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Tradução e Revisão
Um beijo pode ser o último. Layla, de dezessete anos, só quer ser normal. Mas com um beijo que mata qualquer coisa com uma alma, ela é tudo, exceto normal. Meio demônio, meio gárgula, Layla tem habilidades que mais ninguém possui. Criada entre os Guardiões, uma raça de gárgulas encarregada de caçar demônios e manter a humanidade segura. Layla tenta se ajustar, mas isso significa que ela esconde seu próprio lado sombrio daqueles que mais ama. Especialmente Zayne, o digno de desmaio, incrivelmente lindo e completamente fora dos limites, Guardião por quem ela está apaixonada desde sempre. Então, ela conhece Roth – um demônio tatuado, pecaminosamente sexy, que afirma saber todos os seus segredos. Layla sabe que deve ficar longe dele, mas não tem certeza de que quer isso, especialmente quando essa coisa de não-beijar não é um problema, considerando que Roth não tem alma. Mas quando Layla descobre que ela é a razão para a revolta violenta dos demônios, confiar em Roth não só poderia arruinar suas chances com Zayne... como poderia marcá-la como uma traidora de sua família. Pior ainda, isso poderia se tornar um bilhete só de ida para o fim do mundo.
Tinha um demônio no McDonald’s. E tinha uma fome poderosa por Big Macs. Na maioria dos dias, eu adorava meu trabalho depois da escola. Classificar os desalmados e os condenados em geral, me dava um desenfreado caso de satisfação e relaxamento. Inclusive tinha me imposto um limite de tédio, mas essa noite era diferente. Precisava esquematizar um texto para aula de Inglês avançado. — Você vai comer essas batatas fritas? — Perguntou Sam, pegando algumas da minha bandeja. Seu cabelo castanho encaracolado caía sobre seus óculos wireframe1. — Obrigada. — Só não pegue o chá doce dela. — Stacey deu um tapinha no braço de Sam e várias batatas caíram no chão. — Assim você perderá seu braço. Parei de bater o meu pé, mas mantive os olhos no intruso. Não sei o que havia com demônios e os Arcos Dourados2, mas caramba, eles adoravam o lugar. — Ha, ha. — Quem é que você está encarando, Layla? — Stacey se retorceu na cabine, olhando ao redor do McDonald’s lotado. — É um cara sexy? Se for assim é melhor que... Oh. Nossa. Quem é que sai em público vestido dessa maneira? — O quê? — Sam também se virou. — Ai, meu Deus. Qual é, Stacey. Quem se importa? Nem todo mundo veste imitações da Prada como você. 1 Óculo com armação bem fina, estilo Harry Potter. 2 Arcos dourados: Logotipo da cadeia de restaurante de comidas rápidas multinacionais – McDonald’s.
Para eles, o demônio parecia uma inofensiva mulher de meia idade com um péssimo sentido de moda. Seu cabelo marrom opaco estava preso com uma dessas antiquadas presilhas de borboleta roxa. Usava calças de veludo com tiras verdes e sapatilhas cor de rosa, mas o suéter, isso foi épico. Alguém teceu um cachorro Basset Hound na frente, com enormes olhos feitos de fio marrom. Mas apesar da aparência, a senhora não era humana. Não que eu tivesse muito do que falar. Ela era um demônio Poser. Seu astronômico apetite era o que entregava a sua raça. Os Posers podiam comer o equivalente a uma pequena nação de uma só vez. Os Poser podiam parecer e atuar como um ser humano, mas eu sabia que esta podia arrancar a cabeça da pessoa na cabine ao lado com pouco esforço. No entanto, sua força sobre-humana não era a principal ameaça. O verdadeiro perigo eram os dentes e a saliva infecciosa dos Posers. Eles eram mordedores. Uma pequena mordida e a versão demoníaca da raiva era transmitida ao humano. Totalmente incurável e em três dias, o brinquedo para morder do Poser pareceria algo que saiu de um filme de George Romero3, com tendências canibais inclusas. Obviamente, os Posers eram um verdadeiro problema, a menos que você considere um apocalipse zumbi como algo divertido. A única coisa boa era que os Posers eram raros, e cada vez que um mordia alguém, sua vida útil diminuía. No geral, tinham cerca de sete mordidas antes de se tornarem puf. Algo como uma abelha e seu ferrão, só que mais estúpido. Os Posers podiam alterar sua aparência como quisessem. Por que esta usava aquela roupa estava além da minha compreensão. Stacey fez uma careta quando a Poser começou a comer seu terceiro hambúrguer. Ela não estava consciente de que a observávamos. Os Posers não eram conhecidos por seus grandes poderes de observação, sobretudo quando estavam focados no fantástico molho secreto.
3 George Romero: diretor, escritor e ator de cinema nos Estados Unidos. Famoso por seus filmes de terror que envolve mortos vivos.
— Isso é nojento, — Stacey se virou novamente. — Acho o suéter sexy. — Sam sorriu e pegou outro punhado das minhas batatas fritas. — Oh, Layla, acha que Zayne me deixaria entrevistá-lo para o jornal da escola? Minhas sobrancelhas se levantaram. — Por que quer entrevistá-lo? Ele me deu um olhar cúmplice. — Para perguntar como é ser um Guardião em Washington, caçando os caras malvados e os levando à justiça e tudo mais. Stacey soltou uma risadinha. — Você faz os Guardiões parecerem superheróis. Sam encolheu seus ombros ossudos. — Bem, de certo modo, são. Quero dizer, vamos lá, você os viu. — Não são super-heróis, — eu disse, recitando o mesmo discurso que tenho dito desde que os Guardiões se tornaram públicos há dez anos. Depois do aumento vertiginoso da criminalidade, a qual não tinha nada a ver com a crise econômica que o mundo enfrentava, mas sim era um sinal do Inferno dizendo que já não queriam seguir as regras, os Alfas ordenaram aos Guardiões que saíssem das sombras. Para os seres humanos, os Guardiões saíram de suas carapaças de pedra. Afinal, as gárgulas que adornavam muitas igrejas e prédios foram talhadas para se assemelhar a verdadeira pele de um Guardião. Mais ou menos. Havia muitos demônios para caçar, o que dificultava para os Guardiões continuar operando sem serem expostos. — São pessoas. Igual a você, mas... — Eu sei, — Sam levantou as mãos. — Olha, você sabe que não sou como aqueles fanáticos que pensam que eles são malvados ou algo estúpido assim. Só acho que seria legal e seria uma grande matéria para o jornal. Então, o que acha? Zayne faria? Movi-me incomodamente. Viver com os Guardiões sempre me convertia em uma dessas coisas: uma porta dos fundos de acesso a eles, ou estranha. Por que todo mundo, inclusive meus melhores amigos, acreditavam que eu era como eles. Humana. — Não sei, Sam. Acho que não ficam confortáveis com nenhum tipo de imprensa. Ele parecia abatido. — Você perguntaria, pelo menos? — Lógico, — brinquei com minhas batatas. — Mas não crie ilusões.
Sam voltou a se reclinar na cadeira dura, satisfeito. — Então, adivinhem só? — O quê? — Stacey suspirou, trocando um olhar aflito comigo. — Com que pedaço de conhecimento você vai nos impressionar? — Sabia que se pode congelar uma banana até que esteja tão dura que realmente possa cravar algo com ela? Abaixei meu chá doce. — Como sabe essas coisas? Sam terminou minhas batatas fritas. — Apenas sei. — Ele passa a vida inteira metido naquele computador. — Stacey afastou sua grossa franja negra do rosto. Não sei por que não a cortava. Ela estava sempre incomodada com ela. — Provavelmente procura essas coisas ao azar só pelo prazer de fazer isso. — Isso é exatamente o que faço quando estou em casa. — Sam enrolou seu guardanapo. — Busco fatos pouco conhecidos. Isso é quão legal eu sou. — Ele jogou o guardanapo em Stacey descaradamente. — Corrigindo, — Stacey disse descaradamente. — Na verdade, é pornô o que ele passa toda a noite procurando. As bochechas de Sam ficaram vermelhas brilhantes enquanto endireitava seus óculos. — Tanto faz. Estão prontas? Temos que esquematizar algo para aula de Inglês. Stacey gemeu. — Não posso acreditar que o Sr. Leto não nos deixou fazer nosso trabalho de clássicos sobre Crepúsculo. É um clássico. Eu ri, esquecendo momentaneamente do trabalho que precisava fazer. — Crepúsculo não é um clássico, Stacey. — Edward sem dúvida é um clássico em minha opinião. — Tirou um elástico de cabelo do bolso e o prendeu em um rabo de cavalo. — E Crepúsculo é muito mais interessante do que Sem Novidade à Frente4. Sam negou com a cabeça. — Não posso acreditar que você usou Crepúsculo e Sem Novidade à Frente na mesma frase.
4 Sem novidade à frente: novela de Erich Maria Remarque, que mostra os horrores da guerra desde o ponto de vista de um jovem soldado. A obra se caracteriza como literatura antibelicista, ainda que o mesmo Remarque a classificou como apolítica.
Ignorando-o, seu olhar passou do meu rosto à minha comida. — Layla, você nem sequer tocou no seu hambúrguer. Talvez, de alguma maneira, eu soubesse instintivamente que ia precisar de uma razão para ficar... Suspirei. — Podem ir. Me encontrarei com vocês em alguns minutos. — De verdade? — Sam perguntou. — Sim. — Peguei meu hambúrguer. — Eu acabarei logo. Stacey me olhou com suspeita. — Não nos deixará plantados como sempre, não é? Ruborizei pela culpa. Perdi a conta de quantas vezes os deixei esperando. — Não. Juro. Só vou terminar minha comida e estarei com vocês. — Vamos. — Sam passou um braço ao redor dos ombros de Stacey, a guiando para fora para descartar o lixo. — Layla já teria terminado de comer se você não tivesse conversado com ela durante todo o tempo. — Ow, Culpe-me. — Satcey jogou fora o lixo, se despedindo com a mão enquanto saíam. Larguei o hambúrguer, observando impacientemente a Senhora Poser. Os pedaços de pão e de carne caíam de sua boca, salpicando a sua bandeja marrom. Meu apetite foi eficazmente saciado em questão de segundos. Não que isso realmente importasse. A comida só diminuía a dor nas minhas entranhas, nunca a parava. A Senhora Poser finalmente terminou sua festa de gordura, e peguei minha bolsa enquanto ela saía sem pressa pela porta. Chocou-se com um idoso, o atropelando justo quando ele tentava entrar. Uau. Essa era uma verdadeira joia. Sua gargalhada podia ser ouvida dentro do barulhento restaurante, soando extremamente tênue. Felizmente, alguém ajudou o homem a se levantar, enquanto ele sacudia seu punho em direção ao demônio em retirada. Suspirando, me desfiz da comida e a segui para fora, sentindo a brisa de final de setembro. Diferentes tons de almas estavam em todas as partes, zumbindo ao redor dos corpos como um campo elétrico. Rastros de cor rosa claro e azul turquesa iam atrás de um casal caminhando de mãos dadas. Eles tinham almas inocentes, mas não puras.
Todos os seres humanos tinham uma alma – uma essência – boa ou má, mas os demônios não tinham nenhuma delas. Dado que a maioria dos demônios na superfície pareciam humanos, a falta de alma ao seu redor tornava fácil meu trabalho de encontrá-los e marcá-los. Além do fato de não ter alma, a única diferença entre eles e os seres humanos era a estranha forma em que seus olhos refletiam na luz, como as de um gato. Senhora Poser desceu a rua arrastando os pés, mancando ligeiramente. Na luz natural, ela não parecia bem. Provavelmente já havia mordido a uns quantos humanos, o que significava que precisava ser marcada e tratada o quanto antes possível. Um panfleto em um poste de luz verde chamou minha atenção. Franzi o cenho e um sentido de atitude protetora me encheu enquanto lia a coisa. Cuidado. Os guardiões não são filhos de Deus. Arrependam-se agora. O fim está próximo. Abaixo das palavras estava uma imagem rudemente elaborada do que se supunha ser um coiote raivoso mesclado com um chupacabras. — Patrocinado pela Igreja dos Filhos de Deus, — disse, revirando meus olhos. Genial. Eu odiava aos fanáticos. Uma cafeteria mais abaixo tinha os panfletos pregados em todas as suas janelas e um cartaz proclamando que se negavam a servir os Guardiões. A raiva se estendeu por mim como um incêndio descontrolado. Esses idiotas não tinham nem ideia de tudo o que os Guardiões sacrificaram por eles. Respirei fundo, deixando sair o ar lentamente. Precisava me concentrar em meu Poser ao invés de silenciosamente pisar com meus pés mentais no meu pedestal de mentira. Senhora Poser virou uma esquina e olhou por cima do ombro, seus olhos vidrados indo à deriva sobre mim, me subestimando completamente. O demônio nela não sentia nada de anormal em mim. O demônio em mim tinha pressa em terminar com isso. Sobretudo após o meu celular tocar, vibrando contra minha perna. Provavelmente era Stacey perguntando onde diabos eu estava. Só queria acabar com isso e voltar a ser normal durante o resto da noite. Sem pensar, estendi a mão e peguei o cordão ao redor do meu pescoço. O antigo anel de prata era quente e pesado na minha mão.
Ao passar junto a um grupo de garotos da minha idade, seus olhares me analisaram, pararam e então voltaram a analisar. Lógico que ficariam olhando. Todo mundo olhava. Meu cabelo era longo. Isso não é grande coisa, mas ele era de um loiro tão claro que quase parecia branco. Odiava quando as pessoas ficavam olhando. Fazia-me sentir uma albina. No entanto, eram os meus olhos que realmente chamavam a atenção das pessoas. Eram de um cinza claro, quase incolor. Zayne dizia que eu parecia como a irmã perdida dos elfos de O Senhor dos Anéis. Isso te dava muita confiança. Suspiro. O anoitecer começava a se instalar na capital do País quando cruzei a Avenida Rhode Island e parei completamente. Tudo e todos ao meu redor desapareceram em um instante. Ali, no suave piscar dos faróis, vi a alma. Parecia como se alguém tivesse submergido um pincel de pintura na tinta vermelha e logo tivesse passado rapidamente sobre um tênue lenço negro. Este homem tinha uma alma má. Ele não estava sob a influência de um demônio, simplesmente tinha uma antiga maldade por conta própria. A dor surda em minhas entranhas voltou a vida. As pessoas me empurravam para passar, lançando olhares raivosos em minha direção. Alguns inclusive murmuravam. Não me importava. Nem sequer me preocupava por suas almas rosa claro, uma cor que geralmente eu achava tão bonita. Finalmente, me foquei na figura atrás da alma: um homem mais velho, vestido com um traje de negócios genérico e gravata, a alça da maleta agarrada em uma mão carnosa. Nada do que fugir, nada a temer, mas eu sabia que não era assim. Ele cometeu um pecado, um pecado enorme. Minhas pernas se moveram para frente, inclusive enquanto meu cérebro gritava que eu parasse, que desse a volta e que chamasse Zayne. Somente escutar a voz dele me faria parar. Me impediria de fazer o que cada célula em meu corpo exigia: fazer o que era quase natural para mim. O homem virou ligeiramente, seus olhos passando pelo meu rosto, meu corpo. Sua alma se revoltou violentamente, tornando-se mais vermelha do que negra. Ele tinha idade suficiente para ser meu pai, e isso era asqueroso.
Ele sorriu para mim, de uma maneira que deveria me fazer fugir na direção oposta. No entanto, eu precisava ir nessa direção, ainda mais porque sem importar quão desprezível era esse homem – sem importar quantas garotas ali fora me dariam uma medalha de ouro por eliminá-lo – Abbot me criou para negar o demônio em meu interior. Havia me criado para ser uma Guardiã, para atuar como uma Guardiã. Mas Abbot não estava aqui. Encontrei o olhar do homem, o mantive e senti meus lábios se curvarem em um sorriso. Meu coração se acelerou, minha pele estremeceu e se ruborizou. Eu queria a alma dele... tão desesperadamente que minha pele queria arrancar a si mesma de meus ossos. Sentia-me como se estivesse à espera de um beijo, naquele momento quando seus lábios estão à instantes da alegria, esses emocionantes segundos de antecipação. No entanto, eu nunca fui beijada. Tudo o que eu queria era isso. A alma desse homem me chamava como o canto de uma sereia. Me sentia doente por estar tão tentada pelo mau espírito, mas uma alma escura era tão boa quanto uma pura. Ele sorriu enquanto me olhava, seus dedos ficando brancos ao redor da alça da maleta. E esse sorriso me fez pensar em todas as coisas horríveis que ele podia ter feito para ganhar esse turbulento vazio ao seu redor. Um cotovelo se cravou na parte baixa das minhas costas. O pequeno ponto de dor não era nada em comparação com a esquisita antecipação. Só uns passos a mais e sua alma estaria tão próxima... justo ali. Sabia que a primeira vez que provasse desataria o mais doce fogo inimaginável: uma sensação para a qual não havia nada equivalente. Isso não duraria muito tempo, mas os breves momentos de puro êxtase perdurariam como um potente atrativo. Seus lábios nem sequer teriam que tocar os meus. Só um par de centímetros mais ou menos, e eu provaria a alma dele... Nunca a tomaria totalmente. Tomar sua alma o mataria, e isso era mal, e eu não era... Isso era mal. Retrocedi, rompendo o contato visual. A dor explodiu em meu estômago, atravessando rapidamente minhas extremidades. Afastar-me desse homem era como negar oxigênio aos meus pulmões. Minha pele ardia e minha garganta
parecia em carne viva enquanto obrigava uma perna a se mover na frente da outra. Foi uma luta seguir caminhando, não pensar no homem e encontrar a Poser novamente, mas quando finalmente a avistei, deixei escapar o fôlego que estava contendo. Concentrar-me no demônio ao menos servia como uma distração. Eu a segui até um beco estreito entre uma loja de câmbio e um lugar de trocas de cheques. Tudo o que precisava fazer era tocá-la, o que eu deveria ter feito no McDonald’s. Parei na metade do caminho, olhei ao meu redor e xinguei. A rua estava vazia. Sacos de lixo pretos estavam apoiados nas paredes de tijolos cobertas com mofo. As lixeiras transbordavam com mais lixo, e as criaturas corriam pelo cascalho. Estremeci, olhando os sacos cautelosamente. O mais provável era que fossem ratos, mas outras coisas se ocultavam nas sombras: coisas que eram piores que os ratos. E condenadamente muito mais arrepiantes. Aproximei-me mais, olhando a rua escura enquanto retorcia distraidamente o colar entre meus dedos. Queria ter tido a previsão de colocar uma lanterna em minha mochila, mas isso não teria feito muito sentido. Em vez disso, nesta manhã eu coloquei um novo brilho labial e um saquinho cheio de biscoitos. Coisas verdadeiramente úteis. Um repentino mal-estar percorreu minha espinha dorsal. Deixei cair o anel, permitindo que batesse contra minha camisa. Algo não estava certo. Deslizei a mão no bolso dianteiro da minha calça, tirando meu velho celular enquanto virava. A Poser se encontrava a alguns metros de distância. Quando sorriu, as rugas em seu rosto se aprofundaram. Pequenos pedaços de alface estavam pendurados em seus dentes amarelos. Respirei fundo e imediatamente desejei não ter feito isso. Ela fedia a enxofre e a carne podre. A Poser inclinou a cabeça para o lado, seus olhos semicerrados. Nenhum demônio podia me sentir, porque não tinha sangue demoníaco o suficiente fluindo em minhas veias para que pudessem se dar conta, mas ela me olhava como se realmente estivesse vendo o que se escondia no meu interior. Seu olhar caiu em meu peito e então seus olhos se levantaram rapidamente, encontrando os meus. Deixei escapar um suspiro de assombro. Suas íris azuis
claras começaram a se agitar como um redemoinho em torno das pupilas, as quais se retraíram em um ponto fino. Uma grande merda. Essa Senhora não era uma Poser. Sua forma ondulou e logo mudou, como uma televisão tentando reconstruir digitalmente sua imagem. A presilha e o cabelo opaco desapareceram. A pele enrugada se alisou e se tornou da cor de cera. O corpo se esticou e ampliou. As calças e o horrível suéter desapareceram e foram substituídos por calças de couro e um peito amplo e musculoso. Os olhos eram ovais e se agitavam como um mar infinito: sem pupilas. O nariz era plano, apenas dois orifícios acima de uma boca grande e cruel. Uma merda do dobro do tamanho do meu traseiro. Era um demônio Seeker5. Eu só vi um desses em um dos livros antigos que Abbot guardava no escritório dele. Os Seekers eram como Indiana Jones do mundo dos demônios, capazes de localizar e recuperar quase qualquer coisa a qual eram enviados atrás. No entanto, ao contrário de Indy, os Seekers eram malvados e agressivos. O Seeker sorriu, revelando uma boca cheia de dentes afiados e retorcidos. — Te peguei. Te peguei? Pegou o quê? A mim? Ele se lançou na minha direção e me atirei para o lado, o medo se elevando tão rápido que minhas palmas ficaram úmidas de suor quando toquei seu braço. Explosões de luz neón cintilavam ao redor do corpo do Seeker, convertendo-o em nada mais que um borrão de cor rosa. Ele não reagiu à marca. Nunca o faziam. Só os Guardiões podiam ver a marca que eu deixava para trás. O Seeker agarrou um punhado do meu cabelo, torcendo minha cabeça para um lado enquanto agarrava a frente da minha camisa. Meu celular caiu da minha mão, golpeando o chão; uma sensação pulsante disparou pelo meu pescoço, sobre meus ombros. O pânico me invadiu, como se uma barragem tivesse se soltado, mas o instinto me impulsionou para a ação. Havia passado todas as noites treinando como chutar com Zayne. Marcar demônios podia se tornar perigoso de vez em
5 Buscador, apanhador.
quando, e ainda que eu não tivesse sigilosas habilidades ninja, não havia como eu malditamente perder sem lutar. Erguendo-me, levantei minha perna e plantei meu joelho direito aonde contava. Graças a Deus os demônios eram anatomicamente iguais. O Seeker grunhiu e se afastou, arrancando várias mechas do meu cabelo junto. Um quente formigamento ardeu em meu couro cabeludo. Ao contrário dos outros Guardiões, eu não podia mudar minha pele humana e chutar traseiros a vontade, mas o puxão de cabelo acendeu meu interruptor de raiva rapidamente. A agonia explodiu ao longo dos meus dedos enquanto a cabeça do Seeker virava para o lado quando meu punho fechado o acertou na mandíbula. Não foi um golpe afeminado. Zayne estaria muito orgulhoso. Lentamente, o demônio voltou à cabeça na minha direção. — Gostei disso. Faz de novo. Meus olhos se arregalaram. Isso me atingiu, e soube que ia morrer. Seria rasgada por um demônio, ou pior ainda, atirada através de um dos muitos portais escondidos por toda a cidade e levada para baixo. Quando as pessoas inexplicavelmente desapareciam no ar, geralmente, era porque tinha um novo código postal. Algo assim como 666, e a morte seria uma benção em comparação a esse tipo de viagem. Preparei-me para o impacto. — Basta. Ambos congelamos em resposta a profunda voz desconhecida exalando autoridade. O Seeker respondeu primeiro, dando um passo ao lado. Virando-me, eu o vi. O recém-chegado media mais de um metro e oitenta, tão alto como qualquer Guardião. Tinha o cabelo escuro, da cor de obsidiana, que tendia a azul na luz tênue. Preguiçosas mechas deslizavam sobre sua testa e se curvavam justo debaixo das suas orelhas. Suas sobrancelhas se arqueavam sobre seus olhos dourados e suas maçãs do rosto eram proeminentes e altas. Ele era atraente. Muito atraente. Alucinantemente bonito, na verdade, mas a irônica careta em seus lábios carnosos esfriava sua beleza. A camiseta negra se estendia através de seu peito amplo e seu ventre plano. Uma enorme tatuagem de serpente se enroscava ao redor de seu
antebraço, a cauda desaparecendo debaixo da manga e a cabeça em forma de diamante se apoiando na parte superior de sua mão. Parecia ter a minha idade. Um material completamente apaixonante... se não fosse pelo fato de não ter uma alma. Dei um passo atrás. O que era pior que um demônio? Dois demônios. Meus joelhos tremiam tanto que pensei que poderia cair de bruços no beco. Marcar nunca saíra terrivelmente mal antes. Estava tão ferrada que nem era engraçado. — Não deveria se intrometer nisso, — disse o demônio Seeker, e suas mãos se fecharam em punhos. O garoto novo deu um passo à frente sem fazer ruído. — E você deveria beijar meu traseiro. Que tal isso? Uh... O Seeker ficou muito quieto, com a respiração agitada. A tensão se converteu em uma quarta entidade no beco. Dei outro passo para trás, com a esperança de fugir sem problemas. Esses dois estavam tão obviamente em desacordo um com o outro e eu não queria ficar presa no meio disso. Quando os demônios se atacavam, eram conhecidos por derrubar edifícios inteiros. Fundações defeituosas ou coberturas ruins? Sim, certo. Mais como um épico combate demoníaco até a morte. Mais dois passos para a direita e eu poderia... O olhar do garoto se moveu para mim. Eu inspirei, pasma pela intensidade de seu olhar. A alça da minha mochila caiu por entre meus dedos. Seus olhos se abaixaram, seus grossos cílios piscando. Um pequeno sorriso em seus lábios, e quando falou, sua voz foi suave, porém profunda e poderosa. — Em que aperto você se meteu. Não sabia que raça de demônio era, mas pela forma como ele permanecia ali parado como se tivesse criado a palavra poder, soube que não era um demônio menor como o Seeker ou um Poser. Oh não, o mais provável era que fosse um demônio de Nível Superior: um Duque ou um Regente Infernal. Só os Guardiões lidavam com eles, e isso por geral terminava em uma confusão sangrenta. Meu coração se lançou contra meu peito. Precisava sair daqui, e rápido. De nenhuma maneira ia me meter em um mano a mano com um demônio de Nível Superior. Minhas míseras habilidades me assegurariam um chute no traseiro para
recordar. E o demônio Seeker se enojava a cada segundo, abrindo e fechando seus carnosos punhos. As coisas estavam a ponto de explodir fortemente. Agarrando a minha mochila, segurei-a contra mim como o escudo mais patético da história. Por outra parte, não podia haver uma coisa nesse mundo, além de um Guardião, que pudesse deter um demônio de Nível Superior. — Espera, — disse. — Não saia correndo ainda. — Não pense em se aproximar mais, — adverti. — Não me ocorreu fazer nada que você não queira. Ignorando o que isso significava, continuei rodeando lentamente o demônio Seeker e me afastando até a boca do beco, o qual parecia incrivelmente longe. — De todas as maneiras, está fugindo. — O demônio Nível Superior suspirou. — Inclusive após eu pedir para que você não o fizesse, e acredito que fui realmente amável a respeito. — Olhou ao Seeker, franzindo o cenho. — Não fui amável? O Seeker grunhiu. — Sem ofender, mas não me importa quão amável seja. Está interrompendo o meu trabalho, pedaço de imbecil. Tropecei com o insulto. Além do fato de que o Seeker falava com um demônio de Nível Superior dessa maneira, era uma coisa tão... humana de dizer. — Já sabe o que dizem, — respondeu o outro demônio, — paus e pedras podem romper seus ossos, mas eu vou te derrubar. Ao diabo com isso. Se eu voltasse para a rua principal, podia perder a ambos. Não podiam atacar em frente aos humanos: regras e ademais. Bom, se é que esses dois iam seguir as regras, o que parecia muito duvidoso. Dei meia volta, correndo até a entrada da rua. Não cheguei muito longe. O Seeker me impactou com uma ferrada defesa de futebol americano, me golpeando contra um cesto de lixo. Manchas negras escureceram minha visão. Algo áspero e peludo caiu sobre minha cabeça. Gritando como uma banshee6, estendi a mão e agarrei o corpo que se retorcia. Pequenas garras se enrolaram no meu cabelo. A dois segundos de uma apoplexia, arranquei o rato do meu cabelo e o lancei sobre
6 Banshee: Formam parte do folclore irlandês desde o século VIII. São espíritos femininos que, segundo a lenda, se aparecem a uma pessoa para anunciar seus gemidos da morte de um parente próximo. São consideradas fadas e mensageiras do outro mundo.
as sacolas de lixo. Este grasniu até levantar, e logo se ocultou em uma rachadura na parede. Com um grunhido baixo, o demônio de Nível Superior apareceu atrás do Seeker, o agarrando pelo pescoço. Um segundo depois, tinha ao Seeker a vários metros do chão. — Agora, isso não foi muito amável, — disse em voz baixa ameaçadora. Dando a volta, lançou o Seeker como um saquinho de grãos. O Seeker se estatelou contra a parede da frente, golpeando o chão com os joelhos. O demônio de Nível Superior levantou o braço... e a tatuagem de serpente levantou da sua pele, rompendo-se em mil pontos negros. Eles flutuaram no ar entre ele e o Seeker, pairaram por um segundo, e logo caíram no chão. Os pontos retumbavam entre si, formando uma grossa massa negra. Não... Não uma massa, senão uma serpente enorme, de pelo menos uns três metros de altura, e tão ampla como eu. Levantei-me com um salto, ignorando a onda de vertigem. A coisa girou para mim, se levantando a meia altura. Seus olhos ardiam de um vermelho profundo. Um grito ficou preso na minha garganta. — Não tenha medo de Bambi, — disse o demônio. — Ela só tem curiosidade e talvez um pouco de fome. A coisa se chamava Bambi? Oh, meu Deus, a coisa me olhava fixamente, como se quisesse me comer. A... a serpente gigante não tentou me fazer de merenda. Quando se voltou novamente para o Seeker, quase caí de alívio. Mas logo saiu em disparada através do pequeno espaço, se elevando até que sua monstruosa cabeça pairou sobre o petrificado demônio menor. A serpente abriu a boca, revelando duas presas do tamanho da minha mão e, mais além delas um amplo buraco negro. — Bem, — murmurou o demônio, sorrindo com satisfação. — Talvez esteja muito faminta. Tomei isso como um sinal para abandonar o beco. — Espera! — Gritou o demônio, e quando não parei, aliás, corri mais rápido do que nunca fizera antes, sua maldição ecoou em minha cabeça.
Cruzei as avenidas que circulavam Dupont Circle, passando a loja em que planejara me reunir com Stacey e Sam. Só quando cheguei ao lugar aonde Morris, nosso chofer e uma dezena de outras coisas me protegeriam, é que parei para respirar. As almas suavemente coloridas palpitavam ao meu redor, mas não dei atenção a elas. Intumescida até a medula, me sentei em um banco junto à calçada. Sentia-me mal, estranha. O que demônios acabou de acontecer? Tudo o que queria era esquematizar Sem Novidades à Frente essa noite. Não quase devorar uma alma, por pouco ser assassinada, conhecer o meu primeiro demônio de Nível Superior, ou ver uma tatuagem se converter em uma anaconda, pelo amor de Deus. Olhei para a minha mão vazia. Ou perder meu celular. Merda.
Morris não falou no caminho para casa em Dunmore Lane. Não era uma grande surpresa, Morris nunca falava. Talvez fosse o que viu dentro de nossa casa o que o deixou sem fala. Realmente não sei. Inquieta ao décimo nível por me sentar no banquinho ao redor de uma hora esperando por Morris, eu balancei meu pé no painel por todo o caminho até em casa. Eram apenas seis quilômetros, mas seis quilômetros em Washington se igualavam a um bilhão de quilômetros em outros lugares. A única parte da viagem que foi rápida, foi a parte privada do caminho que conduzia até a monstruosa casa Abbot. Com quatro andares, um incontável número de habitações e inclusive uma piscina coberta, era mais como um hotel do que um lar. Realmente era um complexo, um lugar aonde os Guardiões solteiros do Clã viviam e operavam como o comando central. À medida que nos aproximávamos, pisquei e deixei escapar uma maldição entre os dentes que me valeu um olhar de desaprovação de Morris. Seis gárgulas de pedra que não estavam ali esta manhã se encontravam na borda da nossa cobertura. Visitas. Genial. Abaixei meus pés do painel e peguei minha mochila do chão. Inclusive com suas asas dobradas e rostos abaixados, as formas encurvadas eram uma vista formidável contra a noite estrelada. Em sua forma de descanso, os Guardiões eram quase indestrutíveis. O fogo não lhes podia fazer dano. Nem cinzéis e martelos podiam quebrar sua armadura. As pessoas tentaram todas as formas de armas desde que os Guardiões se fizeram públicos. Então, tinham os demônios, desde... sempre, mas os Guardiões só eram frágeis quando pareciam humanos.
Assim que o carro parou na frente da extensa varanda, pulei e subi correndo as escadas, deslizando até parar na frente da porta. No canto superior esquerdo, uma pequena câmera se moveu até onde eu estava. A luz vermelha piscou. Geoff estava na sala de controle e atrás da câmera. Sem dúvida felicitando-se por me fazer esperar. Mostrei a língua. A luz ficou verde um segundo depois. Revirei os olhos ao escutar a porta se desbloquear, abri e deixei cair minha mochila na entrada. Imediatamente, me dirigi até as escadas. Após pensar duas vezes, girei e corri para a cozinha. Encontrando o lugar felizmente vazio, tirei um rolo de biscoitos de açúcar da geladeira. Peguei um pedaço e logo me dirigi escadas acima. A casa estava tranquila como um cemitério. Nesse momento do dia, a maioria estaria no centro de treinamento abaixo da terra ou já foram caçar. Todos, exceto Zayne. Durante o tempo que eu podia me lembrar, Zayne nunca saíra de casa para caçar sem me ver primeiro. Subi as escadas três degraus de cada vez, comendo o biscoito. Limpando meus dedos pegajosos sobre minha saia, dei um golpe na porta dele com minha bunda e congelei. Sério, eu precisava aprender a bater. Vi seu resplendor luminoso branco pérola primeiro, uma alma pura. Diferentemente de uma alma humana, a essência de um Guardião era pura, um produto do que eram. Muitos poucos seres humanos conservavam a alma pura, uma vez que começavam a exercer todo o assunto que se chamava livre arbítrio. Devido a mancha de sangue demoníaco que tinha, eu sabia que não tinha uma alma pura. Não tinha certeza de ter uma alma em absoluto. Nunca pude ver a minha. Às vezes... às vezes não achava que eu pertencesse com eles... com Zayne. Um sentimento de vergonha se assentou em meu estômago, mas antes que pudesse espalhar como fumaça nociva, a alma de Zayne se desvaneceu, e não pensei em nada. Recém-saído da ducha, Zayne pegou uma camiseta de cor negra e a passou pela cabeça. Não o suficientemente rápido para me fazer perder uma olhadinha tentadora de seus abdominais. O rigoroso treinamento mantinha seu corpo definido e duro. Arrastei meu olhar quando o pedaço de pele desapareceu. Cabelos
úmidos cor de areia se aferravam ao seu pescoço e bochechas esculpidas. Suas características seriam muito perfeitas se não fosse por esses olhos azuis aguados que todos os Guardiões tinham. Arrastei-me até a borda da cama e me sentei. Não deveria pensar em Zayne como pensava. Ele era o mais parecido com um irmão. Seu pai, Abbot, nos criou juntos, e Zayne me via como a irmãzinha a quem, de alguma maneira, terminou responsável. — O que aconteceu Layla-bug7? — Perguntou. Uma parte de mim amava que ele utilizasse meu apelido de infância. A outra parte que não era criança mais, o detestava. O espiei através de meus cílios. Ele estava completamente vestido agora. Que vergonha. — Quem está no teto? Ele sentou ao meu lado. — Uns viajantes de fora da cidade que precisavam de um lugar para descansar. Abbot ofereceu camas para eles, mas preferiram o teto. Eles não... — Parou de repente, se inclinando e agarrando minha perna. — Por que seus joelhos estão machucados? Meu cérebro fez uma espécie de curto circuito no momento em que sua mão tocou minha perna nua. Um rubor se apoderou das minhas bochechas, se espalhando muito, muito mais abaixo. Olhei para seus lábios... oh Deus, esses lábios eram perfeitos. Mil fantasias floresceram. Todas elas o incluíam, eu e a capacidade de dar um beijo nele sem sugar sua alma. — Layla, no que se meteu esta noite? — Ele soltou minha perna. Neguei com a cabeça, dissipando esses sonhos sem esperança. — Hum, bem, nada. Zayne se aproximou, me olhando como se pudesse ver através das mentiras. Tinha uma estranha habilidade de fazê-lo. Mas se lhe contasse tudo, como a parte do demônio de Nível Superior, nunca me permitiria deixar a casa sozinha. Eu gostava da minha liberdade. Era a única coisa que tinha. Suspirei. — Pensei seguir um Poser. — E não estava?
