A Verdadeira Fonte de Cura

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A VERDADEIRA FONTE DE CURA Transcrição da Introdução do novo livro “ A Verdadeira Fonte de Cura” de Tenzin Wangyal Rinpoche, que será lançado no segundo semestre de 2015


Introdução Uma vez dei uma entrevista para a televisão que começou de forma um pouco constrangedora. Quando cheguei ao estúdio, o entrevistador estava agindo de modo mal-humorado e distraído. Ele estava folheando papéis e engolindo seu café, e parecia que tudo o que ele queria era estar em outro lugar. Mas assim que ele recebeu uma indicação de que o show estava prestes a entrar ao vivo, ele se sentou e com um grande sorriso disse brilhantemente para a câmera: "Bom dia a todos!". Eu estava tão surpreso com a transformação instantânea dele que levei de um a dois minutos para relaxar na entrevista. Todos nós sabemos como um verdadeiro sorriso se parece. Ele surge naturalmente de um coração aberto e vem com leveza, calorosidade (*1) e riso espontâneo. Os olhos brilham, o olhar se conecta. Poucas pessoas que recebem um sorriso genuíno podem evitar sorrir de volta. Mas o sorriso do apresentador de TV não tinha nada a ver com a alegria autêntica ou vivacidade. Foi superficial e forçado, e encobriu o seu mau humor. Evidentemente este homem tinha aprendido como ativar um sorriso grande, brilhante, mas não como acessar genuína calorosidade enquanto fazia isso. Quantos de nós temem ir trabalhar todas as manhãs? Podemos usar sorrisos profissionais durante todo o dia e, então, trazer o nosso estresse e infelicidade de volta para casa com a gente todas as noites. Enquanto nós parecemos ter tudo - um emprego, uma casa, uma família- podemos estar nos sentindo sombrios e deprimidos internamente. Nós podemos estar lutando para encontrar a felicidade, nunca plenamente satisfeitos com o que temos. A sensação de desconexão e insatisfação na sociedade de hoje parece generalizada. Muitas pessoas levam uma vida ativa e realizam muito, e, no entanto, pode ser difícil para qualquer um de nós reconhecer e refletir sobre a nossa dor e descontentamento, ou entender o que está causando isso.

“Suas qualidades positivas são inconcebíveis, Como a revelação do tesouro de um rei. Aquele que repousa dentro de seu verdadeiro significado aprecia a riqueza inesgotável de sua fruição.” – de “Os Sete Espelhos do Dzogchen”, um texto dzogchen do Bön

Falta-nos algo essencial que está, efetivamente, dentro de nós. Apesar de espontaneidade, criatividade, bem-estar e bom-humor serem qualidades de nosso estado natural de ser, nós não percebemos isso. Do ponto de vista do Bön tibetano, quando perdemos a conexão com o nosso estado natural, perdemos nossa alma. A boa notícia é que podemos recuperar totalmente o que nós perdemos. Lembre-se de um momento em sua vida em que se sentiu completo, satisfeito, totalmente vivo, em casa, em si mesmo. Imagine que é possível para você se sentir dessa maneira não só agora, mas a maior parte do tempo. Isto é o que a prática de recuperação da alma oferece.

O que é a alma? No contexto da prática de recuperação da alma do Bön, a alma (la) é entendida como o equilíbrio das energias sutis e as qualidades relacionadas aos cinco elementos: terra, água, fogo, ar e espaço. Os antigos ensinamentos tibetanos dizem-nos que tudo na vida - na verdade, tudo no universo e qualquer experiência que nós podemos ter - são constituídas por esses cinco elementos. Sem o elemento externo da terra, água e ar, ou o calor do sol, nós não poderíamos existir, permanecer, nem receber nutrição. Da mesma forma, nossa alma não pode permanecer nutrida sem as essências internas dos cinco elementos. A nossa experiência interior dessas qualidades elementares inclui um senso de estabilidade e conexão (terra), conforto e fluidez (água), alegria e inspiração (fogo), flexibilidade e movimento (ar), e abertura e abrigo (espaço). Se um ou mais destes cinco elementos naturais está ausente ou diminuído em nós, nossa alma será danificada. Quando estas qualidades entrarem em equilíbrio, diz-se que a nossa alma está curada. Na prática da recuperação da alma, o que nós recuperamos são essas qualidades elementares. Pode ser que você só precise recuperar uma única qualidade, a fim de trazer todas as outras qualidades ao equilíbrio.

