
europeia ao serviço do Lyon e pentacampeã francesa.
de discriminação de género.
O mundial de 2019, seria o segundo em que Ada Hegerberg iria participar, pois
Esta decisão surge num culminar de uma luta pela igualdade salarial e condições
esteve no último, em 2015, e podia funcionar como alavanca de uma carreira que ainda
laborais travadas entre as duas partes há muito tempo. As queixas das jogadoras não é só
está no início. Mas a verdade é que a melhor jogadora do mundo recusou ser convocada
relativamente a salários, mas também ao facto de a Federação controlar onde as jogadoras
e é a grande ausência do torneio. A notícia, não é de todo surpresa visto que ela renunciou
jogam e com que frequência, a forma como treinam, os tratamentos médicos que recebem
à seleção da Noruega, em 2017, depois do europeu e desde aí não voltou mais a
e até a maneira como viajam até aos locais dos jogos. O processo representa todas as
representar o próprio país. O motivo, segundo a avançada, é a inexistência de apoio à
jogadoras que representaram a federação desde fevereiro de 2015 e exige o pagamento de
equipa feminina dentro da Federação (num país onde o futebol feminino é largamente
retroativos e danos, numa quantia que pode chegar aos milhões de dólares. 30
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A FIFA aumentou o prémio feminino para a presente edição do mundial, no qual,
Outra luta está na relação entre as seleções e a FIFA sobre os prémios. Um
serão 3,5 milhões para o vencedor e um montante global de 26,6 milhões a distribuir pelas
exemplo, é o conjunto de chá, que a seleção alemã campeã do mundo recebeu como
equipas participantes, cerca de 13 vezes inferior ao que, em 2018, as seleções masculinas
prémio, como reconhecimento. Só para se ter uma ideia da discrepância entre os prémios
repartiram (um total de 354 milhões).
masculinos e femininos, em 2015, os EUA campeões mundiais femininos, tiveram direito
Este Campeonato do Mundo é um ponto de viragem para as mulheres, que representam 50% da população e é difícil ignorar 50% da população. As mulheres lutam
a um prémio de 1,8 milhões de euros, ao passo que a Alemanha, vencedora do título masculino em 2014, encaixou 31 milhões.
para evitar casos como o da seleção da Jamaica, as “Reggae Girlz”, cujas jogadoras
Uma luta já ganha pelas jogadoras, que parece um pormenor, mas não é, são os
tiveram de proceder a uma angariação de fundos para poderem competir neste Mundial.
equipamentos. Pela primeira vez, para o Mundial da França, as seleções femininas vão
Ou pelo facto de que, quando está frio, em dias de treino, os elementos da equipa técnica
utilizar equipamentos especificamente desenhados, pensados e construído para mulheres.
têm de ir a um hipermercado comprar casacos, e também marcadores para riscarem o
Até aqui, as jogadoras utilizavam equipamentos dos homens sem os tamanhos adequados.
nome nos equipamentos de “Reggae Boyz” estampado nas mangas das camisolas, por
Um detalhe que só há cerca de um ano atraiu a Nike, que se propôs a desenhar camisolas
utilizarem equipamentos da seleção masculina e pelo facto de na conta bancária de Hue
e calções especificamente para as seleções femininas. Os homens preferem tecido justo,
Menzies, o selecionador, nunca ter caído um salário pago pela federação jamaicana desde
mas as mulheres são diferentes. As mulheres querem sentir-se confortáveis, seguras e
que assumiu o cargo (em 2015).
profissionais. Elas pretendem uma camisola que seja fácil de vestir e despir com cabelo
Existe também o caso das atletas da Nigéria, que nos últimos anos tem reclamado o pagamento de bónus prometido pela federação, uma consequência do enorme sucesso
comprido e rabo de cavalo, também não gostam do decote em V muito profundos e a manga não pode ser muito curta. A jogadora brasileira Marta, já pela 6ª vez nomeada melhor jogadora do mundo,
que tem alcançado, mesmo tendo passado, por exemplo, todo o ano de 2017 sem
melhor marcadora de mundiais, inclusive números entre mulheres e homens, no qual
competirem e sem selecionador. Lorena Benítez é argentina e vive em Buenos Aires, onde deixou Verónica Rivero, a namorada, com gémeos recém-nascidos há um mês. Porque está em França, com a seleção e, portanto, ambas terão fechado por uns tempos a banca que têm no mercado central da capital do país do tango. Por lá costumam estar, todos os dias, a fazer render o negócio enquanto Lorena vai treinando e jogando no Boca Juniors, que é dos melhores clubes de futebol masculino, mas no futebol feminino os valores ainda estão muito distantes, num país onde o futebol feminino não deixa de ser amador para poder ser um rendimento.
chegou ao 17º golo neste presente Mundial, ao ultrapassar o jogador alemão Miroslav Klose, que era recordista com 16 golos e também, a única a marcar em cinco Mundiais. Recebe por exemplo 269 vezes menos que Neymar. A jogadora recusou ser patrocinada por Adidas, Nike, Puma e outras grandes marcas desportivas. Marta luta pela igualdade de género e já deixou bem claro que a luta se estende para todos os campos. Segundo o agente da futebolista, continuará a ser assim até que as marcas decidam pagar a Marta, o mesmo que pagam a um homem com as mesmas conquistas e com a mesma representatividade. Esta luta levou a fundar a marca “Go Equal” e através desta dá voz à sua luta.
Outro exemplo, ainda na Argentina, é Macarena Sánchez que exigiu o estatuto de jogadoras profissionais no seu país. O clube onde estava despediu-a e recebeu ameaças de morte por reclamar melhores condições de trabalho e direitos. A luta dar-lhe-ia um contrato profissional no San Lorenzo, o primeiro que uma futebolista conseguiu na Argentina.
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4. FUTEBOL FEMININO
4. FUTEBOL FEMININO
11. REFLEXÃO PESSOAL SOBRE O FUTEBOL FEMININO
CONCLUSÃO
Com a realização do trabalho e algumas noções pessoais sobre o futebol, acho que
A realização deste trabalho fez com que eu me aproximasse da realidade do
num futuro próximo, o futebol feminino estará o mesmo nível do masculino, mas para
futebol feminino, que ainda se apresenta numa fase inicial, em estado amador ou
isso terá de enfrentar algumas adversidades.
semiprofissional na maior parte dos países, contudo apresenta uma margem de progressão
O futebol feminino terá obrigatoriamente de se tornar profissional em todo o
sem limites.
mundo. Em Portugal, talvez com a ajuda da criação de uma Liga especifíca só para o
Para esta margem acontecer o mais rapidamente possível a FIFA, a UEFA e as
futebol feminino, já com a centralização dos direitos televisivos ou até mesmo streaming.
Federações de cada país têm desenvolvido programas de apoio ao futebol feminino.
Muito provavelmente, para ter uma melhor representação da competição em Portugal será
Porém esta ajudas são insignificantes para o objetivo das atletas, pois estas lutam contra
necessário também a entrada de clubes como o F.C. do Porto, visto que por exemplo o
a mentalidade da cultura geral da sociedade para alcançarem direitos iguais aos
Vitória S.C. e F.C. Famalicão iniciaram também este ano uma equipa no futebol feminino,
futebolistas masculinos.
porque são equipas que podem trazer maior competitividade à competição, com uma boa massa adepta que trará melhor imagem à competição e para além disto, também são sociedades desportivas que suportam no seu orçamento salários para a equipa feminina e masculina, equipas B`s, sub-23 e diferentes escalões para ambos os sexos.
Em suma, este trabalho deixou-me mais enriquecido e também me alertou para as dificuldades que as mulheres enfrentam, o que me leva a estar mais conectado ao seu futebol.
O futebol feminino terá de encontrar uma nova gestão nos clubes e sociedades desportivas, porque tenderá a endividar-se com o investimento realizado para o seu desenvolvimento, como já acontece no futebol feminino inglês. Para além das lutas pelos direitos falados anteriormente, será uma incógnita o que irá acontecer a jogadoras que possam vir a engravidar, durante o contrato com os clubes, pois já aconteceu atletas olímpicas perderem os seus contratos com as suas marcas patrocinadoras porque os seus desempenhos desportivos diminuírem. Por outro lado, podem obter novos patrocínios, que no caso do futebol masculino não acontecem, como a entrada de produtos de saúde e estética feminina.
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4. FUTEBOL FEMININO
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O ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE TRABALHO DO PRATICANTE DESPORTIVO Diogo Soares Loureiro
Diogo Soares Loureiro
Diogo Soares Loureiro 6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO
6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO
ABREVIATURAS
ÍNDICE
CT – Código do Trabalho CC – Código Civil
pag. 1 159
Abreviaturas
CRP – Constituição da República Portuguesa 1.
O conceito de período normal de trabalho
pag. 4 160
ob. - Obra
2.
A Lei 54/2017
pag. 6 162
cit. – Citada
3.
O artigo 16º
pag. 7 163
art. – Artigo
4.
Conclusão
pag. 16 172
nº – Número
Bibliografia utilizada
pag. 18 174
al. – Alínea
Jurisprudência utilizada
pag. 19 175
STJ – Supremo Tribunal de Justiça TRL – Tribunal da Relação de Lisboa TRP – Tribunal da Relação do Porto TRC – Tribunal da Relação de Coimbra TC – Tribunal Constitucional CJ – Coletânea de Jurisprudência p. – Página DL – Decreto- Lei AT – Acidente de Trabalho Ac. – Acórdão LPFP – Liga Portuguesa de Futebol Profissional FPF – Federação Portuguesa de Futebol ANTF – Associação Nacional de Treinadores de Futebol SJPF – Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol CCTTF – Contrato Coletivo de Trabalho Treinadores Futebol IRCT – Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho RJCTPD - regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo. EE- Entidade Empregadora PNT- Período normal de trabalho HT- Horário de trabalho OTT – Organização do tempo de trabalho DPECSoares - Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Diogo Loureiro Novembro de 2003 1
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TJUE – Tribunal Judicial da União Europeia UE – União Europeia
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6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO
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1. O CONCEITO DE PERÍODO NORMAL DE TRABALHO
oito horas por dia e quarenta horas por semana” excetuando regimes especiais, pelo que este mesmo período pode ser reduzido ou alargado, desde que se preencham os
Podemos encontrar o conceito de “tempo de trabalho” no art. 197º nº. 1 do CT,
pressupostos previstos no CT, embora com limites absolutos previstos no seu art. 211º.
como sendo “qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou
Como já referimos, estes limites além de pretenderem garantir a existência de tempos de
permanece adstrito à realização da prestação”. Refere ROMANO MARTINEZ1 que temos
não trabalho - para que o trabalhador veja a sua saúde salvaguardada e para que possa
de forma obrigatória de relacionar este conceito com outros como “período de
recuperar fisicamente e psicologicamente entre cada jornada laboral – pretendem
funcionamento”, “horário de trabalho” ou “período normal de trabalho”.
igualmente que o trabalhador possa conciliar a sua vida pessoal e familiar com a sua atividade laboral4.
A nossa legislação regula estes conceitos nos art. 197º e ss. do CT, sendo que assume especial importância o art. 198º do mesmo diploma quando define “período
Debruçando-me sobre as normas da União Europeia em matéria de tempo de trabalho,
normal de trabalho” como o tempo em que o trabalhador se obriga a prestar o seu trabalho,
importa observar a DPEC5 relativa à organização do tempo de trabalho, em concreto o
estipulado em determinadas horas por dia e por semana, constituindo então um tempo de
art. 6º al. b) que estabelece um limite máximo de 48 horas de trabalho por cada período
disponibilidade para prestar a sua atividade.
de sete dias, incluindo horas extraordinárias. Como podemos verificar pela letra da Lei, o artigo da Diretiva foi corretamente transposto para o nosso ordenamento jurídico,
Na mesma senda, a nossa Constituição refere no seu art. 59º nº. 1 al. d) que o
nomeadamente no art. 211º nº. 1 do CT. Sucede que da análise do art. 1º nº. 3 e do art.
trabalhador tem direito a ver a sua jornada de trabalho limitada, assim como a gozar do
17º da DPEC, este parece apontar para a aplicabilidade do seu regime aos praticantes
seu descanso semanal. A prestação do trabalho não pode preencher toda a disponibilidade
desportivos.
do trabalhador, sob pena de limitar o usufruto da sua vida pessoal, a sua liberdade e dignidade. Desta forma, quando definimos o tempo de trabalho, estamos ao mesmo tempo
ANA LAMBELHO e LUÍSA ANDIAS GONÇALVES definem horário de trabalho como
a definir o “tempo de não trabalho” - os momentos de lazer e repouso. Nas palavras de
“a determinação das horas de início e de termo do PNT e do intervalo de descanso, bem
MONTEIRO FERNANDES2 esta determinação é fundamental “para que se afaste qualquer
como do descanso semanal6”. Este encontra-se regulado nos art. 212º a 217º do CT e tem
semelhança com a escravatura ou a servidão” e nas palavras de PALMA RAMALHO3 “por
de respeitar os períodos de pausa e de descanso do trabalhador, sejam eles diários ou
um lado, porque contribui para limitar a sua subordinação [do trabalhador] perante o
semanais, obrigatórios não só pelo CT, mas também pela DPEC7. Por regra o trabalhador
empregador; por outro lado, porque tutela a sua saúde”.
tem direito a um período de descanso diário de onze horas entre dois períodos de trabalho consecutivo e a um dia de descanso por semana de trabalho.
No que ao período normal e trabalhado diz respeito, releva em todo o caso, que se definam os seus limites, que com o passar dos anos foram sendo regulados de forma diferente e sofreram, tal como muitas outras áreas do direito, uma considerável transformação. Hoje o CT no seu art 203º nº. 1 escreve que o PNT “não pode exceder 1 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, p.536.
2 ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 17º edição, Almedina, Coimbra, 2014, p.307.
3 MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de direito do trabalho – Parte II – Situações laborais individuais, 5ª edição,
Almedina, Coimbra, 2014, p. 518.
4
4 Consagrado nos art. 59º nº. 1 al. b) e 67º nº. 1 al. h) da CRP.
5 Esta Diretiva vem de certo modo compilar a informação prevista nas anteriores Diretivas do Conselho 93/104/CE e
2000/34/CE.
6 ANA LAMBELHO E LUÍSA ANDIAS GONÇALVES, Manual de Direito do Trabalho – Da Teoria à Prática, Coimbra Editora,
Coimbra, 2014, p.225. 7 Regulado nos art. 213º, 214º, 232º e 233º do CT e nos art. 3º, 4º e 5º da Diretiva.
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6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO
6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO
2. A LEI 54/2017
3. O ARTIGO 16º
A convivência entre o Direito e o Desporto nem sempre foi fácil, mas a ligação
O praticante desportivo está inserido num espetáculo, sendo dos poucos ofícios
entre os dois institutos é inequívoca, inclusivamente LEAL AMADO refere que o Direito
onde existe interesse (mesmo que dispendioso) de um público em visualizar a prestação
Desportivo surge uma vez que “o fenómeno desportivo suscita a confluência, por vezes
dessa atividade. No fundo é possível, como defende BERNARDO LOBO XAVIER11,
conflituante, de fontes normativas públicas (…) e de fontes normativas privadas (por
estabelecer um paralelismo entre os praticantes desportivos e os profissionais de
exemplo, a regulamentação elaborada pelas federações desportivas…)” 8. No mesmo
espetáculos, uma vez que existem “treinos” e sessões de preparação para um evento final,
sentido JORGE LEITE9 defende que o Direito deve ser capaz de se moldar de acordo com
que apesar de consistir na prestação da sua atividade, tem como grande objetivo o
a realidade que pretende regulamentar.
entretenimento e o preenchimento dos tempos de lazer de quem a elas assiste. É certo que o praticante desportivo está altamente focado na competição, com a necessidade de
Foi crescendo a necessidade de os desportistas profissionais gozarem de regimes
apresentar resultados perante a sua entidade empregadora, deixando para segundo plano
específicos como o consagrado inicialmente na Lei 28/98, de 26 de Junho, e hoje
a perspetiva estética. Trata-se obviamente de uma questão altamente debatida, mas
consagrado na Lei 54/2017, de 14 de julho, não só pelas especificidades desta profissão
independentemente da perspetiva que se possa ter do desporto enquanto espetáculo, como
mas também pela pontual incompatibilidade ou falta de resposta do regime geral previsto
tão bem refere LEAL AMADO12 “Mais do que exibição, o desporto é competição”, pelo
no CT. Refere o juiz BAPTISTA COELHO10 que “enquanto no Direito do Trabalho o
que na realidade, ao contrário de uma peça de teatro que não será exibida se não existir
escopo fundamental assenta na segurança no emprego, considerada como garantia dos
público presente, um jogo de futebol (ou de andebol por exemplo), por imperativos
trabalhadores (…) no âmbito desportivo privilegia-se acima de tudo a liberdade
Regulamentares e Federativos será sempre realizado, com ou sem assistência.
contratual, ainda que temperada com uma estabilidade mínima”. Importa sublinhar que o art. 9º do CT e o art. 3º da Lei 54/2017 consagram a utilização subsidiária das regras
É de salientar que a distinção entre os períodos de preparação e os de realização
gerais do CT, no que for compatível com as especificidades da profissão. O art. 3º do CT
da atividade propriamente dita, torna-se irrelevante para efeitos de contabilização do
permite que as normas legais de regulamentação do contrato de trabalho possam ser
período normal de trabalho, uma vez que todos esses momentos são computados na
afastadas por IRCT, exceto as matérias previstas no nº. 3, que só podem ser afastadas se
prestação da sua atividade e todos eles contribuem para preencher os limites legalmente
em sentido mais favorável e nas quais se incluem algumas das questões que aqui vou
previstos. O art. 16º da Lei 54/201713 é, no entanto, omisso quanto a alguns desses limites.
abordar, tais como os limites ao período normal de trabalho ou períodos de repouso. Senão vejamos, e ao contrário do que acontece com os profissionais de espetáculos, os desportistas na modalidade de futebol não parecem ficar sujeitos ao regime previsto no CT relativamente aos limites do período normal de trabalho, podendo aparentemente recorrer ao art. 21º nº. 2 da IRCT existente entre a LPFP e o SJPF, para
8 JOÃO LEAL AMADO, Vinculação versus Liberdade – O processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p.27. 9 JORGE LEITE, Direito do Trabalho- lições ao 3º ano da FDUC, 1993, p.141. 10 ALEXANDRE BAPTISTA COELHO, “O contrato de trabalho desportivo” in O desporto que os tribunais praticam, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 260 e 261.
11 BERNARDO LOBO XAVIER, Contratos de trabalho dos profissionais de espetáculos (direito aplicável), RDGES nº 1, 1986,
p.122. 12 JOÃO LEAL AMADO, Vinculação… ob. cit., p.71. 13 Correspondente ao artigo 15.º da revogada Lei 28/98.
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verem esses limites estabelecidos em sete horas de trabalho diário14. Quanto às restantes
esta matéria possa ser regulada por IRCT. Pois bem, são estas alíneas que merecem a
modalidades, na ausência de IRCT e perante a omissão destes limites na Lei 54/2017,
nossa atenção e reflecção.
será necessária a aplicação subsidiária15 do art. 203º e 211º do CT, estabelecendo esses limites em oito horas diárias e quarenta horas semanais, que podem atingir, no entanto, um máximo de quarenta e oito horas com a prestação de trabalho suplementar.