7 Bug: Inseto, bicho.
— Não, — gostaria que ele tocasse minha perna novamente, — resultou ser um Seeker fingindo ser um Poser. Foi incrível o quão rápido ele passou de garoto superquente a todo um Guardião de rosto sério. — O que quer dizer com o Seeker fingia? Forcei um casual encolher de ombros. — Realmente não sei. O vi no McDonalds. Tinha o apetite de um Poser e se comportava como um, e assim o segui. Resultou que não era um Poser, mas o marquei. — Isso não faz sentido, — sua testa se enrugou, uma expressão comum cada vez que resolvia algo em sua cabeça. — Os demônios Seeker são mensageiros, ou são convocados por algum idiota para encontrar algo estúpido como olhos de rã ou sangue de águia calva para um feitiço que inevitavelmente sairá pela culatra. Fingir ser um Poser não é típico. Lembrei-me do que o Seeker havia dito. Te peguei. Como se estivesse me procurando. Sabia que deveria dizer isso para Zayne, mas seu pai era um louco quando se tratava de aonde ia e com quem estava. E Zayne estava praticamente obrigado a dizer tudo ao pai dele, dado que Abbot era o chefe do Clã dos Guardiões de Washington. Ademais, deveria ter escutado mal o Seeker, e os demônios raras vezes tinham uma razão para fazer coisas estranhas ou inesperadas. Eram demônios. Explicação suficiente. — Você está bem? — Perguntou Zayne. — Sim, estou bem, — fiz uma pausa. — No entanto, perdi meu telefone. Ele riu, e oh meu Deus, eu amava o som da sua risada. Profunda. — Jesus, Layla, quantos desses que você perdeu até agora, este ano? — Cinco. — Olhei para suas estantes fortemente preenchidas, suspirando. — Abbot não me dará outro. Ele acha que eu os perco de propósito. Eu não faço. Eles só... não gostam de mim. Zayne riu novamente, me empurrando com seu joelho revestido de jeans. — Quantos você marcou esta noite? Pensei nas poucas horas depois da escola, antes de me encontrar com Stacey e Sam. — Nove. Dois eram Posers e o resto eram Fiends8, a exceção do
8 Espíritos malignos
Seeker. — O qual Zayne provavelmente nunca encontraria, já que tinha uma boa probabilidade de que Bambi o tivesse comido. Zayne deu um assobio. — Legal. Terei uma noite muito ocupada. E isso era o que faziam os Guardiões. Geração após geração estivera observando a população demônio desde muito antes que fossem públicos. Eu tinha apenas sete anos quando isso aconteceu, assim que não me lembro como o público reagiu.
Tenho
certeza
que
a
grande
revelação
incluiu
um
monte
de
enlouquecimento. Por estranho que pareça, fui viver com eles nessa mesma época. Os Alfas, os caras que dirigiam o espetáculo, entenderam que era necessário o bom e o mal no mundo, a Lei do Equilíbrio. Mas algo aconteceu há dez anos. Os demônios começaram a chegar através do grande número de portais, criando caos à medida que causavam estragos com o que entravam em contato. A possessão dos seres humanos se converteu em um grande problema, e as coisas saíram do controle nesse ponto. As belezas do inferno já não queriam permanecer nas sombras e os Alfas não podiam permitir que a humanidade soubesse que os demônios eram reais. Abbot me disse uma vez que tinha a ver com o livre arbítrio e a fé. O homem precisava crer em Deus sem saber que o inferno realmente existia. Dispostos a tudo para manter a humanidade na escuridão sobre os demônios, os Alfas emitiram seu mandato. Parecia um grande risco e esses humanos eventualmente somariam um mais um e descobririam os demônios, mas o que eu sei? Só uns poucos humanos conheciam a verdade. Além de Morris, tinham alguns dentro do departamento de polícia. O governo, e com certeza o pessoal militar do mundo todo, sabia que existiam os demônios. Esses humanos tinham suas próprias razões para manter a população em geral na ignorância, razões que não tinha nada a ver com a fé. O mundo cairia em caos se os humanos soubessem que os demônios pediam café da manhã bem ao lado deles. Mas essa era a maneira que funcionava. Os Guardiões ajudavam ao departamento de polícia com a captura dos delinquentes e alguns desses criminosos perseguidos eram demônios, que podiam ter um passe livre para sair da prisão, pois tinham viagem garantida de volta ao inferno e não ficariam. Se os demônios alguma vez se expusessem ao mundo, os Alfas destruiriam a todos os demônios que estivessem na parte superior, inclusive meu feliz traseiro meio demônio.
— As coisas estão um pouco loucas, — disse mais para ele mesmo. — Existem muitíssimas atividades Poser. Alguns Guardiões em diferentes distritos se toparam com Hellions9. Meus olhos se abriram. — Hellions? Quando Zayne assentiu, uma imagem de coisas grandes, coisas bestiais se formou em meus pensamentos. Hellions não deveriam estar na parte superior. Eram como símios mutantes e pitbulls mesclados em um. Zayne se inclinou, mexendo debaixo da sua cama. Mechas de cabelo caíram, ocultando seu rosto. Eu podia olhá-lo abertamente boquiaberta agora. Zayne só tinha quatro anos a mais que eu, mas por ser um Guardião, era muito mais maduro que a maioria dos garotos humanos de sua idade. Eu sabia tudo sobre ele, exceto como ele realmente era. Essa era a coisa sobre gárgulas. A pele que levavam durante o dia não era o que eram. Pela enésima vez, me perguntei sobre a aparência real de Zayne. Sua pele humana era quente, mas diferentemente dos demais, ele nunca me permitia ver sua verdadeira forma. E como eu era só metade Guardiã, não podia mudar como um Guardião normal. Estava presa permanentemente na forma humana, irrevogavelmente defeituosa. Os Guardiões normalmente não aceitavam bem os defeitos. Se não fosse pela minha capacidade única de ver as almas e marcar aqueles a quem lhes faltava, eu seria muito inútil no grande esquema das coisas. Zayne se sentou, com um uma pelúcia em suas mãos. — Olha quem encontrei. Você o deixou aqui um par de noites atrás. — Senhor Snotty! — Agarrei o esfarrapado urso de pelúcia sorrindo. — Me perguntava onde estava. Seus lábios se curvaram em um sorriso. — Não posso acreditar que ainda tenha esse urso. Deixei-me cair contra minhas costas, agarrando o urso contra meu peito. — Você me deu. — Isso foi há muito tempo. — É o meu animal de pelúcia favorito.
9 Diabinhos
— É seu único animal de pelúcia. — Zayne deitou ao meu lado, olhando para o teto. — Veio para casa mais cedo do que esperava. Pensei que estivesse estudando com seus amigos. Encolhi meus ombros. Zayne tamborilou os dedos sobre seu estômago. — Isso é estranho. Normalmente está chorando por um toque de recolher mais longo, mas nem sequer são nove ainda. Mordi o lábio. — E? Eu te disse o que aconteceu. — Ainda assim, sei que não está me dizendo tudo. — Algo na forma como me disse isso, me fez girar a cabeça em sua direção. — Por que mentiria para mim? Nossos rostos estavam próximos, mas não tão próximos a ponto de ser perigoso. E Zayne confiava em mim, acreditava que eu era mais Guardiã que demônio. Pensei na serpente... e no garoto que realmente não era um garoto, senão um demônio de Nível Superior. Estremeci. Zayne se inclinou sobre o pequeno espaço entre nós, colocando sua mão sobre a minha. Meu coração deu um salto. — Me diga a verdade, Layla-bug. Eu podia facilmente me lembrar da primeira vez que ele me chamou assim. Foi na noite em que me trouxeram a essa casa. Aos sete anos, estive aterrorizada com as criaturas aladas com dentes afiados e os olhos vermelhos que me pegaram do orfanato. Quando me deixaram na entrada desta mesma casa, corri através da casa e me meti em uma pequena bola na parte posterior do primeiro armário que encontrei. Horas depois, Zayne me enganou para sair do meu esconderijo, segurando um primitivo urso de pelúcia e me chamando Layla-bug. Inclusive aos onze, ele parecia maior que a vida para mim, e desde esse momento, eu estive grudada nele. Algo que os Guardiões mais velhos desfrutavam em incomodá-lo. — Layla? — Murmurou, apertando seu agarre na minha mão. As palavras saíram. — Acredita que sou má? Suas sobrancelhas franziram. — Por que pergunta isso? Fiquei o olhando fixamente. — Zayne, sou meio demônio... — É uma Guardiã, Layla.
— Você sempre diz isso, mas não é a verdade. Sou mais como um... como uma mula. — Uma mula? — Repetiu lentamente, franzindo a testa. — Sim, uma mula. Já sabe, metade cavalo, metade burro... — Sei o que é uma mula, Layla. E realmente espero que não esteja se comparando a uma. Não disse nada, porque eu era. Igual a uma mula, era uma estranha híbrida, metade demônio e metade Guardiã. E devido a isso, nunca me casaria com outro Guardião. Inclusive os demônios, se soubessem o que eu era, não me reclamariam. Então sim, pensava que a comparação era exata. Zayne suspirou. — Só porque sua mãe era assim, não te converte em uma má pessoa, tenho certeza que não te converte em uma mula. Girando a cabeça, fiquei olhando o espaço. O
ventilador girava
vertiginosamente, criando estranhas sombras no teto. Uma mãe demoníaca que nunca conheceu e um pai do qual ela não se lembrava. E Stacey pensava que seu lar monoparental era um desastre. Inclinei-me, brincando nervosamente com o anel. — Você sabe, não é? — Continuou Zayne com seriedade. — Sabe que não é uma má pessoa, Layla. É boa, inteligente e... — Parou, sentando e me cercando como um anjo da guarda. — Você... não tomou uma alma essa noite? Layla, se o fez tem que me dizer agora. Nos ocorrerá algo. Nunca deixaria que meu pai soubesse, mas tem que me dizer. Lógico que Abbot nunca poderia saber se eu fizesse algo assim, nem sequer por acidente. Por muito que se preocupasse comigo, ainda me expulsaria. Tomar uma alma estava proibido por muitas razões morais. — Não. Não tomei uma alma. Olhou-me fixamente, e logo seus ombros se enquadraram. — Não me assuste assim, Layla-bug. De repente queria segurar ao Senhor Snotty mais apertado. — Desculpe. Zayne agachou, tirando minha mão do urso. — Você cometeu erros, mas se arrependeu deles. Não é má. Isso é o que precisa lembrar. E não o que está no passado.
Mordi meu lábio, pensando nesses erros. Houve mais de um. O primeiro incidente foi o que levou os Guardiões ao orfanato. Havia tomado acidentalmente a alma de uma das cuidadoras, não toda, mas o suficiente para que a mulher tivesse que ser hospitalizada. De alguma maneira, os Guardiões souberam e através de suas conexões me rastrearam. Até hoje não entendia porque Abbot ficou comigo. Os demônios eram uma questão de branco e negro para os Guardiões. Não existia tal coisa como um demônio bom ou inocente. Ser parte demônio significava que deveria ter caído no velho ditado – o único bom demônio é um demônio morto – mas por alguma razão, foi diferente para eles. Sabe porquê? Sussurrou uma voz feia em minha cabeça, e fechei os olhos. Minha capacidade de ver as almas e a falta da mesma, um produto de meu sangue demoníaco, era uma ferramenta valiosa na luta contra o mal, mas os Guardiões podiam sentir aos demônios quando se aproximavam o suficiente deles. Sem mim, seu trabalho seria mais difícil, mas não impossível. Ao menos foi isso que disse a mim mesma. Zayne girou minha mão outra vez, deslizando seus dedos entre os meus. — Comeu o rolo de biscoitos de novo? Guardou algum para mim dessa vez? O verdadeiro amor significava compartilhar gostos por alimento estranhos. Assim acreditava. Abri os olhos. — Deixei meio pacote. Ele sorriu, se recostando novamente de lado, mantendo sua mão ao redor da minha. O cabelo caía sobre a maçã do seu rosto. Queria tirá-lo do rosto dele, mas não tinha coragem. — Te darei um telefone novo amanhã, — disse finalmente. Sorri para ele como se ele fosse meu próprio fabricante de telefone pessoal. — Por favor, um com tela touch screen dessa vez. Todos na escola têm um. Zayne arqueou uma sobrancelha. — O destruirá em questão de segundos. Precisa de um desses telefones de satélites gigantes. — Isso me fará parecer realmente genial. — Torci o nariz enquanto olhava o relógio da parede. Precisava ir logo. — Suponho que deveria estudar ou algo assim. A pele dourada se enrugou enquanto sorria. — Não vá ainda.
Nada nesse mundo poderia deter o calor que se construía no meu peito. Olhei para o relógio de cabeceira novamente. Ele tinha duas horas antes de ir caçar os demônios que eu havia marcado antes. Agradecida, fiquei de lado. O Senhor Snotty estava entre nós. Desentrelaçou seus dedos dos meus e arrumou uma mecha do meu cabelo. — Seu cabelo sempre está embaraçado. Você sequer sabe usar uma escova? Bati na mão dele, tremendo ante a lembrança do rato. — Sim, sei como usar uma escova, idiota. Zayne riu, voltando a mexer no meu cabelo com nós. — Linguagem, Layla, linguagem. Tranquilizei-me enquanto ele desenrolava com cuidado alguns dos nós. Isso de tocar no meu cabelo era novo e não me importava. Ele segurou as claras mechas entre nós, com os olhos entrecerrados pela concentração. — Preciso de um corte de cabelo, — murmurei depois de uns momentos. — Não. — Ele afastou o cabelo sobre meu ombro. — É... muito bonito. E combina com você. Meu coração quase virou papinha. — Quer ouvir sobre a escola hoje? Seu olhar se iluminou. Todos os Guardiões, exceto eu, foram educados em casa, e a maioria das aulas na universidade de Zayne era online. Ele escutou enquanto dizia sobre o texto que consegui um B, a briga na cafeteria entre duas garotas por um garoto, e como Stacey se trancou no escritório do conselheiro depois da aula. — Oh. Quase me esqueci. — Fiz uma pausa, bocejando desagradavelmente, — Sam quer te entrevistar para o jornal da escola. Algo sobre ser um Guardião. Zayne fez uma careta. — Não tenho certeza sobre isso. Não estamos autorizados a dar entrevistas. Os Alfas veriam como um ato de orgulho. — Eu sei. Falei para não ter muita esperança. — Bem. Meu pai enlouqueceria se soubesse que falei com a imprensa. Ri. — Sam não é a imprensa, mas entendo. Ele me manteve desperta durante um momento mais, fazendo pergunta atrás de pergunta. Contra a minha vontade, meus olhos se fecharam. Ele ficaria fora por um bom tempo, antes que eu despertasse; caçando demônios. Talvez
inclusive alguns de Nível Superior. Talvez inclusive o garoto demônio com a serpente chamada Bambi. *** Com cara de sono, tirei meu livro de biologia. Tive três segundos para mim antes que uma alma verde suave aparecesse em minha linha de visão. Levantei a cabeça, inalando profundamente. Gostava de estar próxima a almas inocentes. Era bastante normal e não tentador como... Um punho se chocou contra meu braço. — Você não apareceu no grupo de estudos, Layla! Tropecei para um lado, me agarrando a porta do armário. — Por Deus, Stacey, isso deixará marcas. — Nos deixou plantados, mais uma vez. Fechando com um golpe a porta do meu armário, encarei a minha melhor amiga. Stacey tinha um pouco de força em seus golpes. — Desculpe, tive que correr para casa, surgiu algo. — Sempre surge algo. — Ela me olhou. — É ridículo, sabe como tive que sentar e escutar Sam falar da quantidade de pessoas que matou em Assassin Creed por uma hora? Coloquei meus livros em minha mochila, rindo. — Isso é uma merda. — Sim, foi. — Tirou um elástico de cabelo do pulso e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo. — Mas te perdoo. Stacey sempre me perdoava por chegar tarde ou não aparecer. Realmente, não entendia o porquê. Podia ser uma amiga terrível às vezes, e não é como se Stacey não fosse popular. Tinha um monte de outros amigos, mas desde o primeiro ano, ela parecia gostar de mim. Entramos na multidão de estudantes. Os cheiros mesclados de perfume e odor corporal revolveram meu estômago. Meus sentidos se afiaram ligeiramente. Nada muito extraordinário como um demônio de sangue puro ou Guardião, mas por desgraça, podia sentir o que a maioria dos seres humanos não sentia. — Realmente lamento sobre ontem. Nem sequer pude estudar para nosso exame de biologia.
Ela me olhou fixamente, com seus olhos em forma de amêndoa se estreitando. — Ainda parece estar meio dormindo. — A aula estava tão chata que dormi e quase caí da cadeira. — Olhei para um grupo de esportistas curvados sobre a vitrine de troféus vazia. Nossa equipe de futebol era péssima. Suas almas eram um arco-íris de tons azul claro. — O senhor Brown gritou comigo. Ela soltou uma risadinha. — O senhor Brown grita com todo mundo. Então, não estudou nada? Almas rosadas rodeando um grupo de estudantes do segundo ano que riam, chamou minha atenção. — O quê? Deixando escapar um longo suspiro, disse: — Biologia, como a ciência da vida? Vamos para a aula. Temos um exame. Afastei meu olhar do rastro bonito com o cenho franzido. — Oh, duh. Não, como disse, eu não estudei nada. Stacey mudou seus livros para o outro braço. — Te odeio. Nem sequer abre um livro e é provável que ainda assim consiga um A. — Ela afastou a franja dos olhos e sacudiu a cabeça. — É tão injusto. — Não sei. A senhora Cleo me deu um B no último exame e realmente não tenho ideia sobre esse. — Franzi o cenho, dando conta de quão certo era isso. — Cara, realmente deveria ter estudado na noite anterior. — Ainda tem as notas de Sam? — Ela agarrou meu braço, me tirando da trajetória de outro estudante. Captei o extremo final de uma alma cor de rosa escuro embaçadas com raias de cor vermelha. — Wow, está totalmente te observando. — Hã, — olhei para Stacey. — Quem? Ela olhou por cima de seu ombro enquanto se aproximava mais e mais. — O cara com quem quase se chocou, Gareth Richmond. Ele ainda está te observando. Não! — Chiou no meu ouvido. — Não olhe. Isso é muito óbvio. Lutei contra o impulso natural de virar. Stacey riu. — Na realidade, está observando seu traseiro. — Ela soltou uma risadinha, se endireitando. — É um bonito traseiro. — Obrigada, — murmurei; meu olhar seguindo a alma azul rodeando um garoto a nossa frente.
— Gareth observando seu traseiro é algo bom, — continuou Stacey. — O pai dele é dono da metade do centro, e suas festas são muitos impressionantes. Virei no estreito corredor que conduzia para a aula de biologia. — Acho que está imaginando coisas. Ela negou com a cabeça. — Não se faça de boba. Você é linda... mais sexy do que aquela cadela ali. Meu olhar foi diretamente aonde Stacey apontava. Uma tênue alma púrpura rodeava a Eva Hasher. O que significava que ela era algo mais que uma garota má, se movia para cair no status de alma questionável. Minha garganta se contraiu repentinamente. Quanto mais escura ou mais pura era a alma, mais forte era a atração. As muito más e as muito boas eram as mais atrativas, o que fazia Eva muito interessante para mim, mas tomar a alma que pertencia à garota mais popular da escola seria algo trágico. Eva se apoiou num armário, rodeada do que Stacey se referia como um bando de putas. Eva sacudiu a Stacey uma unha azul perfeitamente pintada e logo me olhou. — Oh, olhem! É a gárgula puta. Seu grupo de seguidoras descerebradas começou a rir. Revirei os olhos. — Ouch. Um novo. Stacey lhe devolveu o gesto com ambas as mãos. — Que cadela estúpida! — Tanto faz, — encolhi os ombros. Ser chamada de puta por Eva, sabendo da condição de sua alma, era muito irônico para me enojar. — Sabe que ela e Gareth terminaram, certo? — Sério? — Não podia seguir o ritmo desses dois. Stacey concordou. — Sim. Ele recortou as fotos dela do facebook. Um recorte horrível, também, porque pode se ver o braço ou perna entre eles. De todos os modos, deveria sair com ele só para deixá-la com raiva. — Como observar meu traseiro significa ter que sair com um garoto que nem sequer sabe meu nome? — Oh, tenho certeza que ele sabe seu nome, e provavelmente seu número de sutiã também. — Ela me rodeou, empurrando a porta de biologia. — Sim, existem estudantes do sexto ano mais altos do que você. Mas caras como ele. Eles querem te pegar e te colocar em seus bolsos. Cuidar de você.
Corei ao seu lado, sorrindo. — Essa é a coisa mais estúpida que você já disse. Ela me seguiu até nossos lugares nos fundos da sala de aula. — Você é como uma pequena boneca com esses grandes olhos cinza e lábios sensuais. Lancei um olhar mordaz para ela enquanto sentava no meu lugar. A maioria dos dias eu parecia uma personagem lúgubre de anime. — Você gosta de mim ou algo assim? Stacey sorriu maliciosamente. — Me tornaria gay por você. Revirando as notas de Sam, eu ri. — Não me tornaria gay por você. Eva Hasher? Talvez. Ela engasgou, agarrando a parte da frente da camisa. — Isso doeu. De todos os modos, te enviei mensagens pelo menos uma dezena de vezes ontem à noite e não me respondeu nenhuma vez. — Desculpe, perdi meu telefone. — Passei uma página, me perguntando em que idioma Sam havia escrito essa merda. — É suposto que Zayne consiga um novo para mim hoje. Espero que seja um de touch screen como o seu. Desta vez Stacey suspirou. — Deus, Abbot pode me adotar também? Sério. Quero um irmão adotivo super sexy. Em troca, tenho um irmão impertinente. Assim, quero um Zayne. Tentei ignorar a sacudida de possessividade vermelho vivo recorrendo em minhas veias. — Zayne não é meu irmão. — Graças a Deus por isso. Do contrário, estaria cheia de sentimentos incestuosos o tempo todo e isso é sinceramente asqueroso. — Não penso em Zayne dessa maneira! Ela riu. — Que mulher nesse mundo não pensa em Zayne dessa maneira? Mal posso respirar quando o vejo. Todos os garotos na escola têm cintura fina. Posso dizer que Zayne não. Ele é o molho incrível com molho extra. Isso ele era, e não tinha uma cintura fina, mas concordava com Stacey nesse momento. Realmente, eu precisava estudar para esta prova e não queria que minhas fantasias envolvendo Zayne ocupassem minha mente neste momento. Especialmente após despertar essa manhã, cuidadosamente escondida debaixo dos lençóis. A cama cheirava como ele: sândalo e folhas frescas. — Oh, doce menino Jesus no presépio, — murmurou Stacey.
Apertei a mandíbula, colocando as mãos sobre as minhas orelhas. Ela cutucou o cotovelo na minha costela. A esse passo eu estaria coberta de contusões antes da hora do almoço. — Nossa aula de biologia acaba de se tornar um bilhão de vezes mais interessante. E mais sexy, muito, muito mais sexy. Santa mãe, eu quero ter seus bebês. Agora não, lógico, mas sem dúvida depois. Mas gostaria de começar a praticar logo. A parede celular é uma capa grossa e rígida que cobre o plasma, algo que as células da planta... Stacey ficou rígida de repente. — Oh, meu Deus, ele está vindo... Composto de gordura e açúcar... Algo fino e brilhante caiu de Deus sabe onde, aterrissando no meio das notas de Sam. Piscando com força, levei um par de segundos para reconhecer o adesivo quase desvanecido das Tartarugas Ninja cobrindo a parte posterior do telefone prata. Meu coração se chocou contra minhas costelas. Agarrei as bordas do caderno, pouco a pouco levantei meu olhar. Excepcionais lindos olhos dourados se encontraram com os meus. — Esqueceu isso ontem à noite.
Ele não podia estar aqui. Mas estava, e eu não podia afastar o olhar, repentinamente desejei poder desenhar, porque meus dedos picavam por desenhar as linhas do seu rosto, por tentar capturar a inclinação exata de seu lábio superior sobre o ligeiramente mais cheio lábio inferior. Não exatamente uma linha útil de pensamentos. O demônio sorriu. — Você correu tão rápido que não tive tempo de te devolver. Meu coração parou, isso não estava acontecendo, um demônio de Nível Superior não devolve celulares perdidos, e eles, assim como o inferno existe, não iam para a escola. Deveria estar alucinando. — Você, pequena elfa que guarda segredos, — sussurrou Stacey no meu ouvido. — Esse é o porquê não apareceu no nosso grupo de estudos ontem à noite? Seu olhar tinha um hipnótico efeito paralisante, ou simplesmente eu era estúpida, podia sentir Stacey saindo de sua pele junto a mim. Ele inclinou-se, apoiando a palma em minha mesa, cheirando a algo doce e almiscarado. — Pensei em você a noite toda. Stacey soou como se estivesse se engasgando. A porta da nossa classe se abriu e a Senhora Cleo entrou com seus rechonchudos braços cheio de papeis. — Muito bem, todo mundo em seus lugares. Ainda sorrindo, o demônio se endireitou e virou. Ele sentou na carteira, justo a nossa frente, não passou um segundo até que inclinou a cadeira para trás, sobre as pernas traseiras, mantendo-a ali, completamente a vontade.
— Que raios, Layla? — Stacey agarrou meu braço. — Quando você o encontrou ontem à noite? Em algum momento entre o Big Mac e as batatas fritas? E porque não recebi um aviso? Os dedos de Stacey continuaram apertando meu braço, mas eu estava muda de assombro. A Senhora Cleo segurava os exames contra seu peito como se fosse um recém-nascido. — Muito bem, tempo de silêncio, todos olhando para frente... oh! Temos um novo estudante. — Pegou uma pequena folha rosa, franzindo o cenho enquanto olhava ao garoto demônio. — Bem, a prova não estará em seu registro, mas me dará uma ideia de onde você está na matéria. — Layla, — sussurrou Stacey. — O olhar em seu rosto está começando a me assustar. Você está bem? A Senhora Cleo deixou os exames sobre nossas carteiras estalando os dedos. — Sem falar, hora de exame senhorita Shaw e senhorita Boyd. As perguntas na folha estavam embaçadas, eu não podia fazer isso... Sentar aqui e fazer um exame com um maldito demônio sentado na minha frente. — Não me sinto bem, — sussurrei a Stacey. — Me dei conta. Sem outra palavra, agarrei minhas coisas, minhas pernas tremendo enquanto parava e caminhava para frente da classe, a Senhora Cleo levantou o olhar enquanto eu passava, meu celular escorregando na minha mão. — Senhorita Shaw, aonde pensa que vai? — Disse, ficando de pé. — Não pode simplesmente sair da classe no meio de um exame! Senhorita Shaw... A porta da classe se fechou, silenciando qualquer coisa a mais que ela dissesse, eu não sabia aonde ia, mas sabia que tinha que chamar Zayne, inclusive talvez Abbot. Os armários cinza no corredor eram um borrão enquanto abria a porta do banheiro das meninas e o permanente cheiro de cigarros e desinfetante me cobriu. Os rabiscos nas paredes eram completamente ilegíveis. Abrindo o celular, captei meus olhos no espelho, estavam maiores do que o normal, tomando todo o meu rosto, meu estômago se revolvendo enquanto passava a lista de contatos. A porta do banheiro se abriu.
Olhei ao redor, mas não havia ninguém, lentamente a porta se fechou com um suave clique. Um arrepio baixou pela minha pele, meus dedos tremiam enquanto pressionava o nome de Zayne, tinha uma possibilidade de que ainda estivesse acordado e não completamente convertido em pedra. Uma pequena e improvável... O garoto demônio estava de repente em pé na minha frente, cobriu minha mão com a dele, fechando o celular. Um grito sobressaltado me escapou. Seus lábios apertaram. — Agora. Para quem você está ligando? Meu pulso se acelerou a uma velocidade vertiginosa. — Como... como você fez isso? — Fiz o quê? Sair da classe tão facilmente? — Ele inclinou-se como se estivesse a ponto de contar um segredo. — Posso ser muito persuasivo, é um dom que eu tenho. Sabia que os demônios de Nível Superior tinham poderes de persuasão, alguns podiam simplesmente sussurrar duas ou três palavras a uma pessoa, e o que o demônio quisesse, o humano faria, mas isso também era contra as regras... livre arbítrio e tudo. — Não me importa a aula. Você estava malditamente invisível! — Eu sei, muito legal, uh? — Pegou o celular das minhas mãos, não lhe custou muito, desde que meus dedos pareciam desossados. Olhou ao redor do banheiro levantando suas sobrancelhas escuras. — É só um dos meus muitos talentos. — Olhando sobre o ombro para mim, ele piscou. — E tenho muitos talentos. Contornei a pia, e avancei para a porta. — Realmente não me importo com seus muitos talentos. — Fique quieta. — Chutou um cubículo o abrindo com sua bota negra e mantendo um olho em mim. — Temos que falar, você e eu, e essa porta não se abrirá para ninguém, a não ser para mim. — Espere, o que está fazendo? Não... Meu celular voou pelo ar e aterrissou no vaso sanitário. Ele me encarou, encolhendo os ombros. — Desculpe, esperava que o celular fosse uma bandeira branca de amizade, mas não posso te deixar chamar essas suas criaturas. — Esse é meu celular, seu filho da...
— Já não é mais seu celular. — Ele se encolheu, divertido. — Agora pertence ao departamento de esgotos. Afastei-me dele, me trancando entre a pia e a parede de cimento onde um coração foi rabiscado debaixo de uma janela. — Não se aproxime. — Ou o quê? Lembra o longe que você chegou lutando com o Seeker ontem à noite, nem sequer chegará tão longe comigo. Abri minha boca para, não sei, gritar, mas ele avançou, colocando a mão sobre meus lábios. Atuando instintivamente, bati no estômago dele com meus punhos, ele agarrou meu pulso com sua mão livre e pressionou contra mim, prendendo meu outro braço entre meu suave estômago e o seu muito, muito mais duro. Tentei me afastar, mas ele me manteve no lugar. — Não vou te machucar. — Seu alento agitou o ar junto a minha fronte. — Só quero falar. Mordi a mão dele. Ele deixou escapar um assobio baixo envolvendo sua mão na minha garganta e pressionando seus dedos, forçando minha cabeça para trás. — Morder pode ser muito divertido, mas só quando é apropriado, e isso não foi apropriado. Liberei um braço e agarrei o dele. — Farei algo pior que te morder se não me soltar. O demônio piscou e logo riu. — Posso estar interessado em saber o que mais você pode fazer; prazer, dor, quase a mesma coisa, mas não temos tempo para isso agora. Respirei profundamente, tentando acalmar meu acelerado coração. Meu olhar se dirigiu para a porta, a realidade da situação se assentando. Havia escapado do demônio Seeker na noite passada, só para morrer no banheiro da minha escola. A vida é malditamente cruel. Não tinha para onde ir, cada movimento que fazia nos traria mais juntos e já estávamos muito próximos. A palavra deslizou de meus lábios. — Por favor... — Ok, ok. — Para minha surpresa sua voz baixou, se tornando tranquilizadora, e seu aperto relaxou. — Te assustei, talvez devesse ter escolhido uma maneira melhor de aparecer, mas o olhar em seu rosto não teve preço. Se souber meu nome se sentiria melhor? — Não realmente.
Ele sorriu. — Pode me chamar de Roth. Não. Saber o nome dele não me fez me sentir melhor. — E eu te chamarei de Layla. — Sua cabeça se inclinou, enviando várias mechas de cabelo escuro para frente. — Sei o que pode fazer, assim que cortemos essa merda, Layla. Você sabe o que eu sou e eu sei o que você é. — Você está com a pessoa errada. — Cravei minhas unhas em seu braço, deve ter doído, mas nem sequer o demonstrou. Roth olhou para o teto suspirando. — É metade demônio Layla, pode ver almas, isso é o porquê estava naquele beco ontem à noite. Abri minha boca para mentir outra vez, mas qual era o ponto? Respirando profundamente, lutei para manter a voz calma. — O que quer? Ele inclinou a cabeça de um lado. — Nesse momento? Quero entender como os Guardiões lavaram seu cérebro para caçar sua própria espécie. Como você pode trabalhar para eles? — Não fizeram lavagem cerebral em mim! — Empurrei contra seu estômago, ele não se moveu. E wow, seu estômago não era nem um pouco suave, era ridiculamente duro e esculpido, e eu o apalpava. Retirei minhas mãos. — Não sou nada como você, sou uma Guardiã... — É metade Guardiã, metade demônio, o que está fazendo é... Sacrilégio, — anunciou com um olhar de desgosto. Provoquei. — Vindo de você, isso é quase engraçado. — E o que acredita que você seja? Só porque escolheu ignorar seu sangue demônio não muda sua existência. — Ele se inclinou tão próximo que seu nariz roçou o meu enquanto sua mão levantava meu queixo para me obrigar a fazer contato visual. — Nunca se perguntou por que os Guardiões não te mataram? Você é parte demônio. Então por que te mantiveram? Talvez porque sua habilidade de ver almas seja valiosa para eles? Ou algo mais? Meus olhos se estreitaram enquanto a raiva substituía o medo. — Eles não me usam, são minha família. — Família? — Era a vez dele de provocar. — Você obviamente não pode mudar, ou teria feito na noite passada. Calor queimou meu rosto, maldição, até um demônio sabia que eu era defeituosa.
