Visão latina da situação política brasileira | Pág. 5 Mitos e verdades sobre o terrorismo | Pág. 4
Cobertura completa da SPArte 2016 | Pág. 8 A noite paulistana LGBT | Pág. 14
Seleção dos melhores álbuns de jazz | Pág. 15 Galeria de fotos de São Paulo | Pág. 16
Ed. 003
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Meiô. No meio de nós. Eu, você, nós. Tudo no mesmo meio. Nós. Somos um jornal colaborativo cultural iniciado dentro do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, indo para o mundo. A cultura é o que nos move, a alma das nossas megalópoles, o fogo que move nossos redatores todos os meses para fazer nossas queridas edições. Sem preconceitos, sem distinções, sem exclusões. Somos de todos, todos são de nós. Meio. Formado pela jornalista Carolina Farias e pelos internacionalistas Felipe Alves, Juliana Florentino e Manuela Errera, temos como princípio a alma coletiva. Do povo, feito por quem tem sentimento pelo povo, obra de quem usa essa alma em palavras, fotos, desenhos. Transmitimos ao leitor nossa alma coletiva, colaborativa. O que é o Meiô 22? É você, sou eu, somos nós. Todos aqueles que possuem o espirito, a alma, a cidade, o campo, a cultura. Resultado de quem possui tais sentidos e por você, que lê, entende, interage e nos move.
Agradecimentos Especiais
Maurício de Sousa Clarissa Eulália Akio Aoki Fernanda Feitosa
Isabella Pascolatto Sasha Housbrak Nicolas Nascimento Deborah Salles
Madeira CARLOS BORSA
Mídia alternativa AMANDA SCHWARZ
Mitos sobre o terrorismo FELIPE ALVES
Rompimento e transgressão KARINA CORDEIRO
América Latina sobre a situação política no Brasil JULIANA FLORENTINO
A noite paulistana na visão do LGBT ITALO HIGOR
MATÉRIA DE CAPA
70 anos de baião GUILHERME BRYAN
Sem descompassos BRUNO JACOB
SP-Arte MANUELA ERRERA
Galeria Cotidiana DANDARA BETTINI
ENTREVISTA
Maurício de Sousa fala sobre a contemporaneidade da Turma GUILHERME DUARTE
Quem é o Meiô?
Madeira Por Carlos Borsa
Ilustração
Três mitos sobre o terrorismo Por Felipe Alves
Desde os atentados de 11 de setembro, o terrorismo é pauta permanente nos veículos de comunicação. O fenômeno chegou à opinião pública, que produziu diversos discursos distorcidos sobre o assunto. Aqui, abordaremos e desmistificaremos três dos diversos mitos que são constantes na mídia e no imaginário popular. O terrorismo é sempre muçulmano David C. Rapoport, professor emérito de Ciência Política da Universidade da Califórnia e especialista em terrorismo, escreveu em 2001 um importante artigo sobre sua área de estudo: Four Waves of Modern Terrorism. Nesse artigo, Rapoport resgata as quatro ondas do terrorismo na história moderna. A primeira onda é o terrorismo anárquico, que teve seu auge no final do século XIX e início do século XX. A segunda onda do terrorismo moderno foi perpetrada pelas lutas anticolonialistas na África e na Ásia, principalmente. A terceira onda foi protagoniza-
Relações internacionais
da pelos movimentos da nova esquerda da década de 1960. Só a partir de 1979 que a religião se torna o principal fundamento do terrorismo moderno, perpetrado, principalmente, pelo islamismo. O terrorismo é anti-ocidental Em 2014, segundo o Global Terrorism Index, 32.700 pessoas foram vítimas de atentados terroristas. Mais de 25 mil vítimas estavam no Iraque, na Nigéria, no Afeganistão, no Paquistão e na Síria. Isso é equivalente a oito atentados de 11 de setembro por ano. Em 2007, por exemplo, 796 pessoas morreram em um atentado a uma comunidade Yazigi, no Iraque. Em 2006, um ataque em Mumbai, Índia, fez 209 vítimas e as ações do Boko Haram já deixaram mais de 20 mil mortos, segundo estudo do Banco Mundial.
cinco maneiras pelas quais grupos terroristas acabam: policiamento (contenção, fiscalização), força militar (intervenções), fragmentação (divisão do grupo em outros), política ou vitória do grupo terrorista. Prover assistência econômica para países que lidam com terrorismo, impor sanções econômicas aos Estados que protegem grupos terroristas, melhorar os serviços de inteligência e se engajar na diplomacia são ferramentas úteis no combate ao terrorismo.
