Trabalhos Pós-Graduação 2018-19

Page 1

PUBLICAÇÃO

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO ÉPOCA 2018-19


PUBLICAÇÃO

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO ÉPOCAS 2018-19

ÍNDICE 1. Prefácio 2. Do Vídeo-Árbitro ao Vídeojogo Ensaio Académico sobre a ofensa à integridade física Ana Rita dos Santos Novo

3. A Profissionalização dos Árbitros como garantia de integridade no Futebol Ana Leonor Morais Taveira

4. Futebol Feminino André da Costa Gomes

5. Compliance nas Sociedades Desportivas Candido Mendes

6. O Artigo 16º do Regime Jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo Diogo Soares Loureiro

7. O contrato de trabalho desportivo - O caso de Alcochete José Pedro Costa Gonçalves Pereira

8. Owners’ and Directors’ Test: Confronto com o panorama Português Ricardo João Rodrigues da Silva Pinheiro Gonçalves


1. PREFÁCIO

1. PREFÁCIO

PREFÁCIO Dra. Maria de Fátima Ribeiro

Dra. Sónia Carneiro

Professora da Universidade Católica Portuguesa

Diretora Executiva Coordenadora da Liga Portugal

Coordenadora Científica da Pós-Graduação em Organização e Gestão no Futebol Profissional

Vivemos, hoje, circunstâncias verdadeiramente excepcionais e muito duras, que nos farão repensar

Uma das maiores preocupações do Presidente Pedro Proença, e da sua Direção Executiva, quando

a realidade que conhecemos, nas suas mais diversas vertentes - e o desporto não será exceção.

entraram na Liga Portugal foi o reposicionamento da instituição, e do Futebol Profissional português.

O futebol era, é e terá de continuar a ser depois disto (ou, até, sobretudo depois disto) um fenómeno

A Formação foi identificada como um dos pilares fundamentais para se construir, em Portugal, uma

globalmente catalisador e, quantas vezes, uma lição de superação. Simplesmente, não é menos certo

indústria cada vez mais profissional. Os desafios do futebol exigem competência e conhecimento.

que todos aqueles que partilham esta paixão se depararão no futuro próximo com desafios novos, problemas diferentes, cenários nunca previstos.

Com isso em mente, a Liga Portugal juntou esforços com uma das mais prestigiadas universidades portuguesas, a Universidade Católica do Porto, para elaborar um currículo que, se ajustem às necessi-

Só existe uma via para enfrentar e vencer este desafio, nesta como noutras áreas particularmente

dades dos recursos humanos que trabalham no futebol português, e nomeadamente no Futebol Profis-

afectadas pelas consequências da pandemia: continuar a pensar e estudar a fundo esta realidade,

sional. Neste sentido lançámos uma Pós-Graduação em Gestão e Organização no Futebol Profissional

investindo no conhecimento sólido e na reflexão informada. Estudar hoje o futebol é então, nos diversos

que, como reflexo do seu indiscutível sucesso, já vai na sua terceira edição.

domínios do saber que ele envolve, uma missão importantíssima. A Pós-Graduação permite obter, num ano letivo, conhecimentos ímpares no que respeita às comA Liga Portugal e a Universidade Católica iniciaram, em 2016, a formação qualificada de (já) centenas

petições profissionais, ao adquirir uma visão única da organização dos campeonatos profissionais

de pessoas, com o objectivo de as dotarem das competências necessárias ao exercício das mais

de futebol, o domínio dos quadros e instrumentos jurídicos fundamentais, e a interdisciplinaridade

variadas funções ligadas ao futebol: criou-se a Pós-Graduação em Organização e Gestão no

da gestão associada à competição e às Sociedades Desportivas. Conta com a participação de

Futebol Profissional.

um corpo docente de notoriedade da Universidade Católica e convidados de renome nacional e internacional ligados ao Futebol Profissional.

Nesta oferta formativa, agora na 4.ª edição, alia-se ao elevado rigor o estímulo do livre pensamento; desenvolve-se o sentido de responsabilidade e promove-se a criatividade; transmite-se conhecimento

Com o intuito de desenvolver as aptidões dos nossos formandos, na área da organização e gestão

enquanto, simultaneamente, se ensina a pensar com autonomia e espírito crítico. Em resultado, os

no futebol e temáticas adjacentes, a Liga Portugal e a Universidade Católica do Porto, incentivam os

formandos, necessariamente avaliados através de exames escritos obrigatórios, são também incen-

mesmos a desenvolver e apresentar um trabalho final. Para além de estimular a investigação nesta

tivados a elaborar um trabalho final, com apresentação oral e escrita. A partilha pública desses

indústria, trata-se da aplicação prática de conhecimentos adquiridos ao longo de um ano letivo e

trabalhos permite-nos, a todos, testemunhar o esforço e o mérito de cada um deles.

desenvolvimento do talento dos nossos formandos.

Reunimos nesta publicação os contributos dos formados pela última edição. É importante que todos

Estamos muito orgulhosos deste compromisso com a formação e profissionalização, e estamos abso-

aqueles que se empenham seriamente no estudo do futebol sintam que o seu contributo se dá a conhecer.

lutamente certos de que se trata de um grande benefício para o futebol português. Está dado o pon-

Ele é, agora, mais importante do que nunca: no futebol, a obra de todos, que é sempre a obra de

tapé de saída para afirmação do talento e rigor no Futebol Profissional português.

cada um, fará a diferença.

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

4

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

5

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO Ensaio Académico Sobre a ofensa à integridade física Ana Rita dos Santos Novo


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

Resumo Epígrafe O presente trabalho tem por base um ensaio de uma eventual evolução daquele que é o vídeo-árbitro, nos termos em que se apresenta atualmente. Agradar “a gregos e a troianos” será sempre uma opção complicada (dir-se-ia mesmo impossível), que fica ainda mais dificultada com a adição do elemento “paixão”. Como é de conhecimento comum, o desporto em geral, e o futebol em particular, mexe com as emoções daqueles que seguem mais de perto a modalidade. Criam-se laços, relações e rotinas que se articulam com o clube ao qual determinada pessoa se associa. É que, muitas vezes, o resultado final depende dos resultados de outras partidas. E, então, adeptos e associados de todas as equipas focam-se num jogo apenas onde tudo pode ser Quem duvida que o desporto

decidido. É paixão. É irracional.

É uma janela importantíssima

Mas se há uma forma de racionalizar aquilo que se sente é tentando encontrar

Para a propagação do jogo limpo

alternativas que protejam o espetáculo que todos os intervenientes pretendem apresentar,

E a justiça?

bem como a verdade desportiva a que tanta referência se faz. E o método que se encontrou

No final de contas, o jogo limpo

foi o do vídeo-árbitro. Decidido por pessoas, como não deve deixar de ser, continua a ser

É um valor essencial no desporto!

possível que se verifiquem erros, principalmente quando se limita o auxílio que se pretende dar ao árbitro a somente quatro lances: grandes penalidades, cartões vermelhos,

Nelson Mandela, 1997

troca de identidades e golos. Mas, e os outros lances? E a responsabilidade que é obrigatória por quem “toma conta” de todos aqueles que disputam o jogo? E quando se deixa a punição para a praça pública porque dentro das quatro linhas não se tomou uma decisão atempada? E o jogador que ficou impossibilitado de jogar mais do que quatro partidas, enquanto que o lesante as disputou sem punição? E a lealdade desportiva? É a estas questões que o presente ensaio busca responder, inspirando-se no Direito Penal e no sistema constitucional que protegem interesses que se ligam com a verdade desportiva, mas que se afastam largamente dos vazios que existem no mundo desportivo.

4 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

8

www.ligaportugal.pt

3

www.ligaportugal.pt

9

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

Conteúdo

Lista de Siglas e Abreviaturas C.Civil – Código Civil C.Penal – Código Penal

Epígrafe ......................................................................................................................... 63

C.R.P – Constituição da República Portuguesa F.P.F – Federação Portuguesa de Futebol

Resumo ......................................................................................................................... 74

VAR – Vídeo-Árbitro TAD – Tribunal Arbitral do Desporto

Lista de Siglas e Abreviaturas....................................................................................... 86 Introdução ..................................................................................................................... 97 1.

Princípios orientadores do Vídeo-árbitro .........................................................118

2.

A implementação do Vídeo-árbitro em Portugal: o regime em vigor............ 13 10

3.

Análise de Lances: os prós e os contras do sistema atual .............................. 15 12

4.

Arbitragem ..................................................................................................... 18 15

5.

A integridade física ........................................................................................ 21 18 a. O crime de ofensa à integridade física .................................................... 21 18 b. A disponibilidade do direito à integridade física..................................... 23 20

Conclusão.................................................................................................................... 26 23 Anexos ........................................................................................................................ 29 26 Referências Bibliográficas .......................................................................................... 32 29

5 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

10

www.ligaportugal.pt

6 www.ligaportugal.pt

11

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

Introdução

1. Princípios orientadores do Vídeo-árbitro O projeto do VAR foi elaborado pelo Internacional Board, num documento que

O ensaio académico visa uma apresentação de carácter crítico sobre o tema em

ficou conhecido como “Protocolo do Vídeo-árbitro”, e tem sofrido atualizações que se

debate, apresentando um posicionamento e reflexões sérias e racionais. Neste caso em

devem ao contributo das federações, dos árbitros e técnicos de arbitragem que estão

particular, pretende apresentar os mesmos pontos no que se reporta às vantagens e às

envolvidos no projeto. O documento apresenta os doze princípios que devem orientar a

desvantagens do atual sistema aplicado ao vídeo-árbitro e quais as possibilidades de

experiência de recurso ao vídeo-árbitro. Em primeiro lugar, a tecnologia de vídeo só deve ser utilizada sempre que se

evoluir para um sistema alargado, que permita abarcar o auxílio aos jogadores numa

verifique uma situação que passou despercebida à equipa de arbitragem em terreno de

questão muito particular – a violação da sua integridade física. Surge porque o vídeo-árbitro ainda continua a ser um “objeto não identificado”, que

jogo ou quando exista uma decisão claramente incorreta. No entanto, independentemente

causa bastante desconfiança e insegurança, sendo, assim, alvo de muitas críticas por parte

do parecer que seja dado pela equipa que auxilia o juiz do jogo, a decisão final pertence

daqueles que seguem o fenómeno que é o futebol. Ora, se causa confusão é porque

sempre a este último. Isto não invalida o princípio que determina que os assistentes de

existem aspetos que mereciam ser polidos, analisados e reorganizados para que o valor

vídeo-árbitro sejam considerados como elementos da equipa de arbitragem e, portanto,

da verdade desportiva seja elevado ao seu máximo. E é exatamente esse o objeto do

que qualquer informação que forneçam seja igualmente analisada pelo árbitro, como se

presente ensaio: colocar em perspetiva aquele que é o atual sistema em vigor, apontar

de uma informação do árbitro assistente ou do quarto árbitro se tratasse. Ao contrário do

vantagens e desvantagens e equacionar a possibilidade de abarcar novos temas, novas

que possa parecer crer, o quarto princípio diz que o árbitro deve sempre tomar uma

condicionantes do espetáculo que a tantos apaixona. Mas, acima de tudo, torná-lo mais

decisão. Ou seja, o árbitro da partida não pode deixar de tomar uma decisão relativamente

justo, mais comprometido com o seu objetivo e menos duvidoso.

a uma situação, remetendo essa mesma decisão para o VAR. O árbitro deve optar por um

Dividido em cinco partes complementares, que analisam os princípios orientadores

caminho e, só depois, auxiliar-se nas imagens e nos assistentes de vídeo-árbitro. Pode,

do vídeo-árbitro e a competência do Tribunal Arbitral do Desporto, bem como lances de

ainda, decidir continuar a partida e depois rever a situação que surgiu durante essa jogada.

partidas recentes, procura-se ir ao encontro de uma eventual responsabilidade penal

Apenas em situações muito raras é que o árbitro pode recorrer ao VAR sem inicialmente

associada à violação da integridade física dos jogadores. Colocando em perspetiva os prós

ter tomado uma decisão – por exemplo, quando tem sérias dúvidas se é uma falta para

e os contras, a evolução, os sistemas adotados nos demais países e as possíveis correções,

cartão amarelo ou vermelho, ou quando duvida sobre quem deve ser sancionado. No

surge o presente ensaio, numa tentativa de responder a algumas das muitas perguntas que

entanto, se o árbitro tomar uma decisão inicial, esta só será alterada caso o recurso ao

ainda se levantam. Recorde-se, até, que o presidente da UEFA, Aleksander Ceferin,

sistema de imagens mostre claramente que a decisão estava errada.

chegou a negar a utilização do sistema de vídeo-árbitro na Liga dos Campeões por esta

Ademais, o sexto princípio assenta que apenas o árbitro pode iniciar o recurso ao

ser uma tecnologia ainda não suficientemente clara para todos os elementos que giram

VAR – logo, os demais elementos da equipa de arbitragem apenas podem recomendar

em torno da modalidade.

uma revisão ao árbitro; os atletas ou membros das equipas técnicas não podem sequer fazer o sinal de revisão. Aliás, estes últimos não podem rodear o árbitro enquanto este é auxiliado pelo VAR, nem tentar influenciar a decisão de recorrer ao sistema de vídeoárbitro ou a decisão final tomada pelo juiz da partida; a contestação da decisão de recorrer ao sistema vídeo-árbitro é, também, proíbida. Se optar por iniciar o processo de revisão, o árbitro não está limitado a um certo período de tempo (embora muito se argumente e

7 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

12

www.ligaportugal.pt

8 www.ligaportugal.pt

13

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. A implementação do Vídeo-árbitro em Portugal: o regime em

critique no que se refere à perda de “tempo útil de jogo”). No entanto, existe um período máximo, quer antes, quer após o incidente, para que este possa ser revisto. Enquanto o

vigor

árbitro é auxiliado, ou enquanto ele mesmo verifica as imagens, deve, como determina o décimo princípio, estar sempre visível (tanto quanto possível), durante o processo de

O vídeo-árbitro foi introduzido no futebol na época de 2017/2018, sendo essa a

revisão. Apenas desta forma é que se assegura a transparência que a situação e a verdade

principal novidade dessa mesma época. Portugal foi um dos primeiros seis países a ser

desportiva exaltam.

escolhido como pioneiro para a fase de testes deste sistema que visa um princípio de

Sendo certo, como já foi referido, que o árbitro pode decidir prosseguir com a

mínima interferência vs. o máximo de benefício1.

partida e verificar o incidente posteriormente, qualquer ação disciplinar que tenha sido

Trata-se de um sistema que pretende colaborar com o árbitro principal, no sentido

tomada no momento do incidente não é invalidada ou cancelada – essa decisão inicial

de o auxiliar nas suas decisões, corrigindo aquelas que são claramente erradas em

pode, eventualmente, vir a ser alterada. Exceciona-se deste princípio uma advertência por

momentos-chave do jogo e alertando para as situações graves que tenham passado sem a

impedir um ataque promissor ou uma expulsão que anula uma clara oportunidade de golo.

devida atenção da equipa de arbitragem. É um sistema de comunicação entre o árbitro

O décimo segundo princípio assegura que o protocolo do VAR se encontra, tanto

que se encontra no terreno do jogo e os árbitros que estão encarregados de visualizar as

quanto possível, de acordo com os princípios prosseguidos e a filosofia marcada nas Leis

imagens em direto. Essa visualização de imagens é feita numa sala com vários ecrãs,

do Jogo, não havendo, portanto, qualquer tipo de hierarquia ou subordinação entre estes

sendo que cada um deles transmite imagens sem qualquer tipo de tratamento e que

dois diplomas, mas antes um grau de igualdade e de mútuo respeito.

permitem aceder a todos os ângulos de câmara disponíveis no estádio onde a partida é disputada. A referida sala localiza-se na Cidade do Futebol, em Oeiras, embora inicialmente a F.P.F. tivesse equacionado a hipótese de colocar, pelo menos nas primeiras jornadas, um elemento móvel no exterior dos recintos desportivos. O vídeo-árbitro foi desenhado para intervir em somente quatro situações: golos, grandes penalidades, cartões vermelhos e troca de identidades. No primeiro caso (golos), o papel do vídeo-árbitro é o de apenas verificar que o mesmo não sofreu de qualquer tipo de vicissitude desde o início da jogada até à sua finalização. Pretende, portanto, auxiliar o juiz da partida a determinar se houve ou não alguma infração que possa resultar na invalidação do golo, ou seja, assinalar eventuais faltas ou foras de jogo que não tenham sido sancionados. Já no que toca ao segundo aspeto, o vídeo-árbitro deve assegurar que a decisão não tem um vício na sua formação. Isto é, deve a jogada ser analisada por quem acompanha o jogo nos ecrãs anteriormente referidos (isto é, pelos auxiliares do árbitro) ou pelo

O sistema já havia sido utilizado, em Portugal, no final da época anterior, na final da Taça de Portugal que colocou frente a frente o Vitória Sport Clube e o Sport Lisboa e Benfica. Foi ainda testado entre os meses de junho e julho de 2017, pela FIFA, na Taça das Confederações. 1

10

9 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

14

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

15

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

3. Análise de Lances: os prós e os contras do sistema atual

próprio árbitro no terreno de jogo de forma a evitar que sejam tomadas decisões erradas no que se refere à marcação das grandes penalidades. Relativamente aos cartões vermelhos e consequentes expulsões, o papel do vídeo-

Como complemento de fundo do trabalho que se apresenta, é importante analisar

árbitro é assegurar que o juiz de uma partida não erra na altura de aplicar uma das sanções

lances de partidas recentes onde é notória a falta de cuidado e de rigor do Vídeo-árbitro.

mais gravosas durante a partida, desde logo, porque as imagens são, tal como todas as

Começamos pela partida que colocou frente a frente, no dia 16 de fevereiro de 2019,

outras, passíveis de ser revistas.

o Futebol Clube Porto com o Vitória Futebol Clube – por volta do minuto 52 há um corte

Finalmente, no que respeita à troca de identidade trata-se de quase um mero aspeto

feito por Herrera que, em vez de acertar na bola, toca nas pernas do seu colega adversário.

de controlo, para garantir que o jogador sancionado com um cartão amarelo ou vermelho

Visto ser um lance dentro da grande área, seria importante a intervenção do auxiliar de

é verdadeiramente aquele que cometeu a infração e não outro atleta que estivesse ou não

arbitragem para assinalar uma eventual grande penalidade. Mas nada se verificou,

envolvido na jogada.

continuando a partida apenas com uma chamada de atenção. E, logo depois, talvez

Assim sendo, sempre que se verifica algum destes quatro incidentes, o árbitro tem

atendendo a um critério de igualdade com premissas duvidosas, Éber proíbe a progressão

a possibilidade de recorrer ao vídeo-árbitro a fim de os rever. O árbitro pode, inclusive,

de Otávio com um corte que deixa poucas margens para a punição com mero cartão

optar por ser apenas aconselhado pelo vídeo-árbitro ou parar a partida e visualizar ele

amarelo. Certo é que o referido jogador, nessa mesma jogada, é expulso, mas por

mesmo as imagens num ecrã colocado fora das quatro linhas do terreno de jogo. Como

acumulação de amarelos. Um cartão vermelho puniria o lance e o jogador de forma

vimos, o juiz de campo é aconselhado pelos auxiliares que observam essas mesmas

diferente, talvez menos suave do que a sanção aplicada.

imagens brutas, sendo certo que a decisão final cabe sempre, como deve ser, ao árbitro

Já no jogo entre o Clube Desportivo das Aves e o Sport Lisboa e Benfica, disputado

que se encontra no terreno de jogo. Para além disto, é importante referir que o vídeo-

dois dias depois, teve, ao minuto 92, o jogador Rúben Dias numa jogada bastante

árbitro apenas se manifesta caso a decisão inicial do árbitro tenha sido incorreta; esse

agressiva sobre Miguel Tavares, colega da equipa adversária e visitante. A verdade é que

parecer não tem qualquer valor vinculativo, desde logo porque a função do vídeo-árbitro

o lance que merecia clara análise no vídeo-árbitro, por valer eventual cartão vermelho,

é de aconselhamento e não a de tomada de decisões.

passou, igualmente, sem qualquer punição.

Tendo em conta o princípio de mínima interferência vs. o máximo de benefício é

Mas mais grave do que uma incerta punição, foi o que se verificou no dia 26 de

de referir que este sistema é um expediente que serve apenas para corrigir erros claros ou

fevereiro de 2019, no jogo que colocava em confronto o Futebol Clube do Porto com o

situações de relativo relevo que tenham passado despercebidas à equipa de arbitragem.

Sport Lisboa e Benfica. Como se verificou, no minuto 58, após uma entrada agressiva do

Esta análise pode requerer que a partida seja pausada por mais tempo do que parece

guarda-redes sobre Herrera, o árbitro designado para a partida tomou a correta e sempre

plausível, sendo este um dos motivos que causa alguma aversão aos adeptos da

requerida atitude de verificar o vídeo-árbitro. Não obstante, aconteceu que o suporte de

modalidade. No entanto, e na defesa do princípio da verdade desportiva, não existe um

áudio ficou “sem pilhas”, não permitindo uma comunicação clara, mas, mais importante

tempo máximo previsto para que as imagens do incidente sejam revistas e a decisão

ainda, em tempo razoável. Por muito que não haja um limite de tempo para a análise dos

equacionada. O Internacional Board determina, até, que o “rigor é mais importante do

lances, há situações que devem, a todo o custo, ser evitadas a título de se proporcionar

que a rapidez”.

um espetáculo mais aprazível, mas também (e acima de tudo), mais rigoroso e verdadeiro.

12

11 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

16

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

17

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

Analisados os primeiros excertos das partidas, temos de considerar que existe,

minutos sem ocorrências, passou a existir uma brecha que, inevitavelmente, veio

obrigatoriamente, uma limitação da integridade física no contrato de trabalho, em ambas

alimentar as dúvidas e a desconfiança no projeto.

as vertentes. Não só fica a integridade física limitada, no sentido de que não pode ser

Desta feita, os lances analisados demonstram que o vídeo-árbitro necessita de

plenamente exercida porque um futebolista “dá o corpo ao manifesto” (isto é, o

evoluir, de ser profissionalizado e personalizado, sob pena de cair numa violação grave

instrumento de trabalho é o seu próprio corpo), como também está a limitar essas

de direitos. Se é verdade que corrige erros graves, que de outra forma permaneceriam,

possíveis ofensas. Quer isto dizer que, no contrato de trabalho desportivo, o outorgante é

também é verdade que avança com novos erros – veja-se o caso do jogo Desportivo de

assertivo no que respeita a saber qual é a linha que separa a sua integridade física das

Chaves vs. Sporting Clube de Portugal, em que, ao minuto 86, o Vídeo-árbitro decidiu

ofensas à mesma que ele aceita e tolera. O mesmo se verifica quanto à liberdade – por

corretamente anular o cartão vermelho a Maras, jogador do Desportivo de Chaves, mas

exemplo, o jogador de futebol sabe que não deve praticar desportos radicais porque corre

caiu no erro grave de assinalar falta punida com cartão vermelho a Ristovski, quando este

o risco de se magoar gravemente e, assim, fazer com que a sociedade desportiva perca o

acerta claramente na bola antes do tocar no colega de profissão.

seu ativo.

Se é certo que o vídeo-árbitro será sempre uma análise feita por pessoas, como deve

Está verificado que há um mínimo nessa esfera de integridade física e de liberdade

ser, também é certo que está sempre sujeito a erros, desde logo porque não deixa de ser

que deve sempre ser respeitada, pois, caso contrário, o jogador pode se tornar um

um juízo/uma perceção (ou não se dissesse popularmente que “errar é humano”), também

presidiário (ao ceder toda a sua liberdade) ou um escravo (ao ceder toda a sua integridade

é certo que deverão ser tomadas as medidas necessárias para que se respeite a verdade e

física). Mesmo que esta cedência seja de livre vontade, o ordenamento jurídico português

a lealdade desportiva, encontrando formas de minorar todos os detalhes que conflituam

não permite que um determinado sujeito fique sem a totalidade da sua liberdade ou da sua

com este desejo de rigor e imparcialidade.

integridade física. Exemplo disso é o facto destes direitos estarem constitucionalmente consagrados. Assim, embora sejam direitos disponíveis, não são violáveis como veremos mais adiante. Já a última partida demonstra claramente a falta de atenção, de cuidado e de zelo que houve. Parece ser de lamentar que num jogo onde se procura a verdade desportiva e a lealdade com a modalidade se possa verdadeiramente perder tempo útil de jogo a título de uma falta de atenção com a bateria do aparelho de suporte áudio. É de recordar que o tempo em que a partida está parada não só é prejudicial para o próprio espetáculo, como os intervenientes diretos nele podem perder rendimento com uma pausa demasiado prolongada. Repare-se que, de acordo com uma nota emitida pela própria F.P.F, o sistema havia sido testado, tal como declara o protocolo. Não obstante, a partir do minuto 15 da referida partida a comunicação com o estádio foi perdida e essa mesma informação foi transmitida ao quarto árbitro e demais membros da equipa de arbitragem. Desta feita, o jogo decorreu sem o suporte de VAR, o que permitiu uma abertura à possibilidade de haver litígios que passaram impunes. Tudo porque houve falta de zelo em manter o sistema em funcionamento ou (assumindo que há falhas inevitáveis e de todo imprevisíveis) em recuperá-lo em tempo razoável. Se havia, na altura, cerca de 35 mil

13 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

18

www.ligaportugal.pt

14 www.ligaportugal.pt

19

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

4. Arbitragem

Na arbitragem, existe a possibilidade de se verificar o Sistema de Mediação Penal, introduzida no ordenamento jurídico português através das Lei nº 21/2007, de 12 de junho e que pretende mediar os litígios resultantes da prática de determinados crimes. Para tal

A arbitragem é uma figura que surge no território português entre o século XII e

é necessário que se verifiquem alguns pressupostos, nomeadamente:

XIII. Atualmente, ocupa um lugar de destaque, na medida em que é tida como uma válvula de escape à pesada e, por vezes, indiferente máquina da justiça estatal que

Que exista um processo crime;

demonstra dificuldades em encontrar soluções rápidas e eficientes para os litígios, por

Que estejam em causa crimes que dependam de acusação particular ou crimes contra as pessoas ou o património cujo procedimento penal dependa

muito complexos que estes se possam desenhar.

de queixa;

A maior parte dos casos de arbitragem encontra-se na modalidade voluntária2. No •

entanto, a arbitragem necessária ocupa hoje um espaço considerável, afirmando-se em

Que o tipo de crime em causa preveja pena de prisão até 5 anos ou pena de multa.

carácter laboral, desportivo (veja-se o Artigo 4º e 5º, ambos da Lei nº 74/2013, de 6 de setembro) e demais casos em que o legislador entende que, por um motivo ou outro,

Assim sendo, entre os crimes suscetíveis de mediação penal conta-se a ofensa à

deveriam ser submetidos a um regime de arbitragem necessária. Poderá equacionar-se

integridade física simples ou por negligência, duas hipóteses aqui abordadas. De notar

esta necessidade devido à urgência que se encontra em solucionar algum destes litígios.

ainda que durante a fase de inquérito3, o arguido e o ofendido podem, voluntariamente e

O primeiro impulso para a arbitragem é dado pelas partes e não pela lei. As partes

através de decisão conjunta, requerer ao Ministério Público a remessa do processo para

manifestam contratualmente a sua vontade, sendo que esta corresponde ao desejo de

mediação. Ora esta hipótese estaria salvaguardada se no contrato de trabalho existisse

submeter os seus litígios a este meio de resolução. Trata-se, então, de dizer que a natureza

uma cláusula em que os atletas aceitavam que, sempre que se verificasse uma situação de

jurídica da arbitragem assenta em dois pressupostos: corresponde a um instituto

ofensa à integridade física simples ou por negligência, o litígio seria remetido para

jurisdicional de resolução de litígios, submetido a um órgão privado escolhido pelas

mediação Penal, embora sem nunca impossibilitar a opção de prosseguir com o processo

partes. Não obstante, as partes podem estipular que o recurso destas decisões cabe sempre

pela via judicial dita comum. A necessidade de existir uma convenção prévia de arbitragem não retira a atualidade

aos tribunais estatais – basta observar o princípio da liberdade das partes e o Artigo 3º, nº

da vontade das partes porque não se deve olvidar que é a vontade das partes que comanda

7 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro). Tendo em conta a Lei da Arbitragem Voluntária parece ser de afirmar que a

todo o procedimento – é a parte que decide se quer dar início a este processo – bem como

arbitragem necessária é um regime arbitral sem convenção instituidora. No entanto, isso

a possibilidade que existe de recorrer para a justiça estadual, como anteriormente se

não significa que as questões de natureza processual não devam ser solucionadas à luz do

analisou. Para além disto, ao optar por esta via, as garantias processuais continuam a estar

conteúdo do ato que as origina.

garantidas, muito porque o demandado continua a ter direito ao contraditório. O Sistema de Mediação Penal deve ficar concluído no prazo máximo de 3 meses, pois, caso contrário, o processo prossegue pela via judicial. Isto garante celeridade processual, mas também que, em caso de especial complexidade da causa, o processo siga

2

Forma de resolução alternativa de litígios em que as partes, mediante convenção de arbitragem, submetem a decisão a Juízes Árbitros por elas escolhidos, que julgam a causa nos termos da lei ou por equidade, mediante autorização das partes e desde que o litígio não esteja exclusivamente atribuído a tribunal judicial ou a arbitragem necessária e não respeite direitos indisponíveis.

o caminho que melhor protege os direitos das partes. Para além disto, visto não ser a integridade física um direito indisponível (como

15

veremos de seguida é um direito disponível, mas não é violável) e não se encontra este tema submetido exclusivamente a tribunal judicial, poderia seguir sempre o caminho da 3

Fase do processo em que se investiga a prática de um crime.

16 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

20

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

21

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

5. A integridade física

arbitragem. Mas a própria lei já anteviu esta hipótese e estipulou que os litígios de carácter desportivo são exclusivamente submetidos à arbitragem necessária. Assim, se entendermos que as ofensas à integridade física devem merecer atenção e serem punidas,

a. O crime de ofensa à integridade física

o tribunal arbitral tem competência para as conhecer e solucionar, desde logo porque são submetidas à arbitragem necessária.

A integridade física vem prevista no Artigo 25º da C.R.P., disposição que declara

No que refere a matéria desportiva, existe o Tribunal Arbitral do Desporto

que a integridade, seja física ou moral, é inviolável. Não obstante, o Artigo 149º do

(doravante referido como TAD), criado pela Lei nº 74/2013, de 6 de setembro, e que

C.Penal afirma que a integridade física se considera livremente disponível, desde que haja

iniciou a sua atividade a 01 de outubro de 2015. A sua competência estende-se a todo o

consentimento por parte do titular do direito. De acordo com o Artigo 340º do C.Civil, o

território nacional e a sua sede localiza-se no Comité Olímpico de Portugal.

consentimento transforma um ato lesivo dos direitos de outrem em um evento lícito. Não

É tido como uma entidade jurisdicional independente, com competência específica

obstante, o nº2 da mesma disposição reitera que, independentemente desse

de administrar a justiça no que se refere a litígios no âmbito do ordenamento jurídico

consentimento, não se exclui a ilicitude do ato quando este for contrário a uma proibição

desportivo ou relacionados com a prática desportiva. É competente para, em sede de

legal ou aos bons costumes. Esta última parte vai ao encontro do que se renova no nº 2 da

4

arbitragem necessária , ter conhecimento dos litígios emergentes de atos ou de omissões

disposição da C.R.P. acima referida: por ser a integridade física um direito inviolável,

de toda e qualquer entidade desportiva, no âmbito do exercício dos poderes de

estão, portanto, proibidos todos os atos de tortura ou a aplicação de tratos ou penas que

regulamentação, organização, direção e disciplina. É, ainda, competente para conhecer

sejam desumanas, degradantes ou cruéis.

recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares ou pela Autoridade

O Artigo 149º do C.Penal vai mais longe e determina “para se decidir se a ofensa

Antidopagem de Portugal no que diz respeito à violação de normas de antidopagem (de

ao corpo ou à saúde contraria os bons costumes tomam-se em conta, nomeadamente, os

acordo com a Lei nº 38/2012, de 28 de agosto, que aprovou a Lei de Antidopagem no

motivos e os fins do agente ou do ofendido, bem como os meios empregados e a amplitude

Desporto). Porém, cabe ainda na sua competência, e podem ser submetidos à arbitragem,

previsível da ofensa”. Desta feita, apesar da liberdade de disposição do direito à

os litígios que se relacionem, quer direta, quer indiretamente, com a prática do desporto.

integridade física, encontramos aqui uma proteção e limitação dessa mesma

Nestes casos, há a necessidade de existir uma convenção de arbitragem ou uma cláusula

disponibilidade, que vai ao encontro do que se prevê na C.R.P., como visto no parágrafo

estatutária de uma federação ou de outro organismo desportivo, que, como se viu acima,

supra.

continua sem colocar em causa a atualidade da vontade das partes.

O C.Penal estabelece os vários tipos de ofensas que se podem verificar face à

Assim, existindo a possibilidade de Mediação Penal e um tribunal arbitral

integridade física. O Artigo 143º do C.Penal começa por descrever a ofensa à integridade

especialmente dedicado ao Desporto, está encontrada a fórmula necessária para que se

física simples que consiste na ofensa ao corpo ou à saúde de outra pessoa. Este crime

possa prosseguir com a sinalização de crimes de ofensa à integridade física.

depende de queixa por parte da pessoa com legitimidade (ofendido, representante legal ou sucessores), o que significa que se trata de um crime semipúblico. Neste tipo de crimes, as entidades policiais e os funcionários públicos são obrigados a denunciar este tipo de crime, sem embargo de se tornar necessário que o titular do direito de queixa exerça tempestivamente esse seu respetivo direito. Sem o seu exercício não há a possibilidade

4

Este conceito, de acordo com Duarte Nogueira, sofreu uma evolução histórica dividida em três fases. Numa primeira, que se inicia no século XIII era vista como uma subtração da competência do poder estatal para conhecimento das chamadas “bagatelas litigiosas”. Já num segundo momento, e de acordo com o Livro das Leis e Posturas, que se encontrava na Torre do Tombo, entre 1249 e 1393, a arbitragem necessária estava reservada apenas para os litígios entre os homens do mar. Finalmente, e também de acordo com Rui e Martim Albuquerque, opta-se por um caminho para a estipulação de um monopólio estatal da punição, deixando a arbitragem de ter carácter facultativo e passando a ser obrigatória.

de ser aberto inquérito. Assim sendo, se um crime de ofensa à integridade física fosse assinalado, o lesado manteria sempre a sua vontade de exercer ou não o direito que lhe 17 18

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

22

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

23

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

corresponde. Haveria, no entanto, um agente responsável por assinalar essa mesma

futebol, importa a alínea b) do número 2, que refere que será punido o agente que ofender

violação do direito.

outro e daí resultar doença ou incapacidade para o trabalho por mais de 3 dias. Como será

Caso diferente seria nos casos dos artigos 144º a 146º do C.Penal, que são públicos5.

de fácil compreensão, aplica-se neste caso o esclarecimento que foi feito sobre o crime

A primeira disposição refere-se à ofensa à integridade física grave que se verifica quando:

semipúblico enquanto crime de ofensa à integridade física simples

Se priva o ofendido de importante órgão ou membro;

Se desfigura o ofendido de forma grave e permanente;

Se retira ou afeta a capacidade de trabalho, de intelecto, de procriação ou de

Lei nº 13/2017, de 02 de maio, estabelece-se o regime de responsabilidade penal por

fruição sexual do ofendido, de forma grave, ou se afeta a possibilidade de

comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e

utilizar o corpo, sentidos ou linguagem;

do seu resultado na atividade desportiva. O Artigo 6º deste diploma vem equiparar os

Se provoca ao ofendido um perigo para a vida.

titulares dos órgãos e os funcionários das pessoas coletivas desportivas aos funcionários

Considerando a Lei nº 50/2007, de 31 de agosto, na redação atual introduzida pela

públicos e às entidades policiais, na medida em que também estas têm a obrigação de Já o Artigo 145º do diploma refere-se à ofensa à integridade física qualificada, isto

transmitir ao Ministério Público notícia dos crimes previstos naquela lei de que tenham

é, quando se revele especial censurabilidade ou perversidade do agente. Remete, assim,

conhecimento no exercício das suas funções ou por causa deles. É certo que nesse

para a norma que explicita esta expressão, o Artigo 132º do C.Penal, sendo que no caso

catálogo de crimes não consta a ofensa à integridade física, independentemente da sua

do desporto, em particular o futebol, revelariam as alíneas f) e l), respetivamente:

modalidade, mas deveria estar presente na medida em que, de acordo com o elemento

A ofensa ser motivada por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor,

literal da norma, também a ofensa à integridade física pode “afetar a verdade, a lealdade

origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela

e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva”.

identidade de género da vítima; •

b. A disponibilidade do direito à integridade física

A ofensa ser praticada contra árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas.

O Artigo 149º CP afirma, claramente, que a integridade física se considera um Por sua vez, o Artigo 146º C.Penal determina as situações em que se trata de ofensa

direito livremente disponível. Porém, será apenas livremente disponível caso haja

à integridade física privilegiada, caso que se verifica quando o crime é praticado nas

consentimento. Para além disto, pode-se considerar que a integridade física está limitada

circunstâncias de homicídio privilegiado , previsto e punido no Artigo 133º da mesma

quando o atleta assina, porque concorda, o seu contrato de trabalho desportivo, dando aí

compilação.

o seu consentimento7.

Já em oposição a estes três últimos tipos de crime, mas em consonância com o

Não obstante, o Professor Germano Marques da Silva defende que a integridade

primeiro por voltar a ser um crime semipúblico, o Artigo 148º do C.Penal refere o crime

física, no mesmo plano da vida, honra e liberdade, é um valor constitucionalmente

de ofensa à integridade física por negligência6. No caso do desporto, em particular do

consagrado, logo inviolável. E se não chegava a disposição no nº2 do Artigo 340º do C.Civil, os Artigos 24 e 25º da C.R.P. apontam nesse mesmo sentido. Se assim é, então

A natureza de crime público determina que para o seu procedimento apenas basta a notícia do crime pelas autoridades judiciárias ou policiais, bem como a denúncia facultativa de qualquer pessoa. O processo corre mesmo contra a vontade do titular dos interesses ofendidos. 6 Segundo o Artigo 15º do C.Penal há negligência quando o autor não procede com o cuidado a que estava obrigado e é capaz de representar como possível aquele resultado que preenche um tipo de crime, mas atua sem se conformar com esse realização ou quando não chega sequer a representar a possibilidade de realização daquele facto. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.09.2014, classifica o primeiro caso como negligência consciente e o segundo como negligência inconsciente.

quando estes direitos são violados devem levantar sanções penais.

5

19

Consentimento esse que é atual e formado de forma clara, livre e esclarecida, não padecendo, desta feita, de nenhum vício na sua formação. 7

20 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

24

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

25

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

No que toca à integridade física, o atleta, considerado nesta explanação, dispõe do

previsões da C.R.P, nem as sanções previstas no C.P. Assim, porque as ofensas são

seu direito à integridade física apenas e só na medida em que as leis da modalidade que

previstas e punidas, o direito à integridade física não é livremente disponível, havendo a

pratica o estabelecem. Imagine-se que os jogadores profissionais não podem, no período

esfera mínima do direito que tem de ser respeitada. Se a há, então essa mesma esfera tem

das suas férias, praticar desportos radicais porque existe a probabilidade de se lesionarem

de ser protegida também no exercício da profissão. Ora, se no campo de jogo o jogador

e, desta forma, afetarem a sua performance na época que se avizinha. Esta limitação é

corre riscos de ver a sua integridade física violada, para além dos limites que aceitou no

possível e, eventualmente, justa, desde logo porque o atleta concordou com ela, assim que

seu contrato de trabalho, é necessário que haja uma forma de assegurar que, havendo essa

assinou o contrato, mas também porque há uma ideia de segurança que se lhe prende.

violação, o jogador tenha sempre direito de se defender. Como vimos anteriormente, são

Aqui o consentimento foi dado no momento da assinatura do contrato para um evento

vários os lances em que as lesões surgem, não da disputa de bola “pura e dura”, mas

futuro e provável; mas não deixa de ser um consentimento válido do ponto de vista que o

porque existiu um elemento volitivo que levou a que, por exemplo, um pé ficasse para

atleta compreendeu a limitação que lhe estava a ser exposta e será esta uma limitação que

trás para causar a queda e eventual lesão do companheiro de profissão que naquele

não cabe na esfera mínima do direito à integridade física. Desde logo, podemos afirmar

momento ocupa a posição de adversário. Se se permitem essas situações de eventuais

que esta limitação até protege a sua integridade física, na medida em que previne a prática

lesões a título do bom espetáculo, teremos um óbvio retrocesso à época romana onde se

de um desporto radical, cujas probabilidades de lesão podem ser altas. A questão coloca-

permitiam as ofensas corporais (máxime, a morte) para mero entretenimento dos

se quando ultrapassamos esta leve linha que separa o que é uma violação do direito do

espectadores.

que não é uma violação. Todo o desporto tem regras e enquanto estas são cumpridas estamos a praticar uma atividade legalmente permitida. O problema é quando se violam estas regras. Para isso, há as sanções disciplinares que visam apenas o bom funcionamento daquela atividade desportiva, e, para os valores fundamentais previstos pela constituição que são violados, há as sanções penais. A teoria que afasta esta responsabilidade penal é a do consentimento. Mas o jogador pode consentir umas “malandrices” – isso não significa que permita lesões que o deixem incapacitado. Hoje considera-se que um determinado ato pode ter dupla punição: tem sempre sanção disciplinar e, em caso disso, pode ainda ter sanção penal. Por isso, é certo que há sempre uma esfera mínima que tem, obrigatoriamente, de ser respeitada. Caso contrário, o jogador profissional não passa de um presidiário8 ou de um escravo9. Assim, parece ser de concluir que essa esfera mínima não pode, em caso algum, ser violada, muito porque violaria, máxime, o próprio direito à vida, esse verdadeiramente indisponível. Em conclusão poder-se-á dizer que o direito à integridade física é disponível, mas não na sua totalidade. Se fosse disponível no seu todo, então não faria sentido nem as A limitação da liberdade está apenas prevista em casos de pena de prisão. Se o atleta pode dispor da sua integridade física de forma livre e total, poderemos cair numa situação de tortura, expressamente proibida na C.R.P. 8 9

21 22 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

26

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

27

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

Conclusão

correção da competição e o seu resultado. Desta feita, o Artigo 6º do diploma faria com que os titulares dos órgãos e os funcionários das pessoas coletivas desportivas (que são

As expetativas do projeto que é o vídeo-árbitro eram e continuam a ser muito altas,

equiparados aos funcionários públicos) também tivessem a obrigação de transmitir ao

motivo pelo qual as discussões e os problemas em torno do futebol continuarão a existir.

Ministério Público a notícia deste crime, tal como o devem fazer em relação aos demais

As polémicas, mais ou menos aguçadas, em torno das decisões, não vão desaparecer; pelo

ali previstos.

contrário, apenas irão aumentar porque agora não se contesta apenas a decisão do árbitro,

Atendendo a esses argumentos, o Vídeo-arbitro deve deixar de ser apenas um

mas, também, as intervenções (ou a falta delas) do VAR. Porém, por muito “pano para

auxiliar do árbitro e passar a designar-se por videojogo, como forma de integrar todos os

mangas” que continue a ser, o vídeo-árbitro é um projeto que deve continuar porque a sua

participantes dentro das quatro linhas. Só nesta opção é que se encontra a vantagem de

dissolução causaria mais malefícios do que benefícios. A ser considerado um mal (ora

abarcar este crime de situação que afeta o jogador e depende deste. É uma opção que se

porque retira tempo útil de jogo, ora porque retira entusiasmo ao futebol, porque os golos

deve seriamente ter em conta para que se possa criar, então, um mecanismo capaz de

têm de ser validados pelo sistema), terá de se considerar que é um mal necessário.

sanar as vicissitudes apresentadas, de modo a que se possa assegurar que, quer os direitos constitucionalmente consagrados, quer a verdade desportiva são protegidos, nem que seja

Como se viu, há ainda uma longa caminhada pela frente, desde logo porque a

numa esfera mínima que deve sempre ser reservada e preservada.

própria lei tem lacunas como a que identificamos aqui – a integridade física está desprotegida, visto não ser sancionada penalmente. A lesão causada pela simples vontade

Para além disto, e se formos ligeiramente mais longe, preveniria, ainda, as situações

de lesionar e de ferir a integridade física do outro, coloca sérias dúvidas no que respeita

dos hooligans ou da presença nos recintos desportivos de todos aqueles agentes que ali

a esta falta de punição. Somos obrigados a concluir que, olhando para o C.P., a decisão

não deveriam estar, por exemplo, por estarem a cumprir medida de segurança. Veja-se o

de punir um determinado jogador que impossibilitou o seu colega de participar nas

caso da Alemanha e da Itália que já implementaram este regime. Trata-se, não só, de uma

competições por mais de 3 dias com apenas o máximo de 4 jogos é estranha e reduzida

maior proteção dos espectadores, como, também, do próprio espetáculo em si mesmo

quando essa mesma ação configura um crime de ofensa à integridade física por

considerado.

negligência. Imagine-se, inclusive, que aquele jogador que sai lesionado, e assim se

Em suma, deveria ser adotado um sistema que permitisse abarcar todas as situações

mantém por várias partidas, poderia ter sido determinante para os resultados finais das

elencadas ao longo do presente ensaio, bem como permitir a punição, mesmo que seja a

partidas. É um juízo de prognose, é certo, mas que é necessário fazer caso seja ainda

título mínimo de ofensa à integridade física por negligência sempre que se provasse que

importante perceber a gravidade deste vazio jurídico. É uma clara violação ao princípio

a lesão resulta de uma ação do lesante que agiu por falta de cuidado e sempre que se

da verdade desportiva que tão prontamente é defendido. A punição do jogador x não

verificasse que o colega cuja integridade física foi afetada ficasse impossibilitado de

dissolve nem compensa a ofensa à integridade física do jogador y10, mas coloca as equipas

exercer a sua profissão por mais de 3 dias. Isto, obviamente, não exclui a possibilidade

em “pé de igualdade”, uma vez que permite que ambas tenham as mesmas oportunidades

de caminhar ao longo do crime de ofensa à integridade física e decidir que esta não foi

e condições para disputar as partidas que se seguem.

negligente – basta provar que o atleta lesante teve a intenção de produzir aquele resultado.

A instituir a ofensa à integridade física como crime que deve ser punido, a Lei

Os casos previstos nos Artigos 144º e 146º do C.Penal (ofensa à integridade física grave

50/2007, de 02 de Maio, deve ser alterada de forma a que essa necessidade esteja prevista

e privilegiada, respetivamente) não se verificariam na medida em que se reportam a

no elenco de crimes que a lei se reporta. É que, se estendermos ao elemento literal da

situações de tal forma gravosas que, principalmente no último caso, são equiparadas a

norma, também a ofensa da integridade física pode afetar a verdade, a lealdade e a

uma situação em que se verificam as circunstâncias de um crime de homicídio qualificado. Já a ofensa à integridade física qualificada (prevista no Artigo 148º do C.Penal) deveria ser a modalidade alternativa à ofensa à integridade física por

Caso contrário, seria defender uma ideia redistributiva plasmada no adagio “Olho por olho, dente por dente” que não é de todo a ideia defendida no sistema penal adotado no nosso ordenamento jurídico.

10

negligência, apenas e só na medida em que for revelada especial censurabilidade ou 23 24

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

28

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

29

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

perversidade do agente. Neste caso, o processo seguiria independentemente da vontade do lesado e pela via judicial, uma vez que o Sistema de Mediação Penal exclui da sua competência este crime.