— Qualquer que seja o sangue de Guardião em você, não é tão forte como seu lado demônio. Nós somos sua família... sua espécie. Ouvir isso era dizer em voz alta minha visão pessoal do inferno. Afastei a mão dele. — Não. — Sério? Penso que está mentindo, ver almas não é a única coisa que pode fazer, não é? A última podia fazer mais? — Sussurrou, capturando meu queixo novamente com a ponta de seus longos dedos. — Ela podia fazer muito mais que isso, digamos apenas que ela tinha um apetite único. Comecei a tremer. — De quem está falando? Roth sorriu como o gato que comeu uma jaula inteira de canários e que se moveu para os papagaios. — Sei o que queria antes de entrar no beco. — Não sei do que está falando. — Não sabe? Eu estava te seguindo. — Oh, então você é um demônio e um assediador? — Engoli. — Porque isso não é estranho ou qualquer coisa. Ele riu suavemente. — Desviar o tema não funciona com os demônios. — Então suponho que terei que tentar mordê-lo outra vez. Algo resplandeceu em seus olhos dourados, os fazendo brilhar. — Você quer tentar? — Se inclinou outra vez, seus lábios roçando a curva da minha bochecha. — Deixe-me sugerir lugares mais apropriados, tenho esse piercing... — Pare! — Movi minha cabeça para um lado. — Agora posso agregar pervertido ao assediador e demônio. — Não tenho objeção a nenhum desses títulos. — Um lado de seus lábios se curvou enquanto retrocedia um pouco. — Queria a alma daquele homem, aquele que viu na rua? Estou disposto a apostar um círculo inteiro do Inferno que era tudo o que queria, tudo o que pensa, às vezes. Necessitara isso, às vezes me estremecia pensando em como se sentiria uma alma se deslizando pela minha garganta. E falar disso o fazia muito pior, inclusive agora, quando não tinha almas próximas a mim; podia sentir a ânsia, a necessidade – como um drogado depois de uma dose. Meus músculos se tencionaram, se esquentando. Empurrei contra seu peito. — Não, não quero isso. — A anterior a você nunca negou o que era. — Sua voz se tornou suave e tranquilizadora outra vez. — Sabe algo sobre ela... sobre sua herança, Layla? —
Ele disse, e logo seus braços rodearam minha cintura, atraindo meu corpo ao seu. — Sabe algo sobre o que você é? — Sabe algo sobre espaço pessoal? — Espetei. — Não. — Ele sorriu e logo seus olhos pareceram ficar novamente luminosos. — Mas sei que você realmente não se importa que eu esteja em seu espaço pessoal. — Continue tentando convencer a si mesmo. — Inalei forte, forçando a encontrar seu olhar. — Estar tão próxima de você me faz querer cortar pedaços inteiros da minha pele. Roth riu suavemente, inclinando a cabeça, e de repente nossos lábios estavam a milímetros. Se ele tivesse uma alma, estaríamos completamente em território perigoso. — Não necessita me convencer, sou um demônio. — Duh. — Murmurei, fixando meu olhar na boca dele. — Então sabe que os demônios podem cheirar as emoções humanas. Eles podiam. Esqueci-me dessa habilidade, eu podia sentir a comida queimada a quilômetros, tão útil como era. Os cantos de seus lábios se elevaram. — O medo é uma afiada e amarga essência. Posso sentir isso em você. A raiva é como uma pimenta, quente e queima, e posso sentir isso também. — Roth parou, e de alguma maneira se aproximou ainda mais, tão próximo que quando voltou a falar seus lábios roçaram os cantos dos meus. — Ah sim... E então aí está a atração; doce, picante e intensa... É minha favorita de todas. E adivinha o quê? Endireitei-me contra a parede, me afastando um pouco. — Você não sente isso em mim, colega. Ele reclamou essa distância com pouco esforço. — Essa é a coisa engraçada sobre a negação. Isso é realmente uma arma ruim, você pode dizer que não está atraída por mim o quanto quiser, e talvez nem sequer saiba ainda, mas eu sei algo diferente. Minha boca se abriu. — Você precisa que verifiquem esse seu nariz de demônio, porque está seriamente quebrado. Roth se endireitou, tocando meu nariz com um longo dedo. — Isso nunca mentiu antes. — Mas retrocedeu, ainda que o sorriso arrogante permanecesse em
seu rosto, como se seus lábios fossem feitos para isso, e suas próximas palavras estavam cheias de seriedade. — Você precisa parar de marcar. Agradecida pela sala ventilada, deixei escapar um profundo suspiro e me segurei na pia, agora tinha sentido esse demônio de nível superior mostrando interesse em mim. — O quê? Marquei muitos dos seus amigos? Uma sobrancelha escura se arqueou. — Francamente, não me importa quantos demônios são marcados ou quantos guardiões os mandem ao inferno. Como pode ver, seu toque de brilho na escuridão não funciona comigo. Franzi o cenho enquanto o olhava. Merda, ele tinha razão, e nem sequer havia me dado conta, até agora. Ótimo. — Isso não funciona em nenhum demônio de Nível Superior, somos muito gênios para isso. — Roth cruzou seus musculosos braços sobre o peito. — Voltando a toda a coisa de marcar, precisa parar. Dei uma risada curta. — Sim, e porque no mundo eu faria isso? Um olhar aborrecido cruzou suas chamativas características. — Posso te dar uma razão muito boa, o Seeker de ontem à noite estava te procurando. Minha boca se abriu porque estava preparando outra risada, mas o som se engasgou na minha garganta, o medo voltou, e com razão. Escutei ao demônio corretamente? Uma afiada luz se refletiu nos olhos dele. — O inferno está te procurando, Layla, e eles te encontrarão, não saia para marcar. Meu coração se acelerou e olhei para ele. — Está mentindo. Ele riu baixo sob sua respiração. — Deixe-me fazer uma pergunta, fez aniversário? Fez dezessete, recentemente? Digamos, nesses últimos dias? Só podia olhá-lo, meu aniversario foi há exatamente três dias, um sábado, saí para jantar com Stacey e Sam. Zayne inclusive se reuniu conosco, durante o bolo, Stacey tentou que Zayne atasse um palito de cereja com a língua. O sorriso voltou. — E ontem foi o primeiro dia que marcou desde então, certo? Hmmm... e um Seeker te encontrou, interessante. — Não vejo a conexão, — consegui dizer. — Você provavelmente está mentindo de todas as maneiras, é um demônio! Espera que acredite em qualquer coisa que diga?
— E você é um demônio. Não... não me interrompa com sua negação, você é um demônio, Layla. — Metade, — sussurrei. Seus olhos se estreitaram. — Não tem nenhum motivo para pensar que não te digo a verdade, também tenho centenas de razões para mentir, mas toda a coisa de marcar? Não estou brincando, não é seguro. A campainha soou, me sobressaltando, o olhei fixamente, desejando que o inferno se abrisse e o recebesse de braços abertos. Roth olhou a porta, franzindo o cenho, se voltou a mim, seus lábios se curvando em um estranho sorriso. — Falo sério, não marque depois da escola. — Ele se moveu para a porta, parou e olhou sobre seu ombro. Seus olhos se encontrando com os meus. — A propósito, eu não contaria a sua família sobre mim, temo que descubra o quanto se preocupam por você. *** Meu cérebro estava tendo um momento difícil processando a aparição de Roth. Dizendo-me que estava atraída por ele? Ordenando-me que deixasse de marcar? Quem na realidade ele acredita que é? Primeiro, ele era um demônio, um demônio sexy, mas ewww. Não tinha razão para acreditar em nada que disse. Segundo, ele não era qualquer demônio, era um de Nível Superior, razão dobrada para não confiar nele. Ele pode ter razão quando disse que não sei muito sobre minha herança, mas conheço meus demônios. Há centenas de anos tinha toda uma raça deles que podiam absorver almas só tocando em um humano. Chamavam-se Os Lilin, e foram erradicados do planeta pelos Guardiões. Certamente ainda havia súcubos e íncubos que se alimentavam da energia dos humanos, mas nesses dias, a habilidade de tomar uma alma era extremamente rara. As habilidades e características no mundo dos demônios são hereditárias, iguais as do mundo humano. O mal-estar que senti ao ouvir as palavras de Roth triplicou. Se o outro demônio que ele mencionou, a anterior a mim, fosse minha mãe e ela ainda estava viva... não podia nem terminar esse pensamento sem que meu
peito se contraísse, porque mesmo sabendo que minha querida mãe era um demônio, o fato dela não me querer ainda doía. O único bem que podia vir a descobrir sobre ela era aprender que classe de demônio era e quem sabe isso fosse algo bom. No almoço consegui convencer Stacey de que fingi meu mal-estar como uma solução de último minuto para não fazer o exame de biologia. Ela me bombardeou com perguntas, querendo saber como conheci a Roth. — Conhecer quem? — Perguntou Sam, tirando a mochila e se sentando junto a nós. — Ninguém, — espetei. — Que seja. Layla nos deixou ontem à noite para escapar com esse super sexy garoto novo. — Stacey apontou seu pontudo pedaço de pizza para mim. — Você é safada, estou com tanta inveja. — Layla ficou com alguém? — Sam riu, abrindo sua soda. — Era um Guardião? Uau. Voltando ao presente, franzi atesta. — Não. Não era um Guardião, e que demônios se supõe que significa isso? Sam encolheu os ombros. — Não sei, simplesmente não posso te imaginar ficando com alguém. — Tirou seus óculos e usou a camiseta para limpá-los. — Assumi que seria um Guardião ou algo. Quem mais deixa a Stacey toda louca? Stacey comeu um pedaço de sua pizza. — Ele era... uau. — Espera um segundo. Por que não pode me imaginar ficando com alguém? — Me endireitei na cadeira, tinha essa ridícula urgência em provar que eu era material para ficar. Sam se moveu incômodo. — Não é que as pessoas não queiram ficar com você... é que, bem, você sabe.. — Não, não sei, por favor, elabore Samuel. Stacey suspirou, sentindo pena dele. — O que Sam quer dizer é que não podemos te imaginar ficando com alguém porque você realmente não presta atenção aos garotos dessa maneira. Comecei a negar, porque totalmente presto atenção aos garotos, mas eu sempre estava de expectadora, o que provavelmente me fazia desinteressada. A
verdade era que estava muito interessada, só que não podia ter uma relação com alguém que tivesse alma, e isso realmente limitava toda a piscina de encontros. — Odeio vocês dois, — grunhi, atacando minha pizza como vingança. — Muito bem, como adoro falar sobre garotos muito sexys, podemos mudar de tema? — Sam acomodou sua fatia no prato e olhou para Stacey por baixo de seus cílios. — Adivinhem o que aprendi ontem à noite? — Que o número de horas que joga vídeo games por dia equivale ao número de anos que será virgem? — Respondeu ela. — Há! Não. Vocês sabiam que Mel Blanc, o cara que dubla Bug Bunny, era alérgico a cenouras? Ficamos o encarando? Suas bochechas se ruborizaram. — O quê? É verdade, e também irônico, quero dizer, Bug Bunny corre o tempo todo com uma maldita cenoura na mão. — É toda uma fonte de conhecimento aleatório, — murmurou Stacey. — Aonde guarda tudo isso? Sam passou a mão pelo cabelo. — Em meu cérebro. Você tem um também, eu acho. Os dois continuaram a briga, e depois do almoço, passei o resto do dia esperando que Roth aparecesse e quebrasse meu pescoço, mas não o vi. Eu só podia esperar que ele tivesse conseguido superar isso ou algo assim. Depois da última aula do dia, guardei meus livros no armário e saí correndo. Não marcar? Há! Seria uma marcadora maníaca. Simplesmente seria um pouco mais cuidadosa a respeito. Prestando atenção aos demônios, recorri às ruas de Washington, esperei até que as sanguessugas não fossem se transformar em Seekers sem alma, e em outras palavras, estava sendo uma total assediadora, em uma hora já havia marcado a um Poser e três Fiends. Os Fiends eram os demônios mais comuns e sempre pareciam jovens, ainda que não menos perigosos que os Posers ou Seekers, eles mais criavam alvoroço aonde queriam brigar. Suas habilidades eram uma gama de alvoroços. Alguns eram pequenos piromaníacos, capazes de criar fogo com o estalo de seus dedos. Outros iam para as coisas mecânicas. Eles gostavam de estragar coisas mecânicas, o que
podiam fazer com um só toque. Geralmente podiam encontrá-los pulando próximo a construções ou redes elétricas. Os marquei, a cada um com quem cruzei, sabendo muito bem que os Guardiões os encontrariam mais tarde essa noite. Às vezes, mas não sempre, me perguntava se era injusto que os demônios não tivessem ideia de que depois de acidentalmente me chocar com eles, tivessem um branco em suas cabeças. Mas isso não me detinha. Os demônios eram maus, não importa quão normais eles pareciam. Marcando mais três Fiends, decidi que era hora de encerrar a noite e achar um telefone público. Morris atendeu com seu normal silêncio e pedi que me buscasse, ele bateu o comunicador duas vezes, sinalizando um sim. Meu total para a noite não era astronômico, mas me sentia bem sobre isso, e enquanto esperava no meu banco usual, o alívio relaxou os músculos de meu pescoço. Nada diferente do normal aconteceu. Marcar foi moleza. Como ninguém tentou brincar de bola com minha cabeça, demonstrou que Roth estava brincando. Agora só precisava averiguar o que fazer com o estúpido demônio. Desde o primeiro momento em que comecei a marcar, me ordenaram a não interagir com os demônios de Nível Superior, e me obrigaram a informar qualquer possível aproximação. Roth era o único que vi. Mas se dizia a Abbot sobre Roth, ele me tiraria da escola. Não podia permitir isso. A escola era meu único vínculo real com a normalidade. A escola era o inferno na Terra para a maioria, mas me encantava. Podia fingir ser normal ali. E me negava a deixar que um demônio, e inclusive o próprio Abbot, me tirassem isso. Enquanto esperava por Morris, desejava que meu celular não estivesse flutuando em algum lugar no esgoto. Maldito Roth. Sem meu celular, nem sequer podia jogar solitário. Ao invés disso, a única coisa que podia fazer era observar as pessoas, e estive fazendo isso desde que saí da escola. Suspirando, permaneci em meu banco e fiquei batendo meu pé. Ignorando os olhares de repreensão de uma anciã sentada do outro lado. O primeiro arrepio que correu ao longo da minha nuca não levantou nenhum alarme, mas conforme a sensação aumentava, também o fez a inquietude. Girando ao redor, examinei a multidão de pessoas correndo pela calçada. Um
bonito desfile de almas, mas na mescla, parado no portão de uma loja de segunda mão estava um vazio aonde não havia cor. Sentei com a coluna reta e virei tão rápido que a anciã ofegou. Peguei um vislumbre de um terno escuro, pele pálida e cabelo que parecia estar levantado. Definitivamente era um demônio, mas não era Roth. A altura e os ombros eram maiores, mas tinha um traço de dourado em seus olhos. Um demônio de Nível Superior. Meu ritmo cardíaco se triplicou e logo uma buzina soou, me fazendo pular. Afastei a vista por um segundo, o suficiente para ver que Morris havia chegado, mas quando virei para ver o local onde o demônio estivera de pé, ele desaparecera. *** Esperei Morris estacionar o carro antes de sair dessa vez. Ao entrar na cozinha através da garagem escutei risadas infantis e gritinhos. Curiosa, me virei para Morris. — Nos convertemos em creche desde esta manhã? Morris escapuliu, passando sorrindo por mim. — Espera, Jasmine está aqui com os gêmeos? Ele assentiu, que era a melhor resposta que tinha. Um grande sorriso atingiu meus lábios. Esqueci-me da confusão que foi hoje. Jasmine vivia em Nova York, e desde que tivera os gêmeos, raramente viajava. As gárgulas mulheres eram uma raridade. A maioria delas morria dando à luz, igual à mãe de Zayne. E os demônios gostavam de sequestrá-las. Devido a isso, as mulheres eram fortemente vigiadas e bem cuidadas. Algo como viver em uma prisão cheia de joias, ainda que elas não o vissem assim. Por outro lado, entendia a perspectiva dos machos. Sem as mulheres, nossa raça não podia sobreviver. E sem as gárgulas na qualidade de Vigilantes e mantendo aos demônios na raia, o que aconteceria? Os demônios assumiriam, simples assim. Os Alfas destruiriam tudo. Tempo felizes. Graças a Deus, eu não estava em nenhum tipo de ordem de proteção. Por isso tive a oportunidade de ir à escola pública quando nenhuma das outras
gárgulas podia. Sendo só meio Guardiã significava que não era material de emparelhamento. Meu propósito na vida não era perpetuar a espécie. E inclusive se pudesse me emparelhar com um Guardião, sem tomar sua alma acidentalmente, o sangue que levava seria transmitido, igual aos DNA de Guardião. E ninguém queria essa confusão em sua linhagem sanguínea. Eu estava mais que feliz de poder ir e vir quando queria e ajudar a causa de qualquer maneira que pudesse, mas era... bem, era difícil. Eu nunca seria realmente parte dos Guardiões. E não importava o muito que eu quisesse, não seria parte da família deles. Outra coisa na qual Roth acertara. Meu peito se apertou quando coloquei minha mochila na mesa da cozinha e segui o som da risada na sala de estar. Entrei na sala justo quando uma mancha em miniatura de cor branca e cinza passava na frente do meu rosto. Saltando para trás, senti minha boca cair aberta enquanto uma mulher jovem de cabelo negro passava junto a mim, seu espírito luminoso atrás dela. — Isabelle! — Gritou Jasmine. — Desça daí agora mesmo! A alma da pequenina se desvaneceu o suficiente para que eu visse seu corpo real. Isabelle se pendurou no ventilador do teto. Uma asa batia enquanto a outra se inclinava para um lado e o ventilador girava. Seu cabelo vermelho enrolado parecia fora de lugar em seu gordinho rosto cinza. O mesmo para as presas e os chifres. — Uh... Jasmine parou e me olhou sem fôlego. — Oh Layla, como vai você? Desliguei o ventilador de teto. — Bem, e você? Isabelle riu quando o ventilador desacelerou, ainda batendo uma das asas. Jasmine deu um passo para debaixo dela. — Oh, já sabe. Os gêmeos estão com dois anos e estão aprendendo a se transformar. Tem sido um verdadeiro prazer. — Pegou uma das pernas rechonchudas de Isabelle. — Solte Izzy, solte nesse instante! Sim, crianças de dois anos de idade podiam mudar e eu não podia. Vergonhoso. — Vocês chegaram ontem? — Perguntei, pensando nas gárgulas do teto.
Ela pegou Isabelle, sentando-se com ela no chão. — Não, acabamos de chegar. Dez teve que sair da cidade, assim que perguntou a Abbot se podíamos ficar aqui até que o Clã voltasse à Nova York. — Oh. — Dei uma olhada atrás do sofá, vendo ao outro gêmeo. A princípio não era mais que um borrão de bondade, de cor perolada. Então vi mais além da sua alma. Dormia em sua forma humana, enrolado em cima de uma manta grossa. Tinha o polegar na boca. — Pelo menos esse está dormindo. Jasmine riu em voz baixa. — Drake dorme com qualquer coisa. Já esta... — pegou Isabelle e a sentou no sofá, — não gosta de dormir. Não é, Izzy? Isabelle meio que saltou do sofá e correu para mim. Antes que pudesse me mover, baixou a quatro patas e afundou esses pequenos dentes afiados no meu pé, mordendo meu dedo. Gritei, lutando contra o impulso de jogar o pequeno monstro pela sala. — Izzy, — gritou Jasmine correndo para nós. Ela a agarrou, mas a maldita coisa tinha um firme controle sobre meu dedo. — Izzy! Não morda! O que te disse? Fiz uma careta quando Jasmine tirou manualmente os dentes de sua filha do meu pé. No momento que Jasmine colocou a menina rindo no chão, Isabelle se lançou no ar, diretamente para mim. — Izzy! Não faça! — Gritou sua mãe. Agarrei-a, tendo uma asa batendo na cara. Ela era surpreendentemente pesada para uma menina de dois anos de idade. Segurei-a com o braço estendido. — Está bem, ela não me perturba. — Agora. — Eu sei, — Jasmine flutuou a meu lado, retorcendo as mãos finas. — É só que... Quando a compreensão se assentou em mim, queria me meter em um buraco. Jasmine estava preocupada que absorvesse a alma de seu bebê. Pensei que Jasmine tivesse chegado a confiar em mim após nos conhecermos, mas quando se tratava de seus filhos, a confiança saía pela janela. Uma parte de mim não podia culpá-la, mas... Suspirando, entreguei Isabelle e dei um passo atrás, me sentindo mal, e forcei um sorriso. — Quanto tempo vocês ficarão?
Jasmine apertou a menina se retorcendo contra seu peito. Isabelle se manteve inclinada para mim. — Duas semanas, um mês no máximo, e logo voltaremos para casa. Então me ocorreu. Se Jasmine estava aqui, então isso significava que sua jovem e totalmente disponível irmã estava aqui também; e que estaria aqui durante semanas. Meu estômago se apertou. Sem dizer mais uma palavra, rodeei a habitação para ir a uma caça humana, ou uma caça à gárgula. O que seja. Danika era diferente de qualquer garota humana com quem Zayne podia ocasionalmente sair. MUITO diferente. O suave som da risada rouca flutuou para fora da biblioteca, que por geral eu ocupava em meu abundante tempo livre. Um impulso territorial e irracional me assaltou. Ao cruzar a sala que estava escassamente decorada e que ninguém usava, minhas mãos se converteram em punhos. O ciúme era um ácido amargo correndo através de minhas veias quando parei ante as portas fechadas. Não tinha direito de interrompê-los, mas eu já não estava no controle de mim mesma. A risada gutural de Danika se repetiu seguida de uma risada mais profunda. Podia imaginá-la lançando seu longo cabelo negro sobre o ombro, sorrindo da forma que todas as garotas sorriam para Zayne, e abri a porta. Estavam tão próximos que suas almas se tocavam.
Zayne se apoiava contra a mesa empoeirada pelo desuso, seus braços musculosos dobrados em seu peito. Tinha um ligeiro sorriso no rosto, um sorriso agradável. E Danika tinha uma mão no ombro dele, seu rosto tão brilhante e alegre que eu queria vomitar sobre os dois. Eram da mesma altura, ambos ao redor da mesma idade. Na verdade, faziam um bom par e teriam montões de lindos bebês que mudariam e não teriam sangue contaminado. Eu a odiava. Zayne levantou o olhar, ficando rígido quando seus olhos se encontraram com os meus. — Layla? É você? — Danika se afastou de Zayne, sorrindo enquanto sua mão vagava para o peito dele. Um suave e rosado rubor cobriu suas bochechas. — Seu cabelo cresceu bastante. Meu cabelo não crescera tanto desde a última vez que ela me viu, o que foi três meses atrás. — Oi. — Soava como se tivesse engolido muitos pregos. Ela cruzou a biblioteca, parando em seco antes de me abraçar, porque não estávamos na etapa de abraços ainda. — Como tem passado? Como vai a escola? O fato de Danika realmente gostar de mim, fazia tudo mais intolerável. — Está ótima. Zayne se afastou da mesa. — Precisa de algo Layla-bug? Senti-me uma idiota maior ainda.
— Eu... só queria dizer olá. — Me voltei para Danika, com meu rosto queimando. — Oi. Seu sorriso vacilou em pouco enquanto olhava para Zayne. — Falávamos sobre você, na realidade. Zayne me dizia que está pensando em solicitar admissão em Columbia? Pensei em solicitar uma vaga em uma Universidade. — Foi uma ideia estúpida. Zayne franziu o cenho. — Pensei ter me dito que faria isso. Encolhi de ombros. — Para quê? Já tenho um trabalho. — Layla, ainda tem sentido. Não tem que... — Não é nada do qual precisamos falar. Perdão por interromper, — cortei Zayne. — Os verei mais tarde. Afastei-me depressa, antes que fizesse algo mais idiota, e segurei as quentes e humilhantes lágrimas. Minha pele começava a se enrugar quando cheguei à geladeira. Não deveria ter ido procurá-los, porque sabia o que encontraria. Mas ao que parece, gosto de me torturar. Tirando uma caixa de suco de laranja, também peguei um rolo de massa de biscoito doce. O primeiro gole de suco era o melhor. Encantava-me o sabor ácido. O açúcar ajudava quando a ânsia de tomar uma alma ficava mais forte. Era uma necessidade mortificante, que me lembrava dos drogados. — Layla. Fechando os olhos, deixei cair a caixa na bancada. — Zayne? — Ela só estará aqui por duas semanas. Ao menos podia tentar ser amável com ela. Dei a volta, me concentrando no seu ombro. — Estava sendo amável com ela. Ele riu. — Soava como se quisesse arrancar a cabeça dela com uma mordida. Ou tomar sua alma. — O que seja. — Peguei um pedaço da massa e coloquei na boca. — Não deveria fazê-la esperar. Zayne esticou, pegando a massa das minhas mãos. — Ela foi ajudar Jasmine com os gêmeos.
— Oh. — Dei a volta, pegando um copo do armário, o enchendo até a borda. — Layla-bug. — Sua respiração alvoroçou meu cabelo. — Por favor, não aja assim. Contive o fôlego, querendo apoiar-me nele, mas sabendo que nunca poderia. — Não estou agindo de nenhuma forma. Deveria ir passar um tempo com Danika. Suspirando, colocou uma mão no meu ombro, me virando. Seus olhos caíram no copo que segurava. — Um dia duro na escola, eh? Retrocedi, chocando contra a bancada. A imagem de Roth me segurando no banheiro veio imediatamente à minha mente. — N... Nada diferente de qualquer outro dia. Zayne deu um passo à frente, deixando cair o rolo de massa na bancada. — Algo interessante aconteceu? Ele sabia? Não, não tinha como. Ele sempre perguntava sobre a escola. —Um... uma garota me chamou de puta de gárgula. — O quê? Encolhi os ombros. — Acontece, não é grande coisa. Seu olhar ficou mais sério. — Quem te disse isso? — Não importa... — Parei quando ele pegou meu copo e olhei como trabalhavam os músculos de sua garganta. Bebeu metade do copo antes de me devolver. — Só é algo estúpido que dizem. — Tem razão. Não importa, sempre e quando não deixe que te machuque. Tremi, irremediavelmente arrastada por seus olhos claros. — Eu sei. — Frio? — Murmurou. — Alguém ligou o ar enquanto dormíamos. — É setembro. Não faz calor suficiente para ligar o ar. Zayne riu, afastando o cabelo do meu ombro. — Layla, nossas temperaturas corporais funcionam diferente da sua. Vinte um graus é muito calor para nós. — Mmm. Por isso que gosto de você. Você é quente. Ele pegou meu copo outra vez, mas desta vez colocou na bancada. Logo pegou minha mão, me empurrando para ele. — Por isso gosta de mim? Porque sou quente? — Suponho. — Tinha certeza de que tinha outras razões, — brincou.
Minha irritação anterior se desvaneceu. Encontrei-me sorrindo para Zayne. Ele sempre tinha esse efeito em mim. — Bem, você me ajuda com meus deveres? Suas sobrancelhas se levantaram. — Isso é tudo? — Mmm, — pretendi pensar nisso. — É agradável de olhar, isso faz com que se sinta melhor? Zayne abriu a boca. — Sou agradável de olhar? Eu ri. — Sim. Stacey também disse que era um delicioso molho com molho extra. — Sério? — Ele me empurrou com o seu quadril e colocou o braço sobre meu ombro. Era como uma chave de cabeça, só que meu corpo formigava em todas as partes. — Você acredita que sou um delicioso molho? — Claro, — engasguei. — E com molho extra? Minhas bochechas se ruborizaram. Iguais a outras partes do meu corpo. — Eu... suponho. — Supõe, — ele se inclinou para trás, colocando talvez cinco centímetros entre a gente. — Penso que você acha. Para meu alívio, meu rosto não parecia arder. Ele riu suavemente, afastando minha mão do meu rosto. — Já terminou de marcar? Pisquei lentamente. Do que ele estava falando? A porta da cozinha se abriu atrás da gente. Zayne soltou minha mão enquanto olhava por cima do ombro, mas seu braço permaneceu. Sorriu. — Oi, velho. Dei a volta, Abbot estava na entrada, olhando para seu filho com suavidade. Sempre me lembrava a um leão. Seu cabelo era mais claro que o de Zayne, mas igualmente
longo.
Imaginava
que
compartilhavam
muitas
das
mesmas
características que seu filho, mas metade de seu rosto sempre estava coberta por uma grossa barba. Se eu buscasse a definição de intimidante, apareceria uma foto de Abbot. Como o líder do Clã, ele tinha que ser feroz, severo, e às vezes mortal. Representava ao Clã, era o que se reunia com oficiais humanos, e se algum dos Guardiões
estragava algo, era Abbot que levava a culpa. Muito peso descansava sobre seus ombros, mas suas costas nunca se encurvavam sob a pressão. O olhar de Abbot deslizou para mim. Seus olhos normalmente cálidos eram como lascas de gelo azul claro. — Layla, ligaram da escola esta tarde. Apertei os lábios. — Uh... — Tive a oportunidade de estar em contato com a Senhora Cleo antes dela ir embora. — Ele dobrou seus grossos braços em seu peito. — Ela afirmou que você saiu correndo da classe durante um exame, se importa de explicar o por quê? Meu cérebro ficou em branco. A cabeça de Zayne se sacudiu, e sem olhar, sabia que estava franzindo o cenho. — Por que saiu correndo da sala? — Perguntou. — Eu... não me sentia bem. — Agarrei a borda da mesa. — Não comi esta manhã e senti vontade de vomitar. — Está se sentindo bem agora? — Ele pressionou. Olhei para ele. Preocupação tocando sua expressão. — Sim, estou melhor. Ele olhou para o meu copo esquecido de suco de laranja. Uma estranha expressão passou pelo seu rosto. Sem dizer uma palavra, deixou cair o braço e se dirigiu ao redor da bancada. — Disse a Senhora Cleo que tinha certeza que você tinha uma boa razão para sair da sala, — continuou Abbot. — Ela esteve de acordo que esse tipo de comportamento não é normal e decidiu te deixar fazer o exame depois da escola, na sexta. Tipicamente teria me queixado por ter que passar mais tempo na escola, mas sabiamente mantive minha boca fechada. — Eu realmente sinto muito. Os olhos de Abbot se suavizaram. — Na próxima vez, tenha certeza de avisar a professora que está doente. E chame Morris para que possa te buscar para vir para casa e descansar. Agora realmente me sentia mal. Mudei meu peso para trás e para frente. — Ok. Zayne apareceu do meu lado. Com um suco de laranja em uma mão. Tinha uma marcada e melancólica expressão na face. Entregou-me o copo, observando até que terminei tudo. Senti-me ainda pior.
Abbot descansou os braços contra a bancada. — Passou tempo com Danika, Zayne? — Humm? — Os olhos de Zayne ainda estavam em mim. — Sabe, — eu disse, deixando o copo. — A garota que estava quase em cima de você na biblioteca. Os lábios de Zayne ficaram mais finos. Abbot riu. — É bom ver que os dois estão se dando bem. Sabe que ela está na idade de se emparelhar, Zayne, é hora de que pense em se assentar. Tentei manter minha expressão em branco enquanto olhava ao copo vazio. Zayne se assentando? Queria quebrar algo. Zayne gemeu. — Pai, eu acabei de completar vinte e um anos. Me dê um tempo. Abbot arqueou uma sobrancelha. — Me emparelhei com sua mãe quando tinha sua idade. Isso está fora de questão. Fiz uma careta. — Não podíamos dizer casamento em vez de emparelhar-se em voz alta, isso soa asqueroso. — Este não é seu mundo, Layla. Não espero que entenda. Ouch. Estremeci. Zayne exalou ruidosamente. — Pai, esse é o mundo dela. Ela também é uma Guardiã. Abbot se moveu da bancada, jogando o cabelo para trás. — Se entendesse o uso da palavra emparelhar, não lhe perturbaria. Os laços de matrimônio podem se romper. Emparelhar-se é para a vida toda. Algo que você... — olhou a Zayne incisivamente, — tem que começar a pensar seriamente. Nosso Clã está diminuindo. Zayne jogou a cabeça para trás e suspirou. — O que está sugerindo? Que deveria ir ali agora e consagrar minha vida a Danika? Ela tem algo a dizer sobre isso? — Duvido que Danika não goste. — Abbot sorriu, sabendo de algo. — E sim, sugiro que te emparelhe logo. Não está ficando mais jovem, e eu tampouco. Pode ser que não a ame agora, mas chegará a amá-la. — O quê? — Zayne riu.
— Senti... um carinho por sua mãe quando me emparelhei com ela pela primeira vez. — Coçou a barba pensativo. — Cheguei a amá-la. Se apenas tivéssemos tido mais tempo juntos... Zayne não parecia afetado por todo o intercâmbio, mas eu me sentia próximo às lágrimas. Murmurei algo sobre deveres antes de abandonar a cozinha. Não precisava esperar para ver como se desenvolveria a conversa. O que seja que Zayne pensava ou queria, não importava. Não importou para Abbot ou para a mãe de Zayne. E estava claro que não importava o que eu queria. *** A solicitação da universidade de Columbia me olhava do chão. Espalhados ao seu redor estavam solicitações para mais universidades. O dinheiro não era um problema. Tampouco eram minhas notas. Já que não podia servir ao Clã para produzir mais Guardiões, meu futuro era meu. Essas solicitações tinham que me encher de emoção e alegria. Mais a ideia de me mudar, de me converter em alguém novo e diferente, era tão aterrorizante quanto fascinante. E agora, quando finalmente tinha a oportunidade de ir, não queria. Não tinha nenhum sentido. Joguei o cabelo para trás e me levantei. Meus deveres estavam na cama, esquecidos. Se fosse sincera comigo mesma durante dois segundos, admito que sabia porque não queria ir. Era Zayne, e isso era estúpido. Abbot tinha razão. Não importava quanto sangue de Guardião eu compartilhasse, este não era meu mundo. Era como uma espécie de convidada que nunca se ia. Olhei ao redor do meu quarto. Ele tinha tudo que uma garota poderia querer. Meu próprio computador e notebook, TV e som, mais roupas que eu nunca irei usar e livros suficiente para me perder dentro deles. Mas isso, todas essas coisas eram apenas... vazias. Incapaz de ficar no meu quarto, saí sem um plano real na mente. Só preciso sair do quarto, da casa. Abaixo, podia escutar Jasmine e Danika na cozinha preparando o jantar. O aroma de batatas assadas e o som das risadas enchiam o ar. Zayne estava com elas, cozinhando junto a Danika?
Que doce. Passei por Morrison na porta de entrada. Ele levantou a vista de seu jornal com um olhar interrogativo, mas isso foi tudo. Meti as mãos no bolso da calça e respirei a essência de folhas murchas e o fraco rastro de poluição da cidade. Cruzei o gramado bem cuidado, mais além do muro de pedra que separava a propriedade de Abbot dos bosques que rodeavam o complexo. Zayne e eu fizemos esse passeio tantas vezes desde crianças que o caminho foi talhado no gramado e no chão rochoso. Escapávamos até aqui juntos, eu fugindo da solidão e Zayne evitando os rigorosos treinamentos e todas as expectativas. Quando éramos mais jovens, a caminhada de 15 minutos era como uma maneira de desaparecer em um mundo diferente, cheio de cerejas e árvores. Era nosso lugar. Naquele momento, não podia imaginar uma vida que não o incluísse. Parei debaixo da casa da árvore que Abbot construiu para Zayne muito antes que eu chegasse. Não tinha nada de especial nela. Parecia uma cabana na árvore, mas tinha essa linda plataforma de observação de oito por oito. Escalar uma árvore era muito mais fácil quando se é uma garotinha pequena. Isso levou várias tentativas até eu chegar à parte principal. Dali, me arrastei por uma porta talhada na madeira tratada. Aproximei-me da plataforma com cautela, esperando não cair. Morta por uma casa da árvore não soava como uma forma interessante para ir. Deitando, me perguntei por que vim aqui. Era uma forma retorcida de querer estar próxima a Zayne, ou simplesmente queria ser uma garotinha outra vez? Voltar a uma época na qual sabia que ver cores brilhando ao redor das pessoas significava que não era como os outros Guardiões... antes que soubesse que tinha sangue contaminado. As coisas eram mais fáceis então. Não pensava em Zayne na forma em que faço hoje, ou passava as tardes tocando estranhos aleatoriamente. Tampouco tinha um demônio de Nível Superior na minha aula de biologia. Uma brisa fresca levantou umas mechas do meu cabelo, as lançando em meu rosto. Estremeci-me e encolhi em meu suéter. Por alguma razão, lembrei o que Roth disse sobre Abbot usar minha habilidade. Não é verdade.