A Lei 54/2017 estipula que as viagens e estágios fazem parte do Período normal de trabalho, obrigando o jogador a permanecer sob a alçada e subordinação da entidade empregadora, mas por outro lado exclui os usuais e necessários limites que normalmente
O Art. 16º da Lei que aqui analisamos, estabelece no seu nº. 1, quais os períodos
tem de ser imperativamente cumpridos. Quando o nº. 3 do artigo mencionado em epigrafe
que se consideram integrados no período normal de trabalho - nomeadamente o tempo
se refere a um período considerado indispensável para as exigências da modalidade,
em que o atleta está na dependência e sob as ordens da entidade empregadora com o
parece-nos que estamos perante um conceito algo indeterminado e um pouco arbitrário,
objetivo de participar em provas desportivas, o tempo que o praticante passa em sessões
uma vez que cada entidade empregadora, cada equipa técnica, poderá apresentar um
de aperfeiçoamento e o tempo despendido em tratamentos e exames clínicos que tenham
critério francamente díspar – se alguns isentam a realização de estágios, outros
como meta a preparação e recuperação. Nas alíneas a) e b) do art. 16º não parece existir
consideram-nos indispensáveis17.
grande conflito ou incompatibilidade com o regime geral consagrado no CT, uma vez que dificilmente os jogadores ultrapassam as oito horas (ou mesmo as sete horas definidas
Por um lado, é certo que o IRCT aplicável aos jogadores de futebol, no seu art.
para os futebolistas) de trabalho diário, até porque existe interesse da parte dos treinadores
21º nº. 3, regula que os estágios não devem ultrapassar as trinta e seis ou setenta e duas
em evitar o excessivo desgaste físico que só terá consequências nocivas no rendimento
horas (conforme o local onde decorre o jogo), sendo igualmente verdade que o art. 211º
dos atletas16.
nº. 1 do CT admite que os limites ao PNT sejam verificados num período de referência. Por outro lado, é igualmente certo que o nº. 4 do art. 21º (do IRCT) não obriga ao
A discussão e as dúvidas surgem quando analisamos o preceito descrito na última
cumprimento destes limites, pois permite que os mesmos sejam alargados se as
alínea do nº. 1, quando engloba no período normal de trabalho: “c) O tempo despendido
circunstâncias assim o justificarem. Deste modo, este IRCT que procurava clarificar a
em estágios de concentração e em viagens que precedam ou se sucedam à participação
indefinição do art. 16º, vem antes adensar as dúvidas, uma vez que estamos perante outro
em provas desportivas.”, referindo que estes períodos não são relevantes para os limites
regime que não resolve de forma definitiva a ausência de limites absolutos. Realço ainda
do PNT previstos no CT. O mesmo artigo vem ainda acrescentar nos restantes números
que para as outras modalidades, não existe sequer uma “sugestão” quanto aos limites de
que: “A frequência e a duração dos estágios de concentração devem limitar-se ao que,
duração máxima dos estágios, dado estes carecerem de um IRCT, algo que na nossa visão
tendo em conta as exigências próprias da modalidade e da competição em que o
merecia uma maior atenção por parte do Legislador, apresentando-se como uma omissão
praticante intervém e a idade deste, deva ser considerado indispensável”, admitindo que
que não permite acautelar a saúde e segurança dos praticantes, principalmente os atletas não profissionais que tem ainda de assegurar outras prestações laborais. Relembro que nestas matérias, a justificação da possível aplicação do IRCT e correspondente
14 Disponível em www.fpf.pt. ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO refere-se aos IRCT como “fonte por excelência do dinamismo
sobreposição do mesmo em relação à Lei geral e Lei especial, é encontrada no disposto
do ordenamento laboral”, funcionando como um verdadeiro “regime especial” e sublinhando a importância que poderá ter no preenchimento de lacunas legais – Vide ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO, “o art. 9º do Código do Trabalho e a situação laboral dos treinadores desportivos” – in Desporto & Direito, Ano IX- nº25- Setembro/Dezembro, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p.38-44. Uma vez que este regime das sete horas previsto no IRCT parece ser mais favorável ao trabalhador e não viola os preceitos legais nacionais e comunitários em matéria de PNT, considero que este instrumento deve fazer-se valer no caso dos futebolistas, pelo menos no que concerne ao nº 2 do art. 21º. 15 De acordo com os já referidos art. 9º do CT e art. 3º da Lei 28/98. 16 Mesmo com treinos bi- diários e sessões fisicamente intensas, no contacto que tive com atletas de alta competição, foi-me transmitida a informação de que esses limites diários de um dia “normal” de preparação para o jogo, seriam sempre (ou quase sempre) respeitados.
períodos de estágio e preparação, ficando desta forma privados de alguns momentos de lazer, nomeadamente da possibilidade de estarem com as suas famílias.
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no nº. 4 do art. 16º da Lei 54/2017, mas similarmente porque o estabelecimento destes limites seria na teoria mais benéfico para o praticante.
17 Antes de jogos com um grau de exigência ou de mediatismo superior, são muitas vezes obrigados a realizar longos
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Diogo Soares Loureiro 6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO
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LEAL AMADO18 transmite uma opinião com a qual não podemos deixar de
Coimbra de 08/09/200921, que demonstrou considerar como parte integrante do período
concordar, já que ao olhar para o preceito descrito no nº. 4 do art. 15º da Lei 28/98, hoje
normal de trabalho os minutos preambulares ao início de um treino, em que determinado
replicada na integra pelo n.º 4 do artigo 16º da Lei 54/2017, ficamos igualmente com a
jogador se encontrava sozinho, por sua livre e espontânea vontade, no campo de treinos
sensação que o Legislador procurou de alguma forma “tranquilizar” a sua consciência
a “encestar” bolas tendo o infortúnio de se lesionar.
pelo facto de não ter estipulado limites a uma parte do PNT dos praticantes desportivos, remetendo esta questão para a Contratação Coletiva. O mesmo autor considera que esta
Analisando de forma mais profunda esta questão, na nossa perspetiva o problema
ausência de limites é uma verdadeira manifestação da forte subordinação jurídica do
desta “flexibilidade” poderá estar no seu reverso, ou seja, poderá tornar-se castradora da
trabalhador19, uma vez que atribui “sinal verde” ao empregador para quebrar as barreiras
liberdade do trabalhador/jogador, nomeadamente por poder ser utilizada como forma de
entre a vida profissional e pessoal do atleta, consignando neste caso um comportamento
contornar a aplicação de outras figuras como o trabalhado suplementar ou o trabalho
abusivo.
noturno, consubstanciando uma violação dos limites do art. 211º do CT. Alguma vez ouvimos falar em trabalho suplementar no âmbito do futebol profissional? Alguma vez
Não temos dúvidas que as especificidades das diferentes modalidades desportivas
ouvimos casos de jogadores apresentarem ações contra os clubes por créditos salariais
obrigam a uma grande maleabilidade normativa, uma vez que se torna difícil prever com
resultantes de trabalho noturno ou trabalho suplementar? A análise histórica aponta para
exatidão o número de jogos, o rendimento ou o tempo de laboração efetivo dos atletas,
uma resposta negativa, até porque os regimes especiais e IRCT consagrados parecem
uma vez que tais fatores se encontram fortemente influenciados por inúmeros fatores
afastar a existência destas figuras. Analisando a Lei 54/2017, conceitos como “horas
físicos e psicológicos. Sobre esta “flexibilidade” das Leis do trabalho, MONTEIRO
extra”, “trabalho suplementar” ou “trabalho noturno” simplesmente existe qualquer
FERNANDES20 refere que esta é muitas vezes confundida com o conceito de desregulação
correspondência na letra do mesmo. No que ao Contrato Coletivo diz respeito, é possível
e que “pode, de resto, significar (…) o recuo de regulação legal, isto é, da norma estatal,
encontrar a definição e caracterização destes conceitos, mas existe essencialmente a
e a abertura de espaços novos à contratualidade coletiva”.
obrigação dos clubes e respetivas equipas técnicas definirem previamente os horários de treino. Ou seja, uma vez mais, teve de ser o Contrato Coletivo a entrar em cena e fazer a
A realidade com que nos deparamos é manifestamente bipolar, pois criou-se um
ligação entre a Lei especial e a Lei geral. Não sendo este o objetivo do trabalho em
regime próprio para os desportistas como forma de dar resposta à pouca aplicabilidade
questão, não posso deixar de realçar que relativamente à forma como o IRCT define os
das normas do regime geral previsto no CT, mas por outro lado o art. 16º é um exemplo
limites ao PNT, parece existir entre o artigo 22.º e o n.º 2 do artigo 21.º uma dificuldade
claro de que o regime mais generalista apresenta igualmente lacunas, uma vez que
de conciliação, na medida em que se um artigo atribui uma maior flexibilização na
necessita de recorrer a Instrumentos de regulamentação coletiva de Trabalho como forma
prestação do trabalho, o outro parece estabelecer limites concretos e claros, obrigando a
de se adaptar às características de cada modalidade e como forma de atingir a realização
os clubes a definir claramente e expressamente os horários de treino e de laboração dos
dos objetivos que a norma pretende garantir.
atletas. A sua conciliação, numa perspetiva puramente formalista, não é uma tarefa absolutamente desprovida de esforço, mas a realidade é que como referi anteriormente,
No mesmo sentido, a jurisprudência parece caminhar para uma “flexibilização”
os atletas não parecem devidamente despertos para esta situação, uma vez que não é usual
normativa, como nos demonstra por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de
encontrarmos ações judiciais movidas contra os seus atuais ou anteriores clubes para pagamento de créditos salariais resultantes da prestação de trabalho suplementar.
18 JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho desportivo – anotado, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 56.
Partilhamos as mesmas preocupações de LEAL AMADO, quando no comentário ao art. 15º
19 JOÃO LEAL AMADO, Vinculação versus … ob. cit., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p.69.
20 ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, “Os sentidos de uma revisão flexibilizante das leis de trabalho” – Questões Laborais,
Ano VI – nº13, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p.48.
10
21 Ac. do TRC de 08/09/2009 (Teles Pereira), in www.dgsi.pt.
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Diogo Soares Loureiro
Diogo Soares Loureiro
do Decreto-Lei 305/9522, se questiona: “não redundará este regime, de algum modo,
PNT, quer para o descanso diário obrigatório, a Diretiva erradamente não estabeleceu
numa certa overdose?”23.
qualquer exceção para os praticantes desportivos, sendo que as suas disposições transpostas para o nosso CT26, lhe serão então aplicáveis, criando uma situação de claro
Da perspetiva legislativa e contratual mais “nacional”, realce ainda para o facto
desrespeito pelos preceitos nacionais e da UE.
de o IRCT estipular como limites de trabalho suplementar o PNT normal do jogador. Quer isto dizer que um jogador poderá fazer até 35 horas de trabalho suplementar por
Uma vez que o tempo despendido em viagens e em estágios de preparação integra
semana, sendo certo que a estes limites acresce a possibilidade de realização de estágios
o PNT sem o limitar, mesmo que a duração dos estágios respeite as trinta e seis ou setenta
de concentração, cujo tempo não está sequer computado para efeito dos limites de duração
e duas horas fixadas no IRCT, tendo como referência o regime das onze horas de descanso
de trabalho previstos no CCT. Permitam-nos a ousadia, mas a solução consagrada parece-
entre dois períodos de trabalho consecutivo (como previsto no CT), ou por cada período
nos no mínimo, confusa.
de vinte e quatro horas (como previsto na DPEC), estes limites são grosseiramente ultrapassados. O praticante não preencher nenhuma das exceções previstas no n.º 2 do art
Esta “desregulação” levanta também problemas com o Direito da UE, pois apesar
214º, existindo assim uma violação clara do nº 1 deste mesmo artigo.
de o art. 15º da DPEC permitir que se afaste o regime do art. 6º da mesma Diretiva, apenas o permite em sentido mais favorável para o trabalhador. Esta maleabilidade do PNT
Não nos parece sequer razoável invocar os art. 3º nº. 3 do CT ou o art. 15º da
prevista na Lei 54/2017 não será antes mais favorável para o empregador? Nas
DPEC, uma vez que o IRCT existente só contempla uma modalidade desportiva (futebol)
derrogações permitidas em matéria de PNT (art. 6º), o praticante desportivo não está
e é omissa quanto à obrigatoriedade do descanso diário, apresentando-se como um regime
contemplado no art. 17º nº.1 da Diretiva, logo, à partida, têm aplicabilidade os limites do
menos favorável para o trabalhador. Estamos perante mais uma lacuna que só poderá ser
art. 6º al. b), devidamente transpostos para o nosso ordenamento através do art. 211º do
resolvida através da analogia prevista no art. 9º do CT? O IRCT da LPFP com o SJPF,
CT. Ora, este “problema” vem ainda acompanhado por uma total omissão quer na Lei
aparentemente arranjou forma de afastar, ainda que provisoriamente, estes problemas de
54/201724, quer no IRCT aplicável aos futebolistas, sobre o intervalo de descanso e sobre
interpretação legislativa, funcionando como “válvula de escape” quando no seu artigo 4.º
o descanso diário, que nos obriga a recorrer ao regime geral previsto nos art. 213º e 214º
escreve que:“Às relações emergentes de contrato de trabalho desportivo, subscritos
do CT25, tendo sempre em atenção o regime do art. 3º e 4º da DPEC como forma de
pelos futebolistas profissionais e pelos clubes ou sociedades desportivas, serão aplicáveis
balizar estes valores. Sobre as derrogações previstas ao descanso diário no art. 17º nº. 3,
as normas do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e,
suscitaram-nos algumas dúvidas a al. a), nomeadamente se a prática desportiva poderia
subsidiariamente, as disposições aplicáveis ao contrato de trabalho, com exceção
ser considerada uma atividade caraterizada “por um afastamento entre diferentes locais
daquelas que se mostrem incompatíveis com a natureza específica da relação laboral dos
de trabalho do trabalhador” - uma vez que os jogos são disputados em diferentes campos
futebolistas profissionais nomeadamente, as relativas à duração do trabalho.”
e pavilhões. No entanto os atletas não deixam de ter um local fixo onde treinam e se preparam durante toda a semana e normalmente os estágios ocorrem em locais já
A discussão poderá ser feita por outro prisma, procedendo-se à análise sobre se o
contratualizados e pré-definidos, além de jogarem metade dos jogos no seu estádio, pelo
tempo despendido em estágio, no quarto a descansar, poderá ser considerado como tempo
que consideramos que este praticante não se enquadra no preceito do artigo. Deste modo,
de repouso, ou se estamos perante verdadeiro tempo de trabalho. A Lei 54/2017 de forma
também aqui não serão possíveis derrogações, verificando-se que quer para os limites do
clara afirma que este faz parte do PNT e no Ac. SIMAP27 o TJUE considera que quando existe presença física do trabalhador e este está à disposição da EE, então estamos sempre
22 Atualmente Lei 28/98.
23 JOÃO LEAL AMADO, Contrato… ob. cit. Pag. 56 24 Omissão que já existia na Lei 29/98.
26 Nos art. 211º nº. 1 e 214º nº 1 do CT.
25 Isto resulta dos preceitos descritos no art. 3º da Lei 28/98 e do art. 4º da IRCT existente entre a LPFP e o SJPF.
27 Ac. do TJUE de 03/10/2000 (Moitinho de Almeida), disponível in www.curia.europa.eu.
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Diogo Soares Loureiro
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perante tempo de trabalho. Refere ALBINO MENDES BAPTISTA28, citando o Direito
podemos esquecer o Direito da UE, nomeadamente um conceito abordado por CATARINA
Francês: “a duração do trabalho efectivo é o tempo durante o qual o assalariado está à
CARVALHO31 - o “descanso suficiente”32 presente na DPEC- que deverá servir de base
disposição do empregador e deve conformar-se às suas directivas sem poder dedicá-lo
para que Legisladores e Juízes reflitam sobre o período de descanso mínimo que deve ser
livremente às suas ocupações pessoais” acrescentando que “se o trabalhador não exerce
assegurado ao trabalhador. Esta preocupação é especialmente sentida no caso dos atletas
a sua actividade, mas está disponível para o fazer, esse tempo deve ser computado no
sujeitos a competições internacionais, obrigados a ocupar grande parte da semana em
tempo de trabalho”.
viagens e concentrações em centros de treino e hotéis.
Verificamos nestas situações que o atleta apresenta-se num limbo entre o trabalho
Apesar de se tratar de um conceito indeterminado, dificilmente quantificável e
efetivo e o repouso, onde não se encontra a prestar a sua atividade, mas também não pode
mesmo sabendo que o objetivo principal destes estágios é precisamente evitar que os
simplesmente abandonar o quarto de hotel para ir às compras ou ao cinema com a família,
jogadores prescindam da sua recuperação para usufruírem de momentos de lazer, a
usufruindo do seu tempo como se de uma folga se tratasse.
realidade é que formalmente os estágios estão incluídos no PNT, existindo desta forma uma violação do conceito de “descanso suficiente”. Esta indefinição sobre os tempos de
Como verificamos no Ac. JAEGER29, a Lei e jurisprudência Alemã consagram o
repouso e a lacuna de regulamentação existente para os limites do PNT, permite que um
denominado Bereitschaftsdienst, considerando que apesar do jogador ser obrigado a estar
treinador, se assim entender, possa dar um treino às três horas da manhã, perturbando o
presente num local determinado pela EE (disponível para retomar o serviço sob pedido),
descanso do praticante, sem que dessa ação advenha consequência direta ou sanção por
este está autorizado a descansar ou a ocupar-se enquanto os seus serviços profissionais
parte da Lei 54/2017 ou de qualquer IRCT aplicável no âmbito desportivo. Não é um
não são exigidos, sendo então este período qualificado como tempo de descanso.
cenário previsível, mas possível, que consubstanciaria sem margem para dúvidas, um
Discordamos deste entendimento e acompanhamos o TJUE, pois na nossa opinião
comportamento abusivo da entidade empregadora e uma violação dos art. 211º, 214º nº.
estamos claramente perante o denominado “tempo/regime de prevenção”. A nossa
1 do CT e da Diretiva. É verdade que o IRCT aplicável aos futebolistas afasta os regimes
jurisprudência30 considera que se o trabalhador está disponível ou acessível para
do CT no que à duração do tempo de trabalho diz respeito, mas será isto suficiente e
trabalhar, só poderá ser considerado tempo de repouso se este se encontrar fora do seu
possível, tendo em conta que poderá ser menos favorável para o atleta e abre a porta a
local de trabalho ou do local controlado pelo empregador, o que não é manifestamente o
eventuais exageros?
caso. O atleta não pode nesta situação gerir o seu tempo no local que entender, usufruindo É imperioso que a DPEC seja reformulada no sentido de prever exceções para
do seu ócio e da sua família.
estes profissionais no art. 17º. Perante o regime atual, não sou obviamente a favor da Feita toda esta intensa viagem pelos vários regimes e regulamentações, a verdade
eliminação dos estágios, pois reconheço a sua importância e essencialidade para o
é que a qualificação destes períodos como sendo tempo de trabalho suscita vários
rendimento competitvo, no entanto, uma vez que estes se enquadram no tempo de
problemas para a saúde do trabalhador. Além da violação dos limites ao PNT previstos
trabalho, penso que a solução passaria pela alteração do artigo 16º, no sentido da criação
no art. 211º do CT e das dificuldades que surgem na conciliação com a vida pessoal e
de um “triplo limite absoluto”. Por um lado, estabelecer uma duração máxima imperativa
familiar, existe como já referi, no momento dos estágios, uma clara violação das onze
aos estágios (em conformidade com a Diretiva e com o 211º do CT) e dentro deste limite,
horas obrigatórias pelo art. 214º nº. 1 do CT que não pode ser ignorada. Nem tão pouco 28 ALBINO MENDES BAPTISTA, «Tempo de trabalho efectivo, tempos de pausa e tempo de “terceiro tipo”» in Revista de
Direito e de estudos sociais – Ano XLIII, Janeiro-Março-nº1, Editorial Verbo, Lisboa, 2002, p.41 e 42. 29 Ac. do TJUE de 09/09/2003 (R. Schintgen), disponível in www.curia.europa.eu. 30 Vide Ac. STJ de 19/11/2009 (Sousa Grandão), disponível in www.dgsi.pt.
31 CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, “A regulamentação nacional do tempo de trabalho e o direito comunitário: omissões
e incompatibilidades” in Questões Laborais – Ano XIII – nº 27, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 45.
32 Art. 2º nº. 9 da DPEC, referindo-se a estes períodos de descanso como “suficientemente longos e contínuos para
evitar que se lesionem ou lesionem os colegas ou outras pessoas e para que não prejudiquem a saúde, a curto ou a longo prazo, por cansaço ou ritmos irregulares de trabalho”.