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Causas da perda da alma De acordo com a astrologia tibetana, o dano à sua alma também diminui sua força vital, a sua vitalidade. A perda da alma pode levar à fraqueza física e à doença. Ela pode afetá-lo emocionalmente, energeticamente, psicologicamente e espiritualmente. Em casos extremos, a perda da alma pode levar à morte. O desequilíbrio dos elementos relacionados com a perda da alma é geralmente o resultado dos inevitáveis desafios com que nos deparamos em nossa vida. Os desafios podem ser qualquer coisa, desde um trauma de infância não curado a um choque súbito, como a morte inesperada de um ente querido. A perda da alma também pode acontecer de forma gradual, como resultado do estresse acumulado. Coletivamente, nações inteiras podem sofrer a perda da alma, como resultado de guerras e de desastres naturais. Como você sabe quando a sua alma está lesionada ou esgotada? Muitas vezes isso é experimentado como uma generalizada insatisfação crônica. Você pode tentar se distrair assistindo muita televisão, navegando na Internet, comendo ou bebendo negligentemente ou se engajando em qualquer número de outras distrações, e ainda sentindo sempre em segundo plano a insatisfação. Você não pode identificar a causa, mas você sabe que você não está feliz. Uma sensação de exaustão pode ser outro sinal de perda da alma. Talvez você esteja cuidando de pais idosos, enquanto tem que fazer malabarismo com as demandas de sua própria vida. Sua intenção é ser compassivo e generoso de todas as formas corretas, mas você se sente estressado e esgotado. O problema não é a quantidade de tempo que você despende em ajudar o outro; é que você está agindo a partir de um lugar desconectado. Quando estamos conectados com o nosso estado natural de ser, doar aos outros não envolve nenhum estresse ou cansaço mental. Como um sorriso genuíno, nossas ações são espontâneas, sem esforço e alegres. Elas energizam tanto o doador como o receptor. Mas quando nos sentimos desconectados, há um sentimento de falta, uma sensação de querer ou precisar de mais para nós mesmos. Tudo pode parecer errado: onde você está, o que está fazendo, com quem você está, como você se sente em seu corpo. Você pode sentir uma sensação de solidão ou falta de confiança em si mesmo, nos outros, no seu mundo. Este sentido crônico de precisar de mais se torna a sua identidade. Quando a perda de alma é grave - por exemplo, quando ela acontece em conexão com um grande trauma- ela pode se manifestar como transtorno de estresse pós-traumático. Pessoas com TEPT podem ter pesadelos recorrentes, flashbacks, ou ansiedade incapacitante e podem ter dificuldade na execução das tarefas do dia-a-dia. Esta grave perda de alma pode acontecer com soldados veteranos e com vítimas de crimes violentos. Pode também vir de um evento traumático, como testemunhar um terrível acidente de carro, perder o emprego de repente, ou ter um ataque cardíaco.

Um caminho para a Cura Não importa o que aconteceu com você na sua vida, ou que tipo de dor você tem, ou quão muita ou quão pouca dor, as práticas de recuperação da alma deste livro oferecem uma maneira direta de abordar o seu sofrimento. Através dessas práticas é possível purificar as emoções e as energias negativas que estão bloqueando sua natureza alegre e recuperar e cultivar as qualidades elementares que te nutrem. O ato de recuperar é essencial para a cura. Capítulo 1, Olhando Atentamente para a Sua Vida, ajuda a identificar o elemento que você mais precisa neste momento para curar sua alma. Capítulo 2, Recuperando a partir da Natureza, explica como recuperar o elemento que você precisa diretamente do mundo natural. Nós recuperamos não somente a partir do elemento natural bruto, seja da terra, da água, do fogo, do ar, ou do espaço, mas também a partir da essência mais sutil do elemento. A água, por exemplo, não é apenas o líquido transparente, que dá vida e flui através de rios e córregos; a água é também suas qualidades de fluidez, conforto e bem-estar. Em um nível ainda mais profundo, cada elemento é associado com uma sabedoria diferente. A água pode ser experimentada como a sabedoria do espelho, que reconhece a refletora e não julgadora qualidade da essência da sua natureza. Através de uma profunda prática de meditação, você pode se conectar com cada elemento em sua forma mais pura, como uma qualidade de luz ou consciência luminosa.