Tirei meu colar debaixo do meu suéter. A corrente era velha e grossa. Tinha uma série de buracos que eu conhecia de memória. Na luz minguante, não podia ver a gravação no anel de prata. Nós intermináveis foram talhados no circulo de metal por alguém que obviamente tinha muito tempo em suas mãos. Girei o anel. Nunca vi nada como a pedra preciosa colocada no centro. Era vermelho escuro, quase como um rubi, mas a cor estava apagada em algumas áreas, mais escura em outras. Às vezes, dependendo de como segurava o anel, parecia como se tivesse um líquido dentro da pedra oval. Supostamente, o anel havia pertencido a minha mãe. Minhas lembranças anteriores à noite em que Abbot me encontrou não eram nada mais que um vazio em branco. Esse anel era a única coisa que me unia a minha verdadeira família. Família era uma palavra tão estranha. Nem sequer sabia se tinha uma família para começar. Estive com meu pai em algum momento antes do orfanato? Quem sabia? E se Abbot sabia, não me diria. Minha vida começou quando Abbot me encontrou. Fechei os olhos, respirando devagar e profundamente. Agora não era o momento para autorreflexão ou uma festa de compaixão. Voltei a colocar o anel debaixo do suéter, pensando que precisava me concentrar no que faria com Roth. Estava sozinha nisso. Ignorá-lo? Soava como uma boa ideia, mas duvidava que funcionasse. Parte de mim esperava que ele só desaparecesse depois de me advertir para não marcar. Acho que dormi em algum momento durante minha conspiração, porque quando abri os olhos, o céu estava escuro, meu nariz estava frio e alguém estava deitado junto a mim. Meu coração saltou em minha garganta, logo deu uma volta quando virei a cabeça e um cabelo suave me fez cócegas na bochecha. — Zayne? Um olho se abriu. — Que lugar mais estranho para dormir quando se tem essa coisa genial chamada cama. — O que está fazendo aqui? — Perguntei. — Você não desceu para jantar. — Levantou a mão e afastou uma mecha do meu cabelo que havia caído em seu rosto. — Depois de um tempo, decidi ver se estava bem. Não estava no seu quarto, e quando perguntei a Morris se havia te visto, ele mostrou o bosque.
Esfreguei os olhos, clareando os restos de minha sesta improvisada. — Que horas são? — Quase nove e meia, — fez uma pausa. — Estava preocupado por você. Minhas sobrancelhas franziram. — Por quê? Zayne inclinou a cabeça para a minha. — Porque você saiu da aula, hoje? O olhei durante um momento, logo me lembrei do olhar estranho em seu rosto quando viu o suco de laranja. — Não estava a ponto de sugar uma alma, se é isso o que está pensando. Ele franziu a testa. — Quando você anseia por algo doce... — Eu sei. — Voltei meu olhar para o céu. As estrelas se assomavam por trás das grossas ramas. — Não aconteceu nada na escola hoje, juro. Ele ficou quieto por um momento. — Está bem. Essa não é a razão pela qual estava preocupado. Suspirei. — Não vou matar Danika enquanto dorme. Zayne deixou sair uma risada profunda. — Espero que não. Papai ficaria muito zangado se matasse a minha parceira. Escutando isso, decidi que podia ter uma boa possibilidade de que a matasse. — Então, agora está de acordo com todo o assunto de emparelhamento? Começará a fazer bebês gárgulas logo? Isso seria divertido. Ele riu outra vez, o que me deixou zangada. — Layla-bug, o que você sabe sobre fazer bebês? Dei um golpe no estômago dele enquanto me sentava. Sua risada se converteu em um grunhido. — Não sou uma maldita garotinha, idiota. Sei o que é sexo. Zayne esticou a mão e beliscou minha bochecha. — É como essa pequena... Bati no estômago dele outra vez. Ele pegou meu braço, me arrastando contra seu peito. — Deixa de ser tão violenta, — murmurou indolentemente. — Então deixe de ser idiota. — Mordi o lábio. — Sei que já não é uma garotinha. Um calor incrível me recorreu, estranho para uma noite tão fresca. — Tanto faz. Trata-me como se eu tivesse dez anos.
Passou um momento e sua mão se apertou ao redor do meu braço. — Como se supõe que eu deveria te tratar? Desejei ter algo sexy e paquerador para dizer. Em seu lugar murmurei: — Não sei. Um canto da boca dele se curvou para cima. — Danika não é minha parceira, de todas as formas. Só estava brincando. Tentei aparentar que isso não me afetava. — É o que seu pai quer. Ele afastou o olhar, suspirando. — Enfim, do que falávamos? Oh, sim. Eu estava preocupado sobre onde você estava porque Elijah está aqui. Fiquei rígida, esquecendo de Danika. — O quê? Ele fechou os olhos. — Sim, ele era um dos que estava no grupo que veio a noite. Pensei que iriam hoje, mas ficarão mais um pouco. Elijah Faustin pertencia ao Clã que supervisionava a atividade demoníaca ao longo da maior parte da costa sul. Ele e seu filho agiam como se eu fosse o anticristo. — Petr está com ele? — Sim. Minha cabeça caiu. Petr era o pior tipo de garoto. — Por que estão aqui? — Está sendo realocado para o noroeste com seu filho e mais quatro. — Então, ele ficará aqui até que Dez volte? Zayne encontrou meu olhar, sua expressão se endureceu de repente. — Petr não se aproximará de você. Prometo-lhe isso. Meu estômago se encheu de nós. Liberando-me, rodei sobre minhas costas. Respirei superficialmente. — Pensei que Abbot havia dito que eles não eram bem vindos aqui. — Ele disse, Layla. Papai não está contente de que estejam aqui, mas não pode expulsá-los. — Zayne se moveu ao meu lado, ficando em frente a mim. — Lembra quando fingíamos que essa era uma plataforma de observação da NASA? — Lembro que me pendurava na borda várias vezes. Zayne me deu uma cotovelada. — Você amava isso. Sempre teve ciúmes porque eu podia voar e você não. Sorri. — Quem não estaria com ciúmes disso?
Ele sorriu, olhando por cima do seu ombro. — Deus, passaram-se anos desde que estive aqui em cima. — Eu sei. — Estiquei minhas pernas, retorcendo os dedos de meus pés dentro de minhas meias — Como sinto falta disso. — Sinto o mesmo. — Zayne puxou a manga do meu suéter. — Segue de pé no sábado? Durante anos, temos visitado uma cafeteria diferente a cada sábado pela manhã. Ele ficava acordado, prolongando o momento para voltar ao seu quarto e assumir sua forma real, a que lhe permitia dormir. O único verdadeiro descanso que tinha uma gárgula era quando se transformava em pedra. — Lógico. — Oh, quase me esqueci. — Se sentou, colocando a mão no bolso de sua calça. Segurava um fino objeto retangular na mão. — Peguei esse para você hoje. Peguei o celular de suas mãos gritando. — É touch screen. Oh Meu Deus! Prometo que não quebrarei, nem o perderei. Obrigada! Zayne ficou de pé. — Já o carreguei. Tudo o que tem que fazer é programar seus números aqui. — Ele sorriu para mim — Tomei a liberdade de programar meu número como seu primeiro contato. Levantei e o abracei. — Obrigada. Você é o molho incrível. Ele riu, me abraçando. — Ah, tenho que comprar seu amor. Entendo. — Não! Nunca. Eu... — parei antes de dizer algo que não pudesse retirar, e levantei o olhar. A metade de seu rosto estava nas sombras, mas havia um olhar estranho em seu rosto. — Digo, você ainda seria legal ainda que não tivesse comprado o celular. Zayne colocou meu cabelo atrás da minha orelha, sua mão permanecendo na minha bochecha. Inclinando-se, pressionou sua testa contra a minha. O senti respirar profundamente, e sua mão se apoiou contra a parte baixa das minhas costas. — Tente manter fechadas as portas da sacada de seu quarto, — disse finalmente, sua voz mais profunda que o normal. — E tente não perambular ao redor da casa no meio da noite, ok? — Está bem.
Ele não se moveu. Um lento ardor começou a se deslizar pela minha pele, diferente do meu corpo reagindo a ele. Forcei-me a respirar, a me concentrar em Zayne, mas meus olhos se fecharam. Tentei deter, mas minha imaginação tomou controle e se voltou selvagem. Imaginei sua alma – seu próprio espírito – esquentando os lugares frios e vazios dentro de mim. Sentir-se-ia melhor que um beijo, melhor do que qualquer coisa. Balancei-me, meu corpo se inclinando até o seu, atraído por desejos muito diferentes. Zayne deixou cair suas mãos retrocedendo. — Você está bem? Uma onda de mortificação quente me abrasou. Dando um passo atrás, segurei o celular entre nós. — Sim, estou bem. Nós... deveríamos voltar. Estudou-me por um momento, logo concordou. O vi virar e se arrastar para a casa da árvore. Contive a respiração, esperando até que o ouvi cair no chão abaixo. Não podia continuar vivendo assim. Mas que opção tinha? Tornar-me um demônio completo? Isso nunca seria uma opção. — Layla? — Me chamou. — Já vou. — Levantei a cabeça e quando comecei a avançar, algo chamou minha atenção. Franzindo o cenho, olhei o ramo de uma árvore em cima da coberta de observação. Algo não estava bem com ela. O ramo parecia mais grosso, mais brilhante. Então o vi. Curvado ao redor do galho estava uma serpente anormalmente gorda e longa. Sua cabeça retangular com forma de diamante abaixou, e desde onde estava, podia ver o brilho avermelhado dos olhos da serpente. Pulei para trás, arquejando. — O que está acontecendo aí? — Perguntou Zayne. Olhei para baixo durante talvez dois segundos – e isso foi tudo – mas quando levantei a vista, a serpente já desaparecera.
Quando segui Stacey para a aula de biologia, queria bater nela. Ela não deixava de falar sobre Roth. Como se eu necessitasse de ajuda para imaginar se ele realmente apareceria hoje. Fiquei acordada a noite inteira pensando naquela maldita serpente na árvore. Estivera ali todo o tempo me observando dormir e escutando minha conversa com Zayne? Assustador. Tudo isso piorou com a lembrança de como Roth se pressionou contra mim no banheiro. Por que quando pensava nele, pensava em como me senti. Ninguém se aproximava tanto de mim. Nem sequer Zayne. Queria me arrastar para dentro da minha própria cabeça, remover cirurgicamente a lembrança e depois molhar meu cérebro com cloro. — Melhor que esteja, — Stacey dizia enquanto sentava em sua carteira. — Não fugi de casa vestida assim por nenhuma boa razão. — Sem dúvida. — Observei sua saia curta e depois seu decote. — Não queremos que você desperdice seus seios. Ela me deu um sorriso travesso. — Quero que ele pense em mim a noite toda. Peguei meu marcador de texto, deixando-o cair na carteira. — Não, você não quer. — Eu decido isso. — Ela se mexeu, abaixando a saia. — De todas as maneiras, não posso acreditar que não o ache sexy. Tem algo errado com você.
— Não, não tem nada errado comigo. — A olhei, mas seus olhos estavam grudados na porta. Suspirei. — Stacey, ele não é um bom garoto. — Mmmm, melhor ainda. — Falo sério. Ele é... ele é perigoso. Assim, não meta ideias pervertidas na sua cabeça. — Muito tarde. — Ela parou, franzindo a testa. — Ele fez algo para você? — É apenas uma sensação que tenho. — Tenho muitas sensações quando penso nele. — Ela se inclinou, colocando os cotovelos na mesa e segurando o queixo com as mãos. — Muitas sensações. Revirei meus olhos. — E Sam? Ele está apaixonado por você. Ele seria uma opção melhor. — O quê? — Ela enrugou seu nariz. — Ele não é. — Sério, ele é sim. — Comecei a rabiscar o livro, mantendo minha atenção longe da porta. — Sempre está te olhando. Stacey riu. — Ele nem sequer piscou quando viu minha saia... — Ou a falta dela. — Exatamente. Agora, se usasse um código binário nas minhas pernas, então sim, ele me notaria. A Senhora Cleo entrou arrastando os pés, terminando com a nossa conversa. Quase desmaiei, o alívio foi tão poderoso. Nem sequer me importava que a Senhora Cleo me olhasse estranhamente. Roth não estava, pensei, desenhando caras felizes gigantes em um diagrama. Talvez sua estúpida serpente o tenha devorado. O braço de Stacey bateu na mesa com um barulho surdo. — Suponho que este dia será chato. — Desculpe, — cantei, girando o lápis entre meus dedos. — Quer agarrar... A porta se abriu justo quando a Sra. Cleo abaixou o projetor. Roth entrou na sala com um livro de biologia na mão e um sorriso arrogante no rosto. O lápis escapou do meu agarre, voando para frente e batendo na cabeça de uma garota sentada duas cadeiras na minha frente. Ela se virou, lançando os braços no ar enquanto me lançava um olhar feio. Stacey se levantou rapidamente de seu lugar, emitindo um gritinho baixo.
Piscando para a Senhora Cleo, ele passou na frente dela. Ela só sacudiu a cabeça e mexeu em suas notas. Todos os olhos estavam em Roth caminhando pelo centro do corredor. As pessoas ficaram de boca aberta e as garotas se viraram nos seus lugares. Alguns dos garotos também. — Oi, — ele murmurou para Stacey. — Oi. — Seus cotovelos deslizaram na mesa. Depois voltou seus olhos dourados para mim. — Bom dia. — Meu dia acaba de melhorar, — sussurrou Stacey, sorrindo para Roth enquanto ele deixava cair seu livro e sentava. — Bom para você, — contestei, tirando outro lápis da mochila. A Sra. Cleo apagou as luzes. — Ainda não corrigi os exames, dado que alguns farão esses exames na sexta. Espero que consiga entregar suas notas e tarefas na segunda. Vários estudantes gemeram enquanto eu imaginava apunhalar com minha lapiseira a parte de trás da cabeça de Roth. O que planejara a noite? Nem uma maldita coisa, porque dormi enquanto conspirava. Depois de dez minutos da sonsa leitura da Sra. Cleo sobre respiração celular, Stacey deixou de se remexer no seu lugar. Ainda não havia tirado os olhos de Roth. Nem sequer se preocupava em tentar anotar. Ao menos eu segurava uma lapiseira na mão. Ele inclinou sua cadeira para trás até que descansou contra nossa carteira, plantando seu encosto em meu livro para manter sua precária posição. Uma vez mais, senti algo doce, como vinho doce ou chocolate escuro. Considerei mover seus ombros, mas isso requereria que o tocasse. Podia empurrar seu braço com minha lapiseira, forte. Suas mangas se ergueram, revelando braços realmente lindos. Pele lisa estirada sobre os bíceps bem definidos. E aí estava Bambi, rodeando seu braço. Inclinei-me, de alguma maneira fascinada pelo detalhe. Cada onda na pele da serpente foi sombreada de modo que realmente parecia tridimensional. O ventre era cinza e de aparência suave, mas duvidava que a pele de Roth fosse assim, tão suave. Parecia tão dura quanto a pele de um Guardião. A tatuagem parecia tão real. Porque é real, idiota.
Justo então, o rabo se retorceu e deslizou sobre seu cotovelo. Arquejando, me lancei contra a minha cadeira. Stacey me lançou um olhar estranho. Roth virou a cabeça. — O que está fazendo aí atrás? O olhei com os olhos semicerrados. — Estava me encarando? — Não! — Sussurrei, mentindo através dos meus dentes. Ele abaixou a cadeira, dando a Sra. Cleo uma breve olhada antes de virar de lado na cadeira. — Acho que encarava sim. Stacey se inclinou, sorrindo. — Ela encarava. Lancei um olhar de ódio. — Eu não encarava. Roth olhou para Stacey com um renovado interesse. — Ela encarava? E o que ela olhava fixamente? — Realmente não sei, — respondeu Stacey em voz baixa. — Estava ocupada olhando para seu rosto e não notei. Um sorriso satisfeito apareceu. — Stacey, certo? Ela se inclinou para mim. — Essa sou eu. Empurrei-a de volta para o seu lugar, revirando meus olhos. — Vire, — ordenei. Seus olhos encontraram os meus. — Farei quando disser o que olhava. — Não para você. — Olhei fixamente para frente da sala. A Sra. Cleo olhava suas anotações. — Vire antes que nos meta em problemas. Roth abaixou a cabeça. — Oh, você amaria o tipo de problemas nos quais a meteria. Apertei a lapiseira. — Não. Não. Não amaria. — Fale por você, irmã. — Stacey colocou a lapiseira na boca. Ele sorriu com satisfação. — Eu gosto da sua amiga. A lapiseira caiu da minha mão. — Bem, mas eu não gosto de você. Roth riu enquanto virava. O resto da aula foi assim. A cada pouco tempo ele nos olhava e sorria ou sussurrava algo totalmente exasperante. Quando a Sra. Cleo finalmente acendeu as luzes, eu estava pronta para gritar.
Stacey só piscou, parecendo como se estivesse saindo de algum tipo de transe. Risquei puta em suas notas. Ela riu e escreveu princesa de gelo virgem nas minhas. Quando o sinal tocou, já havia guardado minhas coisas, pronta para fazer uma saída rápida; precisava de ar, preferivelmente de um ar que Roth não estivesse compartilhando. Surpreendentemente, ele já estava do lado de fora da porta quando fiquei de pé, caminhando tão rápido que parecia estar em algum tipo de missão. Talvez o Inferno o tivesse chamado para a casa? Só podia desejar. — Qual é o seu problema? — Stacey perguntou. Passei-a roçando, escavando longos fios de cabelo debaixo das tiras da minha mochila. — O quê? Tenho um problema porque não estou no cio? Ela fez uma careta. — Bem, isso soa asqueroso. — Você é asquerosa. — Lancei sobre meu ombro. Stacey me alcançou. — Honestamente, tem que me explicar qual é seu problema com ele. Não entendo. Ele pediu para você ser a mãe do bebê dele? — O quê? — Fiz uma careta. — Já te disse. Ele é má notícia. — Meu tipo favorito de notícia, — disse Stacey enquanto saíamos pela porta. — Garotos são más notícias. Agarrei minha mochila mais forte enquanto o oceano de almas azuis e rosas enchiam o corredor. Um banner pendurado muito baixo interrompendo o fluxo de arco-íris pasteis. — Desde quando você gosta de garotos malvados? Seus exnamorados se qualificavam para ser santos. — Desde ontem, — ela brincou. — Bem, isso é realmente... — parei na fila dos armários, torcendo meu nariz. — Sente isso? Stacey cheirou o ar, depois gemeu imediatamente. — Deus, fede a água de esgoto. Provavelmente o maldito banheiro entupiu. Outros estudantes começavam a sentir o fedor de ovos poderes e carne passada. Houve risinhos, uns arquejos. O reconhecimento despertou no meu peito. O cheiro era repugnante – muito repugnante – e eu não podia acreditar que apenas agora que eu estava sentindo isso. Culparia Roth por isso também.
— Qualquer um pensaria que cancelariam as aulas por causa desse fedor. — Stacey começou a levantar a blusa como um escudo, mas deve ter se dado conta de que não tinha suficiente material ali. Colocou a mão sobre a boca, amortecendo sua voz. — Isso não pode ser seguro. Um professor estava parado do lado de fora da classe, movendo a mão na frente do rosto. Meus olhos queimavam enquanto me afastava dele, seguindo Stacey. Na escada, o fedor era mais forte. Stacey me lançou um olhar de canto de olho. — Te vejo no almoço? — Sim, — confirmei, me afastando do caminho de vários garotos do último ano, maiores e mais altos. Parecia uma do primeiro ano parada no caminho. Ela puxou a barra da saia de novo com a mão livre. — Com sorte o fedor terá desaparecido até então. Se não, começarei um protesto. Antes que pudesse responder, ela estava subindo as escadas a pulos. Desci as escadas até o primeiro andar, tentando não vomitar. — O que diabos é esse fedor? – Perguntou uma garota pequena com uma alma cor lilás. Seu cabelo era loiro e curto. — Não sei. — Murmurei distraidamente. — Nosso almoço? A garota riu. — Isso não me surpreenderia. — Depois franziu o cenho, entrecerrando seus olhos. — Hey. Você não é a garota que vive com os Guardiões? Suspirei, desejando que a massa de corpos nas escadas à minha frente se movesse mais rápido. — Sim. Seus olhos marrons se arregalaram. — Eva Hasher disse que você e o velho tio negro que sempre te busca na escola são seus serventes humanos. Fiquei boquiaberta. — O quê? Ela assentiu energicamente. — Isso é o que me disse Eva na aula de história. — Nem eu, nem Morris somos servos, — respondi. — Sou adotada. E Morris é parte da família. Grande diferença. — Tanto faz, — disse, virando e me empurrando. Uma servente? Como se fosse. Uma alma rosada mais escura com tiras entrou na minha visão, Gareth Richmond. O garoto que talvez estivesse olhando fixamente para o meu traseiro.
— Esse lugar fede. — Segurava seu caderno sobre a boca. — Sei que o ginásio está pior. Acredita que irão cancelar a aula, Layla? Huh, ele sim sabia meu nome. Ele abaixou seu caderno, revelando um sorriso muito potente. O tipo que imaginava usar com muitas garotas. — Não podem esperar que continuemos respirando essa merda. É muito boa corredora, aliás. Porque nunca sai para pista? — Você... me olha correr na aula? — Queria me bater depois de dizer isso. Soava como se o acusasse de ser pervertido. — Quero dizer, não sabia que prestava atenção. Não é que prestasse atenção. Só que não sabia que você sabia que eu podia correr. Ele abaixou o olhar para as escadas, rindo. Precisa ficar quieta. — Sim, te vi correr. — Gareth segurou a porta antes que nos golpeasse. — Também te vi caminhar. Não podia dizer se estava gozando ou flertando. Ou se pensava que eu era uma idiota. Honestamente, não conseguia me importar, porque tudo que eu conseguia pensar era em Stacey sugerindo que ficasse com Gareth para começar uma guerra com Eva. Falando de ideias estranhas. — Assim, o que fará depois da escola? — Perguntou, caminhando ao meu lado. Marcar demônios. — Hum... estou ocupada com algumas coisas. — Oh. — Ele bateu o caderno na coxa. — Tenho prática de futebol depois da aula. Nunca te vi em nenhum dos jogos. Olhei para a vazia estante de troféus próxima das portas duplas que levam ao ginásio. — O futebol realmente não é minha praia. — Que vergonha. Sempre dou uma festa na casa dos meus pais depois dos jogos. Saberia se... Alguém alto, usando somente negro, apareceu entre a gente. — Ela saberia se importasse, mas duvido que ela se importe. Retrocedi rapidamente, surpresa pela repentina presença de Roth.
Gareth teve a mesma resposta. Ele era um garoto alto, grande e musculoso, mas Roth exalava um ar brutamontes. O garoto humano fechou a boca. Sem outra palavra, ele se moveu com lentidão ao redor da gente e se apressou para entrar no ginásio, as portas se fechando. Fiquei parada ali, perplexa enquanto o primeiro sinal soava. Escutando ao longe. — Foi algo que eu disse? — Murmurou Roth. — Só sinalizava o óbvio. Lentamente, levantei a cabeça e o olhei. — O quê? — Ele sorriu levemente. — Vamos. Não parece o tipo de garota que assiste futebol, sai com os populares e termina deflorada pelo tonto garoto do último ano na parte de trás do Beamer de seu papai. — Deflorada? — Sim, já sabe. Perdendo essa coisa incômoda chamada virgindade. O fogo se estendeu pela minha pele. Girei, me dirigindo até a porta do ginásio. Não era como se não soubesse o que significava deflorada. Só não podia acreditar que ele realmente usara essa palavra em pleno século vinte e um. Ou que sequer estivesse tendo uma conversa sobre virgindade com ele. Roth segurou meu braço. — Hey... Isso é um elogio. Confie em mim. Ele está na via rápida para o inferno de todas as formas. Como o pai dele. — Bom saber. — Me compus para dizer com tranquilidade. — Mas você pode, por favor, soltar o meu braço? Tenho que ir para a aula. — Tenho uma ideia melhor. — Roth se inclinou. Mechas de cabelos escuros caíram sobre esses olhos dourados. — Você e eu vamos nos divertir. Meus dentes doíam por quão fortemente os apertava. — Não nessa vida, meu amigo. Ele parecia ofendido. — O que acredita que estou sugerindo? Não planejava te embebedar e gozar com você na parte de trás de um Beamer como Gareth. Então de novo, suponho que podia ser pior. Ele poderia estar planejando isso na parte de trás de um Kia. Pisquei. — O quê? Roth se encolheu, soltando meu braço. — Uma garota chamada Eva o convenceu de que você abre as pernas após uma cerveja. — O quê? — Minha voz era tão estridente como o sinal de atraso soando.
— Pessoalmente, eu não acredito, — continuou despreocupadamente, — e tenho um Porsche. Não há tanto espaço para as pernas como um Beamer, mas me disseram que é muito melhor. Os Porsches eram sexys, mas esse não era o ponto. Essa cadela disse que eu abriria as pernas depois de uma cerveja? — Miau. — Roth arranhou o ar, o qual se via tão ridículo como soava. — De todas as maneiras, essa não é a diversão que eu tinha em mente. Ainda estava presa na parte de abrir as pernas. — Disse a outra garota que eu era uma servente. Suponho que sou uma empregada que abre as pernas. Oh! E suponho que também me embebedo facilmente. Vou matar... Roth estalou os dedos na minha cara. — Se concentre. Esqueça-se de Eva e o garoto por um minuto. Temos algo que precisamos fazer. — Não estale os dedos, — grunhi. — Não sou um cachorro. — Não. — Sorriu um pouco. — É metade demônio que vive com um monte de estranhos de pedra que matam demônios. — Você é o estranho, estou atrasada para a aula. — Comecei a me afastar dele, mas lembrei de ontem à noite. — Oh, e mantenha sua estúpida serpente presa. — Bambi vai e vem por onde quer. Não posso evitar se gosta de ficar na sua casa da árvore. Apertei minhas mãos. — Não se aproxime da minha casa de novo. Os Guardiões te matarão. Roth inclinou a cabeça para trás, rindo profundamente. Era uma boa risada, escura e rouca, a qual fazia tudo mais exasperante. — Oh, seria uma matança, mas não seria o único que morreria. Engoli. — Está ameaçando a minha família? — Não. — Ele segurou minha mão desta vez, estendendo meus dedos e depois os unindo com os dele. — De todas as formas, não pode me dizer que não sente esse fedor na escola agora mesmo. Fechando minha boca, o olhei furiosamente. — O quê? Isso é só o esgoto ou...
Ele me olhou como se eu fosse três tipos diferentes de estúpida, e minhas suspeitas iniciais referentes ao odor ressurgiram. — Não pode ser... — Oh, pode sim. — Tem um zumbi na escola, — uma sobrancelha levantou. — Soa como o início de um filme de terror muito ruim. Ignorei a última declaração. — Não pode ser. Como entraria aqui sem ser visto? Roth se encolheu de ombros. — Quem sabe? Qualquer coisa é possível nesses dias. Meus sentidos rápidos de demônio me dizem que ele está em um dos lugares de instalação térmica abaixo. E dado que seus amigos Guardiões provavelmente estão dormindo. Pensei que poderíamos achá-lo antes que suba e comece a comer estudantes. Cravei meus pés enquanto ele se adiantava. — Não vou checar nada com você. — Mas há um zumbi no colégio, — disse lentamente. — E provavelmente está faminto. — Sim, sei disso, mas eu e você não vamos fazer nada. Seu sorriso desapareceu. — Não tem curiosidade do por que um zumbi estaria na sua escola e o que as pessoas pensarão quando virem algo saído da Noite dos Mortos Vivos? Encontrei seu olhar. — Isso não é problema meu. — Não é. — Roth balançou a cabeça, olhos semicerrados. — Mas será o problema do líder dos Guardiões quando isso subir tropeçando e começar a transbordar fluidos corporais sobre tudo enquanto mastiga partes humanas. Sabe que esses Alfas esperam que os Guardiões mantenham a coisa demoníaca fora do olhar público. Abri minha boca para protestar, mas me detive. Maldito seja. Ele tinha razão. Se essa coisa subir as escadas, Abbot estaria em muitos problemas. Ainda assim, fiquei quieta. — Como sei que não me lançará para ele? Roth levantou uma sobrancelha. — Hey, não te deixei nas mãos do Seeker, certo?
— Isso não me acalma. Ele revirou seus olhos suspirando. — Você terá apenas que confiar em mim. Eu ri. Sua cabeça se moveu tão rápido em minha direção, olhos grandes arregalados. — Confiar em você? Um demônio? Fumou crack ou algo assim? Seus olhos brilharam com... o quê? Nojo ou diversão? — Crack é ruim. Pressionei meus lábios fortemente, detendo o sorriso antes que se estendesse por meu rosto e lhe desse a ideia equivocada. — Não posso acreditar que disse isso. Ele levantou a cabeça. — É verdade. Nada de drogas no trabalho. Inclusive o inferno tem normas. — Qual é o seu trabalho exatamente? — Perguntei. — Deflorar-te na parte de trás do carro mais caro já feito. Tentei puxar minha mão, mas ele a segurou. — Me solte. — Cristo de muletas. — Riu. — Só estava brincando, puritana. Agora, ruborizei de novo, porque sim, me sentia como uma puritana. Uma sensação natural quando nunca beijei um garoto antes. — Solte minha mão. Roth suspirou longamente. — Olha. Eu si... eu sin... — ele respirou profundamente, tentando novamente — Eu sint... Voltei minha cabeça para ele, esperando. — Você o quê? Sente muito? Ele parecia desgostoso, lábios franzidos. — Eu... sin-to. — Oh, me dê um tempo. Não pode dizer que sente muito? — Não. — Olhou-me diretamente, sério. — Não está no vocabulário dos demônios. — Isso é profundo, — revirei meus olhos. — Nem sequer se preocupe em tentar dizer se não for pra valer. Roth pareceu considerar. — Trato feito. Uma porta do outro lado do ginásio se abriu. O vice-diretor Mckenzie entrou no corredor, com seu apagado terno marrom ao menos dois tamanho menor para sua barriga. Ele imediatamente franziu o cenho e ganhou dois queixos quando nos olhou.
— Não se supõe que deveriam estar no ginásio, Srta. Shaw, e não no corredor? — Disse, soltando o esticado cinto ao redor de suas calças. — Você pode estar misturada com essas coisas, mas isso não lhe dá privilégios extras. Misturada com essas coisas? Não eram coisas. Eram Guardiões, e mantinham a salvo desagradáveis imbecis como Mckenzie. Meus dedos reflexivamente apertaram os de Roth enquanto a raiva e um pouco de tristeza me inundavam. Essas pessoas não tinham nem ideia. Roth me olhou, depois para o vice-diretor. Ele abaixou a cabeça, sorrindo recatadamente. Nessa hora, eu soube que ele estava a ponto de fazer algo realmente ruim. Do tipo nível demônio mau. E tudo o que poderia fazer, era me preparar.
— E você? — O vice-diretor McKenzie continuou enquanto olhava entre nós, olhando Roth de cima a baixo com um olhar desagradável. — Qualquer que seja a aula que você supostamente deveria estar, você precisa ir. Agora. Roth soltou a minha mão e cruzou os braços sobre o peito. Ele devolveu o olhar, mas uma luz bizarra radiou de suas pupilas. — Vice-diretor MacKenzie? Como Willy McKenzie, nascido e criado em Winchester, Virginia? Graduado pela Universidade comunitária e casado com a mais doce mocinha do Sul. O homem foi obviamente pego de guarda baixa. — Não sei... — O mesmo Willy McKenzie que não dormiu com essa doce moça desde a criação do DVD, e que tem pornô escondido no closet de casa? E não qualquer pornô. — Roth deu um passo se aproximando, baixando a voz até que fosse nada mais que um sussurro. — Você sabe sobre o que eu estou falando. Meu estômago ficou ácido. O vice-diretor McKenzie tinha um status de alma questionável – não tão óbvio como o homem na rua na noite que eu conheci Roth, mas sempre houve algo sobre ele que me deixava cautelosa. McKenzie teve uma reação completamente diferente. Seu rosto se tornou uma mistura de tons avermelhados enquanto sua mandíbula tremia. — C-como você se atreve. Quem é você? Seu... Roth levantou um dedo – seu dedo do meio – silenciando-o. — Você sabe, eu poderia fazer você ir para casa e terminar com sua vida miserável. Ou melhor
ainda, andar direto para a rua e se jogar na frente do caminhão que recolhe lixo como você. Afinal, o Inferno tem seus olhos em você por um tempo. Experimentei um conflito moral nesse momento. Ou eu deixava Roth manipular o pedófilo para se matar ou o parava – porque, pervertido ou não, Roth tiraria do homem o seu livre arbítrio. Merda. Essa era uma decisão difícil. — Não farei nenhuma dessas coisas, — Roth disse, me surpreendendo. — Mas eu vou brincar com você. Regiamente. Meu alívio foi curto. — Eu tirarei de você a coisa que mais ama no mundo... comida. — Roth sorriu beatificamente. No momento, ele parecia mais um anjo do que um demônio – um bonito entorpecente que não se poderia confiar. — Toda rosquinha que você ver, parecerá polvilhada com uma celestial dose de vermes. Cada pizza te lembrará do rosto do seu pai morto. Hambúrgueres? Esqueça-os. O gosto deles será como de carne podre. E milk-shakes? Azedo. Oh. E esses potes de sorvete de bolo do chocolate que você esconde da sua esposa? Cheios de baratas. Uma fina linha de baba escapou da boca aberta do McKenzie, escorrendo pelo seu queixo. — Agora vá embora antes que eu mude de ideia. — Roth balançou a mão, dispensando o homem. Rigidamente, McKenzie se virou e retornou ao escritório dele, uma estranha mancha molhada escorrendo por sua perna. — Uh... Ele se lembrará de qualquer coisa disso? — Dei um passo para longe de Roth, agarrando minha mochila próxima ao meu corpo. Deus, essas habilidades de demônio são astronômicas. Não sei se eu estava mais assustada ou impressionada. — Apenas que essas comidas serão o seu pior pesadelo a partir de agora. Parecia um pouco apropriado, você não acha? Ergui uma sobrancelha. — Como você sabia de tudo isso? A luz desapareceu dos olhos de Roth. — Nós somos sintonizados com todas as coisas más. — Isso não é muito de uma explicação.