Esses são apenas alguns dos mitos que são construídos sobre o terrorismo. Essas inverdades são utilizadas como mecanismos de legitimação de ações de atores que buscam atingir interesses particulares dentro da retórica do terrorismo. Combater essas falácias é essencial para fortalecer o fundamento da opinião pública sobre Apenas a ação militar pode o fenômeno e limitar o abuso de acabar com o terrorismo Estados, grupos terroristas e outDe acordo com o relatório How ros atores que distorcem seus disTerrorist Groups End, da think tank cursos acerca da real temática do RAND Corporation, há pelo menos terrorismo.
Visão latina da situação política brasileira Por Juliana Florentino
A reaproximação do Brasil com os países sul-americanos iniciou-se na virada dos anos 2000, quando foram eleitos Lula, Hugo Chávez, Evo Morales, Néstor - e Cristina - Kirchner, líderes populistas que ascendiam com a inflamação da esquerda latino-americana. Hoje, o modelo populista de esquerda vive uma crise na região. Diferentemente do contexto econômico-político vivenciado por Hugo Chavéz na Venezuela, Nicolás Maduro confronta um momento conturbado. A figura do presidente é contestada, a inflação chega a quase 200% e a principal riqueza do país, o petróleo, está com a cotação em baixa no mercado internacional. Entretanto, apesar da conjuntura externa desfavorável, o apoio do governo venezuelano ao Brasil mantém-se intacto desde a era Chávez. Por diversas vezes nas redes sociais do governo, Maduro declarou apoio a Dilma Rousseff e afirmou que ela e seus aliados sofrem, diariamente, golpes midiáticos e judiciais.
vocasse uma reunião emergencial para expressar o apoio da Bolívia ao país e à presidente Rousseff. Morales afirmou que a ordem brasileira encontra-se ameaçada pela direita que tenta desestabilizar a presidente e evitar que Lula concorra novamente à presidência. Já na Argentina, a eleição de Maurício Macri em dezembro do ano passado encerrou a era de 12 anos do kirchnerismo no país. Durante a campanha presidencial argentina, o ex-presidente Lula compareceu aos comícios declarando apoio ao candidato de Cristina, opositor de Macri, Daniel Scioli.
Macri foi eleito com um discurso de corrente ideológica contrária à grande parte dos líderes latino-americanos e, apesar do apoio institucional declarado pelo país, Macri e seu corpo diplomático evitam pronunciar a palavra “golpe” para se referir à crise política e seus desdobramentos no Brasil. O apoio argentino é considerado pragmático e o país alerta que, Na Bolívia, a situação é similar. Em caso Dilma seja efetivamente demarço, o presidente Evo Morales posta, o Brasil sofrerá sanções pediu à cúpula da Unasul que con-
dentro do Mercosul, podendo, inclusive, ser temporariamente suspenso, como ocorreu com o Paraguai após o impeachment de Fernando Lugo. Ao contrário da forte sustentação política bolivariana favorável à Dilma Rousseff, percebe-se na relação do Brasil com a Argentina um momento de transição. O contexto regional latino-americano demonstra o enfraquecimento do populismo da esquerda e a reafirmação dos ideais mais conservadores da direita. Dessa forma, o apoio pragmático do governo argentino ao Brasil é visto como um ato de cautela, tendo em vista as diversas problemáticas enfrentadas pelo governo petista interna e externamente. Ao mesmo tempo, a atuação intensa dos países bolivarianos no apoio ao governo brasileiro evidencia a preocupação desses países com a manutenção dos ideais da esquerda na região, bem como a tentativa de fortalecimento dos governos populistas desgastados em meio à crise que enfrentam.
Fonte: Instituto Lula
Matéria de capa
70 anos de Baião Por Guilherme Bryan
Esse texto é dedicado a Kamila Dantas, que me ensinou a gostar ainda mais do sertão nordestino e da riqueza cultural que ele possui Para quem deseja conhecer melhor o estilo musical conhecido como Baião, há sete décadas Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira compuseram um verdadeiro tratado na música que leva o nome dele. “Eu vou mostrar pra vocês / Como se dança o baião / E quem quiser aprender / É favor prestar atenção”, pedia aquele que, com chapéu e roupa de boiadeiro, empunhava uma sanfona e era reconhecido como o “rei do baião”. E seguia: “Eu já cantei no Pará / Toquei sanfona em Belém / Cantei lá no Ceará / E sei o que me convém / Por isso eu quero afirmar / Com toda convicção / Que sou doido pelo baião”. Humberto Teixeira divulgava no Rio de Janeiro um estilo musical chamado balancê e que é citado em Baião, primeiro fruto da parceria com Luiz Gonzaga gravada em disco, pela gravadora Odeon, na versão de Quatro Ases e Um Curinga, que tocavam instrumentos que se tornaram símbolo do novo estilo – acordeom, triângulo e zabumba. Ao saber desse fato, ganham novo significado os versos “Eu já dancei balancê / Cha-
mego, samba em Xerém / Mais o baião tem um quê, / Que as outras danças não têm / Quem quiser só dizer, / Pois eu com satisfação / Vou dançar cantando o baião”. Também chama a atenção a origem da palavra baião, que é uma corruptela de baiano, que era, além do nome dado a quem nasce no estado da Bahia, um tipo de lundu.