Anexos Anexo 1 - Artigos 143º a 146º do Código Penal

A castigar o autor da ofensa (que, como dito supra, seria maioritariamente por ofensa à integridade física por negligência, na medida em que previu aquele resultado, mas acreditou que não se concretizaria – negligência consciente – ou porque, de todo, não previu o resultado que causou – negligência inconsciênte) deveria ter-se em atenção o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes (adequação, proporcionalidade em sentido estrito e necessidade). Desta feita, sempre que o lesado ficasse impossibilitado de disputar partidas por mais do que 4 jogos ou 1 mês (o limite máximo de punição), o lesante deveria ser sancionado nessa mesma medida. Caso o tempo de duração da lesão fosse meramente indicativo e não concreto, deveria ser feito um juízo na medida do princípio da proporcionalidade, enquanto tentativa de corrigir a verdade desportiva. Em suma, a previsão deste tipo de situação evitaria não só os vazios jurídicos que se verificam, mas, também, as suspeitas por parte dos demais participantes nas competições. Para além disto, é importante afirmar que a sinalização destas situações não retiraria tempo útil de jogo, uma vez que a gravidade da lesão já implica uma paragem no jogo. Todos os dias se leem informações que, independentemente da sua veracidade ou da falta dela, incendeiam as opiniões daqueles que seguem o fenómeno futebolístico e, principalmente, daqueles que desconfiam do sistema. Se um clube levanta a suspeita de que um segundo cometeu um crime ao pagar a um terceiro para que este lesione os jogadores do segundo, levantam-se, ao seu lado, queixas por calúnia e difamação. Ora, nada disto se verificaria, e os ânimos de todos ficaram mais calmos, se o videojogo fosse uma realidade, na medida em que abarcaria as situações que dão aso a estas polémicas tão devastadoras. Terminar-se-ia com as suspeitas, com as possibilidades e com as situações reais de ofensa à integridade física, desde logo porque todos saberiam o verdadeiro significado do adágio “a minha liberdade termina onde começa a do outro”.

26 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

30

25 www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

31

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

Anexo 2 - Artigos 147º a 148º do Código Penal

Anexo 3 – Artigos 24º e 25º da Constituição da República Portuguesa

28 27 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

32

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

33

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

2. DO VÍDEO-ÁRBITRO AO VÍDEOJOGO

Referências Bibliográficas

TEIXEIRA, Sofia Esteves, “Os golos e os casos da vitória do FCPorto frente ao Braga”, 26 de fevereiro de 2019, www.jn.pt/desporto/interior/os-golos-e-os-casos-davitoria-do-f-c-porto-frente-ao-braga-10623389.html, consultado a 25 de abril de 2019;

Constituição da República Portuguesa;

Portal da Justiça, https://justica.gov.pt/Resolucao-de-litigios, consultado a 27 de

Código Civil;

maio de 2019. Código Penal; Tribunal Arbitral do Desporto, https://www.tribunalarbitraldesporto.pt/, consultado a 28 de maio de 2019.

DELGADO, Evandro, “Acha que sabe tudo sobre o Vídeo-árbitro? Conheça as regras

e

quando

deve

intervir”,

01

de

agosto

de

2017, MIRANDA, Agostinho Pereira de; ABREU, Miguel Cancella de; SILVA, Paula

desporto.sapo.pt/amp/futebol/primeira-liga/artigos/acha-que-sabe-tudo-sobre-ovideoarbitro-conheca-as-regras-e-quando-o-var-deve-intervir, consultado a 01 de abril de

Costa e; PENA, Rui; MARTINS, Sofia – Estudos de Direito de Arbitragem em

2019;

Homenagem a Mário Raposo, Universidade Católica Editora, pp. 33-55. FAUSTINO, Jorge, Opinião: “Os 12 Princípios do Vídeo-árbitro”, 15 de agosto

de 2017, www.publico.pt/2017/08/15/desporto/analise/os-12-principios-do-videoarbitro1782318/amp, consultado em 12 de abril de 2019; FAUSTINO, Jorge, “Os casos do Aves-Benfica”, 19 de fevereiro de 2019, www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-nos/benfica/detalhes/20190219-0050-oscasos-do-aves-benfica, consultado a 24 de abril de 2019; Federação Portuguesa de Futebol, www.fpf.pt/Video-arbitro, consultado a 01 de abril de 2019; Reportagem, “Desportivo das Aves 0 - 3 Benfica, I Liga de futebol”, 18 de fevereiro de

2019,

www.jn.pt/noticias/desporto/desportivo-das-aves-0-3-benfica-i-liga-de-

futebol_e1129978, consultado a 24 de abril de 2019; TEIXEIRA, Sofia Esteves, “Os golos e os casos da vitória do FCPorto frente ao Setúbal”, 16 de fevereiro de 2019, www.jn.pt/desporto/interior/o-golos-e-os-casos-davitoria-do-f-c-porto-frente-ao-setubal--10586676.html, consultado a 25 de abril de 2019;

29 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

34

www.ligaportugal.pt

30 www.ligaportugal.pt

35

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS COMO GARANTIA DE INTEGRIDADE NO FUTEBOL Ana Leonor Morais Taveira


A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade Futebol 3. A no PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

“A profissionalização da arbitragem não pode ser considerada como

“Se a carta olímpica preconiza uma arbitragem de tipo amador, as

um fim em si mesmo, mas sim como um meio essencial e

federações não hesitarão, por necessidade, a “profissionalizar” as

indispensável para tornar a competição desportiva mais credível,

suas tropas.”

mais atrativa e de melhor qualidade.” Christian Blareau Relatório do Grupo de Trabalho

4

3

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

38

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

39

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Dedicatória

Resumo No âmbito do fenómeno crescente e imprescindível de profissionalização e transparência do futebol português, o presente trabalho pretende percorrer a atualidade da situação laboral do árbitro de futebol a nível nacional, e debruçarse sobre as especificidades da sua função. Numa primeira parte iremos analisar o enquadramento geral da atividade do árbitro, assim como as suas atuais etapas de progressão na carreira, focando-nos nas suas características intrínsecas que, por consequência, fazem dele um agente desportivo peculiar que contrasta com os demais participantes do espetáculo de forma nítida. Para a minha equipa de arbitragem 2018/2019

A segunda parte será dedicada exclusivamente à qualificação jurídica da

Por cada jogo e cada aprendizagem

relação laboral existente na arbitragem, para se poder deduzir se o árbitro é ou

Ao sol ou à chuva

não um comum praticante desportivo. Para tal, recorrer-se-á brevemente às figuras de jogador e de treinador, o que nos ajudará juridicamente a posicionar o trabalho do árbitro da forma mais correta, atendendo à sua dupla dimensão de desportista e trabalhador, e ao vínculo específico que o une às entidades às quais presta o seu “serviço”. Para alargar horizontes e simultaneamente descobrir os desafios de outras realidades jurídicas do mesmo setor, serão igualmente referenciados dois modelos europeus pertinentes, que poderão, num futuro próximo, contribuir para o enriquecimento legislativo das ideias e das medidas que mais se adequam à atividade. Num terceiro ponto, abordaremos a temática da integridade e da sua estreita ligação com o árbitro, na sua vida pessoal e social, demonstrando-se que o árbitro pode contribuir (e muito) à defesa da integridade no futebol, através de mecanismos próprios que poderá desenvolver em paralelo à sua atividade primária de ajuizador de jogo. Por fim, terminaremos a exposição com as vantagens do fenómeno de profissionalização na arbitragem nacional, concluindo que esta se revela necessária para o bem e a integridade do futebol português. PALAVRAS-CHAVE: DESPORTIVO;

ÁRBITRO;

FUTEBOL;

PROFISSIONALIZAÇÃO;

FORMAÇÃO;

CONTRATO

DE

DIREITO

TRABALHO;

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS; INTEGRIDADE; FAIRPLAY. 5

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

40

www.ligaportugal.pt

6

www.ligaportugal.pt

41

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Índice

74 4. O regime jurídico profissional………………………………………p.41

42 Glossário de siglas………………………………………………………………..p.9

78 5. As vantagens da profissionalização……………………………….p.45

43 Introdução…………………………………………………………………………p.10

79 III. Contributo social e ético do árbitro……………………………………….p.46

44 Enquadramento geral……………………………………………………p.11

79 1. A estreita relação com a Integridade………………………………p.46

45 1. O percurso atual da atividade……………………………………….p.12

79 1.1. Código de conduta FPF…………………………………….p.46

45 1.1. A estrutura organizacional de base……………………...p.12

81 2. Mecanismos dinâmicos de Integridade …………………………..p.48

47 1.2. As condições de admissão e incompatibilidades……..p.14

81 2.1. O Cartão Azul………………………………………………...p.48

50 1.3. De árbitro distrital a árbitro nacional…………………….p.17

82 2.2. O Cartão Branco Fairplay………………………………….p.49

51 2. Uma função específica……………………………………………….p.18

85 2.3. O Campeonato Foot Citoyen………………………………p.52

52 2.1. A componente física………………………………………..p.19

86 IV. Conclusão……………………………………………………………………..p.53

53 2.2. A componente técnica……………………………………...p.20

88 V. Bibliografia……………………………………………………………………..p.55

54 2.3. A componente psicológica………………………………...p.21

88 Livros e Artigos…………………………………………………………………..p.55

55 2.4. O limite de idade……………………………………………..p.22

89 Legislação…………………………………………………………………………p.56

55 2.5. A constituição das equipas de arbitragem……………..p.22

90 Regulamentos…………………………………………………………………….p.57

56 2.6. O sistema de nomeações…………………………………..p.23

91 Jurisprudência……………………………………………………………………p.58

57 2.7. As observações……………………………………………...p.24

91 Notícias…………………………………………………………………………….p.58

57 Enquadramento legal……………………………………………………p.24

92 Sites…………………………………………………………………………………p.59

I.

II.

57 1. A definição jurídica do árbitro………………………………………p.24 60 2. A relação laboral do árbitro em Portugal…………………………p.27 61 2.1. Os direitos e os deveres do árbitro………………………p.28 70 2.2. A relação contratual do jogador e do treinador………..p.37 71 3. A realidade jurídica dos árbitros noutros países………………..p.38 71 3.1. Espanha……………………………………………………….p.38 72 3.2. Holanda………………………………………………………..p.39 7

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

42

www.ligaportugal.pt

8

www.ligaportugal.pt

43

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Glossário de siglas

Introdução Para Christian Blareau, professor do Instituto Nacional do Desporto e

AA – Árbitro Assistente

Educação de França (INSEP), “os bons árbitros são os que conjugam o espírito

AAA – Árbitro Assistente Adicional

do jogo com a regra e que desaparecem perante a qualidade do espetáculo,

AFP – Associação de Futebol do Porto

sempre vigiando pelo respeito do espírito desportivo”1. Efetivamente, a cada jogo

AFSVFP – Associação Francesa para um Desporto sem Violência e para o

de futebol, a partida começa com três equipas em campo, uma delas reduzida a

Fairplay

pelo menos três elementos, e parece indiscutível que sem árbitro não há jogo credível possível. Aliás, um jogo sem árbitro seria um jogo esvaziado de

CA – Conselho de Arbitragem

orientação e de sentido, já que ambas as equipas atuariam em campo de forma

CAJAP – Confederação das Associações de Juízes e Árbitros de Portugal

subjetiva, fazendo prevalecer a ânsia de vitória individual a qualquer custo, sem a mínima preocupação da aplicação das Leis do Jogo, um critério objetivo. A

CRP – Constituição da República Portuguesa

figura do árbitro nasce, pois, precisamente da necessidade de neutralidade e

FFF – Fédération Française de Football

imparcialidade do encontro desportivo coletivo, marcado pela conflitualidade derivada à ambição e à vontade de vencer, não só por parte dos jogadores, mas

FPF – Federação Portuguesa de Futebol

também dos seus treinadores e das restantes equipas técnicas em campo. No

INSEP – Instituto Nacional do Desporto e Educação de França

caso concreto do futebol, o jogo é caracterizado por um confronto físico de

IPDJ – Instituto Português do Desporto e Juventude

noventa minutos, sendo que historicamente a auto-arbitragem dos capitães de equipa ou a imparcialidade dos delegados nunca se revelaram eficientes para

LBAFD – Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto

haver lugar a um jogo justo, correto e jogável à luz das Leis do Jogo. O árbitro

LPFP – Liga Portuguesa de Futebol Profissional

faz, portanto, verdadeiramente parte do jogo como qualquer outro participante e exerce uma função própria de validação do resultado desportivo, o que possibilita

PNED – Plano Nacional de Ética no Desporto

o espetáculo per se, assim como o bom desenrolar da partida, minimizando os

RAAFP – Regulamento de Arbitragem da AFP

inevitáveis riscos de anarquia e de violência, associados à prática de futebol por

RAFPF – Regulamento de Arbitragem da FPF

vinte e dois indivíduos em disputa, confinados a jogar num retângulo competitivo

RALPFP – Regulamento de Arbitragem da LPFP

demarcado. Apesar da realidade desportiva e mediática muitas vezes teimar em nos

RDLPFP – Regulamento Disciplinar da LPFP

apresentar a figura do árbitro como sinónimo de “bode expiatório” 2, ou de “mal-

RJFD – Regime Jurídico das Federações Desportivas

amado do sistema”, convém notar que sem ele, ao invés de um jogo pacífico, sem incidentes, o efeito prático seria exatamente o contrário, multiplicando-se os fatores geradores de violência (verbal e física) e tudo o que não se quer num espetáculo social de prestígio, ao qual geralmente se está disposto a pagar pela 1 2

A Educação pelo Desporto – Perspectivas Europeias (2005), p. 61 a 74. Christian Blareau fala em “bode expiatório de eleição”.

9

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

44

www.ligaportugal.pt

10

www.ligaportugal.pt

45

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol entrada,

implicando

um

sacrifício

pecuniário

pessoal

por

parte

1. O percurso atual da atividade

do

adepto/espectador que merece o retorno satisfatório correspondente. Os

1.1. A estrutura organizacional de base

árbitros, enquanto condutores do jogo, desempenham um papel executivo, através de um processo jurisdicional instantâneo de regulação de litígio, com base nas Leis do Jogo, à qual as equipas aderem voluntariamente por convenção. Pois, se assim não fosse, as três equipas não entrariam em campo juntas. Ao entrar em campo, as equipas (e através delas indiretamente os respetivos clubes) aceitam tacitamente o regulamento de jogo em vigor e o poder disciplinar concedido aos elementos de arbitragem através de federações dotadas do estatuto de utilidade pública, porque tal se verifica como indispensável e a melhor solução encontrada, até aos dias de hoje, para haver um jogo decente e digno de espetáculo. Após esta breve reflexão abstrata sobre a importância do papel do árbitro e da sua função geral no jogo, analisemos agora concretamente as etapas do seu percurso em Portugal, e como se estrutura, à hora atual, a organização institucional envolvente da atividade. Deste modo, compreenderemos melhor a posição e o estatuto que o árbitro ocupa presentemente no futebol nacional.

É no âmbito da competência política e legislativa da Assembleia da República, nos termos do artigo 161º c) da CRP, que surge a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, a Lei nº 5/2007, de ora em diante mencionada por LBAFD. Pautada pelos princípios da universalidade e da igualdade (2º), da ética desportiva (3º), da coesão e da continuidade territorial (4º), da coordenação e da colaboração (5º), a LBAFD assenta num modelo de intervenção descentralizada no que diz respeito às atribuições e competências da matéria relativa à atividade física e ao desporto. Assim, verifica-se a promoção do seu desenvolvimento não só pelo Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, mas também pelas instituições de ensino e as associações desportivas, entre outras entidades desportivas. Estas últimas que podem ser públicas ou privadas (5º). No que toca à estrutura organizacional, o legislador opta pelo modelo associativo, dedicando-lhe um capítulo próprio (Capítulo III – Associativismo Desportivo), dos artigos 12º a 27º da LBAFD. Os tipos de associações possíveis encontram-se previstos noutra legislação avulsa relevante, ao abrigo do Regime

I.

Jurídico das Federações Desportivas e as Condições da Atribuição do Estatuto

Enquadramento geral Neste sentido, convém antes de mais relembrar que o artigo 79º da

Constituição da República Portuguesa de 1976, consagra e eleva o desporto à categoria de direito fundamental: “Todos têm direito à cultura física e ao desporto” (CRP, 79º nº1). O Estado Português reconhece igualmente certos benefícios relacionados com a prática desportiva por parte dos seus cidadãos, nomeadamente a nível da saúde (CRP, 64º nº2 b) in fine) e do desenvolvimento exponencial da qualidade de vida. A atividade física adquire, por isso, um valor jurídico reforçado e é constitucionalmente protegida, já que é missão e dever do Estado colaborar “com as escolas e as associações e coletividade desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do

de Utilidade Pública Desportiva (RJFD), o Decreto-Lei nº 248-B, publicado no final do ano de 2008. Nos termos deste diploma, as federações desportivas das modalidades coletivas, como é o caso do futebol, podem agrupar-se em dois tipos de associações: em associações de clubes e sociedades desportivas participantes nos quadros competitivos nacionais ou em associações de clubes participantes em quadros competitivos regionais ou distritais, definidos em função de determinada área geográfica (26º nº1), ou seja, existem dois planos distintos e autónomos que atuam em simultâneo: o nível nacional, que abrange todo o país e as Regiões Autónomas, e o nível regional ou distrital, que se concentra em determinadas zonas do território nacional.

desporto, bem como prevenir a violência do desporto” (CRP, 79º nº2). Ora

Para cada modalidade desportiva é constituída a sua respetiva federação

vejamos de que modo este preceito constitucional se tem aplicado ao ramo

(2º RJFD), definida como sendo “a pessoa coletiva sob forma de associação sem

específico da arbitragem de futebol de 11.

fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações 12

11

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

46

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

47

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos,

De notar que é neste contexto e de acordo com a estrutura orgânica

juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam

definida no RJFD (32º a 47º) que se enquadra o Conselho de Arbitragem (CA)

para o desenvolvimento da respetiva modalidade”, desde que exerçam poderes

da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Aí se estipula que este órgão

de promoção, regulamentação e direção da prática da modalidade a nível

colegial seja dividido por secções especializadas consoante a natureza

nacional e que obtenham o estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública,

profissional ou não profissional da competição (45º RJFD), o que vai ao encontro

conforme o disposto nos artigos 10º a 25º do Capítulo II do RJFD. O DL nº 248-

do disposto no artigo 25º da LBAFD. Assim, o CA da FPF divide-se atualmente

B/2008 exige igualmente uma distinção estrutural entre as competições

em três secções: a secção profissional, a secção não profissional e a secção de

profissionais e não profissionais de uma modalidade, ponto crucial para se

classificações. Cada uma destas secções é composta por um Presidente, um

perceber de que modo se repartem os árbitros no nosso país. Através de

Vice-Presidente e três vogais, tendo cada uma, individualmente, o seu próprio

poderes de delegação, a federação delega as primeiras a uma liga profissional

regulamento. Para a secção profissional, o Regulamento de Arbitragem é

(27º nº1 e 29º RJFD), enquanto as segundas são da competência exclusiva das

aprovado na Assembleia Geral da LPFP, devendo este ser ratificado pela

associações, organizadas de acordo com a área geográfica em que decorram

Assembleia Geral da FPF3. Para a secção não profissional e de classificações

as respetivas competições não profissionais (30º, 31º RJFD).

contempla-se que os regulamentos sejam ambos exclusivamente aprovados

Podemos desde já constatar a existência de uma tripla estrutura no

pela Direção da FPF45.

futebol, a única modalidade nacional provida com liga profissional, e delinear de forma sucinta o seguinte esquema organizatório:

1.2. As condições de admissão e incompatibilidades

Liga profissional Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP)

Associações A.F. Angra Heroísmo

Federação Federação Portuguesa de Futebol (FPF)

A.F. Aveiro A.F. Beja A.F. Braga A.F. Bragança A.F. Castelo Branco A.F. Coimbra A.F. Évora A.F. Algarve A.F. Madeira A.F. Guarda A.F. Horta A.F. Leiria A.F. Lisboa A.F. Ponta Delgada A.F. Portalegre A.F. Porto A.F. Santarém A.F. Setúbal A.F. Viana do Castelo A.F. Vila Real A.F. Viseu

Para poder exercer a função de árbitro, árbitro assistente ou quarto árbitro

Campeonatos profissionais

é necessário, antes de mais, reunir as condições exigidas no Regulamento de

Liga NOS

Arbitragem da FPF (RAFPF) e ter a devida formação. Os dez requisitos gerais

LEDMAN LigaPro

para um candidato (masculino ou feminino) ser admitido ao curso de formação

Allianz CUP

inicial de arbitragem, denominado Formação Inicial Nível 1, estão elencados no artigo 33º do RAFPF. O candidato que deseja formar-se nesta área deverá ser nacional de um país comunitário ou beneficiar do estatuto de dupla nacionalidade (33º nº1 a)); ter entre 14 e 18 anos para integrar a categoria jovem, CJ, (33º nº1

Campeonatos não profissionais

b) e 47º nº1 e nº2), ser menor emancipado ou maior até à idade máxima de 32 anos (33º nº1 b)); residir, estudar ou ter uma atividade profissional na área do

Campeonato de Portugal

distrito do Conselho de Arbitragem da Associação da candidatura (33º nº1 c));

Taça de Portugal Supertaça Campeonato de Juniores Distritais

O vigente Regulamento de Arbitragem das Competições Organizadas pela Liga Portugal foi aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 08 de junho de 2016, alterado na Assembleia Geral Extraordinária de 29 de maio de 2017, 13 de junho de 2018 e ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 30 de junho de 2018. 4 Regulamento de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, rectificado na reunião da direção da FPF a 23 julho de 2015, emitido em Comunicado Oficial a 28 de julho de 2015 e em vigor desde 1 de julho de 2015. 5 Regulamento de Classificações da Federação Portuguesa de Futebol. 3

Figura 1 A Estrutura Atual da Arbitragem

13

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

48

www.ligaportugal.pt

14

www.ligaportugal.pt

49

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

não sofrer de incapacidade civil (33º nº1 d)); não ter sido condenado a pena de

nem poderão intervir ou participar em qualquer fase ou tomada de decisão ou

prisão efetiva, por sentença com trânsito em julgado (33º nº1 e)); não ter sofrido

emissão de parecer em caso de conflito de interesses, devendo comunicar, por

sanção disciplinar, em qualquer modalidade desportiva, com pena igual ou

escrito, o seu impedimento ao Presidente do Conselho de Arbitragem, devendo

superior a noventa dias de suspensão (33º nº1 f)); não ser portador de doença

a declaração ser devidamente fundamentada no prazo de cinco dias (8º nº1 f),

ou defeito físico incompatível com a prática de arbitragem e, por isso mesmo, é

nº3 e nº4). Quanto aos árbitros profissionais dos quadros da Liga, estes estão

dever dos árbitros a realização de exames médicos anuais, após a conclusão da

vinculados a um regime especial de incompatibilidades, constantes no

formação inicial, para atestar com veracidade e de forma atualizada a aptidão

Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal

para a função (33º nº1 g) e 19º nº1 l)); ter uma altura mínima de 1,65 m,

(RDLPFP)7, vigorando uma presunção de conflito de interesses sempre que “os

ressalvando a categoria jovem (33º nº1 h)); ter o 12º ano de escolaridade ou

agentes da arbitragem estejam em condições de propor, discutir, deliberar,

equivalente, com exceção da categoria jovem para a qual exige a habilitação

informar, emitir juízos de valor ou ter acesso a informação privilegiada em que

mínima correspondente à idade do candidato (33º nº1 i)).

eles próprios possam ter interesse direto ou indireto, ou possa ter interesse

Deste artigo 33º se retira o facto de que a formação inicial dos árbitros, no

algum parente ou afim em linha direita ou até ao 3º grau da linha colateral”8.

nosso país, é ministrada no seio do Conselho de Arbitragem da respetiva

Uma vez que existe uma delegação de poderes do Conselho de

Associação distrital da candidatura, pelo que compete às vinte e duas

Arbitragem da FPF nos Conselhos de Arbitragem das Associações distritais,

Associações distritais cativar, atrair e formar de perto os seus potenciais filiados,

expressamente prevista no artigo 6º do RAFPF9, a gestão da arbitragem a nível

com os quais poderá vir a estabelecer uma relação direta e, em caso de

distrital caracteriza-se por uma certa autonomia e estatutos próprios. Por isso,

aproveitamento e vontade por parte do formando, uma relação prolongada no

podem existir certas diferenças regulamentares dependendo do distrito e da

tempo, época após época. Os árbitros de amanhã são os candidatos motivados

zona geográfica. Tomemos o exemplo da Associação de Futebol do Porto (AFP),

de hoje, pelo que a fase de recrutamento e de formação devem ser

que integra aproximadamente 750 árbitros10 e que é a maior associação distrital

administrados de forma zelosa e com todo o cuidado para manter uma afinidade

de Futebol do país. Nas suas condições de admissão ao curso de Formação

desportiva saudável que perdure6!

Inicial Nível 1, exige adicionalmente para as mulheres um mínimo de 1,55m de

Os candidatos a árbitros deverão igualmente certificar-se de que não reúnem qualquer incompatibilidade ou impedimento previstas no artigo 8º do RAFPF, por remissão da alínea j) do artigo 33º nº1, isto é, não poderão realizar negócios com a FPF, a LPFP, as Associações, os clubes ou com as outras pessoas coletivas naquelas filiadas (8º nº1 a)); não poderão ser gerentes ou administradores de empresas que realizem negócios com estas entidades ou que detenham nestas empresas uma participação social superior a 10% do capital (8º nº1 c)); não poderão ser jornalistas, colunistas ou comentadores no

altura, o que não acontece no RAFPF. Cada árbitro deve, pois, observar o regulamento específico que se aplica consoante a sua categoria e a natureza dos jogos que dirige. Exemplo disso é o uso obrigatório do emblema distrital no uniforme: se num jogo organizado pela AFP, um árbitro ou árbitro assistente usar o equipamento oficial de arbitragem da FPF, com o emblema da FPF (e não o emblema da AFP), este poderá vir a ser sancionado mesmo sendo habilitado a usar o emblema da FPF enquanto árbitro nacional11. O árbitro deve usar sempre

Já Aristóteles constatava que: “Somos aquilo que fazemos consistentemente. Assim, a excelência não é um ato, mas sim um hábito”. O futuro e a evolução do futebol implicam tomar medidas alinhadas hoje, investindo na formação de árbitros de excelência através da experiência a longo prazo, com base numa estrutura sólida de candidatos fixos e resilientes, evitando uma rotatividade desportiva fraca e sem rumo.

O Regulamento Disciplinar da Liga Portugal foi aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as últimas alterações de 29 de junho de 2018 e ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 30 de junho de 2018. 8 Artigo 5º nº 3 e 4 do RALPFP. 9 “O Conselho de Arbitragem delega nos Conselhos de Arbitragem das Associações os poderes necessários à gestão da arbitragem no âmbito das competições distritais” 6º nº2 RAFPF. 10 Fonte: http://www.afporto.pt/AFP/Sobre-a-Instituicao, consultada a 11-05-2019. 11 Corresponde a um dever específico do árbitro. Cf. art. 11º nº1 d) do RAAFP.

15

16

ativo em órgão social, sobre matérias relacionadas com a arbitragem (8º nº1 e)); 6

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

50

www.ligaportugal.pt

7

www.ligaportugal.pt

51

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

o emblema da sua associação nos jogos distritais, assim como respeitar os

sexo, “obrigando-as” a não poder (se desejarem e forem técnica e fisicamente

regulamentos correspondentes às situações concretas do jogo12. Para tal, deve

capazes) se submeter às mesmas provas dos homens, onde os tempos são mais

manter-se sempre atualizado através dos comunicados oficiais, das circulares,

rigorosos e exigem uma corrida mais veloz. Quer isto dizer que a nível

e das eventuais rectificações regulamentares que são feitas ao longo da época,

regulamentar, neste momento em Portugal, não se permite uma ascensão

permitindo uma uniformização de critérios entre todos os agentes de arbitragem

profissional da mulher16, quer como árbitra principal, quer como assistente,

com vista a uma atuação homogénea em campo. De igual modo, nos jogos

contrariamente ao que sucede no sistema de arbitragem alemão17 ou francês18.

organizados pela Liga, é o emblema da Liga que deve ser usado por todos os membros da equipa, em detrimento do emblema da Federação.

2. Uma função específica19 Ser árbitro de futebol engloba um conjunto diversificado de capacidades

1.3. De árbitro distrital a árbitro nacional

que devem ser minuciosamente trabalhadas ao longo da época para garantir a

Presentemente, os árbitros agrupam-se num total de dez categorias e

melhor atuação possível em campo e uma boa interação entre os membros da

evoluem de forma progressiva por escalões, podendo os melhores atingir o

equipa. Concordamos com Teotónio Lima quando afirma que “um árbitro bem

“topo” através de um longo percurso que começa por baixo, no campeonato

preparado raramente é surpreendido pelas formas de jogar quer dos jogadores

distrital das respetivas associações, passando por inúmeros campos nos quais

quer das equipas”20. Apesar do árbitro atuar de forma visível no jogo para o qual

aperfeiçoam gradualmente a atividade, por vezes nas mais adversas condições

foi nomeado, o trabalho preparatório que o antecede é quase mais importante

laborais e independentemente das condições ambientais serem favoráveis ou

do que essa atuação pública, pois é dele que dependem a prevenção de falhas

não.

e a antecipação de certos acontecimentos indesejáveis. O trabalho do árbitro Ao longo do seu percurso desportivo, o árbitro de futebol integra de forma

sucessiva as categorias CJ, C6, C5, C4, C3, C3 Avançado no âmbito das competições distritais; a categoria C2, C2 Elite no âmbito das competições

começa, portanto, muito antes do apito inicial e todo o tempo empregue na preparação do jogo vai minimizar os erros técnicos, o cansaço, a falta de concentração, ajudando-o a manter o jogo controlado e bem gerido.

nacionais e a categoria C1 no âmbito das competições profissionais. 13 Para as árbitras, distinguem-se as árbitras das categorias C6, C5, C4, C3 no âmbito das competições distritais e as árbitras CF no âmbito das competições nacionais14,

O tempo de duração do jogo, por exemplo, varia consoante o escalão e está previamente determinado no regulamento da competição, assim como as paragens autorizadas para ingestão de líquidos. 13 Cf. art. 45º nº1 RAFPF. 14 Cf. art. 53º RAFPF. 15 É o caso da Associação de Futebol do Porto (AFP) com uma categoria exclusiva CFR1 e CFR2, previstas no art. 33º do seu Regulamento de Arbitragem (RAAFP).

O nº 9 do artigo 53º do RAFPF é bem claro ao indicar que “a categoria CF habilita a sua titular a arbitrar jogos das competições organizadas pelas Associações, do Campeonato Nacional de Futebol Feminino, Campeonato de Promoção de Futebol Feminino, Taça de Portugal Feminina e Campeonato Nacional de Juniores”. E o nº10 do mesmo artigo acrescenta apenas: “As árbitras CF podem ainda arbitrar o Campeonato Nacional de Seniores masculino e Taça de Portugal”. Ou seja, o percurso desportivo da mulher na arbitragem está regulamentarmente limitado e é menos amplo do que o dos árbitros masculinos, podendo estes ambicionar ir mais longe na carreira. 17 Bibiana Steinhaus dirigiu o jogo Hertha Berlin - Werder Bremen da Bundesliga aos 38 anos de idade, no dia 10 de setembro de 2017. 18 No dia 28 de abril de 2019, a árbitra Stéphanie Frappart tornou-se a primeira mulher a apitar um jogo da I Liga francesa, aos 35 anos, tendo sido nomeada pela Fédération Française de Football (FFF) para o encontro entre o Amiens e o Strasbourg, mas já apitava jogos da II Liga desde 2014! 19 Na presente secção, deverá entender-se por “árbitro”, o conjunto das diversas funções da equipa de arbitragem: o árbitro principal, o árbitro assistente e o quarto árbitro, já que cada um deles pode alternar de posição consoante o jogo para o qual é nomeado. O árbitro assistente de uma equipa nacional pode ter jogos distritais enquanto árbitro principal. 20 Manual do Árbitro, p. 35.

17

18

apesar de algumas associações pioneiras fazerem questão de já preverem esta última categoria nos seus quadros15, o que vai positivamente ao encontro da promoção da mulher no seio da arbitragem, com provas específicas adaptadas a ela, mas que, a nosso ver, impossibilita claramente uma uniformização de critérios no que toca às qualidades intrínsecas dum árbitro, independentes do 12

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

52

www.ligaportugal.pt

16

www.ligaportugal.pt

53

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Na verdade, a arbitragem é uma função coletiva, pois cada agente tem a

A aparência física também é importante dada a dimensão pública da

sua função própria bem definida no relvado e atua “em conjunto” com os outros

função, pelo que o árbitro deve, como qualquer jogador, manter um estilo de vida

membros, numa troca constante de informação e de observação. São

saudável e uma alimentação equilibrada, sob pena de não estar ao nível físico

verdadeiramente uma equipa e não elementos soltos no campo. Contudo, o

dos jogadores durante o jogo.

treino e a formação técnica já são de ordem individual e, fora de campo, cada um por si deverá esfoçar-se para manter os seus objetivos pessoais e evoluir.

2.2. A componente técnica

Por consequência, o trabalho do árbitro implica muito mais do que noventa minutos de jogo e reúne um conjunto complexo de faculdades a desenvolver durante toda a época, de forma contínua.

Paralelamente aos treinos físicos, os árbitros participam ao longo da época em sessões de reciclagens por categoria, cursos e seminários de caráter obrigatório que lhes possibilitam desenvolver as competências técnicas de ajuizamento. Relembre-se que, de acordo com as Leis do Jogo, o árbitro detém

2.1. A componente física

o “poder discricionário para tomar as medidas adequadas”24 o que integra

A boa condição física é sem dúvida uma das grandes preocupações dos

simultaneamente a vertente técnica (bola ao solo, lançamentos laterais,

árbitros que são avaliados por provas físicas regulares, as quais devem realizar

pontapés de canto, pontapés de baliza, livres diretos ou indiretos) e disciplinar

com sucesso para poderem subir de categoria e apitar os melhores jogos.

(advertências e expulsões). Esta formação contínua é desenvolvida pela

Resulta do estudo21 de Monge da Silva, sobre a preparação física dos árbitros,

Academia de Arbitragem da FPF25, centro de formação nacional, que em

que o árbitro percorre muitas vezes distâncias maiores do que o atleta. Segundo

coordenação com os Conselhos de Arbitragem das Associações distritais,

este autor, os árbitros precisam de “um sistema de preparação contínua para

organiza os programas dos cursos dos árbitros.

que, semana a semana, estejam preparados para realizar uma tarefa em que lhes é exigido quase a infalibilidade”22. Por isso, existem Centros de Treinos especializados, criados pela FPF e algumas Associações23, para semanalmente ministrarem aos seus árbitros treinos acompanhados com técnicos qualificados.

Espalhados um pouco por todo o país, os Núcleos de árbitros26, atuam à margem desta formação institucional oficial, mas são grandemente apoiados (mesmo financeiramente) pelas respetivas Associações e pela APAF 27, desenvolvendo variadíssimas ações todas as semanas, organizadas por árbitros

Os números de testes físicos exigidos para cada categoria são definidos

para árbitros. Contribuem de forma significativa para a aprendizagem, a

no início da época nas normas de atuação e classificação da FPF ou da respetiva

integração e o convívio social entre os árbitros fora dos relvados, com um estilo

Associação distrital. Consistem em provas de velocidade, de resistência,

próprio descontraído e informal, muitos deles providos com um bar. Uma das

havendo provas específicas para os árbitros assistentes especialistas (AAE).

recentes apostas dos Núcleos são nomeadamente os cursos de inglês para

Para reforçar a importância do desempenho físico, a avaliação do índice de

árbitros28 e a realização de sessões de preparação para os testes escritos. São,

composição corporal pode igualmente dar lugar a bonificação para certas categorias. Leis do Jogo, Lei 5. RAFPF, artigo 6º nº4 e 14º. 26 Existem atualmente 51 Núcleos de Norte a Sul do País. 27 Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol. 28 Além das provas físicas e escritas sobre Leis do Jogo, existem testes de inglês sobre Leis de Jogo para os árbitros. 24 25

Manual do Árbitro, p. 220. Idem, p. 219. 23 Na AFP, por exemplo, existem treinos à segunda e quarta-feira no Centro de Treinos de Pedroso, em Gaia. 21 22

19

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

54

www.ligaportugal.pt

20

www.ligaportugal.pt

55

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

além do mais, uma verdadeira uma partilha de experiências, já que qualquer

autoestima baixa irão também ter as suas capacidades mais afetadas, já que

árbitro de qualquer categoria pode estar presente nestas sessões.

terão menos confiança e se sentirão mais stressados em determinadas situações de jogo. Por estas razões e independentemente dos seus bons resultados físicos

2.3. A componente psicológica

e técnicos, deve o árbitro apostar sempre na prevenção, reduzindo a

Para se manter no ativo na arbitragem e não desistir do percurso, não

probabilidade de falhas que não dependem de si, isto é, os fatores externos. O

basta ser bom a nível físico ou técnico, também é preciso saber lidar com o

scouting e a análise prévia dos intervenientes do jogo revelam-se cruciais quanto

stress, a ansiedade e as críticas derivadas ao ambiente em que decorre o jogo.

a este aspeto, permitindo de certa forma antever possíveis atritos entre

Para tal, torna-se indispensável uma motivação que supere os obstáculos

jogadores e aliviar a pressão da responsabilidade do jogo.

inevitáveis e constantes do percurso. A dimensão psicológica e a força interior do árbitro devem igualmente ser treinadas, de forma exponencial, à medida da 2.4. O limite de idade

ascensão na carreira. Podemos distinguir quatro fontes de stress ligadas à atividade29. As fontes

O RAFPF estabelece certas limitações de idade para a promoção dos

situacionais de stress para o árbitro são a importância do evento e o seu nível

seus árbitros. Assim, o artigo 81º define que nos quadros nacionais de futebol, a

de incerteza. Geralmente, quanto mais importante for a competição, maior será

idade máxima de promoção para a categoria C1 é até aos 36 anos (nº1 a)); até

o stress provocado no árbitro. No caso de um árbitro estagiário (que nunca tenha

aos 34 anos para chegar à categoria C2 (nº1 b)); os árbitros C2, C1 e os árbitros

apitado) ser nomeado para um jogo distrital, embora seja um jogo de menor

assistentes especialistas só podem exercer a sua atividade até aos 45 anos

dificuldade de que um jogo nacional, este último sentirá inevitavelmente um

(nº3). No entanto, existe uma tolerância para os Conselhos de Arbitragem das

maior nervosismo do que outro colega experiente nas mesmas condições, por

Associações que podem “autorizar os árbitros dos quadros distritais ou regionais

ser o seu primeiro jogo. O mesmo se pode associar a certas equipas cujas

a permanecer em atividade no âmbito distrital após a idade limite para o

claques violentas podem gerar um fator adicional de stress para o árbitro que

exercício, desde que os interessados se encontrem em boas condições físicas

dirige a partida. Por outro lado, quanto maior for o nível de incerteza associado

para o efeito e demonstrarem deter as capacidades técnicas necessárias” (nº6).

ao jogo, maior será o stress causado. Pensemos, por exemplo, num jogo de fim

Os limites de idade são aferidos ao dia 30 de junho da época de promoção e não

de época em que as duas equipas que se defrontam se encontram exatamente

obstam à conclusão da época desportiva em curso pelo seu titular (nº7).

com o mesmo número de pontos na tabela classificativa do grupo, sendo o jogo decisivo para a manutenção das equipas no campeonato. O resultado

2.5. A constituição das equipas de arbitragem

imprevisível vai obviamente tornar o ambiente mais pesado em campo. O segundo tipo de fontes de stress são o traço de ansiedade e a autoestima. Enquanto o traço de ansiedade se manifesta através da personalidade própria do agente e a sua predisposição subjetiva em ver determinado acontecimento como uma ameaça maior ou menor, os árbitros com

29

Com a exceção do futebol de 7, os árbitros atuam sempre em equipa. Esta é constituída no início de cada época desportiva, devendo seguir o disposto nas normas regulamentares em vigor. Os nomes dos árbitros que a compõem devem ser transmitidos à FPF e à Associação da qual façam parte, através do respetivo formulário.

Manual do Árbitro, p. 104.

22

21 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

56

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

57

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Para as competições distritais, as equipas são constituídas por um árbitro e dois árbitros assistentes, sem referência a qualquer categoria (82º RAFPF). Já

lista de designações e não serem nomeados, no caso da ocorrência das seis situações mencionadas no nº 2 do artigo 93º do mesmo regulamento.

para o Campeonato Nacional de Juniores, as equipas têm de ser constituídas por um árbitro da categoria CF ou C2 ou C3 Avançado 2 e por dois árbitros 2.7. As observações

assistentes (83º). Para as competições femininas, prevê-se um árbitro da categoria CF ou C2 ou C3 Avançado 2 e dois árbitros assistentes, podendo

“Os árbitros e árbitros assistentes podem ser observados com caráter

serem equipas só de árbitras ou equipas mistas, com elementos masculinos e

classificativo em quaisquer jogos das competições distritais, nacionais não

femininos, ou mesmo ser uma equipa só com elementos masculinos (84º). As

profissionais e profissionais”30, com a exceção das finais da Taça de Portugal,

equipas que atuam no Campeonato Nacional de Seniores devem ser

da Taça da Liga e dos jogos da Supertaça. O relatório do observador que tenha

constituídas por um árbitro da categoria C2, C3 Avançado ou CF Internacional e

analisado o desempenho do árbitro é enviado no prazo máximo de cinco dias

dois árbitros assistentes C3, C4, C5 ou C6 dos quadros das Associações (85º).

úteis contados da sua realização, de forma individual, por mail. É admitido ao

Para as competições profissionais, organizadas pela LPFP, as equipas são

árbitro ou árbitro assistente discordar do relatório através de reclamação, no

formadas obrigatoriamente por um árbitro de categoria C1 ou C2 Elite, dois

prazo de cinco dias úteis contados da sua disponibilização, desde que a sua

assistentes e um quarto árbitro C1, AAC1, C2, C2 Elite ou C3 Avançado (86º

reclamação seja relativa a erro no preenchimento do relatório (98º nº2 a) do

nº1). No caso de se incluírem nestes jogos árbitros assistentes adicionais (AAA),

RAFPF) ou quanto ao seu teor incorreto, devendo para tal provar por suporte de

estes devem ter a categoria C1 ou C2 Elite (86º nº2).

imagem em formato digital com gravação integral do jogo (98º nº2 b)). Esta reclamação é dirigida à Secção de Classificações.

2.6. O sistema de nomeações II.

Os árbitros não escolhem os jogos em que atuam, obedecendo a um

Enquadramento legal

sistema de nomeações com critérios específicos. Estes são designados pelo

Para podermos analisar a relação laboral do árbitro propriamente dita e

Conselho de Arbitragem da FPF para os jogos nacionais, e pelo Conselho de

vermos qual é o nível de proteção jurídica de que goza atualmente em Portugal,

Arbitragem das respetivas Associações para os jogos distritais. Segundo o artigo

convém, antes de mais, saber como é que a lei o define.

92º nº3 do RAFPF: “Nenhum árbitro ou árbitro assistente pode deixar de ser designado em razão da sua filiação distrital ou preferência clubista”. 1. A definição jurídica do árbitro

Os critérios são distintos consoante se trate de jogos da Secção Não Profissional ou Profissional. São três os critérios para a designação dos árbitros

Ana Cristina Couto retrata acertadamente o estado atual da arbitragem

pela Secção Não Profissional, nomeadamente a classificação obtida na época

portuguesa quando afirma que “o árbitro foi claramente negligenciado na LBAFD,

anterior, a avaliação do desempenho na época em curso (feita pelos

não lhe sendo atribuída nenhuma alínea ao longo de todo o diploma”31.

observadores de árbitros) e, finalmente, o grau de dificuldade do jogo em causa,

Efetivamente, ao lermos a segunda secção do Capítulo IV da Lei nº5/2007,

aferida em função da posição ocupada pelos Clubes intervenientes na tabela

dedicada concretamente aos agentes desportivos da atividade física e da prática

classificativa e a rivalidade existente entre esses mesmos, conforme o artigo 94º do RAFPF. Não obstante, os árbitros podem ser temporariamente retirados da

30 31

Artigo 96º nº1 do RAFPF. Profissionalização dos Árbitros Desportivos, p. 15.

23

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

58

www.ligaportugal.pt

24

www.ligaportugal.pt

59

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

desportiva, ficamos surpreendidos por não encontrarmos nenhuma referência ao

ser considerado como técnico, fazendo com que não se insere em nenhuma das

árbitro, agente imprescindível do jogo. Os únicos agentes desportivos elencados

categorias previstas.

neste diploma são cinco: os praticantes desportivos (34º), onde incluímos os jogadores; os técnicos (35º); os titulares de cargos de dirigentes desportivos (36º); os empresários desportivos (37º) e, por fim, os voluntários (38º). Na ausência de indicação expressa, nesta lei de valor reforçado que define todo o sistema jurídico desportivo e é a base de validade de toda a regulamentação desta área, surge o problema de saber se o árbitro cabe ou não numa destas categorias ou se foi drasticamente esquecido, dando lugar a uma indefinição jurídica prejudicial para o exercício das suas funções.

Embora não contendo nenhuma definição legal do árbitro, a Lei de Bases refere-se ao mesmo nalgumas disposições e pressupõe a sua existência. Nomeadamente para definir o conceito de federação desportiva (14º); para fins de disciplina e arbitragem (25º); de medicina desportiva (40º nº4); e nas normas relativas às medidas de apoio ao desporto de alto rendimento (44º nº2) onde verificamos uma distinção clara entre o praticante desportivo, os técnicos e os árbitros participantes nos mais altos escalões competitivos, a nível nacional e internacional.

Podemos desde logo excluí-lo da categoria de dirigente e empresário desportivo, assim como da categoria de voluntário já que esta última remete para o regime de voluntariado, a Lei nº20/2004 de 5 de junho, na qual se entende por voluntário “o indivíduo que exerça funções de direção executiva em regime de gratuitidade”, o que não corresponde à realidade dos árbitros que recebem valores fixos (prémio, subsídio de alimentação e transporte) consoante os jogos que fazem e dependendo da função em que atuam32. O árbitro também não pode ser considerado praticante desportivo, apesar de poder ser cumulativamente jogador na categoria CJ33, porque na verdade não pratica a modalidade em si, não joga futebol, nem se enquadra no regime jurídico do contrato de trabalho correspondente34,

não existindo nenhuma obrigação de prestar a atividade

desportiva a um clube. Os árbitros são, pelo contrário, nomeados em caso de disponibilidade35. De acordo com o artigo 35º da LBAFD, são técnicos os agentes que possuam a formação académica ou profissional adequada e que

Apesar de prevalecer esta ambiguidade jurídica lamentável quanto ao estatuto do árbitro, certo é que podemos afirmar que, à luz da legislação em vigor, o árbitro é, sem dúvida alguma, agente desportivo, pois a epígrafe da Secção III (Proteção dos agentes desportivos) assim o deduz ao conter as poucas referências feitas a esta figura do jogo. Por consequente, aplica-se ao árbitro o disposto no artigo 42º quanto ao seguro obrigatório e ao regime fiscal específico (48º). Não se percebe, no entanto, a razão de uma não equiparação ao praticante desportivo neste aspeto, possibilitando aos árbitros profissionais beneficiar das deduções previstas para as profissões de desgaste rápido do Código do IRS36. Numa mesma perspetiva, o Regulamento Disciplinar da FPF37 e o Regulamento de Prevenção de Violência da FPF38, ambos classificam o árbitro como agente desportivo, assim como o próprio RAFPF que insere os direitos e

desempenhem funções técnicas nas áreas de gestão desportiva, no exercício da saúde, na educação física e no treino desportivo. Como visto previamente, o árbitro de futebol forma-se no seio institucional da FPF e atua segundo regras e regulamentos aprovadas por ela (ou pela associação do seu distrito através de uma delegação de poderes), não existindo para tal nenhuma formação profissional inserida no mercado de emprego. Nestes termos, o árbitro não pode O árbitro principal recebe mais do que um árbitro assistente por jogo. Artigo 47º nº6 do RAFPF. 34 Lei nº 54/2007. 35 Artigo 92º nº1 do RAFPF e 12º nº 1 do RALPFP. 32 33

O atual artigo 27º do CIRS só considera como profissões de desgaste rápido as de praticantes desportivos, definidos como tal no competente diploma regulamentar, as de mineiros e as de pescadores. Não sendo o árbitro um praticante desportivo, não lhe é aplicável este privilégio, apesar de fisicamente se justificar, no mínimo no que diz respeito a árbitros que tenham jogos da mesma exigência do que os jogadores profissionais. 37 Artigo 4º b): “Agente desportivo”: os titulares de órgão social da FPF ou de sócio ordinário da FPF, de comissão permanente ou não permanente da FPF ou de sócio ordinário da FPF, os dirigentes de clube e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores de clubes, os jogadores, treinadores, auxiliarestécnicos, elementos da equipa de arbitragem (…). 38 Artigo 3º a): “Agente desportivo”: o praticante, treinador, técnico, pessoal de apoio, dirigente, membro da direção, ponto de contacto para a segurança, coordenador de segurança ou qualquer outro elemento que desempenhe funções durante um espetáculo desportivo em favor de um clube, associação ou sociedade desportiva, nomeadamente, o pessoal de segurança privada, incluindo -se ainda neste conceito os árbitros, juízes ou cronometristas. 36

26

25

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

60

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

61

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

os deveres dos árbitros no Título II39, uma secção que se dirige expressamente

época45 através de um documento escrito assinado por todos os membros da

a estes agentes. O Regulamento Disciplinar da Liga confirma também que os

equipa de arbitragem. Por isso, o árbitro exerce as suas funções decisórias,

elementos da equipa de arbitragem são tratados como agentes desportivos40.

técnicas, disciplinares e de mera verificação sob a alçada do responsável pela

Como refere Nuno Barbosa41, a única definição legal do árbitro é dada pela Lei nº 50/2007 de 31 de agosto, sobre o regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva. Neste diploma, é considerado árbitro desportivo “quem, a qualquer título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade desportiva” (2º c)). Contrariamente à

organização do jogo ou da competição (Associação distrital, FPF ou LPFP), sujeitando-se ao poder disciplinar federativo46. Em caso de alguma violação prevista no RDFPF47, o árbitro responde e é sancionado consoante a gravidade da falta (muito grave, grave ou leve), sendo que a sua responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal 48. Desde logo verificamos que o exercício da atividade requer um elevado grau de responsabilidade.