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estipular os períodos mínimos de descanso e os limites máximos à prestação efetiva da
forma definitiva esta problemática, sendo certo que ainda não existe IRCT aplicável para
atividade desportiva. A preocupação deverá ser a de que os atletas possam efetivamente
todas as modalidades desportivas. Feita toda esta viagem interpretativa, será necessário
usufruir de onze horas de não laboração, ainda que obrigados a comparecer no local
na nossa opinião, uma reformulação de algumas alíneas do art. 16º da Lei 54/2017,
estipulado pela EE. Qualquer violação do período de descanso diário deve ser
tornando-as mais objetivas e imperativas no sentido de proteger os atletas dos
acompanhada da atribuição subsequente de um período equivalente de descanso
comportamentos abusivos dos clubes, entidades empregadoras e profissionais integrantes
compensatório, algo que nem a Lei 54/2017, nem o IRCT prevê.
dos mesmos. Por vezes os Legisladores e grupos de trabalho tem algum receio de criar normas que sejam pouco exequíveis ou que possam ser reiteradamente ignoradas ou ultrapassadas, mas é necessário que tenham em mente que a omissão ou desregulação é
4. CONCLUSÃO
uma arma igualmente perigosa. A mentalidade que parece estar enraizada em Portugal está bem patentes nas palavras outrora proferidas por NATALINO GOMES DA SILVA:
Por todas as dificuldades com que nos deparamos no confronto entre o regime
“Condene-me pelo excesso, mas não me julgue pela omissão”.
especial dos praticantes desportivos e o regime geral, torna-se evidente, como refere JÚLIO GOMES33, que a organização do tempo de trabalho tem de ter em conta vários aspetos como as necessidades económicas e produtivas da atividade, a saúde mental e física dos trabalhadores, o seu desgaste e a salvaguarda do tempo de repouso, onde se inclui o seu tempo de lazer e a disponibilidade para a vida familiar. A especialidade deste ramo profissional, assim como do regime consagrado na Lei 54/2017, não pode obviamente ser olvidado e só uma profissão como a de um futebolista poderia aceitar certos condicionamentos e fatores tão particulares. Estamos a falar de uma profissão de desgaste rápido, de uma carreira curta, onde o risco de lesões é elevado e ainda marcada em determinados casos por um acentuado grau de mediatismo e reconhecimento que obriga a um certo isolamento e salvaguarda dos atletas. No que concerne ao período normal de trabalho, o regime consagrado apresenta visíveis divergências com o regime geral e com as normas da EU, dada a excessiva maleabilidade do PNT, o que constitui uma transferência de poder para a entidade empregadora, que resulta em situações que se podem tornar desastrosas, castradoras de Direitos dos trabalhadores, e que deveriam ter sido acauteladas, nomeadamente com a Diretiva a prever exceções para os praticantes desportivos. O IRCT existente é francamente mais completo do que a Lei especial, e foi sendo trabalhador e melhorado neste sentido, mas ainda não é totalmente capaz de resolver de 33 JÚLIO VIEIRA GOMES, Direito do Trabalho, Volume I – Relações individuais de trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007,
p.653.
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BIBLIOGRAFIA:
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O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO – O CASO DE ALCOCHETE José Pedro Costa Gonçalves Pereira
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1. Resumo
2. Abstract
Poucas serão as pessoas que se encontram em consonância sobre o episódio que abalou o futebol português e o Sporting em específico.
Few people agree with the consequences that emerged from the episode that shocked the portuguese football, and Sporting more specifically.
Num período onde a comunicação social procura, em primeira linha, ganhar audiências e receitas, ao invés de privilegiar uma informação detalhada e pormenorizada sobre os acontecimentos, a sociedade acaba por ser torneada por desinformação, o que em nada privilegia o conhecimento. Por isso, aos olhos de um jurista, senti-me impelido a uma elaboração detalhada sobre as repercussões do “Caso Alcochete”, num plano jurídico. Apesar da complexidade e longevidade de acontecimentos que tiveram o seu início em específico em abril de 2018, até aos dias de hoje, neste trabalho pretendo analisar o sucedido desde a invasão à Academia de Alcochete, mas, mais em específico, as repercussões no
In a period where the social media search, in a first role, for the audience and the profit, instead of a detailed information about the facts, the society ends up being faced with too much disinformation, which doesn´ t help the acknowledgment. So, at the eyes of a jurist, I felt impelled to a detailed task about the "Caso Alcochete" consequences, in a legal view. Besides the complexity and extension of the facts, that began more specifically in april 2018, until today, in this task I want to analize what happened since then, more important, the consequences on the sports work contract.
contrato de trabalho desportivo, e as implicações da eventual justa causa.
With the purpose of an effetive acknowledgment, I contextualize the previous moments to the
De forma a poder enquadrar o tema em questão de forma eficaz, contextualizei os
role at the club.
acontecimentos prévios à invasão, desde a tomada de posse do ex-presidente do Sporting,
invasion, more specifically since the ex-president of Sporting, Bruno Carvalho, took that directive
Bruno de Carvalho.
Then, an analysis to the facts about the invasion on Sporting´s academy, and, after that, an
Posteriormente, uma análise aos factos divulgados sobre a invasão a Alcochete, e de seguida,
months.
uma exposição dos factos relevantes para o contrato de trabalho desportivo, que se seguiram
exposition of the relevant facts about the sports work contract, that happened in the following
nos meses seguintes à invasão, até aos dias de hoje.
After that, I expose the more relevant legal facts to the case, the work contract, the sport work
Após uma contextualização detalhada do caso, de forma breve exponho os aspetos mais
Profissionais de Futebol.
importantes sobre a legislação mais relevante para o caso, dos quais, o contrato de trabalho, o contrato de trabalho desportivo e o contrato coletivo de trabalho assinado pela Liga Portugal e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol.
contract, the colectiv work contract, signed by Liga Portugal, along with Sindicato de Jogadores
I end up the analysis with the most important details about the fair cause, if it would valid to consider it as legal or illegal, and what consequences may arise because of that.
Por fim, elucidar os aspetos mais importantes sobre a justa causa, ou seja, quais os aspetos mais relevantes para se considerar como válida e, dessa forma, considerar-se lícita a cessação do contrato pelo praticante desportivo, e os aspetos mais relevantes para a eventual inexistência, de forma a que a cessação do contrato pelos atletas seja considerada como ilícita, e eventuais repercussões que daí possam advir.
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Índice
3. Introdução
1.
Resumo .................................................................................................................................178 2
2.
Abstract .................................................................................................................................179 3
3.
Introdução ..............................................................................................................................181 5
4.
Enquadramento dos Factos antes da Invasão a Alcochete ..................................................182 6
5.
A invasão a Alcochete ...........................................................................................................183 7
acontecimentos.
6.
O pós invasão a Alcochete ....................................................................................................184 8
Além disso, e como já seria expectável, um ano após o sucedido, mais especificamente, no dia
7.
O Contrato de Trabalho – Regime Geral ..............................................................................185 9
de que foi alvo.
8.
O Contrato de Trabalho Desportivo – A lei 54/2017 e o Contrato Coletivo de Trabalho .... 186 10 A)
A Lei 54/2017 .................................................................................................................. 186 10
B)
O Contrato Coletivo de Trabalho ..................................................................................... 190 14
9.
Os Fundamentos Legais – Enquadramento com o Caso Alcochete .................................. 191 15
10.
Existência de Justa Causa .............................................................................................. 192 16
11.
Inexistência de Justa Causa ........................................................................................... 193 17
12.
Conclusões ...................................................................................................................... 195 19
13.
Bibliografia ....................................................................................................................... 196 20
Portugal presenciou, em maio de 2018, seguramente, o episódio mais negro da história de um clube histórico, e de dimensão internacional, o Sporting Clube de Portugal. As semanas seguintes ao episódio da invasão à academia de Alcochete foram sistematicamente preenchidas em espaços noticiosos, ou pela imprensa escrita, de todas as repercussões inevitáveis, apesar do pouco suporte legal evidenciado em várias das análises dos
15 de maio de 2018, ainda poucas serão as conclusões sobre o caso, pela grande complexidade
Assim, e pela minha formação em Direito, considerei que este seria um tema verdadeiramente cativante, inclusive por não encontrar paralelo com qualquer outro tipo de situação, noutra organização desportiva, tanto em Portugal, como no resto da Europa. Por isso, pretendo expor detalhadamente todos os factos e acontecimentos, as implicações no contrato de trabalho desportivo, face a tudo o que se sucedeu, e quais as consequências a retirar, após um acontecimento desta gravidade. Refira-se que só no passado mês de maio de 2019 se iniciou a fase de instrução do inquérito do Caso Alcochete.
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7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
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4. Enquadramento dos Factos antes da Invasão a Alcochete
5. A invasão a Alcochete
Após as eleições em 2011 para a presidência do Sporting, que permitiram a vitória de Godinho
No dia 15 de maio, durante o treino do Sporting após o jogo com o Marítimo, pelas 17 horas, 40
Lopes, o ano de 2013 data um novo período eleitoral, onde, desta feita, Bruno de Carvalho
“adeptos do Sporting” invadiram a Academia de Alcochete com o intuito de agredir os jogadores
conseguiu vencer, tornando-se o 42º Presidente do clube.
bem como equipa técnica do clube.
Nesse dia, 23 de março de 2013, Bruno de Carvalho, candidato da lista B, venceu com 53,63%
Tanto atletas como técnicos foram alvos de agressões, tanto físicas como verbais, sendo que, e
dos votos.
pelos relatos posteriormente, chegaram a temer pela vida.
À data, o ex-dirigente evidenciava-se como a grande voz da oposição à direção e gestão do
O atleta Bas Dost, agredido com um cinto, relatou “ter ficado em estado de choque”.
clube de Alvalade, que acumulava ano após ano, vários insucessos desportivos.
O jogador Acuña, no seu depoimento, constatou que se encontravam à volta de 50 indivíduos,
Foram 5 anos de presidência, em que teve 3 treinadores, Leonardo Jardim, Marco Silva e por fim Jorge Jesus, sendo que a destituição de Marco Silva se realizou de forma por demais evidente litigiosa, em conflito com o Presidente.
sendo que 5 a 6 deles o agrediram na cabeça e corpo. Segundo o atleta William Carvalho, foram lançadas várias tochas de fumo para o balneário, tendo o jogador inclusive sido agredido no peito.
Com o seu último treinador, apesar do insucesso desportivo, os adeptos mantiveram a confiança no presidente, permitindo que Bruno de Carvalho se mantivesse na presidência, aquando da sua
O argentino Battaglia referiu ter sido ameaçado de morte, ao mesmo tempo que foi agredido. Foram vários os relatos, de atletas, até dirigentes, fisioterapeutas, sendo que todos vão de
reeleição, a 5 de março de 2017, com 86% dos votos. Nestes 5 anos, o presidente Bruno de Carvalho adotou uma postura bastante incisiva, por vezes
encontro às mesmas ideias e descrições.
polémica, instaurando processos contra antigos dirigentes do clube, bem como contra o fundo
De referir ainda que este acontecimento ocorreu dias antes de uma final de uma competição
“Doyen”, onde o Sporting acabou por ser condenado ao pagamento de 20 milhões de euros.
nacional, a Taça de Portugal, sendo que vários dos atletas tiveram de ser assistidos por culpa
No entanto, e não muito depois da comemoração dos 5 anos de presidência, o início do mês de
das graves agressões. Os jogadores do Sporting não se encontravam aptos, tanto fisicamente como psicologicamente
abril terá sido o início do fim, na relação entre Presidente, clube e associados. Para além de algumas intervenções polémicas que nem sempre agradavam os adeptos do
pelo ocorrido, para disputar o jogo, contra o Desportivo das Aves.
Sporting, o dia 5 de abril despoletou o “caos” numa estrutura que ainda se encontrava a lutar por títulos. Nesse dia, após uma derrota em casa do Atlético de Madrid, para a Liga Europa, o presidente, no Facebook, critica os atletas pela prestação dos mesmos nesse jogo. Dia 6, grande parte dos jogadores, num comunicado conjunto, expressam o seu desagrado pelo mencionado pelo Presidente, manifestando falta de apoio. Por culpa disso, os atletas que tinham subscrito esse comunicado, foram suspensos pelo Presidente. No dia 11 de abril, a direção do clube decidiu-se com a retirada dos processos disciplinares aos atletas. No dia 13 de maio, no Funchal, o Sporting perde o jogo com o Marítimo e consequentemente a hipótese em ficar em segundo lugar, que permitiria jogar a Liga dos Campeões. Por culpa disso os jogadores foram insultados, tanto na Madeira, como já no regresso, em Alvalade.
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7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
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6. O pós-invasão a Alcochete
Dia 25 de julho, Gelson Martins assina um contrato válido por 5 épocas desportivas, pelo Atlético de Madrid.
No dia seguinte à invasão, para além das 23 detenções efetivadas, os jogadores decidiram que jogariam a final da Taça de Portugal, independentemente das repercussões legais que cada um tomaria, após esse jogo.
Dia 28 de julho, Battaglia segue o caminho de Dost, e assina um novo contrato com o Sporting, por 5 épocas desportivas. Dia 8 de agosto, Rafael Leão decide assinar um contrato, válido por 5 épocas desportivas, com
No dia 19 de maio, Bruno de Carvalho decide que não assistiria à final da Taça de Portugal, afirmando que o “ato bárbaro” teria sido, inclusive, criado de forma involuntária por alguns dos jogadores, que teriam feito “frente” a alguns membros das claques.
o Lille No dia 9 de outubro, a GNR detém mais duas pessoas, dos quais o oficial de ligação às claques. No dia 11 de novembro, Bruno de Carvalho é detido no âmbito da investigação sobre o ataque à
Ainda nesse dia, o “líder” da claque, Nuno Mendes, referia que não teria havido nenhum aval por
academia.
parte do Presidente para que a claque cometesse qualquer ato contra os atletas. Dia 21, O Sporting anunciava o reforço das medidas de segurança, tanto na Academia de Alcochete, como no Estádio José Alvalade. No dia 1 de junho, tanto Rui Patrício como Daniel Podence, invocando justa causa, rescindem o 7. O Contrato de Trabalho – Regime Geral
contrato unilateralmente. O treinador Jorge Jesus, no dia 5, mesmo com mais 1 ano de contrato, assina, com a duração de 1 ano, um contrato com o Al-Hilal, com mais 1 ano de opção, na véspera de o Sporting confirmar a rescisão do contrato com o treinador, por mútuo acordo.
Após um breve percurso pelos factos que despoletaram uma “crise” numa organização desportiva do nível do Sporting, a níveis institucionais, mas também estruturais, início neste
No dia seguinte, 4 pessoas, dos quais o ex-líder da claque Juventude Leonina, Fernando Mendes, são detidas, por suspeita de comparticipação na invasão e nas agressões aos jogadores e equipa técnica.
capítulo, uma análise à legislação que tem aplicação direta no caso. A lei 54/2017, de 14 de julho regula o “regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou
No dia 11 de junho, tanto William Carvalho, como Rui Patrício, Gelson Martins e Bruno Fernandes, invocando justa causa, rescindem unilateralmente os seus contratos.
intermediação”. No entanto, o artigo 3º, com a epígrafe “Direito subsidiário e relação entre fontes” tem particular
No dia 14 de junho, Rafael Leão, Rúben Ribeiro e Battaglia também seguem o percurso dos seus
relevo, dado que as relações resultantes do contrato de trabalho desportivo têm como aplicação
antigos colegas.
subsidiária, naquilo que seja compatível com a especificidade em causa, o contrato de trabalho.
Dia 18 de junho, Rui Patrício assina um contrato, de 4 épocas desportivas, com o
Neste sentido, o Código do Trabalho, mesmo no caso em questão, tem um artigo de especial
Wolverhampton.
importância, o 394º:
Dia 10 de julho, Bruno Fernandes recua na decisão, permanecendo no clube, e assinando para
“1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
tal um contrato, com vínculo até 2023.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os
Dia 13 de julho, William Carvalho assina contrato com o Bétis de Sevilha.
seguintes comportamentos do empregador:
Dia 21 de julho, Bas Dost decide também recuar na sua decisão, assinando um contrato válido
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
por 3 épocas desportivas.
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva;
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d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
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7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
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e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
De forma breve, na análise às formalidades exigidas no contrato, saliente-se a exigência de se
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante. (…)”
reduzir a escrito, segundo o 6º, devendo ainda ser registado, de acordo com o 7º da mesma Lei. Refira-se também que o contrato de trabalho desportivo é obrigatoriamente um contrato a prazo, isto é, sujeito a um termo resolutivo, segundo o 6º2-f, e 9º5, visando, essencialmente, a preservação da liberdade do atleta na escolha da sua carreira desportiva.
Pela leitura do artigo, com importância na matéria em estudo, o 394º tem, em algumas das suas alíneas, aspetos importantes a destacar, como desde logo, o 394º2 d), que se incide com particular relevo na situação da segurança no trabalho, e que os jogadores, abstratamente, teriam condições para invocar como justa causa para resolução do contrato.
É neste sentido que a duração máxima de um contrato de trabalho desportivo, não obstante a possibilidade de renovação pelas duas partes, ser de 5 anos, segundo o artigo 9º. Acrescente-se que a promessa de contrato de trabalho desportivo é admitida, desde que acordada bilateralmente, segundo o 8º, e o período experimental, segundo o 10º, em regra, não existe, apenas acontecendo caso estipulado previamente.
8. O Contrato de Trabalho Desportivo – A lei 54/2017 e o Contrato Coletivo de Trabalho
Importa sublinhar agora os direitos e deveres das duas partes. No artigo 11º, são explicitados os deveres da entidade empregadora desportiva:
A) A Lei 54/2017 de 14 de julho
“a) Proceder ao registo do contrato de trabalho desportivo, bem como das modificações contratuais posteriormente acordadas, nos termos do artigo 7.º;
Importa sublinhar o que menciona a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, na alínea
b) Proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva,
segunda do artigo 34º: “O regime jurídico contratual dos praticantes desportivos profissionais e
bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais
do contrato de formação desportiva é definido na lei, ouvidas as entidades sindicais
da competição desportiva;
representativas dos interessados, tendo em conta a sua especificidade em relação ao regime geral do contrato de trabalho”.
c) Submeter os praticantes aos exames e tratamentos clínicos necessários à prática da atividade desportiva;
Para lá do preceituado, refira-se que o artigo 2º da Lei 54/2017, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, define o que é o contrato de trabalho desportivo, referindo ser “aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar
d) Permitir que os praticantes, em conformidade com o previsto nos regulamentos federativos, participem nos trabalhos de preparação e integrem as seleções ou representações nacionais;
atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades
e) Proporcionar aos praticantes desportivos menores as condições necessárias à conclusão da
desportivas, no âmbito de organização e sob a autoridade e direção desta”.
escolaridade obrigatória;
Refira-se também, ainda nos aspetos introdutórios legais, que tudo o que não esteja estipulado
f) Promover o respeito pelas regras da ética desportiva no desenvolvimento da atividade
na Lei 54/2017, aplica-se o direito subsidiário, isto é, o regime geral que se encontra no Código
desportiva.”
do Trabalho, que seja compatível com a realidade em causa, de acordo com o 3º da mesma Lei, e analisado no capítulo anterior. As especificidades mencionadas supra devem-se, essencialmente, à duração da profissão de atleta profissional, por culpa também da intensidade a que é sujeito, o desgaste intenso, a subordinação do atleta à sua entidade empregadora, que pode facilmente gerar problemas pelas restrições impostas, em especial por clubes/sociedade desportivas que participem em
O artigo 12º acrescenta que: “A entidade empregadora deve respeitar os direitos de personalidade do praticante desportivo, sem prejuízo das limitações justificadas pela especificidade da atividade desportiva. / É proibido o assédio no âmbito da relação laboral desportiva, nos termos previstos na lei geral do trabalho”.
competições de grande exigência e comprometimento, mas também em especial pela “causa
Este artigo 12º releva-se de grande importância pela referência ao assédio, visto que a pressão
mista” que visa a proteção dos interesses do atleta ao mesmo tempo que se visa aumentar o
exercida pelo na altura presidente do Sporting aos seus atletas, em especial no que diz respeito
interesse e o espetáculo da competição desportiva em causa.