ao projeto, ele precisava encontrar um bom parceiro, nordestino como ele, que o ajudasse na empreitada. Em entrevista anos mais tarde a biógrafa Dominique Dreyfus, autora do ótimo Vida do Viajante: a Saga de Luiz Gonzaga (editora 34), o próprio Gonzagão reconheceria: “Eu me lembrava do Nordeste, eu queria cantar o Nordeste. E pensava que no dia em que encontrasse alguém caEssa variante do lundu, criada du- paz de escrever o que eu tinha na rante o século XIX no interior da cabeça, aí é que me tornaria um Bahia, foi descrita por Pereira da verdadeiro cantor”. Costa, citado no Dicionário do folclore brasileiro, de Câmara Cascu- Esse parceiro seria recondo, e em Uma História da Música hecido na figura do advogado, Popular Brasileira, de Jairo Seve- deputado federal e compositor riano, como sendo “uma dança cearense, de Iguatu, Humberto rasgada, lasciva, movimentada, Cavalcanti Teixeira, figura funao som de canto próprio, com le- damental na vida e a na obra de tras e acompanhamento a viola Luiz Gonzaga. São dos dois cláse pandeiro”. Ao longo dos anos, sicos obrigatórios do cancioneiapareceram subvariantes dessa ro brasileiro como Asa Branca, dança que se espalharam por vári- Assum Preto, Respeita Januário, os outros estados do Nordeste. Juazeiro A história do Doutor do Desde 1945, Luiz Gonzaga, que Baião foi contada no excelente desenhava as próprias roupas e documentário O Homem que Enjá era conhecido como intérprete garrafava Nuvens, dirigido pelo e compositor de valsas, polcas e pernambucano Lírio Ferreira, fachorinhos, arquitetava um plano zendo justiça a memória de um infalível e que acabaria com sua nome fundamental da música tristeza de não conseguir divul- popular, mas nem sempre lembgar através de sua arte a cultura rado com o devido valor. do povo do Nordeste, região do país onde nasceu, mais especifi- Em 1974, a dupla deu uma camente em Exu (PE), em 13 de entrevista à Rede Globo em que dezembro de 1912. Para dar início relembraram como se conhece-
ram. “Quando conheci Humberto Teixeira e começamos a conversar, foi rápido, em menos de uma hora Humberto resolveu meu problema. E parece que ele estava gostando também da minha cooperação”, contou Gonzagão. “Naquele mesmo dia, começamos a ‘sanfonizar’ os primeiros acordes e a primeira linha mestra não só de Baião, como de Asa Branca, essa música que, hoje, é um hino. Uma música que diz muito, a muitos brasileiros”, acrescentava Teixeira. E o próprio completava: “Depois de resolvermos que o ritmo que nós queríamos lidar como saída para a implantação da música nordestina no Sul do País era o Baião, tratamos de urbanizar, de dar características nacionais a esse ritmo eminentemente telúrico e a esse tipo de música tão ligada às coisas do Norte”. Não é à toa que muitas músicas resultantes da parceria de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga possuem um quê de tristeza de quem deixa sua terra amada em busca de novos horizontes. É o que se comprova, por exemplo, em boa parte da letra de Asa Branca: “Inté mesmo a asa branca / Bateu asas do sertão / Então eu disse, adeus Rosinha / Guarda contigo meu coração / Hoje longe, muitas léguas / Numa triste solidão / Espero a chuva cair de novo / Pra mim voltar pro meu sertão / Quando o verde dos teus olhos / Se espalhar na plantação / Eu te
asseguro não chore não, viu / Que eu voltarei / Meu coração”. O mesmo se repete em Juazeiro: “Juazeiro, Juazeiro / Me arresponde, por favor, / Juazeiro, velho amigo / Onde anda o meu amor / Ai, Juazeiro / Ela nunca mais voltou, / Diz Juazeiro / Onde anda meu amor / Juazeiro, não te alembra / Quando o nosso amor nasceu / Toda a tarde à tua sombra / Conversava ela e eu / Ai, Juazeiro / Como dói a minha dor, / Diz, juazeiro / Onde anda o meu amor”. Tanto Luiz Gonzaga, quanto Humberto Teixeira se aventuraram em novas e duradouras parcerias, mas nenhuma pareceu tão significativa quanto o encontro destes dois. Sem eles, a música brasileira certamente não seria a mesma e o povo nordestino não teria um artista que ele gosta tanto de cultuar, quase como um rei, o Rei do Baião. E, dentre tantas canções que criaram juntos, nada parece mais definitivo e melancólico do que o canto do pássaro que foi cegado para cantar melhor: “Tudo em vorta é só beleza / Sol de Abril e a mata em frô / Mas Assum Preto, cego dos óio / Num vendo a luz, ai, canta de dor / Tarvez por ignorança / Ou mardade das pió / Furaro os óio do Assum Preto / Pra ele assim, ai, cantá mió / Assum Preto veve sorto / Mas num pode avuá / Mil vez a sina de uma gaiola / Desde que o céu, ai, pudesse oiá”. Se Guimarães Rosa e Juó Bananere, na literatura, e Adon-
iran Barbosa, na música, levaram o linguajar do seu povo para a arte, o mesmo fez essa dupla com relação ao povo sertanejo, que tanta riqueza possui e tão bem faz ao Brasil. Portanto, esse setentão baião continua mais vivo do que nunca e influenciando sempre novas gerações de súditos.