LBAFD, aqui já existe uma definição autónoma para o árbitro, o que manifesta uma falta de rigor e de unidade na coordenação dos diplomas legais. Não parece

2.1. Os direitos e os deveres do árbitro

razoável a LBAFD, enquanto lei de valor reforçado e molde jurídico do setor, não

A atividade de arbitragem caracteriza-se, portanto, por um conjunto

definir o árbitro, mas já encontrarmos a sua definição num diploma consagrado

específico de direitos e deveres que pautam o seu funcionamento e que

exclusivamente à responsabilidade penal para casos de crimes graves 42!

estabelecem uma relação bilateral com a entidade que o nomeia. Para averiguarmos justamente o peso e as regalias da função, apresentamos os

2. A relação laboral do árbitro em Portugal

seguintes gráficos, ordenando cada direito e dever (geral e específico) pela sua

Ao contrário do praticante desportivo, que se vê protegido juridicamente

natureza e pelo nível da sua atribuição (distrital, nacional e profissional):

por um regime jurídico próprio43 de base contratual sólida e bem definida, com

Direito

Tipo

garantias de segurança consideráveis para desempenhar a sua função em condições estáveis44, a natureza do vínculo laboral do árbitro é essencialmente federativa, não existindo nenhum contrato específico para a sua atividade. O árbitro é, na verdade, associado de uma federação de utilidade pública desportiva, a FPF, e filiado da Associação distrital em que se filia no início de

Nível de Arbitragem Associação49

FPF50

LPFP51

Receber formação adequada

Formação

Previsto

Previsto

Não previsto

Gozar de independência técnica Exercer os poderes que lhe são conferidos pelas

Atividade

Previsto

Previsto

Previsto

Jogo

Previsto

Previsto

Não previsto

Correspondente aos artigos 17º a 26º. Artigo 4º nº1 b) do RDLPFP. 41 O Estatuto Jurídico do Árbitro no Direito Português, p. 48. 42 Os crimes previstos são a corrupção passiva (8º), a corrupção ativa (9º), o tráfico de influência (10º), a oferta ou recebimento indevido de vantagem (10º A), a associação criminosa (11º) e a aposta antidesportiva (11ºA), havendo lugar a uma agravação para os árbitros (12º nº1 e 2). 43 Lei nº 54/2007. 44 O contrato do praticante desportivo é um contrato a termo com a duração mínima de uma época e no máximo até cinco anos, o que possibilita uma relação estável entre jogador e clube evitando a insegurança jurídica ou mesmo pessoal.

Convém neste ponto observar que os árbitros podem ao longo do seu percurso mudar de associação quer por razões profissionais, académicas ou pela “transferência” ser mais vantajosa a nível pessoal devido ao número reduzido de árbitros dessa associação, o que implica ter mais jogos e mais probabilidades de subir de categoria, por haver mais vagas a preencher e menos concorrência. 46 Artigo 54º n 1 do DL º248-B/2008. 47 Capítulo VIII Das Infrações Disciplinares Específicas dos Elementos da Equipa de Arbitragem, Observadores de Árbitros e Delegados ao Jogo da FPF, ART. 172º a 182º. 48 Artigo 55º do DL nº 248-B/2008 e artigo 4º da Lei nº112/99. 49 A comparação é feita com referência ao Regulamento de Arbitragem 2018/2019 da Associação de Futebol do Porto (AFP). 50 Nos termos do RAFPF vigente. 51 Nos termos do RALPFP 2018/2019.

27

28

45

39 40

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

62

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

63

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Leis do Jogo, desde a sua entrada nas instalações desportivas até à sua saída Receber as cópias dos relatórios técnicos dos jogos em que tenham participado

Ser eleito para cargos ou funções em entidades associativas da sua classe Dispensas de atuação

Atividade

Ter conhecimento da chave de correção dos testes escritos ou cópias destes após a classificação Reclamar dos relatórios e classificações obtidas Ser promovido

Formação

Previsto apenas para os jogos em que tenham sido observados

Previsto

Previsto

Previsto

Previsto

Previsto

Previsto

Não previsto

Progressão

Previsto

Previsto

Não previsto

Auferir as importâncias estabelecidas pela FPF, LPFP e/ou Associações

Compensação

Previsto

Previsto

Previsto após consulta à APAF

Ser reembolsado das despesas efetuadas com a participação em reuniões, conferências ou cursos Solicitar pareceres sobre as leis de jogo e regulamentos ao Conselho de Arbitragem Beneficiar de um seguro de acidentes pessoais que cubra, no mínimo, os riscos previstos na legislação em vigor, resultante de acidente ou lesão no exercício ou por causa das suas funções Receber indemnização pelos danos que lhe forem causados, constantes do relatório de jogo ou em documento complementar Recorrer para as instâncias competentes das decisões que afetem os seus interesses Obstar à utilização pública ilícita da sua imagem para fins de exploração comercial Requerer licença, reingresso na carreira e jubilação Assistir gratuitamente a jogos

Compensação

Previsto

Previsto

Previsto

Não previsto

Previsto

Compensação

Previsto

Previsto

Previsto

Compensação

Não previsto

Previsto

Não previsto

Garantia

Previsto

Previsto

Não previsto

Atividade

Previsto com prazo de 12 dias

Não previsto

Previsto com prazo de 20 dias, até duas dispensas por época

Previsto

Atividade

Atividade

Previsto

Figura 2 Os Direitos dos Árbitros na Época 2018/2019

Dever

Não previsto

Progressão

Previsto

Não previsto

Atividade

Previsto

Previsto

Previsto

Progressão

Previsto

Previsto

Não previsto

Compensação

Não previsto

Previsto

Previsto

Aceitar as nomeações para que esteja designado Comparecer aos jogos para os quais esteja nomeado Justificar a sua não comparência ao Conselho de Arbitragem, logo que tenha conhecimento do facto impeditivo Proceder com correção e urbanidade no exercício das suas funções e fora delas Manter uma conduta conforme os princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade, rectidão nos jogos e nas relações de natureza desportiva, económica e social e bom entendimento com todos os órgãos da hierarquia desportiva, clubes, dirigentes, treinadores e demais agentes desportivos Comparecer para depor em inquéritos, processos disciplinares ou protestos sempre que notificado Não emitir declarações ou opiniões públicas, em qualquer local e sem autorização prévia, sobre matérias relativas ao sistema específico da arbitragem e a qualquer jogo Abster-se da prática de atos na sua vida pública ou que nela se possam repercutir que

Tipo Atividade

Associação Previsto

FPF Previsto

LPFP Previsto

Atividade

Previsto

Previsto

Previsto

Atividade

Previsto

Previsto

Previsto

Comportame nto

Previsto

Previsto

Não previsto

Comportame nto

Previsto

Previsto

Previsto

Atividade

Previsto

Previsto

Previsto

Comportame nto

Previsto

Previsto

Previsto

Comportame nto

Previsto

Previsto

Previsto

29

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

64

www.ligaportugal.pt

Nível de Arbitragem

30

www.ligaportugal.pt

65

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

se revelem incompatíveis com a dignidade e probidade no exercício das suas funções Cumprir as normas e regulamentos em vigor Guardar confidencialidade dos relatórios dos observadores Entregar ao Conselho de Arbitragem o cartão cedido, quando aplicada pena de suspensão ou requerida licença ou jubilação Realizar exames médicos anuais para a avaliação da aptidão para o exercício da sua função, a custas da FPF, LPFP ou Associações Assinar o boletim do jogo, nele registando qualquer discordância quanto ao seu conteúdo e a comunicar esse facto, por escrito, ao órgão que o tiver nomeado Moderar a utilização das redes sociais não publicando nem comentando assuntos relacionados com a arbitragem ou com as competições, clubes, jogadores, adeptos e árbitros Comparecer nas instalações desportivas, com a antecedência exigível, para a verificação das condições regulamentares do recinto de jogo Diligenciar no sentido de suprir as deficiências encontradas no recinto de jogo e inscrever os factos no boletim Apresentar-se em campo com o equipamento oficialmente aprovado Iniciar o jogo à hora marcada

regulamentares para que tenham sido convocados Colaborar com o Delegado da Liga no exercício das suas funções Informar de quaisquer factos que violem um comportamento de correção ou ainda que contrariem os comportamentos éticos e morais exigíveis Submeter-se aos treinos físicos semanais, comparecendo nos dias, locais e horas previamente determinadas, salvo se expressamente dispensados Registar em livro próprio a relação do seu património e rendimentos, bem como todas as situações profissionais e patrimoniais relevantes

Concluir o jogo para o qual tenha sido nomeado Participar em todas as ações de formação, aperfeiçoamento e avaliação, bem como a todos os testes 52

Atividade

Previsto

Previsto

Previsto

Atividade

Previsto

Previsto

Não previsto

Atividade

Previsto

Previsto

Não previsto

Atividade

Não previsto

Previsto

Previsto

Jogo

Previsto

Previsto

Previsto (e-Liga)52

Jogo

Não aplicável

Não aplicável

Previsto

Denúncia

Não previsto

Não previsto

Previsto

Treino

Não previsto

Não previsto

Previsto

Registo de Interesses

Não previsto

Previsto

Previsto

Figura 3 Os Deveres dos Árbitros na Época 2018/2019

Comportame nto

Previsto

Não previsto

Não previsto Dever específico53

Jogo

Previsto

Previsto

1H antes

Previsto 1H30 antes

Jogo

Previsto

Previsto

Não previsto

Atividade

Previsto

Previsto

Previsto

Jogo

Previsto

Previsto

Não previsto

Jogo

Previsto

Previsto

Não previsto

Formação

Previsto

Previsto

Previsto

Através da plataforma E-Liga.

Cumprir e fazer cumprir as leis do jogo e os regulamentos aplicáveis Verificar o cumprimento pela sua equipa da comparência ao jogo com a antecedência exigível e reportar o seu incumprimento Inscrever no relatório de jogo os motivos justificativos do não início ou conclusão do jogo para o qual seja nomeado

53

Tipo

Nível de Arbitragem

Jogo

Associação Previsto

FPF Previsto

LPFP Previsto

Jogo

Previsto

Previsto

Não previsto

Jogo

Previsto

Previsto

Não previsto

Dever específico do árbitro enquanto chefe de equipa (árbitro principal).

31

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

66

www.ligaportugal.pt

32

www.ligaportugal.pt

67

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol Elaborar o boletim do jogo mencionando os incidentes ocorridos antes, durante ou após o jogo, bem como os comportamentos imputados aos jogadores, treinadores, médicos, massagistas, dirigentes e demais agentes desportivos, bem como os factos que constituam fundamento para a aplicação de sanções disciplinares Enviar o boletim do jogo nos termos definidos pela Secção ou Conselho de Arbitragem

Jogo

Fazer constar de relatório complementar os factos suscetíveis de serem incluídos no boletim de jogo, de que tenha tomado conhecimento após o preenchimento daquele Enviar o relatório complementar nos termos definidos pelo Conselho de Arbitragem

Jogo

Previsto

Previsto

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol Previsto, inclui alterações ao plano de viagem e a sua justificação

Jogo

Não aplicável

Previsto até ao 2º dia posterior à emissão da credencial da nomeação

Contrapondo, deste modo, os direitos e deveres atuais do árbitro, Atividade

Previsto até ao 2º dia útil, após a realização do jogo

Previsto

Previsto

Previsto

Previsto (e-Liga)

podemos desde logo notar um certo desequilíbrio entre o fardo das tarefas exigidas e as vantagens obtidas. Os direitos essenciais resumem-se ao direito de reclamação dos relatórios e das classificações obtidas, a possibilidade de

Previsto

recurso para as instâncias competentes, a indemnização dos danos causados

(e-Liga)

mencionados no relatório (ex. carro riscado ou vidros partidos), um seguro54 e o valor pecuniário estabelecido pelo respetivo beneficiário (Associação, FPF ou

Previsto até 24H após o envio do relatório de jogo

Atividade

Previsto

Previsto no prazo de 12H após preencher boletim

Atividade

Não previsto

Previsto

Previsto

LPFP). Neste último ponto, enaltece-se a recente correção efetuada com a publicação do Orçamento de Estado para 2019, com a ampliação da incidência negativa do IRS55 para os árbitros e juízes não profissionais, que finalmente já não são obrigados a estarem coletados como trabalhadores independentes até ao limite máximo de 2375€, ao abrigo de uma bolsa desportiva. Até à entrada em vigor desta alteração, muitos foram os jovens árbitros que se viram forçados a abandonar a atividade de arbitragem para não perderem o direito à bolsa de estudo! Este foi, sem dúvida, um marco importante para valorização da função e para cativar jovens árbitros que apostam, em paralelo, numa formação

Atividade

Não previsto

Previsto

Previsto

académica, o que só beneficia a qualificação da classe, tão necessária para uma efetiva profissionalização de todos os agentes desportivos, a todos os níveis e

Formação

Não previsto

Previsto

Não previsto

Atividade

Previsto

Não previsto

Não previsto

Atividade

Previsto

Não previsto

Previsto

em todos os escalões. Em relação às responsabilidades inerentes à função, facilmente se deduz que, além de ser uma atividade de risco pelo meio envolvente, existem

Obrigatório por lei, conforme o disposto no art. 42º da LBAFD. O novo Código de IRS (Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro) já preconiza no art. 12º nº5 b): As bolsas de formação desportiva, como tal reconhecidas por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do desporto, atribuídas pela respetiva federação titular do estatuto de utilidade pública desportiva aos agentes desportivos não profissionais, nomeadamente praticantes, juízes e árbitros, até ao montante máximo anual correspondente a 2375 €, bem como, com este mesmo limite, as compensações atribuídas pelas mesmas federações pelo desempenho não profissional das funções de juízes e árbitros. 54 55

33

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

Não aplicável

Figura 4 Os Deveres Específicos do Árbitro na Época 2018/2019

(e-Liga)

Realizar anualmente um exame médico-desportivo e informar o Conselho de Arbitragem do seu resultado Realizar testes regulamentares, sempre que para tal seja convocado Participar em reuniões, conferências ou cursos, diligências ou outros eventos Recusar a direção de qualquer jogo não iniciado ou dado por findo, por outro árbitro, salvo nos casos regulamentarmente previstos Não participar em qualquer jogo que ocorra fora do âmbito das competições organizadas sem que tenha sido nomeado pelo Conselho de Arbitragem ou tenha sido autorizado a sua participação

Remeter o plano de viagem da equipa, salvo nomeações excecionais, em que fará no mais curto espaço de tempo, antes da data do jogo, bem como eventuais alterações ao plano inicial de viagem, devidamente fundamentado

68

www.ligaportugal.pt

34

www.ligaportugal.pt

69

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

imposições e deveres comportamentais que afetam o árbitro fora da sua

da arbitragem exige que os árbitros forneçam mais informações60 do que os

atividade desportiva, diretamente na sua vida pessoal. O facto de o árbitro dever

deputados da Assembleia da República e já foi até considerado como

“aceitar as nomeações para que esteja designado56”, implica nunca saber ao

inconstitucional por certos membros da arbitragem, uma vez que não é

certo, com um prazo razoável de antecedência57, os horários exatos e os dias

determinado para nenhum outro agente desportivo, mas somente e

de atuação. Sendo os jogos maioritariamente ao fim-de-semana, deverá, por

exclusivamente para os árbitros e agentes dedicados à arbitragem. Ora, embora

isso, reservar todo o sábado e todo o domingo para estar disponível para os

a declaração almeje uma maior transparência desportiva, o que em si é louvável,

jogos, sendo que os horários dos jogos podem variar de semana para semana,

para alcançar eficazmente o seu propósito deveria ser alargada a todos os

dependendo dos escalões e da competição para o qual foi nomeado. Também

titulares dos órgãos estatutários e aos próprios sócios ordinários das federações

pode acontecer não ser nomeado, o que gera uma instabilidade laboral acrescida

desportivas, como previa o Projeto de Lei nº 378/VIII, mas cuja alteração foi

quando comparando com outras atividades ou mesmo com os jogadores ou

rejeitada. No entanto, na opinião de Ana Couto, faria mais sentido o registo de

treinadores, pois estes sabem do seu calendário logo no início da época. Por

interesses se aplicar a outros agentes desportivos, mas reduzindo também o

isso, uma vez que os treinos físicos dependem do dia de jogo, podemos afirmar

número de informações a constar na declaração, pois realmente a norma legal

que é mais difícil para um árbitro planear os seus treinos físicos semanais do

parece transmitir “uma má imagem da arbitragem”.61

que um jogador que sabe com antecedência os seus horários de atuação. Adicionalmente, o local de jogo é sempre diferente e o tempo de viagem para chegar ao campo também deve ser tido em conta em termos de disponibilidade. Na prática, não havendo horário fixo nem plano mensal regular prévio

Outro dever inerente à arbitragem é observar um comportamento social adequado, adotando uma postura de correção e urbanidade, moderando as suas redes sociais, não fazendo declarações públicas relativas a algum jogo, mesmo fora das suas funções técnicas.

torna-se também difícil conciliar os jogos com a sua vida pessoal e faz com que o árbitro tenha de iniciar a semana de trabalho sem descanso, uma vez que a arbitragem, por regra, não é um meio de subsistência. Quer isto dizer que atuar enquanto árbitro ao fim-de-semana pode prejudicar o trabalho do árbitro à semana, consoante as exigências da sua profissão, sem mencionar que muitos empregos não contemplam folga ao sábado. Apenas os árbitros que beneficiam do estatuto de alto rendimento58 encontram-se mais protegidos quanto a esta conciliação entre a arbitragem e a profissão.

Se é certo que o RAFPF indica claramente a prevalência do amadorismo62 na arbitragem portuguesa, excluindo o seu caráter profissional63, achamos pertinente e mais do que justificado ajustar o paradigma jurídico à realidade disciplinar do árbitro, com fundamento nos deveres diversificados que lhe incumbem. Assim se asseguraria alguma estabilidade e mais dignidade à função, colmatando a atual disparidade de tratamento entre os agentes desportivos.

A obrigação do registo de interesses para as competições profissionais, introduzida pela Lei nº 112/9959, é outro ponto que se tem vindo a discutir no setor. Este requisito que se estende também aos titulares de órgãos dirigentes

Art. 19º nº1 do RAFPF. As nomeações oficiais são publicadas à sexta-feira à tarde para os jogos não profissionais. 58 Cf. 44º nº2 e 3 da LBAFD e arts. 2º e) e 25º DL nº 272/2009. 59 Cf. art. 9º e Projeto de Lei nº 378/VIII. 56 57

Os elementos a constar no modelo da declaração da FPF são os seguintes: Identificação completa, profissão, retribuição mensal, rendimento anual, cargos sociais, património imobiliário, quotas, ações, participações ou partes sociais do capital de sociedades civis/comerciais, direitos sobre barcos, aeronaves, automóveis, carteiras de título, contas bancárias à ordem, contas a prazo, direitos de crédito de valor superior a 25 mil euros, discrição pormenorizada de quaisquer outros elementos de ativo patrimonial. 61 Profissionalização dos Árbitros Desportivos, p. 30. 62 “Os árbitros exercem a sua atividade desportiva na qualidade de agentes desportivos amadores” lê-se no art. 23º nº1 do RAFPF. 63 Nos termos do art. 23º nº2 do RAFPF, apenas se prevê o estatuto de não amador para os árbitros das competições organizadas pela LPFP. 60

35

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

70

www.ligaportugal.pt

36

www.ligaportugal.pt

71

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

jurisprudência uma base sólida para enquadrá-lo juridicamente e protegê-lo66,

2.2. A relação contratual do jogador e do treinador Não pretendendo analisar minuciosamente os vínculos laborais de todos

adaptando-se à realidade mutante da sociedade.

os intervenientes do espetáculo desportivo, também eles sob alçada disciplinar da federação, devemos, porém, realçar que os jogadores, assim como os

3. A realidade jurídica dos árbitros noutros países

treinadores, são juridicamente mais protegidos do que os elementos da equipa de arbitragem. O jogador ou praticante desportivo beneficia dum regime próprio, o Regime do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, regulado na Lei nº54/2017 de 14 de julho, prevendo igualmente o contrato de formação desportiva e o contrato de representação ou intermediação. O legislador abordou com cuidado todos os aspetos relevantes, definindo um contrato a termo 64 e não

Aqui chegados, uma questão pertinente se coloca: será que a situação de indefinição jurídica laboral do árbitro de futebol e a persistente falta de intervenção legislativa neste sentido resume-se a uma imperfeição exclusiva do nosso ordenamento? Para responder a tal dúvida, propomo-nos abordar a realidade de dois países próximos, escolhidos consoante um critério de potencial auxílio legal.

se limitou a regular a prática desportiva apenas para os maiores de idade. Atendendo à posição mais fraca do menor, perante o clube ou a SAD, protegeu-

3.1. Espanha

o do mesmo modo nos artigos 28º e seguintes. Neste diploma, além de se preverem os cinco deveres do praticante desportivo (13º), a lei obriga a respetiva entidade empregadora a respeitar certas disposições, o que evita algum eventual aproveitamento por parte de quem se encontra numa posição hierarquicamente superior. O jogador deve estar registado (7º), podendo haver lugar a um período experimental (10º) e a uma cedência (20º). Todos os pontos necessários parecem estar devidamente regulados, contribuindo para oferecer as melhores condições de trabalho ao praticante desportivo.

O nosso país vizinho partilha o mesmo tipo de dilema no que toca ao enquadramento legal do árbitro. Rosalia Ortega Pradillo, advogada especialista em Direito Desportivo, tem vindo a escrever sobre o assunto e defende que o árbitro devia receber o mesmo tratamento legal que o treinador, o que não acontece atualmente em Espanha. O Real Decreto 1006/1985, de 26 de junho, que regula o Regime Laboral Especial dos Desportistas Profissionais, subsidiariamente à Lei do Estatuto dos Trabalhadores67, não tem vindo a ser aplicado ao árbitro de futebol pelos tribunais espanhóis que o afastam

Por sua vez, os treinadores também gozam de estabilidade jurídica.

sucessivamente de qualquer proteção jurídica.

Segundo Pedro Miguel Henriques, aos treinadores “deve-se aplicar por analogia o regime jurídico do contrato dos praticantes desportivos (…) No entanto, se mediante o caso concreto não se demonstrar possível o recurso à analogia, aplicar-se-á subsidiariamente o regime laboral comum, regulado no Código do Trabalho”65, sem prejuízo da aplicação primária do Contrato Coletivo de Trabalho, celebrado entre a Liga e a Associação de Treinadores de Futebol.

No entanto, a maior parte da jurisprudência espanhola assume que o treinador pode ser qualificado como desportista profissional, o que parece ser um contrassenso, pois as funções do árbitro em campo preenchem de forma mais direta os pressupostos exigidos para o desportista profissional. Este último é entendido como aquele que “em virtude de uma relação estabelecida com

Como se verificou para o árbitro, note-se que a LBAFD não definiu o treinador, nem especificou as suas funções, mas é possível encontrarmos na

64 65

Art. 9º da Lei nº54/2017. Estudos de Direito Desportivo em Homenagem a Albino Mendes Baptista, p. 281.

Citando Nunes de Carvalho: “A necessidade de adaptação das regras juslaborais a certos contextos organizativos típicos ou a outros modos de ser essenciais não se esgota na previsão de diversas modalidades de contratos que apenas possuem um nomen júris e outros há que vêm emergindo da realidade social e jurídica, revestindo contornos específicos independentemente de um expresso reconhecimento pelo legislador”. 67 Real Decreto Legislativo 2/2015 de 23 de outubro. 66

38

37

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

72

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

73

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

caráter regular, se dedica voluntariamente à prática de desporto por conta e

as vertentes, constituída por dois comités de arbitragem distintos: um para as

dentro do âmbito da organização e direção de um clube ou entidade desportiva

competições profissionais e outro para as competições amadoras. Enquanto a

a troco de uma retribuição”68. Para a autora existe uma omissão legislativa clara

KNVB encarrega-se da formação dos árbitros e da regulação desportiva da

neste domínio que urge uma intervenção legislativa. A autora comprova também

modalidade (como a FPF), as nomeações e a classificação dos árbitros são da

que o árbitro exerce uma função pública por delegação, com funções de natureza

inteira responsabilidade dos dois comités, estruturalmente separados em dois

administrativa, sendo agentes das suas federações. Exercem, no jogo, poderes

órgãos distintos, abdicando assim da secção desnecessária de classificação.

disciplinares atribuídos pela federação, criando-se uma relação de dependência: o árbitro só tem poderes através da delegação da federação.

O que mais caracteriza a arbitragem na Holanda é a existência de um contrato de trabalho71 com a federação, a termo certo, que pode durar entre 1 a

O primeiro árbitro de futebol espanhol a recorrer às instâncias judiciais

5 anos, o que permite aos árbitros atuar com alguma estabilidade laboral. Neste

para refutar a sua descida e beneficiar do regime de despedimento previsto no

caso, já é possível ser árbitro a tempo inteiro e investir numa progressão de

Estatuto de los Trabajadores, ficou conhecido como o caso Hernán Angulo69.

carreira de sucesso. Além dos prémios de jogo também se prevê, por um lado,

Tanto na primeira como na segunda instância, os juízes negaram existir alguma

um salário base mensal e, por outro, a ajuda de custos inerentes às deslocações,

relação entre os árbitros e as suas federações, com fundamento na inexistência

o que significa que mesmo não sendo nomeado o árbitro irá ter garantias de

hipotética de submissão dos mesmos ao âmbito de direção e organização

estabilidade financeira.

federativa.

Importa referir que os árbitros holandeses não estão limitados pela idade,

No meio do debate doutrinal acerca da questão, a solução legal mais

não existindo nenhum limite máximo para se reformarem da atividade, podendo

adequada do ponto de vista da autora resume-se a tratar os árbitros como

estes tirar o curso de formação inicial desde os 12 anos. Alargar a faixa etária a

artistas de espetáculos públicos70, excluindo categoricamente as possíveis

mais jovens parece ser uma boa opção para inculcar bem cedo as Leis do Jogo

variantes de trabalhador autónomo, trabalhador autónomo dependente,

e o espírito de ajuizamento nos candidatos e assim potenciar a longo prazo

trabalhador independente, desportista compensado, agente delegado da

melhores árbitros, com uma experiência rica e sólida. Julgamos efetivamente

Administração enquanto prestação de serviço público desportivo e, finalmente,

que pode não fazer muito sentido criar barreiras a nível da idade na arbitragem,

a prestação de serviços. Rosalia Pradillo aponta falhas na conciliação da função

pois a condição física e técnica pode variar de árbitro para árbitro, não se vendo

arbitral com o regime próprio de cada uma destas figuras.

nenhum inconveniente em manter os árbitros que passem em todas as provas exigidas no ativo. Seria, aliás, uma excelente forma de combater a atual escassez de árbitros: ao invés de se contornar esta falha pela via de

3.2. Holanda

recrutamento de novos elementos e recomeçar todo um processo de

Contrariamente a Portugal e Espanha, na Holanda não existe nenhuma

aprendizagem bastante demoroso e dúbio, parece ser muito mais coerente e

liga profissional prevista para as competições profissionais. Cabe à Federação

consistente dar antes prioridade a quem tenha a experiência e aptidão

Holandesa de Futebol, a KNVB, a regulação e o supervisionamento de ambas

necessária e imediata.

Iº Congresso Internacional sobre o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, p. 204 (Traduzido do espanhol) 69 AS 1999/56 4 de fevereiro. 70 Real Decreto 1435/1985 de 1 de agosto. 68

71

Cf. Profissionalização dos Árbitros Desportivos, 2018.

39

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

74

www.ligaportugal.pt

40

www.ligaportugal.pt

75

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

4. O regime jurídico profissional

O desequilíbrio de tratamento e a ausência de regulação jurídica

Embora já se preveja a arbitragem desportiva como profissão na Classificação Portuguesa das Profissões72 do Instituto Nacional de Estatística desde 2010, a verdade é que a sua codificação e a definição oficial das suas funções não se revelaram suficientes para poder de facto se afirmar que a realidade corresponda ao levantamento estatístico efetuado. Com a exceção do projeto piloto de profissionalização de nove árbitros da categoria de Elite, levado a cabo pela FPF em 2013, a arbitragem não é, neste momento, a atividade principal dos árbitros portugueses, nem de longe a sua principal fonte de rendimento. Com muito esforço, estes enfrentam o dilema da conciliação de duas atividades: por um lado a atividade desportiva e os jogos, por outro a profissão primária que os sustenta, o que implica “encaixar” a arbitragem de futebol às exigências laborais prioritárias, remetendo esta então para segundo plano, como se de um hobby se tratasse, muito embora não se ponha de todo em causa a dedicação máxima por parte dos árbitros. Dedicar-se à arbitragem como a atividade (e o futebol!) o exige parece, nestas condições, ser uma missão impossível. E não se revela justo reivindicar dos árbitros, o dobro dos jogadores, pois um só é o espetáculo e cada interveniente contribui para que este possa ter lugar. A profissionalização dos árbitros no futebol português ainda está numa fase experimental e enquanto as épocas se sucedem, mais indispensável se torna refletirmos sobre o seu futuro e o futuro das competições. O cenário atual incita deveras a uma mudança de paradigma e o que se constata é o seguinte: “Os atletas profissionais treinam diariamente, acompanhados por uma equipa de profissionais especializados dedicados a ajudá-los, isto é, são profissionais altamente preparados e, ainda assim, erram muitas vezes, mas quando o fazem são facilmente desculpados. Este benefício não é dado aos árbitros, que atuam nas mesmas competições que estes atletas, em condições de trabalho e preparação muito inferiores, e quando erram criticamos imediatamente o seu trabalho.”73

adequada para todos os intervenientes do espetáculo desportivo 74, coloca uma séria ameaça à qualidade do futebol português e julgamos que a profissionalização é a via mais favorável para os árbitros se dedicarem de corpo e alma à especialização da atividade, tal e qual como os jogadores. Obviamente que a profissionalização diz respeito sobretudo aos árbitros que atuam nas competições profissionais (Iª, IIª Liga e Taça da Liga), mas relembramos que, conforme os clubes apostam fortemente nas suas escolas de formação para mais tarde ter os melhores jogadores, quanto mais cedo se melhorarem as condições de formação e progressão laboral do árbitro, mais possibilidades haverá de surgirem melhores árbitros no futuro. As competições inferiores não são, pois, de menosprezar e deveriam ser tidas em conta num eventual plano de reestruturação profissional da arbitragem. Nesta linha de pensamento, a preocupação do Grupo de Trabalho procedente à avaliação da atividade dos árbitros e entidades equiparadas e à sua eventual profissionalização, criado através do despacho nº 12691/2011, foi um passo promissor e de grande utilidade quanto aos aspetos jurídicos específicos da questão. Reunindo os mais ilustres especialistas de Direito do Trabalho da atualidade, entre os quais o Prof. Doutor João Leal Amado, o Prof. Doutor Júlio Gomes e o Mestre Lúcio Correia, assim como representantes da FPF e da LPFP, juntos, debruçaram-se sobre o desafio jurídico da qualificação do regime laboral a adotar para a profissionalização. A consideração e a seriedade com que o tema foi abordado surpreende pela positiva e é um excelente ponto de partida para a necessária revolução. O relatório começa com a seguinte advertência: “O tema da profissionalização dos árbitros e entidades equiparadas (designadamente juízes e cronometristas) deve ser profundamente analisado, tendo em atenção as consequências que podem advir para estes agentes desportivos e, de um modo geral, para o mundo do desporto.”75 Segundo o relatório, já em 2011 se observava a necessidade da redefinição conceptual do árbitro enquanto mero agente benévolo ou não

É surpreendente verificar que a lei já preveja, desde 2008, o Regime dos Contratos de Trabalho dos Profissionais de Espetáculos Públicos noutras Áreas (teatro, cinema, televisão). Cf. Lei nº4/2008. 75 Relatório A Profissionalização dos Árbitros e Entidades Equiparadas, p. 3. 74

Sob o código 3422.2: árbitro (juiz) de desportos. 73 Profissionalização dos Árbitros, p. 50. 72

41

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

76

www.ligaportugal.pt

42

www.ligaportugal.pt

77

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

profissional, em virtude da evolução da atividade desportiva, geradora de

contratação por um período de dois a quatro anos, correspondendo aos ciclos

avultados fluxos económicos, do seu impacto direto e indireto no mercado de

olímpicos e às fases finais dos campeonatos mundiais ou europeus, e

trabalho e dada a dimensão da sua mediatização e exposição. Permanecendo

defendemos que o mínimo seria obrigatoriamente uma época para garantir a

(passado oito anos) a ser o único agente não profissional no meio futebolístico,

estabilidade do campeonato, e isto em qualquer escalão. A este contrato de

face a uma estrutura cada vez mais profissional e complexa que contempla

trabalho específico seriam subsidiariamente aplicáveis as regras gerais do

vínculos laborais profissionais para os demais intervenientes76, propomo-nos

Código do Trabalho, desde que compatíveis.

referir agora as eventuais soluções legais apresentadas pelo Grupo de Trabalho.

Para a efetiva implementação deste regime, também se deverá prever um

Em primeiro lugar, o vínculo laboral a estabelecer seria idealmente entre

vínculo de formação profissional, mais ou menos duradouro, quanto aos árbitros

o árbitro e a sua federação ou, eventualmente, com a respetiva liga profissional,

formandos, “visando o estabelecimento do aludido vínculo laboral (e integração

atendendo às especificidades do exercício da função da arbitragem. Uma das

na Elite, que em qualquer caso não poderá ser um grupo fechado e inamovível),

conclusões a que chegaram os especialistas foi de que se pretende “um árbitro

uma vez reunidos todos os requisitos legais e desportivos para o efeito”82; e uma

profissional, trabalhador altamente qualificado mas juridicamente subordinado

equiparação ao regime das profissões de desgaste rápido.

em relação à entidade organizadora da competição desportiva (federação ou, porventura, num outro contexto legislativo, a correspondente liga profissional), como alguém que se dedique em exclusivo ou predominantemente à arbitragem desportiva, mediante retribuição”, estabelecendo-se um regime jurídico próprio77 onde se afirmasse o princípio da dedicação exclusiva, pelo menos, dos árbitros profissionais. Este regime deveria ainda prever o regime de acesso à profissão de árbitro, assim como o exercício da sua atividade, reconhecendo-se formalmente o seu papel “insubstituível”78 de “magistrado desportivo”79 no seio da competição desportiva. Nesta hipótese e no âmbito do ordenamento jurídico português, o vínculo laboral assentaria em contratos de trabalho, sendo a federação desportiva80 a entidade empregadora

dos árbitros. No entanto, as

federações usufruiriam de alguma margem de liberdade quanto à escolha da modalidade contratual que melhor se adeque às necessidades dos respetivos intervenientes e à realidade subjacente da modalidade e da competição, estas que estão sujeitas a mudanças ao longo do tempo. O contrato a estipular seria um contrato a termo resolutivo

certo81.

Concordamos com a opção de uma

As discussões no seio do Grupo de Trabalho abordaram ainda a possibilidade do modelo de prestação de serviços para a arbitragem profissional, posição defendida por alguns autores, fundamentando-se nomeadamente nas características de independência e imparcialidade da arbitragem que, à primeira vista, parecem ser incompatíveis com qualquer situação de subordinação jurídica. “Neste cenário, a federação apenas contrataria os árbitros para que estes lhe prestassem um serviço, com total autonomia: arbitrar as competições promovidas e organizadas pela federação, a troco de uma determinada remuneração.”83 Apesar desta hipótese ter sido maioritariamente descartada pelos membros do Grupo de Trabalho, inclusivamente pela CAJAP, refletir sobre esta alternativa não deixa de ser pertinente porque nos leva a encarar a arbitragem num contexto totalmente diferente, inexistindo um vínculo laboral entre os árbitros e a federação. Neste contexto, seriam os promotores do espetáculo a contratar os serviços dos árbitros, havendo uma seleção e escolha prévia, impondo às federações lidar com uma estrutura alheia e independente. Um exemplo interessante a considerar seria a criação de uma “escola” nacional de árbitros, devidamente acreditada, onde se conciliasse a aprendizagem da

Atletas, dirigentes, treinadores, sponsors, media, agentes de segurança. O relatório fala de “estatuto jurídico da arbitragem”, “estatuto jurídico-desportivo profissional(izante)” (p. 12) e de “contrato de formação arbitral” (p.17). 78 Relatório A Profissionalização dos Árbitros e Entidades Equiparadas, p. 12. 79 A Arbitragem e o Futebol Profissional, p. 17, citando Reis (2005). 80 Com fundamento no art. 3º da Lei nº 112/99. 81 Não se excluindo, contudo, um contrato sem termo, de duração indeterminada. Cf. Relatório, p. 18.

atividade arbitral com a formação académica e onde os árbitros ficassem

43

44

76 77

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

78

www.ligaportugal.pt

82 83

Relatório, p. 17. Relatório, p. 20.

www.ligaportugal.pt

79

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

habilitados a atuar em qualquer modalidade desportiva84. Deste modo, as

colmatando as atuais carências de recrutamento; a garantia de progressão e

federações ficariam mais aliviadas quanto à formação desta classe, focando-se

permanência na carreira, evitando desistências inerentes à falta de

na organização do evento em si, mantendo o poder disciplinar e o sistema de

compatibilidade

nomeações. Seria uma oportunidade única para serem formados árbitros de

representatividade de árbitros nacionais no panorama internacional; o equilíbrio

excelência, podendo estes ser nomeados para os jogos das mais variadas

entre agentes desportivos e, por consequência, o equilíbrio da competição.

de

horários

com

a

profissão

principal;

assegurar

a

modalidades, consoante o seu desempenho e classificação, gerando uma concorrência85 saudável no setor, além de se fomentar a rotatividade 86 dos árbitros, esta última que não existe atualmente. Neste caso, o árbitro atuaria

III. Contributo social e ético do árbitro

enquanto trabalhador independente ou, numa outra perspetiva, podendo até se

1. A estreita relação com a Integridade

prever contratos coletivos87.

Como visto previamente, uma grande parte dos deveres do árbitro

Já em 2010, Helena Pires, a atual Diretora Executiva de Competições da

cingem-se a deveres comportamentais, impositivos90 ou de abstenção91, mesmo

Liga, encarava positivamente a criação de uma escola de formação “a fim de

fora do âmbito do tempo regulamentar de jogo. Em outras palavras, podemos

equilibrar a formação em termos nacionais”, assim como uma escola nacional de

dizer que mesmo sem uniforme, o árbitro não se pode “esquecer” de que é

arbitragem para compilar e reunir “todas as pessoas e documentos referentes à

árbitro. À semelhança do jogador que, ao assinar contrato com o seu novo clube,

arbitragem”88. A profissionalização da arbitragem passa também, portanto, por

aceita as respetivas exigências (não fumar, não sair à noite na véspera de um

uma reformulação eficiente do seu modelo de gestão, dos seus árbitros

jogo), o árbitro assume igualmente um compromisso, mas com a integridade. A

(pessoas) e de toda a estrutura, que deve ser corretamente alinhada à política

partir do momento em que se torna habilitado para dirigir jogos, vincula-se a

de profissionalização.

valores

desportivos

basilares,

abdicando

de

certos

comportamentos

incompatíveis. No seu estudo sobre arbitragem e ética desportiva, Christian Blareau realça bem que: “A primeira tarefa dos oficiais e dos juízes é administrar

5. As vantagens da profissionalização

os regulamentos com imparcialidade, em conformidade com o juramento que

Como se conclui no Relatório do Grupo de Trabalho, a profissionalização

prestaram. Eles são os garantes da integridade e do respeito da ética desportiva.

traria inúmeros benefícios imediatos para a atividade, dos quais a clarificação do

Trata-se, antes de mais nada, de um princípio fundamental de justiça em toda a

enquadramento normativo do árbitro, oferecendo a estabilidade jurídica

sociedade civilizada”.92

adequada às suas funções e responsabilidades; a qualidade da preparação física e das prestações dos árbitros no jogo; a cativação de jovens motivados 89,

1.1. Código de conduta FPF Ao abrigo da orientação ética e moral que deve ser adotada e é exigida

Como, por exemplo, os professores de educação física que ensinam aos seus alunos as mais diversas modalidades, e não exclusivamente uma. 85 A concorrência entre os próprios árbitros, mas também entre todas as entidades formadoras, se considerarmos como possível haver árbitros independentes, não vinculados à federação. 86 Quer a nível da constituição das equipas, quer para os adeptos que vão ver o jogo. 87 “Se e quando surgirem associações sindicais de árbitros, então a via da contratação coletiva será, sem dúvida, a mais adequada”, Relatório, p. 27. 88 A Arbitragem e o Futebol Profissional, p. 110. 89 “Movidos pelo legítimo desejo de, um dia, virem a ser árbitros profissionais de elevado estatuto”, Relatório, p. 6.

Exemplo: não emitir declarações ou opiniões públicas, em qualquer local e sem autorização prévia, sobre matérias relativas ao sistema específico da arbitragem e a qualquer jogo. 91 Exemplo: abster-se da prática de atos na sua vida pública ou que nela se possam repercutir que se revelem incompatíveis com a dignidade e probidade no exercício das suas funções. 92 A Educação pelo Desporto – Perspetivas Europeias, p. 74.

45

46

84

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

80

www.ligaportugal.pt

aos ajuizadores do jogo, uma vez que são eles os zeladores pela equidade 90

www.ligaportugal.pt

81

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol 2. Mecanismos dinâmicos de Integridade

desportiva através da aplicação das regras, o Conselho de Arbitragem da FPF consagrou, em outubro de 2018, o seu primeiro Código de Conduta, num documento próprio. Aplicável a toda a estrutura da arbitragem, desde o Conselho de Arbitragem, a Direção de Arbitragem, os Árbitros, os Árbitros Assistentes, os Cronometristas, aos Observadores, tanto no Futebol, Futebol de Praia como no Futsal, esta digna formalização veio comprovar a especificidade do papel do árbitro na sociedade e vincular todos os seus agentes ao Código de Ética da FIFA, já existente e, a nível nacional, ao Plano Nacional de Ética Desportiva (PNED).

Para responder à prévia questão, sugerem-se aqui algumas ideias para a execução concreta do princípio da integridade desportiva na sociedade, através da figura do árbitro, que além de juiz também tem uma função pedagógica, em particular no seu contacto semanal com jovens atletas e crianças. Estes mecanismos dinâmicos de integridade poderão na prática contribuir para contrabalançar a imagem negativa do árbitro que diariamente nos é difundida pelos meios de comunicação e ajudar a mudar mentalidades para um futebol harmonizador, saudável onde cada interveniente é respeitado e compreendido

Com vista a um “espetáculo cada vez mais justo e apaixonante”93, o

pela função única que desempenha no jogo.

Código de Conduta afirma claramente que existe uma responsabilidade acrescida por parte de todos os agentes que compõem a estrutura da arbitragem, 2.1. O Cartão Azul

sob pena de responsabilidade disciplinar em caso de violação (6º) e que este dever de conduta não se limita ao mero resultado desportivo ou apenas às

Encarregado de fazer respeitar os regulamentos e as Leis do jogo para

tarefas que desempenham no jogo. Numa tentativa de uniformizar o respetivo

manter o equilíbrio da disputa, o árbitro é visto, frequentemente, como

comportamento, caracterizando-o por “uma elevada ética e conduta moral”94,

sancionador, na medida em que raros são os jogos em que não exibe um cartão

definem-se também os seguintes princípios gerais de conduta do árbitro, no

amarelo ou vermelho, cujos efeitos disciplinares são efetivamente castigadores

artigo 3º do Anexo: a) a prossecução do interesse do desenvolvimento da

para o jogador em causa, podendo até prejudicar indiretamente toda a sua

arbitragem do futebol, futebol de praia e do futsal; b) a transparência; c) a

equipa.

imparcialidade; d) a probidade; e) a integridade e honestidade; f) a urbanidade; g) o respeito interinstitucional; h) a garantia de confidencialidade quanto aos assuntos reservados dos quais tomem conhecimento no exercício das suas funções.

Porém, a Federação Francesa de Futebol (FFF) foi pioneira na utilização de um “Cartão Azul” (Carton Bleu) na época 1995/1996, nos campeonatos nacionais sub-15 e sub-17. Este cartão foi especificamente criado e desenvolvido para as ações exemplares do jogo e veio dar aos árbitros franceses

A integridade e a honestidade são definidas como “o conjunto de

a possibilidade de desempenharem o seu papel educativo de forma direta no

qualidades pessoais que se expressam numa conduta honesta, justa, idónea e

jogo. Inspirando-se na Associação Francesa para um Desporto sem Violência e

coerente”95, mas como transpor um princípio abstrato em comportamento?

para o Fairplay (AFSVFP), a subsequente generalização do Cartão Azul alargouse com sucesso ao futebol de alto nível, na Taça de França (Coupe de France), a partir da 7ª eliminatória. A cada jogo é mostrado este cartão como forma de recompensa coletiva, o que permite a obtenção de pontos e uma classificação própria para cada equipa no que toca ao fairplay96 demonstrado. Consoante a classificação final, a

Mensagem do Presidente José Fontelas Gomes, Código de Conduta FPF, p. 3. Preâmbulo, Código de Conduta FPF, p. 4. 95 Art. 3º nº1 e). 93 94

96

«Le beau jeu et le beau geste», A Educação pelo Desporto -Perspetivas Europeias, p. 71.

47

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

82

www.ligaportugal.pt

48

www.ligaportugal.pt

83

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

equipa que acumular mais pontos beneficia de um prémio monetário97, sob forma

qualquer motivo dentro das Leis do Jogo, no caso de ser mostrado a um atleta,

de doação, permitindo, por exemplo, obter material desportivo e equipamento

treinador ou dirigente, e no final do jogo quando dirigido ao público.

novo. Paralelamente, existe uma recompensa desportiva, havendo lugar a uma repescagem para as fases finais da competição no escalão sub-17, assim como o privilégio da escolha do campo de jogo, na Taça de França, para o clube que tiver obtido o máximo de pontos. Os critérios do Cartão Azul são baseados em três comportamentos distintos, avaliados na sua globalidade: o comportamento dos jogadores em campo, o comportamento dos dirigentes do clube e, por fim, o comportamento do respetivo banco dos suplentes de cada clube. Parece ser uma excelente medida para motivar as equipas, no seu conjunto, a desenvolver e praticar os valores desportivos98 que enobrecem a modalidade!

Os respetivos prémios são atribuídos a cada época, no final do campeonato, sendo que a equipa que tiver recebido mais cartões 99 recebe o Prémio Fairplay, existindo normas específicas em caso de empate100. O árbitro aplica este cartão recompensador de boas condutas atendendo aos seguintes comportamentos merecedores (ou outros similares): Atleta Treinador Pede desculpa ao adversário Respeita, em todos os de forma sincera e mostrando momentos, e de igual arrependimento, após ter tido modo, os seus atletas e uma conduta imprópria adversários

Dirigente Respeita, em todos os momentos, e de igual modo, os seus atletas e adversários

Reconhece de forma pública e Incentiva os seus atletas Incentiva os seus atletas digna uma infração que a ajudar os adversários a ajudar os adversários acabou de cometer, ajudando sempre que aqueles sempre que necessitam o árbitro no controlo do jogo necessitam

2.2. O Cartão Branco Fairplay Em Portugal, atento às preocupações éticas no desporto, o Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED), também procedeu à consagração de um cartão próprio, promovendo o Cartão Branco Fairplay enquanto recurso pedagógico enaltecedor de condutas eticamente corretas. Em parceria com o IPDJ, a CAJAP e a Coca-Cola, sendo promovido nomeadamente pela FPF e a APAF, visa-se com este cartão promover o sucesso e o desenvolvimento do desporto, através da prática do fairplay, favorecendo o espírito desportivo entre os intervenientes. Criado exclusivamente no intuito de ser aplicado pelo árbitro em qualquer modalidade desportiva, tanto coletiva como individual, o Cartão Branco Fairplay pode ser exibido não só a jogadores, mas também a treinadores, dirigentes e até aos espectadores ou a outros intervenientes que o árbitro julgue merecedores da sua exibição. Deve ser exibido logo após o jogo ter sido interrompido, por

O valor do primeiro prémio era de 50.000 Francos e de 30.000 para o segundo lugar, na época 1995/1996. Fonte: https://www.liberation.fr/sports/1995/12/01/foot-operation-carton-bleu-pourencourager-le-fair-play_153201. 98 Para a FFF são estes o prazer (de jogar), o respeito, o compromisso, a tolerância e a solidariedade.