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às divulgações nas redes sociais, e posteriormente a suspensão dos atletas, descrita
Ainda com bastante relevo na matéria em causa, o artigo 24º garante, no que à responsabilidade
previamente no trabalho, poderiam ser motivos para os atletas alegarem assédio moral.
das partes pela cessação do contrato diz respeito, que no caso das alíneas c) e d) do artigo anterior, “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente deve
Por fim, o artigo 13º define quais os deveres do praticante desportivo:
indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o
“a) Prestar a atividade desportiva para que foi contratado, participando nos treinos, estágios e outras sessões preparatórias das competições com a aplicação e a diligência correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas e, bem assim, de acordo com as regras da respetiva modalidade desportiva e com as instruções da entidade empregadora desportiva;
contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”. Para além deste artigo, o 25º clarifica que em caso de denúncia por iniciativa do praticante, “As partes no contrato de trabalho desportivo podem estipular o direito de o praticante fazer cessar unilateralmente e sem justa causa o contrato em vigor, mediante o pagamento à entidade
b) Participar nos trabalhos de preparação e integrar as seleções ou representações nacionais; c) Preservar as condições físicas que lhe permitam participar na competição desportiva objeto do contrato;
empregadora de uma indemnização fixada para o efeito.” O artigo 25º vem consagrar as denominadas “cláusulas de rescisão”. Apesar da dificuldade na perceção da natureza destas mesmas cláusulas, a doutrina maioritária considera-as como “multas penitenciais”, fugindo da parte da responsabilidade civil e do incumprimento contratual, ou seja, as partes celebram o
d) Submeter -se aos exames e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva;
contrato, no entanto, reconhece-se ao atleta um direito em se desvincular licitamente, permitindo-
e) Conformar -se, no exercício da atividade desportiva, com as regras próprias da disciplina e da
o denunciar o contrato sem justa causa, através do pagamento da devida “cláusula de rescisão”.
ética desportiva.”
Mais acrescenta o 25º, na sua segunda alínea, “O montante convencionado pelas partes pode
No que à liberdade do praticante diz respeito, paradoxalmente ao contrato de trabalho fora do
ser objeto de redução pelo tribunal, de acordo com a equidade, se for manifestamente excessivo,
contexto em estudo, onde se pretende maior estabilidade e segurança, o atleta tem no artigo 19º
designadamente tendo em conta o período de execução contratual já decorrido”.
a garantia de que as cláusulas que limitem ou condicionem essa mesma liberdade de trabalho
Por fim, e com grande importância para a matéria em estudo, o 26º consagra a responsabilidade
do praticante são nulas.
solidária, que, ao longo dos meses seguintes à invasão, ganhou particular relevo, fruto dos
De seguida, sobre a cessação do contrato de trabalho desportivo, a lei permite um grande
valores inicialmente reivindicados pelo Sporting como forma de ressarcir devidamente o clube
número de formas que permitem que o contrato, previamente celebrado pelas partes, termine.
pelas eventuais rescisões de contrato sem justa causa.
Assim, refere o 23º que o contrato de trabalho pode cessar das seguintes formas:
Mais em específico, nos casos dos atletas Gelson Martins (Atlético de Madrid), Rui Patrício (Wolverhampton), Rafael Leão (Lille), as suas novas entidades empregadoras podem incorrer em responsabilidade, fruto do seguinte:
•
“Caducidade;
“Se o praticante fizer cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa, presume -se que a
•
Revogação por acordo das partes;
nova entidade empregadora desportiva interveio, direta ou indiretamente, na cessação / Se a
•
Despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva;
presunção não for ilidida, a nova entidade empregadora desportiva responde solidariamente pelo
•
Resolução com justa causa por iniciativa do praticante desportivo;
pagamento da indemnização devida pela cessação do anterior contrato / Sendo a indemnização
•
Denúncia por qualquer das partes durante o período experimental;
satisfeita pela nova entidade empregadora desportiva, esta tem direito de regresso contra o
•
Despedimento coletivo;
praticante, na parte correspondente ao valor previsto no n.º 1 do artigo 24.º / Sendo a
•
Denúncia
por
iniciativa
do
praticante
desportivo,
quando
contratualmente
indemnização satisfeita pelo praticante desportivo, este tem direito de regresso contra a entidade empregadora desportiva, na parte que exceda o valor previsto no n.º 1 do artigo 24.º.
convencionada, nos termos do 25º.”
No entanto, o artigo 23º mais acrescenta, na sua alínea 3: “Constitui justa causa, para efeitos das alíneas c) e d) do n.º 1, o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva.”.
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B) O Contrato Coletivo de Trabalho
Ainda no 43º, do Contrato Coletivo de Trabalho, saliente-se a alínea e), que refere: “Ofensa à integridade física, honra ou dignidade do jogador praticada pela entidade patronal ou seus representantes legítimos”.
Para além da Lei 54/2017, de 14 de julho, importa ter em consideração mais uma ferramenta legal, determinante para o caso em estudo.
Ainda assim, sobre a alínea e), esta norma terá aplicabilidade no caso de a responsabilidade de facto recair sobre o Sporting Clube de Portugal, que é neste caso, a entidade patronal.
A Liga Portugal e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol celebraram um Contrato Coletivo de Trabalho. Este documento visa primordialmente regular as normas que servem de base para as relações jurídicas laborais, do próprio contrato de trabalho desportivo, entre atletas e clubes/sociedades
9. Os Fundamentos Legais – Enquadramento com o Caso Alcochete
desportivas que se encontrem filiados na Liga Portugal. Neste documento, no capítulo V, com a epígrafe “Cessação do Contrato do Trabalho”, várias das suas disposições devem ser sublinhadas.
Face a tudo o que já foi mencionado previamente, a grande questão que ainda hoje não tem resposta definida e concreta, é a seguinte: poderiam os jogadores e equipa técnica do Sporting
Desde logo, e em sintonia com o regime do contrato de trabalho desportivo, uma das formas de extinção do contrato é, segundo o 39º d, “Rescisão com justa causa por iniciativa do jogador”.
rescindir, por justa casa, o seu contrato de trabalho? A resolução dos contratos, por justa causa, deve, por isso, ser fundamentada tendo como ideia
O artigo 43º expõe de forma mais detalhada essa forma de extinção do contrato de trabalho,
base um incumprimento contratual grave e culposo, originado por um comportamento que seja
enumerando quais os motivos legais adequados para o atleta extinguir o contrato, sendo que há
imputável à entidade patronal, o Sporting Clube Portugal.
duas alíneas que importa destacar; a primeira, a alínea c), que refere “Violação das garantias do jogador nos casos e termos previstos no artigo 12.º”.
De facto, o regime especial do contrato de trabalho desportivo tem uma particularidade que não se aplica no contrato individual de trabalho, pois no primeiro, o atleta não tem a possibilidade de
Neste sentido, refere o artigo 12º, com a epígrafe “Deveres do clube”, que: “O clube ou sociedade
se desvincular livremente, ao invés do que ocorre no segundo caso , onde apenas há uma
desportiva deve:
obrigação de aviso prévio, segundo o 400º do Código do Trabalho 1.
a) Tratar e respeitar o jogador como seu colaborador;
Assim, o que ocorre no Contrato de Trabalho Desportivo é que a denúncia do contrato de trabalho por parte do praticante apenas se efetiva como possível, de acordo com o 25º, quando lhe seja
b) Pagar-lhe atempadamente a retribuição convencionada;
admissível por estipulação entre as partes, mediante pagamento de uma indemnização
c) Proporcionar-lhe boas condições de trabalho, assegurando os meios técnicos e humanos necessários ao bom desempenho das suas funções;
previamente fixada (“cláusula de rescisão”), já analisado previamente no trabalho. A diferença de regimes prende-se essencialmente com a integridade da competição, do
d) Facilitar-lhe o exercício dos seus direitos sindicais;
desenvolvimento da mesma e para a estabilidade que é exigida em equipas que participam em
e) Indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho e doenças profissionais em
provas de alta competição.
conformidade com a legislação em vigor; f) Cumprir todas as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho desportivo e das 1 Artigo 400.º
normas que o regem, bem como das regras de disciplina e ética desportiva”:
Pela leitura do 12º, poderão estar em causa o incumprimento de duas das suas alíneas, tanto a sua alínea c), como f).
Denúncia com aviso prévio 1 - O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade. 2 - O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e o contrato de trabalho podem aumentar o prazo de aviso prévio até seis meses, relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou direção, ou com funções de representação ou de responsabilidade. 3 - No caso de contrato de trabalho a termo, a denúncia pode ser feita com a antecedência mínima de 30 ou 15 dias, consoante a duração do contrato seja de pelo menos seis meses ou inferior. 4 No caso de contrato a termo incerto, para efeito do prazo de aviso prévio a que se refere o número anterior, atende-se à duração do contrato já decorrida. 5 - É aplicável à denúncia o disposto no n.º 4 do artigo 395.º
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7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
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De facto, um atleta tem todo o direito a rescindir o seu contrato, alegando justa causa, no entanto,
remunerações até ao termo do contrato assinado previamente, deduzindo as que venha a auferir
haverá sempre uma análise concreta por parte do Tribunal.
eventualmente a partir do início da época a seguir àquela a que tenha ocorrido a rescisão por
Para além disso, o atleta tem a liberdade, assim que rescinda o seu contrato, em optar por um
justa causa, até ao termo do contrato.
novo clube, não obstante a exigência inerente de reconhecimento da validade da rescisão, para
Não obstante, há a possibilidade ainda se fixar uma indemnização superior, na eventualidade da
efeitos de inscrição, tanto na Liga Portugal, como na Federação Portuguesa de Futebol. Este
parte interessada fizer prova de que sofreu danos de montante mais elevado, o que, no entanto,
será eventualmente o motivo alegado para aqueles atletas que rescindiram o contrato com o
se afigura como complexo por estarem em causa direitos não patrimoniais e sua respetiva
Sporting, e que não voltaram atrás com a decisão, não tenham ficado em Portugal, e todos
quantificação, desde danos psicológicos, morais, ou até repercussões na vida privada.
tenham seguido a sua profissão no estrangeiro.
De facto, os atletas, segundo vários juristas, têm razão em invocar a justa causa, pela negligência
Mesmo assim, não é impedimento do Sporting, no cenário de se verificar inexistência de justa causa, venha a ser ressarcido devidamente.
demonstrada pela entidade patronal, o Sporting Clube de Portugal. Para além disso, na chegada a Alvalade após a viagem da Madeira, um dispositivo de segurança
Saliente-se que este caso dificilmente chegará à FIFA.
foi criado, o que eventualmente permitiria considerar que havia um risco acentuado para a
Caso haja estipulação contratual, os casos poderão ser dirimidos no T.A.D., Tribunal Arbitral do Desporto, senão, pelo próprio Tribunal do Trabalho.
segurança e integridade dos jogadores. Assim, a falta de segurança dos atletas pode ser causa para o incumprimento contratual da
Apesar de não haver grande semelhança com outros casos, a jurisprudência nacional e internacional salienta sensibilidade à posição do atleta e nos argumentos alegados como
entidade empregadora, à luz do 23º3, tornando impossível a manutenção da relação laboral desportiva.
justificação para a cessação do contrato por justa causa.
10. Existência de Justa Causa
11. Inexistência de Justa Causa
Segundo o 23º3 da Lei 54/2017, constitui justa causa “o incumprimento contratual grave e
A dificuldade para a parte interessada, de forma a prova a justa causa, é a de conseguir que
culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva”.
recaia a conduta especialmente grave no clube.
Trata-se de um conceito mais exigente do que o previsto no Código do Trabalho.
Na situação de se verificar inexistência de justa causa, de acordo com o 23º1 d) e 23º 3 da Lei
Além disso, não existe presunção de culpa que seja capaz de inverter o ónus de prova, ou seja, cabe ao próprio atleta fazer prova dos factos que sustentem a justa causa.
54/2017, da cessação do contrato de trabalho do praticante desportivo resultam inevitáveis danos para o clube, ou seja, a entidade empregadora pode vir a ressarcida através de uma indemnização, por parte do atleta.
Assim, e indo de encontro ao que refere o 394º2 d) do C.T., deve o atleta fazer prova de que os factos ocorridos foram consequência da violação das regras de segurança da entidade empregadora, neste caso o Sporting, determinando como impossível a subsistência do contrato. Caso se verifique pelo Tribunal do Trabalho em como os interessados fizeram prova da justa causa, os atletas têm direito ao valor das retribuições que seriam devidas caso o contrato de
Esses danos ocorrem em vários elementos que são determinantes numa Sociedade Desportiva, dos quais a marca, os direitos de imagem, o merchandising, e patrocínios. Neste sentido, em caso de ilicitude de rutura do contrato pelo atleta, em último caso será o próprio o responsável.
trabalho que os vinculava ao Sporting cessasse no seu termo, de acordo com o 24º da Lei
Relevante neste cenário, novamente, o Contrato Coletivo de Trabalho. Aqui, no seu artigo 50º,
54/2017, mas não só, pois, neste contexto, o próprio Contrato Coletivo de Trabalho, citado
com a epígrafe “Responsabilidade do jogador em caso de rescisão unilateral sem justa causa”,
previamente, no seu 48º, também de debruça sobre esta situação, considerando que o atleta,
o artigo clarifica que, nesse caso, o jogador fica obrigado a indemnizar o clube, num montante
fundamentando-se no 43º, tem o direito a indemnização que corresponda ao valor das devidas
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7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
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que não seja inferior ao valor das retribuições que lhe seriam devidas caso o contrato terminasse
12. Conclusão
no seu termo estipulado. No entanto, a lei 54/2017, no 26º acrescenta que a nova entidade empregadora, neste caso, não poderá passar impune. Presume-se, neste caso, que o novo clube do atleta teve intervenção no processo, o que origina um regime de responsabilidade solidária no pagamento da indemnização
Com o percurso delineado neste trabalho, pretendi decalcar a realidade do que aconteceu num clube histórico como é o caso do Sporting Clube de Portugal. Como referido, a jurisprudência não encontra paralelo, de forma tão semelhante com o sucedido,
ao Sporting. Acrescenta o 26º2 que a presunção pode ser ilidida, no entanto, caso tal não ocorra, o novo
no entanto, saliente-se a clara importância da posição dos atletas.
clube responde solidariamente pela indemnização a pagar ao Sporting. Nesse cenário,
O contrato de trabalho desportivo, não obstante as variadas fragilidades notadas, foi de certa
acrescenta o 26º3, que o novo clube fica com direito de regresso sobre o atleta. O mesmo
forma alvo de uma análise exaustiva com este caso, que, seguramente, terá novos
ocorrerá caso a indemnização seja paga pelo próprio atleta, segundo o 26º4.
desenvolvimentos ao longo dos próximos meses, nas suas diferentes realidades, pela
De facto, a inexistência da justa causa dos atletas pode-se verificar por vários motivos, dos quais: •
Desconhecimento do Sporting do ataque à Academia, por ter sido um ato isolado e sem responsabilidade do clube;
•
Reconhecida plenitude de condições ao longo dos vários anos para os atletas exercerem a sua profissão, no mesmo espaço;
multiplicidade de agentes e questões jurídicas que ainda se encontram em processo de análise. Saliente-se que a rutura, mesmo que ilícita, não impediu os atletas de prosseguirem a sua carreira profissional, o que, abstratamente, poderia servir de entrave para o progredir da carreira desportiva. Não obstante, refira-se que todos os atletas que não regressaram ao Sporting, de forma a não encontrarem obstáculos em termos de inscrição na Federação Portuguesa de Futebol, à luz do artigo 7º da Lei 54/2017.
•
O reforço imediato prestado pelo Sporting da segurança dos seus atletas, após o ataque;
•
Os atletas terem participado na final da Taça de Portugal;
•
Alguns dos atletas terem participado, direta ou indiretamente, nas suas eventuais transferências.
Ainda assim, hoje, o percurso tem sido tomado para os novos clubes dos atletas não ilidirem a presunção do artigo 26º do mesmo diploma, e estabelecerem um acordo com o Sporting para efeitos de indemnização, como tem sido notícia do caso do Atlético de Madrid, pelo Gelson Martins, e do Wolverhampton, pelo Rui Patrício.
Ainda assim, hoje, a partir do momento em que atleta rescinde o seu contrato, por alegação de justa causa, pode este assinar por outro clube, cabendo posteriormente a análise da validade da mesma, no que diz respeito a eventuais indemnizações.
No entanto, refira-se que o artigo 25º2 do contrato de trabalho desportivo prevê uma redução dos valores indemnizatórios acordado pelas partes, pelo tribunal, por razões de equidade, quando se verifique como excessivo, contrariando, assim, alguns dos valores noticiados como
Caso o Tribunal prove, assim, a inexistência da justa causa, o jogador deverá pagar o valor
estipulados para a compensação que o Sporting consideraria como ajustado.
devido até ao termo do contrato, tendo ainda assim aqui em causa a eventual responsabilidade solidária do novo clube.
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7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
13. Bibliografia
•
https://www.dn.pt/lusa/interior/sporting-cronologia-dos-acontecimentos-10168879.html
•
https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira-liga/artigos/sporting-uma-cronologia-deacontecimentos-que-mais-parece-uma-temporada-de-a-guerra-dos-tronos
•
https://observador.pt/especiais/a-cronologia-das-96-horas-que-envergonham-osporting/
•
https://www.jn.pt/desporto/interior/cronologia-dos-acontecimentos-a-derrota-a-violenciae-a-corrupcao-9348202.html
•
https://www.publico.pt/2018/06/08/desporto/opiniao/causa-justa--prova--justa-causa1833538
•
https://eco.sapo.pt/2018/05/15/jogadores-do-sporting-tem-base-legal-para-rescindirpor-justa-causa/
•
https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/desporto/detalhe/garcia-pereira-diferendosobre-justa-causa-no-sporting-pode-levar-dois-anos-na-justica
•
https://tribunaexpresso.pt/sporting/2018-06-13-Guia-para-perceber-o-caso-dasrescisoes-no-Sporting.-E-porque-e-que-os-tribunais-tem-decidido-a-favor-dosjogadores
•
https://observador.pt/opiniao/e-a-justa-causa/~
•
https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/sporting-rescisao-por-justacausa-tem-suporte-legal-9352947.html
•
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=1047A0394&nid=1047 &tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=#artigo
•
Lei 54/2017 de 14 de julho
•
Lei 5/2007, de 16 de janeiro / Lei de Bases da Atividade Física do Desporto
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OWNERS’ AND DIRECTORS’ TEST: CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS Ricardo João Rodrigues da Silva Pinheiro Gonçalves
8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
ÍNDICE
ABREVIATURAS E SIGLAS al. – alínea
ABREVIATURAS E SIGLAS .......................................................................................201 5
art. – artigo cfr. – conferir
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................202 7 CAPÍTULO I ..................................................................................................................204 9 OWNERS’ AND DIRECTORS’ TEST ...........................................................................204 9 1. BREVE ENQUADRAMENTO ..........................................................................................204 9 2. A SECÇÃO ‘F’ DO PREMIER LEAGUE HANDBOOK 2018/2019 ............................. 207 12 3. CASOS REAIS ..................................................................................................................215 20 3.1. STEPHEN VAUGHAN (CHESTER CITY FC): ......................................................................216 21 217 3.2. CARSON YEUNG (BIRMINGHAM CITY FOOTBALL CLUB): ......................................... 22
CSC – Código das Sociedades Comerciais DL – Decreto-Lei EFL – English Football League EPL – English Premier League FA – Football Association FIFA – Fédération Internationale de Football Association FPF – Federação Portuguesa de Futebol
3.3. THAKSIN SHINAWATRA (MANCHESTER CITY): .............................................................218 23
LBAFD – Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto
3.4. MASSIMO CELLINO (LEEDS UNITED): ...............................................................................219 24
LPFP – Liga Portuguesa de Futebol Profissional
CAPÍTULO II ............................................................................................................... 223 29 O PANORAMA PORTUGUÊS .................................................................................. 223 29 1. BREVE ENQUADRAMENTO ........................................................................................ 223 29 2. A LEGISLAÇÃO PORTUGUESA..................................................................................224 30 3. OS REGULAMENTOS DA FPF E DA LPFP ................................................................ 230 36
op. cit. – opus citatum (obra citada) p. – página pp. – páginas RJFD – Regime Jurídico das Federações Desportivas RJSD – Regime Jurídico das Sociedades Desportivas SAD – Sociedade Anónima Desportiva
CONCLUSÕES............................................................................................................. 235 41 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 238 45
SDUQ – Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas ss. – seguintes
ENDEREÇOS ELETRÓNICOS CONSULTADOS ................................................. 239 47
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8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
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INTRODUÇÃO
No que respeita ao segundo capítulo, iniciaremos por tentar perceber que normativos do ordenamento jurídico português, em especial do Regime Jurídico das
O trabalho que nos propomos realizar consiste, em primeiro lugar, na análise e exposição do Owners’ and Directors’ Test1 e, num segundo plano, em estudar qual o regime existente no futebol português nesta matéria e perceber se a sua implementação poderia ser vantajosa e proveitosa para a indústria do futebol profissional em Portugal. Para alcançar tal desígnio, decidimos estruturar o presente trabalho com dois capítulos, a saber: Capítulo I – O Owners’ and Directors’ Test; Capítulo II – O Panorama Português. No primeiro capítulo iremos começar pelo enquadramento desta figura que foi implementada no futebol inglês pela EPL2, pela EFL3, e pela FA4, respetivamente para cada uma das competições que organizam, e estudar o seu regime com o objetivo de perceber que testes são estes, a quem se dirigem, qual o seu conteúdo e quais os seus pressupostos. De seguida, num segundo subcapítulo, iremos expor e analisar os regulamentos da EPL que consagram esta regra de modo a conseguirmos entender concretamente o que significam. Portanto, no que diz respeito ao presente trabalho, apenas nos iremos, de um modo mais detalhado, nos focar nos testes e nas normas
Sociedades Desportivas (doravante RJSD), dispõe sobre a matéria que expusemos no primeiro capítulo e de que forma o fazem. De seguida, iremos expor e analisar os regulamentos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante LPFP) e da Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF) sobre o tema. Terminaremos o presente trabalho com a elaboração de uma breve conclusão sobre todos os temas vertidos no trabalho, expondo as conclusões a que chegamos e onde nos propomos a ponderar sobre uma possível implementação deste sistema de origem inglesa no futebol profissional português. Estes são, portanto, os objetivos a que nos propomos com a realização deste trabalho, no entanto, consideramos que cumprirá ainda uma breve referência aos motivos que nos levaram à sua elaboração e à opção deste tema em específico. Nessa conformidade, concorreram como principais motivos para a escolha desta matéria a atualidade e pertinência que este tema poderá significar para o futebol profissional português aliada ao gosto pessoal e vontade de obtenção de conhecimentos do Autor pela realidade jurídico-desportiva portuguesa.