Ilustração: querodsenho.com
SP-Arte
Por Nicolas Nascimento
Cultura
SP-Arte
Por Manuela Errera
Em sua 12ª edição, a SP-Arte apresentou três setores curados, além das galerias do setor Geral e do novíssimo setor de design. São cerca de 2 mil artistas expostos, que colaboram para que a feira de arte, a maior da América Latina, se assemelhe cada vez mais às grandes internacionais, como a Art Basel em Basileia e Miami. Entre os dias 6 e 10 de abril o Pavilhão da Bienal foi palco para um contraste muito preciso no panorama do circuito contemporâneo: estavam lá algumas das galerias mais influentes do cenário global, entre elas, a nova-iorquina David Zwirner e a inglesa White Cube, ao lado de novos artistas e galerias, como é o caso da Boatos Fine Arts (BFA), em São Paulo, e da C. galeria, no Rio de Janeiro, respectivamente expostas no setor Solo e no Showcase. Um dos destaques foi a Belas Artes e as Rotas do seu estande too cool for school. - única universidade presente na feira. As obras apresentadas por alunos e ex-alunos saíram do ambiente acadêmico para bater de frente com o alto padrão dos vizinhos do pavilhão de Design. Não deixaram a desejar. Prova disso foi o sucesso da Cadeira Concreta, de Sofia Venetucci e o Projeto.RL de Renan Lazzarotti, que transforma skates quebrados em novos produtos. Para Carlos Borsa, aluno de Arquitetura e Urbanismo, que expôs duas obras da série Madei-
ra no estande da Belas Artes, a feira é uma ótima oportunidade para compreender sua produção através de outro olhar. Essa constante renovação da SP-Arte pode ser vista no setor Performance, que ampliado, em sua segunda edição, recebeu inscrições de artistas do mundo inteiro. Foram dez trabalhos curados por Fernanda Feitosa, idealizadora e diretora da feira, Cauê Alves, coordenador do curso de Artes Visuais da Belas Artes e Solange Farkas, da Associação Cultural VideoBrasil. De uma maneira geral, as performances abordaram ao extremo a questão do indivíduo e sua individualidade, o posicionamento do corpo perante os vestígios imateriais da existência. Renan Marcondes, em sua performance Como um jabuti matou uma onça e fez gaita de um de seus ossos, apresenta ao público “a imagem de um corpo masculino subjulgado por um objeto: um sapato de salto alto laranja cujo salto é uma estaca de 30 centímetros”. O artista propõe uma análise dos papéis e objetos acerca da identidade de gênero, ao se impossibilitar de ficar em pé e ocupar uma posição dominadora e masculina, o que nos leva a condensar imagens referentes à uma objetificação da mulher. Com menos galerias que no último ano, Fernanda Feitosa diz que o corte foi proposital, uma “adequação” necessária, pois a
crise apresenta seus sinais desde 2014 e para ela é bem claro que “em períodos de crescimento, nós também crescemos; em período de retração, diminuímos”. Ainda sobre comercialização desta potente criação artística, a idealizadora da feira diz que o mercado da arte não está imune à instabilidade econômica a qual enfrentamos, mas não há como abalar os alicerces do que já está consolidado. Prova disso foi a polêmica venda da obra Summer Love (2010), de Beatriz Milhazes por 16 milhões, pela Dan Galeria. Para Akio Aoki, da Galeria Vermelho, o colecionador brasileiro já está acostumado com crises, uma hora ele se adapta, e uma vez que adaptado, passa a conviver com esta crise e não deixa de comprar. Aconteceram mais de 140 eventos paralelos à feira durante o período dela: lançamento de livros, visitas guiadas a ateliês, circuito noturno de galerias e museus e uma série de palestras sobre temas voltados para o meio artístico, gerando uma movimentação intensa do campo em São Paulo. Além desta movimentação, a SP-Arte se mostra como uma centralizadora de tendências e colabora para o fortalecimento da economia criativa brasileira. Impulsiona o interesse artístico de um grupo amplo, que não se prende somente aos colecionadores, artistas e galeristas, mas abrange um público crescente no país.