— Não era para ser. — Ele pegou minha mão novamente. — Agora vamos voltar aos negócios. Nós temos um zumbi para checar. Mordi meu lábio, pesando minhas opções. Eu já estava muito atrasada para entrar na aula, e aqui na minha escola tinha um zumbi, que eu devia conferir por causa do Abbot. Mas Roth era um demônio – um demônio que me seguiu até a escola. Roth suspirou ao meu lado. — Olha. Você sabe que não posso realmente obrigá-la a fazer nada que não queira, certo? Espiei acima para ele. — O que você quer dizer? Ele me encarou, parecendo incrédulo. — Você sabe alguma coisa sobre o que você é? — Ele procurou no meu rosto, ganhando a resposta para a pergunta. — Você não é suscetível à persuasão de demônio. Assim como não posso obrigar um demônio ou um Guardião a fazer algo que eles não querem. — Oh. — Como eu deveria saber disso estava além de mim. Não era como se existisse um manual operacional de demônios ou algo assim. — Então, por que você quer que eu cheque a coisa do zumbi? A ideia de um zumbi correndo furiosamente por uma escola não deveria ser uma coisa boa para você? Roth dá de ombros. — Estou entediado. Irritada, eu tento soltar a minha mão. — Você consegue dar uma resposta direta? Algo brilhou nos olhos dele. — Ok, você quer a verdade? Estou aqui por sua causa. Sim, você ouviu isso direito. E não me pergunte o porquê, porque não temos tempo agora e você não acreditaria em mim, de qualquer maneira. Você é parte Guardião e se for mordida pelo zumbi, você será infectada. Talvez não a completa merda louca como humanos, mas louca o suficiente para tornar o meu trabalho mais difícil. Minha frequência cardíaca quadruplicou. — Por que... por que você está aqui por mim? — Pelo amor de todas as coisas desconhecidas, por que você tem que ser tão difícil? Eu me desculpo por chamar você de puritana. Vou até mesmo me desculpar por ontem. Eu assustei você. Joguei seu celular em um vaso. Veja, eu fui criado no Inferno. Você poderia dizer que eu sou socialmente esquisito.
Esquisito não era uma das descrições que veio na minha mente para ele. Ele tinha uma graça fluida que era transcendental e predatória. — Isso é esquisito, até para mim. — Admiti. — Mas é melhor do que aula de ginástica, certo? A maioria das coisas era melhor do que aula de ginástica. — Quero saber por que você estar aqui tem qualquer coisa a ver comigo. — Como eu disse, você não acreditaria em mim. — Quando eu me firmei no chão, ele disse algo muito baixo e rápido para eu entender. Nem tinha certeza se isso era português, mas soou como um feitiço. — Não estou aqui para te machucar, ok? Eu sou a última coisa com o que você deveria se preocupar. Dando um passo atrás, eu podia apenas encará-lo quando a realização bateu na minha cabeça. Por alguma razão... Não sei por que... eu... eu acreditava nele. Talvez isso tenha a ver com o fato de que Roth não queria me machucar, ele poderia ter feito isso até o momento. Ou talvez eu fosse apenas inacreditavelmente estúpida e tinha um desejo de morrer. E a ideia de ir para aula de ginástica era horrível. Suspirei. — Tudo bem, mas você precisa me dizer porque está aqui quando nós terminarmos. Roth acenou. Meu olhar caiu para nossas mãos entrelaçadas. Calor viajou pelo meu braço, e eu realmente não confiava nessa sensação. — E você não precisa segurar minha mão. — Mas e se eu ficar assustado? — Sério? Alguns segundos depois ele soltou minha mão. Coçando o queixo, ele encolheu os ombros. — Tudo bem. É um acordo, mas se quiser segurar minha mão depois, você estará sem sorte. — Não acho que isso será um problema. Roth deslizou as mãos nos bolsos de seu jeans preto e se balançou nos calcanhares. — Você está feliz agora? Podemos ir? — Tudo certo, — eu disse. — Bom.
Ele me lançou um sorriso largo, cintilando duas perfeitas covinhas que eu não vira antes. Ele parecia quase normal quando sorria assim, mas a perfeição do seu rosto ainda parecia irreal. E parei de encará-lo, andando adiante. — Onde ele está mesmo? — Na sala das caldeiras, no porão. E provavelmente vai cheirar pior aqui em baixo. Eu me esqueci do cheiro, de alguma forma. — Então vocês caras mantém a localização dos outros demônios e tal? Roth acenou, empurrando as portas duplas. — Sim. Peguei a porta antes que ela batesse, facilitando o fechamento. — E você os deixa infectarem humanos, mesmo sendo contra as regras? Liderando pelos degraus, ele olhou para trás. Ele sussurrava abaixo da sua respiração, um som que era fracamente familiar. — Sim. Eu o segui, apertando o corrimão com dedos úmidos. Parecia como se tivesse um enxame no meu estômago. — Os Alfas proíbem esse tipo de coisa. É permitido apenas... — Eu sei. Nós podemos apenas cutucar os humanos, mas nunca manipular abertamente, infectar e/ou matar, e blah, blah. Livre arbítrio é idiotice. — Ele riu e pulou um degrau, aterrissando suavemente no cimento. — Nós somos demônios. As regras meio que se aplicam a nós só quando nós queremos. — Livre arbítrio não é idiotice, Roth. Ele parou de repente na minha frente e nossos olhos se encontraram. — Diga de novo. Franzi as sobrancelhas. — Dizer o quê? — Meu nome. — Roth...? As covinhas apareceram novamente. — Sabia que essa foi a primeira vez que você usou meu nome? Decidi que eu meio que gosto de você dizendo isso. Mas voltando ao meu ponto... livre arbítrio é idiotice. Ninguém realmente tem livre arbítrio. Eu não podia afastar o olhar. — Isso não é verdade. Todos nós temos. Roth voltou um degrau, ficando mais alto que eu. Eu queria voltar a descer, mas me forcei a ficar. — Você não tem ideia, — ele disse; seus olhos brilhando
como lascas de uma joia amarela-acastanhada. — Nenhum de nós tem. Especialmente os Guardiões ou os demônios. Todos nós temos ordens, as quais nós devemos obedecer. No fim, nós sempre fazemos o que nos é dito. A ideia de livre arbítrio é uma piada. Senti pena dele se ele verdadeiramente acreditava nisso. — Eu faço escolha todos os dias – minhas escolhas. Se você não tem livre arbítrio, então que tipo de propósito você teria na vida? — Que tipo de propósito um demônio tem? Hmm? — Ele bateu no peito com a ponta do dedo. — Eu deveria coagir um político a se tornar sujo ou deveria salvar um gatinho de uma árvore hoje? Espera. Sou um demônio. Eu vou... — Você não precisa ser sarcástico. — Eu não estou. Estou apenas lhe dando um exemplo de como nós somos e quem nós somos... O que fomos criados para ser. Nossos caminhos estão claramente traçados à nossa frente. Nada mudará isso. Sem livre arbítrio. — Essa é a sua opinião. Ele segurou meu olhar por mais alguns segundos e então sorriu. — Vamos lá. — Ele virou, e se apressou para baixo por outro lance de escadas. Levou-me mais alguns segundos para fazer minhas pernas se moverem. — Eu não sou nada como você. Roth riu de forma áspera e profunda novamente. Uma breve e satisfatória imagem de empurrá-lo escadas a baixo me inundou. Ele sussurrava de novo, e eu estava muito aborrecida com ele para perguntar o que era esse som. A escola era antiga e com muitos andares, mas ela foi reformada alguns anos atrás. As escadarias eram um sinal de sua verdadeira idade. As paredes de tijolo antigo se desintegravam em uma poeira vermelha e branca que cobriam os degraus. Nós paramos diante de uma porta cinza enferrujada que dizia Apenas Funcionários. O cheiro era o suficiente para matar meu apetite pelo resto do dia. Roth me olhou, não parecendo afetado pelo fedor. — Então... você realmente pode falar se alguém vai para o inferno? — Perguntei, parando.
— Basicamente, — ele respondeu. — Normalmente isso ocorre na família. A maçã não cai longe do pé. — Um pouco clichê. — Enruguei meu nariz pelo fedor que aumentava enquanto nos aproximávamos. — A maioria dos clichês são verdadeiros. — Ele sacudiu a maçaneta. — Trancada. — Oh, droga. — Puxei a corrente e brinquei com o anel. — Eu acho... — Ouvi engrenagens rangendo e metal se movendo. Olhei para a mão de Roth e ele abriu a porta. — Wow. — Te disse que eu tenho muitos talentos, — ele disse, olhando para o anel. — Interessante pedaço de joia que você tem aí. Eu o soltei sob o meu cardigã, alisando minhas mãos nos meus jeans. — É, acho que sim. Ele se voltou de novo para a porta, abrindo devagar. — Oh. Wow. Ele definitivamente está aqui. Uma luz tremulante e o pior cheiro saído do inferno nos saudaram. Coloquei uma mão sobre meu nariz e boca, a mistura de decomposição e enxofre acionando meu reflexo de vômito. Preferiria tomar um banho nos banheiros mofados da escola do que entrar nesse lugar. Roth entrou primeiro, mantendo a porta aberta com suas botas. — Não vomite em mim. Deixei a porta bater dessa vez, porque a ideia de tocar qualquer coisa aqui me enojou. — Como acha que ele entrou? — Não sei. — Por que você acha que ele está aqui? — Não sei. — Realmente útil, — murmurei. Enormes armários de metal cheios de Deus sabe o que, estreitavam o corredor que atravessamos e o calor umedeceu minha testa com uma fina camada de suor. A luz de teto balançava no quarto sem brisa, lançando sombras em todas as bancadas vazias e ferramentas espalhadas pelo chão. Nós nos esprememos passando por uma pilha de quadros-negros velhos, mais brancos do que negro.
— Eu acho que isso é uma má ideia, — sussurrei, lutando contra a vontade de agarrar a parte de trás da camisa de Roth. — E seu ponto é? — Roth abriu outra porta, a qual conduzia para uma sala escura e onde máquinas pesadas zumbiam. A porta bateu em uma pilha de caixas de papelão. Além da escuridão, um esqueleto caiu atravessando o caminho da porta, braços e pernas caídos no úmido e mofado ar. As cavidades oculares estavam vazias e cegas, a mandíbula caindo aberta em um silencioso berro. E deixei sair um grito rouco, pulando para trás. — Não é de verdade. — Roth pegou o esqueleto e o examinou. — É o que eles usam em suas aulas de biologia. Olhe. — Ele balançou um braço esquelético bege para mim. — Totalmente falso. Meu coração não concordou, mas eu podia ver os grampos metálicos unindo os ossos do braço. — Oh, querido Jesus... Sorrindo, Roth atirou o esqueleto de lado. Estremeci quando isso saltou, os ossos fazendo barulho ao baterem no que quer que Roth o tenha jogado. E então algo rosnou. Eu congelei. Roth sacudiu na luz. — Whoops, — ele murmurou. Aquilo estava em frente à caldeira, um braço falso em sua mão enegrecida e o resto do esqueleto deitado aos seus pés. Tufos finos de ar contorciam para fora da pele desigual como vermes marrons. Em algumas áreas da sua face faltava carne. Uma cicatriz na bochecha batia contra os lábios arroxeados, e o que restava de pele permanecia pendurada nos ossos, fortemente vincada, e parecia a carne seca Jerky10. Aquilo também vestia um terno que definitivamente viu dias melhores – dias que não envolviam dormir em fluidos corporais. Atrás da caldeira, a única janela do lugar estava quebrada. Isso explicava como isso entrara na escola, mas não nos deu ideia do porque isso estava aqui. Roth deixou sair um baixo assovio.
10 Carne seca Jerky: Tipo um charque.
Os olhos do zumbi se moveram para Roth e continuaram se movendo. Pelo menos um fez. Ele foi direto para fora da cavidade ocular, voando pelo ar, movendose no chão imundo. — Oh! Oh, não. Não. Eu não me inscrevi para isso! — Apertei minha mão acima da minha boca, engasgando. — Não vou me aproximar dessa coisa. Roth avançou, olhando a bagunça no chão, como se fascinado. — Isso foi bem nojento. Eu me senti exposta parada sozinha no caminho da porta. Avançando para perto de Roth, mantive meu olhar no zumbi. Nunca estive em uma situação tão ruim. Deus sabe que isso deveria ter esbarrado em pessoas até o momento, mas os Guardiões devem ter sido notificados pelos seus contatos. Meu movimento atraiu o olho bom do zumbi. — Você, — aquilo murmurou. Eu parei. Eles podiam falar? Acho que George Romero se esqueceu disso. — Eu? — Hey. Não olhe para ela. Olhe para mim. — Roth ordenou, sua voz preenchida com autoridade. Aquilo lutava para fazer sua boca trabalhar corretamente. — Você... precisa... — Hum... por que isso está me encarando? — Segurei a alça nas minhas costas até que os meus dedos se machucaram. — Talvez ele te ache bonita. — Roth brincou, dando um passo atrás quando um rato correu na sua frente. Eu lhe atirei um olhar cheio de ódio. O zumbi cambaleou, seu pé esquerdo deslizando para frente. Dei um passo atrás, batendo em mais caixas. — Roth...? Com lentos movimentos intencionais, o zumbi jogou o braço do esqueleto na cabeça de Roth. Os ossos no corpo do zumbi racharam e estilhaçaram. Pus vazou do rasgo na sua jaqueta. Roth apanhou o braço no ar, a cara incrédula. — Você acabou de jogar isso na minha cabeça? Minha cabeça? Você é insano? Aquilo me encarava, gemendo palavras incoerentes.
— Roth! — Eu guinchei, esquivando do braço fedido. — Isso é uma ideia terrível! — Você precisa ficar falando isso? Procurei atrás de mim, agarrando uma caixa. Joguei isso no zumbi, acertando a lateral do rosto dele. Uma orelha caiu, aterrissando no seu ombro. — Sim! Faça algo! Roth esgueirou-se atrás dele, empunhando o membro do esqueleto como um taco de baseball. — Estou tentando. — O que você está fazendo? — Eu me arremessei para o lado enquanto ele procurava por mim. — Você não tem qualquer poder maligno das trevas ou algo assim? — Poder maligno das trevas? Nenhum que eu possa usar aqui sem trazer toda a escola abaixo na gente. Isso pareceu ridículo. — Você não tem um plano melhor? Roth zombou. — Como o quê? — Não sei. Dê isso de alimento para o Bambi ou qualquer coisa! — O quê? — Roth abaixou o braço, sua expressão estupefata. — Bambi teria indigestão comendo algo tão podre. — Roth! Juro por Deus, eu vou... — meu tênis deslizou no lamaçal e caí sobre a minha perna. Bati na sujeira e no cimento molhado com um alto oof. Esparramada no piso, levantei minhas viscosas mãos. — Eu vou vomitar. Sério. — Saia do caminho! — Roth gritou. Minha cabeça levantou quando ele balançou a arma improvisada. Eu me mexi para trás, ficando pendurada na minha bolsa de livros. O braço do esqueleto bateu na cabeça do zumbi e então passou por isso. Salpicando sangue e carne pelo ar, espirrando no chão... e no meu jeans. Pele, músculo e ossos afundaram-se em si mesmo. A coisa meio que implodiu, colapsando até que nada restou, além de uma poça de sujeira no chão e as roupas imundas que ele usava. Roth abaixou o braço, raiva apertando sua expressão. — Isso foi ligeiramente irritante. — Ele se virou, olhando para mim. Seus olhos ambares assumiram um brilho de diversão. — Oh, você fez uma bagunça em você.
Olhei minhas calças cobertas de gosma e minhas mãos antes de encarar Roth com um olhar penetrante. — Eu te odeio. — Odiar é uma palavra muito forte. — Ele veio para o meu lado, curvandose. — Me deixe te ajudar. Chutei e acertei a canela dele. — Não me toque. Ele mancou para trás, amaldiçoando e sacudindo as pernas da sua calça. — Você jogou cérebro no meu jeans novo. Obrigado. Murmurando sob minha respiração, me levantei e agarrei minha mochila. Por sorte, não havia nenhuma meleca nela, mas em mim? Não queria sequer me olhar, eu estava nojenta. — Bem, isso foi bem divertido. — Hey, não fique desanimada. O problema do zumbi foi resolvido. Eu me apontei com as duas mãos. No momento, eu não dava uma merda sobre por que ele estava me seguindo. — Olhe para mim. Tenho vômito de zumbi em mim, graças a você. E tenho aula o resto do dia. Um sorriso lento atravessou seu rosto. — Posso levar você até a minha casa. Tenho um chuveiro que você pode usar. Então, talvez nós possamos conseguir uma bebida e checar o meu Porsche. Minhas palmas coçaram para fazer amizade com as laterais do rosto dele. — Você é nojento. Ele riu, se virando para o cadáver. — O que infernos você fazia aqui? — Ele disse, principalmente para ele mesmo. — E o que...? — Ele olhou por cima do ombro, seu olhar caindo no meu peito. Seus olhos estreitaram. — Oh, ótimo. — Hey! Deus, você é um cachorro! Roth arqueou uma sobrancelha. — Juro que fui chamado de algo pior. Vá se limpar. Eu tomarei conta disso. Expirando uma respiração profunda. Girei ao redor. Eu já estava na porta antes dele me parar. Ele disse algo como cordeiro sob sua respiração. Balançando a cabeça, eu o deixei na sala da caldeira cheirando a zumbi podre. ***
Passei o resto do dia em minhas roupas de ginástica e com o cabelo encharcado. Eu odiava Roth. Morris pareceu surpreso quando deslizei no banco do passageiro. Tipicamente, eu marcava todos os dias depois da aula, mas hoje eu não queria fazer isso. Diferente de ontem, silêncio me recepcionou quando entrei na casa e deixei minha mochila perto da porta. Andei pelo foyer, prendendo meu cabelo úmido em um coque bagunçado. Eu precisava dizer ao Abbot sobre o zumbi na escola. A questão Roth eu deixaria de lado, o zumbi era algo sério. Havia uma boa chance que Abbot estivesse dormindo, entretanto. A última vez que o acordei, eu tinha oito anos e tinha somente o Sr. Snotty como companhia. Eu queria alguém para brincar comigo, então eu bati no Abbot de pedra enquanto ele dormia. Isso não ocorreu muito bem. Dessa vez era diferente. Ele tinha que entender, mas eu podia pelo menos facilitar seu temperamento com um copo de café. Levou-me alguns minutos para encontrar a droga dos grãos de café e o filtro, depois outros cinco minutos tentando descobrir se eu deveria usar a opção de café ou cappuccino. A coisa requeria um grau em engenharia para resolver. Puxei a alavanca de aço inoxidável, carrancuda. O que infernos essa coisa fazia? — Isso realmente não é tão difícil. Cada músculo no meu corpo travou, e mesmo assim eu consegui deixar cair a pequena colher de medida metálica. Ela ressoou no chão de ladrilho. Eu me abaixei e agarrei a colher, tentando acalmar o repentino embrulho de nervos no meu estômago. Minhas pernas ficaram fracas enquanto eu me endireitava. Petr estava na porta. Seus grossos braços cruzados no peito do tamanho de barril. — Percebo que você não ganhou nenhuma elegância desde a última vez que eu te vi. Vindo de qualquer outra pessoa, essa ironia teria doído. Coloquei a colher no balcão. O café que se danasse. Eu parei a alguns pés dele. — Com licença. Ele não se moveu. — E você é tão rude e chata.
Meu queixo foi para cima. Petr era apenas um ou dois anos mais velho do que eu, mas a escura barba por fazer no seu queixo e mandíbula o fazia parecer mais velho. — Você pode, por favor, sair do caminho? Petr deu um passo para o lado, deixando algo como um pé para passar. — Feliz? Eu não estava nada feliz com a ideia do meu corpo estar no mesmo código postal que o dele. Eu me espremi passando por ele, estremecendo quando meu quadril esfregou na perna dele. — Pensei que você estava fazendo café? — Ele começou a andar atrás de mim. — Eu poderia te ajudar. Ignorando-o, eu peguei meu ritmo. Não cairia nesse tom bajulador de novo. Não nessa vida ou na próxima. Petr deu a volta por mim, bloqueando o caminho para o andar de cima, para a segurança. Ele suspirou. — Então para quem você estava fazendo café? Uma centelha de medo ondulou pelo meu coração. — Você pode se mover? Preciso ir para o andar de cima. — Você não pode falar comigo por cinco minutos? Por força do hábito, eu procurei pelo objeto circular embaixo da minha blusa, apertando minha mão sobre ele. Tentei passar por ele. Ele imitou meus movimentos. — Petr, por favor, me deixe passar. Um fraco raio de luz da janela próxima refletiu no pequeno piercing no seu nariz de falcão. — Consigo me lembrar de uma época que você gostava de conversar comigo. Quando você ansiava que meu clã viesse visitar. Um fraco rubor rastejou pelo meu rosto enquanto minha mão apertava a minha blusa. O anel apertou contra a roupa, esmagado contra minha palma. Eu costumava ter uma queda pelo idiota. — Isso foi antes de perceber o quão idiota você é. A linha da sua mandíbula endureceu. — Não fiz nada errado. — Você não fez nada errado? Eu te disse para parar e você não iria... — Você estava sendo uma provocadora. — Sua voz abaixou. — E desde quando demônios realmente tem uma palavra em qualquer coisa? Eu suguei ar. — Eu sou uma Guardiã.
Ele revirou os olhos, rindo. — Oh, me desculpe. Você é apenas metade demônio. Como se isso fizesse diferença. Você sabe o que normalmente fazemos com a prole de demônios e humanos? — Os amam e os abraçam? — Tentei passar por ele, mas ele bateu a palma contra a parede em minha frente. — Nós os matamos, Layla. Como Abbot supostamente faria com você, mas você é apenas tão malditamente especial. Mordi
meu
lábio.
Ele
estava
muito
próximo.
Se
eu
respirasse
profundamente, poderia provar sua alma. — Eu preciso ir ver Zayne. — Zaine ainda está repousando. — Ele pausou. — Ele ficou acordado até bem tarde essa manhã falando com Danika. Ciúme irracional inundou meu sistema, o que era tão estúpido considerando a situação atual. — Então eu vou ver... — Jasmine e os gêmeos? — Ele perguntou. — Yeah, eles estão tirando uma soneca. Ninguém está em pé, Layla. É apenas você e eu. Eu engoli. — Morris está aqui. Geoff está em pé, também. Petr riu. — Você é tão sutil. Uma pequena queimação começou sob a minha pele. Segurei minha respiração. Se existia qualquer pessoa nesse mundo que eu queria sugar a alma fora, esse era Petr. De todos, ele era o que mais merecia. Sua pesada mão tocou meu ombro, forçando-me a virar. Petr sorriu. — Você está em problemas, sua pequena metade-demônio vadia. Raiva me inundou e tentei tirar a mão dele. Soltando o anel, eu me preparei para quebrar a regra de não lutar contra um Guardião. — Você está me ameaçando? — Não, de modo nenhum. — Ele moveu a mão para minha garganta, circulando seus dedos muito mais apertados do que Roth fizera. É irônico que um demônio parecia ter mãos mais gentis que um Guardião. — Você quer lutar comigo, não quer? Faça isso. Isso fará tudo mais fácil para nós. Meu estômago caiu. Petr sabia que eu ficaria em problemas, e tinha mais do que uma sugestão de crueldade em seus olhos claros. Pior ainda, eu sabia que ele não via nada errado no que estava fazendo. Suas ações nunca manchariam sua
alma, porque ela era pura, não importando o que fizesse. Era como um passe livre para ele. Petr pressionou mais, sua respiração muito quente contra a minha bochecha. — Você desejará que Abbot tivesse jogado fora sua miserável vidinha quando era um bebê. As regras que se fodam. Trouxe meu joelho para cima, batendo nele onde doía. Petr deixou escapar um pequeno rosnado e me soltou. Girando ao redor, eu voei escadas acima sem olhar atrás. No corredor, eu fiquei cara a cara com o pai de Petr. Tentei não reagir, mas a cicatriz irregular que rasgava a pele de seu lábio superior e inferior era difícil de não notar. Abbot me disse uma vez que um Rei demônio deu essa cicatriz a Elijah. Elijah me olhou com um olhar irritado, mas não disse nada enquanto eu passava correndo por ele e entrava no meu quarto, trancando a porta. Não que isso impediria qualquer um deles se decidisse passar por essa porta.
Abbot sentava atrás da sua escrivaninha, sua perna apoiada sobre o joelho. — Você não comeu muito no jantar. Ainda se sente indisposta? Eu me joguei na cadeira. Ingeri apenas uma ou duas porções durante o tenso jantar. Petr me observou o tempo todo. — Não os quero aqui. Abbot esfregou os dedos por seu queixo barbudo. Seu cabelo arenoso estava colocado para trás como o usual. — Layla, eu entendo que você está desconfortável. Elijah me assegurou que você não terá problemas com Petr. — Verdade? Isso é engraçado, porque Petr me encurralou mais cedo. Seus dedos acalmaram, os olhos claros afiados. — Ele fez qualquer coisa? — Isso não foi como... a última vez. — Eu me mudei desconfortavelmente, sentindo meu rosto queimar. Ele deixou sair um longo fôlego. — Você pode apenas ficar longe dele pela semana seguinte ou algo assim? Eu estava sem chão. — Estou ficando longe dele. Ele que não fica longe de mim! Se ele se aproximar de novo, eu juro por Deus que vou pegar sua... Abbot bateu a mão na escrivaninha, fazendo com que eu pulasse na cadeira. — Você não fará algo assim, Layla! Meu coração cambaleou. — Eu não falava sério. Me... me desculpe. — Isso não é algo com o que brincar. — Ele sacudiu a cabeça, falando como se eu fosse uma criança mal comportada. — Estou muito desapontado que você
sequer considerou dizer algo desse tipo. Se qualquer um dos nossos visitantes ouvissem você – incluindo o pai de Petr – o dano seria irreversível. Um enorme caroço se formou no meu peito. Eu odiava desapontar Abbot. Devia tanto a ele – uma casa, segurança, uma vida. Abaixei meus olhos, torcendo o anel entre meus dedos. — Sinto muito... eu realmente sinto. Abbot suspirou, e o ouvi reclinar-se no seu assento. Eu olhei para cima, não querendo aumentar a sua longa lista de preocupações. Ele correu os dedos por sua sobrancelha, os olhos fechados. — Sobre o que você queria falar comigo, Layla? De repente a coisa toda com o zumbi não parecia muito importante. Nem a presença de Roth. Eu queria apenas ir me esconder no meu quarto. — Layla? — Ele questionou, pegando um charuto de uma caixa de madeira em sua escrivaninha. Ele nunca os fuma, mas gostava de brincar com eles, de qualquer maneira. — Não é nada, — eu disse finalmente. — Apenas algo que aconteceu hoje na escola. Suas claras sobrancelhas subiram uma polegada. — Você queria falar comigo sobre a escola? Eu sei que Zayne tem estado ocupado com a chegada de Danika e o treinamento, mas eu tenho muita coisa acontecendo agora. Possivelmente Jasmine estaria interessada em falar com você? Meu rosto parecia como se eu pudesse fritar ovos nele. — Não queria falar sobre garotos ou minhas notas. Ele rolou o charuto entre seus dedos. — Como estão suas notas? Suponho que seu professor permitiu que você refizesse o seu teste amanhã? Soltei o anel, segurando os braços da cadeira em frustração. — Minhas notas estão bem. E eu tenho... — O que vocês dois estão fazendo aqui? Eu me virei. Zayne estava na porta, seu cabelo caindo em torno de seu rosto como linhas de areia. — Estou tentando dizer ao Abbot o que aconteceu na escola hoje. Seu olhar preguiçoso mudou-se para surpreso. Ele olhou para o seu pai enquanto um sorriso lento torcia seus lábios. — Como vai isso?
Abbot suspirou profundamente, colocando o charuto de volta na caixa. — Layla, eu preciso sair em breve para me reunir com o comissário de polícia e o prefeito. — Tinha um zumbi na minha escola hoje, — disparei. — Huh? — Zayne parou atrás da minha cadeira, puxando a parte de trás da minha orelha. Eu golpeei a mão dele para longe. — Sobre o que você está falando? — Ele perguntou. Encontrei o olhar de repente alerta do Abbot. — Ele estava na sala da caldeira e... — Como você sabia que ele estava lá? — Abbot exigiu, descruzando as pernas ao se inclinar para frente. Eu não poderia dizer sobre Roth. De jeito nenhum eu abriria essa porta. — Eu... eu o cheirei. Zayne caiu no assento ao meu lado. — Alguém o viu? Eu me encolhi. — Confie em mim, se o fizessem, ele estaria no noticiário da noite. Ele estava muito ruim. — Ele ainda está lá? — Abbot levantou, rolando para baixo as mangas de sua camisa. — Uh... Sim, mas não acho que ele será um problema. Ele não é nada além de uma pilha de roupas e gosma. — Espere um minuto — disse Zayne, franzindo a testa enquanto me observava. — Você cheirou um zumbi, e sabendo quão perigosos eles podem ser, você decidiu ir até a sala da caldeira e o checou? Eu olhei para ele. Aonde ele ia com isso? — Bem, yeah, eu fiz. — E você se ocupou do zumbi? O matando? Bem... — Sim. Ele atirou ao seu pai um olhar significativo. — Pai. — O quê? — Meus olhos saltaram entre os dois. Abbot contornou a mesa, deixando escapar outro longo suspiro. — Quais são as regras, Layla? Mal-estar apertou os músculos do meu estômago. — Eu não mexo com as coisas perigosas, mas...
— Zayne me disse que você seguiu um Poser até o beco na outra noite, — Abbot interrompeu, no modo total de pai. Modo decepcionado de pai. — E ele acabou sendo um Seeker. — Eu... — fechei minha boca, olhando para Zayne. Ele evitou meus olhos, olhando para seu pai. — Não é grande coisa. — Seguir um Poser ou qualquer demônio em um beco é um grande negócio, Layla. — Abbot cruzou os braços, prendendo-me com um olhar descontente. — Você sabe melhor. Ninguém pode ver suas marcas, além de nós. Não há nenhuma razão para você seguir um em uma área isolada. E, em vez de caçar o zumbi hoje, você deveria ter chamado Morris e ele teria nos acordado. Eita. Eu me afundei no meu assento. — Mas... — Não há mas, Layla. O que aconteceria se o zumbi fosse visto por alguém? Nós somos encarregados de manter a verdade escondida. A humanidade deve ter fé que o Céu e o Inferno existem sem prova. — Talvez devêssemos cancelar o seu tempo de marcar. — Zayne sugeriu. — Não precisamos dela fazendo isso. Honestamente, é totalmente muito preguiçoso de nossa parte contar com a marcação dela em vez de procurá-los ativamente lá fora. Eu o encarei, vendo a minha liberdade murchar diante de mim, em vez de seus olhares piedosos. — Ninguém descobriu sobre o zumbi hoje! — Isso não é o ponto, — retrucou Abbot. — Você sabe melhor, Layla. Você arriscou sérias consequências por não nos dizer, para não mencionar que arriscou sua própria segurança. Seu desapontamento tocou alto e claro. Eu me mexi desconfortavelmente na cadeira, me sentindo cerca de 30 cm de altura. — Nós deveríamos checar a escola hoje à noite, — Zayne disse. — Peça ao comissário que contate o superintendente... diga que é algo rotineiro e que não há suspeitas. — Boa sugestão. — Ele deu ao filho um olhar orgulhoso. Eu me irritei. — Então, eu não tenho mais permissão para marcar? — Isso é algo que eu preciso pensar a respeito. — Abbot respondeu. Isso não soou bem para mim. Odiei a ideia de não ser capaz de marcar. Era a única coisa que redimia o sangue demoníaco em mim, ou pelo menos me fazia
sentir melhor. Tirar isso era como um tapa na cara. Isso também me tirava da casa, e com Petr aqui, era ainda mais importante. Pedi desculpas mais uma vez e saí do escritório. Eu me sentia como se estivesse à beira de chorar, gritar, ou socar alguém. Zayne me seguiu para o corredor. — Ei. Parei perto das escadas, uma onda de raiva batendo-me com força no intestino. Eu esperei até ele estar ao meu lado. — Você tinha que contar a ele sobre o Seeker no beco. Obrigada. Ele franziu a testa. — Ele precisava saber, Layla. Você não estava sendo cuidadosa e poderia ter se machucado. — Então por que você não disse algo para mim em vez de correr para o seu pai? Sua mandíbula cerrou imediatamente. — Eu não quis correr para o meu pai. Cruzei os braços. — Não é o que parece. Zayne me deu um suspiro com o qual eu estava familiarizada. Ele dizia que eu era infantil e dava nos nervos. Eu o ignorei. — Por que você sugeriria que eu parasse a marcação? Você sabe o quanto é importante para mim. — Sua segurança é mais importante. Você sabe que eu realmente nunca concordei com eles; deixar você correr ao redor de D.C. sozinha, perseguindo demônios. É perigoso. — Estive fazendo marcação desde que eu tinha treze anos, Zayne. E nunca tive qualquer problema... — Até algumas noites atrás, — ele interrompeu; as bochechas corando de raiva. Era tão raro Zayne perder a calma comigo, mas quando o fazia, era épico. — E é mais do que isso. Você é jovem e bonita. Quem sabe que tipo de atenção você está atraindo lá fora. Em qualquer outro momento, eu teria ficado emocionada ao ouvi-lo dizer que eu era bonita, mas agora, eu queria pegar essa palavra e enfiá-la em sua cara. — Posso cuidar de mim mesma.
Ele olhou para mim mortificado. — O que eu tenho lhe ensinado, só dará uma vantagem para você correr. Irritação e necessidade de provar que eu não era uma inepta indefesa provocou o que eu disse em seguida. — E eu sei como acabar com alguém. Zayne entendeu o que eu estava dizendo. Um olhar de absoluta descrença cintilou em seu rosto. — Essa é a sua maneira de se proteger? Tomando a alma de alguém? Legal. Imediatamente, eu percebi o meu erro. Eu desci um degrau. — Eu realmente não queria dizer isso, Zayne. Você sabe disso. Ele não parecia muito certo. — Que seja. Tenho coisas a fazer. — Como Danika? — Disse antes que eu pudesse me parar. Seus olhos se fecharam, e quando se reabriram, eles estavam um azul gélido. — É realmente maduro. Boa noite, Layla. Uma corrida quente de lágrimas nublou minha visão enquanto o assistia sair. Estava fazendo uma bagunça de tudo sem sequer tentar. Isso precisava de talento. Eu me virei e vi Petr dentro da sala de estar. O sorriso no rosto dele me disse que ele ouvira toda a nossa conversa – e apreciara isso. *** Acordei com o coração batendo e a garganta ardendo. Os lençóis torcidos nas minhas pernas, irritando minha pele. Rolando, eu encarei a luz verde néon do despertador. 02h52. Eu precisava de algo doce. Tirando os lençóis, eu levantei. Minha camisola agarrava à minha pele úmida. Não havia uma única luz no corredor do lado de fora do meu quarto, mas eu conhecia o caminho como a palma da minha da mão. Houvera muitas noites quando a ânsia inesperadamente atingia, levando-me a viagens silenciosas e sombrias para a cozinha. Atravessei as salas escuras apressadamente. Minhas pernas começavam a ficar vacilantes, minha frequência cardíaca diminuindo. Não posso viver assim.