constantes nos regulamentos da EPL, deixando de parte as regulações da EFL5 e FA. Para terminar este capítulo iremos fazer referência a quatro casos concretos e reais sucedidos em Inglaterra e que, ao estarem intimamente relacionados com estes testes, fizeram-no surgir na ribalta no futebol inglês. 1
Trata-se, em suma, de uma avaliação que é realizada pelas entidades competentes a
administradores/gerentes de sociedades desportivas inglesas e diretores de clubes ingleses. 2
English Premier League (em português: Primeira Liga Inglesa). Equivale à nossa Liga Portuguesa de
Futebol Profissional e é responsável e organiza a Primeira Liga de Futebol de Inglaterra. 3
English Football League (em português: Liga de Futebol Inglesa). É uma figura sem correspondência em
Portugal e é responsável pela organização do Championship, da League One e da League Two, isto é, da segunda, terceira e quarta ligas de futebol inglesa, respetivamente. 4
Football Association (em português: Associação de Futebol). Equivale à nossa FPF (Federação
Portuguesa de Futebol). 5
Sem prejuízo da nossa opção de analisar mais extensivamente apenas os referidos testes no que respeita
aos regulamentos da EPL, diga-se, desde já, que estas regras são deveras similares às estabelecidas nos regulamentos da EFL.
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CAPÍTULO I
de SAD (sociedade anónima desportiva) ou de SDUQ (sociedade desportiva unipessoal por quotas).
OWNERS’ AND DIRECTORS’ TEST
Contudo, o cenário em Inglaterra é distinto. De facto, embora os clubes ingleses § – OWNERS’ AND DIRECTORS’ TEST. 1.
tenham sido pioneiros na constituição de sociedades comerciais no âmbito da
BREVE ENQUADRAMENTO. 2. A SECÇÃO ‘F’
participação em competições desportivas e na sua cotação em bolsa, este facto deveu-se
DO PREMIER LEAGUE HANDBOOK 2018/2019. 3.
à mera iniciativa privada dos clubes ingleses uma vez que a legislação daquele país não
CASOS REAIS. 3.1.
STEPHEN VAUGHAN
obrigava os clubes a constituírem sociedades comerciais6. Assim, um clube desportivo
(CHESTER CITY FC). 3.2. CARSON YEUNG
pode, à partida, e tendo em conta apenas a legislação inglesa, participar, enquanto pessoa
THAKSIN
coletiva de base associativa, em competições desportivas profissionais7. Sem prejuízo, os
SHINAWATRA (MANCHESTER CITY FC). 3.4.
clubes e sociedades comerciais que participem em competições desportivas profissionais
MASSIMO CELLINO (LEEDS UNITED FC).
têm, imperativamente, de obedecer às normas indicadas nos regulamentos da EPL e da
(BIRMINGHAM
CITY
FC).
3.3.
EFL, em relação à competição em que participem, os quais lhes impõem uma série de regras, nomeadamente, as que iremos analisar mais à frente em relação ao Owners’ and Directors’ Test da EPL. 1. BREVE ENQUADRAMENTO
Isto posto, e de modo a enquadrar o leitor no tema, iniciaremos por notar que esta avaliação é, desde logo, muito objetiva, isto é, trata-se, em concreto, da emissão e
O Owners’ and Directors’ Test, também conhecido por Fit and Proper Persons’
posterior envio pelo clube, de uma declaração, referente a cada individuo obrigado a
Test, consiste, muito sumariamente, numa avaliação objetiva efetuada pela entidade
efetuar este teste pelos regulamentos, e por este também assinada, em que se limita a
organizadora da competição de futebol em Inglaterra aos candidatos a, e também a quem
responder “sim ou não”, ou de “verdadeiro e falso”, mediante uma lista de situações que
já exerce (anualmente), funções de gerência e administração de clubes e sociedades
levam à desqualificação do cargo ou da posição das pessoas obrigadas à sua realização.
comerciais relacionadas e ainda a quem adquira, ou pretender adquirir, o controlo do
Esta excessiva objetividade foi, no entanto, criticada por diversas personalidades no
clube ou dessas sociedades comerciais relacionadas, que visa apurar se as referidas
futebol inglês e no âmbito do nosso estudo encontramos também alguns artigos on-line
pessoas são apropriadas para o cargo que exercem ou a que se candidatam e para adquirir
condizentes8. Porém, a própria EPLe EFL revelam ter consciência deste facto, uma vez
o mencionado controlo. Esta avaliação surgiu no ano de 2004 com o propósito proteger as principais ligas inglesas, os clubes e as sociedades desportivas de uma má gestão, bem como promover a imagem, integridade e transparência destas competições.
6
Para maior desenvolvimento vide — COORDENAÇÃO: PAULO OLAVO CUNHA, Análise do Regime
Jurídico e Fiscal das Sociedades Desportivas, Presidência do Conselho de Ministros – Gabinete do Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, pp. 9-10, (instituído através do despacho n.º 12692/2011,
Ora, antes de passarmos à análise mais detalhada destes testes, cumpre notarmos
datado de 16 de Setembro e publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 184, de 23 de Setembro), e
o seguinte. Segundo o ordenamento jurídico português, mais concretamente, nos termos
disponível para download no sítio eletrónico: https://www.cdp.pt/component/phocadownload/category/1-
do Decreto-Lei n.º 10/2013, de 15 de Janeiro, e sucessivas alterações, que estabeleceu o Regime Jurídico das Sociedades Desportivas em vigor, os clubes desportivos, enquanto pessoas coletivas de natureza associativa, que pretendem participar em competições desportivas profissionais são obrigados a constituir uma sociedade desportiva, na forma
documentos-governamentais.html?download=356:relatorio-sad. 7
Porém, muitos dos clubes britânicos foram constituídos sob a forma de PLC (Public Limited Companies)
e cotados na bolsa de valores de Londres, participando nas competições desportivas profissionais nesta qualidade – cfr. GRUPO DE TRABALHO (COORDENAÇÃO: PROF. DR. PAULO OLAVO CUNHA), op. cit., pp. 16-17. 8
Veja-se, a título de exemplo, os seguintes artigos da comunicação social:
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que, desde a sua entrada em vigor em no ano de 2004, têm vindo a proceder a diversas
administradores e gerentes das referidas entidades ou ainda a quem obtiver, ou pretenda
alterações e reformulações com o objetivo de melhorar os testes em conformidade com
obter, 30% ou mais dos direitos de voto das mencionadas entidades11.
estas críticas, de modo a torna-los mais subjetivos e ponderados ao caso em concreto, sendo esperado que continuem com esse propósito. Outra crítica que tem sido apontada à realização desta avaliação e que merece a nossa referência é o facto de se revelar pouco transparente, na medida em que não são, por norma, divulgados ao público os resultados do referido teste. No entanto, a imprensa desportiva inglesa consegue, por vezes, divulgar 9
casos esporádicos de aplicação desta avaliação .
No que respeita aos moldes em que esta avaliação destes indivíduos é realizada, esta ocorre, de um modo geral, de duas formas. Desde logo, anualmente, no início de cada época desportiva, cada clube pertencente à EPL tem de comunicar a esta entidade, por via de uma declaração escrita assinada por um responsável do clube e pelos referidos indivíduos, respondendo às questões desqualificadoras presentes na Secção ‘F’ do acima mencionado regulamento da EPL. Sem prejuízo, em qualquer outra altura, mesmo durante
De seguida, passamos ao estudo de quem se aplica estas normas, ou seja, quem
a época desportiva, caso alguém pretenda assumir as funções acima referidas ou adquirir
está obrigado a “passar” nesta avaliação. Ora, cumpre desde já notar que o âmbito de
o controlo nos clubes e sociedades associadas, de modo a que recaiam nas previsões do
aplicação destes testes é bastante amplo. De facto, analisando a Secção ‘F’ do Premier
regulamento para a realização desta avaliação, devem também entregar, antes do início
League Handbook Season 2018/201910, conjugada com as definições apresentadas na
desse evento, a mesma declaração junto da EPL.
seção A do mesmo diploma, a nossa interpretação é de que esta avaliação se aplica a todos os diretores, gerentes ou administradores, de direito e/ou de facto, não só dos próprios clubes, mas também de quaisquer sociedades por eles constituídas, do mesmo grupo ou
2. A SECÇÃO ‘F’ DO PREMIER LEAGUE HANDBOOK 2018/2019
que de algum modo com ele se relacionem. Além disso, e tendo em conta que de acordo com a Secção ‘G’ do mesmo texto os clubes são obrigados a revelar o indivíduo ou o
Feito o enquadramento do leitor neste tema, prosseguimos, neste subcapítulo, com
último beneficiário das sociedades comerciais que detenham 10% ou mais do clube ou
a análise, ainda que algo resumida e por nós traduzida12, das disposições do regulamento
das sociedades comerciais por ele constituídas, do mesmo grupo ou que de algum modo
da EPL que consagram a realização desta avaliação. Antes de iniciarmos esta análise,
com ele se relacionem, o teste aplica-se ainda a quem, para o efeito das definições da
contudo, relembre-se que, de modo a uma compreensão efetiva do teste regulado na
Secção ‘A’, a quem obtiver, ou pretenda obter, o controlo, aqui se entendendo como
referida Secção ‘F, deve-se consultar igualmente as definições dos conceitos deste
participação social e direitos de voto, do clube ou das sociedades comerciais por ele
regulamento, definições essas constantes na Secção ‘A’ deste diploma13 14.
constituídas, do mesmo grupo ou relacionadas que lhe permita eleger ou destituir os 1) https://www.eurosport.com/football/efl-clubs-agree-to-tighten-up-owners-and-directorstest_sto6208015/story.shtml; 2) https://www.otbfootball.net/the-fit-proper-persons-test-a-football-fallacy/; 3) https://www.bbc.com/sport/football/26488969: 4) https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/is-football-s-owners-directors-test-fit-forpurpose. 9 Para maior desenvolvimento veja-se RICHARD BARHAM, A guide to the Owners’ and Directors’ Test
11
Para melhor estudo do âmbito de aplicação deste teste, e de modo a melhor fundamentar a nossa
interpretação desta questão, veja-se a Secção ‘A’ (A.1.12.; A.1.19.; A.1.28.; A.1.40.; A.1.42.; A.1.46.; A.1.52.; A.1.61.; A.1.79.; A.1.122.; A.1.155.; A.1.163.) em conjugação com as disposições da Secção ‘F’, do Premier League Handbook 2018/2019, que disponível para consulta e download no seguinte endereço eletrónico: «https://www.premierleague.com/publications». Procuraremos efetuar uma tradução fiel para a Língua Portuguesa das disposições do regulamento, sem
in English Footbal, lawinsport.com, 17 de Outubro de 2018, disponível no seguinte endereço eletrónico:
12
https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/a-guide-to-the-owners-and-directors-test-in-english-
prejuízo de recorrermos à indicação da expressão em Língua Inglesa quando o tivermos por conveniente
football.
13
10
Este é o regulamento base da EPL e é onde está previsto, na seção F, o Directors’s and Owners’s Test e
está
disponível
para
consulta
e
download
no
seguinte
endereço
eletrónico:
«https://www.premierleague.com/publications».
Especialmente as definições já referidas, constantes da Secção ‘A’, n.ºs A.1.12.; A.1.14.; A.1.19.;
A.1.28.; A.1.40.; A.1.42.; A.1.46.; A.1.52.; A.1.61.; A.1.79.; A.1.122.; A.1.155.; A.1.163.. 14
Na exposição que se segue da Secção ‘F’ do referido regulamento, iremos fazer referência às definições
que acharmos relevantes apenas na primeira vez que surgirem. No entanto, sugerimos ao leitor que ao
12
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8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
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Portanto, de acordo com o ponto F.1.15, a pessoa obrigada à emissão da referida declaração, pelos motivos supra indicados, não passará no exame e será desqualificada,
considerada desonesta; F.1.5.3. por qualquer infração consagrada no Anexo 120 ou uma infração análoga consagrada numa jurisdição diferente;
o que significa que, assim sendo, não lhe será permitido assumir as funções ou o controlo da entidade a que se propunham, quando:
- F.1.6. tenha, de acordo com o juízo razoável do “Board”21, empregado uma conduta, fora do Reino Unido, que constituiria uma infração, tal como as descritas nos
- F.1.1. no que diz respeito à declaração solicitada neste ponto F.1., tenha: F.1.1.1. sido incapaz de fornecer toda a informação relevante; ou, F.1.1.2. fornecido informação
pontos F.1.5.2. e F.1.5.3., caso tal conduta tivesse sido praticada no Reino Unido, quer essa conduta tenha ou não resultado numa condenação;
falsa, imprecisa ou enganosa;
- F.1.7. tenha sido objeto (de procedimentos de insolvência e recuperação
- F.1.2. direta ou indiretamente estiver envolvido ou tiver algum poder para
pessoal): F.1.7.1. um “Individual Voluntary Agreement” (o que, no ordenamento jurídico
determinar ou influenciar a administração ou gerência de outro clube16 da EPL ou da EFL;
português, corresponderá à figura do processo especial para acordo de pagamento, nos
- F.1.3. direta ou indiretamente detém ou adquire participação social significativa (em Inglês: “significant interest”17) num clube enquanto detém, direta ou indiretamente, alguma participação social de qualquer tipo noutro clube; - F.1.4. estiver proibido pela lei inglesa de administrar ou gerir sociedades comerciais ou empresas18;
termos do disposto nos arts. 222.º-A e ss. do CIRE); F.1.7.2. um “debt relief order” (não há correspondência exata no direito português para esta figura, embora se situe no âmbito do direito da insolvência e recuperação de singulares, e significa, resumidamente, um período de 12 meses em que os credores da pessoa, que tenha sido aprovada com sucesso neste pedido, não podem exigir de qualquer modo o pagamento dos seus créditos); F.1.7.3. um “administration order” (uma figura jurídica que corresponde a um acordo de
- F.1.5. tenha sido condenado19 por um tribunal do Reino Unido ou pelo
pagamento da dívida entre o devedor e os credores no âmbito de um processo judicial em
competente tribunal de outra jurisdição: F.1.5.1. numa pena de 12 meses de prisão efetiva
curso); F.1.7.4. um “enforcement restriction order” (outro tipo de acordo de pagamento
não suspensa; F.1.5.2. por qualquer infração envolvendo qualquer conduta que possa ser
de dívida existente no ordenamento jurídico de Inglaterra); F.1.7.5. um “debt management scheme” ou um “debt repayment plan” (figuras que se assemelham aos institutos de direito português de processo especial para acordo de pagamento, nos termos
analisar as disposições destas normas, tenha sempre em consideração as definições constantes da Secção ‘A’ do regulamento, uma vez que certas palavras têm mais do que um significado.
do disposto nos arts. 222.º-A e ss. do CIRE e ao plano de pagamento aos credores, nos termos do preceituado nos arts. 251.º e ss. do CIRE); e ainda, nos termos da mesma regra,
15
Este ponto destas regras elenca os fatores de desqualificação consagrados nesta avaliação.
16
Cfr. definição presente no ponto A.1.28. do regulamento.
17
De acordo com a definição presente no ponto A.1.155. do regulamento será quem detiver 10% ou mais
qualquer tipo de figura jurídica semelhante às acima referidas que tenha sido aplicada num outro ordenamento jurídico distinto; - F.1.8. tenha sido objeto de uma “bankruptcy restriction order” ou de uma
dos direitos de voto do clube ou sociedade comercial em causa. 18
O regulamento especifica melhor os casos abrangidos por esta disposição, no entanto, não nos interessa
decisões judiciais de insolvência no âmbito de processos de insolvência pessoal, como
aqui estudar a fundo esta questão. 19
“bankruptcy order” (as quais assemelham-se, no ordenamento jurídico português, a
A regra constante do ponto F.1.5. determina que certas condenações em processo criminal sejam fatores
de desqualificação na presente avaliação. Contudo, o regulamento refere apenas as pessoas que tenham uma “conviction (wich is not a spent conviction)”. Para melhor compreensão do termo “spent conviction” torna-
declaração de insolvência de uma pessoa singular ou a sua qualificação como insolvência culposa e respetivas consequências);
se necessária a análise ao diploma legal inglês intitulado “Rehabilitation of Offenders Act 1974” que estabelece quando é que uma condenação criminal se considera como “spent conviction” ou “unspent conviction” para se poder determinar se uma condenação criminal preenche este critério que constitui um
20
tipos de ofensas proibidas pela EPL. 21
fator de desqualificação da avaliação em análise.