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Tabela 1. Os cinco elementos e suas qualidades associadas, sabedorias e pura luz * Elemento

Qualidade Básica

Sabedoria

Pura luz

Terra

Estabilidade Capacidade de se conectar

A sabedoria da equanimidade

Amarelo

Água

Conforto, fluidez

Sabedoria do espelho

Azul

Fogo

Alegria, inspiração

Sabedoria discriminativa

Vermelho

Ar

Flexibilidade Movimento

Sabedoria que tudo realiza

Verde

Espaço

Abertura Abrigo

Sabedoria do vazio

Branco

Para saber mais sobre estes aspectos elementares, consulte o Capítulo 2*

Capítulo 3, Recuperando ao tomar o Refúgio Interno, direciona você ao seu refúgio interior: a abertura, a consciência e a calorosidade de sua natureza autêntica. Esta é a fonte de todas as essências dos elementos. Nós nos referimos a isto como refúgio, porque é a única e verdadeira fonte de conforto, alívio e apoio. Normalmente, ao enfrentarmos dificuldades na vida, nós procuramos refúgio em pessoas, lugares e coisas fora de nós, por exemplo, nós dependemos do conselho de um amigo, ou de encontrar um emprego ou lugar diferente para viver para resolver nossos problemas ou nos fazer sentir melhor. Mas qualquer fonte externa de apoio é impermanente por natureza e é certeza que um dia nós a perderemos. O refúgio interno é também a fonte de amor, compaixão, alegria e equanimidade conhecidos como as quatro incomensuráveis- assim como todas as outras qualidades virtuosas. A prática de meditação descrita no Capítulo 3 ajuda você a entrar neste refúgio através das três portas: a quietude do seu corpo, o silêncio da sua fala e o espaço da sua mente. Capítulo 4, Recuperando-se de Relacionamentos, explica como, através da prática do refúgio interno, você pode recuperar os elementos perdidos em suas interações com os entes queridos e outros relacionamentos significativos. Capítulo 5, Superando a Solidão, destaca a solidão como um sofrimento humano generalizado que é ainda outro aspecto da perda da alma e examina como ao reconectar-se à fonte interna você pode curá-la. O Capítulo 6, Nutrindo o seu Ser Interior, e o Capítulo 7, Nutrindo o seu Corpo Físico, vão ao coração da recuperação da alma, enfatizando a importância de rotineiramente nutrir-se em todos os níveis. Você pode olhar para a nutrição como tendo o significado de manter sua bateria interna carregada. Nos dias atuais de estilo de vida frenético, industrializado, tecnológico, muitos de nós estão perdendo pedaços de suas almas a cada dia. Podemos ser drenados pelos desafios de um trajeto diário, fazendo malabarismos com as obrigações familiares e do trabalho, até mesmo com a poluição sonora. Quando reconhecemos a frequência com que somos drenados, podemos encontrar oportunidades de reconexão com o refúgio interior e recarregar-nos todos os dias. O Capítulo 6 oferece orientação para nutrir o seu ser interior. O Capítulo 7 explica como usar certas práticas para aliviar a dor física e até mesmo prevenir ou curar doenças. Cada capítulo termina com uma série de ações que você pode realizar. Estão incluídas as instruções para a prática formal - o tempo que você reserva a cada dia para se sentar sem ser interrompido em meditação - e a prática informal, trazendo o que você aprendeu com a sua meditação formal para a sua vida diária. Para apoio adicional a sua prática, eu gravei uma meditação guiada voltada para a prática de Recuperação ao Tomar o Refúgio Interno. Você pode acessar esta gravação em [LINK].