Meu braço tremeu enquanto eu abria a porta da geladeira. A luz amarela caiu sobre minhas pernas nuas e o piso. Eu me abaixei, procurando impaciente a caixa de suco de laranja entre as garrafas de água e leite. Irritada e pronta para chutar alguma coisa, eu encontrei o suco de laranja atrás dos ovos. A embalagem escorregou dos meus dedos trêmulos, caiu no chão e derramou o suco pegajoso por todo o meu pé. Lágrimas brotaram e derramaram pelo meu rosto. Eu chorava sobre o suco de laranja derramado, pelo amor de Deus. Precisava ser um dos meus momentos mais idiotas de todos os tempos. Sentada ao lado da poça pegajosa, eu ignorei o ar frio da geladeira. Deus sabe quanto tempo eu fiquei lá antes de fechar a porta. Ao mesmo tempo, a cozinha foi lançada na escuridão. Eu meio que gostei assim. Isso era apenas eu sendo ridiculamente estúpida, e a escuridão. Ninguém poderia testemunhar minha histeria. Então ouvi a vibração suave de asas, cada vez mais alta enquanto se moviam em direção à cozinha. Eu endureci, minha respiração hesitando em minha garganta. O ar se agitou ao meu redor. Eu olhei para cima, vendo olhos amarelos, presas cercadas por pele e a textura de granito polido. O nariz era reto, as narinas fendas finas. Dividindo a cascata de cabelos escuros estavam dois chifres que se curvavam para dentro. Danika era tão marcante em sua verdadeira forma como era quando humana. Ela caiu ao meu lado, garras batendo no piso de cerâmica enquanto caminhava até a ilha da cozinha e agarrava um rolo de papel toalha. — Precisa de ajuda? Era estranho ver uma gárgula de 1,82m oferecer toalhas de papel para você. Danika olhou para mim, seus lábios cinza escuros se curvando num sorriso hesitante. Apressadamente sequei os meus olhos com as palmas das mãos e peguei o maço de toalhas. — Obrigada. Danika escondeu suas asas enquanto se agachava, limpando a maior parte da confusão de uma vez. — Você está se sentindo indisposta? — Eu estou bem. — Peguei a caixa. Ela estava vazia. Ótimo.
Ela amontoou as toalhas de papel, os dedos longos e elegantes, mas aquelas garras poderiam rasgar através da pele, músculo, até mesmo metal. — Não parece que você esteja bem, — ela disse cuidadosamente. — Zayne me disse que às vezes você... fica doente. Minha cabeça se ergueu. Uma onda quente de traição passou por mim. Eu não poderia sequer formar palavras. O rosto de Danika se comprimiu. — Ele está apenas preocupado com você, Layla. Ele se preocupa com você profundamente. Peguei as toalhas ensopadas e a caixa vazia, ficando de pé com as pernas trêmulas. — Oh. — Eu ri duramente. — Ele se preocupa? É por isso que te disse sobre a minha doença? Ela se endireitou lentamente. — Ele só disse algo para que eu pudesse ajudar no caso de você precisar de alguma coisa. — Ela recuou, vendo o olhar no meu rosto. — Layla, eu não a julgo. Na verdade, eu acho que você é incrivelmente forte. Mais lágrimas, mais quentes do que aquelas que já caíram, queimaram na parte de trás da minha garganta. Por que eu estava sempre comendo algo doce não era segredo, mas apenas Zayne sabia o quanto eu me esforçava até agora. Eu não podia acreditar que ele disse a Danika. E a pediu para ficar de olho em mim? Mortificada parecia uma palavra fraca para descrever como me senti. — Layla, você precisa de outra coisa? Posso ir até a loja e pegar mais um pouco de suco. Larguei as coisas na lata de lixo, ombros rígidos. — Não vou pular em você e sugar sua alma, se é com isso que está preocupada. Danika engasgou. — Não foi isso que eu quis dizer... não mesmo. É só que parece que você precisa de algo e eu quero ajudar. Eu me virei. Ela ainda estava junto à geladeira, suas asas abertas, atingindo pelo menos 1,21m de cada lado. — Eu estou bem. Você não precisa ficar de olho em mim. — Eu me retirei, mas parei na porta, respirando superficialmente. — Diga ao Zayne que eu disse obrigada. Antes que Danika pudesse responder, eu saí da cozinha e voltei para o meu quarto. Eu me arrastei para a cama, jogando as cobertas sobre minha cabeça. De
vez em quando, um espasmo percorria meus músculos e minha perna dava uma sacudida. Repetidamente, as palavras passaram pela minha cabeça. Eu não posso viver assim.
— Está se sentindo melhor hoje? — Stacey perguntou no momento em que se sentou no meu lado. — Você parecia um lixo requentado ontem. Nem me dei ao trabalho de olhar para cima. — Obrigada, amiga. — Bem, me desculpe, mas é a verdade. Parece que passou a noite toda chorando. — É alergia. — Inclinei-me, assim meu cabelo estava no meu rosto. — Você, por outro lado, parece muito contente esta manhã. — Eu? Eu não! — Stacey suspirou sonhadora. —Minha mãe não estragou o meu café como ela sempre faz. Você sabe como eu fico quando ela faz isso, o que é quase toda maldita manhã, mas hoje não. Hoje foi o dia da avelã e meu mundo está feliz e radiante. Enfim, o que Zayne fez? — O quê? — Levantei a cabeça, franzindo a testa. Seu olhar era de simpatia. — Zayne é a única pessoa que te faz chorar. — Não estava chorando. Ela afastou sua franja para trás. — O que quer que tenha acontecido, você precisa esquecer e seguir em frente. — Ela fez uma pausa, saindo pela porta. — Com ele, por exemplo. Ele faria você chorar por um motivo diferente. — Eu não estava chorando por... — eu me cortei quando percebi que ela apontava para Roth. — Espere, como ele me faria chorar? Os olhos de Stacey se arregalaram. — Você é de verdade? Preciso soletrar para você?
Olhei novamente para Roth. Assim como Stacey, meus colegas de classe pararam o que faziam para vê-lo. Havia um encanto natural na maneira como ele andava. De repente, eu entendi o que Stacey queria dizer. Corando feito uma beterraba, eu voltei para o meu livro. Ela deu uma risadinha. Era um dia de laboratório. Nós estávamos com Roth, para o prazer de Stacey. Surpreendentemente, ele me ignorou como a maioria da classe e conversou com Stacey. Ela falou sobre tudo, exceto o tamanho de seu sutiã, e eu sinceramente achava que se o sinal não tivesse tocado, ela teria falado sobre isso também. Meu estado de espírito continuou seguindo simpático pelo resto do dia. Na hora do almoço, eu brincava com a comida em meu prato enquanto Stacey lançava olhares para Eva. Sam me furou com o garfo de plástico. — Ei. — Hum? — Sabia que todos os Estados do Norte têm uma Springfield como cidade? Senti um sorriso surgindo nos meus lábios. — Não, não. Às vezes, eu queria ter a metade da memória que você tem. Seus olhos cintilaram por trás de seus óculos. — Quanto tempo você acha que Stacey ficará olhando Eva de olho torto? — Posso ouvir você, — Stacey respondeu. — Ela tem espalhado alguns rumores desagradáveis. Acho que vou irromper na casa dela mais tarde e cortar o cabelo dela. Então, talvez o cole na cara dela. Sam sorriu. — Esta é uma maneira ímpar de retaliação. — Sim, isso é estranho. — Tomei um gole da minha água. Stacey revirou os olhos. — Se ouvisse o que ela anda dizendo, você mesma se inscreveria para a colagem do rosto. — Oh, ela está falando de mim após alguns goles de cerveja ou ser uma servente na minha casa? — Torci a garrafa de água que estava em minhas mãos, considerando a tensão crescente no rosto de Eva. Sam retirou seus óculos. — Não ouvi sobre isso. — Isso é porque você não ouve nada, Sam. Eva tem falado coisas perversas sobre Layla. Não deixarei isso passar.
Um frio percorreu a minha espinha e endireitei minha coluna em resposta. Olhando para a minha esquerda, fiquei chocada ao ver Roth de pé. Esta era a primeira vez que eu o via ali. Por alguma razão, eu sabia que ele não estava tomando café. Stacey nem tentou esconder a sua surpresa. — Roth, você veio! — O quê? — Perguntei, enquanto Sam parecia confuso. Roth se jogou na cadeira ao meu lado, com um sorriso inocente no rosto. — Stacey me convidou para o almoço enquanto você prestava atenção na aula de biologia. Lancei um olhar incrédulo para Stacey. Ela apenas sorriu. — Que simpático de você! — Disse lentamente. O olhar de Sam ficava entre mim e Stacey, depois se fixou em Roth. Ele estendeu a mão para cumprimentá-lo. Eu queria bater naquela mão. — Eu sou Sam. Muito prazer. Roth o cumprimentou. — Você pode me chamar de Roth. — Roth como conta de aposentadoria? — Sam perguntou. — É assim que você se chama? As sobrancelhas escuras de Roth se levantaram enquanto ele olhava para Sam. — Desculpe. — Stacey suspirou. Os olhos de Sam se estreitaram em Stacey. — O quê? É assim que as contas de aposentadoria são chamadas – Roth IRAs. Como você não sabe disso? — Estou no ensino médio. Por que eu me importaria com a aposentadoria? Além disso, como você sabe? — Stacey perguntou enquanto pegava um garfo de plástico, levantando na direção do rosto dele. — Então você nos espanta com os seus conhecimentos sobre utensílios de plástico e como eles foram criados. — Lamento se a sua falta de conhecimento te deixa desconfortável. — Sam bateu no garfo, sorrindo. — Deve ser difícil viver com o seu pequeno cérebro. Roth me cutucou com o cotovelo. Quase pulei da minha cadeira. — Eles são sempre assim? Estava considerando ignorá-lo, mas quando olhei para o rosto dele, achei que não conseguiria desviar o olhar. Vê-lo na cantina da escola era além de
enervante. Achei que ele só vinha à aula de biologia e depois desaparecia. Ele na verdade assistia às aulas todos os dias? — Sempre. — Murmurei. Ele sorriu, olhando a mesa. — Então, o que falavam antes de contas de aposentadoria e a criação de utensílios? — Nada. — Respondi rapidamente. — A vaca da Eva Hasher ali. — Stacey fez um gesto com a mão. — Ela tem falado sobre a Layla. — Obrigada. — Olhei para as portas que conduziam para a saída da cantina desesperadamente. — Ouvi sobre isso, — respondeu Roth. — Então, você planejava algum tipo de vingança? — Definitivamente, — ela respondeu. — Bem, você sempre pode... — Não. — Eu o impedi. — Sem vingança, Roth. — Eu tinha certeza de que as suas ideias me comprariam um bilhete de ida para o inferno. Ele tirou uma mecha de cabelo do rosto. Ele não tinha piercing e eu meio que gostava assim. Deixava o rosto dele mais suave. Não que eu não gostasse de seu cabelo ou seu rosto ou qualquer coisa nele. — Nenhum divertimento. Sam olhou para Roth, retirando os óculos. — Você não conhece a Stacey. A última vez que ela planejou uma vingança incluía roubar uma lata de spray e um carro. Os olhos de Roth se arregalaram. — Wow. Hardcore! Stacey se espreguiçou na cadeira, sorrindo de orelha a orelha. — O que posso dizer? Se vou fazer o mal, dou o melhor de mim. Isso pareceu animar o demônio, o que era surpreendente. Pulei da minha cadeira antes que ela pudesse responder. — Então, quais os planos para o fim de semana? Sam encolheu os ombros. — Estava pensando em ir ver uma peça no velho Opera House. Como ninguém marcou alguma entrevista importante para mim, estou fazendo uma matéria sobre arte popular. Que Deus me ajude. Esfreguei minha testa cansadamente. — Sinto muito. Avisei para você não esperar por isso. Os Guardiões são muito tímidos, como você deve se lembrar.
— Roth, você sabia que Layla foi adotada por Guardiões? — Stacey perguntou, me empurrando para sentar novamente. — Sabe quão assustador isso é? Eu queria bater nela. — Assustador? — Roth sorriu. — Não, acho isso épico. Lentamente, eu olhei para ele. — Você acha? Seu sorriso foi quase angelical. — Oh, sim. Admiro os Guardiões. Onde qualquer um de vocês estaria sem eles? Eu quase ri. Parecia tão ridículo vindo de um demônio. Mesmo que eu conseguisse bloquear, o sorriso apareceu antes que eu pudesse fazer algo a respeito. Os olhos dele encontraram os meus novamente, e dessa vez o refeitório não existia mais. Eu sabia que o mundo estava próximo e ouvia Sam e Stacey brigando novamente, mas parecia que éramos apenas nós dois. Uma vibração estranha começou no meu peito, se espalhando por todo o meu corpo. Ele se moveu sem eu perceber, sua respiração quente dançando no meu rosto, meus lábios. O ar ficou preso em meus pulmões. Seus lábios se separaram, e me perguntei o que aconteceria se eu os tocasse, os sentisse. — O que você está pensando? — Ele murmurou, seus olhos indo para baixo. Saindo da neblina em que me encontrava, lembrei quem estava me olhando. Pensando nele de uma forma que eu nunca havia pensado. Pensei em como me zanguei com ele ontem e as inúmeras outras coisas que ele fizera em pouco tempo, se não fosse isso eu gostaria de conhecê-lo. Meio tonta, mordi meus lábios e foquei na discussão dos meus amigos. Algo a ver com abacaxis e cerejas, mas poucos segundos depois, voltei meu olhar para Roth. Seu sorriso era presunçoso, um pouco ousado. E tive a sensação que estava em apuros. *** Após terminar a minha prova de biologia, eu larguei meus livros no armário. Abbot provavelmente não queria que eu fosse hoje à noite, mas isso não era o que eu planejara. Arriscar irritá-lo era muito melhor do que me trancar no meu quarto
ou ser forçada a ficar na presença de Petr. Quando fechei meu armário, senti uma agitação anormal dentro de mim. Olhando para cima, meu coração quase parou. Roth estava encostado de maneira desleixada ao lado do meu armário, com as mãos enfiadas nos bolsos de sua calça jeans. — O que você está fazendo? — Jesus! — Dei um passo atrás. — Você quase me matou de susto. Seus lábios se curvaram em um sorriso. — Opa. Peguei minha mochila e passei por ele, mas ele facilmente me parou. Empurrei as portas pesadas de metal, me refrescando com o ar da noite. — O que você quer? — Achei que você gostaria de saber que eu limpei a bagunça de ontem. Achei o máximo, já que Abbot e Zayne deram uma olhada ontem à noite e não me arrastaram da cama para gritar comigo sobre o cadáver. — Bom para você. — E ia sobrar para você, não é? Mesmo que pedisse para não fazer. Não podia deixar você fazer isso sozinha. — Por que não? — Já te falei. Não era seguro para você. Eu tinha vontade de gritar com ele. — Por que não era seguro para mim? Ele não disse nada. Irritada, comecei a andar. As ruas estavam lotadas com pessoas e sujas com bilhetes mensais de metrô. Talvez eu o perdesse no meio da multidão. Um quarteirão depois, Roth ainda estava ao meu lado. — Você está com raiva de mim, — disse casualmente. — Acho que você poderia dizer isso. Não gosto muito de você. Ele riu. — Eu gosto quando você tenta ser honesta. Olhei para ele com cautela. — Eu não estava tentando. Estou sendo honesta. Roth sorriu largamente, mostrando seus dentes surpreendentemente bonitos. — Isso é uma mentira. Uma parte de você gosta de mim. Parei de uma vez, irritada. — Não sou eu que estou mentindo agora. Imperturbável, ele estendeu a mão e agarrou o meu braço, me puxando de volta quando um taxista passava tão rápido que senti o vento nos meus cabelos. O taxista buzinou, gritando algo obsceno para mim.
— Cuidado, — Roth murmurou. — Duvido que os seus órgãos internos sejam tão bonitos quanto o exterior. Eu estava imediatamente ciente de como o meu peito estava pressionado contra o dele. Um calor inexplicável me inundou, como se estivesse debaixo de um sol de verão. Nossos olhos estavam pertos. Tão perto que eu podia ver que seus olhos não eram puro ouro, mas havia manchas de âmbar profundo neles. Eles estavam agitados loucamente, me puxando. Aquele cheiro selvagem camuflado. Minha mão pousada no peito dele. Quando a minha mão foi parar ali? Eu não sabia, mas meu olhar foi para a boca dele. Aqueles lábios... tão perto. O sorriso de canto de Roth terminou de me derrubar. Tirando isso, eu flutuava. A risada de Roth me interrompeu. Consegui atravessar a rua sem ser atropelada. Meu corpo ainda vibrava pelo breve contato. E isso era errado. Felizmente, eu encontrei algo para me distrair. No canto estava um Fiend. Ele andava do lado de fora de um hotel em construção, ao lado de um andaime vermelho. O Fiend que se parecia com qualquer outro fã de pop rock que podia ser encontrado nas ruas de Washington. — Sabe, você poderia ter me agradecido por salvar a sua vida. — Roth de repente estava ao meu lado. Eu gemi, mantendo um olho no demônio. — Você não salvou a minha vida. — Você quase foi atropelada por um táxi. E se quiser conseguir uma babá, eu farei isso com prazer. Prometo que eu serei muito... — Não termine essa frase. — Era só uma oferta. — Tanto faz. — Assisti o Fiend olhar para o operário que começava a descer dos andaimes. — Se eu agradecer, você vai embora? — Sim. — Obrigada, — eu disse ansiosamente. — Eu menti. — O quê? — Olhei para ele, franzindo a testa. — Isso está errado. Roth inclinou-se, de forma que nossos rostos estavam muito perto. Deus, ele cheirava bem. Fechei os olhos brevemente e jurei poder senti-lo sorrir. — Sou um demônio. Costumo mentir de vez em quando.
Senti meus lábios se contorcerem em um sorriso. Rapidamente me virei para escondê-lo. — Tenho coisas para fazer, Roth. Vá chatear outra. — Você vai marcar aquele Fiend ali? — Ele perguntou. Paramos do lado de fora de uma loja de jogos, algumas lojas abaixo do local da construção. Eu não disse nada. Roth se inclinou contra o edifício de tijolos vermelhos. — Antes de marcar o garoto e condená-lo à morte, porque não vê o que ele vai fazer. Meus olhos se estreitaram. — Por que o deixaria fazer algo que sei que machucará alguém? — Como você sabe que alguém se machucará? — Roth virou a cabeça para o lado, enviando ondas de cabelo preto liso na sua testa. — Você nunca esperou para ver o que eles farão, não é? Comecei a mentir, mas o mandei embora, focando no Fiend. O demônio com cabelo verde espetado esfregou uma mão ao longo de sua mandíbula, observando o trabalhador descer da construção e ir à outra seção bloqueada por uma corda de cor laranja. O homem pegou algum tipo de serra, acenando ao redor enquanto ria de algo que seu amigo dissera. — Apenas espere e veja o que acontece antes de julgá-lo. — Roth deu de ombros. — Não doerá. Eu o olhei de soslaio. — Não vou julgá-lo. Roth virou a cabeça para o lado. — Quer que eu finja que não faço ideia das coisas covardes que você faz depois da escola? — Covardes? — Revirei os meus olhos. — Estou apenas marcando... — Que você os marca para os guardas atirarem mais tarde, — finalizou. — Então não faço ideia de como você pode pensar que não está dando uma de juiz e júri. — Isso é estúpido. Quer deixá-lo fazer algo mal? Acho que não. Ele pareceu considerar isso. — Você sabe qual é o seu problema? — Não, mas aposto que vai me esclarecer. — Sim, vou. Não quer ver o que o Fiend fará porque tem medo de que não será algo nefasto, e então você terá que lidar com o fato de que os seus diretores são assassinos e não salvadores.
Minha boca caiu aberta, mas meu estômago também cambaleou com as palavras dele. Se o que ele disse era verdade, isso viraria o meu mundo de cabeça para baixo. Mas não podia ser verdade. Demônios eram maus. — Tudo bem, — eu falei. — Vou esperar. Roth me mostrou um sorriso insolente. — Bom. Murmurando sob a minha respiração, me foquei no Fiend outra vez. Eu teria de explicar isso quando varresse uma calçada inteira de pedestres. Considerando que qualquer outra opção era impossível. Toda a minha vida foi construída em torno de uma simples crença: demônios mereciam ser punidos sem questionamento. O Fiend empurrou a pedra de mármore e estendeu a mão casualmente, escovando os dedos ao longo da parte inferior do andaime, então continuou andando. Um segundo depois, um gemido alto atravessou o ruído do tráfego e o andaime começou a tremer. As cabeças dos trabalhadores se viraram para o local. O homem caiu e gritou. Vários outros trabalhadores saíram correndo do edifício, segurando seus capacetes amarelos enquanto os andaimes vinham abaixo, entrando em colapso como um acordeão por trás da corda laranja. Com uma nuvem de poeira se estabelecendo e maldições sendo ditas, vários pedestres pararam nas calçadas, alguns tirando fotos da bagunça com seus telefones. E, Deus, foi uma bagunça. Quem sabe quanto tempo demorou em arrumar o andaime e as ferramentas que foram anexadas a ele, mas elas provavelmente foram destruídas quando o andaime desmoronou. Fiquei só olhando. — Hmm, — Roth falou lentamente. — Foi definitivamente um contratempo no projeto e algum dinheiro desperdiçado, mas bem assustador? Não, acho que não. — Isso... ele provavelmente quis fazer cair sobre a calçada. — Continue pensando assim. Ninguém se feriu. Era quase como se o Fiend esperasse o último homem descer dos andaimes, antes de fazer isso. Eu não poderia processar o que vi. Roth jogou o braço sobre meus ombros. — Vamos lá. Vamos encontrar outro.
Retirei o braço dele enquanto voltamos a andar na calçada. Roth cantarolava essa maldita canção. — O que é isso? Ele parou. — O que é o quê? — A canção que você continua cantando. — Oh. — Ele sorriu. — Paradise City. Levei alguns segundos para saber o que era. — Guns N' Roses? — Coisas boas, — ele respondeu. Encontramos outro Fiend mexendo com os cabos que ligava os sinais das ruas. Todos os quatro lados do cruzamento ficaram verdes ao mesmo tempo. Seria um acidente épico, mas novamente, não haveria feridos. O Fiend poderia te mexido com o sinal de pedestre, o que seria muito ruim, mas ele não fez. A coisa toda era mais curiosa do que sinistra. — Seguir para o terceiro seria charme? — Não, — sussurrei; nervosa e confusa. Eram apenas dois demônios. Isso não significava nada. Roth arqueou uma sobrancelha escura. — Você quer fazer uma marcação? Não? Acho que não. Que tal fazermos alguma coisa? Parando na faixa de pedestres, ele me atirou um olhar. — É por isso que você me mandou parar com as marcações? Porque você acha que os demônios são inofensivos? — Eu sei que os Fiend são inofensivos. Nem todos os demônios são. Alguns de nós são realmente ruins, mas os que você está condenando à morte? Não. — Ele fez uma pausa enquanto isso afundava no meu estômago. — Mas não. Meu pedido realmente não tem nada a ver com isso. — Então o quê? Ele não respondeu até que cruzamos a rua, parando no meio fio. — Está com fome? Meu estômago resmungou em resposta. Eu estava sempre com fome. — Roth... — Vou adoçar o negócio para você. Você come comigo e eu te conto sobre alguém que era como você. Você adoraria saber, não é? — Ele mostrou um sorriso vencedor. — Saia comigo e te direi o que eu sei, no final da nossa aventura. Não antes.
Eu me virei em torno de um grupo de turistas. Minha curiosidade fazendo um buraco em mim, e era mais fácil fazer isso do que condenar demônios inofensivos à morte. Mas um acordo com um demônio seria como fazer um pacto com o diabo. — Qual é o truque? Roth parecia bastante inocente. — Você precisa sair comigo. Isso é tudo. — Você já mentiu para mim. — Cruzei os meus braços. — Como saberei que não está mentindo agora? — Acho que é um risco que você terá que correr. Um casal de idosos passou sorrindo para nós. Roth deu o seu sorriso mais charmoso enquanto eu debatia sobre o que fazer. Duvidava que Abbot estivesse esperando qualquer marcação esta noite. Uma vez que eu não sabia se ainda estava autorizada a fazer isso. Soltando uma respiração superficial, assenti com um movimento de cabeça. — Ok. Ele sorriu. — Bom. Conheço um lugar. — Isso me preocupa. — Respondi brandamente. — Você me excita. Para me distrair, eu me ocupei mexendo na alça da minha mochila. Então, ele me alcançou, retirando os meus dedos da alça da mochila. Senti meu coração perder uma batida e o meu rosto ficando mais quente. — É sempre assim? — Roth perguntou, virando a minha mão na sua. — O quê? — Eu te perturbando de maneira simples, você sempre corando e desviando o olhar. — Ele correu a ponta dos dedos pela minha mão. A carícia enviou um arrepio através de mim, seguindo o percurso dos meus nervos até a ponta dos meus dedos. — Como agora. Você está corando novamente. Retirei a minha mão da dele. — É porque você é sempre irritante e assustador. Ele riu. Não um sorriso falso. Roth estava realmente se divertindo comigo. — Há um restaurante no Verizon Center que tem os melhores bolos. — Comer bolo? — Me parecia estranho. — Achei que você fosse beber sangue de virgens e comer coração de vaca. — O quê? — Roth riu novamente, e o som era agradável. — O que os Guardiões te ensinaram? Amo bolinhos. Quer pegar o metrô ou ir andando?
— Andando. — Eu disse. — Não gosto de metrô. Começamos a ir em direção à rua F, isso levaria algum tempo a pé. Mantive meu olhar fixo sobre as almas radiantes na minha frente, ciente de Roth perto de mim em todos os níveis. Era a coisa mais estranha, quando olhava para ele e não olhava uma alma, era aterrorizador. Estar em torno de todas aquelas almas me atormentava. O vazio era um indulto. Mas era mais que isso. Ficar perto de Roth era libertador. Além de Zayne e dos Guardiões, ele era o único que sabia o que eu era. Nem os meus melhores amigos sabiam sobre mim. Roth sabia, e não se importava. Zayne e os Guardiões se importavam. Entretanto, Roth era um demônio puro sangue de Deus sabe o quê, mas eu não precisava fingir com ele. — Não gosto de lugares fechados também. — Roth disse depois de alguns momentos. — Por quê? É como voltar para casa para você. — Exato. Olhei para ele. Com as mãos enfiadas nos bolsos e a expressão séria. Ele parecia estranhamente vulnerável. Mas quando ele abaixou a cabeça para olhar para mim, me olhou como se eu fosse a presa e ele o predador. Eu tremi, piscando para o sol brilhante. — Como é lá embaixo? — Quente. Revirei meus olhos. — Sério! Roth puxou um panfleto anti-Guardião da parte de trás de um banco pelo qual passamos e me entregou. — É como aqui, só que um pouco mais sombrio. Acho que tenta espelhar tudo da superfície, mas é distorcido. Não é um lugar muito bonito. Há muitas falésias, rios que não tem fim e terrenos baldios onde as cidades se desintegram. Acho que você não ia gostar. O panfleto tinha a mesma imagem grosseiramente desenhada que a maioria. Joguei fora ao passar por uma lata de lixo. — Você gosta? — Tenho escolha? — Ele perguntou duramente. Eu podia sentir os seus olhos em mim, estudando a minha reação. — Eu diria que sim. Ou você gosta ou não gosta.
Seus lábios formaram um sorriso. — Aqui é melhor. Tentei manter a minha expressão neutra enquanto atravessávamos outro cruzamento. — Você vem sempre aqui? — Mais do que devia. — O que isso significa? — Inclinei a cabeça para trás, encontrando o seu intenso olhar. — É... verdadeiro aqui em cima. — Ele colocou a mão nas minhas costas e a sua mão me queimava através da roupa, estranhamente delicioso enquanto me guiava para o outro lado da rua. — Então... quando você começou a marcá-los? Mordi meu lábio, insegura se devia contar a ele. — Eu tinha treze anos quando comecei. Sua sobrancelha se arqueou. — Demorou muito tempo para você perceber que podia fazer isso? — Não… depois que eles me encontraram, eles sabiam que eu podia ver as almas. Acho que alguém contou ou algo assim. Foi um acidente que alguém soube que eu poderia identificar demônios. — O que aconteceu? — Ele perguntou, soltando a minha mão. — Acho que eu tinha dez anos ou algo assim, e estava com um dos Guardiões, — eu disse. — Estávamos comendo. Vi uma pessoa que não tinha uma aura e fiquei encarando-a. Foi como apertar um botão. Ninguém pareceu notar, além do Guardião. — E o resto da história? — Roth perguntou de maneira presunçosa. — Os Guardiões a colocaram aqui e pediram para você marcar os demônios. Parece muito conveniente para mim. — Não sei o que você quer dizer com conveniente. Eu sou uma Guardiã também, sabe. Ele olhou para mim. — Não diga que nunca considerou que a única razão pela qual eles mantêm você é por causa do que pode fazer. — E a razão pela qual você está interessado em mim, não tem nada a ver com o que eu posso fazer? — Brinquei; orgulhosa por ser corajosa o bastante. — Claro, estou interessado em você pelo o que pode fazer. — Ele respondeu calmamente. — Nunca fingi outra coisa.
Evitei um grupo de jovens da minha idade. As garotas vestidas com saias curtas e meias até o joelho encaravam Roth. — Eles não sabiam o que eu podia fazer quando me encontraram Roth. Então pare de tentar fazê-los parecer maus. — Gosto quando as pessoas tentam classificar as coisas em boas e ruins, como se tudo fosse assim, bem definido. — É, isso é bem definido. O seu tipo é mau, os Guardiões são bons. — Minha resposta soou plana. — Eles são bons. Ele correu a sua mão pelo cabelo, fazendo cair uma mecha na testa. — E por que você acha que os Guardiões são bons? — Suas almas são puras, Roth. Eles protegem pessoas de coisas como você. — As pessoas com as almas mais puras são capazes de cometer os maiores males. Ninguém é perfeito, não importa quem são ou de que lados lutam. — Roth pegou a minha mão, puxando-me para perto quando um grupo de turistas com pochetes passou. — Um dia desses, comprarei uma dessas para mim. A risada saiu antes que eu pudesse contê-la. — Você ficaria muito sexy com uma pochete. O sorriso aqueceu o seu rosto, me aquecendo. — Eu seria sexy com qualquer coisa. Eu ri novamente, balançando a cabeça. — É tão modesto. Roth piscou. — A modéstia pertence aos perdedores. Algo que não sou. Balancei a cabeça, sorrindo. — Eu diria que você provavelmente ganhou uma passagem para o inferno, mas você sabe... Roth virou a cabeça para o lado, rindo. — Sim. Sim. Sabe quantas vezes as pessoas me mandaram para o inferno? — Posso imaginar. — Olhei o topo do Varizon Center. — Isso nunca fica velho, — Roth meditou, sorrindo suavemente.
Viramos na Rua F, eu me aproximei dele, apontando para o outro lado da rua. — Quando era pequena, eu costumava sentar em frente ao centro de artes e vê-los através das janelas. Gostaria de ter um pouquinho da graça e talento deles. Você deveria me ver dançar. — Hmm, — Roth murmurou com os olhos dourados brilhando. — Eu gostaria de ver você dançar. Era comum para um demônio tecer cada comentário em algo atado com insinuação sexual? A multidão ficou mais espessa perto do centro de artes, um sinal certo de que teria um concerto mais tarde. Meu olhar pousou sobre um casal encostado na esquina do edifício. Eles estavam juntos, alheios ao mundo ao seu redor. Eu mal podia dizer onde um termina e o outro começava. Inveja encheu minha cabeça, obrigando-me a desviar o olhar. Roth me assistia observar o menino e menina. Ele mostrou um sorriso lupino. — Então, como uma marcação se parece? — Você não pode vê-la? — Sorri. — Bem, eu não vou te dizer. Roth riu. — Justo. Posso perguntar outra coisa? Olhei para ele. Ele olhava para frente agora, lábios franzidos. — Claro. — Você gosta de fazer isso? Marcar demônios? — Sim. Estou fazendo algo bom. Quantas pessoas podem dizer isso? — Eu rapidamente acrescento: — Eu gosto disso.
— Isso não te incomoda, que a sua família voluntariamente colocou você em perigo para servir aos seus próprios fins? Irritação brilhou como um brilho do sol de inverno. — Na verdade, eles não querem que eu marque mais, para eles não é de bom grado me colocar em perigo. Estou contente em poder ajudar. Você pode dizer o mesmo sobre o que faz? Você é o mal. Você arruína a vida das pessoas. — Não estamos falando de mim, — ele respondeu suavemente. — E o que quer dizer que eles não querem que você marque mais? Acho que esses Guardiões e eu temos algo em comum. Agarrei a alça em volta do meu ombro, mentalmente me chutando na cara. — Não é nada. Estou cansada de falar sobre mim. Paramos em frente ao café que Roth falara antes. Os biscoitos frescos e muffins na janela cantaram para mim. — Com fome? — Roth sussurrou em meu ouvido. Sua proximidade foi o que tornou difícil para respirar. Eu podia ver a borda da cauda da cobra fora do colarinho. Ergui a cabeça, engolindo. — Sua tatuagem se move. — Bambi fica entediada. — Sua respiração agitou o cabelo em torno da minha orelha. — Oh. — Sussurrei. — Então... ela mora em você ou algo assim? — Ou algo assim. Com fome ou não? Foi quando notei o sinal de Não Servimos Guardiões Aqui. Nojo me encheu. — Eu acho que sei por que você gosta deste lugar. Sua risada confirmou minhas suspeitas. — Este é apenas opulento. — Eu o encarei. — Eles não servem a Guardiões, mas servem o seu tipo. — Eu sei. É chamado de ironia. Eu amo isso. Balançando a cabeça, entrei no café. Esses biscoitos pareciam bons demais para deixar passar. Estava um pouco mais quente dentro do movimentado restaurante. O cheiro do pão acabado de assar encheu o ar como fez a conversa mole de pessoas sentadas em mesas de estilo bistrô. Pedi um sanduíche e dois bolinhos de açúcar. Roth pediu um café e um muffin de blueberry – o muffin ainda me surpreendeu. Encontramos uma mesa perto dos fundos, e não tentei ficar estranha pelo fato de que estava jantando com um demônio.
Procurei por uma pergunta normal para perguntar enquanto mastigava o meu sanduíche. — Quantos anos você tem? O olhar de Roth acendeu-se de onde estava estrategicamente quebrando seu bolinho em vários pedaços pequenos. — Você não acreditaria em mim se eu dissesse. — Provavelmente não. — Sorri. — Mas tente-me. Ele colocou um pedaço do bolinho na boca, mastigando devagar. — Dezoito. — Dezoito... o quê? — Terminei o meu sanduíche enquanto ele olhava para trás, as sobrancelhas levantadas. — Espere. Você está tentando dizer que tem apenas dezoito anos de idade? — Sim. Minha boca ficou boquiaberta. — Você quer dizer dezoito anos em anos de cão, certo? Roth riu. — Não, quero dizer dezoito como em eu nasci há dezoito anos. Sou um bebê demônio, basicamente. — Um bebê demônio, — repeti lentamente. Quando eu pensava sobre bebês, a imagem de algo macio e fofinho veio à mente. Nada sobre Roth era infantil. — Você está falando sério. Ele balançou a cabeça, tirando as migalhas das mãos. — Você parece tão chocada. — Não entendo. — Peguei um dos cookies. — Bem, tecnicamente, não estamos realmente vivos. Não tenho uma alma. Fiz uma careta. — Você foi chocado a partir do enxofre ou algo assim? Roth jogou a cabeça para trás, rindo. — Não. Fui concebido como você, mas o nosso crescimento é muito diferente. Eu não deveria ser curiosa, mas não pude evitar. — Diferente como? Ele se inclinou, sorrindo enquanto seus olhos brilhavam. — Bem, nós nascemos como bebês, mas dentro de duas horas, amadurecemos. Isto... — ele apontou para ele, — é apenas uma forma humana que escolhi usar. Nós somos todos praticamente idênticos, para ser honesto. — Assim como os Guardiões, então. Você está vestindo uma pele humana. Então, como você realmente se parece? — Tão lindo como pareço agora, mas em um tom muito diferente de pele.