O Anexo 1 é parte integrante do Premier League Handbook 2018/2019 e contém uma lista com certos Cfr. definição constante no ponto A.1.12. do regulamento,
14
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8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
- F.1.9. é, ou tenha sido, gerente ou administrador, ainda que de facto, de um clube da EPL (ou sociedade comercial com ele relacionada) durante a altura em que este tenha
respeitantes à proibição das apostas desportivas no futebol (quer seja em Inglaterra, no País de Gales, ou noutro local);
sido objeto de dois ou mais casos quaisquer casos de insolvência de pessoa coletiva não relacionados em que tenham sido retirados pontos como sanção disciplinar ao respetivo clube (mesmo que tenha se demitido até 30 dias antes do conhecimento da insolvência22 23
); - F.1.10. tenha sido gerente ou administrador, ainda que de facto, de dois ou mais
clubes da EPL ou da EFL (ou de sociedades comerciais com ele relacionadas) durante a altura em que este tenha sido objeto de um caso de insolvência em que tenham sido retirados pontos como sanção disciplinar ao respetivo clube; - F.1.11. tenha sido objeto de uma suspensão ou interdição/proibição de administrar ou gerir uma entidade desportiva por decisão de uma qualquer entidade decisória desportiva que seja reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional, pelo “UK Sport”, pelo “Sport England”, outra entidade desportiva nacional, ou ainda outra qualquer nacional ou internacional associação desportiva ou órgão de decisão, quer tal suspensão ou interdição/proibição seja direta ou indireta;
- F.1.15. seja um intermediário e/ou estiver registado como um intermediário ou agente de acordo com os regulamentos de cada associação nacional membro da FIFA. Estes são, portanto, os fatores que, uma vez preenchido qualquer um deles, levam à desqualificação do candidato nesta avaliação. Podemos desde já realçar três questões que nos parecem relevantes e pertinentes tendo em conta o estudo efetuado. Ora, em primeiro lugar, e tendo analisado não apenas a regra F.1., mas sim toda a Secção ‘F’ deste regulamento, salta-nos à vista que, apesar de todos estes fatores de desqualificação dos candidatos estarem devidamente e expressamente elencados, não está definido qualquer meio de fiscalização da veracidade das declarações das pessoas obrigadas à emissão da declaração relativa a estes critérios. Através de um simples raciocínio hipotético, podemos conjurar uma situação em que o candidato não responda com verdade no que respeita aos fatores supra expostos ou simplesmente omita alguma informação relevante. Neste contexto, terá a EPL algum meio de comprovação, verificação e/ou investigação da informação declarada pelos candidatos? O que é certo é
- F.1.12. tenha sido objeto de qualquer forma de suspensão, desqualificação ou
que pelo estudo deste regulamento não obtemos resposta à nossa questão. Sem prejuízo,
expulsão de uma ordem profissional incluindo, sem limitação, a “Law Society”, a
é também verdade que no ponto F.6. deste regulamento, a EPL reserva o direito de
“Solicitors’s Regulation Authority”, a “Bar Council”, o “Institute of Chartered
desqualificar um candidato nos termos deste teste caso tenha obtido conhecimento “by
Acccountants of England and Wales” ou qualquer outra entidade similar noutra jurisdição
any other means” (por qualquer outro meio diverso destas declarações consagradas na
que não a de Inglaterra e País de Gales, quer essa suspensão, desqualificação ou expulsão
Secção ‘F’ do regulamento) que este incumpre os critérios aqui exigidos. O que significa,
seja direta ou indireta;
portanto, que a EPL pode desqualificar um candidato devido à verificação de algum dos
- F.1.13. tenha sido ordenado a fornecer a sua informação pessoal de acordo com a “Part 2 of the Sexual Offences Act 2003”; - F.1.14. se considere que tenha violado ou tenha admitido ter violado: F.1.14.1. a regra J.6. (deste regulamento); ou, F.1.14.2. quaisquer outras regras, em vigor à data,
fatores de desqualificação que tenha sido descoberta com base nalguma denúncia, comunicação, artigo da imprensa, ou mesmo até pelo conhecimento pessoal por parte de algum membro do “Board”. Outra questão que nos parece relevante prende-se com o facto de a EPL ter instituído, mais recentemente, na regra F.1.6., e em oposição ao cariz objetivo desta avaliação, uma norma de ponderação mais subjetivista. De facto, esta regra, que consagra
O texto das regras refere-se a “Event of Insolvency” como o momento a partir do qual se conta o referido
um juízo subjetivo do Board em caso de uma conduta passível de ser considerada uma
prazo de 30 dias, o que, interpretado à letra, poderá significar 30 dias depois do requerimento de insolvência,
infração, é uma das alterações mais recentes ao Fit and Proper Persons’s Test, e surge
22
que poderá ser apresentado pelo clube ou sociedade comercial com ele relacionada ou por um credor, no âmbito de um processo de insolvência de pessoa coletiva. 23
Esta regra dos 30 dias aplica-se também à regra do ponto F.1.10.
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após a excessiva objetividade deste teste ter sido criticada24 no âmbito de alguns casos
que o âmbito de aplicação da desqualificação por insolvência de sociedades comerciais
que se tornaram de conhecimento público (alguns dos quais iremos fazer referência no
dos quais tenham sido administradores ou gerentes poderia ser bastante mais alargado e,
próximo subcapítulo).
assim sendo, não se limitar apenas aos casos de insolvência de clubes ou sociedades
Finalmente, no que diz respeito aos critérios de desqualificação constantes na
comerciais com eles relacionadas27.
regra F.1. cumpre-nos ainda uma breve referência aos fatores consagrados nos pontos
Isto posto, e expostos os fatores de desqualificação consagrados na secção F.1. do
F.1.7., F.1.8., F.1.9. e F.1.1.0., ou seja, as normas relativas às situações de insolvência ou
owners’ and directors’ test, prossegue o regulamento em estudo, nos pontos F.2., F.3. e
acordos de recuperação. Ora, nos termos referidos, é desqualificado qualquer candidato
F.4., com as regras relativas à submissão da declaração obrigatória no âmbito desta
que tenha sido objeto de qualquer plano de pagamento e recuperação de pessoas
avaliação.
singulares judicial (cfr. F.1.7.) ou de processo de insolvência (cfr. F.1.8.), portanto, mesmo que estas situações se situem completamente extra do âmbito desportivo. É, no entanto, curiosa a constatação de que, de acordo com as regras F.1.9. e F.1.10., os candidatos apenas serão desqualificados, por meio desta avaliação, no caso de serem seus administradores, gerentes ou diretores, ainda que de facto, no âmbito de insolvências de 25
clubes ou sociedades comerciais com ele relacionadas . Isto significa que, nos termos destas disposições, aos candidatos e às pessoas obrigadas a preencherem esta declaração, é permitido, isto é, não releva para efeitos da aprovação neste teste, que tenham sido administradores ou gerentes de sociedades comerciais extrafutebol, ou seja, sociedades comerciais de um modo geral não relacionadas de modo nenhum com nenhum clube ou competição desportiva, e que estas tenham sido objeto de figuras jurídicas semelhantes
Assim, e em suma, os clubes da EPL são obrigados ao envio da referida declaração para o “Board”, no prazo máximo de 14 dias antes do início de cada época desportiva, em relação a cada um dos seus “directors”28, devidamente preenchida e assinada pela pessoa em causa e por um “authorised signatory”29. Nos casos em que um clube da EFL seja promovido para a EPL, este prazo será alterado para até 21 dias antes da data em que o clube seja considerado efetivamente como membro da EPL30. Diferentemente será quando uma “Person”31 se propõe a assumir as funções de “director” ou de assumir “control32 of the club”, caso em que o clube deve submeter a declaração à EPL no cumprimento de um prazo de até 10 dias úteis prévios ao início da situação que fundamenta o envio da respetiva declaração33.
ao PER e à insolvência. Não descortinamos qual o propósito e o espírito da EPL ao consagrar esta diferença26 nestas regras, porém, na nossa humilde opinião, consideramos 27
24
Sobre este tema veja-se: RICHARD BARHAM, A guide to the Owners’ and Directors’ Test in English
Footbal, lawinsport.com, 17 de Outubro de 2018, disponível no seguinte endereço eletrónico: https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/a-guide-to-the-owners-and-directors-test-in-english-
Note-se que, no caso relativo à insolvência de pessoas coletivas (nestas regras apenas são considerados
os clubes e sociedades comerciais com ele relacionadas), nem sequer são tidos em conta, para efeitos de aprovação neste teste, acordos de recuperação ou revitalização judiciais ou extrajudiciais que envolvam o clube ou a sociedade comercial com ele relacionada. 28
Cfr. definição de “director” constante no ponto A.1.52. do regulamento.
29
Cfr. definição de “Authorised Signatory” constante no ponto A.1.14. do regulamento.
30
Cfr. regra F.3. do regulamento.
E ainda para mais, ao contrário do que sucede com as normas do ponto 7.1.7., segundo as regras
31
Cfr. definição de “Person” constante no ponto A.1.122. do regulamento.
constantes dos pontos 7.1.9. e 7.1.10., é exigido, para a desqualificação do candidato, que tenham ocorrido
32
Cfr. definição de “Control” constante no ponto A.1.46. do regulamento.
dois ou mais casos de insolvência do clube ou de sociedade comercial com ele relacionada.
33
Situação essa que poderá, como já estudamos, nos casos em que alguém se propõe a assumir funções de
football e, Is football’s owners’ & directors’s test fit for purpose, lawinsport.com, 21 de Janeiro de 2015, disponível no seguinte endereço eletrónico: https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/is-football-sowners-directors-test-fit-for-purpose. 25
Entre os critérios de desqualificação relativos aos acordos judiciais de revitalização ou recuperação e
administração ou gerência de um dado clube ou uma sociedade comercial com ele relacionada ou, em
insolvência de pessoas singulares (cfr. pontos F.1.7. e F.1.8.) e os critérios respeitantes a processos de
alternativa, na hipótese de alguém, ou alguma sociedade comercial por essa pessoa controlada, pretender
insolvência de pessoas coletivas (neste caso, clubes e sociedades comerciais com ele relacionadas apenas)
adquirir 30% ou mais, dos direitos de voto do clube ou de sociedade comercial com ele relacionada ou
(cfr. pontos F.1.9. e F.1.10.).
ainda, para efeitos desta norma, assumir um certo tipo de controlo do clube ou sociedade comercial que lhe
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De seguida, a regra consagrada no ponto F.5. obriga à comunicação das entidades
Esta seção “F” do referido regulamento da EPL consagra ainda uma última regra,
e pessoas obrigadas, nos termos supra mencionados, à EPL de algum evento que tenha
constante no ponto F.24., que proíbe qualquer “Person”39 de adquirir uma “Holding”40
gerado uma alteração nas circunstâncias comunicadas pelas vias acima referidas.
num “Club”41 quando, de acordo com a lei do Reino Unido ou da União Europeia, essa
O ponto F.6., por sua vez, regula os procedimentos a adotar em caso de desqualificação de candidatos tendo em conta os critérios de desqualificação consagrados no ponto F.1..
pessoa: F.24.1. esteja proibida de entrar no território do Reino Unido; ou, F.24.2. não detenha fundos ou recursos económicos direta ou indiretamente disponíveis em seu benefício.
No que respeita aos pontos F.7. e F.8., sob a epígrafe de “disciplinary provisions”, estas regras submetem a apreciação disciplinar os clubes e pessoas singulares obrigadas
3. CASOS REAIS
a este teste que tenham violado as imposições presentes nesta seção “F”. Seguidamente, nos pontos F.9. a F.12., é estabelecido os termos e procedimentos
Expostas as regras consagradas no Premier League Handbook 2018/2019 no que
relativos à suspensão de clubes nas competições desportivas inglesas, a adotar em caso
toca ao Owners’ and Directors’ Test, e para finalizarmos o presente capítulo, é agora
de incumprimento de decisões da EPL relativamente à aplicação de desqualificações com
tempo de passarmos agora a breves referências de casos reais que sucederam em
base nesta avaliação.
Inglaterra no âmbito do tema aqui estudado, cuja sucinta análise consideramos pertinente
Por fim, nas regras constantes dos pontos F.13. a F.23. do regulamento, são estipulados os termos dos recursos das decisões de desqualificação de um candidato pela EPL com base no Fit and Proper Persons’ Test. O recurso destas decisões obriga o
e útil ao presente estudo, pois estes casos estão intimamente relacionados com esta avaliação e, assim sendo, pensamos que o leitor beneficiará de uma noção mais prática e concreta destes testes.
recorrente a um depósito de £1.000,00 (mil libras)34 35e apenas pode ter como fundamento
Em primeiro lugar, e antes de passarmos à sucinta exposição factual de casos reais,
os factos determinados no ponto F.15. O recurso será apreciado por um “appeal tribunal”,
cumpre-nos denotar que a EPL, a EFL e a FA têm seguido uma política de privacidade,
composto por três membros, sendo que o presidente desse órgão alguém legalmente
proteção de dados pessoais e não transparência/divulgação dos resultados e informações
qualificado para o efeito, todos eles nomeados pelo “Board”36. O ónus da prova
decorrentes da avaliação em estudo no presente trabalho. De facto, as únicas informações
relativamente à matéria alegada no recurso será da responsabilidade do recorrente 37 e a
concretas que conseguimos encontrar foram por via dos meios de comunicação social que
decisão tomada por este órgão será final e vinculativa para tanto o clube como para o
conseguem ter acesso a informações privilegiadas, imagina-se que devido a fugas de
38
candidato .
informação, e divulgam para o público em geral. Aliás, as próprias direções das entidades reguladoras do futebol em Inglaterra EPL já admitiram que esta é uma conduta
permita designar ou destituir a maior parte dos administradores, gerentes ou diretores – cfr. definição de
previamente delineada e prevista para a salvaguarda de dados pessoais das pessoas que
“control” constante no ponto A.1.46. do regulamento.
realizam estes testes. Neste contexto, os casos que iremos fazer referência de seguida são
34
Cfr. regra F.14. do regulamento.
transmitidos apenas com base em artigos da comunicação social, os quais iremos
35
Sendo que, nos termos das regras consagradas nos pontos F.22.5. e F.22.6. do regulamento, esta quantia
referenciar em nota de rodapé para o leitor que quiser indagar mais sobre o assunto.
poderá (ou não) ser devolvida ao recorrente, ou ainda complemento de um pagamento ainda maior a ser por este efetuado à EPL. 36
Cfr. regra F.16. do regulamento.
39
Cfr. definição constante do ponto A.1.122. do regulamento.
37
Cfr. regra F.18. do regulamento.
40
Cfr. definição constante do ponto A.1.79. do regulamento.
38
Cfr. regra F.23. do regulamento.
41
Cfr. definição constante do ponto A.1.28. do regulamento.
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Em segundo lugar, cumpre ainda referir que nem todas as referências que se
Assim sendo, e de acordo com o regulamento, neste caso, da FA, devido ao clube
seguem se irão centrar em alguém que tenha efetivamente, e de um modo definitivo, sido
em questão participar nas competições desportivas por si organizadas, devido ao facto de
desqualificado42 de deter ou administrar um clube ou sociedade comercial do mesmo
estar impedido de administrar ou gerir empresas, o qual constituía um factor de
grupo, pelas competentes entidades do futebol inglês no âmbito destes testes. De facto,
desqualificação do referido reste, o Sr. Stephen Vaughan foi declarado como “not fit and
faremos também menção a casos reais43 que no âmbito desta avaliação que levantaram
proper person” e viu-se obrigado a abdicar do domínio do grupo empresarial do Chester
sérias polémicas e que se tornaram famosos no seio do futebol inglês, levando a diversas
City FC.
críticas à efetividade e seriedade destes testes. 3.2. CARSON YEUNG (BIRMINGHAM CITY FOOTBALL CLUB)45: 3.1. STEPHEN VAUGHAN (CHESTER CITY FC)44:
Faremos agora referência a um caso que se revelou bastante polémico em terras
A primeira referência deste subcapítulo trata-se, intencionalmente, também da
de Sua Majestade. Trata-se da compra (e posterior venda) da sociedade detentora do
primeira ocasião na (ainda curta) história de aplicação desta avaliação em que um
grupo comercial referente ao Birmingham City FC e à nomeação de Carson Yeung, um
indivíduo foi desqualificado devido ao Owners’ and Directors’ Test. Ora, o Sr. Stephen
empresário natural de Hong Kong, como seu administrador e também diretor do respetivo
Vaughan, um empresário natural de Liverpool, adquiriu, em Outubro de 2001, o grupo
clube.
empresarial do Chester City FC, aquando da relegação desta equipa da EFL.
Ora, o Sr. Carson Yeung decidiu adquirir este clube inglês no ano de 2009. No
Sucede que, no ano de 2009, este empresário foi alvo de um processo de fraude
entanto, sucede que no ano de 2004 este empresário tinha sido condenado judicialmente
fiscal, mais concretamente, de fraude de IVA, devido à sua intervenção num esquema
em multa, em Hong Kong, pela conduta, que aí constitui crime, de não declarar uma
fraudulento que se denomina de fraude fiscal de “carrossel”, no qual foi acusado de se ter
quantia significante de ações detidas na bolsa de valores de Hong Kong. Além do mais,
apropriado de uma quantia de cerca de £500.000,00 (quinhentas mil libras).
existiam muitos rumores e alegações de que este empresário estaria ligado a organizações
Neste âmbito, e ao ter confessado a sua participação no referido esquema fraudulento, a entidade inglesa competente (The Insolvency Service) decidiu aplicar ao Sr. Stephen Vaughan a medida de proibição de deter ou administrar empresas durante 11 anos.
criminosas. No entanto, uma vez que a única infração pela qual ele havia sido efetivamente condenado tinha sido descriminalizada em Inglaterra no ano de 2000, e de acordo com o regulamento da EPL acima estudado, este empresário reunia os critérios para passar no referido teste. Mais tarde, já depois de assumir a presidência do Birmingham City FC, no ano de 2010, o Sr. Carson Yeung voltaria a ser condenado judicialmente numa multa pela mesma
42
No que respeita a outras situações de desqualificação por via destes testes convidamos o leitor a pesquisar
sobre os casos de Tommy Agombar (Hereford United), Craig Whyte (The Rangers Football Club) e Dennis Coleman (Rotherham United). 43
Convidamos ainda o leitor a investigar sobre outros dois casos que nos parecem interessantes e
pertinentes e em que esta avaliação se notabilizou, os quais, por impossibilidade de mencionarmos todos
infração em Hong Kong, desta vez ainda de maiores proporções. No entanto, mesmo após esta situação ter ocorrido, os responsáveis da EPL voltaram a não concluir pela desqualificação do Sr. Carson Yeung das posições e funções que tinha, à data, no clube inglês. Esta situação gerou bastante polémica e foram várias as vozes que pugnaram por
neste subcapítulo, não faremos uma referência mais detalhada, tais como: Gao Ji Sheng (Southampton) e Evangelos Marinakis (Nottingham Forest). 44
Para maior desenvolvimento veja-se os artigos de comunicação social nas seguintes páginas web:
https://www.theguardian.com/football/david-conn-inside-sport-blog/2009/nov/18/chester-city-fit-proper-
45
person-test; https://www.theguardian.com/football/2009/nov/18/chester-city-fit-proper-person-test.
https://www.bbc.com/sport/football/26488969; https://www.bbc.com/sport/football/26488969.
Veja-se,
para
maior
desenvolvimento,
21 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19
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os
seguintes
artigos:
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uma mudança drástica nos regulamentos que previam este teste devido à sua excessiva
um processo judicial, nesse mesmo país, no qual lhe eram imputados crimes de corrupção
objetividade e às suas óbvias lacunas.
e de violação de direitos humanos. Este havia, inclusive, fugido das autoridades
Por fim, no ano de 2014, o presidente do Birmingham City FC, Carson Yeung, foi novamente judicialmente condenado, em Hong Kong, desta feita por branqueamento de capitais, a seis anos de prisão efetiva, tendo ainda sido descoberto que ele teria usado os proveitos não declarados relativos a ações na bolsa de valores de Hong Kong para a
tailandesas e tentado obter exílio político no Reino Unido durante a compra do clube Inglês, com o objetivo de escapar ao julgamento a que iria ser submetido pelo governo militar que dirigia o país, tendo-lhe sido congelados valores nas suas contas bancárias tailandesas equivalentes a 800 milhões de libras.
compra deste clube inglês, beneficiando da sua lavagem e branqueamento de capitais.