Repõe a verdade de forma pública e voluntária caso o árbitro se tenha enganado, ajudando este na clarificação de situações dúbias

Respeita os seus colegas de profissão, os dirigentes, espectadores e outros agentes

Respeita os seus colegas de profissão, os dirigentes, espectadores e outros agentes

Ajuda o adversário numa Promove o equilíbrio de Mantem a humildade e situação em que este jogo caso verifique que simplicidade na vitória necessita urgentemente de existe um número ajuda inferior na equipa adversária por razões de força maior Respeita as decisões mais Mantem a humildade e dúbias dos árbitros e/ou juízes simplicidade na vitória Anima e incentiva os colegas de equipa quando falham em momentos decisivos do jogo Trata de forma respeitadora e afável os vários agentes, mesmo quando provocado, zelando pelo bem-estar de todos

97

99

Os árbitros devem registar ao longo da época o número de amostragens do Cartão Branco. Cf. Normas do Cartão Branco/Fairplay, 11º b), c).

100

49

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

84

www.ligaportugal.pt

50

www.ligaportugal.pt

85

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Reconhece o valor do adversário e felicita-o na sequência de uma jogada de relevo, elevando o espírito do jogo Mantém a humildade e a simplicidade na vitória Verifica que existe um problema com o material desportivo do adversário e disponibiliza o seu (ou do seu clube) Toma a iniciativa de se defrontar em igualdade mesmo quando os regulamentos e código de conduta o beneficiam Demonstra um conjunto de valores importantes para a vida, dentro e fora de campo Promove um clima saudável com os adversários, antes e após o jogo Integra e dá bom exemplo (conduta) aos mais novos Espetadores Manifestam um são relacionamento pessoal e desportivo entre si e com os demais agentes desportivos

seria importante que todas as Associações de Futebol se juntassem à iniciativa e começassem ativamente a introduzir nas suas estruturas regionais uma componente ética reforçada através de ações de sensibilização obrigatórias, dirigidas aos seus filiados, de modo a espalhar os bons valores desportivos, necessários para combater a atual violência e os delitos antidesportivos 102 ligados à modalidade. Só assim se poderá estabelecer uma estrutura ética verdadeiramente sólida e mudar mentalidades, fazendo com que a integridade faça parte do jogo (profissional e não profissional) e que não seja encarada desprezivelmente como uma exceção à regra.

2.3. O campeonato Foot Citoyen Outra iniciativa interessante, criada em 2003, por jornalistas desportivos e patrocinada por treinadores103 e jogadores profissionais de renome, é o campeonato Foot Citoyen (Fute-Cidadão), campeonato que ocorre em paralelo ao campeonato oficial, em França. Com o intuito de reduzir os fenómenos de violência, neste caso, desenvolvem-se ações de prevenção junto dos educadores, dos árbitros, dos dirigentes e dos jogadores, que orientados por uma equipa de psicólogos, são

Apoia de forma positiva e com fairplay ambas as equipas

devidamente acompanhados no campo, nas suas mais diversas dificuldades.

Figura 5 Os Comportamentos Merecedores do Cartão Branco

Apesar das inúmeras campanhas de teor ético e dos esforços efetuados no âmbito de alargar ao máximo a aplicação do Cartão Branco a nível nacional, infelizmente, até à data de hoje, das 22 Associações Distritais de Futebol, apenas doze101 aderiram e assinaram o Memorando de Adesão que o PNED criou para o efeito, o que significa que nem todos os árbitros do país podem atribuir cartões brancos durante os seus jogos, mesmo querendo, uma vez que a respetiva Associação não o prevê no seu Regulamento. No entanto, a FPF e a APAF já manifestaram inúmeras vezes o seu apoio à causa e pensamos que

São elas a Associação de Futebol da Guarda, a Associação de Futebol de Aveiro, a Associação de Futebol de Beja, a Associação de Futebol de Braga, a Associação de Futebol de Évora, a Associação de Futebol de Leiria, a Associação de Futebol de Lisboa, a Associação de Futebol de Portalegre, a Associação de Futebol de Santarém, a Associação de Futebol de Setúbal, a Associação de Futebol de Viana do Castelo, a Associação de Futebol de Viseu.

“Baseado numa grelha de avaliação preenchida pelos árbitros no final de cada encontro, dá destaque a valores tais como o fair play, o convívio e o desportivismo”104. Cada fim-de-semana é feita uma classificação. Os árbitros avaliam de - 3 a +3 os visitantes e os visitados, em relação a seis temas e quinze comportamentos, desde o plantel, o treinador, o capitão da equipa, os jogadores do banco dos suplentes, os adeptos, ao acolhimento e à segurança do estádio. A cada mês, os pontos obtidos são recolocados a zero (apesar de serem reveladas oficialmente as médias gerais de cada equipa no final da época), o que obriga a um esforço redobrado para os clubes se manterem no topo da

101

Nomeadamente a nível das apostas desportivas efetuadas por agentes desportivos que tomem parte ativa no jogo, interferindo e viciando o seu resultado. 103 Arsène Wenger, ex-treinador do Arsenal. 104 A Educação pelo Desporto – Perspetivas Europeias, p. 72. 102

51

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

86

www.ligaportugal.pt

52

www.ligaportugal.pt

87

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

tabela e afasta um eventual desleixo ou desmotivação com o passar das

um horário de trabalho legalmente definido, possibilitando assim uma dedicação

jornadas.

total por parte dos árbitros à função.

Este campeonato didático ainda mediatiza as operações no terreno de

Face ao cenário desproporcional do momento, a profissionalização dos

jogo, através de uma televisão, mantendo uma finalidade educativa e uma

árbitros revela-se como um meio necessário e implica uma restruturação e

postura de diálogo entre os intervenientes, focando-se na sensibilização da

mudança conceitual da atividade. Propõe-se, portanto, igualmente um

cidadania e na integração pela prática futebolística 105.

alargamento da formação inicial, que poderá ser frequentada a partir dos 12 anos, como o prevê a Federação Holandesa de Futebol, e que certos módulos da formação sejam dados nas próprias instalações dos clubes, para assim fortalecer a união desportiva entre os árbitros e os outros intervenientes desportivos, o que permitiria igualmente a realização de jogos-treinos nas

IV. Conclusão Com esta breve exposição académica pretendeu-se essencialmente abordar alguns aspetos relevantes do panorama geral da arbitragem portuguesa

condições mais semelhantes às situações reais de jogo, evitando que o árbitro atue em campo apenas nos jogos oficiais do fim-de-semana.

com o propósito firme de levar a uma profunda reflexão da sua atualidade, à luz

Em relação ao contributo social e pedagógico dos elementos de

do corrente fenómeno de profissionalização do futebol português. Perante uma

arbitragem, recomendamos que todas as Associações de Futebol adiram ao

indústria futebolística cada vez mais complexa, organizada e especializada, que

Cartão Branco Fairplay, para promover e garantir de forma eficiente e interativa

contribui anualmente de forma tão significativa para o PIB nacional, e cuja

a ética e a integridade desportiva, em parceria com o Plano Nacional de Ética no

exposição mediática é internacional, tencionámos expor algumas fragilidades do

Desporto, nos mais variados escalões da modalidade, de Norte a Sul do país (e

setor da arbitragem, verificando a existência real de um desequilíbrio entre os

Ilhas).

intervenientes do jogo. Na impossibilidade de analisar tudo o que seria desejável para um estudo aprofundado sobre a matéria, os pontos essenciais a reter deste estudo resumem-se a uma necessidade urgente das melhorias das condições laborais do árbitro de futebol, fundamentando-se na sua função de alta responsabilidade imprescindível e nos deveres desportivos que lhe incumbem, sem, no entanto, poder gozar do benefício das condições de proteção jurídica

Para terminar, destacamos ainda que o patrocínio dos árbitros profissionais e a introdução inovadora de uma câmara de filmar no próprio árbitro (Refcam), durante os jogos, são temas estratégicos oportunos que deveriam ser desenvolvidos num futuro próximo, em prol da dignificação da figura do árbitro e da modernização do espetáculo que todos amam.

equivalentes. Para tal, e atendendo aos diversos entendimentos abordados, defendemos que se poderá alcançar um maior equilíbrio das competições criando um regime jurídico próprio do árbitro, à semelhança do praticante desportivo e dos profissionais de espetáculos, de base contratual, a termo e de remuneração fixa, considerando a atividade como uma atividade principal, com

Como refere um dos responsáveis pela iniciativa: “É mais fácil educar e transmitir valores através da paixão desportiva. Os cidadãos estão mais aptos a interiorizar as regras e a ouvir, pois este contexto é favorável”. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UN6BfsEgacg 105

53

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

88

www.ligaportugal.pt

54

www.ligaportugal.pt

89

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Bibliografia

GOMES, Duarte, Kick Off, Prime Books, 2017

Livros e Artigos

GOMES, Eduardo José de Góis, A Formação de Árbitros de Futebol – Estudo

BAPTISTA, Albino Mendes, Notas sobre a Mobilidade Geográfica dos Trabalhadores, Separata da Obra “VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho”, Coimbra: Almedina, 2004 BARBOSA, Nuno, O Estatuto Jurídico do Árbitro no Direito Português, Direito do Desporto

Profissional:

Contributos

de

um

Curso

de

Pós-Graduação,

coordenação por João Leal Amado e Ricardo Costa, Coimbra: Almedina, 2011 BROCHADO, Ana, Perfil do Árbitro de Futebol – Uma contribuição para o observatório de arbitragem, dissertação de tese de mestrado em Gestão do Desporto, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa,

Comparativo dos Modelos Vigentes em Portugal e em Inglaterra, monografia de licenciatura em Desporto e Educação Física, Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, 2008 LÍRIO, Rita / E SILVA, Eduarda Cabral / DA CUNHA, André Fernandes, A Educação pelo Desporto – Perspetivas Europeias, Instituto do Desporto de Portugal, 2005 MESTRE, Alexandre Miguel / CORREIA, Lúcio Miguel / CARVALHOSA, Sofia Barros, Estudos de Direito Desportivo em Homenagem a Albino Mendes Baptista, Lisboa: Universidade Lusíada, 2010 PIRES, Helena, A Arbitragem e o Futebol Profissional, Lisboa: Fonte da Palavra,

2012 CAVACO, Joana Filipa Martins, O Agente de Arbitragem Visto pelo Direito Penal,

2010 SANTOS, Vitor, Educar o Sonho – Ética e envolvimento parental na prática

Universidade Nova de Lisboa, 2017 CORREIA, Lúcio, Limitações à Liberdade Contratual do Praticante Desportivo,

desportiva, Lisboa: Chiado Editora, 2017

Lisboa: Petrony, 2008 CORREIA, Lúcio / PRADILLO, Rosalía Ortega, Iº Congresso Internacional sobre o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, Porto: Vida Económica, 2018 COUTO, Ana Cristina Pinto, Profissionalização dos Árbitros Desportivos, dissertação de tese de mestrado em Estudos de Direito, área de especialização em Ciências Jurídico-Forenses, orientada por João Leal Amado, Faculdade de

Legislação Decreto-Lei nº 442-A/88, 30 de novembro – Código de IRS Decreto-Lei nº 238-B/2008, 31 de Dezembro – Regime jurídico das federações desportivas e condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva Decreto-Lei nº 272/2009, 1 de outubro – Sistema integrado de apoios para o

Direito, Universidade de Coimbra, 2018

desenvolvimento do desporto de alto rendimento

FARIA, António Cabral / SOBRAL, Francisco / CONSTANTINO, José Manuel,

Decreto-Lei nº 10/2009, 12 de janeiro – Regime jurídico do seguro desportivo

Desporto Português – Do estado do problema ao problema do Estado, Lisboa:

obrigatório

Livros Horizonte, 2006

Lei nº 112/99, 3 de Agosto – Regime disciplinar das federações desportivas

GAMA, Alcides / REAL, Alda Côrte / MARIVOET, Salomé, Manual do Árbitro,

Lei nº 20/2004, 5 de Junho – Estatuto do Dirigente Associativo Voluntário

Lisboa: Centro de Estudos e Formação Desportiva, Secretaria de Estado do Desporto, 2005

Lei nº 5/2007, 16 de Janeiro – Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto

56

55

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

90

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

91

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol

Lei nº4/2008, 7 de Fevereiro – Regime dos Contratos de Trabalho dos

na Assembleia Geral Extraordinária de 29 de maio de 2017, 13 de junho de 2018

Profissionais de Espetáculos

e ratificado na Assembleia Geral da FPF de 30 de junho de 2018

Lei nº 50/2007, 31 de Agosto – Regime de responsabilidade penal por

Regulamento de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, Comunicado

comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da

Oficial nº 39 de 28 de julho de 2015

competição e do seu resultado na atividade desportiva

Regulamento de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, Comunicado

Lei nº 54/2017, 14 de Julho – Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação

Oficial nº 272 de 24 de janeiro de 2019 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de

Projeto de Lei nº 378/VIII, 21 de fevereiro de 2001 Real Decreto 1006/1985, 26 de junho - Regime Laboral Especial dos Desportistas Profissionais Real Decreto 1435/1985 de 1 de agosto – Regime Laboral Especial dos Artistas

dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 30

de Espetáculos Públicos

de junho de 2018

Real Decreto Legislativo 2/2015, 23 de outubro - Estatuto dos Trabalhadores

Regulamento de Prevenção de Violência da Federação Portuguesa de Futebol, Comunicado Oficial nº 215 de 23 de fevereiro de 2016

Relatório de Avaliação da Atividade dos Árbitros e Entidades Equiparadas e Eventual Profissionalização, Presidência do Concelho de Ministros, Gabinete do Secretário de Estado do Desporto e Juventude, Grupo de Trabalho criado pelo

Jurisprudência

despacho nº 12691/2011, 16 de setembro

AS 1999/56, 4 de fevereiro – Caso Hernán Angulo

Regulamentos

Notícias

Código de Conduta da Federação Portuguesa de Futebol, Comunicado Oficial

https://zap.aeiou.pt/bibiana-apitou-entrou-historia-do-futebol-173311

nº 143 de 9 de outubro de 2019

https://www.dn.pt/desportos/interior/liga-francesa-tera-pela-primeira-vez-uma-

Leis do Jogo 2018/2019, versão portuguesa (tradução FPF), Zurique: IFAB,1 de

mulher-a-arbitrar-um-jogo-10825336.html

junho de 2018

https://www.lequipe.fr/Football/Actualites/Designee-pour-amiens-strasbourg-

Normas do Cartão Branco/Fairplay, Plano Nacional de Ética no Desporto

stephanie-frappart-sera-la-premiere-femme-a-officier-en-ligue-1-en-tant-qu-

Regulamento de Arbitragem das Competições Organizadas pela Liga Portugal, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 08 de junho de 2016, alterado

arbitre-centrale/1012072 https://www.fifa.com/news/blatter-professional-referees-are-the-way-forward96444 58

57

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

92

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

93

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

3. A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ÁRBITROS

A Profissionalização dos Árbitros como Garantia de Integridade no Futebol https://www.liberation.fr/sports/1995/12/01/foot-operation-carton-bleu-pourencourager-le-fair-play_153201

Sites http://www.afporto.pt/AFP/ www.apaf.pt https://footcitoyen.org/ www.fpf.pt https://www.ine.pt/ https://www.knvb.nl/ http://www.pned.pt/

59

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

94

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

95

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


FUTEBOL FEMININO André da Costa Gomes


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

ÍNDICE

INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................97 2

No âmbito do 3º curso de Pós-Graduação em Organização e Gestão do Futebol

1.

INÍCIO DA HISTÓRIA DO FUTEBOL FEMININO.........................................98 3

Profissional, da Universidade Católica Portuguesa em parceria com a Liga Portugal, foi

2.

proposta a realização de um trabalho de tema livre como sendo um dos instrumentos de

3.

INÍCIO DA PRINCIPAL COMPETIÇÃO FEMININA EM PORTUGAL .....98 3 EVOLUÇÃO DO FUTEBOL FEMININO NO MUNDO ...................................99 4

4.

EVOLUÇÃO DO FUTEBOL FEMININO EM PORTUGAL ............................100 5

evolução que o mesmo tem tido, considerei pertinente abordar, neste trabalho, o futebol

5. PROGRAMAS DA FIFA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO .................................................................................................103 8

avaliação do mesmo. Assim, devido ao destaque que tem sido dado ao desporto e à feminino. É certo que a prática desportiva feminina não é novidade deste século nem do

5.1

Estratégia do futebol feminino ...........................................................................103 8

passado, no entanto, somente a partir das primeiras décadas do século XX é que as

5.2

107 Convenção do futebol feminino ....................................................................... 12 108 Programa de Mentoria de Treinadoras da FIFA .............................................. 13

mulheres conquistaram maior espaço neste território tido como, essencialmente,

6. PROGRAMAS DA UEFA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO 108 FUTEBOL FEMININO ............................................................................................... 13

Olímpicos Modernos que, apesar de não ter se consolidado de forma tranquila, muito

6.1

109 Programa HatTrick .......................................................................................... 14

6.2

109 Programa de Desenvolvimento do Futebol Feminino da UEFA (WFDP) ...... 14 Programa de Liderança Feminina no Futebol .................................................. 110 15

o futebol feminino está a crescer em Portugal e no mundo: há mais clubes a competir,

5.3

6.3

7. PROGRAMAS DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO EM PORTUGAL ................................................................................................................. 111 16 8.

ESTATÍSTICAS FUTEBOL FEMININO .......................................................... 112 17

9.

ECONOMIA DO FUTEBOL FEMININO ......................................................... 117 22 9.1

Assistências nos estádios ................................................................................. 117 22

9.2

Audiências televisivas ...................................................................................... 118 23

9.3

Patrocinadores .................................................................................................. 119 24

9.4

Prémios ............................................................................................................ 122 27

9.5

Transferências .................................................................................................. 122 27

9.6

Dívidas ............................................................................................................. 123 28

10. LUTA PELA IGUALDADE DE GÉNERO ........................................................ 124 29

masculino. Uma das razões para tal conquista foi a participação feminina nos Jogos menos fácil, possibilitou certa visibilidade da imagem da mulher atleta. A realidade é que mais praticantes federadas e uma maior atenção mediática. Assim, o presente trabalho tem como objetivos retratar a realidade do futebol feminino não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo, as conquistas que as mulheres têm de alcançar para serem reconhecidas pelo seu futebol e como é que o futebol feminino está a ser desenvolvido. No que diz respeito à estrutura, o presente trabalho começa com uma breve abordagem à história do futebol feminino, assim como do início da primeira competição feminina em Portugal, seguindo-se de uma análise da evolução do desporto em Portugal e no mundo. De seguida, é feito referência aos programas, tanto da FIFA como da UEFA, de apoio ao desenvolvimento do futebol feminino, às estatísticas do futebol feminino e à sua economia, finalizando com uma reflexão sobre a igualdade de géneros neste desporto. Por fim, irei fazer uma pequena reflexão individual sobre o tema.

11. REFLEXÃO PESSOAL SOBRE O FUTEBOL FEMININO ........................... 128 33 CONCLUSÃO............................................................................................................... 129 34 WEBGRAFIA ............................................................................................................... 130 35

1

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

98

www.ligaportugal.pt

2

www.ligaportugal.pt

99

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

1. INÍCIO DA HISTÓRIA DO FUTEBOL FEMININO

Futebol Os Belenenses aceitaram o convite (o Boavista Futebol Clube já participava no Campeonato Nacional de Futebol Feminino) e assim foi criado um novo formato,

A FIFA contém as primeiras referências do primeiro jogo realizado por mulheres, data 1881, em Edimburgo. Contudo, a marca zero do futebol feminino foi o jogo realizado

constituído por 14 equipas, disputado num campeonato por pontos corridos. Por último, a partir da época 2017/2018 passa a ser disputado por apenas 12 equipas.

entre a seleção do Norte contra a seleção do sul de Inglaterra, em 23 de março de 1895.

Relativamente a competições de seleções de futebol feminino, Portugal tem um

Na maior parte dos outros países, o primeiro jogo entre mulheres realiza-se depois

grande destaque a nível mundial ao organizar o torneio Algarve Cup. Torneio este que é

de 1900, como é o caso da França e da Rússia, respetivamente em 1910 e 1911. Em países

realizado todos os anos pela FPF e pela Associação de Futebol do Algarve, desde 1994.

como Itália e Alemanha os primeiros jogos de futebol feminino só se realizaram depois

Este torneio realiza se com 12 seleções, que normalmente participam no Mundial, a

da Primeira Guerra Mundial. Em Portugal, o primeiro registo de um jogo feminino

convite da FPF. Este “Mundialito” é uma pré-preparação para o grande Mundial seguinte.

realizou-se entre equipas do C.D. Feirense e de paços Brandão, em março de 1935.

O Algarve Cup já viu jogarem todas as seleções que ganharam os mundiais de futebol

Em 1991, na China, realizou-se o primeiro Campeonato do Mundo de Futebol Feminino. A maior prova do mundo de futebol feminina contou com 12 equipas e

feminino. Por curiosidade, diversas vezes, a seleção que ganhava o Algarve Cup vencia também o Mundial que decorria após o torneio português.

consagrou a seleção norte-americana como a primeira campeã mundial de futebol feminino.

3. EVOLUÇÃO DO FUTEBOL FEMININO NO MUNDO Em todo o mundo, as mulheres jogam futebol com muita paixão. Nos estádios ou

2. INÍCIO DA PRINCIPAL COMPETIÇÃO FEMININA EM PORTUGAL

nos campos das aldeias, com equipamento de classe mundial ou em segunda mão, com

Foi criado, em 1985, pela FPF, a primeira competição oficial de futebol feminino denominada de Taça Nacional de Futebol Feminino. Foi a competição disputada por eliminatórias que determinou o campeão nacional até à época de 1992/93. Houve uma atualização a partir de 1993/94, a competição foi substituída pelo Campeonato Nacional de Futebol Feminino, uma competição com dez equipas jogado a duas voltas a pontos corridos. Neste formato, as quatro melhores equipas classificadas na fase inicial jogavam num grupo de apuramento de campeão e as equipas classificadas do

uma habilidade de um jogador profissional ou um entusiasmo de principiante - o futebol é o jogo global para mulheres e raparigas, que ultrapassa todos os limites em termos de sociedade, raça, religião, etnia e circunstâncias socioeconômicas. No nível de base, temos visto mais investimentos em projetos dedicados ao futebol feminino. Vários programas permitem que as associações distribuam níveis recorde de investimento para projetos de futebol feminino, com novas ligas e competições que são possíveis graças ao aumento do financiamento.

5º ao 10º lugar jogavam num grupo de manutenção. Os pontos obtidos na fase inicial

No entanto, a paixão pelo futebol feminino e o seu constante crescimento também

eram divididos em metade para a segunda fase. O clube vencedor do grupo de apuramento

demonstram as vastas oportunidades inexploradas apresentadas à comunidade do futebol

de campeão era sagrado campeão e qualificava-se para um lugar na Liga dos Campeões

como um todo - aumentar o jogo, envolver mais as mulheres nele no início, manter mais

de Futebol Feminino da UEFA. Os dois últimos lugares do grupo de manutenção seriam

mulheres no jogo durante mais tempo, e promover ainda mais o fortalecimento das

desprovidos ao Campeonato Promoção Feminino.

mulheres e os benefícios sociais do futebol.

A partir da época de 2016/2017, as equipas do principal escalão de futebol

O estado atual do futebol feminino é que o jogo está ainda subdesenvolvido e

masculino foram convidadas a formar uma equipa de futebol feminino. O Sporting Clube

precisa de mudanças fundamentais. Um marco importante foi a introdução da FIFA

de Portugal, o Sporting Clube de Braga, o Grupo Desportivo Estoril Praia e o Clube de

Women’s World Cup em 1991 e consequentemente a FIFA U-20 Women’s World Cup

3

4

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

100

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

101

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

em 2002 e a FIFA U-17 Women’s World Cup em 2008. O nível de jogo melhorou

Atualmente a Liga feminina já conseguiu atrair para Portugal jogadoras

drasticamente. aumentou exponencialmente, e o jogo cresceu em popularidade. Basta

internacionais brasileiras, norte americanas e suecas, cujos países são exemplos para o

olhar para o enorme sucesso da FIFA Women’s World Cup Canadá em 2015, para indicar

futebol feminino. A nível mundial, a Liga Feminina portuguesa ainda é das poucas que

o quanto o desporto é popular e poderoso em todo o mundo, já que o evento gerou quase

conjuga a ausência de limite máximo de estrangeiras com obrigação de ter, na ficha de

meio bilhão de dólares de atividade econômica no país anfitrião. A final dos USA contra

jogo, um mínimo de jogadoras formadas localmente (8). Surge, portanto, uma

o Japão foi o jogo de futebol mais visto na história dos EUA. Sete jogos durante o torneio

controvérsia no futebol feminino. Por um lado, há uma maior visibilidade e

tiveram mais de 50.000 espectadores presentes e um total de nove bilhões de posts foram

competitividade da liga, por outro lado, para as jogadoras portuguesas há uma menor

registados no Twitter.

aposta nas mesmas.

No entanto, o sucesso competitivo e comercial está em contraste com os desafios

A estratégia de contratar jogadoras estrangeiras tem surtido resultados visíveis, ou

subjacentes que enfrentam o jogo e seus líderes quando se trata de base e desenvolvimento

seja, as primeiras classificadas da Liga Feminina tem o maior número de estrangeiras no

- que representam o futuro do jogo longe dos holofotes. Anos de negligência institucional

plantel, com exceção do Boavista, que desceu de divisão, apesar da aposta em jogadoras

e falta de investimento impediram que as mulheres praticassem o desporto e assumissem

estrangeiras. Outro caso, é do SL Benfica que subiu ao principal escalão também com

papéis em funções técnicas, administrativas e de liderança.

grande aposta em jogadoras estrangeiras (no caso, 11). Comparando Portugal com o

A falta de mulheres em cargos de responsabilidade na comunidade do futebol significa que houve vozes limitadas para defender a mudança. Estes últimos anos deu-se os primeiros passos para corrigir esse problema, aprovando algumas decisões marcantes para o futebol feminino e a representação das mulheres no futebol. Embora essas mudanças tenham sido significativas, os desafios que há pela frente ainda são grandes e

futebol de topo no resto do mundo, relativamente ao número de jogadoras estrangeiras, as diferenças são notórias. Se por um lado, nas principais ligas estrangeiras, o número médio de jogadoras estrangeiras é de 22%, na Liga Portuguesa, apenas o SC Braga e o SL Benfica (na divisão inferior) se aproximam do número, com dez e onze jogadoras estrangeiras, respetivamente.

é necessário continuar a aproveitar as circunstâncias criadas.

4. EVOLUÇÃO DO FUTEBOL FEMININO EM PORTUGAL Ainda longe da realidade do futebol masculino em Portugal, a verdade é que tem vindo aos poucos a realizar sucessivos progressos alcançando novas conquistas e a impor a sua presença. Para este crescimento ajudou a entrada do SC Braga e Sporting CP, e mais recentemente do SL Benfica. Para além do profissionalismo, estas equipas vieram trazer visibilidade e competitividade à liga feminina. Criaram equipas de raiz, desde a equipa A

Tabela 1 – Nº. de jogadoras estrangeiras e média de idade nas equipas da Liga feminina.

até aos escalões de formação e ofereceram a estas jogadoras as mesmas condições que as equipas masculinas têm, o que proporcionou o regresso de várias jogadoras internacionais portuguesas que jogavam no estrangeiro. Ana Borges, Carole Costa ou Laura Luís são alguns dos muitos exemplos. 5

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

102

www.ligaportugal.pt

6

www.ligaportugal.pt

103

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

Comparativamente às principais ligas da europa, a média de idades das jogadoras é mais elevada na europa, com cerca de 25 anos, enquanto que em Portugal se encontra nos 22 anos. Estes dados devem-se a uma elevada taxa de desistência de atletas, fruto da falta de profissionalização das competições e dos clubes. Este facto obriga a uma maior

5. PROGRAMAS DA FIFA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO 5.1 Estratégia do futebol feminino

aposta dos clubes na formação e contratação de jovens jogadoras, na sua maioria estudantes, pois estas encontram-se mais disponíveis para conciliar o futebol e os estudos, criando um fosso competitivo entre as melhores equipas e equipas menos fortes. Uma das razões para isto acontecer é o facto de as equipas menos fortes só treinarem duas a três vezes por semana comparativamente às equipas mais profissionais, que treinam todos os dias. Outro motivo, tal como acontece no futebol masculino, é a exportação dos melhores talentos para o topo da Europa. A nível de seleção, Portugal tem feito história a cada passo que dá. Em 2017 participou pela primeira vez num Europeu de Futebol; em 2018 alcançou um inédito terceiro lugar na Algarve Cup e em 2019 entrou para o ranking das 30 de melhores seleções do mundo. A nível de formação, em 2012, a seleção sub-19 chegou às meiasfinais do Europeu da categoria e a geração de sub-17 alcançou pela segunda vez na história, uma fase final do campeonato europeu da categoria.

Os principais objetivos da FIFA relativamente à evolução do futebol feminino passam por aumentar o nível de participação, aumentar o valor comercial e construir os alicerces. •

AUMENTAR O NÍVEL DE PARTICIPAÇÃO A FIFA não deve apenas promover o futebol nas áreas em que não é atualmente

jogado por mulheres, mas também precisa desenvolver mais o desporto nas áreas em que as mulheres já praticam o desporto todos os dias. Aumentar o nível de participação feminina no futebol é fundamental para a organização alcançar as metas e objetivos delineados no FIFA 2.0: A visão para o futuro. A FIFA implementará novos programas e iniciativas para ampliar a participação, muitos dos quais procurarão melhorar os meios existentes para as mulheres participarem e adicionarem dimensões únicas ao jogo. Trabalhará diligentemente para garantir que mais mulheres tenham acesso ao futebol em regiões de todo o mundo, ao mesmo tempo que

Apesar de ainda estarmos distantes da realidade vivida por outros países europeus

apoiam as suas associações afiliadas no alcance dos objetivos de futebol feminino.

como a Espanha ou a Itália, Portugal está ainda a construir o seu futuro. A demonstração deste crescimento foi o novo recorde de assistência num estádio com 15.204 espetadores,

AUMENTAR O VALOR COMERCIAL

para assistir ao amigável e primeiro derby entre Sporting CP e SL Benfica, que

A capacidade da FIFA de desenvolver o jogo depende da sua eficácia para

ultrapassou os 12 mil espetadores da final da Taça de Portugal, em 2017, jogada entre

comercializar as suas competições e eventos. A FIFA tem uma tremenda oportunidade de

Sporting CP e SC Braga.

expandir os seus esforços de desenvolvimento, criando novas fontes de receita a partir de

Com a subida do SL Benfica ao escalão principal, na próxima época, é esperado que números como estes se voltem a repetir. A expetativa é que Portugal continue a fazer história, tanto a nível de clubes como a nível de seleção, para que um dia seja o nosso país um modelo a seguir.

competições e eventos das suas mulheres e fornecendo a todas as partes interessadas a orientação estratégica para fazer o mesmo. A organização otimizará as competições existentes para maximizar a sua qualidade e benefícios comerciais e dedicará o mesmo foco à criação de novas competições que fornecerão oportunidades adicionais para as mulheres jogarem no panorama mundial. •

CONSTRUIR OS ALICERCES Como a FIFA trabalha para aumentar a participação feminina no futebol e

aumentar os benefícios comerciais associados, ela basear-se-á nas fundações atuais para governar e regular efetivamente um ecossistema de futebol feminino mais sofisticado. A 8

7

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

104

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

105

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

organização desenvolverá ainda mais plataformas de treino de liderança projetadas para

• Desenvolver e implementar um programa de Futebol nas Escolas;

atrair mulheres para os altos escalões da indústria do futebol, aperfeiçoará as atuais

• Promover maior cooperação, educação e defesa do futebol feminino entre a FIFA, as

estruturas reguladoras e modernizará a sua gestão do jogo, desenvolvendo e

confederações e as federações afiliadas.

aperfeiçoando as ferramentas pelas quais regula questões dentro e fora do campo. Como a FIFA trabalha para fortalecer todos os seus relacionamentos dentro da

Melhorar as competições femininas

comunidade global de futebol, dará especial atenção aos interesses do futebol feminino,

Aproveitar a popularidade da FIFA Women’s World Cup, desenvolver novas

sabendo que o aumento da participação feminina no futebol terá um papel importante na

competições FIFA, tornar o calendário internacional mais forte e otimizar as competições

realização dos maiores objetivos da organização como o crescimento do jogo, protegendo

regionais de todos os níveis.

sua integridade e trazendo-o para todos. Assim, a FIFA irá: • Aumentar o perfil da FIFA Women’s World Cup e usá-la como uma força motriz para

Para cumprir os principais objetivos, a FIFA vai se basear em cinco pilares: o Desenvolver e crescer;

o desenvolvimento do futebol feminino;

o Melhorar as competições femininas;

• Trabalhar com confederações para otimizar o caminho de qualificação regional para as

o Comunicar e Comercializar;

competições femininas da FIFA (idosos e jovens);

o Governar e liderar;

• Continuar a desenvolver torneios juvenis da FIFA para construir a participação feminina

o Educar e empoderar.

de elite numa idade mais precoce; • Desenvolver e lançar novos concursos internacionais para equipas nacionais e clubes femininos;

Desenvolver e crescer dentro e fora do campo

• Examinar, monitorar e analisar o panorama global das ligas profissionais de clubes, com Criar programas de desenvolvimento feitos sob medida para os membros associados, academias globais de futebol feminino, futebol nas escolas, desenvolvimento

vista a desenvolver o quadro regulamentar em torno do futebol feminino, protegendo a sua integridade e os jogadores.

e mentoria de treinadoras e desenvolvimento de árbitras. O objetivo é ter as estratégias em 100% dos membros associados e dobrar o número de

Comunicar e comercializar: ampliar exposição e valor Criar programa comercial dedicado ao futebol feminino, oferecer alternativas

associações com ligas juvenis em 2026, aumentando o acesso ao futebol feminino para

de distribuição de conteúdo digital, nomear embaixadoras do futebol feminino e trabalhar

as mulheres.

com organizações e influenciadores ativos em promoção e proteção de direitos humanos. Especificamente, a FIFA irá: • Duplicar o número de jogadoras para 60 milhões até 2026;

Objetivos específicos incluem:

• Elevar os padrões dos clubes e ligas de futebol feminino em todas as associações

• Conceber uma estratégia clara de comunicação do futebol feminino, abrangendo

membros;

competições e desenvolvimento;

• Duplicar o número de associações membros que organizaram ligas juvenis até 2026, a

• Desenvolver um programa de marketing eficaz para o futebol feminino global que

fim de diminuir a taxa de abandono e sustentar a participação das mulheres no futebol;

aproveite todo o seu potencial comercial e impacto social;

• Garantir que, até 2022, 100% das associações membros da FIFA tenham desenvolvido

• Desenvolver e implementar um programa comercial de futebol feminino até 2026;

estratégias abrangentes de futebol feminino; 10

9

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

106

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

107

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

• Trabalhar para aumentar a conscientização sobre os principais atletas do sexo feminino

Assim, a FIFA irá:

e modelos de comportamento através de uma maior cobertura e exposição nas próprias

• Fortalecer a capacidade do futebol de ter um impacto positivo na vida de mulheres em

plataformas digitais e de comunicação da FIFA;

todo o mundo;

• Identificar embaixadores para elevar o perfil do futebol feminino e defender acesso,

• Aproveitar o poder das competições e eventos da FIFA para abordar questões sociais

oportunidades iguais, benefícios para a saúde e mudanças sociais positivas através do

específicas enfrentadas por mulheres e meninas (por exemplo, saúde, empoderamento,

jogo.

igualdade); • Educar e inspirar as jogadoras e as pessoas envolvidas na entrega do futebol feminino em questões médicas, a importância de estilos de vida e estratégias saudáveis para garantir

Governar e liderar: equilibrar a igualdade de gênero em papéis de liderança Garantir o futebol feminino e a representação feminina nos principais órgãos de

carreiras de longa duração;

decisão, melhorar estruturas regulatórias para impulsionar a profissionalização e capacitar

• Participar e/ou apoiar programas e campanhas promocionais com o objetivo de capacitar

aqueles dedicados à modalidade e promover uma rede global. O objetivo é que cada

as mulheres através do futebol;

membro associado tenha pelo menos um cargo no Comitê Executivo dedicado os

• Apoiar as associações afiliadas e entidades desportivas que fazem lobby para que os

interesses das mulheres e até 2026 ter pelo menos uma mulher a ocupar esse cargo, e, até

governos incluam o futebol feminino no currículo escolar.

2022, pelo menos um terço do comitê de membros da FIFA ser formado por mulheres. As medidas também visam fortalecer e expandir o Programa de Desenvolvimento de

5.2 Convenção do futebol feminino

Lideranças Femininas e promover profissionalização e supervisão regulatória. Trata-se de um evento de dois dias, realizado nas vésperas do Mundial Feminino Objetivos incluem:

de Futebol, que se realizou em Paris, onde estão representadas todas as 211 federações,

• 100% das federações filiadas à FIFA devem ter pelo menos uma mulher presente no seu

bem como as principais partes interessadas de todo o mundo como líderes do mundo do

comitê executivo até 2026.

futebol, política e sociedade. Com o propósito de discutir o desenvolvimento do futebol

• Até 2022, pelo menos um terço dos membros do comitê da FIFA serão mulheres.

feminino, os benefícios sociais do futebol para as mulheres e meninas e o impacto positivo

• Cada associação membro dedicará pelo menos um lugar em seu comitê executivo para

a níveis sociais, políticos e económicos, a fim de desafiar formas persistentes de

representar os interesses das mulheres no futebol e no futebol feminino.

discriminação e estereótipos que atrasam o progresso do empoderamento feminino.

• Avançar na profissionalização do futebol feminino, assegurando que as jogadoras estejam protegidos e tenham um claro reconhecimento pela sua profissão nos níveis da FIFA, associação de membros e confederação.

Da convenção resultou o primeiro memorando de entendimento entra a FIFA e a ONU para a Igualdade de Género e o Empoderamento da Mulher. O Memorando de Entendimento proporcionará uma estrutura sólida para o fortalecimento e o desenvolvimento de sinergias entre a FIFA e a ONU Mulheres. Ambas as organizações

Educar e Empoderar Criar parcerias com ONG’s e organizações para aprofundar o impacto social, implementar e apoiar campanhas de empoderamento feminino, desenvolver programar com membros associados a nível nacional.

pretendem trabalhar em plena colaboração com autoridades públicas, organizações internacionais, setor privado e organizações de mídia e desporto, tendo como objetivo tornar o futebol mais acessível a mulheres e disseminar conteúdos desportivos diversos para promover a igualdade de género. As principais áreas conjuntas de trabalho são o desenvolvimento de políticas desportivas, a promoção e apoio de projetos sustentáveis que ajudarão a criar um legado 12

11

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

108

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

109

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

duradouro, mudança cultural, empoderamento de mulheres em todo o mundo, e

denominado de programa HatTrick e também o Programa de Desenvolvimento do

comunicações para aumentar a conscientização sobre igualdade de género por meio do

Futebol Feminino da UEFA (WFDP).

desporto, por exemplo, com o apoio das Lendas da FIFA e Embaixadoras da Boa Vontade da ONU, bem como de grandes torneios.

A UEFA promove a modalidade junto das federações ainda não ativas neste sector, incentivando-as a definir os principais objetivos estratégicos e financeiros, ainda recomenda a inclusão de mulheres em lugares-chave, e garante que todas as federações têm ligas nacionais femininas. Do mesmo modo, as federações estão a ser estimuladas

5.3 Programa de Mentoria de Treinadoras da FIFA

para promoverem o futebol feminino. A UEFA pertente também que as instalações e os

Parte do compromisso da FIFA consiste em aumentar oportunidades que existem

ambientes de jogo devem ser adequados a jogadoras, árbitros e espectadores. A nomeação

dentro do futebol para as treinadoras, o programa conta com treinadores experientes como

de estrelas do futebol feminino para os papéis de embaixadoras confere igualmente alto

mentores de um grupo de treinadoras promissoras de todo o mundo. Este programa

padrão à promoção da modalidade.

começou em outubro de 2018 e decorrerá até novembro de 2019. Esta mentoria é realizada de duas formas, por via Skype e cara a cara.

6.1 Programa HatTrick

Relativamente às reuniões que decorrem cara a cara, a primeira é organizada pelo O HatTrick foi lançado no final de 2003 e é totalmente financiado pelas receitas

mentorado que trata das questões referentes à hospitalidade e na segunda reunião acontece

do Campeonato da Europa (EURO). Foi criado para fornecer apoio financeiro às

o inverso. Outras reuniões serão acordadas entre os dois.

federações-membro da UEFA, de modo a desenvolver e fomentar o futebol a todos os níveis. O programa é assente em três pilares: verbas para investimento, partilha de 6. PROGRAMAS DA UEFA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO

conhecimento e formação desportiva. Em relação ao futebol feminino, fornece financiamento anual de solidariedade às

O futebol feminino desenvolveu-se bastante nestes últimos anos em toda a europa

federações-membro da UEFA, permitindo a sua participação nas competições de jovens, femininas e amadoras da UEFA. Através da criação do Programa de Desenvolvimento do

e está a tornar-se numa atração do futebol por direito próprio. Competições como o Campeonato da Europa Feminino ou a UEFA Women's

Futebol Feminino da UEFA (WFDP).

Champions League ganharam em exposição e desenvolveram o seu nicho distintivo e as futebolistas europeias de topo emergiram como personalidades e modelos a seguir pelas jovens raparigas. Cada competição passada, seja a nível sénior ou em torneios europeus

6.2 Programa de Desenvolvimento do Futebol Feminino da UEFA (WFDP)

de futebol feminino jovem, acrescenta progresso técnico e tático, despertando interesse

O WDFP iniciou-se, em Praga, em dezembro de 2010, com a assistência do

público e comercial, bem como a sensação inevitável de que o futebol feminino está a

programa HatTrick, no qual, visa a expansão, a todos os níveis, da variante feminina por

avançar a um ritmo tremendo.

toda a Europa.

Este crescimento levou a UEFA e as suas federações a criarem programas de

O crescimento do futebol feminino significa que, em especial as jovens, têm um

desenvolvimento do futebol feminino como o programa de assistência da UEFA,

número de jogadoras de topo em quem se inspirar cada vez maior. Essas jogadoras estão a tornar-se figuras respeitadas por direito. Consequentemente, a UEFA está a constituir 14

13

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

110

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

111

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

um grupo de embaixadores, que irão trabalhar juntamente com o organismo europeu para cultivar o futebol feminino em toda a Europa.

7. PROGRAMAS DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO EM PORTUGAL

Com o programa WFDP, a UEFA pretende promover o futebol feminino junto das federações que ainda não estejam ativas neste setor, pressionará as federações nacionais a estabelecerem objetivos estratégicos e financeiros a este respeito, recomendará a inclusão de mulheres em posições de topo e assegurará que todas as federações nacionais

Uma das apostas da FPF para o desenvolvimento do futebol feminino em Portugal é o programa “Responde em campo”, que tem como objetivo tornar a modalidade o mais praticável possível de norte a sul do país.

tenham uma Liga feminina nos respetivos países. As atividades do futebol de formação

Este programa, lançado em 2017, tem a intenção de encorajar meninas e mulheres

estão a ser intensificadas, os planos de recrutamento e trajetos das jogadoras visam ajudar

a praticarem cada vez mais este desporto, mas também, de combater o preconceito

as futebolistas a encontrarem o seu nível apropriado e as instalações e ambientes de jogo

existente na cultura portuguesa e, portanto, mudar as mentalidades para desmitificar as

devem ser condicionados de modo a satisfazerem jogadoras, dirigentes e espectadores.

ideias pré-concebidas sobre o futebol feminino. Com o crescimento do futebol feminino e o seu salto qualitativo em Portugal, a

6.3 Programa de Liderança Feminina no Futebol

FPF tem criado novas competições nacionais e apostado na melhoria das condições de O futebol feminino europeu prossegue o seu trajeto rápido dentro e fora de campo,

trabalho tanto para as atletas como para os restantes agentes desportivos ligados ao futebol

com esse progresso a apelar a uma maior participação das mulheres no processo de

feminino. Este programa tem uma ferramenta que mostra todas as equipas existentes, em

tomada de decisão do futebol europeu.

Portugal, com futebol feminino e os seus escalões disponíveis.

A UEFA responde, assim, ao retorno que lhe surgiu das federações-membro. Em

Outra das apostas da FPF é o foco nas camadas jovens - talvez a principal

resultado disso, o organismo europeu criou um programa específico de liderança para as

estratégia destes últimos anos. A nível de juniores, iniciou em 2016 o campeonato

mulheres envolvidas nas federações nacionais.

nacional de juniores de futebol nove, que de ano para ano tem mais equipas a competir.

Mais mulheres estão hoje envolvidas em lugares de liderança no futebol. Não obstante, os números mostram que ainda são muito poucas as mulheres que ocupam cargos de liderança nas federações nacionais. O objetivo da WFLP será, juntamente com as federações, acelerar um processo de desenvolvimento e dar apoio extra às mulheres já

Para além disto, também existe a Taça Nacional de juvenis sub-17 e duas competições distritais, no qual, a partir desta modalidade todas são praticadas em futebol sete. Também há distritais juvenis de sub-15, a Taça Nacional sub-14 de futebol misto e, por fim, o Encontro Nacional Infantis de sub-13.

em posições de liderança.

No que toca a seleções de futebol feminino para além da seleção sénior também

A iniciativa da WFLP destina-se a mulheres que trabalhem no futebol, não necessariamente aquelas que trabalham no sector do futebol feminino.

apresenta seleções em muitos escalões como a seleção nacional sub-19, sub-17, sub-16 e sub-15, algumas chegando a atingir fases finais de europeus. Estas competições e conjunto de seleções só se concretizam, porque também há a estratégia da criação e desenvolvimento de centros de treino com intuito de colher frutos num futuro a curto e longo prazo. Existem centros de treino em todos os distritos para jogadoras entre os doze e dezassete anos, com vista a aumentar as qualidades e identificar valores para o futebol feminino. Os treinos são geridos pelos coordenadores técnicos das associações e as atletas são avaliadas pelas equipas técnicas nacionais.

16

15 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

112

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

113

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

Os centros de treino estão a ser premiados pela FIFA, que se enquadram no

O futebol feminino na Europa continua a crescer e a desenvolver-se de forma

programa FIFA Academies, com um apoio durante 18 meses, que consistem em

consistente. Uma pesquisa compilada pela UEFA para a temporada de 2016/17

financiamento e fornecimentos de equipamento.

(disponível em inglês) mostra que o número de jogadoras de futebol federadas é

Jornadas Técnicas de Futebol Feminino é um debate realizado pela FPF onde

atualmente superior a 1,270 milhões.

promove trocas de ideias e argumentos com os clubes com vista ao desenvolvimento do futebol feminino. Nestas jornadas são debatidas as realidades vividas pelos clubes, o

A título de exemplo, países como a Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, Noruega e Suécia têm mais de 100 mil jogadoras de futebol federadas.

trabalho realizado pela federação e também da seleção nacional. As jornadas têm o objetivo de melhorar o trabalho e a organização dos clubes e as próprias competições nacionais com a realidade dos mesmos e da federação. Isto só é possível com partilha, troca de ideias e informação do resultado da união e cooperação dos clubes e federação para melhorar projetos e desenvolver ideias.

8. ESTATÍSTICAS DO FUTEBOL FEMININO

É cada vez maior o número de jovens do sexo feminino a jogar futebol, com o

“O futebol é para todos” é um grande salto cultural que tem vindo a acontecer, isto é, todo o potencial do futebol feminino está a crescer e não tem limites. Isto deve-se às mudanças de mentalidade, principalmente uma maior abertura das famílias, que já aceitam que uma menina jogue futebol.

número de jogadoras de futebol federadas com menos de 18 anos a ultrapassar os 827 mil. Consequentemente, o número de ligas jovens (de Sub-6 a Sub-23) passou de 164 para 266 entre 2012/13 e 2016/17. Além disto, 52 países já contam com um campeonato nacional sénior feminino de futebol.