Suspirei. — Que cor? Roth pegou seu copo e o levou à boca. Ele olhou para mim através de cílios grossos. — Um menino deve ter alguns segredos. Isso mantém o mistério vivo. Revirei os olhos. — Que seja. — Talvez um dia eu te mostre. — Eu não estarei interessada, então. Desculpe. — Movi para o meu segundo cookie. — Então, de volta a coisa dos dezoito. Você parece muito mais maduro do que os rapazes normais. Isso é uma coisa demônio? — Somos oniscientes. Eu ri. — Essa porcaria. Você está dizendo que nasceu sabe-tudo? Roth sorriu maliciosamente. — Praticamente. Fui a partir de... — ele estendeu as mãos afastadas em 90 cm, — para o que sou agora em cerca de vinte e quatro horas. O cérebro cresceu junto com isso. — Isso é apenas estranho. Ele pegou o café, tomando um gole. — Então, o que você sabe sobre a sua outra metade? E ele voltou para mim novamente. Suspirei. — Não muito. Eles me disseram que minha mãe era um demônio, e é isso. — O quê? — Roth se recostou. — Você realmente é tão inocente de sua herança. É bonito, mas estranhamente irritante. Mordisquei meu cookie. — Eles acham que é melhor assim. — E acha que está tudo bem eles a manterem completamente no escuro quando se trata da sua outra parte? Dei outra mordida, encolhendo os ombros. — Não é como se eu reivindicasse a outra metade. Ele revirou os olhos. — Sabe, isso me lembra a uma ditadura. A forma como os Guardiões a tratam. — Como assim? — Manter as pessoas na escuridão, longe da verdade. Fazê-los mais fáceis de controlar. — Ele tomou um gole de café, observando-me sobre a tampa. — É o mesmo com você. — Ele encolheu os ombros. — Não é como se você parecesse se importar.
— Eles não me controlam. — Parei o cookie perto da boca, brevemente considerando jogá-lo na cara dele. Mas isso seria um desperdício de um cookie perfeitamente bom. — E acho que você está em condições de falar com alguns dos ditadores mais infames do mundo. — Eu não diria que falo com eles. — Os lábios franzidos, pensativo. — Mais como enfiar atiçadores quentes neles quando fico entediado. Eu me encolhi. — Sério? — O inferno não é bonito para aqueles que ganharam o seu caminho até ele. Pensei nisso por um momento. — Bem, eles meio que merecem uma eternidade de tortura. — Olhei em volta do café, sobre as almas brilhantes e retratos emoldurados nas paredes. Eram fotos de antigos proprietários, cada um velho e de cabelos grisalhos. E então eu a vi. Ou eu vi sua alma em primeiro lugar. Alerta de pecador. A essência em torno dela era manchada, um caleidoscópio de tons escuros. Fiquei imaginando o que ela fez. Assim que a alma dela desapareceu, vi que ela parecia uma mulher normal de trinta e poucos anos. Ela estava bem vestida, usava saltos realmente bonitos e carregava uma bolsa de matar. Seu cabelo loiro era um pouco arrepiado, mas cortado em um corte curto na moda. Ela parecia normal. Nada a temer ou correr, mas eu sabia melhor. Mal escondido sob a fachada normal. — O que foi? — Roth parecia distante. Engoli em seco. — A alma dela... é ruim. Ele parecia entender. Eu me perguntava o que viu: uma mulher com roupas bonitas, ou a mulher que havia pecado tanto que a sua alma já estava contaminada? — O que você vê? — Ele perguntou; como se compartilhasse o mesmo pensamento. — É escuro. Marrom. Como se alguém pegasse um pincel, o mergulhasse na tinta vermelha e jogasse ao redor dela. — Eu inclinei, sem fôlego. — É lindo. Errado, mas bonito. — Layla? Minhas unhas afundaram na mesa. — Sim?
— Por que não me conta sobre o colar? A voz de Roth me puxou de volta à realidade. Afastando meu olhar da mulher, puxei uma respiração profunda. Olhei para meu cookie, meu estômago enchendo de lava. — O que... o que você quer saber? Ele sorriu. — Você o usa o tempo todo, não é? Tateei ao redor até que meus dedos tocaram o metal liso do aro. — Sim, eu não gosto muito de joias. — Como se compelida, voltei-me para a mulher. Ela estava no balcão, pedindo comida. — Mas uso isso o tempo todo. — Layla, olhe para mim. Você não quer ir por esse caminho. Com esforço, concentrei-me nele. — Sinto muito. É tão difícil. Suas sobrancelhas franziram. — Você não precisa se desculpar por algo que é natural para você, mas tirar alma de um ser humano... você não poderá voltar depois disso. Tantas emoções passaram por mim. Primeiro foi surpresa. Por que Roth, sendo o que era, não queria que eu pulasse desta cadeira e chupasse alguma alma? Mas então o chicote amargo da tristeza seguiu. — Por que você se importa? Roth não disse nada. Suspirei. — Não é natural... o que eu quero dela, ou de qualquer um. Nem consigo chegar perto de um menino, Roth. Esta é a minha vida. — Peguei um cookie, agitando-o na frente do meu rosto. — Isso é tudo que tenho. Açúcar. Sou um anúncio ambulante para diabetes. Uma carranca profunda perfurou seu rosto marcante. — Sua vida é muito mais do que o que você não pode fazer. E sobre tudo o que você pode fazer? Eu ri, balançando a cabeça. — Você não me conhece mesmo. — Eu conheço mais do que você imagina. — Bem, isso é assustador e você é um demônio pregando para mim sobre a vida. Há algo intrinsecamente errado com isso. — Eu não estava pregando. Olhei para o balcão. Ela se foi. Eu me afundei na cadeira, o alívio tão doce como os cookies. — De qualquer forma, o colar pertencia a minha mãe. Sempre tive isso. Nem sei por quê. Quero dizer, é estúpido, desde que ela era um demônio e nem sequer me quis. E aqui estou eu, usando o anel dela. Patético.
— Você não é patética. Abri um sorriso, não sei por que eu admiti isso. Sequer era algo que eu já havia dito para Zayne. Dei outra mordida no cookie e deixei cair no guardanapo. Movendo-se tão rápido quanto Bambi, Roth estendeu a mão sobre a mesa do bistrô, pegou a minha e levou os dedos à boca. Antes que eu pudesse reagir, ele lambeu as minúsculas partículas de açúcar que os cookies deixaram para trás. Engoli em seco, mas o ar ficou preso na minha garganta. Formigamentos espalharam pelo meu braço e em meu peito, então mais para baixo e abaixo. Um peso se formou logo abaixo de meus seios, diferente e intenso, mas não desagradável. — Isso... isso me deixa desconfortável. Roth olhou para mim através dos cílios grossos. — Isso é porque você gosta. Uma grande parte de mim gostava, mas soltei minha mão, olhando ao redor da pequena padaria. Eu me senti estranhamente quente. — Não faça isso de novo. Ele sorriu. — Mas você é tão saborosa. Limpei meus dedos no guardanapo. — Eu acho que terminamos. Ele pegou minha mão novamente. — Não. Não corra ainda. Nós estávamos apenas começando. Meus olhos se encontraram com os dele e senti... eu senti como se estivesse caindo. — Começando com o quê? Seus dedos deslizaram entre os meus. — Tornando-nos amigos. Pisquei com força. — Não podemos ser amigos. — Por que não? — Roth entrelaçou os dedos nos meus. — Existe uma regra que eu desconheça? De repente, eu não estava mais certa. Ele levantou para cuidar da nossa conta enquanto eu tentava descobrir o que acontecia entre nós. Eu poderia ser amiga dele? Eu ainda queria tentar? Provavelmente deveria ter saído correndo enquanto ele esperava na fila, mas não saí. Uma garçonete de meia-idade se aproximou da nossa mesa. Sua alma era um leve rosa – um contraste com a aparência abatida no rosto e o brilho de cansaço do mundo em seus olhos. Ela pegou os guardanapos e pratos vazios enquanto olhava por cima do ombro para onde Roth estava. — Esse rapaz parece perfeito.
Corei, ao mesmo tempo muito interessada na barra da minha camisa. — Você poderia dizer isso. A garçonete bufou e moveu-se para outra mesa. — Por que você está tão vermelha? — Nenhuma razão. — Peguei minha mochila, ficando de pé. — Você prometeu me contar sobre aquela pessoa que podia fazer o que eu posso. Acho que agora é a hora. — É, não é? — Ele segurou a porta aberta para mim. Na luz do sol minguante, todos os edifícios no distrito pareciam velhos e hostis. Paramos perto de um pequeno parque da cidade impecavelmente mantido. Olhei para ele, esperando. — Sei o que você quer saber, mas tenho uma pergunta a fazer primeiro. Combatendo a minha impaciência, eu dei um breve aceno de cabeça de assentimento. Ele abaixou o queixo de novo, parecendo terrivelmente inocente. — Você nunca foi beijada antes, não é? — Isso não é nem um pouco da sua conta. — Cruzei meus braços enquanto Roth esperava por uma resposta. — Acho que é óbvio. Não posso beijar ninguém. Você sabe, a coisa toda de sugar alma torna difícil. — Não se você beijar alguém que não tem uma alma. Fiz uma careta. — E por que eu beijaria alguém que não... Ele moveu-se incrivelmente rápido. Nem sequer tive a chance de reagir. Um segundo, ele estava de pé a uns bons três passos de mim e no próximo suas mãos estavam gentilmente apertando minhas bochechas. Houve um instante em que me perguntei como algo tão forte e mortal poderia realizar qualquer coisa com tanto cuidado, mas, em seguida, ele inclinou a minha cabeça para trás e abaixou a dele. Minha frequência cardíaca quase estourou. Ele não ia me beijar. De jeito nenhum... Roth me beijou. Os lábios foram hesitantes no início, um contato sem pressa de sua boca contra a minha. Cada músculo do meu corpo ficou rígido, mas não me afastei como deveria fazer, e Roth fez um som baixo e profundo em sua garganta que causou arrepios na minha espinha. Seus lábios acariciaram os meus novamente,
mordendo e puxando-os, até que separaram em um suspiro. Ele aprofundou o beijo com um impulso de sua língua. Meus sentidos entraram em sobrecarga, disparando em todas as direções. O beijo... Era tudo o que eu poderia imaginar que um
beijo
seria
e
mais. Sublime. Explosivo. Meu
coração
acelerou
descontroladamente, a partir de um desejo tão profundo, dardos de medo inundaram as minhas veias. — Veja, — ele murmurou com uma voz grossa, e me soltou, seus dedos arrastando ao longo do meu rosto. — Sua vida não é sobre tudo o que você não pode fazer. É sobre o que você pode fazer. — Sua língua é perfurada, — eu disse estupidamente. Um brilho malicioso encheu seu olhar. — Essa não é a única coisa que é perfurada. Suas palavras realmente não fizeram sentido. De repente, eu estava com tanta raiva que pensei que minha cabeça ia imitar o Exorcista. Ele se atreveu a me beijar. E eu realmente gostei? Não sabia se deveria estar mais incomodada com... ele, ou o meu corpo traidor, mas espere... onde mais ele era perfurado? O último pensamento fez meu cérebro ir brincar alegremente na sarjeta, e isso me irritou ainda mais. Roth inclinou a cabeça para o lado. — Agora você foi beijada. Uma coisa fora da lista. Bati nele. Puxei meu braço para trás e dei um soco no estômago dele como se eu fosse um boxeador peso-pesado. Ele grunhiu uma risada abafada. — Ouch. Esse tipo de dor. — Não faça isso de novo! Mesmo depois de bater nele, ele ainda parecia satisfeito consigo mesmo. — Você sabe o que dizem sobre primeiros beijos. — Você se arrepende deles? Seu sorriso desapareceu. — Não, eu ia com você nunca os esquece. Lutando para não acertá-lo novamente – ou rir – tomei uma respiração profunda. — Conte-me sobre aquela que era como eu, ou vou embora daqui. — Você é tão dramática. — Ele enfiou as mãos nos bolsos. — Tem certeza que quer saber sobre ela?
Eu tinha certeza de três coisas: que eu nunca esqueceria aquele beijo, que eu precisava saber sobre esse demônio e que estava realmente cansada dessa atitude dele de eu sei tudo. — Sim, tenho certeza. — Aquela que poderia fazer o que você pode é um pouco mais... Envolvida com a sua capacidade, — disse ele, inclinando-se contra a traseira de um banco. Apertei os lábios. Não existe mais nenhuma explicação necessária. Aquela como eu gostava de tomar almas. — Ela também era muito boa no que fazia, tão boa que era um dos demônios mais poderosos que já andaram aqui em cima. Havia outras coisas que ela poderia fazer além de tomar almas. Um feixe de nervos formou no meu estômago. — O que mais podia fazer? Roth deu de ombros, com o olhar fixo sobre a minha cabeça. — Coisas que você provavelmente não quer saber. Minha respiração ficou presa quando inquietação se espalhou através de mim como uma erva daninha asfixiante. — Quem era ela, Roth? Seus olhos encontraram os meus, e parte de mim já suspeitava qual seria a resposta. — O demônio era sua mãe, — disse ele, seu olhar nunca deixando o meu. — Ok. — Engoli em seco. Forte. E dei um passo atrás. — Assim que explica o que posso fazer. Faz sentido, certo? A maioria das pessoas fica com os olhos da mãe. Eu só tenho a capacidade dela de sugar almas demoníacas. E o anel dela. Qual era o nome dela, afinal? Não tinha certeza que eu ainda precisava saber o nome dela, porque isso a tornaria ainda mais verdadeira para mim, mas não poderia retirar a pergunta. Roth soltou um suspiro baixo. — Sua mãe era conhecida por muitos nomes, mas a maioria a conhecia como Lilith. E por causa disso, você está na lista dos mais procurados do Inferno. *** Sentada no banco, à espera de Morris, eu olhava para frente, não realmente vendo ou ouvindo qualquer coisa. Ok, então minha mãe era um demônio que sugava almas. Isso não precisava de um grande nível de inteligência para
descobrir, mas eu não esperava que fosse ela. Lilith? Como a maldita Lilith? A mãe de todas as coisas na noite? Sem chance. Deveria haver outra Lilith, porque esse demônio não andara na superfície por um milênio. O folclore afirmava que Lilith foi a primeira mulher de Adão e foi criada como ele, mas se recusou a tornar-se subserviente a Adão. Isso causou muitas batalhas épicas entre eles, o que acabou levando Deus a bani-la do Éden e, em seguida, criar Eva. Não preciso dizer que, Lilith não estava feliz. Para se vingar de Adão e de Deus, ela fugiu e seduziu o arcanjo Samael. As coisas foram ladeira a baixo depois disso. Isso era verdade, mas o resto era principalmente bobagens que li nos antigos textos religiosos que Abbot tinha em seu escritório. Todo o mito de comer bebês era besteira total. Lilith nunca dormiu com Satanás. Ela nunca dormiu com quaisquer demônios. Ela dormiu apenas com um anjo, e o resto eram todos consortes humanos. Mas os Alfas não estavam muito satisfeitos com ela, no início, e depois que ela ficou com Samael, eles a puniram. Toda criança que Lilith gerava a partir desse ponto em diante seria um monstro – súcubos, íncubos, e qualquer outra criatura demoníaca que você poderia pensar. O pior de tudo foi ela dar origem à Lilin, uma raça de demônios que poderia roubar almas com um único toque. Eles foram os primeiros e os mais poderosos filhos. Foi por volta dessa época que a primeira geração de Guardiões apareceu, criados pelos Alfas para combater os Lilin. Eles conseguiram acabar com os Lilin e capturar Lilith. Textos afirmavam que Lilith foi destinada ao inferno por um dos Guardiões, acorrentada lá embaixo junto com ele por toda a eternidade. Como a maioria das coisas que os Alfas fazem, isso simplesmente não fez sentido para mim. Através do nascimento de tantos demônios, Lilith se transformou em uma – e porque os Alfas a castigaram, eles acidentalmente criaram os Lilin, uma legião de demônios tão temidos e poderosos que poderiam garantir que nenhum ser humano jamais conseguisse passar pelos portões perolados. Os seres humanos que morrem sem almas, não importando quão bom eles fossem em vida, existiam entre o Céu e o Inferno, presos no meio por toda a eternidade. Atormentados com sede e fome infinita, eles se transformavam em fantasmas violentos e vingativos que até os demônios eram cautelosos. Espectros
poderiam interagir com o mundo dos vivos, e quando o faziam, normalmente terminava em uma confusão sangrenta. Lançando meu cabelo para trás, vi uma trilha de alma azul brilhante atrás de
um
homem
de
calça
jeans
esfarrapada. Minha
mãe
não
podia
ser essa Lilith. Porque se ela fosse, o que isso realmente dizia sobre mim? Como eu poderia superar uma linhagem assim? E se Lilith fosse realmente a minha mãe, então Abbot teria que saber, e não havia como alguém deixar uma criança de Lilith passear. Além disso, havia todo o problema dela estar acorrentada no inferno. Não era como se alguém fosse deixá-la sair para engravidar e parir uma criança. Lista dos mais procurados do Inferno? Estremeci. Foi por isso que o Seeker e um zumbi... Interrompi esse pensamento. Nada do que Roth me disse podia ser verdade. O que eu estava fazendo em sequer considerar isso? Confiar nele seria como bater no rosto dos Guardiões. Demônios mentiam. Até mesmo eu mentia. Bem, a minha mentira realmente não tem muito a ver com ser um demônio, mas ainda assim. Roth estava apenas brincando comigo, tentando me fazer parar de marcar. E se o inferno estivesse atrás de mim, então isso poderia ser a única razão verdadeira. Espremi meus dedos em torno do anel e impedi um gemido de escapar. Eu beijei
um
demônio. Ou
ele
me
beijara. A
semântica
provavelmente
não
importava. De qualquer maneira, meus lábios estiveram em um demônio. O meu primeiro beijo. Meu Deus... Quase gritei quando vi o Yukon preto, precisando seriamente de uma distração de meus pensamentos incômodos. Levantei-me e empurrei minha mochila. Um arrepio estranho fez o seu caminho no meu pescoço, levantando os minúsculos pelos no meu corpo. Não era como antes, enquanto eu esperava por Morris. Este era diferente. Virei-me, examinando os pedestres na calçada. Borrões de rosa claro, azul e algumas auras mais escuras, mas ninguém estava sem alma. Estiquei meu pescoço, fiquei nas pontas dos dedos dos pés e tentei ver na esquina, além da fila da frota de táxis. Não pareceu ter qualquer coisa demoníaca, mas ainda assim, o sentimento era familiar.
Morris tocou a buzina, chamando minha atenção. Balançando a cabeça, eu corri entre dois táxis e abri a porta do passageiro. A sensação me bateu de novo, como uma mão fria viajando ao redor do meu pescoço. Tremendo, entrei no banco da frente e fechei a porta, meus olhos na linha de táxis. Algo... algo não estava certo. — Você sente isso? — Perguntei, virando para Morris. Ele ergueu as sobrancelhas, e como de costume, não disse nada. Às vezes eu fingia uma conversa. Eu até mesmo falava uma ou duas vezes por Morris. Eu gostava de pensar que o divertia. — Bem, eu sinto algo estranho. — Inclinei para frente enquanto ele dirigia a SUV pelas ruas congestionadas. Três táxis saíram da calçada também, bloqueando a maioria das lojas e calçada. — É como se houvesse um demônio nas proximidades, mas não vi nenhum. Três quarteirões depois e a sensação não só continuava, mas cresceu como uma nuvem sinistra. Malícia e maldade encheram as ruas, penetrando na Yukon, sua presença asfixiante. Gotas de suor apareceram na testa enrugada de Morris. — Você sente isso agora, não é? — Segurei as bordas do meu assento. — Morris? Ele balançou a cabeça, o olhar afiado ao desviar de um caminhão que se movimentava lentamente e depois o cortou, acertando a rampa de saída. Dois táxis estavam bem atrás de nós, além de uma enorme quantidade de carros que também entravam no anel viário. O sentimento malicioso permaneceu espesso e sombrio. Tão potente que parecia que o que causava a sensação sufocante estivesse no banco de trás, respirando no nosso pescoço. Isso era uma sensação de mal-estar, algo que nunca senti em torno de um Fiend. — Morris. Acho que precisamos nos apressar e chegar a casa. Ele já estava nisso, o pé batendo no acelerador enquanto tecia dentro e fora do tráfego congestionado. Virando em meu assento, eu olhei pela janela de trás – e meu coração disparou. Atrás de nós, um táxi estava tão perto que eu podia ver a oscilação da sua cruz de prata no espelho retrovisor. O fato de que o taxista estava a centímetros de nós, beijando nossa traseira não era um grande negócio; taxistas ficavam loucos
quando se tratava de condução. Não, era o motorista ao volante que enviou um tiro de medo direto para mim. Agora eu sabia de onde o sentimento ruim estava vindo. O espaço ao redor do motorista era mais negro do que qualquer sombra, espesso como óleo. Lascas finas prateadas, partículas minúsculas da humanidade espiavam através da escuridão de sua alma, escassamente ali. Sua alma espalhava-se por ele, escoando pela frente do táxi, deslizando sobre o painel e arrastando-se sobre a janela. — Oh, meu Deus, — sussurrei, sentindo o sangue escorrer do meu rosto. — O motorista está possuído! Assim que as palavras saíram da minha boca, Morris puxou o volante para a direita. A buzina soou. Pneus cantaram. Ele bateu o pé no freio, me chicoteando ao redor enquanto desviava da traseira de um caminhão de entrega. Uma série de manobras rápidas posteriores, e vários carros estavam entre nós e o taxista possuído. Olhei para Morris. — Maldição. Para um homem velho, você certamente sabe dirigir. Morris manteve um controle firme sobre o volante, mas sorriu em reconhecimento. Um segundo depois, estávamos na nossa rampa de saída, voando abaixo na estrada. O Yukon derrapou quando viramos para a direita rapidamente, e gritei, — oh, merda. — Em seguida, o veículo foi para frente quando ele pisou no acelerador. Alcançamos o trecho de estreitas faixas duplas da estrada particular a uma velocidade vertiginosa. E não estávamos sozinhos. O táxi ganhava terreno em cima de nós, e estava na outra pista, indo na direção errada, avançando para cima de nós. Meu coração pulou na minha garganta enquanto eu olhava para o táxi. A escuridão da alma do homem desapareceu, revelando um rosto pálido e vazio. O humano estava no piloto automático, completamente sob o polegar do demônio que o possuía. Posse, próximo ao assassinato, era um dos piores crimes, e foi proibido de acordo com a Lei do Equilíbrio. Os seres humanos perdiam todo o
livre arbítrio uma vez que um demônio respirava sua essência neles, possuindoos. Somente demônios Nível Superior poderiam possuir humanos. Roth? Parecia provável, uma vez que ele era o único demônio de Nível Superior que eu vi, com exceção de um que se moveu rápido demais para eu ter certeza. Pavor encheu meu estômago como chumbo. Teria Roth possuído este homem porque eu me recusei a parar a marcação? Se assim for, eu acabara de colocar a vida de Morris em perigo. Raiva e culpa rodava dentro de mim, fazendo minhas mãos apertarem até minhas unhas picarem as minhas palmas. De repente, o táxi estava em alta velocidade ao nosso lado. Como um profissional, Morris manteve o olhar fixo à frente, mas um grito se construía em minha garganta. Meus músculos tensos, como se meu corpo já soubesse o que esperar. Morris desviou. Duas rodas saíram da estrada, esmagando a sujeira. Mas – oh, Deus – era tarde demais. Apertei meus olhos fechados, terror me agarrando em seu aperto rigoroso. O táxi bateu em nós.
O impacto foi ensurdecedor. Metal rangeu e cedeu em uma explosão de branco que me enviou para os lados e bati minhas costas. Um segundo antes do airbag bater no meu rosto, eu vi um borrão de árvores se aproximando da frente do carro. Deus abençoe Morris, porque de alguma forma, mesmo com um airbag em seu rosto, ele virou o volante, girando o veículo ao redor, de modo que a traseira, em vez da frente, bateu no tronco grosso de uma árvore antiga. Mas o impacto não foi menos brutal, atirando-nos para trás. Quando finalmente parou de se mover, eu tinha certeza que estava tendo uma parada cardíaca. — Morris. Morris! — Empurrei o airbag, tossindo por causa do pó branco. — Você está bem? Ele inclinou para trás, piscando várias vezes conforme concordava. Pó branco endurecido em suas bochechas, exceto por um fio de sangue debaixo do seu nariz, ele parecia bem. Virando a atenção para o outro carro, eu desafivelei o cinto de segurança com os dedos trêmulos. Toda a frente do carro era uma massa de Metal retorcido e mastigado. Um buraco do tamanho de um corpo estava no para-brisa. Manchas de uma substância vermelha escura revestiam as bordas do vidro quebrado e se espalhava no capô.
— Oh, Deus, — eu disse, soltando o cinto de segurança. — Acho que o outro motorista foi jogado para fora. Lutando para encontrar minha bolsa a fim de pegar meu celular, dei um tapinha mínimo no airbag. Eu precisava pedir ajuda... Fazer algo. Ainda que o taxista tenha nos atingido, ele estava possuído e não era totalmente responsável por seus atos. Ele era um ser humano inocente, e eu precisava fazer alguma coisa. Carros não vinham por este caminho freq... Um rosto mutilado e ensanguentado apareceu do lado de fora da janela do passageiro. Eu me afastei, engolindo um grito. Náusea subiu rapidamente. O rosto – oh, Deus – o rosto era um desastre. Pedaços de vidro estavam enterrados em suas bochechas. A carne foi rasgada. Filetes de sangue escorriam por seu rosto como chuva. Um olho apareceu quase arrancado. Seu lábio inferior... Estava mal pendurado e sua cabeça inclinada em um ângulo antinatural. O cara deveria estar morto, ou pelo menos em coma. Mas ainda estava de pé e caminhando. Isso não é bom. Ele agarrou a maçaneta e puxou, arrancando a porta Yukon de suas dobradiças. Ele atirou-a para o lado e lançou as mãos ensanguentadas para mim. Um dos braços de Morris veio ao redor dos meus ombros enquanto eu me mexia para sair do assento, mas o maldito possuído continuou vindo. Inclinandome contra Morris, eu levantei meus joelhos e bati os meus pés em sua camisa esfarrapada, jogando o homem para trás. O possuído se levantou, determinado e obstinado. Sua mão enrolou no meu tornozelo quando o empurrei novamente, e ele puxou, me puxando para fora do carro. Sangue borbulhava da boca dele – saindo do maldito buraco em sua garganta. Gritei e bati as mãos descontroladamente, envolvendo-as no câmbio. Por um segundo, meu corpo ficou no ar, meio fora do Yukon enquanto o possuído me puxava como se estivesse disposto a me rasgar em duas. Morris disparou para frente, abrindo o porta-luvas. Houve um flash de metal brilhante e preto, em seguida, uma explosão soou do interior do carro. O possuído empurrou e soltou. Eu bati no assento e no console central. Dor surda percorreu meu corpo. Fumaça acre queimou meus olhos.
O possuído ficou parado com os olhos vidrados e um buraco mortal de bala no centro de sua testa. Então, sua cabeça caiu para trás e sua boca abriu. Um grito desumano escapou dele – um cruzamento entre um bebê gritando e o gemido de um cão. Fumaça vermelha derramou da boca aberta, enchendo o ar com a sua sujeira e mau cheiro. Isso continuou saindo até a última fumaça serpentear para fora e uma nuvem de fumaça se formar. O possuído tombou, mas a nuvem continuou se expandindo. Formas formando no seu interior. Dedos e mãos pressionando para fora, como se algo procurasse uma maneira de escapar. A massa recuou de repente, e uma longa forma oval se formou, quase como uma cabeça. Ele se virou para nós, e pânico fez um buraco no meu peito. Essa coisa simplesmente não morreria. Atrás da massa, as copas das árvores começaram a tremer como se o Godzilla estivesse prestes a fazer uma aparição. Neste ponto, tudo era possível. Ramos se dobravam para frente, balançando e perdendo a última das folhas. Elas caíram como chuva, obscurecendo o céu em marrons e verdes. Algo grande estava vindo. Então, pela borda da agitada floresta situada ao longo na estrada, o sol desaparecendo capturou e refletiu sobre uma espessa cauda ônix e brilhante deslizando ao longo da terra coberta de folhas. Minha respiração ficou presa. Bambi. A massa pulsava e se torcia, mas essa maldita era rápida. Pulando através do terreno, ela formou um arco no ar e engoliu a essência do mal dentro de um segundo. E então não havia nada – nenhuma essência ou cobra gigante. O cheiro horrível de enxofre permanecia, mas não era mais potente, e a sensação maliciosa desaparecera. Havia apenas o som da respiração pesada de Morris e do meu coração batendo. — Você viu aquilo? — Olhei para o rosto de Morris. Sua expressão disse ver o quê? E eu não tinha certeza se ele viu Bambi, ela se moveu tão rápido. — Jesus, — murmurei. Morris sorriu.
*** Foi um caos na mansão. A partir do momento que Morris e eu explicamos o que aconteceu, raiva e tensão infiltraram em todos os cômodos da casa, e se alastrou. Um ser humano possuído ir atrás de qualquer um não era bom. E a ideia de estar tão perto da casa deixou todos os Guardiões em um estado de confusão. Todos, exceto Zayne, porque eu não tinha ideia de onde ele estava. Mesmo com toda a segurança e os encantos que cobriam os acres de terra da casa, muito mais não poderia ser feito. Por causa de... bem, por minha causa. Minha presença tirou os encantos de proteção. Provavelmente não tanto como um demônio puro-sangue ou um possuído faria, mas os Guardiões precisavam ter cuidado para que eles, acidentalmente, não me colocassem para fora. Não fazia ideia de como meu dia começou um pouco normal – pelo menos normal para mim – e terminou com todo o meu sistema de crença sendo questionado, compartilhando o meu primeiro beijo com um demônio, descobrindo que a minha mãe poderia ser a Lilith e sendo perseguida por um ser humano possuído. Como no mundo as coisas deram tão errado? Nicolai, um Guardião em seus vinte e poucos anos que perdera a companheira e o filho no ano passado durante o parto – como tantos deles – parou onde eu estava, a caminho de se desfazer do corpo e dos destroços dos dois carros. — Você está bem, Layla? — Ele perguntou, colocando a mão no meu ombro. Embora Nicolai raramente sorrisse e fosse mais reservado do que os outros, ele sempre foi gentil comigo enquanto alguns dos Guardiões, até mesmo alguns do clã, me tratavam como se eu não valesse a sujeira em suas botas por causa do meu sangue. Eu estava ferida e abalada, e mais do que um pouco assustada, mas assenti. — Estou bem. Ele apertou meu ombro e saiu, deixando-me em uma sala cheia de Guardiões irritados. Cansada, sentei-me no sofá.
No centro dos seis Guardiões, Abbot estava na posição de um puro guerreiro. Pernas abertas, costas retas e os braços cruzados. Desnecessário dizer que ele não estava feliz. Eles falavam em voz baixa, e Elijah e o filho estavam lá, trocando olhares sombrios que me alcançavam de vez em quando. Sem dúvida, Elijah e Petr me culpavam. Eu já fui interrogada. Não com uma conversa ou consolada, mas interrogada sobre os eventos. Não foi um grande negócio. Um ser humano possuído era uma crise. Minhas habilidades de enfrentamento não eram uma prioridade. Após contar para Abbot e o clã tudo que conseguia lembrar, desde o primeiro indício de que algo estava fora do normal até quando eu percebi que o pobre motorista foi possuído, ele voltou sua atenção para os homens. — Vasculhem a cidade por atividade demoníaca de Nível Superior, — ele ordenou, e várias cabeças concordaram. — Detenha qualquer demônio para interrogatório. Se um demônio está possuindo os seres humanos, então alguma coisa está acontecendo. Mesmo um Fiend pode saber o que está acontecendo. Os façam falar. Um dos Guardiões sorriu. Vários olhares foram trocados, todos dizendo que estavam ansiosos para o trabalho da noite. Uma sensação desconfortável surgiu na boca do meu estômago. Morrer seria um resultado mais agradável para um demônio. Se eles fossem capturados para interrogatório... Minhas entranhas torceram. Havia um armazém na cidade onde os Guardiões prendiam os demônios. Eu nunca estive lá, mas ouvi os Guardiões falarem sobre o que acontecia lá e como faziam os demônios falar. Eu não disse ao clã sobre Bambi, uma vez que Morris aparentemente não a viu. Culpa apertou minha pele áspera, mas Bambi veio em nosso auxílio. Não havia como dizer o que a essência do mal teria feito se a cobra não o tivesse engolido. Tocando meu pé, eu me abracei e mordi o lábio. Não dizer a Abbot era errado. Vidas de Guardiões poderiam estar em perigo. Os seres humanos poderiam estar em perigo. Mas mantive tanto toda a situação com Roth para mim mesma que não sabia sequer por onde começar. E se Abbot soubesse sobre ele, ele me tiraria da escola. E eu odiava a parte de mim que era demônio, porque ele estava mais preocupado com o que eu tenho e o que eu perderia do que como as coisas afetavam outras pessoas.
Mas esse era o problema. Às vezes, o sangue demoníaco vencia. Eu sabia que era errado. Compreendia isso totalmente, mas não significava nada no final. — Sabíamos que isso aconteceria eventualmente, — rosnou Elijah. — Que este dia foi... Abbot lançou um olhar para ele que dizia cale a boca, e eu me perguntava o que diabos o outro Guardião estava falando. Sem dúvida, ele estava prestes a colocar a culpa de tudo isso no meu sangue demoníaco. Fechando os olhos, eu solto em um longo suspiro. Imediatamente, vi o rosto mutilado do pobre homem que foi possuído. Enquanto vivesse, eu nunca esqueceria a aparência do homem. Tremendo, forcei meus olhos a se abrir, e meu olhar procurou um rosto em particular. Limpei a garganta. — Onde está Zayne? Geoff, que nunca vi em movimento ao redor da casa, desde que ele parecia viver na sala de controle, se virou para mim. Seu cabelo castanho na altura dos ombros estava puxado para trás, revelando seus traços faciais. Quando ele sorria, havia uma covinha no queixo. Mas ele não estava sorrindo agora. — Ele está com Danika e Jasmine. Eles levaram os gêmeos para o parque com outro homem. A queimadura amarga de ciúme subiu rapidamente, e era tão errada, mas se arrastou sobre a minha pele de qualquer maneira. Os olhos agudos de Geoff não perderam nada. — Nós os chamamos, e eles estão voltando imediatamente. Lançando o olhar para o tapete, eu só podia admirar e me assustar com o que Geoff pegou nas suas câmeras. Se alguém sabia de tudo, era ele. — Layla? — A voz de Abbot chamou a minha atenção, e olhei para cima para encontrá-lo em pé diante de mim. — Tem certeza que o possuído não disse nada para você? Balancei a cabeça, observando o clã sair para encontrar e interrogar os demônios. Petr parou brevemente, estreitando os olhos em mim, e então ele saiu, seguido por seu pai. Apenas Geoff permaneceu. Ele estava perto da porta, os braços cruzados. — Não, eu não acho que fosse capaz de falar. Ele tinha uma... — parei, estremecendo ao me lembrar do buraco irregular na sua garganta. — Ele não podia falar.