Ora, a pergunta que se colocou à altura era se, de facto, aquele individuo estava
Nesta ocasião, no entanto, devido à pena de prisão efetiva a que tinha sido condenado, tornava-se indiscutível que iria ser desqualificado, agora segundo os regulamentos da EFL, nos termos dos Fit and Proper Persons’ Test. Não chegou, porém, a revelar-se necessário, uma vez que este empresário saiu “pelo próprio pé”, ao se ter demitido das suas funções no referido clube inglês. Contudo, e tendo esta situação gerado nova polémica, o empresário de Hong Kong decidiu não vender toda a sua participação no clube inglês e respetivas empresas, tendo permanecido com uma percentagem de 15%, uma vez que, tal como vimo acima, o teste apenas se aplica a quem controle efetivamente
apto a ser dono e administrador do Manchester City FC, de acordo com os termos estabelecidos nos Fit and Proper Test’s. Acontece que, e uma vez que ainda não havia sido proferida nenhuma sentença ou decisão equivalente transitada em julgado no seu país de origem47, a entidade competente da Premier League viu-se obrigada a permitir que o Sr. Thaksin Shinawatra adquirisse o clube em questão. Além do mais, o regime que havia sido implementado pelos militares na Tailândia não tinha sido reconhecido pelo Reino Unido, o que levantava ainda mais dúvidas quanto à aplicação da referida avaliação, mesmo no caso de que este fosse efetivamente condenado a prisão efetiva.
o clube e as sociedades comerciais com ele relacionadas, quer por deter 30% ou mais da
No mês de Agosto de 2008, após a polémica se ter instalado e dois meses antes da
sua propriedade, quer por ter o poder suficiente para eleger ou destituir os seus órgão
sentença condenatória a que iria muito provavelmente ser sujeito, e devido a esta situação
sociais e todos os administradores/gerentes/diretores.
estar a denegrir a imagem do Manchester City FC, o Sr. Thaksin Shinawatra, sabendo também de antemão que dentro de pouco tempo iria chumbar no teste aplicado pela Premier League, decidiu vender a sua posição no referido clube Inglês, ficando apenas
3.3. THAKSIN SHINAWATRA (MANCHESTER CITY)46: Em Julho de 2007, o Sr. Thaksin Shinawatra, um ex-primeiro ministro da Tailândia, adquiriu aproximadamente 75% das ações do Manchester City FC (grupo empresarial) pagando cerca de 39.1 milhões de libras entre o preço das respetivas ações e pagamento de suprimentos aos anteriores acionistas.
com 15% do respetivo capital social, ao Abu Dhabi United Group. Em Outubro do ano de 2008, o Sr. Thaksin Shinawatra foi condenado, pelos tribunais tailandeses a dois anos de prisão efetiva, tendo sido emitido um mandado para a sua detenção e, em Novembro de 2008, foi-lhe recusada a entrada no Reino Unido.
Sucede que, nessa mesma altura em que o Sr. Thaksin Shinawatra adquiriu a referida participação social, e na sequência de um golpe político-militar que havia
3.4. MASSIMO CELLINO (LEEDS UNITED)48:
decorrido na Tailândia e que o havia afastado do poder naquele país, sobre este impendia
Massimo Cellino, um empresário natural da região da Sardenha, Itália, o qual foi presidente do clube italiano Cagliari durante cerca de 22 anos, decidiu adquirir, em
46
Cfr.,
para
maior
desenvolvimento,
as
seguintes
páginas
eletrónicas: Cfr. ponto F.1.5. e F.1.6. do Premier League Handbook 2018/2019.
https://www.theguardian.com/football/2008/aug/23/manchestercity.premierleague1;
47
https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/a-guide-to-the-owners-and-directors-test-in-english-
48
football;
https://www.bbc.com/sport/football/26084726;
https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/is-football-s-owners-directors-test-fit-for-
purpose; http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/6277502.stm.
Ver,
para
maior
desenvolvimento,
220
seguintes
páginas
eletrónicas:
https://www.bbc.com/sport/football/26627183;
https://www.bbc.com/sport/football/26776884;
23 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19
as
www.ligaportugal.pt
24 www.ligaportugal.pt
221
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Fevereiro de 2014, através do grupo empresarial denominado Eleonora Sport Ltd., sua
Sucede que, esta decisão apenas vigorou até ao dia 1 de Dezembro de 2014 pois,
propriedade, 75% do capital social do Leeds United, um clube inglês que disputava, à
após a English Football League ter tido acesso e ter devidamente analisado os
data, o Championship, o segundo escalão de futebol nacional de Inglaterra.
fundamentos da acima referida condenação do Sr. Massimo Cellino pelos tribunais
Sucede que, no dia 24 de Março de 2014, a EFL anunciou que o Sr. Massimo
italianos devido a evasão fiscal, o competente órgão para o efeito decidiu desqualificar o
Cellino não havia sido aprovado no seu Owners’ and Directors’ Test. O motivo para a
presidente do Leeds United com fundamento nas regras do Fit and Proper Person Test.
sua desqualificação prendia-se com a condenação em multa, a que o Sr. Massimo Cellino
Após esta última decisão da EFL, ao Sr. Massimo Cellino apenas restavam duas hipóteses
havia sido sujeito, no âmbito de um processo judicial que corria termos nos competentes
para continuar na liderança deste clube inglês, sendo que a primeira seria recorrer da
tribunais italianos, relativamente a uma alegada evasão fiscal de impostos quanto a um
decisão e a segunda seria esperar até ao dia 28 de Março de 2015, pois nesta data e
negócio de importação de um iate, que a EFL considerou como uma atitude desonesta
segundo a legislação britânica, a condenação se tornaria numa “spent conviction”50 e
para o efeito e nos termos do ponto F.1.5.2. do referido regulamento.
poderia assim voltar ao controlo do Leeds United.
No entanto, o Sr. Massimo Cellino apresentou um recurso desta decisão da EFL,
O Sr. Massimo Cellino decidiu recorrer novamente desta decisão, porém, desta
com base na sua interpretação de que esta decisão dos tribunais italianos não significava
vez o seu recurso foi rejeitado pelo competente órgão decisório da EFL e o presidente do
que seria desqualificado de adquirir o Leeds United com base nas regras do Fit and
Leeds United viu-se obrigado a cumprir a sua desqualificação até poder voltar de novo a
Proper Persons’ Test. Alegou para tanto, e em suma, que a condenação não revelava uma
assumir a presidência e o controlo deste clube inglês. Contudo, a ELF decidiu adiar o
atitude desonesta da sua parte e que, nos termos da lei italiana, naquela fase do processo,
regresso do Sr. Massimo Cellino ao aumentar a sua desqualificação suspendendo-o até o
este ainda era considerado inocente.
final da época desportiva de 2014/2015 devido ao tempo que este demorou e ao ter adiado
Ora,
o
referido
recurso
foi
apreciado
pelo
órgão
independente
denominado League's Professional Conduct Committee e acontece que, no dia 05 de Abril de 2014, foi proferida a decisão sobre aquele recurso que decidiu favoravelmente
a entrega dos documentos judiciais referentes ao acima referido processo judicial de evasão fiscal nos tribunais italianos. Assim sendo, apenas no dia 02 de Maio de 2015 é que o Sr. Massimo Cellino voltou a assumir a presidência e o controlo do Leeds United.
ao Sr. Massimo Cellino. O presidente daquele órgão independente, Tim Kerr QC,
No decurso da época desportiva seguinte, isto é, da época desportiva de
explicou que a sua decisão de permitir que Massimo Cellino adquirisse o Leeds United
2015/2016, sucede que, em Outubro de 2015, a EFL decide, uma vez mais, desqualificar
decorreu do seu entendimento de que, com base apenas na informação disponibilizada
o Sr. Massimo Cellino ao abrigo do Owners’ and Directors’ Test devido a uma nova
pelo tribunal italiano, não era possível concluir pela desonestidade da sua conduta
condenação por evasão fiscal num tribunal italiano, desta feita após terem surgido
relativamente aos factos ali apreciados e, portanto, não se poderia bloquear a compra do
suspeitas pela importação de um automóvel Land Rover em Itália. Esta nova
referido clube nos termos do Owners’ and Directors’ Test49.
desqualificação, nos termos da lei britânica e do regulamento desportivo aplicável, duraria até ao final dessa época desportiva, ou seja, até Junho do ano de 2016.
https://www.theguardian.com/football/2014/apr/05/massimo-cellino-wins-appeal-leeds-ban-taekover;
O Sr. Massimo Cellino voltou a recorrer desta última decisão da EFL,
https://www.theguardian.com/football/2014/dec/01/massimo-cellino-leeds-football-league-disqualified; https://www.theguardian.com/football/2015/jan/19/massimo-cellino-loses-appeal-leeds-director;
recurso que havia apresentado nos tribunais italianos no âmbito deste processo judicial.
https://www.theguardian.com/football/2015/oct/19/leeds-massimo-cellino-disqualified-football-league;
A EFL aceitou adiar a sua desqualificação até a decisão sobre o referido recurso nos
https://www.theguardian.com/football/2015/nov/26/massimo-cellino-leeds-united-two-bans. 49
argumentando que a sua desqualificação deveria ser suspensa até a decisão sobre o
Veja-se, no regulamento por nós estudado, o disposto no ponto F.1.5.2. que terá sido o ponto em que se
baseou esta discussão (no caso do Sr. Massimo Cellino estaria em causa os regulamentos do Championship
50
e não da Premier League, no entanto, seria uma regra análoga a esta).
convictions” não davam direito à desqualificação.
Uma vez que, com base na regra análoga à do ponto F.1.5. do regulamento estudado, as “spent
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8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
CAPÍTULO II
tribunais italianos. No dia 09 de Maio de 2016, o competente tribunal de recurso italiano considerou procedente o recurso apresentado pelo Sr. Massimo Cellino, absolvendo-o do
O PANORAMA PORTUGUÊS
referido processo judicial, o que levou também a EFL a reverter a sua decisão no que se refere a esta última desqualificação. Neste contexto, Massimo Cellino continuou na
§ – O PANORAMA PORTUGUÊS. 1. BREVE
presidência do Leeds United e a deter o clube inglês até ao dia 23 de Maio de 2017, altura
ENQUADRAMENTO.
em que vendeu a sua participação no referido clube.
2.
A
LEGISLAÇÃO
PORTUGUESA. 3. OS REGULAMENTOS DA LPFP E DA FPF.
1. BREVE ENQUADRAMENTO Chegados ao segundo e último capítulo deste trabalho, cumpre-nos, em primeiro lugar, fazer uma breve apreciação do estudo por nós já realizado no primeiro capítulo e uma pequena introdução sobre o que iremos estudar nesta parte do presente trabalho. Assim sendo, constatamos que as organizações desportivas reguladoras do futebol inglês, a EPL, a EFL e a FA aplicam um certo tipo de “teste”, ou melhor dizendo, uma “avaliação”, sob a designação de Owners’ and Directors’ Test, aos pretensos e/ou efetivos administradores ou diretores de clubes e sociedades desportivas ou outras com esta relacionadas e ainda a pretensos adquirentes de mais de 30% da propriedade destes clubes ou sociedades com ele relacionadas. Aplaudimos, de facto, esta iniciativa, pois consideramos que esta avaliação se revela uma ferramenta bastante importante para o desenvolvimento e proteção do futebol profissional inglês. Não podemos, contudo, deixar de constatar que muitas têm sido as vozes que criticam a excessiva objetividade desta avaliação, acusando-a de se revelar apenas uma “ticking box”. De facto, se atentarmos no exposto no capítulo I – 2. reparamos que o processo é bastante simples e objetivo. É, portanto, emitida uma declaração pelo sujeito singular em causa e pelo respetivo clube a comunicar à entidade organizadora da competição em causa se preenche todos os requisitos (ou melhor, se não incorre em nenhum item de desqualificação) dos pontos ali explícitos do regulamento aplicável. Destaca-se, porém, que esta avaliação tem sido alterada em conformidade com as falhas que lhe eram e são apontadas tendo, inclusive, sido já alvo de, pelo menos, uma 29
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8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
alteração bastante relevante e que, de certo modo, respondeu às críticas que lhe eram
Começaremos, pois, pela Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro, que constitui a Lei de
feitas. Trata-se da introdução dos pontos F.1.5.2. e F.1.6. do regulamento da EPL
Bases da Atividade Física e do Desporto, uma vez que se trata do diploma legal mais
(reportámo-nos ao regulamento da EPL uma vez que este foi objeto de estudo no capítulo
geral e abrangente nesta área. Assim sendo, iniciamos por constatar que nada se dispõe
I do presente trabalho). Assim sendo, estes itens de desqualificação foram introduzidos
acerca dos administradores de sociedades desportivas ou de dirigentes de clubes em
para permitir alguma discricionariedade e subjetividade na decisão da EPL no que toca a
específico.
aplicação deste teste, respondendo a algumas das críticas e situações reais que foram surgindo em Inglaterra.
Ainda assim, destacaremos alguns artigos deste diploma legal que nos parecem relevantes para o tema. Salientamos, deste modo, dois artigos constantes do Capítulo IV
Isto posto, cumpre-nos agora tentar perceber o panorama português no que
(Atividade física e prática desportiva), Seção II (Agentes desportivos), que transcrevemos
respeita a esta matéria. Assim, no presente capítulo iremos, ainda que de forma breve,
de seguida. Em primeiro lugar, o artigo 36.º (Titulares de cargos dirigentes desportivos):
rever e analisar sumariamente as disposições legais em vigor acerca dos administradores
«A lei define os direitos e deveres dos titulares de cargos dirigentes desportivos» e depois
de sociedades desportivas ou de diretores de clubes e ainda dos acionistas maioritários
o artigo 39.º (Regime de incompatibilidades): «A lei define o regime jurídico de
das sociedades desportivas para percebermos que tratamento é dado na legislação
incompatibilidades aplicável aos agentes desportivos».
portuguesa a este assunto. Para tanto, analisaremos os diplomas legais que regem a atividade desportiva como, por exemplo, o RJSD e a LBADF, entre outras.
Portanto, no que a este normativo diz respeito, percebemos apenas que esta lei geral e de bases remete para que a lei especial se encargue de definir e enquadrar, em
De seguida, passaremos ao estudo dos regulamentos das organizações desportivas
primeiro lugar, os direitos e deveres de titulares da direção dos clubes e depois também o
portuguesas aplicáveis aos administradores de sociedades desportivas, aos diretores de
regime de incompatibilidades de todos os agentes desportivos. Notamos, contudo, que
clubes e aos proprietários maioritários das sociedades desportivas para, depois de
nada preceitua acerca dos requisitos de elegibilidade.
relacionarmos estes regulamentos com as disposições legais aplicáveis, tentarmos fazer uma reflexão crítica do panorama português relativamente a esta matéria.
De seguida, passaremos então à apreciação do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de Dezembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de Junho. Ora, através da análise no referido diploma legal, constatamos que, com interesse para o tema aqui discutido, foram consagrados, no artigo 48.º, requisitos de elegibilidade,
2. A LEGISLAÇÃO PORTUGUESA
bem como, no artigo 49.º, um regime de incompatibilidades para os titulares dos órgãos
Neste subcapítulo procuraremos, portanto, rever e identificar que normativos legais dispõe sobre este tema e qual o tratamento que lhe é dado. Advertimos, porém, o leitor que, uma vez que este é uma matéria bastante específica, procuraremos perceber que regimes de incompatibilidades, de impedimentos e de elegibilidade existem não só
das federações desportivas. Transcrevemos, de seguida, o disposto nestes artigos do Regime Jurídico das Federações Desportivas, os quais se inserem no Capítulo III (Organização e funcionamento das federações desportivas) e na Secção III (Titulares dos órgãos).
para os administradores de sociedades desportivas e diretores de clubes, mas também para
No que respeita então aos requisitos de elegibilidade, preceitua o art. 48.º
os titulares de cargos noutras organizações desportivas. O objetivo será não só o de obter
(Requisitos de elegibilidade) o seguinte: «São elegíveis para os órgãos das federações
um meio de comparação entre estes, mas também, como veremos mais adiante, em alguns
desportivas os maiores não afetados por qualquer incapacidade de exercício, que não
casos estas regras relativas a outros sujeitos de organizações desportivas serem também
sejam devedores da federação respetiva, nem hajam sido punidos por infrações de
aplicáveis aos responsáveis dos clubes e sociedades desportivas.
natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, 31
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8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
corrupção, racismo e xenofobia, até cinco anos após o cumprimento da pena, que não
- Artigo 15.º (Administração da sociedade): «1 - O órgão de administração da
tenham sido punidos por crimes praticados no exercício de cargos dirigentes em
sociedade é composto por um número de membros, fixado nos estatutos, no mínimo de
federações desportivas ou por crimes contra o património destas, até cinco anos após o
um ou de dois gestores executivos, consoante se trate de uma sociedade desportiva
cumprimento da pena, salvo se sanção diversa lhe tiver sido aplicada por decisão
unipessoal por quotas ou de uma sociedade anónima desportiva. 2 - Os membros
judicial».
executivos dos órgãos de gestão devem dedicar-se a tempo inteiro à gestão das respetivas
Quanto ao artigo 49.º (Incompatibilidades), dispõe-se o seguinte: «1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é incompatível com a função de titular de órgão federativo: a) O exercício de outro cargo na mesma federação; b) A intervenção,
sociedades. 3 - A sociedade desportiva deve comunicar anualmente à entidade organizadora das competições desportivas profissionais, em termos a definir pela mesma, a identidade dos respetivos gestores executivos».
direta ou indireta, em contratos celebrados com a federação respetiva; c) Relativamente
- Artigo 16.º (Incompatibilidades): «1 - Não podem ser administradores ou
aos órgãos da federação ou da liga profissional, o exercício, no seu âmbito, de funções
gerentes de sociedades desportivas: a) Os titulares de órgãos sociais de federações ou
como dirigente de clube, sociedade desportiva ou de associação, árbitro, juiz ou
associações desportivas de clubes da mesma modalidade; b) Os praticantes
treinador no ativo. 2 — As funções referidas na alínea c) do número anterior não são
profissionais, os treinadores e árbitros, em exercício, da respetiva modalidade. c) Quem
incompatíveis com a função de delegado à Assembleia Geral. 3 — Para efeitos da alínea
possua ligação a empresas ou organizações que promovam, negoceiem, organizem,
c) do n.º 1, não é incompatível com a função de titular de órgão federativo o exercício de
conduzam eventos ou transações relacionadas com apostas desportivas. 2 - Aos gestores
funções de árbitro ou juiz em provas e competições internacionais»
de sociedades desportivas aplica-se igualmente o regime das incompatibilidades
Ora, estamos desde já em condições de fazer uma breve apreciação. Repare-se então que o disposto no artigo 48.º, os requisitos de elegibilidade dos titulares de órgãos
estabelecidas para os demais dirigentes desportivos na lei geral e em normas especiais, designadamente de carácter regulamentar, relativas à modalidade a que respeitam».
de federações desportivas, se assemelha bastante, embora claro numa escala mais
Ora, em primeiro lugar, analisando brevemente o disposto no artigo 15.º,
pequena e com um número mais reduzido de requisitos, aos fatores de desqualificação do
percebemos que há uma exigência legal no Regime Jurídico das Sociedades Desportivas
regulamento da EPL dos Fit and Proper Persons’ Test que expusemos no capítulo
de que o órgão de administração das sociedades seja composto por um mínimo de um ou
anterior do presente trabalho. Aplaudimos esta iniciativa do legislador português pois
dois administradores/gestores executivos, conforme esteja em causa uma SDUQ ou uma
consideramos que se trata de matérias importantes para a proteção e a salvaguarda da
SAD e que estes devem dedicar-se a tempo inteiro à gestão da respetiva sociedade.
imagem pública das organizações desportivas e, noutro plano, para o bom desempenho e
Embora esta obrigação legal não se possa correlacionar diretamente com o Owners’ and
desenvolvimento do desporto em Portugal. No que ao regime de incompatibilidades diz
Directors’ Test estudado no capítulo anterior, parece-nos algo com relevo para este tema,
respeito, este terá, como melhor perceberemos mais adiante, uma maior preponderância
uma vez que está a regular e balizar o órgão de administração das sociedades desportivas
em relação aos administradores de sociedades desportivas, pelo que reservaremos um
e, portanto, o seu objeto são os seus administradores e gerentes, tal como a referida
comentário para essa altura.
avaliação do regulamento da EPL.
Finalmente, após o estudo destes diplomas legais, no que toca a esta matéria,
Depois, com uma importância ainda mais acrescida para o tema, está previsto no
consideramos que nos resta apenas a análise do Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de Janeiro,
artigo 16.º o regime de incompatibilidades dos administradores e gerentes de sociedades
que aprovou o Regime Jurídico das Sociedades Desportivas.
desportivas. No n.º 1 são consagradas incompatibilidades com diversos outros tipos de
Assim, com interesse para a matéria estudada no presente trabalho, este diploma legal consagra na sua secção III, mais precisamente nos seus artigos 15.º e 16.º, sob a epígrafe “Órgãos sociais”, o seguinte: 33
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8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
agentes desportivos51, enquanto que no n.º 2 somos remetidos para os regimes de
tivesse consagrado algo do género também para os administradores e gerentes de
incompatibilidades para os demais agentes desportivos na lei geral, designadamente o
sociedades desportivas.
regime de incompatibilidades acima estudado do RJFD que lhe é assim também aplicável, e ainda para outras normas de caracter regulamentar, que estudaremos mais adiante.