Todos os programas desenvolvidos pela FIFA, UEFA e pela FPF impulsionaram o futebol feminino, por exemplo, a UEFA quer duplicar o número de atletas femininas até 2024 pretendendo alcançar 2,5 milhões de atletas federadas entre os 55 países membros e as estatísticas comprovam estas alterações ao longo destes últimos anos.

O número de seleções europeias, incluindo equipas jovens, subiu de 173 em 2012/13 para 233 em 2016/17. Vinte federações possuem academias nacionais femininas destinadas ao desenvolvimento das jovens futebolistas. 17

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

114

www.ligaportugal.pt

18

www.ligaportugal.pt

115

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

Relativamente a Portugal, e segundo dados da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), de 1990 até 2018 o número de jogadoras, a nível sénior, subiu de 375 para 1073.

Gráfico 2 – Nº. de jogadoras séniores e juniores, durante 4 épocas, em Portugal. (Fonte: FPF)

Como o futebol não é só realizado com jogadores, também existe uma evolução do número de treinadoras e árbitras que se registam, respetivamente, em 17.553 e 10.200 qualificadas nas federações europeias.

Podemos constar que em Portugal o maior crescimento no número de jogadoras do futebol feminino aconteceu significativamente a partir de 2015 nas camadas jovens de

44 federações possuem comité de futebol feminino. Em 2016/17, 399 mulheres

juniores, com 3701 jogadoras.

trabalhavam como diretoras ou num cargo superior em federações nacionais (121 em 2012/13).

Gráfico 3 – Nº de jogadoras, num conjunto de 4 anos, que jogaram pelos diferentes escalões da seleção portuguesa. (Fonte: FPF) Gráfico 1 – Número de futebolistas séniores femininas em Portugal. (Fonte: jornal Público)

Em relação ao número de jogadoras que passaram pela seleção nacional nos diferentes escalões, podemos verificar que seguiu a normal evolução do número de jogadoras que aumentaram de ano para ano. Com a federação a acompanhar esta 19

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

116

www.ligaportugal.pt

20

www.ligaportugal.pt

117

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

tendência criando naturalmente, em 2013, as seleções nacionais de sub-17 e sub-16, no

mesmo de lhe chamar futebol masculino. E isto certifica o crescimento tremendo do lado

qual se jogaram até 2014 pela sub-17 44 jogadoras e pelas sub-16 40 jogadoras, pela sub-

feminino do desporto-rei.

19 de 2010 até 2014 jogaram 154 jogadoras já a seleção principal utilizou 165 jogadoras. Enquanto que de 2014 até 2018, jogaram pela seleção principal 134 jogadoras, pelas sub19 173, pelas sub-17 114 e pelas sub-16 119.

9. ECONOMIA DO FUTEBOL FEMININO 9.1 Assistências nos estádios A modalidade viveu nos últimos meses, principalmente na Europa, uma onda de popularidade que muito se deve ao investimento dos clubes e das federações como também uma maior atenção dispensada pela comunicação social. A popularidade levou a recordes de assistência em muitas competições, esta época, como no caso da liga espanhola feminina, em março. O Atlético de Madrid recebeu o Barcelona no Wanda Metropolitano e 60.739 pessoas encheram a bancada do estádio

Tabela 2 – Nº de treinadores licenciados, em Portugal. (Fonte: UEFA)

Colchonero, que ultrapassou o máximo de assistência que era de 50.212 espectadores, A UEFA também reteve dados sobre o futebol feminino em Portugal, na época 2016/2017, onde verificou que Portugal tem 248 treinadoras licenciadas.

registado na final da Liga dos Campeões de 2012, entre Lyon e Frankfurt. Em Itália para o campeonato italiano de futebol feminino o recorde estabeleceu-se em 39 000 pessoas a assistir ao jogo entre a Juventus e a Fiorentina. Na Inglaterra há cada vez mais espetadores e, consequentemente, estádios lotados. Em Portugal, como já foi referido anteriormente o recorde estabeleceu-se no amigável ente Sporting e Benfica com 15.204 espetadores. No jogo inaugural do Mundial feminino deste ano, em França, com a equipa anfitriã contra a seleção da Coreia do Sul, registou-se uma assistência de 45 mil adeptos. Mas ainda longe do recorde internacional, alcançado ainda em 1999, na final do

Tabela 3 – Dados sobre arbitragem feminina (Fonte:UEFA)

Campeonato do Mundo num jogo que se disputou entre os EUA e o Japão, na Califórnia, Apesar de Portugal ter 38 árbitras licenciadas, a FPF opta por ter ambos os sexos

com a incrível marca de 90 mil espetadores.

a arbitrar a principal liga feminina em Portugal. A FPF tem também programas de recrutamento e desenvolvimento de árbitras.

O Campeonato do Mundo de França está a ser encarado como o grande evento desportivo do ano. Este torneio só começou a 7 de junho, mas em abril já tinha mais de

Em Portugal, as mulheres possuem já vários postos nas direções da FPF como da

720 mil bilhetes vendidos. A FIFA já tinha dado conta de um número recorde de vendas

Liga Portugal e o comité do Futebol feminino é exclusivamente representado por

de bilhetes, sendo que os jogos de abertura, das meias-finais e da final se esgotaram em

mulheres.

menos de 48 horas.

Apesar destes números que crescem de forma sustentada, Portugal ainda está longe do patamar europeu. Apesar disso, há uma nova realidade, em Portugal, antes o futebol masculino era apenas “futebol”. Agora, Portugal está cada vez mais perto de ter

21

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

118

www.ligaportugal.pt

22

www.ligaportugal.pt

119

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

9.2 Audiências televisivas

oferecer, segundo os especialistas, “um montante sem precedentes no futebol feminino”, se a seleção norte-americana conseguir conquistar o título mundial em França, em julho.

Ainda sobre o Campeonato do Mundo que decorre na França, para além das assistências dos estádios se aproximarem do máximo, as audiências televisivas superam as expetativas. Tudo indica que vai ultrapassar a fasquia dos 764 milhões de telespectadores que a FIFA garante que se uniram à voltas das televisões há quatro anos e, na qual, estima que durante este Mundial pode alcançar um milhar de milhões de pessoas a assistir pela televisão.

Em Portugal, não há nenhum canal com os direitos totais das competições femininas realizadas no nosso país, exclusivamente a RTP transmite todos os jogos da Seleção feminina. Consequentemente, o encontro com maior audiência num jogo de futebol feminino em Portugal, foi o encontro entre Portugal e Inglaterra, na fase de grupos do Europeu de 2017, com números a atingir 875 mil telespetadores, de acordo com os dados fornecidos pela GFK.

Segundo a TF1, que detém os direitos de transmissão, apontava a 5 milhões de espetadores para o jogo de abertura do torneio, mas na verdade, foram 10.9 milhões de pessoas, num recorde no que a audiências do futebol feminino diz respeito. O segundo jogo da França cotra a Noruega, chegou mesmo aos 11 milhões de espectadores. São números equivalentes aos registados nos primeiros jogos da seleção francesa masculina no Mundial da Rússia, em 2018.

Apesar de estes números se superarem cada vez mais, a realidade é que o futebol feminino ainda não tira proveito desse crescimento, isto porque, por exemplo, o Mundial que decorre na França é comercializado como um subproduto do mundial Masculino. Ou seja, o Mundial de Futebol feminino é vendido, a redes como a Fox nos Estados Unidos e Canadá ou TF1 em França, num pacote que inclui vários campeonatos internacionais ao mesmo tempo (Mundial masculino e feminino, Taça das Confederações, etc). Dentro

Os jogos da seleção brasileira também fizeram disparar as audiências da TV Globo, canal responsável pelos direitos de transmissão no Brasil, que transmite pela primeira vez desde que o Mundial feminino é realizado. No jogo de estreia da seleção brasileira contra a seleção jamaicana as audiências da TV Globo duplicaram

do ‘bolo financeiro’ que representam os direitos televisivos no futebol mundial, só um por cento vai para o futebol feminino. 9.3 Patrocinadores

comparativamente com os quatro domingos, segundo os números do Kantar Ibope Media.

O progresso tanto das assistências, como das audiências, tem repercussões

Em relação à transmissão televisiva de alguns dos principais campeonatos de

relativamente aos patrocinadores com o futebol feminino a ter uma maior visibilidade,

futebol feminino: em França, o Canal Plus antecipou-se às previsões e transmite, desde o

em termos mundiais, logo atrai cada vez mais patrocinadores e um maior montante

começo desta temporada, todos as partidas da Ligue 1 feminina. Segundo o jornal ‘Le

envolvido nos acordos com os mesmos. As candidaturas para sediar o próximo Mundial

Parisien’, a rede privada de televisão vai pagar 1,2 milhões de euros por temporada

de futebol feminino, em 2023, atingiu um recorde de 9 candidaturas de 10 países.

durante cinco anos, bem acima dos 110 mil euros desembolsados em 2011 e os 200 mil em 2017.

Sendo o mundial feminino a grande revolução do futebol feminino e para acompanhar as tendências recordistas, este mundial bate mais um recorde, desta vez ao

O grupo Mediapro, em Espanha, paga atualmente três milhões de euros por ano

nível de patrocínios, chegando pela primeira vez aos 12 patrocinadores. Destes

pelos direitos televisivos das principiais provas de futebol feminino, quando até agora

patrocinadores, 6 são incluídos obrigatoriamente porque patrocinam todas as competições

transmitia gratuitamente o futebol feminino.

organizadas pela FIFA. Estes são a Adidas, Coca-Cola, Hyundai-Kia, Qatar Airways,

Isso já não acontece nos Estados Unidos da América, onde nenhuma rede de televisão transmite os jogos do campeonato desde que a NWSL denunciou o seu contrato com o grupo A&E, embora atualmente esteja a negociar com a NBC, que poderia

Visa e Wanda. Os outros 6 que acrescem à lista são a empresa química Arkema, o banco Crédit Agricole, a companhia elétrica EDF, a agência de empregos Proman, a companhia ferroviária SNCF e, por fim, a multinacional de telecomunicações Orange, que já é um

23

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

120

www.ligaportugal.pt

24

www.ligaportugal.pt

121

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

dos principais patrocinadores da Federação Francesa e de várias equipas de futebol

competição. Segundo o jornal The Guardian é o maior contrato da história do futebol

francês.

feminino inglês. As verbas serão distribuídas, pela primeira vez, pelos clubes de futebol,

Ainda sobre o Mundial, devido às assistências nos estádios que se aproximam do máximo, as audiências televisivas também superaram as expectativas e já levaram a um

os valores vão depender da classificação no final da temporada. O acordo ainda contempla apoio a mais de cem escolas de futebol feminino espalhadas pelo país.

aumento do preço dos espaços publicitários. No mesmo sentido, a TF1 aumentou os

A MasterCard é a nova patrocinadora das equipas femininas de futebol do

preços dos espaços publicitários exibidos nos intervalos dos jogos: um anúncio de 30

Arsenal, da Inglaterra, e do Lyon, da França. O objetivo da marca é aumentar a

segundos subiu de 73 mil euros para 116 mil, de acordo com o diário francês Le Parisien.

consciencialização sobre o futebol feminino, além de elevar os níveis de investimento,

Na sequência da separação dos direitos de patrocínio da UEFA, a Visa assume-se como o primeiro patrocinador oficial do organismo europeu para o futebol feminino. No âmbito do novo acordo, a marca torna-se, até 2025, o patrocinador principal da Liga dos Campeões de Futebol Feminino da UEFA, do Campeonato Europeu de Futebol Feminino,

profissionalismo e competitividade da modalidade. Escolheu estas duas equipas porque o Arsenal acabou de conquistar a Women's Super League (WSL), enquanto o Lyon venceu pela quarta vez consecutiva a Champions League feminina e também é o clube francês que ainda possui no currículo os títulos das últimas 13 edições da liga nacional francesa. O investimento da MasterCard no futebol feminino ainda terá outra vertente, o das

dos Campeonatos Europeus de Futebol Feminino Sub-19 e Sub-17 e do Campeonato da

jogadoras. A marca anunciou as suas primeiras embaixadoras na modalidade, com

Europa de Futsal Feminino. A Nike seguiu o exemplo da Visa e, pelo acordo assinado até 2021, a fabricante americana será responsável por fornecer a bola oficial dos principais torneios da UEFA incluindo a UEFA Women’s Champions League, o EURO Feminino, os Campeonatos da Europa Femininos de Sub-19 e de Sub-17 e o EURO Futsal Feminino. A Nike projetará uma bola personalizada apenas para uso em competições femininas.

destaque para a norueguesa Ada Hegerberg, campeã da Champions League com o Lyon e atual detentora da Bola de Ouro entre as mulheres. Além dela, as companheiras de equipe Kadeisha Buchanan, Saki Kumagai e Wendie Renard também foram escolhidas pela MasterCard, assim como Alex Scott, ex-jogadora do Arsenal e da seleção inglesa, Pernille Harder, do Wolfsburg e da seleção dinamarquesa, e Sam Kerr, do Chicago Red Stars e da seleção australiana.

A seleção brasileira obteve o patrocínio da empresa Guaraná Antarctica para o Campeonato do Mundo que está a decorrer. É a primeira campanha do futebol brasileiro para apenas jogadoras, sem envolvimento de jogadores brasileiros. As verbas do patrocínio serão repartidas pelas jogadoras e pelo projeto “joga Miga”, uma iniciativa sem fins lucrativos que apoia as mulheres a jogar futebol. Esta campanha da Guaraná Antactica impulsionou o apoio de mais cinco marcas: a agência de publicidade Almap

O relatório Football Money League, da Deloitte, que analisou o futebol feminino pela primeira vez, destaca o potencial de três quintos dos clubes de futebol das principais ligas femininas do mundo contam com patrocinadores exclusivos (que não são da equipa masculina) e preveem que isso aumentará para 100% antes do Campeonato do Mundo Feminina de 2023. Em Portugal, o BPI vai patrocinar a seleção feminina de sub-21, nos próximos

BBDO, Boticário, DMCard, GOL e Lay's, no apoio ao futebol feminino no Brasil. No futebol americano, a Visa também fez um novo acordo com a US Soccer para patrocinar as equipas americanas. A empresa exige que pelo menos 50% da verba do patrocínio seja direcionado paras as seleções de futebol feminino, principalmente para o desenvolvimento das categorias de base e iniciativas de marketing.

quatro anos e vai ser o principal patrocinador da 1ª Liga de Futebol Feminino. A 1ª Liga de Futebol Feminino vai até ganhar-lhe o nome e passar a designar-se ‘Liga BPI’, espelho do empenho do banco português, que já afirmou querer “contribuir para criar condições para aumentar o número de jovens praticantes”. A empresa Allianz patrocina também o futebol feminino português dando também o nome à “Taça de Portugal Allianz” e

Em Inglaterra, a instituição financeira Barclays será a patrocinadora da Superliga

“Supertaça Allianz”.

Feminina (WSL), até junho de 2022, no qual o nome da empresa será atribuído à 25

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

122

www.ligaportugal.pt

26

www.ligaportugal.pt

123

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

9.4 Prémios

A esmagadora maioria das contratações no futebol feminino ocorrem sem

São ainda um assunto sensível entre as jogadoras e as federações, entre as seleções e a FIFA e entre as jogadoras e as suas patrocinadoras. Esta ainda é das principais lutas pelos direitos das jogadoras, um tema que explicarei melhor mais à frente. Os valores dos prémios estão a crescer e alguns a igualar os prémios do futebol masculino, em outros casos a distância ainda é grande. A este respeito, a FIFA melhorou um pouco a verba para este Campeonato do Mundo de Futebol Feminino ao duplicar o valor, em relação à última participação, 3,5 milhões para o vencedor e um montante global de 26,6 milhões a distribuir pelas equipas

compensação financeira. E em 90% dos casos, as jogadoras esperam que o seu contrato acabe para poder mudar de clube. Nos Estados Unidos da América, na competitiva liga feminina (NWSL), as escassas movimentações de jogadoras no mercado são feitas por ‘troca’, assim como nos demais campeonatos profissionais. Os 100.000 dólares (89 mil euros) que, segundo a imprensa, foram pagos pela MagicJack, a franquia de futebol feminino da Flórida, em 2011, pela estrela Megan Rapinoe, são a exceção.

participantes. O sindicato das jogadoras FIFPro vai entrar em conversações, no final do

Estas diferenças podem ser explicadas, em parte, pelo facto de as jogadoras serem

mundial, com a FIFA para a melhoria de reivindicações relativamente às folhas salariais,

amadoras na maioria dos países. Nos países onde o futebol feminino é mais desenvolvido,

mas também nas condições logísticas e nos serviços médicos disponibilizados.

as ligas de elite são formadas por um número limitado de clubes. E se há menos equipas,

As atletas patrocinadas pela Adidas que integrem a equipa que ganhar o

há menos jogos… e por isso é gerada menos receita.

Campeonato do Mundo feminino da FIFA, neste ano, irão receber os mesmos prémios de desempenho dos atletas masculinos, anunciou a empresa de produtos desportivos.

Mas para multiplicar as operações milionárias, os clubes têm necessidade de aumentar as suas receitas. Atualmente, um clube como o Lyon, uma referência na Europa

A partir de 2020, a UEFA vai aumentar as verbas encaminhadas para as Federações para desenvolvimento do futebol feminino, a FPF terá em mãos 150 mil euros

a nível de futebol feminino, dispõe de um orçamento que oscila apenas entre os sete e os oito milhões de euros.

(mais 50 mil do que recebe atualmente). Uma ajuda extra na missão de levar o futebol feminino de um nível médio, no panorama mundial, para um nível mais avançado.

9.6 Dívidas O futebol feminino vive um bom momento na Inglaterra. A poucos dias do

9.5 Transferências

Campeonato do Mundo, clubes ingleses chegaram a um número recorde de participações

As transferências de jogadoras ainda está num nível muito distante comparativamente às transferências com jogadores. No meio das ‘montanhas’ de dinheiro que cercam o futebol masculino, os números do futebol feminino, semi-profissional em muitos casos, parecem minúsculos. Em 2018, a FIFA registou 16.533 transferências no futebol masculino, com um total de 6,2 mil milhões de euros em movimentação de jogadores. No futebol feminino realizaram-se 696 contratações, num total de 503 mil euros em movimentação de jogadoras.

em campeonatos na Europa e atraem cada vez mais adeptos para os estádios que estão cada vez mais lotados. De olho neste cenário, as marcas estão a investir muito nas equipas, confiantes no potencial de crescimento do desporto no país. O quadro parece animador, mas esconde um detalhe preocupante. As contas apresentadas pela Superliga Feminina (WSL) mostram que os clubes profissionais tiveram prejuízo financeiro no último ano, segundo o jornal The Guardian. Além disso, as contas apresentadas pela Superliga Feminina (WSL) mostram números inconsistentes. A impressão é de que não há uma regra ou padrão, já que cada clube segue os seus próprios critérios para expor os dados.

27

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

124

www.ligaportugal.pt

28

www.ligaportugal.pt

125

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

Na época anterior, a WSL tornou-se totalmente profissional e passou a ter jogos

mais bem-sucedido do que o masculino), que depois de eliminada ainda na fase de grupos

transmitidos pela BBC. Os maiores clubes do país, como o Manchester City, o Chelsea e

do Europeu esta anunciou a decisão da saída da seleção devido à “falta de preparação,

o Arsenal, apostam cada vez mais nas suas equipas femininas nos últimos anos. No

execução e comunicação” da Federação Norueguesa. Mais recentemente, a jogadora

entanto, o retorno ainda não veio. Pelo contrário, o futebol feminino está a gerar dívidas.

voltou a falar sobre a seleção onde relembrou as causas da renúncia à seleção: “Não

O Manchester City viu os seus prejuízos crescerem de 357 mil libras para mais de 1 milhão de libras. O Arsenal, embora tenha reduzido oficialmente o défice de 264 mil para 219 mil libras, tem custos operacionais adicionais de 2 milhões emprestados

erámos levadas a sério. Não existia uma cultura de treino com qualidade nem existia a vontade de ser melhor.”, ainda disse que tinha saudades de jogar pelo seu país, mas não pela Federação. A equipa anfitriã do Mundial, a seleção feminina francesa, que se encontrava a

inteiramente pelo seu controlador. O Chelsea viu as suas perdas operacionais crescerem de 107,7 mil libras para 776.7 mil enquanto o Birmingham, que já foi um clube lucrativo, viu o lucro de 9,8 mil libras transformar se em um défice de 13 mil libras. O Everton foi a única exceção, com um pequeno lucro de 770 libras. Ainda assim, bem inferior do que as 2,6 mil libras do ano anterior.

treinar no centro de treinos da federação para preparação do mundial, teve que “abandonar” o centro de treinos para a seleção masculina preparar um amigável. Esta decisão partiu da FIFA e não da Federação Francesa. A FIFA, para o Mundial, obriga as seleções femininas a mudar de centro de treino durante o mundial conforme a localidade onde serão realizados os jogos, contrariamente do que acontece com as seleções masculinas, que podem escolher o sítio onde pretendem residir durante o mundial. A seleção norte-americana, a atual campeã mundial em título, também atravessa

10. LUTA PELA IGUALDADE DE GÉNERO

uma fase controversa com as jogadoras americanas a processar a própria Federação por aquilo que chamou “discriminação de género institucionalizada”, no Dia Internacional da

O Mundial de futebol feminino que iniciou na França começou com inúmeras lutas internas e políticas sem procedentes.

Mulher. Um ano depois de vencerem o Campeonato do Mundo de 2015 no Canadá, as norte-americanas foram eliminadas nos quartos de final dos jogos olímpicos do Rio de

O campeonato do mundo está marcado pela ausência da melhor jogadora do

Janeiro. A partir daqui houve uma renovação da seleção americana com a selecionadora

mundo Ada Hegerberg, não porque a sua seleção não se qualificou mundial, mas sim

a experimentar 61 jogadoras em dois anos e meio, e a suspensão por seis meses da guarda

porque está de relações cortadas com a sua Federação. Ada Hegerberg é a jogadora de

redes e capitã da seleção pela United States Soccer Federation. Em 2019, quando tudo

futebol mais bem-sucedida do panorama atual. A avançada norueguesa de apenas 23 anos

parecia melhorar dentro do campo, a situação complicou-se fora das quatro linhas, com

recebeu no passado mês de dezembro a Bola de Ouro do futebol feminino e é tetracampeã

28 jogadoras da seleção a processaram a United States Soccer Federation devido a queixas

europeia ao serviço do Lyon e pentacampeã francesa.

de discriminação de género.

O mundial de 2019, seria o segundo em que Ada Hegerberg iria participar, pois

Esta decisão surge num culminar de uma luta pela igualdade salarial e condições

esteve no último, em 2015, e podia funcionar como alavanca de uma carreira que ainda

laborais travadas entre as duas partes há muito tempo. As queixas das jogadoras não é só

está no início. Mas a verdade é que a melhor jogadora do mundo recusou ser convocada

relativamente a salários, mas também ao facto de a Federação controlar onde as jogadoras

e é a grande ausência do torneio. A notícia, não é de todo surpresa visto que ela renunciou

jogam e com que frequência, a forma como treinam, os tratamentos médicos que recebem

à seleção da Noruega, em 2017, depois do europeu e desde aí não voltou mais a

e até a maneira como viajam até aos locais dos jogos. O processo representa todas as

representar o próprio país. O motivo, segundo a avançada, é a inexistência de apoio à

jogadoras que representaram a federação desde fevereiro de 2015 e exige o pagamento de

equipa feminina dentro da Federação (num país onde o futebol feminino é largamente

retroativos e danos, numa quantia que pode chegar aos milhões de dólares. 30

29

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

126

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

127

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

A FIFA aumentou o prémio feminino para a presente edição do mundial, no qual,

Outra luta está na relação entre as seleções e a FIFA sobre os prémios. Um

serão 3,5 milhões para o vencedor e um montante global de 26,6 milhões a distribuir pelas

exemplo, é o conjunto de chá, que a seleção alemã campeã do mundo recebeu como

equipas participantes, cerca de 13 vezes inferior ao que, em 2018, as seleções masculinas

prémio, como reconhecimento. Só para se ter uma ideia da discrepância entre os prémios

repartiram (um total de 354 milhões).

masculinos e femininos, em 2015, os EUA campeões mundiais femininos, tiveram direito

Este Campeonato do Mundo é um ponto de viragem para as mulheres, que representam 50% da população e é difícil ignorar 50% da população. As mulheres lutam

a um prémio de 1,8 milhões de euros, ao passo que a Alemanha, vencedora do título masculino em 2014, encaixou 31 milhões.

para evitar casos como o da seleção da Jamaica, as “Reggae Girlz”, cujas jogadoras

Uma luta já ganha pelas jogadoras, que parece um pormenor, mas não é, são os

tiveram de proceder a uma angariação de fundos para poderem competir neste Mundial.

equipamentos. Pela primeira vez, para o Mundial da França, as seleções femininas vão

Ou pelo facto de que, quando está frio, em dias de treino, os elementos da equipa técnica

utilizar equipamentos especificamente desenhados, pensados e construído para mulheres.

têm de ir a um hipermercado comprar casacos, e também marcadores para riscarem o

Até aqui, as jogadoras utilizavam equipamentos dos homens sem os tamanhos adequados.

nome nos equipamentos de “Reggae Boyz” estampado nas mangas das camisolas, por

Um detalhe que só há cerca de um ano atraiu a Nike, que se propôs a desenhar camisolas

utilizarem equipamentos da seleção masculina e pelo facto de na conta bancária de Hue

e calções especificamente para as seleções femininas. Os homens preferem tecido justo,

Menzies, o selecionador, nunca ter caído um salário pago pela federação jamaicana desde

mas as mulheres são diferentes. As mulheres querem sentir-se confortáveis, seguras e

que assumiu o cargo (em 2015).

profissionais. Elas pretendem uma camisola que seja fácil de vestir e despir com cabelo

Existe também o caso das atletas da Nigéria, que nos últimos anos tem reclamado o pagamento de bónus prometido pela federação, uma consequência do enorme sucesso

comprido e rabo de cavalo, também não gostam do decote em V muito profundos e a manga não pode ser muito curta. A jogadora brasileira Marta, já pela 6ª vez nomeada melhor jogadora do mundo,

que tem alcançado, mesmo tendo passado, por exemplo, todo o ano de 2017 sem

melhor marcadora de mundiais, inclusive números entre mulheres e homens, no qual

competirem e sem selecionador. Lorena Benítez é argentina e vive em Buenos Aires, onde deixou Verónica Rivero, a namorada, com gémeos recém-nascidos há um mês. Porque está em França, com a seleção e, portanto, ambas terão fechado por uns tempos a banca que têm no mercado central da capital do país do tango. Por lá costumam estar, todos os dias, a fazer render o negócio enquanto Lorena vai treinando e jogando no Boca Juniors, que é dos melhores clubes de futebol masculino, mas no futebol feminino os valores ainda estão muito distantes, num país onde o futebol feminino não deixa de ser amador para poder ser um rendimento.

chegou ao 17º golo neste presente Mundial, ao ultrapassar o jogador alemão Miroslav Klose, que era recordista com 16 golos e também, a única a marcar em cinco Mundiais. Recebe por exemplo 269 vezes menos que Neymar. A jogadora recusou ser patrocinada por Adidas, Nike, Puma e outras grandes marcas desportivas. Marta luta pela igualdade de género e já deixou bem claro que a luta se estende para todos os campos. Segundo o agente da futebolista, continuará a ser assim até que as marcas decidam pagar a Marta, o mesmo que pagam a um homem com as mesmas conquistas e com a mesma representatividade. Esta luta levou a fundar a marca “Go Equal” e através desta dá voz à sua luta.

Outro exemplo, ainda na Argentina, é Macarena Sánchez que exigiu o estatuto de jogadoras profissionais no seu país. O clube onde estava despediu-a e recebeu ameaças de morte por reclamar melhores condições de trabalho e direitos. A luta dar-lhe-ia um contrato profissional no San Lorenzo, o primeiro que uma futebolista conseguiu na Argentina.

32

31

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

128

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

129

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

11. REFLEXÃO PESSOAL SOBRE O FUTEBOL FEMININO

CONCLUSÃO

Com a realização do trabalho e algumas noções pessoais sobre o futebol, acho que

A realização deste trabalho fez com que eu me aproximasse da realidade do

num futuro próximo, o futebol feminino estará o mesmo nível do masculino, mas para

futebol feminino, que ainda se apresenta numa fase inicial, em estado amador ou

isso terá de enfrentar algumas adversidades.

semiprofissional na maior parte dos países, contudo apresenta uma margem de progressão

O futebol feminino terá obrigatoriamente de se tornar profissional em todo o

sem limites.

mundo. Em Portugal, talvez com a ajuda da criação de uma Liga especifíca só para o

Para esta margem acontecer o mais rapidamente possível a FIFA, a UEFA e as

futebol feminino, já com a centralização dos direitos televisivos ou até mesmo streaming.

Federações de cada país têm desenvolvido programas de apoio ao futebol feminino.

Muito provavelmente, para ter uma melhor representação da competição em Portugal será

Porém esta ajudas são insignificantes para o objetivo das atletas, pois estas lutam contra

necessário também a entrada de clubes como o F.C. do Porto, visto que por exemplo o

a mentalidade da cultura geral da sociedade para alcançarem direitos iguais aos

Vitória S.C. e F.C. Famalicão iniciaram também este ano uma equipa no futebol feminino,

futebolistas masculinos.

porque são equipas que podem trazer maior competitividade à competição, com uma boa massa adepta que trará melhor imagem à competição e para além disto, também são sociedades desportivas que suportam no seu orçamento salários para a equipa feminina e masculina, equipas B`s, sub-23 e diferentes escalões para ambos os sexos.

Em suma, este trabalho deixou-me mais enriquecido e também me alertou para as dificuldades que as mulheres enfrentam, o que me leva a estar mais conectado ao seu futebol.

O futebol feminino terá de encontrar uma nova gestão nos clubes e sociedades desportivas, porque tenderá a endividar-se com o investimento realizado para o seu desenvolvimento, como já acontece no futebol feminino inglês. Para além das lutas pelos direitos falados anteriormente, será uma incógnita o que irá acontecer a jogadoras que possam vir a engravidar, durante o contrato com os clubes, pois já aconteceu atletas olímpicas perderem os seus contratos com as suas marcas patrocinadoras porque os seus desempenhos desportivos diminuírem. Por outro lado, podem obter novos patrocínios, que no caso do futebol masculino não acontecem, como a entrada de produtos de saúde e estética feminina.

33

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

130

www.ligaportugal.pt

34

www.ligaportugal.pt

131

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


4. FUTEBOL FEMININO

4. FUTEBOL FEMININO

WEBGRAFIA

Tribuna Expresso. https://tribunaexpresso.pt/opiniao/2019-06-04-Nao-bastapromover-o-empoderamento-feminino-em-campanhas-e-preciso-po-lo-em-

pratica [consultado em junho de 2019]

Bola na Rede. https://bolanarede.pt/modalidades/desporto-masculino-vsdesporto-feminino-um-mundo-de-diferencas/ [consultado em junho de 2019]

Diário de Notícias. https://www.dn.pt/desportos/interior/adidas-equipara-

football/programme/index.html?redirectFromOrg=true [consultado em junho de

premios-das-mulheres-aos-dos-homens-no-campeonato-do-mundo-

2019]

10663533.html [consultado em junho de 2019] ▪ ▪

UEFA. https://pt.uefa.com/insideuefa/football-development/womens-

UEFA.https://www.uefa.com/MultimediaFiles/Download/OfficialDocument/uef

Federação Portuguesa de Futebol. https://www.fpf.pt/News/Todas-as-

aorg/Women'sfootball/02/43/13/56/2431356_DOWNLOAD.pdf [consultado em

not%C3%ADcias/Not%C3%ADcia/news/19998 [consultado em junho de 2019]

junho de 2019]

Federação Portuguesa de Futebol. https://www.fpf.pt/pt/News/Todas-asnot%C3%ADcias/Not%C3%ADcia/news/12849 [consultado em junho de 2019]

FIFA. https://www.fifa.com/womens-football/strategy/ [consultado em junho de 2019]

GloboEsporte. https://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundofeminina/noticia/futebol-feminino-faz-globo-dobrar-audiencia-no-rio-e-crescer90percent-emsp.ghtml?fbclid=IwAR2HAMHMXPFNueq1qJdAMtZebxSRanamc5EA1mclN DmBHxEs_o7ZAGyOGEg [consultado em junho de 2019]

Observador. https://observador.pt/especiais/um-mundial-que-nao-tem-a-melhordo-mundo-e-e-o-mais-importante-de-sempre-masporque/?fbclid=IwAR3kGu5ZxRD2EC7R1M8yVD4wrO2OQE4iawR7TV_Fy6 -t62S3OSt8EuGjPeU [consultado em junho de 2019]

Portal Futebol Feminino Portugal. https://futebolfemininoportugal.com/clubesingleses-tem-prejuizo-apesar-dos-estadios-lotados/ [consultado em junho de 2019]

Portal Futebol Feminino Portugal. https://futebolfemininoportugal.com/uefaquer-valorizar-modalidade-e-duplicar-numero-de-atletas-ate-2024/ [consultado em junho de 2019]

Público. https://www.publico.pt/2019/06/07/desporto/noticia/mundial-2019ponto-viragem-futebol-feminino-1875667 [consultado em junho de 2019]

Tribuna Expresso. https://tribunaexpresso.pt/futebol-feminino/2019-06-07-Abola-e-igual-para-todos-mas-no-Mundial-ainda-nao-sao-todas-iguais [consultado em junho de 2019] 35

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

132

www.ligaportugal.pt

36

www.ligaportugal.pt

133

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS Cândido Porto Mendes


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

136

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

137

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

138

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

139

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

140

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

141

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

142

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

143

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

144

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

145

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

146

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

147

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

148

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

149

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

150

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

151

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

152

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

153

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

154

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

155

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

5. COMPLIANCE NAS SOCIEDADES DESPORTIVAS

156

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

157

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


O ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE TRABALHO DO PRATICANTE DESPORTIVO Diogo Soares Loureiro


Diogo Soares Loureiro

Diogo Soares Loureiro 6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

ABREVIATURAS

ÍNDICE

CT – Código do Trabalho CC – Código Civil

pag. 1 159

Abreviaturas

CRP – Constituição da República Portuguesa 1.

O conceito de período normal de trabalho

pag. 4 160

ob. - Obra

2.

A Lei 54/2017

pag. 6 162

cit. – Citada

3.

O artigo 16º

pag. 7 163

art. – Artigo

4.

Conclusão

pag. 16 172

nº – Número

Bibliografia utilizada

pag. 18 174

al. – Alínea

Jurisprudência utilizada

pag. 19 175

STJ – Supremo Tribunal de Justiça TRL – Tribunal da Relação de Lisboa TRP – Tribunal da Relação do Porto TRC – Tribunal da Relação de Coimbra TC – Tribunal Constitucional CJ – Coletânea de Jurisprudência p. – Página DL – Decreto- Lei AT – Acidente de Trabalho Ac. – Acórdão LPFP – Liga Portuguesa de Futebol Profissional FPF – Federação Portuguesa de Futebol ANTF – Associação Nacional de Treinadores de Futebol SJPF – Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol CCTTF – Contrato Coletivo de Trabalho Treinadores Futebol IRCT – Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho RJCTPD - regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo. EE- Entidade Empregadora PNT- Período normal de trabalho HT- Horário de trabalho OTT – Organização do tempo de trabalho DPECSoares - Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Diogo Loureiro Novembro de 2003 1

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

160

www.ligaportugal.pt

TJUE – Tribunal Judicial da União Europeia UE – União Europeia

www.ligaportugal.pt

161

2

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

Diogo Soares Loureiro

1. O CONCEITO DE PERÍODO NORMAL DE TRABALHO

oito horas por dia e quarenta horas por semana” excetuando regimes especiais, pelo que este mesmo período pode ser reduzido ou alargado, desde que se preencham os

Podemos encontrar o conceito de “tempo de trabalho” no art. 197º nº. 1 do CT,

pressupostos previstos no CT, embora com limites absolutos previstos no seu art. 211º.

como sendo “qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou

Como já referimos, estes limites além de pretenderem garantir a existência de tempos de

permanece adstrito à realização da prestação”. Refere ROMANO MARTINEZ1 que temos

não trabalho - para que o trabalhador veja a sua saúde salvaguardada e para que possa

de forma obrigatória de relacionar este conceito com outros como “período de

recuperar fisicamente e psicologicamente entre cada jornada laboral – pretendem

funcionamento”, “horário de trabalho” ou “período normal de trabalho”.

igualmente que o trabalhador possa conciliar a sua vida pessoal e familiar com a sua atividade laboral4.

A nossa legislação regula estes conceitos nos art. 197º e ss. do CT, sendo que assume especial importância o art. 198º do mesmo diploma quando define “período

Debruçando-me sobre as normas da União Europeia em matéria de tempo de trabalho,

normal de trabalho” como o tempo em que o trabalhador se obriga a prestar o seu trabalho,

importa observar a DPEC5 relativa à organização do tempo de trabalho, em concreto o

estipulado em determinadas horas por dia e por semana, constituindo então um tempo de

art. 6º al. b) que estabelece um limite máximo de 48 horas de trabalho por cada período

disponibilidade para prestar a sua atividade.

de sete dias, incluindo horas extraordinárias. Como podemos verificar pela letra da Lei, o artigo da Diretiva foi corretamente transposto para o nosso ordenamento jurídico,

Na mesma senda, a nossa Constituição refere no seu art. 59º nº. 1 al. d) que o

nomeadamente no art. 211º nº. 1 do CT. Sucede que da análise do art. 1º nº. 3 e do art.

trabalhador tem direito a ver a sua jornada de trabalho limitada, assim como a gozar do

17º da DPEC, este parece apontar para a aplicabilidade do seu regime aos praticantes

seu descanso semanal. A prestação do trabalho não pode preencher toda a disponibilidade

desportivos.

do trabalhador, sob pena de limitar o usufruto da sua vida pessoal, a sua liberdade e dignidade. Desta forma, quando definimos o tempo de trabalho, estamos ao mesmo tempo

ANA LAMBELHO e LUÍSA ANDIAS GONÇALVES definem horário de trabalho como

a definir o “tempo de não trabalho” - os momentos de lazer e repouso. Nas palavras de

“a determinação das horas de início e de termo do PNT e do intervalo de descanso, bem

MONTEIRO FERNANDES2 esta determinação é fundamental “para que se afaste qualquer

como do descanso semanal6”. Este encontra-se regulado nos art. 212º a 217º do CT e tem

semelhança com a escravatura ou a servidão” e nas palavras de PALMA RAMALHO3 “por

de respeitar os períodos de pausa e de descanso do trabalhador, sejam eles diários ou

um lado, porque contribui para limitar a sua subordinação [do trabalhador] perante o

semanais, obrigatórios não só pelo CT, mas também pela DPEC7. Por regra o trabalhador

empregador; por outro lado, porque tutela a sua saúde”.

tem direito a um período de descanso diário de onze horas entre dois períodos de trabalho consecutivo e a um dia de descanso por semana de trabalho.

No que ao período normal e trabalhado diz respeito, releva em todo o caso, que se definam os seus limites, que com o passar dos anos foram sendo regulados de forma diferente e sofreram, tal como muitas outras áreas do direito, uma considerável transformação. Hoje o CT no seu art 203º nº. 1 escreve que o PNT “não pode exceder 1 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, p.536.

2 ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 17º edição, Almedina, Coimbra, 2014, p.307.

3 MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de direito do trabalho – Parte II – Situações laborais individuais, 5ª edição,

Almedina, Coimbra, 2014, p. 518.

4

4 Consagrado nos art. 59º nº. 1 al. b) e 67º nº. 1 al. h) da CRP.

5 Esta Diretiva vem de certo modo compilar a informação prevista nas anteriores Diretivas do Conselho 93/104/CE e

2000/34/CE.

6 ANA LAMBELHO E LUÍSA ANDIAS GONÇALVES, Manual de Direito do Trabalho – Da Teoria à Prática, Coimbra Editora,

Coimbra, 2014, p.225. 7 Regulado nos art. 213º, 214º, 232º e 233º do CT e nos art. 3º, 4º e 5º da Diretiva.

5 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

162

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

163

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


Diogo Soares Loureiro

Diogo Soares Loureiro

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

2. A LEI 54/2017

3. O ARTIGO 16º

A convivência entre o Direito e o Desporto nem sempre foi fácil, mas a ligação

O praticante desportivo está inserido num espetáculo, sendo dos poucos ofícios

entre os dois institutos é inequívoca, inclusivamente LEAL AMADO refere que o Direito

onde existe interesse (mesmo que dispendioso) de um público em visualizar a prestação

Desportivo surge uma vez que “o fenómeno desportivo suscita a confluência, por vezes

dessa atividade. No fundo é possível, como defende BERNARDO LOBO XAVIER11,

conflituante, de fontes normativas públicas (…) e de fontes normativas privadas (por

estabelecer um paralelismo entre os praticantes desportivos e os profissionais de

exemplo, a regulamentação elaborada pelas federações desportivas…)” 8. No mesmo

espetáculos, uma vez que existem “treinos” e sessões de preparação para um evento final,

sentido JORGE LEITE9 defende que o Direito deve ser capaz de se moldar de acordo com

que apesar de consistir na prestação da sua atividade, tem como grande objetivo o

a realidade que pretende regulamentar.

entretenimento e o preenchimento dos tempos de lazer de quem a elas assiste. É certo que o praticante desportivo está altamente focado na competição, com a necessidade de

Foi crescendo a necessidade de os desportistas profissionais gozarem de regimes

apresentar resultados perante a sua entidade empregadora, deixando para segundo plano

específicos como o consagrado inicialmente na Lei 28/98, de 26 de Junho, e hoje

a perspetiva estética. Trata-se obviamente de uma questão altamente debatida, mas

consagrado na Lei 54/2017, de 14 de julho, não só pelas especificidades desta profissão

independentemente da perspetiva que se possa ter do desporto enquanto espetáculo, como

mas também pela pontual incompatibilidade ou falta de resposta do regime geral previsto

tão bem refere LEAL AMADO12 “Mais do que exibição, o desporto é competição”, pelo

no CT. Refere o juiz BAPTISTA COELHO10 que “enquanto no Direito do Trabalho o

que na realidade, ao contrário de uma peça de teatro que não será exibida se não existir

escopo fundamental assenta na segurança no emprego, considerada como garantia dos

público presente, um jogo de futebol (ou de andebol por exemplo), por imperativos

trabalhadores (…) no âmbito desportivo privilegia-se acima de tudo a liberdade

Regulamentares e Federativos será sempre realizado, com ou sem assistência.

contratual, ainda que temperada com uma estabilidade mínima”. Importa sublinhar que o art. 9º do CT e o art. 3º da Lei 54/2017 consagram a utilização subsidiária das regras

É de salientar que a distinção entre os períodos de preparação e os de realização

gerais do CT, no que for compatível com as especificidades da profissão. O art. 3º do CT

da atividade propriamente dita, torna-se irrelevante para efeitos de contabilização do

permite que as normas legais de regulamentação do contrato de trabalho possam ser

período normal de trabalho, uma vez que todos esses momentos são computados na

afastadas por IRCT, exceto as matérias previstas no nº. 3, que só podem ser afastadas se

prestação da sua atividade e todos eles contribuem para preencher os limites legalmente

em sentido mais favorável e nas quais se incluem algumas das questões que aqui vou

previstos. O art. 16º da Lei 54/201713 é, no entanto, omisso quanto a alguns desses limites.

abordar, tais como os limites ao período normal de trabalho ou períodos de repouso. Senão vejamos, e ao contrário do que acontece com os profissionais de espetáculos, os desportistas na modalidade de futebol não parecem ficar sujeitos ao regime previsto no CT relativamente aos limites do período normal de trabalho, podendo aparentemente recorrer ao art. 21º nº. 2 da IRCT existente entre a LPFP e o SJPF, para

8 JOÃO LEAL AMADO, Vinculação versus Liberdade – O processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p.27. 9 JORGE LEITE, Direito do Trabalho- lições ao 3º ano da FDUC, 1993, p.141. 10 ALEXANDRE BAPTISTA COELHO, “O contrato de trabalho desportivo” in O desporto que os tribunais praticam, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 260 e 261.

11 BERNARDO LOBO XAVIER, Contratos de trabalho dos profissionais de espetáculos (direito aplicável), RDGES nº 1, 1986,

p.122. 12 JOÃO LEAL AMADO, Vinculação… ob. cit., p.71. 13 Correspondente ao artigo 15.º da revogada Lei 28/98.

6

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

164

www.ligaportugal.pt

7

www.ligaportugal.pt

165

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

Diogo Soares Loureiro

Diogo Soares Loureiro

verem esses limites estabelecidos em sete horas de trabalho diário14. Quanto às restantes

esta matéria possa ser regulada por IRCT. Pois bem, são estas alíneas que merecem a

modalidades, na ausência de IRCT e perante a omissão destes limites na Lei 54/2017,

nossa atenção e reflecção.

será necessária a aplicação subsidiária15 do art. 203º e 211º do CT, estabelecendo esses limites em oito horas diárias e quarenta horas semanais, que podem atingir, no entanto, um máximo de quarenta e oito horas com a prestação de trabalho suplementar.

A Lei 54/2017 estipula que as viagens e estágios fazem parte do Período normal de trabalho, obrigando o jogador a permanecer sob a alçada e subordinação da entidade empregadora, mas por outro lado exclui os usuais e necessários limites que normalmente

O Art. 16º da Lei que aqui analisamos, estabelece no seu nº. 1, quais os períodos

tem de ser imperativamente cumpridos. Quando o nº. 3 do artigo mencionado em epigrafe

que se consideram integrados no período normal de trabalho - nomeadamente o tempo

se refere a um período considerado indispensável para as exigências da modalidade,

em que o atleta está na dependência e sob as ordens da entidade empregadora com o

parece-nos que estamos perante um conceito algo indeterminado e um pouco arbitrário,

objetivo de participar em provas desportivas, o tempo que o praticante passa em sessões

uma vez que cada entidade empregadora, cada equipa técnica, poderá apresentar um

de aperfeiçoamento e o tempo despendido em tratamentos e exames clínicos que tenham

critério francamente díspar – se alguns isentam a realização de estágios, outros

como meta a preparação e recuperação. Nas alíneas a) e b) do art. 16º não parece existir

consideram-nos indispensáveis17.

grande conflito ou incompatibilidade com o regime geral consagrado no CT, uma vez que dificilmente os jogadores ultrapassam as oito horas (ou mesmo as sete horas definidas

Por um lado, é certo que o IRCT aplicável aos jogadores de futebol, no seu art.

para os futebolistas) de trabalho diário, até porque existe interesse da parte dos treinadores

21º nº. 3, regula que os estágios não devem ultrapassar as trinta e seis ou setenta e duas

em evitar o excessivo desgaste físico que só terá consequências nocivas no rendimento

horas (conforme o local onde decorre o jogo), sendo igualmente verdade que o art. 211º

dos atletas16.

nº. 1 do CT admite que os limites ao PNT sejam verificados num período de referência. Por outro lado, é igualmente certo que o nº. 4 do art. 21º (do IRCT) não obriga ao

A discussão e as dúvidas surgem quando analisamos o preceito descrito na última

cumprimento destes limites, pois permite que os mesmos sejam alargados se as

alínea do nº. 1, quando engloba no período normal de trabalho: “c) O tempo despendido

circunstâncias assim o justificarem. Deste modo, este IRCT que procurava clarificar a

em estágios de concentração e em viagens que precedam ou se sucedam à participação

indefinição do art. 16º, vem antes adensar as dúvidas, uma vez que estamos perante outro

em provas desportivas.”, referindo que estes períodos não são relevantes para os limites

regime que não resolve de forma definitiva a ausência de limites absolutos. Realço ainda

do PNT previstos no CT. O mesmo artigo vem ainda acrescentar nos restantes números

que para as outras modalidades, não existe sequer uma “sugestão” quanto aos limites de

que: “A frequência e a duração dos estágios de concentração devem limitar-se ao que,

duração máxima dos estágios, dado estes carecerem de um IRCT, algo que na nossa visão

tendo em conta as exigências próprias da modalidade e da competição em que o

merecia uma maior atenção por parte do Legislador, apresentando-se como uma omissão

praticante intervém e a idade deste, deva ser considerado indispensável”, admitindo que

que não permite acautelar a saúde e segurança dos praticantes, principalmente os atletas não profissionais que tem ainda de assegurar outras prestações laborais. Relembro que nestas matérias, a justificação da possível aplicação do IRCT e correspondente

14 Disponível em www.fpf.pt. ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO refere-se aos IRCT como “fonte por excelência do dinamismo

sobreposição do mesmo em relação à Lei geral e Lei especial, é encontrada no disposto

do ordenamento laboral”, funcionando como um verdadeiro “regime especial” e sublinhando a importância que poderá ter no preenchimento de lacunas legais – Vide ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO, “o art. 9º do Código do Trabalho e a situação laboral dos treinadores desportivos” – in Desporto & Direito, Ano IX- nº25- Setembro/Dezembro, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p.38-44. Uma vez que este regime das sete horas previsto no IRCT parece ser mais favorável ao trabalhador e não viola os preceitos legais nacionais e comunitários em matéria de PNT, considero que este instrumento deve fazer-se valer no caso dos futebolistas, pelo menos no que concerne ao nº 2 do art. 21º. 15 De acordo com os já referidos art. 9º do CT e art. 3º da Lei 28/98. 16 Mesmo com treinos bi- diários e sessões fisicamente intensas, no contacto que tive com atletas de alta competição, foi-me transmitida a informação de que esses limites diários de um dia “normal” de preparação para o jogo, seriam sempre (ou quase sempre) respeitados.

períodos de estágio e preparação, ficando desta forma privados de alguns momentos de lazer, nomeadamente da possibilidade de estarem com as suas famílias.