A contemporaneidade da Turma da Mônica Entrevista com Maurício de Sousa por Guilherme Duarte Há mais de cinquenta anos a Turma da Mônica marca com humor a história de diversas crianças ao redor do Brasil. Muito diferente do seu começo, quando eram publicadas pequenas tirinhas em jornais, a turminha da Rua do Limoeiro ganhou não apenas cor, mas movimento nas telas do cinema. Mesmo com todo tempo de publicação da revista, Maurício de Sousa e sua equipe têm mostrado uma capacidade quase camaleônica de se reinventar com o tempo, se adaptando aos novos meios de comunicação e as crianças do século XXI, que estão cada vez mais integradas ao mundo virtual. A Maurício de Sousa Produções – que detêm 86% do mercado de gibis no Brasil – não mede esforços para se internacionalizar e explorar novos mercados, mostrando para o público es-
trangeiro o melhor da cultura brasileira, e ninguém melhor que o próprio Maurício de Sousa para nos explicar sobre os novos passos das revistinhas.
Japão e para falantes de espanhol. Outro exemplo é o projeto Graphic MSP, uma releitura de nossos personagens para o público adulto apaixonado pelas graphic novels e que foi muito bem recebida no exQual é o tipo de público que lê a terior. A graphic novel “Astronauta “Turma da Mônica” no exterior? – Magnetar” já foi traduzida para o espanhol, o alemão, o francês e o Maurício de Sousa: São dois públi- italiano. cos diferentes, mas com pontos em comum: os brasileiros que em- Quais foram as principais adapigram e que querem que os filhos, tações que os quadrinhos sofnascidos aqui ou lá fora, manten- reram para serem publicados no ham contato com o português e exterior? a cultura brasileira, e crianças e adultos que não necessariamente A Turma da Mônica está em mais conhecem o Brasil, mas encon- de 50 países, de Portugal a Indonétram na Turminha valores univer- sia, em 32 idiomas, praticamente sais que encantam em qualquer sem adaptações, a não ser a língua. Num mundo cada vez mais tradução dos textos. Na Indonésia, conectado não faz sentido falar- na China, na Itália, em qualquer lumos em fronteiras. Nossos desen- gar, não precisamos mudar nada, hos são vistos no mundo todo por a história sai como nós criamos meio do YouTube. Além do canal aqui. A criança, em todo mundo, em português, temos canais no quer as mesmas coisas, gosta das
Fotos do arquivo de Maurício de Sousa na China
Turma da Mônica chinês mesmas coisas. Sabemos que aquela Turminha pode vir do Brasil, mas as tramas são sobre crianças, infância, amizade, valores com que todos se identificam. É claro que elementos da nossa rotina eventualmente aparecem (o futebol, por exemplo), o que é muito bom, pois ainda conseguimos levar um pouco de Brasil para outros países. Qual foi a inspiração para criar a “Turma da Mônica Toy”? Para diferenciar da Turma clássica, adotamos o nome de Mônica Toy, simplesmente. As principais referências visuais não vieram apenas de desenhos animados, mas da arte pop. Toy Arts e sua tendência de design minimalista foram uma forte influência. O traço mais simples também aparece bastante em personagens japoneses e coreanos. Na hora de criar o conceito de design da série, fomos olhar para os desenhos animados das décadas de 40, 50, 60, como dá para perceber no traço dos nossos cenários. Como queríamos chegar a um resultado que transcendesse o grande sucesso da Turminha no Brasil, criamos uma série animada que pudesse ser assistida em qualquer lugar do planeta, sem conhecimento prévio das nossas histórias em quadrinhos. Por isso, a decisão de fazermos os episódios sem diálogos e bem curtos. Ou seja, são desenhos que podem ser assistidos em qualquer lugar, a qualquer hora, seja na TV, no desktop, no tablet e até no telefone celular. Tivemos uma ótima recepção e fomos indicados como referência de design no site WSGN, mais importante serviço online de previsão e tendências de moda, que fornece informação a milhares de profissionais dos setores da indústria criativa. ENTREVISTA
Vocês já receberam alguma carta de escritores do exterior? Qual foi a mais surpreendente? Sim, muitas. O mais incrível é que, quando viajo, encontro gente de toda parte que vem me contar sobre suas experiências com a Turminha. Isso sempre me emociona: ver como os personagens são ao mesmo tempo tão brasileiros e tão universais. Encontro em minhas viagens desde índios de tribos brasileiras, passando por europeus, latino-americanos a chineses que aprenderam português com a ajuda das revistinhas. Foi Tolstoi quem disse que para sermos universais devemos cantar nossa aldeia. Acho que é isso que acontece com a Turminha do Limoeiro. Como é marcar a história de tantas pessoas? É impossível descrever. Nunca vou me acostumar a ouvir depoimentos de fãs que contam que aprenderam a ler com nossos quadrinhos e que agora os filhos e os netos fazem o mesmo. É algo que sempre vai me tocar. Pensar que a partir de histórias e desenhos é possível fazer parte da vida de tantas pessoas e, muitas vezes, inspirá-las a realizarem seus sonhos é ter o meu sonho de infância realizado. No ano passado, completei 80 anos e recebi manifestações de carinho maravilhosas que me motivam a seguir trabalhando com ainda mais energia.