Até agora temos visto disposições que regulam o exercício de funções de administração e gerência das sociedades desportivas. Resta-nos, pois, perceber se existe
Assim sendo, concluímos então que para além do regime de incompatibilidades
algum normativo que funcione como um entrave à aquisição e propriedade de
previsto no art. 16.º, n.º 1, aos administradores de sociedades desportivas é também
participações sociais nessas mesmas sociedades desportivas e perceber se são
aplicável, pelo menos, o regime de incompatibilidades do art. 49.º, do RJFD, o qual
semelhantes aos fatores de desqualificação do Owners’ and Directors’ Test.
transcrevemos acima. No entanto, pode se colocar a questão de saber se esta remissão para o RJFD abrange também os requisitos de elegibilidade do art 48.º do RJFD também transcrito supra. Neste ponto, porém, pensamos que não se se poderá aplicar os requisitos de elegibilidade dos titulares de cargos nos órgãos de federações desportivas, uma vez que a remissão refere expressamente “regime de incompatibilidades”52. Note-se, porém que tais requisitos de elegibilidade do art. 48.º do RJFD, são o mais aproximado que vimos até agora dos Fit and Proper Persons’ Test que é realizado pelas organizações desportivas de Inglaterra, tal como estudamos no primeiro capítulo deste trabalho. Veja-se, como meio de comparação, os pontos F.1.4. a F.1.11. do regulamento da EPL estudado no capítulo I – 2. do presente trabalho, onde encontramos disposições, ainda que mais completas e pormenorizadas, bastante similares..Assim sendo, consideramos que teria sido benéfico e adequado para o desenvolvimento e profissionalização das estruturas organizativas do futebol português, promovendo também a sua transparência e controlo no que respeita às sociedades desportivas, que se
Ora, no RJSD, estão consagradas algumas sobre o tema que passamos a transcrever: - Artigo 12.º (Proibição de subscrição ou aquisição de participações): «1 - É proibido à entidade que detenha, isolada ou conjuntamente, uma posição maioritária no capital social de uma sociedade desportiva ou que nela exerça uma relação de domínio, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código de Valores Mobiliários, deter mais de 10 % do capital social de outra sociedade desportiva na mesma competição ou prova desportiva. 2 - A sociedade desportiva não pode participar no capital social de sociedade com idêntica natureza»; - Artigo 19.º (Limitações ao exercício de direitos sociais): «1 - Os direitos dos acionistas que sejam titulares de ações em mais do que uma sociedade anónima desportiva que tenha por objeto a mesma modalidade desportiva só podem ser exercidos numa única sociedade, com exceção dos direitos à repartição e perceção de dividendos e à transmissão de posições sociais. 2 - A restrição prevista no número anterior aplicase, também a sociedades relativamente às quais a sociedade anónima desportiva e o
51
Além das incompatibilidades elencadas no art. 16.º, n.º 1, do RJSD, Maria de Fátima Ribeiro defende, a
acionista se encontrem em posição de domínio ou de grupo»;
nosso ver com toda a razão, através do recurso à interpretação extensiva da norma e à analogia da alínea a), do n.º 1, do mesmo art. 16.º, e também devido às disposições gerais do CSC, que é também incompatível com o cargo de administrador ou gerente de uma sociedade desportiva, o exercício de funções de administração ou gerência noutra sociedade desportiva da mesma modalidade. A mesma Autora levanta
- Artigo 28.º (Deveres de transparência): «1 - A relação dos titulares ou usufrutuários, individuais ou coletivos, por conta própria ou por conta de outrem, de participações qualificadas no capital social de sociedade desportiva é de comunicação
ainda outros problemas no que toca à sucessão, no tempo, no exercício destas funções em diferentes
obrigatória à entidade da administração pública com atribuições na área do desporto e
sociedades desportivas da mesma modalidade e ainda o exercício de funções de administração em sociedade
à federação dotada de utilidade pública desportiva na respetiva modalidade, bem como
desportiva por parte de alguém que é cumulativamente sócio noutra sociedade desportiva da mesma
às ligas profissionais, no caso das competições profissionais. 2 - Para os efeitos do
modalidade. Veja-se, para maior desenvolvimento, MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, Sociedades Desportivas, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2015, pp. 152-156. 52
Tal interpretação é também partilhada por Maria de Fátima Ribeiro. Cfr. MARIA DE FÁTIMA
disposto no número anterior, considera-se participação qualificada a detenção, isolada ou conjuntamente, de pelo menos 10 % do capital social ou dos direitos de voto. (…)».
RIBEIRO, op. cit., pp. 152-156.
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8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS
Assim, como podemos verificar, existem, de facto, algumas normas neste RJSD que regulam a participação social em sociedades desportivas. Começando pelos artigos
aos temas deste trabalho, apenas nos interessa ver com mais pormenor os Estatutos da FPF e Regulamento Eleitoral da FPF.
12.º e 19.º do RJSD, constatamos que estes consagram algumas regras relativamente à aquisição e detenção de participações sociais, bem como ao exercício dos direitos inerentes a essas participações sociais, em sociedades desportivas. Quiçá possamos correlacionar estas normas com os pontos F.1.2. e F.1.3. do referido regulamento da EPL estudado no capítulo I – 2. do presente trabalho, o que significa que a nossa lei já tenta prever alguma transparência e evitar conflitos de interesses neste âmbito. O que, a nosso ver, é de louvar, ainda que pensamos que se pudesse ter ido ainda mais longe, não só na amplitude destas regras, mas também no que toca à fiscalização e sancionamento destes deveres. Por sua vez, o artigo 28.º deste diploma legal obriga as sociedades desportivas à comunicação da relação dos seus acionistas qualificados, isto é, dos detentores, isolada ou conjuntamente, de 10% ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto, à Administração Pública e à FPF. Pensamos que esta norma constitui em si uma obrigação de informação que na sua génese pode-se comparar com a essencialidade da referida avaliação da EPL, uma vez que é um dever de comunicar quem são as pessoas singulares ou coletivas que exercem o controlo das suas sociedades desportivas, à semelhança do que acontece no regulamento inglês.
Assim, constatamos que nos Estatutos da FPF estão previstos, nos artigos 21.º e 23.º, os requisitos para a eleição de titulares de órgãos da FPF e o regime de incompatibilidades para os titulares de órgãos sociais da FPF, respetivamente, os quais transcrevemos de seguida: - Artigo 21º (Requisitos para a eleição de titulares dos Órgãos): «Sem prejuízo de outras disposições especiais estabelecidas no Regulamento Eleitoral da FPF, só pode ser eleito para órgão social da Federação Portuguesa de Futebol quem reúna, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1. Tenha residência em território nacional; 2. Seja maior de dezoito anos; 3. Não esteja afectado por qualquer incapacidade de exercício; 4. Não seja devedor à FPF; 5. Não tenha sido punido por infracções de natureza criminal, contra-ordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo ou xenofobia, ou por crime praticado no exercício de cargos dirigentes em qualquer modalidade desportiva ou contra o património de qualquer federação desportiva, até cinco anos após o cumprimento da pena»; - Artigo 23º (Incompatibilidades): «1. Fora dos casos especialmente previstos nos presentes Estatutos e no Regulamento Eleitoral da FPF, é incompatível com a função de titular de órgão social da Federação Portuguesa de Futebol, a intervenção directa ou indirecta em contratos celebrados com a FPF, o exercício na FPF de outro cargo eleito ou por inerência bem como a sua cumulação com o exercício da actividade de dirigente
3. OS REGULAMENTOS DA FPF E DA LPFP
de clube ou sociedade desportiva ou de associação, árbitro, jogador, treinador ou de Aqui chegados, analisaremos, neste subcapítulo, os regulamentos da FPF e da
qualquer outro agente desportivo no activo. 2. Salvo os delegados por inerência é
LPFP de modo a tentarmos perceber se existe alguma «norma de carácter
incompatível com a função de delegado a sua cumulação com o exercício da actividade
regulamentar»53 que incida sobre os temas aqui estudados e se se assemelham ao objecto
de dirigente de clube ou sociedade desportiva, árbitro, jogador, treinador ou de dirigente
de estudo central no presente trabalho, ou seja, ao Owners’ and Directors’ Test que é
de qualquer outro sócio da FPF seja ordinário ou por filiação».
praticado pelas entidades organizadoras do futebol em Inglaterra.
Se repararmos, o artigo 21.º que acabamos de transcrever supra, que consagra os
Iniciamos esta parte do trabalho com a análise dos regulamentos da FPF. Após
requisitos de elegibilidade para os titulares de órgãos da FPF, remete, por sua vez, para o
uma breve verificação destes regulamentos, chegamos à conclusão que, com referência
Regulamento Eleitoral da FPF, que na sua Secção I (Elegibilidade), no artigo 9.º (Requisitos Gerais), dispõe o seguinte: «1. Só pode ser eleito delegado da Federação
Lembre-se que o artigo 16.º, n.º 2, do RJSD, que consagra as incompatibilidades dos administradores e
Portuguesa de Futebol, quem, cumulativamente, preencha os seguintes requisitos: a) Não
gerentes das sociedades desportivas remete para o regime de incompatibilidade das «normas de carácter
seja delegado por inerência; b) Não seja titular de órgão social da FPF; c) Seja maior
53
regulamentar».
de dezoito anos; d) Tenha residência em território nacional; e) Não seja devedor da FPF; 36
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f) Não esteja afetado por qualquer incapacidade de exercício; g) No haja perdido o
regulamento da EPL) do mesmo género para os administradores e gerentes das sociedades
mandato no exercício de funções anteriores; h) Não tenha sofrido sanção disciplinar em
desportivas e para as pessoas coletivas ou singulares (neste caso, os seus beneficiários
qualquer modalidade desportiva superior a 180 dias; i) Não tenha sido punido por
efetivos) que detêm um controlo significativo das sociedades desportivas.
infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo ou xenofobia, ou por crime praticado no exercício de cargos dirigentes em qualquer modalidade desportiva ou contra o património de qualquer federação desportiva, até cinco anos após o cumprimento da pena. 2. O Clube ou Sociedade Desportiva que indique o candidato a delegado não pode, igualmente, ser devedor da FPF e tem que ter a sua sede em território nacional». Como vimos acima, o artigo 16.º, n.º 2, do RJSD, além das incompatibilidades que ali estabelece para os administradores e gerentes das sociedades desportivas, consagra também para as normas de carácter regulamentar que estabeleçam regimes de incompatibilidades para os demais dirigentes desportivos. Assim sendo, não restam dúvidas que o regime de incompatibilidades do artigo 23.º dos Estatutos da FPF, que acabamos de transcrever, se aplica também aos administradores e gerentes de sociedades desportivas. Além disso, nos regulamentos da FPF encontramos dois artigos referentes aos requisitos de elegibilidade, o primeiro relativo aos titulares de cargos de órgãos da FPF e o segundo respeitante aos delegados da FPF. No entanto, como já defendemos neste trabalho, os requisitos de elegibilidade, quer da lei em geral, quer das normas de carácter regulamentar, não estão abrangidos pela remissão do artigo 16.º, n.º 2, do RJSD, uma vez que este se refere apenas a «regimes de incompatibilidades». O que, a nosso ver, e como já tivemos oportunidade de referir, não foi uma boa opção do legislador, que pretendia promover a transparência e o desenvolvimento das estruturas organizativas do desporto e, no caso em concreto, do futebol profissional. Não podemos, contudo, deixar de notar que os requisitos de elegibilidade que temos vindo a estudar neste trabalho são a figura que mais se aproxima dos fatores que 54
são avaliados no Owners’ and Directors’ Test e que teria sido uma boa opção, quer para o legislador português, quer para as entidades como a FPF e a LPFP, a promoção da instituição e adoção de requisitos ou fatores de desqualificação (usando a gíria do 54
Veja-se os pontos F.1.4. a F.1.11. do regulamento da EPL estudado no Capítulo I – 2. do presente
trabalho.
Por fim, versemos sobre os regulamentos emanados pela LPFP. Ora, na análise que fizemos de todos os regulamentos da LPFP, apenas destacamos, com interesse para esta matéria, três artigos dos Estatutos da LPFP, que transcrevemos imediatamente: - Artigo 19.º (Requisitos para a eleição dos titulares dos órgãos): «Só pode ser eleito para órgão social da Liga Portugal quem reunir, cumulativamente os seguintes requisitos: a) Ter a residência em território nacional; b) Ser maior de 18 anos; c) Não estar incapacitado física ou psiquicamente para o desempenho das funções; d) Não tenha sido punido por infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo ou xenofobia, ou por crime praticado no exercício de cargos dirigentes em Federações Desportivas ou Ligas Profissionais, ou por crimes contra o património destas, até cinco anos após o cumprimento da pena, salvo sanção diversa lhe ter sido aplicada por decisão judicial»; - Artigo 23.º (Incompatibilidades): «Sem prejuízo dos casos especialmente previstos nos presentes Estatutos e nos Regulamentos aplicáveis, é incompatível com a função de titular de órgão social da Liga a intervenção direta ou indireta em contratos celebrados com a Liga, o exercício na Liga de outro cargo eleito ou por inerência, bem como a sua acumulação com o exercício da atividade de dirigente de clube ou sociedade desportiva ou de associação, árbitro, jogador, treinador ou de qualquer outro agente desportivo no ativo»; - Artigo 29.º (Inelegibilidade): «1. Não pode ser eleito nos dois seguintes atos eleitorais titular de qualquer órgão da Liga quem tenha sido judicialmente declarado responsável por irregularidades cometidas no exercício das funções na Liga ou removido, por esse facto, dos lugares que ocupava. 2. A inobservância do disposto no número anterior determina a nulidade absoluta da lista de candidatura para o órgão em causa». Ora, estes artigos dos Estatutos da LPFP são deveras similares aos que já analisamos dos regulamentos da FPF. Como temos vindo a referir no presente trabalho, o único que poderá ser aplicado aos administradores e gerentes de sociedades desportivas é o artigo 23.º, que consagra o regime de incompatibilidades. Isto é, sempre na medida 39
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CONCLUSÕES
em que consideremos que os titulares de órgãos sociais da LPFP são considerados «dirigentes desportivos» nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 16.º, n.º 2, do RJSD, o que nos parece adequado.
Após todo o estudo realizado no presente trabalho, é tempo partilharmos algumas
No entanto, mais uma vez temos de verificar que os requisitos de elegibilidade,
das principais conclusões a que chegamos que nos merecem distinção.
desta feita consagrados nos Estatutos da LPFP para os titulares dos seus órgãos sociais
Começamos por notar que o estudo efetuado no primeiro capítulo deste trabalho
nos artigos 19.º e 29.º, são as normas regulamentares da LPFP que mais se assemelham
foi-nos deveras útil para percebermos de que se trata o Owners’ and Directors’ Test
aos Fit and Proper Persons’ Test55, praticado pelas entidades organizadoras do futebol
praticado no futebol em Inglaterra. De facto, ao analisarmos ao detalhe a seção ‘F’ do
em Inglaterra, apesar de não se aplicarem aos administradores e gerentes de sociedades
Premier League Handbook 2018/2019, constatamos quais os fatores de desqualificação
desportivas.
que podem levar um pretenso administrador de um clube inglês ou de uma sociedade comercial com ele relacionada ou ainda de um pretenso adquirente destas sociedades comerciais. Os casos práticos reais que expusemos e que exemplificam a aplicação desta avaliação ajudaram-nos a ter uma visão mais real e concreta desta figura que já fez correr muita tinta nos principais campeonatos de futebol ingleses. No que toca ao segundo capítulo, tentamos perceber se, no futebol português, existia algum mecanismo que se assemelhasse a estes testes de origem inglesa. Para tanto, servimo-nos do estudo da legislação desportiva portuguesa e dos regulamentos da FPF e da LPFP. No domínio legislativo e regulamentar desportivo, conseguimos apenas descortinar, contudo, a existência de regimes de incompatibilidades e de requisitos de elegibilidade no futebol profissional português. Acabamos por concluir também, através da análise efetuada no segundo capítulo do presente trabalho, que apenas se aplicam, aos administradores e gerentes de sociedades desportivas, os regimes de incompatibilidades constantes dos diplomas legais do RJFD e do RJSD e das normas de carácter regulamentar da FPF e da LPFP. Neste âmbito, iniciamos, porém, por justificar que fizemos questão de estudar e também de transcrever sempre neste trabalho, além das incompatibilidades, os requisitos de elegibilidade que fomos encontrando na lei e nos regulamentos aplicáveis ao futebol profissional para darmos a conhecer ao leitor que existe já um regime de elegibilidade consagrado para os demais dirigentes desportivos, mas não para os administradores e gerentes de sociedades desportivas e, além disso, para também dar a entender a nossa posição quanto a esta matéria. Assim o foi, pois, pensamos que o que mais se aproxima das Fit and Proper Persons’ Test se trata mesmo dos requisitos de elegibilidade.
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Cfr., uma vez mais, os pontos F.1.4. a F.1.11. do regulamento da EPL estudado no Capítulo I – 2. do
presente trabalho.
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Assim, nesta matéria, resta-nos a constatação de que existe uma lacuna jurídica quanto aos requisitos de elegibilidade dos administradores e gerentes de sociedades
entidades organizadoras do futebol em Portugal a adoção de uma figura do género dos Fit and Proper Persons’ Test em Portugal.
desportivas, uma vez que inexiste qualquer previsão legal ou regulamentar nesta matéria. Pensamos que estes dirigentes desportivos mereciam uma maior atenção e cuidados redobrados por parte do legislador português e das entidades reguladoras do futebol em Portugal pois, pense-se, são estas pessoas que controlam e estão à frente dos destinos de sociedades desportivas que movimentam quantias financeiras bastante avultadas, geram milhares de empregos e promovem o nosso desenvolvimento económico e social.
Terminadas as conclusões ao nível do conteúdo temático, é animador o reconhecimento de que este trabalho nos permitiu ter uma visão mais concreta e real, em primeiro lugar, do Onwers’ and Directors’ Test, e em segundo lugar, do panorama português em relação a eta matéria e alimentou o nosso gosto pessoal por estes temas que nos impulsionou a estudar esta matéria e que certamente saiu reforçado com a conclusão deste trabalho. Esperemos ainda que este estudo seja útil e benéfico para o leitor como
O mesmo já não se pode concluir relativamente a entidades que detêm uma participação social significativa nas sociedades desportivas, pois, apesar de
um objeto de estudo do tema abordado, que proporcione momentos de reflexão oportunos e alerte para os problemas suscitados.
reconhecermos que também seria extremamente positivo e enriquecedor para o futebol profissional português, tal medida requereria bastante mais estudo e análise das suas implicações, bem como a consulta de bastantes mais entidades e pessoas de forma a obter consensos na definição e enquadramento dessas normas. Poderá ser uma boa aposta de futuro obviamente, mas tendo um longo caminho a percorrer, acreditamos que o início passaria pela aposta num maior controlo e enquadramento das pessoas que exercem funções de administradores e gerentes das sociedades desportivas e, no futuro, tendo esta medida sido bem-sucedida, poder-se-ia trabalhar na sua extensão às referidas entidades. Há que aplaudir, sem sombra de dúvidas, as entidades organizadoras do futebol em Inglaterra, a EPL, a EFL e a FA pela audácia e inovação com que adotaram o Owners’ and Directors’ Test que veio, com certeza, promover a transparência, a proteção e o desenvolvimento das suas competições de futebol. Mesmo sabendo as críticas que lhe foram feitas, as quais fomos mencionando no decurso do Capítulo I, este teste não estagnou e foi sabendo responder às mesmas com alterações e/ou adições ao seu regulamento. É certo que os casos reais que expusemos podem fazer sobressair algumas inconsistências e imperfeições desta medida do regulamento da EPL, contudo, não deixa de ser, a nosso ver, uma avaliação ponderada, justa e bem-intencionada para promover e proteger as estruturas dos clubes e sociedades comerciais com eles relacionadas do futebol inglês. Nesta conformidade, e tendo em conta que o futebol profissional em Portugal ocupa um lugar de destaque na sociedade e na comunidade portuguesa ao nível social e económico, no qual se atribui um peso bastante grande deste impacto social e económico às sociedades desportivas, não temos como não recomendar ao legislador português e às 42 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19
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