8

9

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

166

www.ligaportugal.pt

no nº. 4 do art. 16º da Lei 54/2017, mas similarmente porque o estabelecimento destes limites seria na teoria mais benéfico para o praticante.

17 Antes de jogos com um grau de exigência ou de mediatismo superior, são muitas vezes obrigados a realizar longos

www.ligaportugal.pt

167

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


Diogo Soares Loureiro 6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

Diogo Soares Loureiro

LEAL AMADO18 transmite uma opinião com a qual não podemos deixar de

Coimbra de 08/09/200921, que demonstrou considerar como parte integrante do período

concordar, já que ao olhar para o preceito descrito no nº. 4 do art. 15º da Lei 28/98, hoje

normal de trabalho os minutos preambulares ao início de um treino, em que determinado

replicada na integra pelo n.º 4 do artigo 16º da Lei 54/2017, ficamos igualmente com a

jogador se encontrava sozinho, por sua livre e espontânea vontade, no campo de treinos

sensação que o Legislador procurou de alguma forma “tranquilizar” a sua consciência

a “encestar” bolas tendo o infortúnio de se lesionar.

pelo facto de não ter estipulado limites a uma parte do PNT dos praticantes desportivos, remetendo esta questão para a Contratação Coletiva. O mesmo autor considera que esta

Analisando de forma mais profunda esta questão, na nossa perspetiva o problema

ausência de limites é uma verdadeira manifestação da forte subordinação jurídica do

desta “flexibilidade” poderá estar no seu reverso, ou seja, poderá tornar-se castradora da

trabalhador19, uma vez que atribui “sinal verde” ao empregador para quebrar as barreiras

liberdade do trabalhador/jogador, nomeadamente por poder ser utilizada como forma de

entre a vida profissional e pessoal do atleta, consignando neste caso um comportamento

contornar a aplicação de outras figuras como o trabalhado suplementar ou o trabalho

abusivo.

noturno, consubstanciando uma violação dos limites do art. 211º do CT. Alguma vez ouvimos falar em trabalho suplementar no âmbito do futebol profissional? Alguma vez

Não temos dúvidas que as especificidades das diferentes modalidades desportivas

ouvimos casos de jogadores apresentarem ações contra os clubes por créditos salariais

obrigam a uma grande maleabilidade normativa, uma vez que se torna difícil prever com

resultantes de trabalho noturno ou trabalho suplementar? A análise histórica aponta para

exatidão o número de jogos, o rendimento ou o tempo de laboração efetivo dos atletas,

uma resposta negativa, até porque os regimes especiais e IRCT consagrados parecem

uma vez que tais fatores se encontram fortemente influenciados por inúmeros fatores

afastar a existência destas figuras. Analisando a Lei 54/2017, conceitos como “horas

físicos e psicológicos. Sobre esta “flexibilidade” das Leis do trabalho, MONTEIRO

extra”, “trabalho suplementar” ou “trabalho noturno” simplesmente existe qualquer

FERNANDES20 refere que esta é muitas vezes confundida com o conceito de desregulação

correspondência na letra do mesmo. No que ao Contrato Coletivo diz respeito, é possível

e que “pode, de resto, significar (…) o recuo de regulação legal, isto é, da norma estatal,

encontrar a definição e caracterização destes conceitos, mas existe essencialmente a

e a abertura de espaços novos à contratualidade coletiva”.

obrigação dos clubes e respetivas equipas técnicas definirem previamente os horários de treino. Ou seja, uma vez mais, teve de ser o Contrato Coletivo a entrar em cena e fazer a

A realidade com que nos deparamos é manifestamente bipolar, pois criou-se um

ligação entre a Lei especial e a Lei geral. Não sendo este o objetivo do trabalho em

regime próprio para os desportistas como forma de dar resposta à pouca aplicabilidade

questão, não posso deixar de realçar que relativamente à forma como o IRCT define os

das normas do regime geral previsto no CT, mas por outro lado o art. 16º é um exemplo

limites ao PNT, parece existir entre o artigo 22.º e o n.º 2 do artigo 21.º uma dificuldade

claro de que o regime mais generalista apresenta igualmente lacunas, uma vez que

de conciliação, na medida em que se um artigo atribui uma maior flexibilização na

necessita de recorrer a Instrumentos de regulamentação coletiva de Trabalho como forma

prestação do trabalho, o outro parece estabelecer limites concretos e claros, obrigando a

de se adaptar às características de cada modalidade e como forma de atingir a realização

os clubes a definir claramente e expressamente os horários de treino e de laboração dos

dos objetivos que a norma pretende garantir.

atletas. A sua conciliação, numa perspetiva puramente formalista, não é uma tarefa absolutamente desprovida de esforço, mas a realidade é que como referi anteriormente,

No mesmo sentido, a jurisprudência parece caminhar para uma “flexibilização”

os atletas não parecem devidamente despertos para esta situação, uma vez que não é usual

normativa, como nos demonstra por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de

encontrarmos ações judiciais movidas contra os seus atuais ou anteriores clubes para pagamento de créditos salariais resultantes da prestação de trabalho suplementar.

18 JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho desportivo – anotado, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 56.

Partilhamos as mesmas preocupações de LEAL AMADO, quando no comentário ao art. 15º

19 JOÃO LEAL AMADO, Vinculação versus … ob. cit., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p.69.

20 ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, “Os sentidos de uma revisão flexibilizante das leis de trabalho” – Questões Laborais,

Ano VI – nº13, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p.48.

10

21 Ac. do TRC de 08/09/2009 (Teles Pereira), in www.dgsi.pt.

11 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

168

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

169

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

Diogo Soares Loureiro

Diogo Soares Loureiro

do Decreto-Lei 305/9522, se questiona: “não redundará este regime, de algum modo,

PNT, quer para o descanso diário obrigatório, a Diretiva erradamente não estabeleceu

numa certa overdose?”23.

qualquer exceção para os praticantes desportivos, sendo que as suas disposições transpostas para o nosso CT26, lhe serão então aplicáveis, criando uma situação de claro

Da perspetiva legislativa e contratual mais “nacional”, realce ainda para o facto

desrespeito pelos preceitos nacionais e da UE.

de o IRCT estipular como limites de trabalho suplementar o PNT normal do jogador. Quer isto dizer que um jogador poderá fazer até 35 horas de trabalho suplementar por

Uma vez que o tempo despendido em viagens e em estágios de preparação integra

semana, sendo certo que a estes limites acresce a possibilidade de realização de estágios

o PNT sem o limitar, mesmo que a duração dos estágios respeite as trinta e seis ou setenta

de concentração, cujo tempo não está sequer computado para efeito dos limites de duração

e duas horas fixadas no IRCT, tendo como referência o regime das onze horas de descanso

de trabalho previstos no CCT. Permitam-nos a ousadia, mas a solução consagrada parece-

entre dois períodos de trabalho consecutivo (como previsto no CT), ou por cada período

nos no mínimo, confusa.

de vinte e quatro horas (como previsto na DPEC), estes limites são grosseiramente ultrapassados. O praticante não preencher nenhuma das exceções previstas no n.º 2 do art

Esta “desregulação” levanta também problemas com o Direito da UE, pois apesar

214º, existindo assim uma violação clara do nº 1 deste mesmo artigo.

de o art. 15º da DPEC permitir que se afaste o regime do art. 6º da mesma Diretiva, apenas o permite em sentido mais favorável para o trabalhador. Esta maleabilidade do PNT

Não nos parece sequer razoável invocar os art. 3º nº. 3 do CT ou o art. 15º da

prevista na Lei 54/2017 não será antes mais favorável para o empregador? Nas

DPEC, uma vez que o IRCT existente só contempla uma modalidade desportiva (futebol)

derrogações permitidas em matéria de PNT (art. 6º), o praticante desportivo não está

e é omissa quanto à obrigatoriedade do descanso diário, apresentando-se como um regime

contemplado no art. 17º nº.1 da Diretiva, logo, à partida, têm aplicabilidade os limites do

menos favorável para o trabalhador. Estamos perante mais uma lacuna que só poderá ser

art. 6º al. b), devidamente transpostos para o nosso ordenamento através do art. 211º do

resolvida através da analogia prevista no art. 9º do CT? O IRCT da LPFP com o SJPF,

CT. Ora, este “problema” vem ainda acompanhado por uma total omissão quer na Lei

aparentemente arranjou forma de afastar, ainda que provisoriamente, estes problemas de

54/201724, quer no IRCT aplicável aos futebolistas, sobre o intervalo de descanso e sobre

interpretação legislativa, funcionando como “válvula de escape” quando no seu artigo 4.º

o descanso diário, que nos obriga a recorrer ao regime geral previsto nos art. 213º e 214º

escreve que:“Às relações emergentes de contrato de trabalho desportivo, subscritos

do CT25, tendo sempre em atenção o regime do art. 3º e 4º da DPEC como forma de

pelos futebolistas profissionais e pelos clubes ou sociedades desportivas, serão aplicáveis

balizar estes valores. Sobre as derrogações previstas ao descanso diário no art. 17º nº. 3,

as normas do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e,

suscitaram-nos algumas dúvidas a al. a), nomeadamente se a prática desportiva poderia

subsidiariamente, as disposições aplicáveis ao contrato de trabalho, com exceção

ser considerada uma atividade caraterizada “por um afastamento entre diferentes locais

daquelas que se mostrem incompatíveis com a natureza específica da relação laboral dos

de trabalho do trabalhador” - uma vez que os jogos são disputados em diferentes campos

futebolistas profissionais nomeadamente, as relativas à duração do trabalho.”

e pavilhões. No entanto os atletas não deixam de ter um local fixo onde treinam e se preparam durante toda a semana e normalmente os estágios ocorrem em locais já

A discussão poderá ser feita por outro prisma, procedendo-se à análise sobre se o

contratualizados e pré-definidos, além de jogarem metade dos jogos no seu estádio, pelo

tempo despendido em estágio, no quarto a descansar, poderá ser considerado como tempo

que consideramos que este praticante não se enquadra no preceito do artigo. Deste modo,

de repouso, ou se estamos perante verdadeiro tempo de trabalho. A Lei 54/2017 de forma

também aqui não serão possíveis derrogações, verificando-se que quer para os limites do

clara afirma que este faz parte do PNT e no Ac. SIMAP27 o TJUE considera que quando existe presença física do trabalhador e este está à disposição da EE, então estamos sempre

22 Atualmente Lei 28/98.

23 JOÃO LEAL AMADO, Contrato… ob. cit. Pag. 56 24 Omissão que já existia na Lei 29/98.

26 Nos art. 211º nº. 1 e 214º nº 1 do CT.

25 Isto resulta dos preceitos descritos no art. 3º da Lei 28/98 e do art. 4º da IRCT existente entre a LPFP e o SJPF.

27 Ac. do TJUE de 03/10/2000 (Moitinho de Almeida), disponível in www.curia.europa.eu.

12

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

170

www.ligaportugal.pt

13

www.ligaportugal.pt

171

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

Diogo Soares Loureiro

Diogo Soares Loureiro

perante tempo de trabalho. Refere ALBINO MENDES BAPTISTA28, citando o Direito

podemos esquecer o Direito da UE, nomeadamente um conceito abordado por CATARINA

Francês: “a duração do trabalho efectivo é o tempo durante o qual o assalariado está à

CARVALHO31 - o “descanso suficiente”32 presente na DPEC- que deverá servir de base

disposição do empregador e deve conformar-se às suas directivas sem poder dedicá-lo

para que Legisladores e Juízes reflitam sobre o período de descanso mínimo que deve ser

livremente às suas ocupações pessoais” acrescentando que “se o trabalhador não exerce

assegurado ao trabalhador. Esta preocupação é especialmente sentida no caso dos atletas

a sua actividade, mas está disponível para o fazer, esse tempo deve ser computado no

sujeitos a competições internacionais, obrigados a ocupar grande parte da semana em

tempo de trabalho”.

viagens e concentrações em centros de treino e hotéis.

Verificamos nestas situações que o atleta apresenta-se num limbo entre o trabalho

Apesar de se tratar de um conceito indeterminado, dificilmente quantificável e

efetivo e o repouso, onde não se encontra a prestar a sua atividade, mas também não pode

mesmo sabendo que o objetivo principal destes estágios é precisamente evitar que os

simplesmente abandonar o quarto de hotel para ir às compras ou ao cinema com a família,

jogadores prescindam da sua recuperação para usufruírem de momentos de lazer, a

usufruindo do seu tempo como se de uma folga se tratasse.

realidade é que formalmente os estágios estão incluídos no PNT, existindo desta forma uma violação do conceito de “descanso suficiente”. Esta indefinição sobre os tempos de

Como verificamos no Ac. JAEGER29, a Lei e jurisprudência Alemã consagram o

repouso e a lacuna de regulamentação existente para os limites do PNT, permite que um

denominado Bereitschaftsdienst, considerando que apesar do jogador ser obrigado a estar

treinador, se assim entender, possa dar um treino às três horas da manhã, perturbando o

presente num local determinado pela EE (disponível para retomar o serviço sob pedido),

descanso do praticante, sem que dessa ação advenha consequência direta ou sanção por

este está autorizado a descansar ou a ocupar-se enquanto os seus serviços profissionais

parte da Lei 54/2017 ou de qualquer IRCT aplicável no âmbito desportivo. Não é um

não são exigidos, sendo então este período qualificado como tempo de descanso.

cenário previsível, mas possível, que consubstanciaria sem margem para dúvidas, um

Discordamos deste entendimento e acompanhamos o TJUE, pois na nossa opinião

comportamento abusivo da entidade empregadora e uma violação dos art. 211º, 214º nº.

estamos claramente perante o denominado “tempo/regime de prevenção”. A nossa

1 do CT e da Diretiva. É verdade que o IRCT aplicável aos futebolistas afasta os regimes

jurisprudência30 considera que se o trabalhador está disponível ou acessível para

do CT no que à duração do tempo de trabalho diz respeito, mas será isto suficiente e

trabalhar, só poderá ser considerado tempo de repouso se este se encontrar fora do seu

possível, tendo em conta que poderá ser menos favorável para o atleta e abre a porta a

local de trabalho ou do local controlado pelo empregador, o que não é manifestamente o

eventuais exageros?

caso. O atleta não pode nesta situação gerir o seu tempo no local que entender, usufruindo É imperioso que a DPEC seja reformulada no sentido de prever exceções para

do seu ócio e da sua família.

estes profissionais no art. 17º. Perante o regime atual, não sou obviamente a favor da Feita toda esta intensa viagem pelos vários regimes e regulamentações, a verdade

eliminação dos estágios, pois reconheço a sua importância e essencialidade para o

é que a qualificação destes períodos como sendo tempo de trabalho suscita vários

rendimento competitvo, no entanto, uma vez que estes se enquadram no tempo de

problemas para a saúde do trabalhador. Além da violação dos limites ao PNT previstos

trabalho, penso que a solução passaria pela alteração do artigo 16º, no sentido da criação

no art. 211º do CT e das dificuldades que surgem na conciliação com a vida pessoal e

de um “triplo limite absoluto”. Por um lado, estabelecer uma duração máxima imperativa

familiar, existe como já referi, no momento dos estágios, uma clara violação das onze

aos estágios (em conformidade com a Diretiva e com o 211º do CT) e dentro deste limite,

horas obrigatórias pelo art. 214º nº. 1 do CT que não pode ser ignorada. Nem tão pouco 28 ALBINO MENDES BAPTISTA, «Tempo de trabalho efectivo, tempos de pausa e tempo de “terceiro tipo”» in Revista de

Direito e de estudos sociais – Ano XLIII, Janeiro-Março-nº1, Editorial Verbo, Lisboa, 2002, p.41 e 42. 29 Ac. do TJUE de 09/09/2003 (R. Schintgen), disponível in www.curia.europa.eu. 30 Vide Ac. STJ de 19/11/2009 (Sousa Grandão), disponível in www.dgsi.pt.

31 CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, “A regulamentação nacional do tempo de trabalho e o direito comunitário: omissões

e incompatibilidades” in Questões Laborais – Ano XIII – nº 27, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 45.

32 Art. 2º nº. 9 da DPEC, referindo-se a estes períodos de descanso como “suficientemente longos e contínuos para

evitar que se lesionem ou lesionem os colegas ou outras pessoas e para que não prejudiquem a saúde, a curto ou a longo prazo, por cansaço ou ritmos irregulares de trabalho”.

15

14

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

172

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

173

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

Diogo Soares Loureiro

Diogo Soares Loureiro

estipular os períodos mínimos de descanso e os limites máximos à prestação efetiva da

forma definitiva esta problemática, sendo certo que ainda não existe IRCT aplicável para

atividade desportiva. A preocupação deverá ser a de que os atletas possam efetivamente

todas as modalidades desportivas. Feita toda esta viagem interpretativa, será necessário

usufruir de onze horas de não laboração, ainda que obrigados a comparecer no local

na nossa opinião, uma reformulação de algumas alíneas do art. 16º da Lei 54/2017,

estipulado pela EE. Qualquer violação do período de descanso diário deve ser

tornando-as mais objetivas e imperativas no sentido de proteger os atletas dos

acompanhada da atribuição subsequente de um período equivalente de descanso

comportamentos abusivos dos clubes, entidades empregadoras e profissionais integrantes

compensatório, algo que nem a Lei 54/2017, nem o IRCT prevê.

dos mesmos. Por vezes os Legisladores e grupos de trabalho tem algum receio de criar normas que sejam pouco exequíveis ou que possam ser reiteradamente ignoradas ou ultrapassadas, mas é necessário que tenham em mente que a omissão ou desregulação é

4. CONCLUSÃO

uma arma igualmente perigosa. A mentalidade que parece estar enraizada em Portugal está bem patentes nas palavras outrora proferidas por NATALINO GOMES DA SILVA:

Por todas as dificuldades com que nos deparamos no confronto entre o regime

“Condene-me pelo excesso, mas não me julgue pela omissão”.

especial dos praticantes desportivos e o regime geral, torna-se evidente, como refere JÚLIO GOMES33, que a organização do tempo de trabalho tem de ter em conta vários aspetos como as necessidades económicas e produtivas da atividade, a saúde mental e física dos trabalhadores, o seu desgaste e a salvaguarda do tempo de repouso, onde se inclui o seu tempo de lazer e a disponibilidade para a vida familiar. A especialidade deste ramo profissional, assim como do regime consagrado na Lei 54/2017, não pode obviamente ser olvidado e só uma profissão como a de um futebolista poderia aceitar certos condicionamentos e fatores tão particulares. Estamos a falar de uma profissão de desgaste rápido, de uma carreira curta, onde o risco de lesões é elevado e ainda marcada em determinados casos por um acentuado grau de mediatismo e reconhecimento que obriga a um certo isolamento e salvaguarda dos atletas. No que concerne ao período normal de trabalho, o regime consagrado apresenta visíveis divergências com o regime geral e com as normas da EU, dada a excessiva maleabilidade do PNT, o que constitui uma transferência de poder para a entidade empregadora, que resulta em situações que se podem tornar desastrosas, castradoras de Direitos dos trabalhadores, e que deveriam ter sido acauteladas, nomeadamente com a Diretiva a prever exceções para os praticantes desportivos. O IRCT existente é francamente mais completo do que a Lei especial, e foi sendo trabalhador e melhorado neste sentido, mas ainda não é totalmente capaz de resolver de 33 JÚLIO VIEIRA GOMES, Direito do Trabalho, Volume I – Relações individuais de trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007,

p.653.

16

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

174

www.ligaportugal.pt

17

www.ligaportugal.pt

175

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


Diogo Soares Loureiro 6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

6. ARTIGO 16º DO REGIME JURÍDICO

BIBLIOGRAFIA:

JURISPRUDÊNCIA:

- AMADO, JOÃO LEAL, Contrato de Trabalho desportivo – anotado, Coimbra Editora,

- Acórdão do STJ de 19/11/2009 (Sousa Grandão), in www.dgsi.pt.

Coimbra, 1995.

- Acórdão do TJUE de 03/10/200 (Moitinho de Almeida), in www.curia.europa.eu.

- AMADO, JOÃO LEAL, Vinculação versus Liberdade – O processo de constituição e

- Acórdão do TJUE de 09/09/2003 (R. Schintgen), disponível in www.curia.europa.eu.

extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002.

- Acórdão do TRC de 08/09/2009 (Teles Pereira), in www.dgsi.pt.

- BAPTISTA, ALBINO MENDES, «Tempo de trabalho efectivo, tempos de pausa e tempo de “terceiro tipo”» in Revista de Direito e de estudos sociais – Ano XLIII, Janeiro-Marçonº1, Editorial Verbo, Lisboa, 2002. - CARVALHO, CATARINA DE OLIVEIRA, “A regulamentação nacional do tempo de trabalho e o direito comunitário: omissões e incompatibilidades” in Questões Laborias – Ano XIII – nº 27, Coimbra Editora, Coimbra, 2006. - COELHO, ALEXANDRE BAPTISTA, “O contrato de trabalho desportivo” in O desporto que os tribunais praticam, Coimbra Editora, Coimbra, 2014. - DE CARVALHO, ANTÓNIO NUNES, “o art. 9º do Código do Trabalho e a situação laboral dos treinadores desportivos” – in Desporto & Direito, Ano IX- nº25Setembro/Dezembro, Coimbra Editora, Coimbra, 2011. - FERNANDES, ANTÓNIO MONTEIRO, “Os sentidos de uma revisão flexibilizante das leis de trabalho” – in Questões Laborais, Ano VI – nº13, Coimbra Editora, Coimbra, 1999. - FERNANDES, ANTÓNIO MONTEIRO, Direito do Trabalho, 17º edição, Almedina, Coimbra, 2014. - GOMES, JÚLIO VIEIRA, Direito do Trabalho, Volume I – Relações individuais de trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007. - LAMBELHO, ANA, GONÇALVES, LUÍSA ANDIAS, Manual de Direito do Trabalho – Da Teoria à Prática, Coimbra Editora, Coimbra, 2014. - LEITE, JORGE, Direito do Trabalho- lições ao 3º ano da FDUC, 1993, p.141. - MARTINEZ, PEDRO ROMANO, Direito do Trabalho, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2013. - RAMALHO, MARIA DO ROSÁRIO PALMA, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2014. - XAVIER, BERNARDO LOBO, Contratos de trabalho dos profissionais de espetáculos (direito aplicável), RDGES nº 1, 1986, p.122. 19 18

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

176

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

177

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO – O CASO DE ALCOCHETE José Pedro Costa Gonçalves Pereira


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

1. Resumo

2. Abstract

Poucas serão as pessoas que se encontram em consonância sobre o episódio que abalou o futebol português e o Sporting em específico.

Few people agree with the consequences that emerged from the episode that shocked the portuguese football, and Sporting more specifically.

Num período onde a comunicação social procura, em primeira linha, ganhar audiências e receitas, ao invés de privilegiar uma informação detalhada e pormenorizada sobre os acontecimentos, a sociedade acaba por ser torneada por desinformação, o que em nada privilegia o conhecimento. Por isso, aos olhos de um jurista, senti-me impelido a uma elaboração detalhada sobre as repercussões do “Caso Alcochete”, num plano jurídico. Apesar da complexidade e longevidade de acontecimentos que tiveram o seu início em específico em abril de 2018, até aos dias de hoje, neste trabalho pretendo analisar o sucedido desde a invasão à Academia de Alcochete, mas, mais em específico, as repercussões no

In a period where the social media search, in a first role, for the audience and the profit, instead of a detailed information about the facts, the society ends up being faced with too much disinformation, which doesn´ t help the acknowledgment. So, at the eyes of a jurist, I felt impelled to a detailed task about the "Caso Alcochete" consequences, in a legal view. Besides the complexity and extension of the facts, that began more specifically in april 2018, until today, in this task I want to analize what happened since then, more important, the consequences on the sports work contract.

contrato de trabalho desportivo, e as implicações da eventual justa causa.

With the purpose of an effetive acknowledgment, I contextualize the previous moments to the

De forma a poder enquadrar o tema em questão de forma eficaz, contextualizei os

role at the club.

acontecimentos prévios à invasão, desde a tomada de posse do ex-presidente do Sporting,

invasion, more specifically since the ex-president of Sporting, Bruno Carvalho, took that directive

Bruno de Carvalho.

Then, an analysis to the facts about the invasion on Sporting´s academy, and, after that, an

Posteriormente, uma análise aos factos divulgados sobre a invasão a Alcochete, e de seguida,

months.

uma exposição dos factos relevantes para o contrato de trabalho desportivo, que se seguiram

exposition of the relevant facts about the sports work contract, that happened in the following

nos meses seguintes à invasão, até aos dias de hoje.

After that, I expose the more relevant legal facts to the case, the work contract, the sport work

Após uma contextualização detalhada do caso, de forma breve exponho os aspetos mais

Profissionais de Futebol.

importantes sobre a legislação mais relevante para o caso, dos quais, o contrato de trabalho, o contrato de trabalho desportivo e o contrato coletivo de trabalho assinado pela Liga Portugal e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol.

contract, the colectiv work contract, signed by Liga Portugal, along with Sindicato de Jogadores

I end up the analysis with the most important details about the fair cause, if it would valid to consider it as legal or illegal, and what consequences may arise because of that.

Por fim, elucidar os aspetos mais importantes sobre a justa causa, ou seja, quais os aspetos mais relevantes para se considerar como válida e, dessa forma, considerar-se lícita a cessação do contrato pelo praticante desportivo, e os aspetos mais relevantes para a eventual inexistência, de forma a que a cessação do contrato pelos atletas seja considerada como ilícita, e eventuais repercussões que daí possam advir.

2 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

180

www.ligaportugal.pt

3 www.ligaportugal.pt

181

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

Índice

3. Introdução

1.

Resumo .................................................................................................................................178 2

2.

Abstract .................................................................................................................................179 3

3.

Introdução ..............................................................................................................................181 5

4.

Enquadramento dos Factos antes da Invasão a Alcochete ..................................................182 6

5.

A invasão a Alcochete ...........................................................................................................183 7

acontecimentos.

6.

O pós invasão a Alcochete ....................................................................................................184 8

Além disso, e como já seria expectável, um ano após o sucedido, mais especificamente, no dia

7.

O Contrato de Trabalho – Regime Geral ..............................................................................185 9

de que foi alvo.

8.

O Contrato de Trabalho Desportivo – A lei 54/2017 e o Contrato Coletivo de Trabalho .... 186 10 A)

A Lei 54/2017 .................................................................................................................. 186 10

B)

O Contrato Coletivo de Trabalho ..................................................................................... 190 14

9.

Os Fundamentos Legais – Enquadramento com o Caso Alcochete .................................. 191 15

10.

Existência de Justa Causa .............................................................................................. 192 16

11.

Inexistência de Justa Causa ........................................................................................... 193 17

12.

Conclusões ...................................................................................................................... 195 19

13.

Bibliografia ....................................................................................................................... 196 20

Portugal presenciou, em maio de 2018, seguramente, o episódio mais negro da história de um clube histórico, e de dimensão internacional, o Sporting Clube de Portugal. As semanas seguintes ao episódio da invasão à academia de Alcochete foram sistematicamente preenchidas em espaços noticiosos, ou pela imprensa escrita, de todas as repercussões inevitáveis, apesar do pouco suporte legal evidenciado em várias das análises dos

15 de maio de 2018, ainda poucas serão as conclusões sobre o caso, pela grande complexidade

Assim, e pela minha formação em Direito, considerei que este seria um tema verdadeiramente cativante, inclusive por não encontrar paralelo com qualquer outro tipo de situação, noutra organização desportiva, tanto em Portugal, como no resto da Europa. Por isso, pretendo expor detalhadamente todos os factos e acontecimentos, as implicações no contrato de trabalho desportivo, face a tudo o que se sucedeu, e quais as consequências a retirar, após um acontecimento desta gravidade. Refira-se que só no passado mês de maio de 2019 se iniciou a fase de instrução do inquérito do Caso Alcochete.

4 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

182

www.ligaportugal.pt

5 www.ligaportugal.pt

183

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

4. Enquadramento dos Factos antes da Invasão a Alcochete

5. A invasão a Alcochete

Após as eleições em 2011 para a presidência do Sporting, que permitiram a vitória de Godinho

No dia 15 de maio, durante o treino do Sporting após o jogo com o Marítimo, pelas 17 horas, 40

Lopes, o ano de 2013 data um novo período eleitoral, onde, desta feita, Bruno de Carvalho

“adeptos do Sporting” invadiram a Academia de Alcochete com o intuito de agredir os jogadores

conseguiu vencer, tornando-se o 42º Presidente do clube.

bem como equipa técnica do clube.

Nesse dia, 23 de março de 2013, Bruno de Carvalho, candidato da lista B, venceu com 53,63%

Tanto atletas como técnicos foram alvos de agressões, tanto físicas como verbais, sendo que, e

dos votos.

pelos relatos posteriormente, chegaram a temer pela vida.

À data, o ex-dirigente evidenciava-se como a grande voz da oposição à direção e gestão do

O atleta Bas Dost, agredido com um cinto, relatou “ter ficado em estado de choque”.

clube de Alvalade, que acumulava ano após ano, vários insucessos desportivos.

O jogador Acuña, no seu depoimento, constatou que se encontravam à volta de 50 indivíduos,

Foram 5 anos de presidência, em que teve 3 treinadores, Leonardo Jardim, Marco Silva e por fim Jorge Jesus, sendo que a destituição de Marco Silva se realizou de forma por demais evidente litigiosa, em conflito com o Presidente.

sendo que 5 a 6 deles o agrediram na cabeça e corpo. Segundo o atleta William Carvalho, foram lançadas várias tochas de fumo para o balneário, tendo o jogador inclusive sido agredido no peito.

Com o seu último treinador, apesar do insucesso desportivo, os adeptos mantiveram a confiança no presidente, permitindo que Bruno de Carvalho se mantivesse na presidência, aquando da sua

O argentino Battaglia referiu ter sido ameaçado de morte, ao mesmo tempo que foi agredido. Foram vários os relatos, de atletas, até dirigentes, fisioterapeutas, sendo que todos vão de

reeleição, a 5 de março de 2017, com 86% dos votos. Nestes 5 anos, o presidente Bruno de Carvalho adotou uma postura bastante incisiva, por vezes

encontro às mesmas ideias e descrições.

polémica, instaurando processos contra antigos dirigentes do clube, bem como contra o fundo

De referir ainda que este acontecimento ocorreu dias antes de uma final de uma competição

“Doyen”, onde o Sporting acabou por ser condenado ao pagamento de 20 milhões de euros.

nacional, a Taça de Portugal, sendo que vários dos atletas tiveram de ser assistidos por culpa

No entanto, e não muito depois da comemoração dos 5 anos de presidência, o início do mês de

das graves agressões. Os jogadores do Sporting não se encontravam aptos, tanto fisicamente como psicologicamente

abril terá sido o início do fim, na relação entre Presidente, clube e associados. Para além de algumas intervenções polémicas que nem sempre agradavam os adeptos do

pelo ocorrido, para disputar o jogo, contra o Desportivo das Aves.

Sporting, o dia 5 de abril despoletou o “caos” numa estrutura que ainda se encontrava a lutar por títulos. Nesse dia, após uma derrota em casa do Atlético de Madrid, para a Liga Europa, o presidente, no Facebook, critica os atletas pela prestação dos mesmos nesse jogo. Dia 6, grande parte dos jogadores, num comunicado conjunto, expressam o seu desagrado pelo mencionado pelo Presidente, manifestando falta de apoio. Por culpa disso, os atletas que tinham subscrito esse comunicado, foram suspensos pelo Presidente. No dia 11 de abril, a direção do clube decidiu-se com a retirada dos processos disciplinares aos atletas. No dia 13 de maio, no Funchal, o Sporting perde o jogo com o Marítimo e consequentemente a hipótese em ficar em segundo lugar, que permitiria jogar a Liga dos Campeões. Por culpa disso os jogadores foram insultados, tanto na Madeira, como já no regresso, em Alvalade.

7 6

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

184

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

185

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

6. O pós-invasão a Alcochete

Dia 25 de julho, Gelson Martins assina um contrato válido por 5 épocas desportivas, pelo Atlético de Madrid.

No dia seguinte à invasão, para além das 23 detenções efetivadas, os jogadores decidiram que jogariam a final da Taça de Portugal, independentemente das repercussões legais que cada um tomaria, após esse jogo.

Dia 28 de julho, Battaglia segue o caminho de Dost, e assina um novo contrato com o Sporting, por 5 épocas desportivas. Dia 8 de agosto, Rafael Leão decide assinar um contrato, válido por 5 épocas desportivas, com

No dia 19 de maio, Bruno de Carvalho decide que não assistiria à final da Taça de Portugal, afirmando que o “ato bárbaro” teria sido, inclusive, criado de forma involuntária por alguns dos jogadores, que teriam feito “frente” a alguns membros das claques.

o Lille No dia 9 de outubro, a GNR detém mais duas pessoas, dos quais o oficial de ligação às claques. No dia 11 de novembro, Bruno de Carvalho é detido no âmbito da investigação sobre o ataque à

Ainda nesse dia, o “líder” da claque, Nuno Mendes, referia que não teria havido nenhum aval por

academia.

parte do Presidente para que a claque cometesse qualquer ato contra os atletas. Dia 21, O Sporting anunciava o reforço das medidas de segurança, tanto na Academia de Alcochete, como no Estádio José Alvalade. No dia 1 de junho, tanto Rui Patrício como Daniel Podence, invocando justa causa, rescindem o 7. O Contrato de Trabalho – Regime Geral

contrato unilateralmente. O treinador Jorge Jesus, no dia 5, mesmo com mais 1 ano de contrato, assina, com a duração de 1 ano, um contrato com o Al-Hilal, com mais 1 ano de opção, na véspera de o Sporting confirmar a rescisão do contrato com o treinador, por mútuo acordo.

Após um breve percurso pelos factos que despoletaram uma “crise” numa organização desportiva do nível do Sporting, a níveis institucionais, mas também estruturais, início neste

No dia seguinte, 4 pessoas, dos quais o ex-líder da claque Juventude Leonina, Fernando Mendes, são detidas, por suspeita de comparticipação na invasão e nas agressões aos jogadores e equipa técnica.

capítulo, uma análise à legislação que tem aplicação direta no caso. A lei 54/2017, de 14 de julho regula o “regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou

No dia 11 de junho, tanto William Carvalho, como Rui Patrício, Gelson Martins e Bruno Fernandes, invocando justa causa, rescindem unilateralmente os seus contratos.

intermediação”. No entanto, o artigo 3º, com a epígrafe “Direito subsidiário e relação entre fontes” tem particular

No dia 14 de junho, Rafael Leão, Rúben Ribeiro e Battaglia também seguem o percurso dos seus

relevo, dado que as relações resultantes do contrato de trabalho desportivo têm como aplicação

antigos colegas.

subsidiária, naquilo que seja compatível com a especificidade em causa, o contrato de trabalho.

Dia 18 de junho, Rui Patrício assina um contrato, de 4 épocas desportivas, com o

Neste sentido, o Código do Trabalho, mesmo no caso em questão, tem um artigo de especial

Wolverhampton.

importância, o 394º:

Dia 10 de julho, Bruno Fernandes recua na decisão, permanecendo no clube, e assinando para

“1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

tal um contrato, com vínculo até 2023.

2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os

Dia 13 de julho, William Carvalho assina contrato com o Bétis de Sevilha.

seguintes comportamentos do empregador:

Dia 21 de julho, Bas Dost decide também recuar na sua decisão, assinando um contrato válido

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

por 3 épocas desportivas.

b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva;

8

d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;

9 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

186

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

187

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;

De forma breve, na análise às formalidades exigidas no contrato, saliente-se a exigência de se

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante. (…)”

reduzir a escrito, segundo o 6º, devendo ainda ser registado, de acordo com o 7º da mesma Lei. Refira-se também que o contrato de trabalho desportivo é obrigatoriamente um contrato a prazo, isto é, sujeito a um termo resolutivo, segundo o 6º2-f, e 9º5, visando, essencialmente, a preservação da liberdade do atleta na escolha da sua carreira desportiva.

Pela leitura do artigo, com importância na matéria em estudo, o 394º tem, em algumas das suas alíneas, aspetos importantes a destacar, como desde logo, o 394º2 d), que se incide com particular relevo na situação da segurança no trabalho, e que os jogadores, abstratamente, teriam condições para invocar como justa causa para resolução do contrato.

É neste sentido que a duração máxima de um contrato de trabalho desportivo, não obstante a possibilidade de renovação pelas duas partes, ser de 5 anos, segundo o artigo 9º. Acrescente-se que a promessa de contrato de trabalho desportivo é admitida, desde que acordada bilateralmente, segundo o 8º, e o período experimental, segundo o 10º, em regra, não existe, apenas acontecendo caso estipulado previamente.

8. O Contrato de Trabalho Desportivo – A lei 54/2017 e o Contrato Coletivo de Trabalho

Importa sublinhar agora os direitos e deveres das duas partes. No artigo 11º, são explicitados os deveres da entidade empregadora desportiva:

A) A Lei 54/2017 de 14 de julho

“a) Proceder ao registo do contrato de trabalho desportivo, bem como das modificações contratuais posteriormente acordadas, nos termos do artigo 7.º;

Importa sublinhar o que menciona a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, na alínea

b) Proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva,

segunda do artigo 34º: “O regime jurídico contratual dos praticantes desportivos profissionais e

bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais

do contrato de formação desportiva é definido na lei, ouvidas as entidades sindicais

da competição desportiva;

representativas dos interessados, tendo em conta a sua especificidade em relação ao regime geral do contrato de trabalho”.

c) Submeter os praticantes aos exames e tratamentos clínicos necessários à prática da atividade desportiva;

Para lá do preceituado, refira-se que o artigo 2º da Lei 54/2017, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, define o que é o contrato de trabalho desportivo, referindo ser “aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar

d) Permitir que os praticantes, em conformidade com o previsto nos regulamentos federativos, participem nos trabalhos de preparação e integrem as seleções ou representações nacionais;

atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades

e) Proporcionar aos praticantes desportivos menores as condições necessárias à conclusão da

desportivas, no âmbito de organização e sob a autoridade e direção desta”.

escolaridade obrigatória;

Refira-se também, ainda nos aspetos introdutórios legais, que tudo o que não esteja estipulado

f) Promover o respeito pelas regras da ética desportiva no desenvolvimento da atividade

na Lei 54/2017, aplica-se o direito subsidiário, isto é, o regime geral que se encontra no Código

desportiva.”

do Trabalho, que seja compatível com a realidade em causa, de acordo com o 3º da mesma Lei, e analisado no capítulo anterior. As especificidades mencionadas supra devem-se, essencialmente, à duração da profissão de atleta profissional, por culpa também da intensidade a que é sujeito, o desgaste intenso, a subordinação do atleta à sua entidade empregadora, que pode facilmente gerar problemas pelas restrições impostas, em especial por clubes/sociedade desportivas que participem em

O artigo 12º acrescenta que: “A entidade empregadora deve respeitar os direitos de personalidade do praticante desportivo, sem prejuízo das limitações justificadas pela especificidade da atividade desportiva. / É proibido o assédio no âmbito da relação laboral desportiva, nos termos previstos na lei geral do trabalho”.

competições de grande exigência e comprometimento, mas também em especial pela “causa

Este artigo 12º releva-se de grande importância pela referência ao assédio, visto que a pressão

mista” que visa a proteção dos interesses do atleta ao mesmo tempo que se visa aumentar o

exercida pelo na altura presidente do Sporting aos seus atletas, em especial no que diz respeito

interesse e o espetáculo da competição desportiva em causa.

10 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

188

www.ligaportugal.pt

11 www.ligaportugal.pt

189

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

às divulgações nas redes sociais, e posteriormente a suspensão dos atletas, descrita

Ainda com bastante relevo na matéria em causa, o artigo 24º garante, no que à responsabilidade

previamente no trabalho, poderiam ser motivos para os atletas alegarem assédio moral.

das partes pela cessação do contrato diz respeito, que no caso das alíneas c) e d) do artigo anterior, “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente deve

Por fim, o artigo 13º define quais os deveres do praticante desportivo:

indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o

“a) Prestar a atividade desportiva para que foi contratado, participando nos treinos, estágios e outras sessões preparatórias das competições com a aplicação e a diligência correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas e, bem assim, de acordo com as regras da respetiva modalidade desportiva e com as instruções da entidade empregadora desportiva;

contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”. Para além deste artigo, o 25º clarifica que em caso de denúncia por iniciativa do praticante, “As partes no contrato de trabalho desportivo podem estipular o direito de o praticante fazer cessar unilateralmente e sem justa causa o contrato em vigor, mediante o pagamento à entidade

b) Participar nos trabalhos de preparação e integrar as seleções ou representações nacionais; c) Preservar as condições físicas que lhe permitam participar na competição desportiva objeto do contrato;

empregadora de uma indemnização fixada para o efeito.” O artigo 25º vem consagrar as denominadas “cláusulas de rescisão”. Apesar da dificuldade na perceção da natureza destas mesmas cláusulas, a doutrina maioritária considera-as como “multas penitenciais”, fugindo da parte da responsabilidade civil e do incumprimento contratual, ou seja, as partes celebram o

d) Submeter -se aos exames e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva;

contrato, no entanto, reconhece-se ao atleta um direito em se desvincular licitamente, permitindo-

e) Conformar -se, no exercício da atividade desportiva, com as regras próprias da disciplina e da

o denunciar o contrato sem justa causa, através do pagamento da devida “cláusula de rescisão”.

ética desportiva.”

Mais acrescenta o 25º, na sua segunda alínea, “O montante convencionado pelas partes pode

No que à liberdade do praticante diz respeito, paradoxalmente ao contrato de trabalho fora do

ser objeto de redução pelo tribunal, de acordo com a equidade, se for manifestamente excessivo,

contexto em estudo, onde se pretende maior estabilidade e segurança, o atleta tem no artigo 19º

designadamente tendo em conta o período de execução contratual já decorrido”.

a garantia de que as cláusulas que limitem ou condicionem essa mesma liberdade de trabalho

Por fim, e com grande importância para a matéria em estudo, o 26º consagra a responsabilidade

do praticante são nulas.

solidária, que, ao longo dos meses seguintes à invasão, ganhou particular relevo, fruto dos

De seguida, sobre a cessação do contrato de trabalho desportivo, a lei permite um grande

valores inicialmente reivindicados pelo Sporting como forma de ressarcir devidamente o clube

número de formas que permitem que o contrato, previamente celebrado pelas partes, termine.

pelas eventuais rescisões de contrato sem justa causa.

Assim, refere o 23º que o contrato de trabalho pode cessar das seguintes formas:

Mais em específico, nos casos dos atletas Gelson Martins (Atlético de Madrid), Rui Patrício (Wolverhampton), Rafael Leão (Lille), as suas novas entidades empregadoras podem incorrer em responsabilidade, fruto do seguinte:

“Caducidade;

“Se o praticante fizer cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa, presume -se que a

Revogação por acordo das partes;

nova entidade empregadora desportiva interveio, direta ou indiretamente, na cessação / Se a

Despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva;

presunção não for ilidida, a nova entidade empregadora desportiva responde solidariamente pelo

Resolução com justa causa por iniciativa do praticante desportivo;

pagamento da indemnização devida pela cessação do anterior contrato / Sendo a indemnização

Denúncia por qualquer das partes durante o período experimental;

satisfeita pela nova entidade empregadora desportiva, esta tem direito de regresso contra o

Despedimento coletivo;

praticante, na parte correspondente ao valor previsto no n.º 1 do artigo 24.º / Sendo a

Denúncia

por

iniciativa

do

praticante

desportivo,

quando

contratualmente

indemnização satisfeita pelo praticante desportivo, este tem direito de regresso contra a entidade empregadora desportiva, na parte que exceda o valor previsto no n.º 1 do artigo 24.º.

convencionada, nos termos do 25º.”

No entanto, o artigo 23º mais acrescenta, na sua alínea 3: “Constitui justa causa, para efeitos das alíneas c) e d) do n.º 1, o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva.”.

12 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

190

www.ligaportugal.pt

13 www.ligaportugal.pt

191

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

B) O Contrato Coletivo de Trabalho

Ainda no 43º, do Contrato Coletivo de Trabalho, saliente-se a alínea e), que refere: “Ofensa à integridade física, honra ou dignidade do jogador praticada pela entidade patronal ou seus representantes legítimos”.

Para além da Lei 54/2017, de 14 de julho, importa ter em consideração mais uma ferramenta legal, determinante para o caso em estudo.

Ainda assim, sobre a alínea e), esta norma terá aplicabilidade no caso de a responsabilidade de facto recair sobre o Sporting Clube de Portugal, que é neste caso, a entidade patronal.

A Liga Portugal e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol celebraram um Contrato Coletivo de Trabalho. Este documento visa primordialmente regular as normas que servem de base para as relações jurídicas laborais, do próprio contrato de trabalho desportivo, entre atletas e clubes/sociedades

9. Os Fundamentos Legais – Enquadramento com o Caso Alcochete

desportivas que se encontrem filiados na Liga Portugal. Neste documento, no capítulo V, com a epígrafe “Cessação do Contrato do Trabalho”, várias das suas disposições devem ser sublinhadas.

Face a tudo o que já foi mencionado previamente, a grande questão que ainda hoje não tem resposta definida e concreta, é a seguinte: poderiam os jogadores e equipa técnica do Sporting

Desde logo, e em sintonia com o regime do contrato de trabalho desportivo, uma das formas de extinção do contrato é, segundo o 39º d, “Rescisão com justa causa por iniciativa do jogador”.

rescindir, por justa casa, o seu contrato de trabalho? A resolução dos contratos, por justa causa, deve, por isso, ser fundamentada tendo como ideia

O artigo 43º expõe de forma mais detalhada essa forma de extinção do contrato de trabalho,

base um incumprimento contratual grave e culposo, originado por um comportamento que seja

enumerando quais os motivos legais adequados para o atleta extinguir o contrato, sendo que há

imputável à entidade patronal, o Sporting Clube Portugal.

duas alíneas que importa destacar; a primeira, a alínea c), que refere “Violação das garantias do jogador nos casos e termos previstos no artigo 12.º”.

De facto, o regime especial do contrato de trabalho desportivo tem uma particularidade que não se aplica no contrato individual de trabalho, pois no primeiro, o atleta não tem a possibilidade de

Neste sentido, refere o artigo 12º, com a epígrafe “Deveres do clube”, que: “O clube ou sociedade

se desvincular livremente, ao invés do que ocorre no segundo caso , onde apenas há uma

desportiva deve:

obrigação de aviso prévio, segundo o 400º do Código do Trabalho 1.

a) Tratar e respeitar o jogador como seu colaborador;

Assim, o que ocorre no Contrato de Trabalho Desportivo é que a denúncia do contrato de trabalho por parte do praticante apenas se efetiva como possível, de acordo com o 25º, quando lhe seja

b) Pagar-lhe atempadamente a retribuição convencionada;

admissível por estipulação entre as partes, mediante pagamento de uma indemnização

c) Proporcionar-lhe boas condições de trabalho, assegurando os meios técnicos e humanos necessários ao bom desempenho das suas funções;

previamente fixada (“cláusula de rescisão”), já analisado previamente no trabalho. A diferença de regimes prende-se essencialmente com a integridade da competição, do

d) Facilitar-lhe o exercício dos seus direitos sindicais;

desenvolvimento da mesma e para a estabilidade que é exigida em equipas que participam em

e) Indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho e doenças profissionais em

provas de alta competição.

conformidade com a legislação em vigor; f) Cumprir todas as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho desportivo e das 1 Artigo 400.º

normas que o regem, bem como das regras de disciplina e ética desportiva”:

Pela leitura do 12º, poderão estar em causa o incumprimento de duas das suas alíneas, tanto a sua alínea c), como f).