Turma da Mônica alemão
Você poderia mandar um recado para os estudantes do Centro Universitário Belas Artes? Acreditem nos seus sonhos e nunca deem ouvidos a quem disser que arte não dá futuro, como eu ouvi muitas vezes, lá no comecinho da minha carreira. O futuro sem arte é que não valeria a pena. Turma da Mônica indonésio
Mídia alternativa e o papel da imprensa no Brasil Por Amanda Schwarz
A história da imprensa brasileira tem seu início em 1808, com a chegada da família real portuguesa e a criação da Impressão Régia, atual Imprensa Nacional, pelo príncipe regente Dom João. O Brasil foi a última colônia europeia nas américas a ter a imprensa liberada e, desde de sua criação até os dias atuais, a mídia no país é atrelada às grandes famílias e corporações. A princípio, tudo que se publicava na Impressão Régia era submetido à fiscalização da corte, garantindo que não se imprimisse nada contra a religião católica, o governo e os bons costumes. Com tempo o comércio atrelado ao jornalismo cresceu, mas isso não assegurou a democratização da informação. Atualmente, os grandes meios de comunicação são dominados por sete famílias somente.
ital é tão real quanto o físico, alterando comportamentos sociais e empresariais. O progresso das redes sociais tem modificado a forma como os veículos de informação realizam as divulgações de seus trabalhos, migrando cada vez mais para uma total digitalização. Nesse sentido, caminhamos a passos lentos para uma maior popularização do conhecimento, em que pela primeira vez plataformas menores ganham voz.
Veículos alternativos representam uma concorrência expressiva aos oligopólios, em que divulgam um contraponto ao discurso hegemônico. “O lado positivo da internet foi possibilitar uma outra narrativa que não fosse a dos grandes veículos de comunicação. Dessa forma, a juventude pode se expressar, as periferias, os movimentos sociais e qualquer O advento da internet tem muda- grupo que tenha acesso a interdo essa configuração, na medida net”, ressalta Guilherme Oliveira, em que plataformas online não integrante do movimento estudependem necessariamente de dantil Levante Popular. publicidade ou verba governamental. Alguns sites alternativos Dentro desse panorama, as platade cunho jornalístico possuem formas livres também deram visconteúdo colaborativo e parcerias ibilidade a minorias sociais antes com profissionais de toda Améri- marginalizadas pela grande imca Latina e Caribe, criando assim prensa. Discursos de esquerda temáticas independentes e des- puderam sair da clandestinidade vinculadas de interesses de seto- ao usar as plataformas digitais res privados. para disseminar suas ideias, contrapondo-se às ideologias de diHodiernamente, o mundo dig- reita manifestadas pela mídia
Ilustrações por Deborah Salles
tradicional. Complementando tal ideia, Guilherme reforça que os oligopólios só vão perder força quando esse debate for de fato impulsionado, realizando assim uma reforma na maneira com a qual as empresas detêm o controle da informação.