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O Melhor Remédio Recuperação da alma envolve trabalho interior. Uma resposta comum a pensamentos e sentimentos perturbadores é ou afastá-los, ou distrair-se. Mas quando você tenta amortecer seus pensamentos e sentimentos, eles apenas se tornam mais insistentes. Há muito a ganhar ao perceber sentimentos difíceis, ouvindo-os e, em certos casos, exprimindo-os. No entanto, se você insistir em seus pensamentos e sentimentos, um pensamento quase sempre leva a outro, o que, inevitavelmente, reforça a dor. A mente que está com dor não pode pensar seu caminho para fora da sua dor. Como diz um ditado tibetano tradicional: você não pode remover o sangue de suas mãos, lavando-as com mais sangue. Eu chamo a mente que tenta pensar o seu caminho para fora da dor de o ego inteligente. Normalmente é difícil de reconhecer o ego inteligente pelo que é, porque estamos continuamente dando conselhos a nós mesmos que parecem ser positivos, atraentes e orientados a uma solução. O ego inteligente pode ser um convidado frequente em nossas sessões de meditação, misturando-se em nossos momentos de introspecção e proclamando-se como sabedoria. Mas esta dita sabedoria não é o resultado de uma verdadeira autorreflexão. É um obstáculo para a verdadeira sabedoria, para o reconhecimento da natureza da mente. Outra maneira pela qual tentamos superar nossos problemas é expressando-os em diários ou a um amigo, conselheiro ou terapeuta. Isto pode nos colocar mais em contato com emoções difíceis, de forma que elas podem ser trabalhadas e liberadas. Há claramente um lugar para a psicoterapia na cura, mas eu me pergunto se as pessoas estão falando de seus problemas a partir do espaço certo. Muitos passam anos em terapia ou grupos de apoio, falando dos mesmos assuntos, vez após vez, incapazes de transformar seu sofrimento, porque lhes falta uma consciência maior. Como podemos acessar uma consciência mais elevada? Ao tomar o que eu chamo de as três pílulas preciosas quietude, silêncio e espaço - que nos conectam ao refúgio interno. A partir deste espaço sagrado ilimitado, se nos lembrarmos de nossas emoções negativas ou de outras experiências dolorosas e hospedá-las sem julgar, criticar, rejeitar, ou agarrá-las, envolvemo-nos no processo de cura. Com acolher, quero dizer permitir que a dor se manifeste livremente, permaneça e se dissolva. Esta experiência é como ser um excelente anfitrião que permite que os convidados venham como eles são, fiquem o tempo que quiserem, e vão embora quando estiverem prontos, e até mesmo que voltem. Ao hospedar a dor desta forma, permite-se que se dissolva completamente no espaço sagrado do refúgio interior, o que dá origem à consciência que é fresca e criativa. O que realmente define essas práticas de recuperação da alma para além da maioria das formas de terapia é que o trabalho principal começa uma vez que a dor desaparece. É comum que as pessoas que conseguem superar a dor e o conflito pensem "Ok, agora eu estou livre deste problema. Que alívio!" e depois olhem para o próximo problema a resolver. Eles abrem um espaço para o próximo problema surgir e assim é feito! Mas, quando nos deslocamos de um problema para o próximo, nós não cultivamos a familiaridade com a presença de consciência do espaço que está livre de dor. Este espaço é a fonte das qualidades que são os antídotos naturais para a dor. Quando, através da consciência, nós nos conectamos a este espaço, nós recebemos nutrição. Às vezes é melhor não pensar, nem falar tanto. Pois é somente quando podemos estar com a nossa dor plenamente e acolhê-la a partir do espaço de quietude do corpo, de silêncio da fala e de espaço da mente, que podemos nos conectar com a consciência infinita e a calorosidade, a partir da qual naturalmente surgem qualidades curativas. É somente a partir do espaço de abertura que as emoções perturbadoras podem ser plenamente reconhecidas e liberadas, e a alma recuperada. Quando a alma é restaurada, há uma maior continuidade de nossa felicidade. Reproduzido com autorização da The True Source of Healing: How the Ancient Tibetan Practice of Soul Retrieval CanTransform and Enrich Your Life (A Verdadeira Fonte de Cura: como a ancestral prática tibetana de Recuperação da Alma pode transformar e enriquecer sua vida), de Tenzin Wangyal Rinpoche (Hay House, June 2015). Nota: este trecho é de um trabalho em andamento, não do livro finalizado. (*1) Calorosidade, a qualidade do calor, é o termo escolhido para traduzir WARMTH, cujo amplo significado em inglês abarca os seguintes sentidos: calor, afetuosidade, que infunde ânimo, caloroso, energia, entusiasmo, cordialidade, receptividade, acolhimento e carinho.

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