Denúncia com aviso prévio 1 - O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade. 2 - O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e o contrato de trabalho podem aumentar o prazo de aviso prévio até seis meses, relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou direção, ou com funções de representação ou de responsabilidade. 3 - No caso de contrato de trabalho a termo, a denúncia pode ser feita com a antecedência mínima de 30 ou 15 dias, consoante a duração do contrato seja de pelo menos seis meses ou inferior. 4 No caso de contrato a termo incerto, para efeito do prazo de aviso prévio a que se refere o número anterior, atende-se à duração do contrato já decorrida. 5 - É aplicável à denúncia o disposto no n.º 4 do artigo 395.º

14 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

192

www.ligaportugal.pt

15 www.ligaportugal.pt

193

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

De facto, um atleta tem todo o direito a rescindir o seu contrato, alegando justa causa, no entanto,

remunerações até ao termo do contrato assinado previamente, deduzindo as que venha a auferir

haverá sempre uma análise concreta por parte do Tribunal.

eventualmente a partir do início da época a seguir àquela a que tenha ocorrido a rescisão por

Para além disso, o atleta tem a liberdade, assim que rescinda o seu contrato, em optar por um

justa causa, até ao termo do contrato.

novo clube, não obstante a exigência inerente de reconhecimento da validade da rescisão, para

Não obstante, há a possibilidade ainda se fixar uma indemnização superior, na eventualidade da

efeitos de inscrição, tanto na Liga Portugal, como na Federação Portuguesa de Futebol. Este

parte interessada fizer prova de que sofreu danos de montante mais elevado, o que, no entanto,

será eventualmente o motivo alegado para aqueles atletas que rescindiram o contrato com o

se afigura como complexo por estarem em causa direitos não patrimoniais e sua respetiva

Sporting, e que não voltaram atrás com a decisão, não tenham ficado em Portugal, e todos

quantificação, desde danos psicológicos, morais, ou até repercussões na vida privada.

tenham seguido a sua profissão no estrangeiro.

De facto, os atletas, segundo vários juristas, têm razão em invocar a justa causa, pela negligência

Mesmo assim, não é impedimento do Sporting, no cenário de se verificar inexistência de justa causa, venha a ser ressarcido devidamente.

demonstrada pela entidade patronal, o Sporting Clube de Portugal. Para além disso, na chegada a Alvalade após a viagem da Madeira, um dispositivo de segurança

Saliente-se que este caso dificilmente chegará à FIFA.

foi criado, o que eventualmente permitiria considerar que havia um risco acentuado para a

Caso haja estipulação contratual, os casos poderão ser dirimidos no T.A.D., Tribunal Arbitral do Desporto, senão, pelo próprio Tribunal do Trabalho.

segurança e integridade dos jogadores. Assim, a falta de segurança dos atletas pode ser causa para o incumprimento contratual da

Apesar de não haver grande semelhança com outros casos, a jurisprudência nacional e internacional salienta sensibilidade à posição do atleta e nos argumentos alegados como

entidade empregadora, à luz do 23º3, tornando impossível a manutenção da relação laboral desportiva.

justificação para a cessação do contrato por justa causa.

10. Existência de Justa Causa

11. Inexistência de Justa Causa

Segundo o 23º3 da Lei 54/2017, constitui justa causa “o incumprimento contratual grave e

A dificuldade para a parte interessada, de forma a prova a justa causa, é a de conseguir que

culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva”.

recaia a conduta especialmente grave no clube.

Trata-se de um conceito mais exigente do que o previsto no Código do Trabalho.

Na situação de se verificar inexistência de justa causa, de acordo com o 23º1 d) e 23º 3 da Lei

Além disso, não existe presunção de culpa que seja capaz de inverter o ónus de prova, ou seja, cabe ao próprio atleta fazer prova dos factos que sustentem a justa causa.

54/2017, da cessação do contrato de trabalho do praticante desportivo resultam inevitáveis danos para o clube, ou seja, a entidade empregadora pode vir a ressarcida através de uma indemnização, por parte do atleta.

Assim, e indo de encontro ao que refere o 394º2 d) do C.T., deve o atleta fazer prova de que os factos ocorridos foram consequência da violação das regras de segurança da entidade empregadora, neste caso o Sporting, determinando como impossível a subsistência do contrato. Caso se verifique pelo Tribunal do Trabalho em como os interessados fizeram prova da justa causa, os atletas têm direito ao valor das retribuições que seriam devidas caso o contrato de

Esses danos ocorrem em vários elementos que são determinantes numa Sociedade Desportiva, dos quais a marca, os direitos de imagem, o merchandising, e patrocínios. Neste sentido, em caso de ilicitude de rutura do contrato pelo atleta, em último caso será o próprio o responsável.

trabalho que os vinculava ao Sporting cessasse no seu termo, de acordo com o 24º da Lei

Relevante neste cenário, novamente, o Contrato Coletivo de Trabalho. Aqui, no seu artigo 50º,

54/2017, mas não só, pois, neste contexto, o próprio Contrato Coletivo de Trabalho, citado

com a epígrafe “Responsabilidade do jogador em caso de rescisão unilateral sem justa causa”,

previamente, no seu 48º, também de debruça sobre esta situação, considerando que o atleta,

o artigo clarifica que, nesse caso, o jogador fica obrigado a indemnizar o clube, num montante

fundamentando-se no 43º, tem o direito a indemnização que corresponda ao valor das devidas

16 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

194

www.ligaportugal.pt

17 www.ligaportugal.pt

195

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

que não seja inferior ao valor das retribuições que lhe seriam devidas caso o contrato terminasse

12. Conclusão

no seu termo estipulado. No entanto, a lei 54/2017, no 26º acrescenta que a nova entidade empregadora, neste caso, não poderá passar impune. Presume-se, neste caso, que o novo clube do atleta teve intervenção no processo, o que origina um regime de responsabilidade solidária no pagamento da indemnização

Com o percurso delineado neste trabalho, pretendi decalcar a realidade do que aconteceu num clube histórico como é o caso do Sporting Clube de Portugal. Como referido, a jurisprudência não encontra paralelo, de forma tão semelhante com o sucedido,

ao Sporting. Acrescenta o 26º2 que a presunção pode ser ilidida, no entanto, caso tal não ocorra, o novo

no entanto, saliente-se a clara importância da posição dos atletas.

clube responde solidariamente pela indemnização a pagar ao Sporting. Nesse cenário,

O contrato de trabalho desportivo, não obstante as variadas fragilidades notadas, foi de certa

acrescenta o 26º3, que o novo clube fica com direito de regresso sobre o atleta. O mesmo

forma alvo de uma análise exaustiva com este caso, que, seguramente, terá novos

ocorrerá caso a indemnização seja paga pelo próprio atleta, segundo o 26º4.

desenvolvimentos ao longo dos próximos meses, nas suas diferentes realidades, pela

De facto, a inexistência da justa causa dos atletas pode-se verificar por vários motivos, dos quais: •

Desconhecimento do Sporting do ataque à Academia, por ter sido um ato isolado e sem responsabilidade do clube;

Reconhecida plenitude de condições ao longo dos vários anos para os atletas exercerem a sua profissão, no mesmo espaço;

multiplicidade de agentes e questões jurídicas que ainda se encontram em processo de análise. Saliente-se que a rutura, mesmo que ilícita, não impediu os atletas de prosseguirem a sua carreira profissional, o que, abstratamente, poderia servir de entrave para o progredir da carreira desportiva. Não obstante, refira-se que todos os atletas que não regressaram ao Sporting, de forma a não encontrarem obstáculos em termos de inscrição na Federação Portuguesa de Futebol, à luz do artigo 7º da Lei 54/2017.

O reforço imediato prestado pelo Sporting da segurança dos seus atletas, após o ataque;

Os atletas terem participado na final da Taça de Portugal;

Alguns dos atletas terem participado, direta ou indiretamente, nas suas eventuais transferências.

Ainda assim, hoje, o percurso tem sido tomado para os novos clubes dos atletas não ilidirem a presunção do artigo 26º do mesmo diploma, e estabelecerem um acordo com o Sporting para efeitos de indemnização, como tem sido notícia do caso do Atlético de Madrid, pelo Gelson Martins, e do Wolverhampton, pelo Rui Patrício.

Ainda assim, hoje, a partir do momento em que atleta rescinde o seu contrato, por alegação de justa causa, pode este assinar por outro clube, cabendo posteriormente a análise da validade da mesma, no que diz respeito a eventuais indemnizações.

No entanto, refira-se que o artigo 25º2 do contrato de trabalho desportivo prevê uma redução dos valores indemnizatórios acordado pelas partes, pelo tribunal, por razões de equidade, quando se verifique como excessivo, contrariando, assim, alguns dos valores noticiados como

Caso o Tribunal prove, assim, a inexistência da justa causa, o jogador deverá pagar o valor

estipulados para a compensação que o Sporting consideraria como ajustado.

devido até ao termo do contrato, tendo ainda assim aqui em causa a eventual responsabilidade solidária do novo clube.

19

18 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

196

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

197

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

7. O CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO

13. Bibliografia

https://www.dn.pt/lusa/interior/sporting-cronologia-dos-acontecimentos-10168879.html

https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira-liga/artigos/sporting-uma-cronologia-deacontecimentos-que-mais-parece-uma-temporada-de-a-guerra-dos-tronos

https://observador.pt/especiais/a-cronologia-das-96-horas-que-envergonham-osporting/

https://www.jn.pt/desporto/interior/cronologia-dos-acontecimentos-a-derrota-a-violenciae-a-corrupcao-9348202.html

https://www.publico.pt/2018/06/08/desporto/opiniao/causa-justa--prova--justa-causa1833538

https://eco.sapo.pt/2018/05/15/jogadores-do-sporting-tem-base-legal-para-rescindirpor-justa-causa/

https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/desporto/detalhe/garcia-pereira-diferendosobre-justa-causa-no-sporting-pode-levar-dois-anos-na-justica

https://tribunaexpresso.pt/sporting/2018-06-13-Guia-para-perceber-o-caso-dasrescisoes-no-Sporting.-E-porque-e-que-os-tribunais-tem-decidido-a-favor-dosjogadores

https://observador.pt/opiniao/e-a-justa-causa/~

https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/sporting-rescisao-por-justacausa-tem-suporte-legal-9352947.html

http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=1047A0394&nid=1047 &tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=#artigo

Lei 54/2017 de 14 de julho

Lei 5/2007, de 16 de janeiro / Lei de Bases da Atividade Física do Desporto

20

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

198

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

199

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


OWNERS’ AND DIRECTORS’ TEST: CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS Ricardo João Rodrigues da Silva Pinheiro Gonçalves


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

ÍNDICE

ABREVIATURAS E SIGLAS al. – alínea

ABREVIATURAS E SIGLAS .......................................................................................201 5

art. – artigo cfr. – conferir

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................202 7 CAPÍTULO I ..................................................................................................................204 9 OWNERS’ AND DIRECTORS’ TEST ...........................................................................204 9 1. BREVE ENQUADRAMENTO ..........................................................................................204 9 2. A SECÇÃO ‘F’ DO PREMIER LEAGUE HANDBOOK 2018/2019 ............................. 207 12 3. CASOS REAIS ..................................................................................................................215 20 3.1. STEPHEN VAUGHAN (CHESTER CITY FC): ......................................................................216 21 217 3.2. CARSON YEUNG (BIRMINGHAM CITY FOOTBALL CLUB): ......................................... 22

CSC – Código das Sociedades Comerciais DL – Decreto-Lei EFL – English Football League EPL – English Premier League FA – Football Association FIFA – Fédération Internationale de Football Association FPF – Federação Portuguesa de Futebol

3.3. THAKSIN SHINAWATRA (MANCHESTER CITY): .............................................................218 23

LBAFD – Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto

3.4. MASSIMO CELLINO (LEEDS UNITED): ...............................................................................219 24

LPFP – Liga Portuguesa de Futebol Profissional

CAPÍTULO II ............................................................................................................... 223 29 O PANORAMA PORTUGUÊS .................................................................................. 223 29 1. BREVE ENQUADRAMENTO ........................................................................................ 223 29 2. A LEGISLAÇÃO PORTUGUESA..................................................................................224 30 3. OS REGULAMENTOS DA FPF E DA LPFP ................................................................ 230 36

op. cit. – opus citatum (obra citada) p. – página pp. – páginas RJFD – Regime Jurídico das Federações Desportivas RJSD – Regime Jurídico das Sociedades Desportivas SAD – Sociedade Anónima Desportiva

CONCLUSÕES............................................................................................................. 235 41 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 238 45

SDUQ – Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas ss. – seguintes

ENDEREÇOS ELETRÓNICOS CONSULTADOS ................................................. 239 47

5

3

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

202

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

203

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

INTRODUÇÃO

No que respeita ao segundo capítulo, iniciaremos por tentar perceber que normativos do ordenamento jurídico português, em especial do Regime Jurídico das

O trabalho que nos propomos realizar consiste, em primeiro lugar, na análise e exposição do Owners’ and Directors’ Test1 e, num segundo plano, em estudar qual o regime existente no futebol português nesta matéria e perceber se a sua implementação poderia ser vantajosa e proveitosa para a indústria do futebol profissional em Portugal. Para alcançar tal desígnio, decidimos estruturar o presente trabalho com dois capítulos, a saber: Capítulo I – O Owners’ and Directors’ Test; Capítulo II – O Panorama Português. No primeiro capítulo iremos começar pelo enquadramento desta figura que foi implementada no futebol inglês pela EPL2, pela EFL3, e pela FA4, respetivamente para cada uma das competições que organizam, e estudar o seu regime com o objetivo de perceber que testes são estes, a quem se dirigem, qual o seu conteúdo e quais os seus pressupostos. De seguida, num segundo subcapítulo, iremos expor e analisar os regulamentos da EPL que consagram esta regra de modo a conseguirmos entender concretamente o que significam. Portanto, no que diz respeito ao presente trabalho, apenas nos iremos, de um modo mais detalhado, nos focar nos testes e nas normas

Sociedades Desportivas (doravante RJSD), dispõe sobre a matéria que expusemos no primeiro capítulo e de que forma o fazem. De seguida, iremos expor e analisar os regulamentos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante LPFP) e da Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF) sobre o tema. Terminaremos o presente trabalho com a elaboração de uma breve conclusão sobre todos os temas vertidos no trabalho, expondo as conclusões a que chegamos e onde nos propomos a ponderar sobre uma possível implementação deste sistema de origem inglesa no futebol profissional português. Estes são, portanto, os objetivos a que nos propomos com a realização deste trabalho, no entanto, consideramos que cumprirá ainda uma breve referência aos motivos que nos levaram à sua elaboração e à opção deste tema em específico. Nessa conformidade, concorreram como principais motivos para a escolha desta matéria a atualidade e pertinência que este tema poderá significar para o futebol profissional português aliada ao gosto pessoal e vontade de obtenção de conhecimentos do Autor pela realidade jurídico-desportiva portuguesa.

constantes nos regulamentos da EPL, deixando de parte as regulações da EFL5 e FA. Para terminar este capítulo iremos fazer referência a quatro casos concretos e reais sucedidos em Inglaterra e que, ao estarem intimamente relacionados com estes testes, fizeram-no surgir na ribalta no futebol inglês. 1

Trata-se, em suma, de uma avaliação que é realizada pelas entidades competentes a

administradores/gerentes de sociedades desportivas inglesas e diretores de clubes ingleses. 2

English Premier League (em português: Primeira Liga Inglesa). Equivale à nossa Liga Portuguesa de

Futebol Profissional e é responsável e organiza a Primeira Liga de Futebol de Inglaterra. 3

English Football League (em português: Liga de Futebol Inglesa). É uma figura sem correspondência em

Portugal e é responsável pela organização do Championship, da League One e da League Two, isto é, da segunda, terceira e quarta ligas de futebol inglesa, respetivamente. 4

Football Association (em português: Associação de Futebol). Equivale à nossa FPF (Federação

Portuguesa de Futebol). 5

Sem prejuízo da nossa opção de analisar mais extensivamente apenas os referidos testes no que respeita

aos regulamentos da EPL, diga-se, desde já, que estas regras são deveras similares às estabelecidas nos regulamentos da EFL.

7

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

204

www.ligaportugal.pt

8 www.ligaportugal.pt

205

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

CAPÍTULO I

de SAD (sociedade anónima desportiva) ou de SDUQ (sociedade desportiva unipessoal por quotas).

OWNERS’ AND DIRECTORS’ TEST

Contudo, o cenário em Inglaterra é distinto. De facto, embora os clubes ingleses § – OWNERS’ AND DIRECTORS’ TEST. 1.

tenham sido pioneiros na constituição de sociedades comerciais no âmbito da

BREVE ENQUADRAMENTO. 2. A SECÇÃO ‘F’

participação em competições desportivas e na sua cotação em bolsa, este facto deveu-se

DO PREMIER LEAGUE HANDBOOK 2018/2019. 3.

à mera iniciativa privada dos clubes ingleses uma vez que a legislação daquele país não

CASOS REAIS. 3.1.

STEPHEN VAUGHAN

obrigava os clubes a constituírem sociedades comerciais6. Assim, um clube desportivo

(CHESTER CITY FC). 3.2. CARSON YEUNG

pode, à partida, e tendo em conta apenas a legislação inglesa, participar, enquanto pessoa

THAKSIN

coletiva de base associativa, em competições desportivas profissionais7. Sem prejuízo, os

SHINAWATRA (MANCHESTER CITY FC). 3.4.

clubes e sociedades comerciais que participem em competições desportivas profissionais

MASSIMO CELLINO (LEEDS UNITED FC).

têm, imperativamente, de obedecer às normas indicadas nos regulamentos da EPL e da

(BIRMINGHAM

CITY

FC).

3.3.

EFL, em relação à competição em que participem, os quais lhes impõem uma série de regras, nomeadamente, as que iremos analisar mais à frente em relação ao Owners’ and Directors’ Test da EPL. 1. BREVE ENQUADRAMENTO

Isto posto, e de modo a enquadrar o leitor no tema, iniciaremos por notar que esta avaliação é, desde logo, muito objetiva, isto é, trata-se, em concreto, da emissão e

O Owners’ and Directors’ Test, também conhecido por Fit and Proper Persons’

posterior envio pelo clube, de uma declaração, referente a cada individuo obrigado a

Test, consiste, muito sumariamente, numa avaliação objetiva efetuada pela entidade

efetuar este teste pelos regulamentos, e por este também assinada, em que se limita a

organizadora da competição de futebol em Inglaterra aos candidatos a, e também a quem

responder “sim ou não”, ou de “verdadeiro e falso”, mediante uma lista de situações que

já exerce (anualmente), funções de gerência e administração de clubes e sociedades

levam à desqualificação do cargo ou da posição das pessoas obrigadas à sua realização.

comerciais relacionadas e ainda a quem adquira, ou pretender adquirir, o controlo do

Esta excessiva objetividade foi, no entanto, criticada por diversas personalidades no

clube ou dessas sociedades comerciais relacionadas, que visa apurar se as referidas

futebol inglês e no âmbito do nosso estudo encontramos também alguns artigos on-line

pessoas são apropriadas para o cargo que exercem ou a que se candidatam e para adquirir

condizentes8. Porém, a própria EPLe EFL revelam ter consciência deste facto, uma vez

o mencionado controlo. Esta avaliação surgiu no ano de 2004 com o propósito proteger as principais ligas inglesas, os clubes e as sociedades desportivas de uma má gestão, bem como promover a imagem, integridade e transparência destas competições.

6

Para maior desenvolvimento vide — COORDENAÇÃO: PAULO OLAVO CUNHA, Análise do Regime

Jurídico e Fiscal das Sociedades Desportivas, Presidência do Conselho de Ministros – Gabinete do Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, pp. 9-10, (instituído através do despacho n.º 12692/2011,

Ora, antes de passarmos à análise mais detalhada destes testes, cumpre notarmos

datado de 16 de Setembro e publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 184, de 23 de Setembro), e

o seguinte. Segundo o ordenamento jurídico português, mais concretamente, nos termos

disponível para download no sítio eletrónico: https://www.cdp.pt/component/phocadownload/category/1-

do Decreto-Lei n.º 10/2013, de 15 de Janeiro, e sucessivas alterações, que estabeleceu o Regime Jurídico das Sociedades Desportivas em vigor, os clubes desportivos, enquanto pessoas coletivas de natureza associativa, que pretendem participar em competições desportivas profissionais são obrigados a constituir uma sociedade desportiva, na forma

documentos-governamentais.html?download=356:relatorio-sad. 7

Porém, muitos dos clubes britânicos foram constituídos sob a forma de PLC (Public Limited Companies)

e cotados na bolsa de valores de Londres, participando nas competições desportivas profissionais nesta qualidade – cfr. GRUPO DE TRABALHO (COORDENAÇÃO: PROF. DR. PAULO OLAVO CUNHA), op. cit., pp. 16-17. 8

Veja-se, a título de exemplo, os seguintes artigos da comunicação social:

9

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

206

www.ligaportugal.pt

10 www.ligaportugal.pt

207

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

que, desde a sua entrada em vigor em no ano de 2004, têm vindo a proceder a diversas

administradores e gerentes das referidas entidades ou ainda a quem obtiver, ou pretenda

alterações e reformulações com o objetivo de melhorar os testes em conformidade com

obter, 30% ou mais dos direitos de voto das mencionadas entidades11.

estas críticas, de modo a torna-los mais subjetivos e ponderados ao caso em concreto, sendo esperado que continuem com esse propósito. Outra crítica que tem sido apontada à realização desta avaliação e que merece a nossa referência é o facto de se revelar pouco transparente, na medida em que não são, por norma, divulgados ao público os resultados do referido teste. No entanto, a imprensa desportiva inglesa consegue, por vezes, divulgar 9

casos esporádicos de aplicação desta avaliação .

No que respeita aos moldes em que esta avaliação destes indivíduos é realizada, esta ocorre, de um modo geral, de duas formas. Desde logo, anualmente, no início de cada época desportiva, cada clube pertencente à EPL tem de comunicar a esta entidade, por via de uma declaração escrita assinada por um responsável do clube e pelos referidos indivíduos, respondendo às questões desqualificadoras presentes na Secção ‘F’ do acima mencionado regulamento da EPL. Sem prejuízo, em qualquer outra altura, mesmo durante

De seguida, passamos ao estudo de quem se aplica estas normas, ou seja, quem

a época desportiva, caso alguém pretenda assumir as funções acima referidas ou adquirir

está obrigado a “passar” nesta avaliação. Ora, cumpre desde já notar que o âmbito de

o controlo nos clubes e sociedades associadas, de modo a que recaiam nas previsões do

aplicação destes testes é bastante amplo. De facto, analisando a Secção ‘F’ do Premier

regulamento para a realização desta avaliação, devem também entregar, antes do início

League Handbook Season 2018/201910, conjugada com as definições apresentadas na

desse evento, a mesma declaração junto da EPL.

seção A do mesmo diploma, a nossa interpretação é de que esta avaliação se aplica a todos os diretores, gerentes ou administradores, de direito e/ou de facto, não só dos próprios clubes, mas também de quaisquer sociedades por eles constituídas, do mesmo grupo ou

2. A SECÇÃO ‘F’ DO PREMIER LEAGUE HANDBOOK 2018/2019

que de algum modo com ele se relacionem. Além disso, e tendo em conta que de acordo com a Secção ‘G’ do mesmo texto os clubes são obrigados a revelar o indivíduo ou o

Feito o enquadramento do leitor neste tema, prosseguimos, neste subcapítulo, com

último beneficiário das sociedades comerciais que detenham 10% ou mais do clube ou

a análise, ainda que algo resumida e por nós traduzida12, das disposições do regulamento

das sociedades comerciais por ele constituídas, do mesmo grupo ou que de algum modo

da EPL que consagram a realização desta avaliação. Antes de iniciarmos esta análise,

com ele se relacionem, o teste aplica-se ainda a quem, para o efeito das definições da

contudo, relembre-se que, de modo a uma compreensão efetiva do teste regulado na

Secção ‘A’, a quem obtiver, ou pretenda obter, o controlo, aqui se entendendo como

referida Secção ‘F, deve-se consultar igualmente as definições dos conceitos deste

participação social e direitos de voto, do clube ou das sociedades comerciais por ele

regulamento, definições essas constantes na Secção ‘A’ deste diploma13 14.

constituídas, do mesmo grupo ou relacionadas que lhe permita eleger ou destituir os 1) https://www.eurosport.com/football/efl-clubs-agree-to-tighten-up-owners-and-directorstest_sto6208015/story.shtml; 2) https://www.otbfootball.net/the-fit-proper-persons-test-a-football-fallacy/; 3) https://www.bbc.com/sport/football/26488969: 4) https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/is-football-s-owners-directors-test-fit-forpurpose. 9 Para maior desenvolvimento veja-se RICHARD BARHAM, A guide to the Owners’ and Directors’ Test

11

Para melhor estudo do âmbito de aplicação deste teste, e de modo a melhor fundamentar a nossa

interpretação desta questão, veja-se a Secção ‘A’ (A.1.12.; A.1.19.; A.1.28.; A.1.40.; A.1.42.; A.1.46.; A.1.52.; A.1.61.; A.1.79.; A.1.122.; A.1.155.; A.1.163.) em conjugação com as disposições da Secção ‘F’, do Premier League Handbook 2018/2019, que disponível para consulta e download no seguinte endereço eletrónico: «https://www.premierleague.com/publications». Procuraremos efetuar uma tradução fiel para a Língua Portuguesa das disposições do regulamento, sem

in English Footbal, lawinsport.com, 17 de Outubro de 2018, disponível no seguinte endereço eletrónico:

12

https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/a-guide-to-the-owners-and-directors-test-in-english-

prejuízo de recorrermos à indicação da expressão em Língua Inglesa quando o tivermos por conveniente

football.

13

10

Este é o regulamento base da EPL e é onde está previsto, na seção F, o Directors’s and Owners’s Test e

está

disponível

para

consulta

e

download

no

seguinte

endereço

eletrónico:

«https://www.premierleague.com/publications».

Especialmente as definições já referidas, constantes da Secção ‘A’, n.ºs A.1.12.; A.1.14.; A.1.19.;

A.1.28.; A.1.40.; A.1.42.; A.1.46.; A.1.52.; A.1.61.; A.1.79.; A.1.122.; A.1.155.; A.1.163.. 14

Na exposição que se segue da Secção ‘F’ do referido regulamento, iremos fazer referência às definições

que acharmos relevantes apenas na primeira vez que surgirem. No entanto, sugerimos ao leitor que ao

12

11 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

208

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

209

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

Portanto, de acordo com o ponto F.1.15, a pessoa obrigada à emissão da referida declaração, pelos motivos supra indicados, não passará no exame e será desqualificada,

considerada desonesta; F.1.5.3. por qualquer infração consagrada no Anexo 120 ou uma infração análoga consagrada numa jurisdição diferente;

o que significa que, assim sendo, não lhe será permitido assumir as funções ou o controlo da entidade a que se propunham, quando:

- F.1.6. tenha, de acordo com o juízo razoável do “Board”21, empregado uma conduta, fora do Reino Unido, que constituiria uma infração, tal como as descritas nos

- F.1.1. no que diz respeito à declaração solicitada neste ponto F.1., tenha: F.1.1.1. sido incapaz de fornecer toda a informação relevante; ou, F.1.1.2. fornecido informação

pontos F.1.5.2. e F.1.5.3., caso tal conduta tivesse sido praticada no Reino Unido, quer essa conduta tenha ou não resultado numa condenação;

falsa, imprecisa ou enganosa;

- F.1.7. tenha sido objeto (de procedimentos de insolvência e recuperação

- F.1.2. direta ou indiretamente estiver envolvido ou tiver algum poder para

pessoal): F.1.7.1. um “Individual Voluntary Agreement” (o que, no ordenamento jurídico

determinar ou influenciar a administração ou gerência de outro clube16 da EPL ou da EFL;

português, corresponderá à figura do processo especial para acordo de pagamento, nos

- F.1.3. direta ou indiretamente detém ou adquire participação social significativa (em Inglês: “significant interest”17) num clube enquanto detém, direta ou indiretamente, alguma participação social de qualquer tipo noutro clube; - F.1.4. estiver proibido pela lei inglesa de administrar ou gerir sociedades comerciais ou empresas18;

termos do disposto nos arts. 222.º-A e ss. do CIRE); F.1.7.2. um “debt relief order” (não há correspondência exata no direito português para esta figura, embora se situe no âmbito do direito da insolvência e recuperação de singulares, e significa, resumidamente, um período de 12 meses em que os credores da pessoa, que tenha sido aprovada com sucesso neste pedido, não podem exigir de qualquer modo o pagamento dos seus créditos); F.1.7.3. um “administration order” (uma figura jurídica que corresponde a um acordo de

- F.1.5. tenha sido condenado19 por um tribunal do Reino Unido ou pelo

pagamento da dívida entre o devedor e os credores no âmbito de um processo judicial em

competente tribunal de outra jurisdição: F.1.5.1. numa pena de 12 meses de prisão efetiva

curso); F.1.7.4. um “enforcement restriction order” (outro tipo de acordo de pagamento

não suspensa; F.1.5.2. por qualquer infração envolvendo qualquer conduta que possa ser

de dívida existente no ordenamento jurídico de Inglaterra); F.1.7.5. um “debt management scheme” ou um “debt repayment plan” (figuras que se assemelham aos institutos de direito português de processo especial para acordo de pagamento, nos termos

analisar as disposições destas normas, tenha sempre em consideração as definições constantes da Secção ‘A’ do regulamento, uma vez que certas palavras têm mais do que um significado.

do disposto nos arts. 222.º-A e ss. do CIRE e ao plano de pagamento aos credores, nos termos do preceituado nos arts. 251.º e ss. do CIRE); e ainda, nos termos da mesma regra,

15

Este ponto destas regras elenca os fatores de desqualificação consagrados nesta avaliação.

16

Cfr. definição presente no ponto A.1.28. do regulamento.

17

De acordo com a definição presente no ponto A.1.155. do regulamento será quem detiver 10% ou mais

qualquer tipo de figura jurídica semelhante às acima referidas que tenha sido aplicada num outro ordenamento jurídico distinto; - F.1.8. tenha sido objeto de uma “bankruptcy restriction order” ou de uma

dos direitos de voto do clube ou sociedade comercial em causa. 18

O regulamento especifica melhor os casos abrangidos por esta disposição, no entanto, não nos interessa

decisões judiciais de insolvência no âmbito de processos de insolvência pessoal, como

aqui estudar a fundo esta questão. 19

“bankruptcy order” (as quais assemelham-se, no ordenamento jurídico português, a

A regra constante do ponto F.1.5. determina que certas condenações em processo criminal sejam fatores

de desqualificação na presente avaliação. Contudo, o regulamento refere apenas as pessoas que tenham uma “conviction (wich is not a spent conviction)”. Para melhor compreensão do termo “spent conviction” torna-

declaração de insolvência de uma pessoa singular ou a sua qualificação como insolvência culposa e respetivas consequências);

se necessária a análise ao diploma legal inglês intitulado “Rehabilitation of Offenders Act 1974” que estabelece quando é que uma condenação criminal se considera como “spent conviction” ou “unspent conviction” para se poder determinar se uma condenação criminal preenche este critério que constitui um

20

tipos de ofensas proibidas pela EPL. 21

fator de desqualificação da avaliação em análise.

O Anexo 1 é parte integrante do Premier League Handbook 2018/2019 e contém uma lista com certos Cfr. definição constante no ponto A.1.12. do regulamento,

14

13 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

210

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

211

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

- F.1.9. é, ou tenha sido, gerente ou administrador, ainda que de facto, de um clube da EPL (ou sociedade comercial com ele relacionada) durante a altura em que este tenha

respeitantes à proibição das apostas desportivas no futebol (quer seja em Inglaterra, no País de Gales, ou noutro local);

sido objeto de dois ou mais casos quaisquer casos de insolvência de pessoa coletiva não relacionados em que tenham sido retirados pontos como sanção disciplinar ao respetivo clube (mesmo que tenha se demitido até 30 dias antes do conhecimento da insolvência22 23

); - F.1.10. tenha sido gerente ou administrador, ainda que de facto, de dois ou mais

clubes da EPL ou da EFL (ou de sociedades comerciais com ele relacionadas) durante a altura em que este tenha sido objeto de um caso de insolvência em que tenham sido retirados pontos como sanção disciplinar ao respetivo clube; - F.1.11. tenha sido objeto de uma suspensão ou interdição/proibição de administrar ou gerir uma entidade desportiva por decisão de uma qualquer entidade decisória desportiva que seja reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional, pelo “UK Sport”, pelo “Sport England”, outra entidade desportiva nacional, ou ainda outra qualquer nacional ou internacional associação desportiva ou órgão de decisão, quer tal suspensão ou interdição/proibição seja direta ou indireta;

- F.1.15. seja um intermediário e/ou estiver registado como um intermediário ou agente de acordo com os regulamentos de cada associação nacional membro da FIFA. Estes são, portanto, os fatores que, uma vez preenchido qualquer um deles, levam à desqualificação do candidato nesta avaliação. Podemos desde já realçar três questões que nos parecem relevantes e pertinentes tendo em conta o estudo efetuado. Ora, em primeiro lugar, e tendo analisado não apenas a regra F.1., mas sim toda a Secção ‘F’ deste regulamento, salta-nos à vista que, apesar de todos estes fatores de desqualificação dos candidatos estarem devidamente e expressamente elencados, não está definido qualquer meio de fiscalização da veracidade das declarações das pessoas obrigadas à emissão da declaração relativa a estes critérios. Através de um simples raciocínio hipotético, podemos conjurar uma situação em que o candidato não responda com verdade no que respeita aos fatores supra expostos ou simplesmente omita alguma informação relevante. Neste contexto, terá a EPL algum meio de comprovação, verificação e/ou investigação da informação declarada pelos candidatos? O que é certo é

- F.1.12. tenha sido objeto de qualquer forma de suspensão, desqualificação ou

que pelo estudo deste regulamento não obtemos resposta à nossa questão. Sem prejuízo,

expulsão de uma ordem profissional incluindo, sem limitação, a “Law Society”, a

é também verdade que no ponto F.6. deste regulamento, a EPL reserva o direito de

“Solicitors’s Regulation Authority”, a “Bar Council”, o “Institute of Chartered

desqualificar um candidato nos termos deste teste caso tenha obtido conhecimento “by

Acccountants of England and Wales” ou qualquer outra entidade similar noutra jurisdição

any other means” (por qualquer outro meio diverso destas declarações consagradas na

que não a de Inglaterra e País de Gales, quer essa suspensão, desqualificação ou expulsão

Secção ‘F’ do regulamento) que este incumpre os critérios aqui exigidos. O que significa,

seja direta ou indireta;

portanto, que a EPL pode desqualificar um candidato devido à verificação de algum dos

- F.1.13. tenha sido ordenado a fornecer a sua informação pessoal de acordo com a “Part 2 of the Sexual Offences Act 2003”; - F.1.14. se considere que tenha violado ou tenha admitido ter violado: F.1.14.1. a regra J.6. (deste regulamento); ou, F.1.14.2. quaisquer outras regras, em vigor à data,

fatores de desqualificação que tenha sido descoberta com base nalguma denúncia, comunicação, artigo da imprensa, ou mesmo até pelo conhecimento pessoal por parte de algum membro do “Board”. Outra questão que nos parece relevante prende-se com o facto de a EPL ter instituído, mais recentemente, na regra F.1.6., e em oposição ao cariz objetivo desta avaliação, uma norma de ponderação mais subjetivista. De facto, esta regra, que consagra

O texto das regras refere-se a “Event of Insolvency” como o momento a partir do qual se conta o referido

um juízo subjetivo do Board em caso de uma conduta passível de ser considerada uma

prazo de 30 dias, o que, interpretado à letra, poderá significar 30 dias depois do requerimento de insolvência,

infração, é uma das alterações mais recentes ao Fit and Proper Persons’s Test, e surge

22

que poderá ser apresentado pelo clube ou sociedade comercial com ele relacionada ou por um credor, no âmbito de um processo de insolvência de pessoa coletiva. 23

Esta regra dos 30 dias aplica-se também à regra do ponto F.1.10.

15 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

212

www.ligaportugal.pt

16 www.ligaportugal.pt

213

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

após a excessiva objetividade deste teste ter sido criticada24 no âmbito de alguns casos

que o âmbito de aplicação da desqualificação por insolvência de sociedades comerciais

que se tornaram de conhecimento público (alguns dos quais iremos fazer referência no

dos quais tenham sido administradores ou gerentes poderia ser bastante mais alargado e,

próximo subcapítulo).

assim sendo, não se limitar apenas aos casos de insolvência de clubes ou sociedades

Finalmente, no que diz respeito aos critérios de desqualificação constantes na

comerciais com eles relacionadas27.

regra F.1. cumpre-nos ainda uma breve referência aos fatores consagrados nos pontos

Isto posto, e expostos os fatores de desqualificação consagrados na secção F.1. do

F.1.7., F.1.8., F.1.9. e F.1.1.0., ou seja, as normas relativas às situações de insolvência ou

owners’ and directors’ test, prossegue o regulamento em estudo, nos pontos F.2., F.3. e

acordos de recuperação. Ora, nos termos referidos, é desqualificado qualquer candidato

F.4., com as regras relativas à submissão da declaração obrigatória no âmbito desta

que tenha sido objeto de qualquer plano de pagamento e recuperação de pessoas

avaliação.

singulares judicial (cfr. F.1.7.) ou de processo de insolvência (cfr. F.1.8.), portanto, mesmo que estas situações se situem completamente extra do âmbito desportivo. É, no entanto, curiosa a constatação de que, de acordo com as regras F.1.9. e F.1.10., os candidatos apenas serão desqualificados, por meio desta avaliação, no caso de serem seus administradores, gerentes ou diretores, ainda que de facto, no âmbito de insolvências de 25

clubes ou sociedades comerciais com ele relacionadas . Isto significa que, nos termos destas disposições, aos candidatos e às pessoas obrigadas a preencherem esta declaração, é permitido, isto é, não releva para efeitos da aprovação neste teste, que tenham sido administradores ou gerentes de sociedades comerciais extrafutebol, ou seja, sociedades comerciais de um modo geral não relacionadas de modo nenhum com nenhum clube ou competição desportiva, e que estas tenham sido objeto de figuras jurídicas semelhantes

Assim, e em suma, os clubes da EPL são obrigados ao envio da referida declaração para o “Board”, no prazo máximo de 14 dias antes do início de cada época desportiva, em relação a cada um dos seus “directors”28, devidamente preenchida e assinada pela pessoa em causa e por um “authorised signatory”29. Nos casos em que um clube da EFL seja promovido para a EPL, este prazo será alterado para até 21 dias antes da data em que o clube seja considerado efetivamente como membro da EPL30. Diferentemente será quando uma “Person”31 se propõe a assumir as funções de “director” ou de assumir “control32 of the club”, caso em que o clube deve submeter a declaração à EPL no cumprimento de um prazo de até 10 dias úteis prévios ao início da situação que fundamenta o envio da respetiva declaração33.

ao PER e à insolvência. Não descortinamos qual o propósito e o espírito da EPL ao consagrar esta diferença26 nestas regras, porém, na nossa humilde opinião, consideramos 27

24

Sobre este tema veja-se: RICHARD BARHAM, A guide to the Owners’ and Directors’ Test in English

Footbal, lawinsport.com, 17 de Outubro de 2018, disponível no seguinte endereço eletrónico: https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/a-guide-to-the-owners-and-directors-test-in-english-

Note-se que, no caso relativo à insolvência de pessoas coletivas (nestas regras apenas são considerados

os clubes e sociedades comerciais com ele relacionadas), nem sequer são tidos em conta, para efeitos de aprovação neste teste, acordos de recuperação ou revitalização judiciais ou extrajudiciais que envolvam o clube ou a sociedade comercial com ele relacionada. 28

Cfr. definição de “director” constante no ponto A.1.52. do regulamento.

29

Cfr. definição de “Authorised Signatory” constante no ponto A.1.14. do regulamento.

30

Cfr. regra F.3. do regulamento.

E ainda para mais, ao contrário do que sucede com as normas do ponto 7.1.7., segundo as regras

31

Cfr. definição de “Person” constante no ponto A.1.122. do regulamento.

constantes dos pontos 7.1.9. e 7.1.10., é exigido, para a desqualificação do candidato, que tenham ocorrido

32

Cfr. definição de “Control” constante no ponto A.1.46. do regulamento.

dois ou mais casos de insolvência do clube ou de sociedade comercial com ele relacionada.

33

Situação essa que poderá, como já estudamos, nos casos em que alguém se propõe a assumir funções de

football e, Is football’s owners’ & directors’s test fit for purpose, lawinsport.com, 21 de Janeiro de 2015, disponível no seguinte endereço eletrónico: https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/is-football-sowners-directors-test-fit-for-purpose. 25

Entre os critérios de desqualificação relativos aos acordos judiciais de revitalização ou recuperação e

administração ou gerência de um dado clube ou uma sociedade comercial com ele relacionada ou, em

insolvência de pessoas singulares (cfr. pontos F.1.7. e F.1.8.) e os critérios respeitantes a processos de

alternativa, na hipótese de alguém, ou alguma sociedade comercial por essa pessoa controlada, pretender

insolvência de pessoas coletivas (neste caso, clubes e sociedades comerciais com ele relacionadas apenas)

adquirir 30% ou mais, dos direitos de voto do clube ou de sociedade comercial com ele relacionada ou

(cfr. pontos F.1.9. e F.1.10.).

ainda, para efeitos desta norma, assumir um certo tipo de controlo do clube ou sociedade comercial que lhe

26

18

17 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

214

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

215

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

De seguida, a regra consagrada no ponto F.5. obriga à comunicação das entidades

Esta seção “F” do referido regulamento da EPL consagra ainda uma última regra,

e pessoas obrigadas, nos termos supra mencionados, à EPL de algum evento que tenha

constante no ponto F.24., que proíbe qualquer “Person”39 de adquirir uma “Holding”40

gerado uma alteração nas circunstâncias comunicadas pelas vias acima referidas.

num “Club”41 quando, de acordo com a lei do Reino Unido ou da União Europeia, essa

O ponto F.6., por sua vez, regula os procedimentos a adotar em caso de desqualificação de candidatos tendo em conta os critérios de desqualificação consagrados no ponto F.1..

pessoa: F.24.1. esteja proibida de entrar no território do Reino Unido; ou, F.24.2. não detenha fundos ou recursos económicos direta ou indiretamente disponíveis em seu benefício.

No que respeita aos pontos F.7. e F.8., sob a epígrafe de “disciplinary provisions”, estas regras submetem a apreciação disciplinar os clubes e pessoas singulares obrigadas

3. CASOS REAIS

a este teste que tenham violado as imposições presentes nesta seção “F”. Seguidamente, nos pontos F.9. a F.12., é estabelecido os termos e procedimentos

Expostas as regras consagradas no Premier League Handbook 2018/2019 no que

relativos à suspensão de clubes nas competições desportivas inglesas, a adotar em caso

toca ao Owners’ and Directors’ Test, e para finalizarmos o presente capítulo, é agora

de incumprimento de decisões da EPL relativamente à aplicação de desqualificações com

tempo de passarmos agora a breves referências de casos reais que sucederam em

base nesta avaliação.

Inglaterra no âmbito do tema aqui estudado, cuja sucinta análise consideramos pertinente

Por fim, nas regras constantes dos pontos F.13. a F.23. do regulamento, são estipulados os termos dos recursos das decisões de desqualificação de um candidato pela EPL com base no Fit and Proper Persons’ Test. O recurso destas decisões obriga o

e útil ao presente estudo, pois estes casos estão intimamente relacionados com esta avaliação e, assim sendo, pensamos que o leitor beneficiará de uma noção mais prática e concreta destes testes.

recorrente a um depósito de £1.000,00 (mil libras)34 35e apenas pode ter como fundamento

Em primeiro lugar, e antes de passarmos à sucinta exposição factual de casos reais,

os factos determinados no ponto F.15. O recurso será apreciado por um “appeal tribunal”,

cumpre-nos denotar que a EPL, a EFL e a FA têm seguido uma política de privacidade,

composto por três membros, sendo que o presidente desse órgão alguém legalmente

proteção de dados pessoais e não transparência/divulgação dos resultados e informações

qualificado para o efeito, todos eles nomeados pelo “Board”36. O ónus da prova

decorrentes da avaliação em estudo no presente trabalho. De facto, as únicas informações

relativamente à matéria alegada no recurso será da responsabilidade do recorrente 37 e a

concretas que conseguimos encontrar foram por via dos meios de comunicação social que

decisão tomada por este órgão será final e vinculativa para tanto o clube como para o

conseguem ter acesso a informações privilegiadas, imagina-se que devido a fugas de

38

candidato .

informação, e divulgam para o público em geral. Aliás, as próprias direções das entidades reguladoras do futebol em Inglaterra EPL já admitiram que esta é uma conduta

permita designar ou destituir a maior parte dos administradores, gerentes ou diretores – cfr. definição de

previamente delineada e prevista para a salvaguarda de dados pessoais das pessoas que

“control” constante no ponto A.1.46. do regulamento.

realizam estes testes. Neste contexto, os casos que iremos fazer referência de seguida são

34

Cfr. regra F.14. do regulamento.

transmitidos apenas com base em artigos da comunicação social, os quais iremos

35

Sendo que, nos termos das regras consagradas nos pontos F.22.5. e F.22.6. do regulamento, esta quantia

referenciar em nota de rodapé para o leitor que quiser indagar mais sobre o assunto.

poderá (ou não) ser devolvida ao recorrente, ou ainda complemento de um pagamento ainda maior a ser por este efetuado à EPL. 36

Cfr. regra F.16. do regulamento.

39

Cfr. definição constante do ponto A.1.122. do regulamento.

37

Cfr. regra F.18. do regulamento.

40

Cfr. definição constante do ponto A.1.79. do regulamento.

38

Cfr. regra F.23. do regulamento.

41

Cfr. definição constante do ponto A.1.28. do regulamento.

19 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

216

www.ligaportugal.pt

20 www.ligaportugal.pt

217

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

Em segundo lugar, cumpre ainda referir que nem todas as referências que se

Assim sendo, e de acordo com o regulamento, neste caso, da FA, devido ao clube

seguem se irão centrar em alguém que tenha efetivamente, e de um modo definitivo, sido

em questão participar nas competições desportivas por si organizadas, devido ao facto de

desqualificado42 de deter ou administrar um clube ou sociedade comercial do mesmo

estar impedido de administrar ou gerir empresas, o qual constituía um factor de

grupo, pelas competentes entidades do futebol inglês no âmbito destes testes. De facto,

desqualificação do referido reste, o Sr. Stephen Vaughan foi declarado como “not fit and

faremos também menção a casos reais43 que no âmbito desta avaliação que levantaram

proper person” e viu-se obrigado a abdicar do domínio do grupo empresarial do Chester

sérias polémicas e que se tornaram famosos no seio do futebol inglês, levando a diversas

City FC.

críticas à efetividade e seriedade destes testes. 3.2. CARSON YEUNG (BIRMINGHAM CITY FOOTBALL CLUB)45: 3.1. STEPHEN VAUGHAN (CHESTER CITY FC)44:

Faremos agora referência a um caso que se revelou bastante polémico em terras

A primeira referência deste subcapítulo trata-se, intencionalmente, também da

de Sua Majestade. Trata-se da compra (e posterior venda) da sociedade detentora do

primeira ocasião na (ainda curta) história de aplicação desta avaliação em que um

grupo comercial referente ao Birmingham City FC e à nomeação de Carson Yeung, um

indivíduo foi desqualificado devido ao Owners’ and Directors’ Test. Ora, o Sr. Stephen

empresário natural de Hong Kong, como seu administrador e também diretor do respetivo

Vaughan, um empresário natural de Liverpool, adquiriu, em Outubro de 2001, o grupo

clube.

empresarial do Chester City FC, aquando da relegação desta equipa da EFL.