Rompimento e transgressão Por Karina Cordeiro
Saramago escreveu: “Não está É interessante notar que sentimos menos perdido aquele que anda angústia porque no momento que em linha reta”. escolhemos algo, assumimos responsabilidade sobre aquilo e auHá 300 anos, ninguém escolhia a tomaticamente o peso e as consua profissão, a profissão era he- sequências de tal escolha recairá reditária; ninguém escolhia seu sobre nós. Analisando sob este casamento, ele era arranjado; ângulo, torna-se mais confortável ninguém escolhia seu grupo so- seguir uma tradição, um modelo cial, ele era uma continuidade da pré-estabelecido e justificar que família. isto foi imposto a nós. Em outras palavras, ao se apoiar nas conEstas, como tantas outras venções sociais, você se previne tradições, leis e normas, foram da culpa e garante que um possível convenções que as sociedades fracasso, frustração ou insucesso tiveram que empreender para provenientes de suas escolhas seassegurar melhores níveis de paz jam terceirizados, transportando social. a responsabilidade no outro, no sistema, nas normas, na religião, Tradição é aquilo que pede ape- na tradição. A zona de conforto é, nas manutenção, aposta na per- portanto, uma zona cômoda para petuidade e é garantida por uma existir porque ela não nos desafia. verdade que sempre foi assim. A Há pessoas, porém, que pouco se tradição é inimiga da mudança. enquadram na imutabilidade da Ela nos traz a tranquilidade tradição e são movidas por uma histórica da continuidade e nela inquietação latente. São pessoas mantemo-nos bem instalados em atrevidas, curiosas e ousadas que nossa zona de conforto. possuem em sua natureza uma parcela transgressora capaz de Diferentemente de realidade romper com as normas vigentes de séculos atrás, o mundo hoje em busca de transformação. Inoferece inúmeras possibilidades comodadas com o padrão estainteressantes, paradoxalmente, belecido e tampouco se encaixano poder de escolha entre tantas do nas estruturas tradicionais de ofertas atraentes nos traz an- família, sucesso, relacionamento gústia. Em um mundo onde um afetivo, etc., são confrontadas leque de opções está a nossa dis- com suas ideias sendo então inposição, eleger uma significa des- stigadas a buscar novos camincartar todas as demais. Escolhas hos. Esta zona, apesar de dessão perdas... confortável, nos faz crescer. Estas
pessoas, que outrora viviam em conformidade com elas mesmas e se encontravam num ambiente de crescimento e desenvolvimento, agora percebem-se num lugar estreito e limitado sedentas por apenas uma coisa: mudança. Somos educados e preparados a nos encaixar em determinados moldes contidos por verdades absolutas. Verdades absolutas estas que obstruem o processo contínuo de consciência e reproduzidas por longos períodos, tornam-se pontos cegos ou pontos de suspensão do julgamento crítico. Somos instruídos e influenciados por nossos familiares, professores, mídias e meios sociais por paradigmas que pretendem definir seu papel no mundo e cabe a nós questionarmos estas convenções para sabermos se tais condutas são coerentes com o nosso propósito – uma vez que o certo e o errado são relativos ao prisma observado – ou se estamos apenas agindo e reproduzindo conforme as expectativas da nossa família, das cobranças da sociedade, da nossa própria culpa e medo. Viver uma vida em conflito com nossos valores nos acorrenta e nos violenta. Leia o resto do texto em www.mei22.com.br
A noite paulistana na visão LGBT Por Italo Higor
A cidade que não dorme carrega noites de badalação – em vários cenários. Descendo a rua Augusta é possível ver mais uma série de baladas totalmente diferentes. É tudo uma questão de público-alvo.
porque tenho um “status” na noite e tratarem a minha amiga, que esta ali apenas para se divertir, de uma forma diferente. É uma situação desagradável.
rucas e maquiagem. Ainda existe um grande preconceito dentro da comunidade LGTB com relação as Drag. Isso não acontece com frequência comigo, é muito raro. Geralmente as pessoas, principalmente mulheres, acham incrível, um ato corajoso, ficam encantadas com a exuberância da aparência, porém, sempre noto uma vontade velada de muitos homens (e até mulheres) de se relacionar com Drags, uma coisa similar a um fetiche, sabe? É bizarro.
Comigo não existe preconceito, talvez pelo fato de eu ser DJ, de estar à frente da noite, representar a festa. Normalmente as pessoas chegam em mim com excesso de amor, simpatia, alegria e carinho. Porém, quando levo alguma amiga trans, não as tratam da mesma maneira. Algumas delas já até passaram por situações bem constrangedoras. Então, pra mim tudo isso acaba sendo hipocrisia, sabe? O fato de algumas pessoas me tratarem com extremo amor,
Acredito que não haja briga formada entre nenhuma das tribos, em si, inclusive eu usei a arte Drag Queen (performance) como forma de primeiro contato com a minha transexualidade. O que existe é a condescendência de alguém que manipula sua própria visão e diferencia sua forma de tratamento ao lidar com um menino que usa O fato é que Drag Queens e trana arte Drag e com a mulher trans. sexuais são opostos, acho grosseiro quando ocorre algum tipo de comparação. Drag é uma arte, onde homens ou mulheres usam de artifícios extravagantes para expressar algo. Já a transexualidade refere-se ao gênero, nós brincamos com o gênero, logo, às Sasha Housbrak – 20 anos – Drag vezes cria-se uma certa “rixa” por conta desse tipo de questionaQueen mento ou comparação frequente. Na segunda vez que me montei, De todo modo, as boates que visitive uma sensação dessas que to, eu vejo como lugares onde vou nunca se esquece: poder viver para me divertir, mostrar a minha fora da minha realidade, como arte e o que tenho para oferecer uma nova vida, expressar tudo o como artista. que sinto através de roupas, pe-
“Casa Aberta”, mostra coletiva
Exposição individual de Nena Madalena
O que acontece na sua noite?