Ora, o Sr. Carson Yeung decidiu adquirir este clube inglês no ano de 2009. No

Sucede que, no ano de 2009, este empresário foi alvo de um processo de fraude

entanto, sucede que no ano de 2004 este empresário tinha sido condenado judicialmente

fiscal, mais concretamente, de fraude de IVA, devido à sua intervenção num esquema

em multa, em Hong Kong, pela conduta, que aí constitui crime, de não declarar uma

fraudulento que se denomina de fraude fiscal de “carrossel”, no qual foi acusado de se ter

quantia significante de ações detidas na bolsa de valores de Hong Kong. Além do mais,

apropriado de uma quantia de cerca de £500.000,00 (quinhentas mil libras).

existiam muitos rumores e alegações de que este empresário estaria ligado a organizações

Neste âmbito, e ao ter confessado a sua participação no referido esquema fraudulento, a entidade inglesa competente (The Insolvency Service) decidiu aplicar ao Sr. Stephen Vaughan a medida de proibição de deter ou administrar empresas durante 11 anos.

criminosas. No entanto, uma vez que a única infração pela qual ele havia sido efetivamente condenado tinha sido descriminalizada em Inglaterra no ano de 2000, e de acordo com o regulamento da EPL acima estudado, este empresário reunia os critérios para passar no referido teste. Mais tarde, já depois de assumir a presidência do Birmingham City FC, no ano de 2010, o Sr. Carson Yeung voltaria a ser condenado judicialmente numa multa pela mesma

42

No que respeita a outras situações de desqualificação por via destes testes convidamos o leitor a pesquisar

sobre os casos de Tommy Agombar (Hereford United), Craig Whyte (The Rangers Football Club) e Dennis Coleman (Rotherham United). 43

Convidamos ainda o leitor a investigar sobre outros dois casos que nos parecem interessantes e

pertinentes e em que esta avaliação se notabilizou, os quais, por impossibilidade de mencionarmos todos

infração em Hong Kong, desta vez ainda de maiores proporções. No entanto, mesmo após esta situação ter ocorrido, os responsáveis da EPL voltaram a não concluir pela desqualificação do Sr. Carson Yeung das posições e funções que tinha, à data, no clube inglês. Esta situação gerou bastante polémica e foram várias as vozes que pugnaram por

neste subcapítulo, não faremos uma referência mais detalhada, tais como: Gao Ji Sheng (Southampton) e Evangelos Marinakis (Nottingham Forest). 44

Para maior desenvolvimento veja-se os artigos de comunicação social nas seguintes páginas web:

https://www.theguardian.com/football/david-conn-inside-sport-blog/2009/nov/18/chester-city-fit-proper-

45

person-test; https://www.theguardian.com/football/2009/nov/18/chester-city-fit-proper-person-test.

https://www.bbc.com/sport/football/26488969; https://www.bbc.com/sport/football/26488969.

Veja-se,

para

maior

desenvolvimento,

21 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

218

www.ligaportugal.pt

os

seguintes

artigos:

22 www.ligaportugal.pt

219

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

uma mudança drástica nos regulamentos que previam este teste devido à sua excessiva

um processo judicial, nesse mesmo país, no qual lhe eram imputados crimes de corrupção

objetividade e às suas óbvias lacunas.

e de violação de direitos humanos. Este havia, inclusive, fugido das autoridades

Por fim, no ano de 2014, o presidente do Birmingham City FC, Carson Yeung, foi novamente judicialmente condenado, em Hong Kong, desta feita por branqueamento de capitais, a seis anos de prisão efetiva, tendo ainda sido descoberto que ele teria usado os proveitos não declarados relativos a ações na bolsa de valores de Hong Kong para a

tailandesas e tentado obter exílio político no Reino Unido durante a compra do clube Inglês, com o objetivo de escapar ao julgamento a que iria ser submetido pelo governo militar que dirigia o país, tendo-lhe sido congelados valores nas suas contas bancárias tailandesas equivalentes a 800 milhões de libras.

compra deste clube inglês, beneficiando da sua lavagem e branqueamento de capitais.

Ora, a pergunta que se colocou à altura era se, de facto, aquele individuo estava

Nesta ocasião, no entanto, devido à pena de prisão efetiva a que tinha sido condenado, tornava-se indiscutível que iria ser desqualificado, agora segundo os regulamentos da EFL, nos termos dos Fit and Proper Persons’ Test. Não chegou, porém, a revelar-se necessário, uma vez que este empresário saiu “pelo próprio pé”, ao se ter demitido das suas funções no referido clube inglês. Contudo, e tendo esta situação gerado nova polémica, o empresário de Hong Kong decidiu não vender toda a sua participação no clube inglês e respetivas empresas, tendo permanecido com uma percentagem de 15%, uma vez que, tal como vimo acima, o teste apenas se aplica a quem controle efetivamente

apto a ser dono e administrador do Manchester City FC, de acordo com os termos estabelecidos nos Fit and Proper Test’s. Acontece que, e uma vez que ainda não havia sido proferida nenhuma sentença ou decisão equivalente transitada em julgado no seu país de origem47, a entidade competente da Premier League viu-se obrigada a permitir que o Sr. Thaksin Shinawatra adquirisse o clube em questão. Além do mais, o regime que havia sido implementado pelos militares na Tailândia não tinha sido reconhecido pelo Reino Unido, o que levantava ainda mais dúvidas quanto à aplicação da referida avaliação, mesmo no caso de que este fosse efetivamente condenado a prisão efetiva.

o clube e as sociedades comerciais com ele relacionadas, quer por deter 30% ou mais da

No mês de Agosto de 2008, após a polémica se ter instalado e dois meses antes da

sua propriedade, quer por ter o poder suficiente para eleger ou destituir os seus órgão

sentença condenatória a que iria muito provavelmente ser sujeito, e devido a esta situação

sociais e todos os administradores/gerentes/diretores.

estar a denegrir a imagem do Manchester City FC, o Sr. Thaksin Shinawatra, sabendo também de antemão que dentro de pouco tempo iria chumbar no teste aplicado pela Premier League, decidiu vender a sua posição no referido clube Inglês, ficando apenas

3.3. THAKSIN SHINAWATRA (MANCHESTER CITY)46: Em Julho de 2007, o Sr. Thaksin Shinawatra, um ex-primeiro ministro da Tailândia, adquiriu aproximadamente 75% das ações do Manchester City FC (grupo empresarial) pagando cerca de 39.1 milhões de libras entre o preço das respetivas ações e pagamento de suprimentos aos anteriores acionistas.

com 15% do respetivo capital social, ao Abu Dhabi United Group. Em Outubro do ano de 2008, o Sr. Thaksin Shinawatra foi condenado, pelos tribunais tailandeses a dois anos de prisão efetiva, tendo sido emitido um mandado para a sua detenção e, em Novembro de 2008, foi-lhe recusada a entrada no Reino Unido.

Sucede que, nessa mesma altura em que o Sr. Thaksin Shinawatra adquiriu a referida participação social, e na sequência de um golpe político-militar que havia

3.4. MASSIMO CELLINO (LEEDS UNITED)48:

decorrido na Tailândia e que o havia afastado do poder naquele país, sobre este impendia

Massimo Cellino, um empresário natural da região da Sardenha, Itália, o qual foi presidente do clube italiano Cagliari durante cerca de 22 anos, decidiu adquirir, em

46

Cfr.,

para

maior

desenvolvimento,

as

seguintes

páginas

eletrónicas: Cfr. ponto F.1.5. e F.1.6. do Premier League Handbook 2018/2019.

https://www.theguardian.com/football/2008/aug/23/manchestercity.premierleague1;

47

https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/a-guide-to-the-owners-and-directors-test-in-english-

48

football;

https://www.bbc.com/sport/football/26084726;

https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/is-football-s-owners-directors-test-fit-for-

purpose; http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/6277502.stm.

Ver,

para

maior

desenvolvimento,

220

seguintes

páginas

eletrónicas:

https://www.bbc.com/sport/football/26627183;

https://www.bbc.com/sport/football/26776884;

23 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

as

www.ligaportugal.pt

24 www.ligaportugal.pt

221

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

Fevereiro de 2014, através do grupo empresarial denominado Eleonora Sport Ltd., sua

Sucede que, esta decisão apenas vigorou até ao dia 1 de Dezembro de 2014 pois,

propriedade, 75% do capital social do Leeds United, um clube inglês que disputava, à

após a English Football League ter tido acesso e ter devidamente analisado os

data, o Championship, o segundo escalão de futebol nacional de Inglaterra.

fundamentos da acima referida condenação do Sr. Massimo Cellino pelos tribunais

Sucede que, no dia 24 de Março de 2014, a EFL anunciou que o Sr. Massimo

italianos devido a evasão fiscal, o competente órgão para o efeito decidiu desqualificar o

Cellino não havia sido aprovado no seu Owners’ and Directors’ Test. O motivo para a

presidente do Leeds United com fundamento nas regras do Fit and Proper Person Test.

sua desqualificação prendia-se com a condenação em multa, a que o Sr. Massimo Cellino

Após esta última decisão da EFL, ao Sr. Massimo Cellino apenas restavam duas hipóteses

havia sido sujeito, no âmbito de um processo judicial que corria termos nos competentes

para continuar na liderança deste clube inglês, sendo que a primeira seria recorrer da

tribunais italianos, relativamente a uma alegada evasão fiscal de impostos quanto a um

decisão e a segunda seria esperar até ao dia 28 de Março de 2015, pois nesta data e

negócio de importação de um iate, que a EFL considerou como uma atitude desonesta

segundo a legislação britânica, a condenação se tornaria numa “spent conviction”50 e

para o efeito e nos termos do ponto F.1.5.2. do referido regulamento.

poderia assim voltar ao controlo do Leeds United.

No entanto, o Sr. Massimo Cellino apresentou um recurso desta decisão da EFL,

O Sr. Massimo Cellino decidiu recorrer novamente desta decisão, porém, desta

com base na sua interpretação de que esta decisão dos tribunais italianos não significava

vez o seu recurso foi rejeitado pelo competente órgão decisório da EFL e o presidente do

que seria desqualificado de adquirir o Leeds United com base nas regras do Fit and

Leeds United viu-se obrigado a cumprir a sua desqualificação até poder voltar de novo a

Proper Persons’ Test. Alegou para tanto, e em suma, que a condenação não revelava uma

assumir a presidência e o controlo deste clube inglês. Contudo, a ELF decidiu adiar o

atitude desonesta da sua parte e que, nos termos da lei italiana, naquela fase do processo,

regresso do Sr. Massimo Cellino ao aumentar a sua desqualificação suspendendo-o até o

este ainda era considerado inocente.

final da época desportiva de 2014/2015 devido ao tempo que este demorou e ao ter adiado

Ora,

o

referido

recurso

foi

apreciado

pelo

órgão

independente

denominado League's Professional Conduct Committee e acontece que, no dia 05 de Abril de 2014, foi proferida a decisão sobre aquele recurso que decidiu favoravelmente

a entrega dos documentos judiciais referentes ao acima referido processo judicial de evasão fiscal nos tribunais italianos. Assim sendo, apenas no dia 02 de Maio de 2015 é que o Sr. Massimo Cellino voltou a assumir a presidência e o controlo do Leeds United.

ao Sr. Massimo Cellino. O presidente daquele órgão independente, Tim Kerr QC,

No decurso da época desportiva seguinte, isto é, da época desportiva de

explicou que a sua decisão de permitir que Massimo Cellino adquirisse o Leeds United

2015/2016, sucede que, em Outubro de 2015, a EFL decide, uma vez mais, desqualificar

decorreu do seu entendimento de que, com base apenas na informação disponibilizada

o Sr. Massimo Cellino ao abrigo do Owners’ and Directors’ Test devido a uma nova

pelo tribunal italiano, não era possível concluir pela desonestidade da sua conduta

condenação por evasão fiscal num tribunal italiano, desta feita após terem surgido

relativamente aos factos ali apreciados e, portanto, não se poderia bloquear a compra do

suspeitas pela importação de um automóvel Land Rover em Itália. Esta nova

referido clube nos termos do Owners’ and Directors’ Test49.

desqualificação, nos termos da lei britânica e do regulamento desportivo aplicável, duraria até ao final dessa época desportiva, ou seja, até Junho do ano de 2016.

https://www.theguardian.com/football/2014/apr/05/massimo-cellino-wins-appeal-leeds-ban-taekover;

O Sr. Massimo Cellino voltou a recorrer desta última decisão da EFL,

https://www.theguardian.com/football/2014/dec/01/massimo-cellino-leeds-football-league-disqualified; https://www.theguardian.com/football/2015/jan/19/massimo-cellino-loses-appeal-leeds-director;

recurso que havia apresentado nos tribunais italianos no âmbito deste processo judicial.

https://www.theguardian.com/football/2015/oct/19/leeds-massimo-cellino-disqualified-football-league;

A EFL aceitou adiar a sua desqualificação até a decisão sobre o referido recurso nos

https://www.theguardian.com/football/2015/nov/26/massimo-cellino-leeds-united-two-bans. 49

argumentando que a sua desqualificação deveria ser suspensa até a decisão sobre o

Veja-se, no regulamento por nós estudado, o disposto no ponto F.1.5.2. que terá sido o ponto em que se

baseou esta discussão (no caso do Sr. Massimo Cellino estaria em causa os regulamentos do Championship

50

e não da Premier League, no entanto, seria uma regra análoga a esta).

convictions” não davam direito à desqualificação.

Uma vez que, com base na regra análoga à do ponto F.1.5. do regulamento estudado, as “spent

25 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

222

www.ligaportugal.pt

26 www.ligaportugal.pt

223

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

CAPÍTULO II

tribunais italianos. No dia 09 de Maio de 2016, o competente tribunal de recurso italiano considerou procedente o recurso apresentado pelo Sr. Massimo Cellino, absolvendo-o do

O PANORAMA PORTUGUÊS

referido processo judicial, o que levou também a EFL a reverter a sua decisão no que se refere a esta última desqualificação. Neste contexto, Massimo Cellino continuou na

§ – O PANORAMA PORTUGUÊS. 1. BREVE

presidência do Leeds United e a deter o clube inglês até ao dia 23 de Maio de 2017, altura

ENQUADRAMENTO.

em que vendeu a sua participação no referido clube.

2.

A

LEGISLAÇÃO

PORTUGUESA. 3. OS REGULAMENTOS DA LPFP E DA FPF.

1. BREVE ENQUADRAMENTO Chegados ao segundo e último capítulo deste trabalho, cumpre-nos, em primeiro lugar, fazer uma breve apreciação do estudo por nós já realizado no primeiro capítulo e uma pequena introdução sobre o que iremos estudar nesta parte do presente trabalho. Assim sendo, constatamos que as organizações desportivas reguladoras do futebol inglês, a EPL, a EFL e a FA aplicam um certo tipo de “teste”, ou melhor dizendo, uma “avaliação”, sob a designação de Owners’ and Directors’ Test, aos pretensos e/ou efetivos administradores ou diretores de clubes e sociedades desportivas ou outras com esta relacionadas e ainda a pretensos adquirentes de mais de 30% da propriedade destes clubes ou sociedades com ele relacionadas. Aplaudimos, de facto, esta iniciativa, pois consideramos que esta avaliação se revela uma ferramenta bastante importante para o desenvolvimento e proteção do futebol profissional inglês. Não podemos, contudo, deixar de constatar que muitas têm sido as vozes que criticam a excessiva objetividade desta avaliação, acusando-a de se revelar apenas uma “ticking box”. De facto, se atentarmos no exposto no capítulo I – 2. reparamos que o processo é bastante simples e objetivo. É, portanto, emitida uma declaração pelo sujeito singular em causa e pelo respetivo clube a comunicar à entidade organizadora da competição em causa se preenche todos os requisitos (ou melhor, se não incorre em nenhum item de desqualificação) dos pontos ali explícitos do regulamento aplicável. Destaca-se, porém, que esta avaliação tem sido alterada em conformidade com as falhas que lhe eram e são apontadas tendo, inclusive, sido já alvo de, pelo menos, uma 29

27 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

224

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

225

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

alteração bastante relevante e que, de certo modo, respondeu às críticas que lhe eram

Começaremos, pois, pela Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro, que constitui a Lei de

feitas. Trata-se da introdução dos pontos F.1.5.2. e F.1.6. do regulamento da EPL

Bases da Atividade Física e do Desporto, uma vez que se trata do diploma legal mais

(reportámo-nos ao regulamento da EPL uma vez que este foi objeto de estudo no capítulo

geral e abrangente nesta área. Assim sendo, iniciamos por constatar que nada se dispõe

I do presente trabalho). Assim sendo, estes itens de desqualificação foram introduzidos

acerca dos administradores de sociedades desportivas ou de dirigentes de clubes em

para permitir alguma discricionariedade e subjetividade na decisão da EPL no que toca a

específico.

aplicação deste teste, respondendo a algumas das críticas e situações reais que foram surgindo em Inglaterra.

Ainda assim, destacaremos alguns artigos deste diploma legal que nos parecem relevantes para o tema. Salientamos, deste modo, dois artigos constantes do Capítulo IV

Isto posto, cumpre-nos agora tentar perceber o panorama português no que

(Atividade física e prática desportiva), Seção II (Agentes desportivos), que transcrevemos

respeita a esta matéria. Assim, no presente capítulo iremos, ainda que de forma breve,

de seguida. Em primeiro lugar, o artigo 36.º (Titulares de cargos dirigentes desportivos):

rever e analisar sumariamente as disposições legais em vigor acerca dos administradores

«A lei define os direitos e deveres dos titulares de cargos dirigentes desportivos» e depois

de sociedades desportivas ou de diretores de clubes e ainda dos acionistas maioritários

o artigo 39.º (Regime de incompatibilidades): «A lei define o regime jurídico de

das sociedades desportivas para percebermos que tratamento é dado na legislação

incompatibilidades aplicável aos agentes desportivos».

portuguesa a este assunto. Para tanto, analisaremos os diplomas legais que regem a atividade desportiva como, por exemplo, o RJSD e a LBADF, entre outras.

Portanto, no que a este normativo diz respeito, percebemos apenas que esta lei geral e de bases remete para que a lei especial se encargue de definir e enquadrar, em

De seguida, passaremos ao estudo dos regulamentos das organizações desportivas

primeiro lugar, os direitos e deveres de titulares da direção dos clubes e depois também o

portuguesas aplicáveis aos administradores de sociedades desportivas, aos diretores de

regime de incompatibilidades de todos os agentes desportivos. Notamos, contudo, que

clubes e aos proprietários maioritários das sociedades desportivas para, depois de

nada preceitua acerca dos requisitos de elegibilidade.

relacionarmos estes regulamentos com as disposições legais aplicáveis, tentarmos fazer uma reflexão crítica do panorama português relativamente a esta matéria.

De seguida, passaremos então à apreciação do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de Dezembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de Junho. Ora, através da análise no referido diploma legal, constatamos que, com interesse para o tema aqui discutido, foram consagrados, no artigo 48.º, requisitos de elegibilidade,

2. A LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

bem como, no artigo 49.º, um regime de incompatibilidades para os titulares dos órgãos

Neste subcapítulo procuraremos, portanto, rever e identificar que normativos legais dispõe sobre este tema e qual o tratamento que lhe é dado. Advertimos, porém, o leitor que, uma vez que este é uma matéria bastante específica, procuraremos perceber que regimes de incompatibilidades, de impedimentos e de elegibilidade existem não só

das federações desportivas. Transcrevemos, de seguida, o disposto nestes artigos do Regime Jurídico das Federações Desportivas, os quais se inserem no Capítulo III (Organização e funcionamento das federações desportivas) e na Secção III (Titulares dos órgãos).

para os administradores de sociedades desportivas e diretores de clubes, mas também para

No que respeita então aos requisitos de elegibilidade, preceitua o art. 48.º

os titulares de cargos noutras organizações desportivas. O objetivo será não só o de obter

(Requisitos de elegibilidade) o seguinte: «São elegíveis para os órgãos das federações

um meio de comparação entre estes, mas também, como veremos mais adiante, em alguns

desportivas os maiores não afetados por qualquer incapacidade de exercício, que não

casos estas regras relativas a outros sujeitos de organizações desportivas serem também

sejam devedores da federação respetiva, nem hajam sido punidos por infrações de

aplicáveis aos responsáveis dos clubes e sociedades desportivas.

natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, 31

30 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

226

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

227

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

corrupção, racismo e xenofobia, até cinco anos após o cumprimento da pena, que não

- Artigo 15.º (Administração da sociedade): «1 - O órgão de administração da

tenham sido punidos por crimes praticados no exercício de cargos dirigentes em

sociedade é composto por um número de membros, fixado nos estatutos, no mínimo de

federações desportivas ou por crimes contra o património destas, até cinco anos após o

um ou de dois gestores executivos, consoante se trate de uma sociedade desportiva

cumprimento da pena, salvo se sanção diversa lhe tiver sido aplicada por decisão

unipessoal por quotas ou de uma sociedade anónima desportiva. 2 - Os membros

judicial».

executivos dos órgãos de gestão devem dedicar-se a tempo inteiro à gestão das respetivas

Quanto ao artigo 49.º (Incompatibilidades), dispõe-se o seguinte: «1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é incompatível com a função de titular de órgão federativo: a) O exercício de outro cargo na mesma federação; b) A intervenção,

sociedades. 3 - A sociedade desportiva deve comunicar anualmente à entidade organizadora das competições desportivas profissionais, em termos a definir pela mesma, a identidade dos respetivos gestores executivos».

direta ou indireta, em contratos celebrados com a federação respetiva; c) Relativamente

- Artigo 16.º (Incompatibilidades): «1 - Não podem ser administradores ou

aos órgãos da federação ou da liga profissional, o exercício, no seu âmbito, de funções

gerentes de sociedades desportivas: a) Os titulares de órgãos sociais de federações ou

como dirigente de clube, sociedade desportiva ou de associação, árbitro, juiz ou

associações desportivas de clubes da mesma modalidade; b) Os praticantes

treinador no ativo. 2 — As funções referidas na alínea c) do número anterior não são

profissionais, os treinadores e árbitros, em exercício, da respetiva modalidade. c) Quem

incompatíveis com a função de delegado à Assembleia Geral. 3 — Para efeitos da alínea

possua ligação a empresas ou organizações que promovam, negoceiem, organizem,

c) do n.º 1, não é incompatível com a função de titular de órgão federativo o exercício de

conduzam eventos ou transações relacionadas com apostas desportivas. 2 - Aos gestores

funções de árbitro ou juiz em provas e competições internacionais»

de sociedades desportivas aplica-se igualmente o regime das incompatibilidades

Ora, estamos desde já em condições de fazer uma breve apreciação. Repare-se então que o disposto no artigo 48.º, os requisitos de elegibilidade dos titulares de órgãos

estabelecidas para os demais dirigentes desportivos na lei geral e em normas especiais, designadamente de carácter regulamentar, relativas à modalidade a que respeitam».

de federações desportivas, se assemelha bastante, embora claro numa escala mais

Ora, em primeiro lugar, analisando brevemente o disposto no artigo 15.º,

pequena e com um número mais reduzido de requisitos, aos fatores de desqualificação do

percebemos que há uma exigência legal no Regime Jurídico das Sociedades Desportivas

regulamento da EPL dos Fit and Proper Persons’ Test que expusemos no capítulo

de que o órgão de administração das sociedades seja composto por um mínimo de um ou

anterior do presente trabalho. Aplaudimos esta iniciativa do legislador português pois

dois administradores/gestores executivos, conforme esteja em causa uma SDUQ ou uma

consideramos que se trata de matérias importantes para a proteção e a salvaguarda da

SAD e que estes devem dedicar-se a tempo inteiro à gestão da respetiva sociedade.

imagem pública das organizações desportivas e, noutro plano, para o bom desempenho e

Embora esta obrigação legal não se possa correlacionar diretamente com o Owners’ and

desenvolvimento do desporto em Portugal. No que ao regime de incompatibilidades diz

Directors’ Test estudado no capítulo anterior, parece-nos algo com relevo para este tema,

respeito, este terá, como melhor perceberemos mais adiante, uma maior preponderância

uma vez que está a regular e balizar o órgão de administração das sociedades desportivas

em relação aos administradores de sociedades desportivas, pelo que reservaremos um

e, portanto, o seu objeto são os seus administradores e gerentes, tal como a referida

comentário para essa altura.

avaliação do regulamento da EPL.

Finalmente, após o estudo destes diplomas legais, no que toca a esta matéria,

Depois, com uma importância ainda mais acrescida para o tema, está previsto no

consideramos que nos resta apenas a análise do Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de Janeiro,

artigo 16.º o regime de incompatibilidades dos administradores e gerentes de sociedades

que aprovou o Regime Jurídico das Sociedades Desportivas.

desportivas. No n.º 1 são consagradas incompatibilidades com diversos outros tipos de

Assim, com interesse para a matéria estudada no presente trabalho, este diploma legal consagra na sua secção III, mais precisamente nos seus artigos 15.º e 16.º, sob a epígrafe “Órgãos sociais”, o seguinte: 33

32 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

228

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

229

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

agentes desportivos51, enquanto que no n.º 2 somos remetidos para os regimes de

tivesse consagrado algo do género também para os administradores e gerentes de

incompatibilidades para os demais agentes desportivos na lei geral, designadamente o

sociedades desportivas.

regime de incompatibilidades acima estudado do RJFD que lhe é assim também aplicável, e ainda para outras normas de caracter regulamentar, que estudaremos mais adiante.

Até agora temos visto disposições que regulam o exercício de funções de administração e gerência das sociedades desportivas. Resta-nos, pois, perceber se existe

Assim sendo, concluímos então que para além do regime de incompatibilidades

algum normativo que funcione como um entrave à aquisição e propriedade de

previsto no art. 16.º, n.º 1, aos administradores de sociedades desportivas é também

participações sociais nessas mesmas sociedades desportivas e perceber se são

aplicável, pelo menos, o regime de incompatibilidades do art. 49.º, do RJFD, o qual

semelhantes aos fatores de desqualificação do Owners’ and Directors’ Test.

transcrevemos acima. No entanto, pode se colocar a questão de saber se esta remissão para o RJFD abrange também os requisitos de elegibilidade do art 48.º do RJFD também transcrito supra. Neste ponto, porém, pensamos que não se se poderá aplicar os requisitos de elegibilidade dos titulares de cargos nos órgãos de federações desportivas, uma vez que a remissão refere expressamente “regime de incompatibilidades”52. Note-se, porém que tais requisitos de elegibilidade do art. 48.º do RJFD, são o mais aproximado que vimos até agora dos Fit and Proper Persons’ Test que é realizado pelas organizações desportivas de Inglaterra, tal como estudamos no primeiro capítulo deste trabalho. Veja-se, como meio de comparação, os pontos F.1.4. a F.1.11. do regulamento da EPL estudado no capítulo I – 2. do presente trabalho, onde encontramos disposições, ainda que mais completas e pormenorizadas, bastante similares..Assim sendo, consideramos que teria sido benéfico e adequado para o desenvolvimento e profissionalização das estruturas organizativas do futebol português, promovendo também a sua transparência e controlo no que respeita às sociedades desportivas, que se

Ora, no RJSD, estão consagradas algumas sobre o tema que passamos a transcrever: - Artigo 12.º (Proibição de subscrição ou aquisição de participações): «1 - É proibido à entidade que detenha, isolada ou conjuntamente, uma posição maioritária no capital social de uma sociedade desportiva ou que nela exerça uma relação de domínio, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código de Valores Mobiliários, deter mais de 10 % do capital social de outra sociedade desportiva na mesma competição ou prova desportiva. 2 - A sociedade desportiva não pode participar no capital social de sociedade com idêntica natureza»; - Artigo 19.º (Limitações ao exercício de direitos sociais): «1 - Os direitos dos acionistas que sejam titulares de ações em mais do que uma sociedade anónima desportiva que tenha por objeto a mesma modalidade desportiva só podem ser exercidos numa única sociedade, com exceção dos direitos à repartição e perceção de dividendos e à transmissão de posições sociais. 2 - A restrição prevista no número anterior aplicase, também a sociedades relativamente às quais a sociedade anónima desportiva e o

51

Além das incompatibilidades elencadas no art. 16.º, n.º 1, do RJSD, Maria de Fátima Ribeiro defende, a

acionista se encontrem em posição de domínio ou de grupo»;

nosso ver com toda a razão, através do recurso à interpretação extensiva da norma e à analogia da alínea a), do n.º 1, do mesmo art. 16.º, e também devido às disposições gerais do CSC, que é também incompatível com o cargo de administrador ou gerente de uma sociedade desportiva, o exercício de funções de administração ou gerência noutra sociedade desportiva da mesma modalidade. A mesma Autora levanta

- Artigo 28.º (Deveres de transparência): «1 - A relação dos titulares ou usufrutuários, individuais ou coletivos, por conta própria ou por conta de outrem, de participações qualificadas no capital social de sociedade desportiva é de comunicação

ainda outros problemas no que toca à sucessão, no tempo, no exercício destas funções em diferentes

obrigatória à entidade da administração pública com atribuições na área do desporto e

sociedades desportivas da mesma modalidade e ainda o exercício de funções de administração em sociedade

à federação dotada de utilidade pública desportiva na respetiva modalidade, bem como

desportiva por parte de alguém que é cumulativamente sócio noutra sociedade desportiva da mesma

às ligas profissionais, no caso das competições profissionais. 2 - Para os efeitos do

modalidade. Veja-se, para maior desenvolvimento, MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, Sociedades Desportivas, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2015, pp. 152-156. 52

Tal interpretação é também partilhada por Maria de Fátima Ribeiro. Cfr. MARIA DE FÁTIMA

disposto no número anterior, considera-se participação qualificada a detenção, isolada ou conjuntamente, de pelo menos 10 % do capital social ou dos direitos de voto. (…)».

RIBEIRO, op. cit., pp. 152-156.

34 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

230

www.ligaportugal.pt

35 www.ligaportugal.pt

231

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

Assim, como podemos verificar, existem, de facto, algumas normas neste RJSD que regulam a participação social em sociedades desportivas. Começando pelos artigos

aos temas deste trabalho, apenas nos interessa ver com mais pormenor os Estatutos da FPF e Regulamento Eleitoral da FPF.

12.º e 19.º do RJSD, constatamos que estes consagram algumas regras relativamente à aquisição e detenção de participações sociais, bem como ao exercício dos direitos inerentes a essas participações sociais, em sociedades desportivas. Quiçá possamos correlacionar estas normas com os pontos F.1.2. e F.1.3. do referido regulamento da EPL estudado no capítulo I – 2. do presente trabalho, o que significa que a nossa lei já tenta prever alguma transparência e evitar conflitos de interesses neste âmbito. O que, a nosso ver, é de louvar, ainda que pensamos que se pudesse ter ido ainda mais longe, não só na amplitude destas regras, mas também no que toca à fiscalização e sancionamento destes deveres. Por sua vez, o artigo 28.º deste diploma legal obriga as sociedades desportivas à comunicação da relação dos seus acionistas qualificados, isto é, dos detentores, isolada ou conjuntamente, de 10% ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto, à Administração Pública e à FPF. Pensamos que esta norma constitui em si uma obrigação de informação que na sua génese pode-se comparar com a essencialidade da referida avaliação da EPL, uma vez que é um dever de comunicar quem são as pessoas singulares ou coletivas que exercem o controlo das suas sociedades desportivas, à semelhança do que acontece no regulamento inglês.

Assim, constatamos que nos Estatutos da FPF estão previstos, nos artigos 21.º e 23.º, os requisitos para a eleição de titulares de órgãos da FPF e o regime de incompatibilidades para os titulares de órgãos sociais da FPF, respetivamente, os quais transcrevemos de seguida: - Artigo 21º (Requisitos para a eleição de titulares dos Órgãos): «Sem prejuízo de outras disposições especiais estabelecidas no Regulamento Eleitoral da FPF, só pode ser eleito para órgão social da Federação Portuguesa de Futebol quem reúna, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1. Tenha residência em território nacional; 2. Seja maior de dezoito anos; 3. Não esteja afectado por qualquer incapacidade de exercício; 4. Não seja devedor à FPF; 5. Não tenha sido punido por infracções de natureza criminal, contra-ordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo ou xenofobia, ou por crime praticado no exercício de cargos dirigentes em qualquer modalidade desportiva ou contra o património de qualquer federação desportiva, até cinco anos após o cumprimento da pena»; - Artigo 23º (Incompatibilidades): «1. Fora dos casos especialmente previstos nos presentes Estatutos e no Regulamento Eleitoral da FPF, é incompatível com a função de titular de órgão social da Federação Portuguesa de Futebol, a intervenção directa ou indirecta em contratos celebrados com a FPF, o exercício na FPF de outro cargo eleito ou por inerência bem como a sua cumulação com o exercício da actividade de dirigente

3. OS REGULAMENTOS DA FPF E DA LPFP

de clube ou sociedade desportiva ou de associação, árbitro, jogador, treinador ou de Aqui chegados, analisaremos, neste subcapítulo, os regulamentos da FPF e da

qualquer outro agente desportivo no activo. 2. Salvo os delegados por inerência é

LPFP de modo a tentarmos perceber se existe alguma «norma de carácter

incompatível com a função de delegado a sua cumulação com o exercício da actividade

regulamentar»53 que incida sobre os temas aqui estudados e se se assemelham ao objecto

de dirigente de clube ou sociedade desportiva, árbitro, jogador, treinador ou de dirigente

de estudo central no presente trabalho, ou seja, ao Owners’ and Directors’ Test que é

de qualquer outro sócio da FPF seja ordinário ou por filiação».

praticado pelas entidades organizadoras do futebol em Inglaterra.

Se repararmos, o artigo 21.º que acabamos de transcrever supra, que consagra os

Iniciamos esta parte do trabalho com a análise dos regulamentos da FPF. Após

requisitos de elegibilidade para os titulares de órgãos da FPF, remete, por sua vez, para o

uma breve verificação destes regulamentos, chegamos à conclusão que, com referência

Regulamento Eleitoral da FPF, que na sua Secção I (Elegibilidade), no artigo 9.º (Requisitos Gerais), dispõe o seguinte: «1. Só pode ser eleito delegado da Federação

Lembre-se que o artigo 16.º, n.º 2, do RJSD, que consagra as incompatibilidades dos administradores e

Portuguesa de Futebol, quem, cumulativamente, preencha os seguintes requisitos: a) Não

gerentes das sociedades desportivas remete para o regime de incompatibilidade das «normas de carácter

seja delegado por inerência; b) Não seja titular de órgão social da FPF; c) Seja maior

53

regulamentar».

de dezoito anos; d) Tenha residência em território nacional; e) Não seja devedor da FPF; 36

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

232

www.ligaportugal.pt

37 www.ligaportugal.pt

233

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

f) Não esteja afetado por qualquer incapacidade de exercício; g) No haja perdido o

regulamento da EPL) do mesmo género para os administradores e gerentes das sociedades

mandato no exercício de funções anteriores; h) Não tenha sofrido sanção disciplinar em

desportivas e para as pessoas coletivas ou singulares (neste caso, os seus beneficiários

qualquer modalidade desportiva superior a 180 dias; i) Não tenha sido punido por

efetivos) que detêm um controlo significativo das sociedades desportivas.

infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo ou xenofobia, ou por crime praticado no exercício de cargos dirigentes em qualquer modalidade desportiva ou contra o património de qualquer federação desportiva, até cinco anos após o cumprimento da pena. 2. O Clube ou Sociedade Desportiva que indique o candidato a delegado não pode, igualmente, ser devedor da FPF e tem que ter a sua sede em território nacional». Como vimos acima, o artigo 16.º, n.º 2, do RJSD, além das incompatibilidades que ali estabelece para os administradores e gerentes das sociedades desportivas, consagra também para as normas de carácter regulamentar que estabeleçam regimes de incompatibilidades para os demais dirigentes desportivos. Assim sendo, não restam dúvidas que o regime de incompatibilidades do artigo 23.º dos Estatutos da FPF, que acabamos de transcrever, se aplica também aos administradores e gerentes de sociedades desportivas. Além disso, nos regulamentos da FPF encontramos dois artigos referentes aos requisitos de elegibilidade, o primeiro relativo aos titulares de cargos de órgãos da FPF e o segundo respeitante aos delegados da FPF. No entanto, como já defendemos neste trabalho, os requisitos de elegibilidade, quer da lei em geral, quer das normas de carácter regulamentar, não estão abrangidos pela remissão do artigo 16.º, n.º 2, do RJSD, uma vez que este se refere apenas a «regimes de incompatibilidades». O que, a nosso ver, e como já tivemos oportunidade de referir, não foi uma boa opção do legislador, que pretendia promover a transparência e o desenvolvimento das estruturas organizativas do desporto e, no caso em concreto, do futebol profissional. Não podemos, contudo, deixar de notar que os requisitos de elegibilidade que temos vindo a estudar neste trabalho são a figura que mais se aproxima dos fatores que 54

são avaliados no Owners’ and Directors’ Test e que teria sido uma boa opção, quer para o legislador português, quer para as entidades como a FPF e a LPFP, a promoção da instituição e adoção de requisitos ou fatores de desqualificação (usando a gíria do 54

Veja-se os pontos F.1.4. a F.1.11. do regulamento da EPL estudado no Capítulo I – 2. do presente

trabalho.

Por fim, versemos sobre os regulamentos emanados pela LPFP. Ora, na análise que fizemos de todos os regulamentos da LPFP, apenas destacamos, com interesse para esta matéria, três artigos dos Estatutos da LPFP, que transcrevemos imediatamente: - Artigo 19.º (Requisitos para a eleição dos titulares dos órgãos): «Só pode ser eleito para órgão social da Liga Portugal quem reunir, cumulativamente os seguintes requisitos: a) Ter a residência em território nacional; b) Ser maior de 18 anos; c) Não estar incapacitado física ou psiquicamente para o desempenho das funções; d) Não tenha sido punido por infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo ou xenofobia, ou por crime praticado no exercício de cargos dirigentes em Federações Desportivas ou Ligas Profissionais, ou por crimes contra o património destas, até cinco anos após o cumprimento da pena, salvo sanção diversa lhe ter sido aplicada por decisão judicial»; - Artigo 23.º (Incompatibilidades): «Sem prejuízo dos casos especialmente previstos nos presentes Estatutos e nos Regulamentos aplicáveis, é incompatível com a função de titular de órgão social da Liga a intervenção direta ou indireta em contratos celebrados com a Liga, o exercício na Liga de outro cargo eleito ou por inerência, bem como a sua acumulação com o exercício da atividade de dirigente de clube ou sociedade desportiva ou de associação, árbitro, jogador, treinador ou de qualquer outro agente desportivo no ativo»; - Artigo 29.º (Inelegibilidade): «1. Não pode ser eleito nos dois seguintes atos eleitorais titular de qualquer órgão da Liga quem tenha sido judicialmente declarado responsável por irregularidades cometidas no exercício das funções na Liga ou removido, por esse facto, dos lugares que ocupava. 2. A inobservância do disposto no número anterior determina a nulidade absoluta da lista de candidatura para o órgão em causa». Ora, estes artigos dos Estatutos da LPFP são deveras similares aos que já analisamos dos regulamentos da FPF. Como temos vindo a referir no presente trabalho, o único que poderá ser aplicado aos administradores e gerentes de sociedades desportivas é o artigo 23.º, que consagra o regime de incompatibilidades. Isto é, sempre na medida 39

38 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

234

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

235

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

CONCLUSÕES

em que consideremos que os titulares de órgãos sociais da LPFP são considerados «dirigentes desportivos» nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 16.º, n.º 2, do RJSD, o que nos parece adequado.

Após todo o estudo realizado no presente trabalho, é tempo partilharmos algumas

No entanto, mais uma vez temos de verificar que os requisitos de elegibilidade,

das principais conclusões a que chegamos que nos merecem distinção.

desta feita consagrados nos Estatutos da LPFP para os titulares dos seus órgãos sociais

Começamos por notar que o estudo efetuado no primeiro capítulo deste trabalho

nos artigos 19.º e 29.º, são as normas regulamentares da LPFP que mais se assemelham

foi-nos deveras útil para percebermos de que se trata o Owners’ and Directors’ Test

aos Fit and Proper Persons’ Test55, praticado pelas entidades organizadoras do futebol

praticado no futebol em Inglaterra. De facto, ao analisarmos ao detalhe a seção ‘F’ do

em Inglaterra, apesar de não se aplicarem aos administradores e gerentes de sociedades

Premier League Handbook 2018/2019, constatamos quais os fatores de desqualificação

desportivas.

que podem levar um pretenso administrador de um clube inglês ou de uma sociedade comercial com ele relacionada ou ainda de um pretenso adquirente destas sociedades comerciais. Os casos práticos reais que expusemos e que exemplificam a aplicação desta avaliação ajudaram-nos a ter uma visão mais real e concreta desta figura que já fez correr muita tinta nos principais campeonatos de futebol ingleses. No que toca ao segundo capítulo, tentamos perceber se, no futebol português, existia algum mecanismo que se assemelhasse a estes testes de origem inglesa. Para tanto, servimo-nos do estudo da legislação desportiva portuguesa e dos regulamentos da FPF e da LPFP. No domínio legislativo e regulamentar desportivo, conseguimos apenas descortinar, contudo, a existência de regimes de incompatibilidades e de requisitos de elegibilidade no futebol profissional português. Acabamos por concluir também, através da análise efetuada no segundo capítulo do presente trabalho, que apenas se aplicam, aos administradores e gerentes de sociedades desportivas, os regimes de incompatibilidades constantes dos diplomas legais do RJFD e do RJSD e das normas de carácter regulamentar da FPF e da LPFP. Neste âmbito, iniciamos, porém, por justificar que fizemos questão de estudar e também de transcrever sempre neste trabalho, além das incompatibilidades, os requisitos de elegibilidade que fomos encontrando na lei e nos regulamentos aplicáveis ao futebol profissional para darmos a conhecer ao leitor que existe já um regime de elegibilidade consagrado para os demais dirigentes desportivos, mas não para os administradores e gerentes de sociedades desportivas e, além disso, para também dar a entender a nossa posição quanto a esta matéria. Assim o foi, pois, pensamos que o que mais se aproxima das Fit and Proper Persons’ Test se trata mesmo dos requisitos de elegibilidade.

55

Cfr., uma vez mais, os pontos F.1.4. a F.1.11. do regulamento da EPL estudado no Capítulo I – 2. do

presente trabalho.

41

40 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

236

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

237

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

Assim, nesta matéria, resta-nos a constatação de que existe uma lacuna jurídica quanto aos requisitos de elegibilidade dos administradores e gerentes de sociedades

entidades organizadoras do futebol em Portugal a adoção de uma figura do género dos Fit and Proper Persons’ Test em Portugal.

desportivas, uma vez que inexiste qualquer previsão legal ou regulamentar nesta matéria. Pensamos que estes dirigentes desportivos mereciam uma maior atenção e cuidados redobrados por parte do legislador português e das entidades reguladoras do futebol em Portugal pois, pense-se, são estas pessoas que controlam e estão à frente dos destinos de sociedades desportivas que movimentam quantias financeiras bastante avultadas, geram milhares de empregos e promovem o nosso desenvolvimento económico e social.

Terminadas as conclusões ao nível do conteúdo temático, é animador o reconhecimento de que este trabalho nos permitiu ter uma visão mais concreta e real, em primeiro lugar, do Onwers’ and Directors’ Test, e em segundo lugar, do panorama português em relação a eta matéria e alimentou o nosso gosto pessoal por estes temas que nos impulsionou a estudar esta matéria e que certamente saiu reforçado com a conclusão deste trabalho. Esperemos ainda que este estudo seja útil e benéfico para o leitor como

O mesmo já não se pode concluir relativamente a entidades que detêm uma participação social significativa nas sociedades desportivas, pois, apesar de

um objeto de estudo do tema abordado, que proporcione momentos de reflexão oportunos e alerte para os problemas suscitados.

reconhecermos que também seria extremamente positivo e enriquecedor para o futebol profissional português, tal medida requereria bastante mais estudo e análise das suas implicações, bem como a consulta de bastantes mais entidades e pessoas de forma a obter consensos na definição e enquadramento dessas normas. Poderá ser uma boa aposta de futuro obviamente, mas tendo um longo caminho a percorrer, acreditamos que o início passaria pela aposta num maior controlo e enquadramento das pessoas que exercem funções de administradores e gerentes das sociedades desportivas e, no futuro, tendo esta medida sido bem-sucedida, poder-se-ia trabalhar na sua extensão às referidas entidades. Há que aplaudir, sem sombra de dúvidas, as entidades organizadoras do futebol em Inglaterra, a EPL, a EFL e a FA pela audácia e inovação com que adotaram o Owners’ and Directors’ Test que veio, com certeza, promover a transparência, a proteção e o desenvolvimento das suas competições de futebol. Mesmo sabendo as críticas que lhe foram feitas, as quais fomos mencionando no decurso do Capítulo I, este teste não estagnou e foi sabendo responder às mesmas com alterações e/ou adições ao seu regulamento. É certo que os casos reais que expusemos podem fazer sobressair algumas inconsistências e imperfeições desta medida do regulamento da EPL, contudo, não deixa de ser, a nosso ver, uma avaliação ponderada, justa e bem-intencionada para promover e proteger as estruturas dos clubes e sociedades comerciais com eles relacionadas do futebol inglês. Nesta conformidade, e tendo em conta que o futebol profissional em Portugal ocupa um lugar de destaque na sociedade e na comunidade portuguesa ao nível social e económico, no qual se atribui um peso bastante grande deste impacto social e económico às sociedades desportivas, não temos como não recomendar ao legislador português e às 42 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

238

www.ligaportugal.pt

43 www.ligaportugal.pt

239

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

BIBLIOGRAFIA

ENDEREÇOS ELETRÓNICOS CONSULTADOS

- CUNHA, PAULO OLAVO, (coordenação), Análise do Regime Jurídico e Fiscal das Sociedades Desportivas, Presidência do Conselho de Ministros – Gabinete do

-

governamentais.html?download=356:relatorio-sad;

Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, pp. 9-10, (instituído através do despacho n.º 12692/2011, datado de 16 de Setembro e publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 184, de 23 de Setembro), e disponível para download no sítio eletrónico:

https://www.cdp.pt/component/phocadownload/category/1-documentos-

-

https://www.eurosport.com/football/efl-clubs-agree-to-tighten-up-owners-

and-directors-test_sto6208015/story.shtml; - https://www.otbfootball.net/the-fit-proper-persons-test-a-football-fallacy/;

https://www.cdp.pt/component/phocadownload/category/1-documentos-

- https://www.bbc.com/sport/football/26488969:

governamentais.html?download=356:relatorio-sad.

- RIBEIRO, MARIA DE FÁTIMA, Sociedades Desportivas, Universidade

https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/is-football-s-owners-

directors-test-fit-for-purpose; -

Católica Portuguesa, Porto, 2015;

https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/a-guide-to-the-owners-and-

directors-test-in-english-football; - https://www.premierleague.com/publications; -

https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/a-guide-to-the-owners-and-

directors-test-in-english-football; -

https://www.lawinsport.com/topics/articles/item/is-football-s-owners-

directors-test-fit-for-purpose; -

https://www.theguardian.com/football/david-conn-inside-sport-

blog/2009/nov/18/chester-city-fit-proper-person-test; -

https://www.theguardian.com/football/2009/nov/18/chester-city-fit-proper-

person-test; - https://www.bbc.com/sport/football/26488969; - https://www.bbc.com/sport/football/26488969; - http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/6277502.stm. - https://www.bbc.com/sport/football/26084726; - https://www.bbc.com/sport/football/26627183; - https://www.bbc.com/sport/football/26776884;

45

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

240

www.ligaportugal.pt

47

www.ligaportugal.pt

241

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


8. CONFRONTO COM O PANORAMA PORTUGUÊS

-

https://www.theguardian.com/football/2014/apr/05/massimo-cellino-wins-

appeal-leeds-ban-taekover; -

https://www.theguardian.com/football/2014/dec/01/massimo-cellino-leeds-

football-league-disqualified; -

https://www.theguardian.com/football/2015/jan/19/massimo-cellino-loses-

appeal-leeds-director; -

https://www.theguardian.com/football/2015/oct/19/leeds-massimo-cellino-

disqualified-football-league; -

https://www.theguardian.com/football/2015/nov/26/massimo-cellino-leeds-

united-two-bans. - https://ligaportugal.pt/pt/homepage/; - https://www.fpf.pt/; - https://www.premierleague.com/.

O rigor e exatidão dos conteúdos dos trabalhos apresentados nesta publicação, assim como as opiniões expressas, são da exclusiva responsabilidade do seu autor.

48 TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19

242

www.ligaportugal.pt

www.ligaportugal.pt

243

TRABALHOS PÓS-GRADUAÇÃO 2018-19


Para mais informações e inscrições contacte: Liga Portuguesa de Futebol Profissional S: www.ligaportugal.pt | E: posgraduacao@ligaportugal.pt | T: +351 22 834 87 40 M: +351 93 042 08 60


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.