Isabella Pascolatto – 22 anos – Transexual
Dicas do Meiô
Local: Doc Galeria Rua Aspicuelta, 145 – Vila Madalena, São Paulo - SP De 07/04 a 21/05 Seg a sex, 14h às 19h; Sáb e feriados, 12h às 17h. Entrada franca
Local: A7MA Galeria Rua Harmonia, 95B - Vila Madalena, São Paulo - SP De 16/04 a 15/05 Segunda à sábado, das 10h30 às 19h30 Entrada franca
“Escrituras da Aguá”, de Ana Amélia Genioli
Local: Galeria Eduardo Fernandes Rua Harmonia, 145 - Vila Madalena, São Paulo - SP De 30/03 à 14/05 Das 10h às 18hrs Entrada franca
Sem descompasso
Jazz parece difícil, mas a gente dá um empurrãozinho com cinco bons álbuns para introduzir o som Por Bruno Jacob
- Ella & Louis (Ella Fitzgerald e Louis Armstrong): quando técnicas afiadas e grandes standards se unem às duas personalidades mais pops do estilo, só pode nascer um clássico. Democrata sem perder a elegância, o álbum de 1956 traz um acompanhamento virtuoso à voz de Ella, e o trompete irresistível de Louis, enquanto amores (possíveis ou não) se desenrolam leves e soltos em climas como Tenderly e Cheek to Cheek. Imortal.
Lady in Satin (Billie Holiday): se metade do jazz é precisão, a outra certamente é entrega. Nisso, Billie é insuperável - como prova seu último álbum viva. A última noite com o amado em For All We Know (cujo arranjo de cordas é um show à parte), a complacência da dor em Glad to Be Unhappy, e o lamento já meio inerte de I’m a Fool to Want You, somados à garganta rasgada da intérprete, arrepiam até hoje. Kind of Blue (Miles Davis): sim, é preciso falar também de longos temas cheios de dissonâncias, solos e improvisações. A genialidade do trompetista Miles Davi faz qualquer um escutar nove minutos de uma canção como se fossem três. No álbum, lançado em 1959, figuram lendas como Bill Evans e John Contrane, em um grande brainstorm que mostra a força de uma música coletiva e sem amarras. Night Train (Oscar Peterson): o pianista, que tocou também no álbum de Ella e Louis, mostra aquele jazz suingado, “para dançar”, caso da faixa título, junto a temas virtuosos (sua interpretação da popular Volare é das mais interessantes), e composições emocionantes, como a atualíssima “Hymn to Freedom”. Um bem bolado de 1963 para ouvir junto a chá ou café. Time Out (Dave Brubeck): lançado em 1959, e desde então um dos álbuns mais ouvidos no mundo, Time Out faz jus ao rótulo. Busca influências turcas na primeira faixa, agrada (e muito) os ouvidos em Three to Get Ready, mesmo com seu compasso atípico, e aquece corações solitários em Strange Meadow Lark. Joga generoso para todos - como todo bom jazz. Acesse www.meio22.com.br para ouvir.
Dicas do Meiô
1ª exposição individual de Giovani Caramello
Local: OMA Galeria R. Carlos Gomes, 69 - Centro, São Bernardo do Campo - SP De 01/04 a 25/05 Ter a sex, 10h às 19h; sáb, 10h às 14h. Entrada franca
“Retratos do Teatro”, de Bob Sousa
Local: Espaço Cult Rua Aspicuelta, 99 - Vila Madalena, São Paulo - SP De 02/03 a 02/05 Segunda a sábado, 11h às 20h Entrada franca
BRAZA em São Paulo Local: Estúdio Av Pedroso de Morais, 1036 – Faria Lima, São Paulo – SP Sábado, 23/04 - 23 horas Entrada: R$ 50,00
“A CIDADE ESTÁ EM CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO E SENTI-LA DIARIAMENTE É ESSENCIAL.”
GALERIA COTIDIANA Por Dândara N. Bettini