Ajoelhando-se, seu olhar estava excepcionalmente afiado. — E este Seeker que fingiu ser um Poser, ele não disse nada? Minha cabeça se ergueu. — Não. Quer dizer, eu acho que ele disse te peguei, mas não posso ter certeza. Por quê? Abbot olhou para Geoff, que murmurou algo sob sua respiração. — O quê? — Eu disse, apertando minhas mãos entre os joelhos. — O que está acontecendo? Ele beliscou a ponte do nariz e se levantou. — Acho que é hora de você parar de marcar. Comecei a protestar, mas Geoff elevou o queixo e falou para mim. — É, obviamente, não é mais seguro para você ou para o clã, Layla. Déjà vu bateu em mim, e meu coração gaguejou. — Eu não me machuquei, nem Morris se machucou, não seriamente. Ele não precisa me pegar mais. Eu posso... — Dentro de poucos dias você teve um Seeker, um zumbi e um possuído chegando perto de você. Não existe como isso ser coincidência quando se lida com demônios. Um deles quase chegou ao nosso refúgio, Layla. Uma imagem de Roth surgiu na minha cabeça. — Por que... Por que você acha que os demônios estão se aproximando mim? Houve um momento de silêncio e Abbot disse: — Parece que podem ter descoberto a sua capacidade. — Ele fez uma pausa, afastando o olhar. Um músculo apareceu em sua mandíbula. — Não pode haver qualquer outra razão. Eu não poderia realmente raciocinar, e talvez fosse apenas um caso de paranoia, mas eu tinha dificuldade em acreditar que era tudo que Abbot sabia. Havia certamente mais, o qual ele não estava disposto a dizer. — Não é seguro para você agora. — Geoff chegou mais perto, parando ao lado de Abbot. — Se os demônios sabem sobre o que você pode fazer, você não pode marcar. É muito perigoso. — Eu sei como me defender. Zayne me ensinou. Abbot zombou. — O que quer que meu filho tenha ensinado não é o suficiente para enfrentar um demônio que teima em levá-la, filha. Você já não tem o elemento surpresa, que é tudo o que possuía. E sabe disso.
Eu queria discutir, mas droga, ele tinha um ponto. Eu sabia dos meus limites, mas isso não tornou nada disso melhor. Caí contra o couro flexível do sofá. — Nós vamos descobrir o que está acontecendo, Layla. — A voz de Abbot suavizou um pouco. — Sei o quanto é importante para você ajudar nesta guerra, mas agora, não posso me dar ao luxo de estar preocupado com a sua segurança. Honestamente, eu deveria te tirar da escola. O medo se apoderou de mim e fiquei de pé, pronta para mendigar e implorar. — Por favor, Abbot, não faça isso. Tudo está bem na escola. Estou segura lá e... — Eu não disse que o faria. Pelo menos, não agora, mas não quero mais Morris conduzindo você. Um dos membros do clã irá. E foi isso. Fui colocada em um confinamento, a menos que eu estivesse na escola ou um dos Guardiões estivesse comigo. O que era meio irônico, considerando que havia um demônio de Nível Superior na minha classe de biologia, mas agora eu sabia, sem dúvida, que se eu partilhasse isso, eu acabaria estudando em casa. Parte de mim entendeu a precaução. Subi, deixando Geoff e Abbot conversando. Assim que cheguei à porta do quarto, ouvi o grito eufórico dos gêmeos vindo do foyer. Virando, me preparei para o som de passos subindo, por Zayne se apressando e vindo me checar, ver os ferimentos que eu não tinha. Para ele me puxar para um daqueles abraços de mamute que fazia tudo parecer melhor. Vozes masculinas aumentaram do andar de baixo, uma delas era de Zayne. Raiva aprofundou sua voz e a de seu pai combinou com a dele. Eles não estavam discutindo, mas ouvi o intruso tom suave de Danika, e, em seguida, suas vozes abaixaram. Eu esperei. Não houve passos subindo as escadas, e as vozes silenciaram conforme se moviam mais para dentro da casa, provavelmente para o subsolo. Um suspiro escapou dos meus lábios enquanto eu ficava lá, ainda à espera de Zayne, mas ele nunca subiu as escadas. Ele nunca veio. ***
Na manhã seguinte, levantei cedo como eu fazia todos os sábados. Claro, eu ainda estava chateada com Zayne, mas era sábado de manhã. Deveria haver uma razão pela qual ele não foi me ver na noite passada. O mais provável é que Abbot pediu para ele deixar a mansão imediatamente para ajudar o resto dos Guardiões. Nós tínhamos planos – nós sempre tínhamos planos na manhã de sábado. Mesmo com a possibilidade de que demônios estivessem procurando por mim, eu estaria bem, porque estaria com Zayne. Ele era o tipo de babá em quem eu poderia me apoiar. E eu queria perguntar para Zayne sobre a minha mãe. Achei que poderia fazer isso sem levantar qualquer suspeita, e sabia que ele me diria a verdade. Em toda a minha vida, Zayne nunca mentiu para mim. Eu confiava nele e sabia que ele me diria que eu não tinha nada com que me preocupar – que minha mãe não era a Lilith. Esperei até as oito e fui para a porta do quarto como eu sempre fiz. Até então, ele teria voltado para sua pele humana, abrindo a porta a qualquer minuto. Mas a porta não abriu às oito. Dez minutos se passaram. Depois de trinta minutos, eu me sentei. Quando o relógio soou nove, eu comecei a me sentir doente. E se alguma coisa tivesse acontecido com ele? E se ele estivesse ferido ou pior? Incapaz de esperar mais, eu me levantei e corri para o primeiro andar. Abbot não estava em repouso ainda. Ele estava com Elijah e alguns outros homens do clã. Eu derrapei até parar na frente de sua sala de estudo, sem fôlego. Abbot levantou a cabeça, com um olhar lânguido de diversão cruzando seu rosto quando me viu na porta. — Layla? Cada um dos homens se virou para olhar para mim. Calor impregnou meu rosto quando cruzei os braços sobre o peito. — Zayne voltou? — Eu não poderia perguntar se ele havia sido ferido. As palavras não se formariam em meus lábios. Abbot pareceu confuso por um momento enquanto acariciava a barba. — Oh, hoje é sábado, não é? Balancei a cabeça. — Acredito que Zayne possa ter esquecido, — disse Nicolai em sua maneira tranquila.
Elijah inclinou contra a porta, bocejando alto. — Zayne está com Danika. Ela se encontrou com a gente antes do amanhecer. Eu os ouvi falar alguma coisa sobre o café da manhã. Meu
olhar
correu
para
Abbot. Ele
parecia
satisfeito
com
o
desenvolvimento. Naturalmente, ele queria que Zayne acasalasse com a menina, então ele provavelmente estava mentalmente aplaudindo e já imaginando bebês saltitantes, mas eu não conseguia respirar. Virando na cadeira, os olhos de Nicolai pousaram em mim. Simpatia brilhou em seu rosto e meu coração deu uma guinada da pior maneira. — Você quer sair para tomar café da manhã? Ou café? Elijah e os seus homens riram, Nicolai os ignorou. — Isso não será necessário, — disse Abbot. — Você precisa descansar, Nicolai; e Layla realmente não deveria sair depois do que aconteceu ontem à noite. — Posso poupar uma ou duas horas para a menina. — A expressão de Nicolai era afiada. — Isso não trará nenhum dano a ninguém, e nós ficaremos bem. — Tão caridoso. — Elijah murmurou. Humilhação trouxe lágrimas pungentes aos meus olhos. Afastando-me da entrada da sala de estudo, eu balancei a cabeça. — Não, isso é... isso está ok. — Mas... Eu me virei, correndo para longe antes que Nicolai pudesse terminar. Zayne se
esqueceu
de
mim. Eu
não
podia
acreditar. Ele não esquecia
nossos
sábados. Talvez ele não tivesse. Talvez ele só tivesse me substituído por Danika, uma companheira muito mais adequada. Entretanto, eu não entendia. Ele nunca prestou tanta atenção a ela antes. Mas prestava agora. Comecei a ir em direção à porta da frente, mas parei no hall de entrada. A luz do sol atravessando as janelas. Onde eu poderia ir? Subir na casa da árvore de novo, como uma tola? Eu estava presa nesta casa. Voltando ao meu quarto, coloquei o meu pijama novamente e deitei na cama. Eu não queria chorar. Era ilógico e estúpido derramar lágrimas por isso, mas minhas bochechas acabaram ficando úmidas de qualquer maneira, e meu peito doía. Eu me enrolei de lado, agarrando o anel na minha mão até que voltei a dormir.
*** Uma batida na porta do meu quarto me despertou mais tarde. Abri meus olhos para ver que o sol estava se pondo do lado de fora da janela do meu quarto. Dormi o dia inteiro. A batida veio novamente. Puxei o grosso edredom sobre a minha cabeça. A porta se abriu. — Layla-bug? Eu me encolhi, esperando que ele fosse embora. Alguns momentos depois, a cama se moveu sob o peso de Zayne. Ele tocou ao redor até que a mão pousou na minha cabeça. — Onde você está sob estes cobertores? — Ele deu uma tapinha na cama um par de vezes. — Não consigo encontrá-la. Eu o odiava por brincar. Houve um momento de silêncio. — Você está brava comigo. Apertei meus olhos fechados até que vi uma luz branca. — Você se esqueceu de mim. Outro trecho de silêncio se seguiu. — Eu não queria te esquecer, Layla. Depois de tudo o que aconteceu ontem à noite com o ser humano possuído, todos nós estivemos fora até tarde. É só que... aconteceu. Uma sensação estranha de vazio se instalou no meu peito. — Em todos os anos que nos conhecemos, você nunca esqueceu de mim. — Um caroço seco formou na minha garganta. — Esperei por você, sabe? Então, como uma idiota, eu pensei que algo tivesse acontecido com você. Então eu me envergonhei na frente de todo o clã. — Ouvi dizer que Nicolai se ofereceu para levá-la. Remoer isso só me fez sentir muito melhor. — Apenas saia. Zayne aproveitou a borda do cobertor, puxando-o do meu alcance. Eu clamava desesperadamente pelo controle do cobertor, mas Zayne segurou-o longe de mim. Desisti, caindo sobre minhas costas. — Você é um merda. — Eu sinto muito. — Ele parecia exausto. Sombras tênues floresciam sob seus olhos, seu cabelo estava uma bagunça, mais do que o normal, e sua camisa estava amarrotada. — Layla, eu realmente sinto muito, eu tinha toda a intenção
de voltar aqui a tempo, e eu queria vê-la... Estava preocupado com você. Apenas perdi a noção das coisas. — Você parece horrível, — eu disse. — Imagino que tenha ficado até mais tempo do que o normal, não é? Os olhos de Zayne estreitaram. — Não mais do que eu normalmente faria se fosse com você. Mas ele não foi comigo. — Por que você disse para Danika manter um olho em mim? Ele piscou. — Então, isso é sobre... — ele gesticulou para mim — É tudo sobre isso? Você está brava porque pedi a ela para ajudá-la, se necessário? — Eu estou brava porque você me deixou esperando esta manhã, e sim, eu estou brava porque você disse a ela sobre o meu problema. — Layla, todo mundo aqui sabe o que pode fazer. Não é um segredo. Sentei-me, empurrando o emaranhado de cabelo do meu rosto. — Nem todo mundo sabe o quanto eu luto com isso! E você sabe disso. Mas você disse para Danika. Confusão passou pelo rosto de Zayne. — Não entendo qual é o grande problema. Não é como se estivéssemos falando mal de você. — Você não sabe qual é o grande problema? — Saí da cama, ignorando os lençóis que se esparramaram no chão. Tudo se derramou de mim. Toda a raiva, frustração e confusão correram para a superfície. E lá estava a dor saindo também, porque parecia que eu estava perdendo ele. — Sabe quão constrangedor... quão humilhante isso é, que as pessoas pensem que eu sou tão fodida? Jesus. Jasmine já pensa que eu vou sugar as almas de seus bebês, e agora Danika me segue no meio da noite. Isto é, quando não está seguindo você. — Jasmine não acha isso, Layla. — Ele se virou, enfiando a mão no cabelo. — Você estava tão estranha recentemente. Pensei que seria uma boa ideia no caso... Vacilei. — No caso de que, Zayne? — Layla, eu não quis dizer nada com isso. — Ele se levantou, erguendo as mãos, impotente.
Por alguma razão, meu olhar caiu sobre uma antiga casa de bonecas no canto do meu quarto. Depois de todos esses anos, eu nunca havia tido o coração para guardá-la no sótão. Memórias de forçar Zayne a brincar de boneca comigo parecia ter sido há tanto tempo. Por que eu me segurava a isso – a ele – quando tudo é tão sem sentido? — Sabe, eu realmente não acho que esta manhã ou eu pedindo para Danika ajudar você tem algo a ver com o porquê você está agindo dessa maneira, — Zayne disse, sua voz cheia de frustração. Fiz uma careta e virei-me para ele. — E por que mais que eu estaria brava? — Você está chateada porque Danika está aqui. Você começa com isto cada vez que ela vem visitar, mas está além do óbvio desta vez. Minha boca abriu, e a estranha dor e a sensação de vazio se espalhou. — Você realmente acha que é isso? Isso é ridículo. Você me fez sentir como uma porcaria pela quarta vez, Zayne. — Quarta? Do que diabos você está falando? Levantei minha mão, assinalando-as em meus dedos. — Você não me apoiou sobre a coisa toda de marcar, você deve estar feliz com isso, porque depois de ontem à noite, eu não marcarei mais. Você disse a Danika para cuidar de mim apenas no caso de eu ficar demoníaca para cima de todos. — Eu sabia quão louco tudo isso soou, mas não conseguia parar. — Você nem sequer me verificou na noite passada. E me esqueceu nesta manhã para passar tempo com alguém! Ele atravessou a sala, parando na minha frente. — Eu sugeri que você parasse de marcar porque é perigoso para você, o que acabou sendo verdade agora, não é? Eu disse a Danika para manter um olho em você porque eu me importo com você. Conceito estranho, não é? — Seus olhos claros estalaram com fúria, travando sobre os meus e ficando. — Não vim vê-la na noite passada porque percebi que você estava descansando e saí imediatamente para caçar. E sinto muito por esta manhã. Não estou substituindo você, Layla. Foi um erro honesto. — Mas você está me substituindo! — Percebendo o que eu disse, apertei minhas mãos sobre minha boca e recuei. Pior ainda foram as lágrimas nos meus olhos.
Sua expressão se suavizou instantaneamente. Ele estendeu a mão para mim, mas recuei. Algo semelhante à dor cintilou sobre o rosto dele. — Esse não é o caso. Abaixei as mãos aos meus lados. — Mas você está passando tanto tempo com ela. Mal te vi desde que ela chegou aqui. Ela está fazendo tudo o que eu... — parei, mordendo o interior da minha bochecha até que senti o gosto de sangue. Estúpida, garota estúpida. — Faz apenas alguns dias. Ela vai em embora em duas semanas. — Zayne arrastou os dedos pelos cabelos novamente. — Por favor, não fique assim, Layla. Nossos olhos se encontraram, e eu sabia que ele esperava que eu dissesse que estava tudo bem. Que eu estava bem com as coisas agora, e que não estava chateada com Danika. Contudo, eu não disse nada, porque eu não estava bem com ele, e inveja e amargura eram como pílulas amargas explodindo no meu estômago. Isto era mais do que uma paixão não correspondida. Ele era meu amigo... o único amigo que realmente me conhecia... e eu estava perdendo-o. Balançando a cabeça, Zayne deu de ombros. Então ele foi para a porta do meu quarto, parando para olhar para mim por cima do ombro. — Sinto muito. — Desculpas não me faz sentir melhor, — eu disse, só porque queria ser uma cadela. Um músculo saltou em sua mandíbula. Vários segundos se passaram antes que ele falasse. — Sabe, você está constantemente reclamando sobre todos a tratando como uma criança. É meio difícil de tratá-la como uma mulher adulta quando você age assim. Ouch. Ele poderia ter me batido e teria doído menos. Por um momento, ele parecia ter se arrependido de dizer isso, mas a expressão foi perdida quando ele esfregou a mão sobre o rosto. Ele abriu a porta. — A propósito, meu pai falou com os Alfas na noite passada. Meu coração vacilou em meu peito. — Os Alfas? Ele deu um breve aceno de cabeça. — Eles vêm aqui amanhã. Todo o resto foi esquecido em um instante – a coisa toda com Lilith, até mesmo a dor aguda que suas palavras deixaram para trás. — Você se reunirá com eles? — Não. Eles só querem falar com o meu pai.
Balancei a cabeça lentamente. — Então, eu não deveria estar aqui? — Não, você não deveria estar aqui.
Os Alfas realmente eram como o homem do saco para qualquer coisa com um rastro de sangue demoníaco em seu corpo. Até os Guardiões não estavam totalmente cômodos ao redor deles. Mantive um olho no relógio, sabendo que chegariam antes do anoitecer. Já devia ter saído da casa, mas na realidade não tinha um lugar para ir... e queria vê-los novamente. Passei o tempo ao redor da cozinha enquanto Jasmine tentava fazer com que os gêmeos tomassem um suco antes de acomodá-los para a noite. Izzy e Drake estavam na mesa, em modo gárgula completo. Seus pequenos chifres negros balançavam para cima e para abaixo enquanto riam. Jasmine estava parada entre eles, quando ficou rígida de repente. Sua reação provocou uma vibração de nervosismo em meu peito. Larguei meu copo de suco. — Estão aqui? — Ainda não, — passou as mãos pela frente da blusa de manga curta. — Mas os homens estão se preparando para a chegada deles. Era estranho como todos estavam conectados. Segundos depois, os ouvi movendo-se acima. Não vi Zayne o dia todo. Era oficial. Ele estava me evitando. Precisava vê-lo, porque após olhar o teto a noite toda, soube que deveria pedir desculpas. Estava colocando muito sobre ele, esperando coisas que não devia. Ele se preocupava, mas o defeito estava do meu lado, porque o que sentia por ele era mais do que deveria. — Aonde você vai? — Perguntou Jasmine, limpando rapidamente as caixas
de suco de maçã e os biscoitos de animais. Coloquei meu cabelo para trás. — Não sei. Espero poder encontrar Zayne antes que cheguem aqui. Se não, suponho que vou passar o tempo na casa da árvore. — Como uma fracassada... Um olhar tenso contraiu suas feições. — Como você saberá quando forem embora? — Não sei. Não posso entrar em contato com Zayne, suponho que alguém me chamará, — ao menos era isso que esperava. — Quanto tempo você acha...? Um forte estrondo interrompeu minhas palavras. Os copos sacudiram no armário. As panelas de aço inoxidável bateram umas nas outras. Afastei-me do balcão, juntando minhas mãos. Em um instante, todo o ar foi sugado da casa. A estática impregnou a habitação. Não me atrevi a fazer nenhum movimento. Até os gêmeos pareciam sentir sua chegada, olhando sua mãe com olhos muito abertos. Certamente os Alfas amavam suas extravagantes chegadas. Uma explosão de energia levantou os minúsculos pelos do meu corpo. O ruído se deteve e o ar cheirava a algo almiscarado e doce. Não cheiraria assim para todos. O céu cheirava como você quisesse – como desejava. Rosas? Panquecas com xarope de bordo? Borracha queimada. O que fosse. A última vez que eles estiveram aqui, eles cheiravam como menta fresca para mim. Jasmine me olhou, mas eu já estava me movendo pelo balcão. O instinto me dizia que estavam na biblioteca. Deslizei pelo corredor, parando a vários metros de distância. Uma luz suave e luminosa filtrava-se por debaixo da porta, deslizando pelos pisos de bordo, subindo pelas paredes da cor de creme de manteiga. A luz pulsava, convertendo-se cada vez mais em um ser vivente enquanto tentáculos cruzavam o teto, arremessando pedaços de luz brilhante em poças no tapete. Era a luz que as pessoas viam momentos antes de morrer. E era linda. Celestial. Para alguns, não havia nada a temer na morte. Não quando isso esperava por eles. Isso era o mais longe que eu podia ir. Já sabiam que eu estava aqui em algum lugar da casa, mas não podia me afastar. Minha garganta começou a arder, e minha pele arrepiou. Era uma verdadeira tortura estar perto de algo tão puro e não querer... bom, devorar sua essência. Sabia que precisava sair, mas estendi a mão, correndo as pontas dos meus
dedos pela luz. Arquejando, movi minha mão para trás em um puxão. Era quente – queimava. As pontas dos meus dedos estavam rosadas e palpitavam. Finas mechas de fumaça flutuavam da minha mão. Dando um passo atrás, mantive minha mão ferida contra meu peito e, bom, meu peito doía por uma razão totalmente diferente. Fiquei olhando a luz enquanto esta continuava propagando-se por toda a casa, tomando tudo em seu calor. Não podia ir até a luz. Não agora, e provavelmente, nunca. Fortes lágrimas escorriam dos meus olhos. Dei a volta então, pegando minha mochila de livros na cozinha, agora vazia, e deixei a casa antes que os Alfas se cansassem da minha presença e me tirassem a opção de ir. *** Sentada no estúpido mirante, fiquei olhando a tela do meu celular e deixei sair uma maldição que até mesmo queimaria as orelhas dos Alfas. O crepúsculo caíra e começava a aparecer pequenas estrelas. Zayne não respondeu nas primeiras duas vezes que liguei há uma meia hora. Olhando minha mão, franzi o cenho para a pele de um rosa brilhante em meus dedos. Somente eu seria o suficientemente estúpida para tentar tocar a luz celestial. Estendi a mão ao redor do meu pescoço e puxei a corrente de maneira que a estranha pedra caiu bem abaixo dos meus dedos. Passando meu polegar suavemente sobre a joia, não fui capaz de evitar o estremecimento de repulsão. Queria arrancar o anel da corrente e jogá-lo nos arbustos. Quase fiz, mas quando meus dedos se fecharam ao seu redor, eu... não pude. Mesmo se minha mãe fosse a Lilith, mesmo não me querendo, não podia tirar a única coisa que tinha dela. Empurrando minha mochila para um canto, me movi pela abertura e desci as tábuas cravadas no tronco da árvore. Após ligar para a Stacey e não receber resposta, eu recebi uma mensagem rápida dela dizendo que estava no cinema. Invejosa, chutei uma raiz grossa que brotava da terra e fiz outra vez, liguei para Zayne. O telefone continuou chamando várias vezes, e Zayne não atendeu. Cortei a chamada quando caiu na caixa de voz. Meu ritmo cardíaco acelerou como fazia a
cada vez que ele não atendia. Talvez eu fosse um pouco do tipo perseguidora psicopata, mas até mesmo tão zangado quanto estava comigo, ele deveria saber que eu estava praticamente acampando em uma maldita casa de árvore até que alguém se lembrasse de me chamar. Passaram cinco minutos e tentei novamente, me odiando por isso. Porque, sério, estava caindo nessa terra de desespero novamente, na que habitam as meninas que faziam o ridículo por meninos, meninos que não as queriam ou não podiam tê-las. Meu estômago colapsava por todo lugar, como se fosse ontem, justo antes de dizer todas essas coisas estúpidas, estúpidas coisas. Depois do segundo toque, a chamada foi redirecionada para a caixa de voz. Que demô...? Meu estômago ficou imóvel, eu fiquei imóvel. Tudo ao meu redor pareceu silenciar enquanto escutava a secretária eletrônica responder. Intumescida, pressionei o botão para terminar a chamada e lentamente baixei a mão. Ele me enviara para a secretária eletrônica. De verdade, havia me mandado para a secretária eletrônica. Quem sabe quanto tempo fiquei ali parada. Provavelmente ficaria muito mais se não tivesse ouvido o estalar de um ramo atrás de mim. Virando-me rapidamente, senti meu coração cair aos meus pés. Petr estava parado na minha frente, com as mãos enfiadas nos bolsos das calças. O ar esfriou, mas ele só usava uma camiseta fina. Não podia dizer o modelo na invasora escuridão. Petr riu – riu dissimuladamente na verdade. — Isso é realmente muito fácil. — O quê? — Dei um passo atrás, mas mantive meus olhos fixos nos dele. Um sorriso afiado cortou seus lábios. — Você está aqui fora? Passando um tempo na casa da árvore? Que incrivelmente patético é isso? A inquietude rapidamente virou mal-estar. — O que está fazendo aqui? Petr olhou ao redor deliberadamente. — O que parece? Sendo testemunha da sua patética existência pela última vez. Uma bola de gelo se formou no meu peito. — Te disseram para me deixar em paz. — Sim, veja, isso é curioso. Dizem um monte de coisas para mim, — ele caminhou ao meu redor lentamente, com a cabeça baixa, igual ao predador que era, um Guardião. — Como é ser deixada de fora como um cão sarnento?
Indesejada? Até Zayne parece ter se cansado de você. Suas palavras cortaram profundamente, porque de certo modo eram de alguma forma verdade, com a exceção que era mais como uma mula não desejada do que um cão sarnento. Mas me recusei a mostrar alguma dor. — Como é ser uma patética desculpa de um homem? Os olhos de Petr se estreitaram em pequenas fendas enquanto fazia outro grande círculo. — Sabe o que é divertido em tudo isso? — Não. Mas suponho que vai me dizer? Ele sorriu. — Você nem sequer sabe por que os Alfas estão aqui. Nem sequer sabe a verdadeira razão pela qual os demônios andam atrás de você. Apertei o celular, sentindo meu pulso aumentar. — E você vai me dizer? Ele se lançou para frente tão rápido, que nem sequer o vi se mover. Envolvendo um grosso dedo ao redor da corrente do meu colar, o puxou suficientemente forte para que machucasse minha pele. Seu olhar caiu até o lugar que balançava o anel. — Nem sequer sabe o que é isso. Retirando o colar do seu agarre, dei um passo atrás. Algo nas palavras dele atingiu um lugar sensível. Ele sabia sobre Lilith? Na verdade, não importava. Que se dane os Alfas na casa, eu comecei a contorná-lo. Ele agarrou minha mão. — Aonde pensa que vai? Abaixei o olhar até sua mão, escondendo uma repentina onda de terror. Mostrar medo nunca é uma boa ideia. — Me solta! Petr zombou, e advertências dispararam à esquerda e direita. Muito longe da mansão para ouvirem se eu gritasse, e também sabia que qualquer um que fosse vir em minha ajuda estava muito ocupado. Endireitei os ombros. — Lembra o que aconteceu da última vez? Inconscientemente, sua mão foi até a pequena cicatriz ao lado de sua mandíbula. Zayne fizera isso. — Farei algo pior que quebrar sua mandíbula se não me soltar. O riso frio de Petr chegou com um soco no estômago, e uma sensação de vazio e falta de ar ameaçou me engolir. — Isso deveria ter sido feito há muito tempo, mas me alegro que não tenha sido. Vou me divertir muito corrigindo isso. Em um frio momento de surpreendente claridade, me dei conta que Petr não estava aqui só para falar merda. Estava aqui para me matar. Com esse
conhecimento, inalei bruscamente, mas o pânico tirou o ar dos meus pulmões. — Você não escapará das consequências. — Ah, acredito que ficarei bem. O instinto me golpeou. Empurrando para o lado, o surpreendi e seu agarre afrouxou. De alguma maneira, lembrei que segurava o celular na minha mão. Marquei na tela a cegas, rezando para que ligasse para alguém, qualquer um. Antes que ele pudesse se recuperar, levantei o joelho e o golpeei no estômago. Soltando-me, eu virei, mas ele agarrou uma mecha do meu cabelo, puxando minha cabeça para trás. Petr agarrou o telefone, torcendo meu pulso até que perdi o agarre. O atirou nos arbustos ao redor. O terror me atravessou, assim como também raiva pura. Virei para ele, enterrando minhas unhas nas bochechas dele. Petr gritou e me soltou. Petr atacou ao meu redor, dando socos e atirando-me ao solo. O novo estalo de dor me aturdiu, mas me arrastei para frente. Ele agarrou meu ombro, me jogando de costas. A nossa esquerda, os arbustos se sacudiram violentamente, chamando a atenção de Petr. Ele se levantou enquanto eu virava e algo, algo negro que brilhava com grandes caninos, saiu disparado da folhagem. Bambi? Nem sequer me perguntei porquê a serpente estava aqui, mas orei para que ela comesse Petr. Bambi se lançou com a boca aberta e os caninos reluzentes. Com um grunhido profundo em sua garganta, Petr virou, pegando a serpente bem debaixo de sua cabeça. Ela estremeceu e se sacudiu, mas com um xingamento, ele atirou a serpente contra uma árvore que estava perto. Bambi golpeou o tronco com um desagradável e nauseante ruído surdo e caiu ao solo em um desordenado e imóvel vulto. Terror real estendeu seu caminho através de mim como um vírus. Ajeitei-me, apontando para qualquer parte dele com que pudesse fazer contato. — Pequena estúpida cadela demônio, — espetou Petr, agarrando meu braço. — Um familiar... você tem um familiar te rodeando? Até Abbot me agradecerá por isso. Um grito ficou trancado em minha garganta quando dei uma joelhada em seu estômago. Petr grunhiu e logo seu punho serpenteou, estatelando-se no meu rosto. O zumbido em meus ouvidos bloqueou todo o som. Aspirei ar e sangue
enquanto caía sob seu peso. Fiquei reduzida a lutar como um animal selvagem. — Para. Só para... — disse Petr, empurrando minha cabeça para trás. — Isso será muito mais fácil se não lutar. Um distinto tipo de instinto lutava para levantar-se em meu interior, não Guardiã, mas uma parte de mim que era mais poderosa que a vontade de sobreviver. Petr pensou que me tinha indefesa embaixo dele? Deixe que acredite nisso. Tudo o que necessitava era que baixasse a cabeça só outro centímetro ou dois. O demônio em meu interior rugiu em aprovação. — É isso... — os arranhões em sua bochecha se estiraram, gotejando sangue. — Isso precisa ser feito. Todo mundo estará melhor se estiver morta. A confusão e a colônia picante que usava me asfixiavam. Minha pele parecia ter sido esticada até o limite. O demônio dentro de mim aranhava para sair. — Você vai implorar, — seu olhar se moveu rapidamente, olhos claros intensos. — Todos fazem. Rogam bem antes de enviá-los de volta ao inferno, — suas mãos se moveram mais abaixo, agressivas. — Sem orgulho. E essa é a forma que deve ser. Olhe para você agora. Lágrimas
de
frustração
e
medo
correram
por
minhas
bochechas,
misturando-se com sujeira e sangue, mas não tinham efeito em Petr. Não podia fazer isso, não podia simplesmente ficar aqui e esperar. Empurrei-me, agarrando o cabelo curto na parte posterior da sua cabeça e forçando-a até a minha. Petr colocou uma mão sobre a minha boca, forçando minha cabeça para baixo. — Oh, não, não fará isso. Um completo surto de pânico se instalou. Sua mão esmagou meu lábio partido, e não pude respirar. Bati meus punhos contra seu braço, seu peito. O fino material da minha camiseta rasgou, e logo seus dedos estavam envoltos ao redor da minha garganta. Senti cada cascalho cavando em minhas costas, e além da massa de pensamentos confusos, lembrei o que Roth disse. As pessoas com as almas mais puras são capazes dos maiores males. Ninguém é perfeito, sem importar o que sejam ou de que lado lutam. Nunca foram ditas palavras mais verdadeiras. O desespero nublou meus sentidos. Enterrei as unhas na cabeça dele, mas não importava o quanto tentasse, não podia respirar. Meus membros estavam pesados enquanto me afogava nas minhas próprias lágrimas. Os seus dedos
machucados tentavam abrir a força minhas pernas, mas as apertei mais e mais forte. Fiquei olhando o céu escuro, a lua uma pálida sombra distante. O desafio rompeu através de mim. Estiquei o pescoço, suas mãos resvalaram e mordi tão forte como pude. Sua pele arrebentou entre meus dentes e brotou sangue quente. Petr se inclinou para trás, uivando. O golpe que me deu bateu minha cabeça contra o chão duro. Explosões de cor nublaram minha visão. Não desmaie. Não desmaie. Forcei meus olhos a abrirem e eles ardiam anormalmente. Algo dentro de mim se rompeu. Talvez, finalmente fosse o demônio. Não me importava o que fosse. Ergui-me do chão, apertando os lados do rosto dele. Meu movimento o surpreendeu, dando-me tempo suficiente para colar minha boca na dele. Inalei profundamente, sentindo o primeiro toque de sua alma. Respirei outra vez, e ele ficou louco, golpeando meus braços, meu peito. Resisti, arrastando sua alma pouco a pouco para dentro de mim enquanto ele gemia. Não sabia como eu pensava que seria uma alma pura. Era espessa, pesada com sangue e ódio. Petr estava mudando, seus dedos se cravaram em meu pescoço, envolvendose ao redor da corrente de prata. A última parte de sua alma lutava, mas a persuadi a entrar em mim. Petr se afastou bruscamente, e no momento em que sua boca deixou a minha, um soluço desigual me escapou. Costas inclinadas e com os braços esticados dos lados, a pele de Petr ficou amarelada. As veias incharam ao longo da sua garganta e logo escureceram, como se fosse injetada tinta em seu sangue. Vasos sanguíneos escurecidos viajaram por suas bochechas e pela pele descoberta do seu braço. Estremeceu uma vez, e logo se esticou na ponta dos pés, como se não fosse nada mais que uma marionete. Sentindo-me muito quente e mais do que um pouco fora de equilíbrio, tratei de me levantar, mas minhas pernas não cooperavam, apesar dos adormecidos instintos que estalavam a vida. Afaste-se. Afaste-se. O que seja que passava com Petr não era normal, mas a alma – ah – provar uma alma era como tomar uma tragada da droga mais pura que existe. A calidez zombava por minhas veias, ofuscando as numerosas dores e apagando o medo. Havia provado uma alma antes, mas nunca tomara uma completa. Os humanos eram consumidos a minutos de perder suas almas,
convertendo-se
em
espectros.
Aparentemente,
os
Guardiões
faziam
algo
completamente diferente. Obriguei meus músculos a trabalharem, conseguindo sentar. Enjoada, lutei para me concentrar através do rápido fluxo de calor. Os músculos relaxaram e afrouxaram. O mundo acima girou, mas Petr... Seu corpo se contorceu e jogou a cabeça para trás, com a boca aberta em um grito silencioso. As presas perfuraram entre seus pálidos lábios cinza. A roupa estirou e se rompeu. Petr estava mudando. Quem sabe eu não havia tomado a alma dele. Quem sabe eu estava alucinando. Apareceram ossos e a pele se rasgou. As asas de Petr se despregaram de suas costas, abarcando dois metros de cada lado dele. Seu corpo se sacudiu nas últimas etapas da transformação. Ficou quieto por um momento e logo seu queixo estalou. Os olhos de Petr estavam vermelho sangue. E isso... Bom, isso não era bom. Minhas palmas deslizaram pelo solo e acabei deitada de costas. Uma pequena risada escapou dos meus lábios. Com o sangue martelando, tentei sentarme novamente. No fundo, sabia que devia ter medo, mas nada poderia me machucar agora. Podia beijar o céu se quisesse. O solo tremeu quando Petr deu um passo adiante, um grunhido retumbou através dele. Estendeu um braço muito musculoso, e suas mãos formaram garras mortais. Os lábios retrocederam em um grunhido e se agachou. Algo maior e mais rápido saiu das sombras, dirigindo-se diretamente para nós. Na minha confusa cabeça, me perguntei se era outro Guardião vindo ajudar Petr a terminar o que começara. Petr se ergueu, virando para a sombra que se aproximava rapidamente, mas o fez muito tarde. O borrão se solidificou em um instante. Os traços eram familiares, mas mais afiados, como se a pele tivesse se esticado sobre os ossos. As pupilas se estendiam de forma vertical e as íris brilhavam em um amarelo. O corpo de Petr sofreu um espasmo e deixou sair um grito rouco. Sangue quente e úmido espirou pelo ar, salpicando meus jeans e meu estômago. Uma essência metálica inundou o ar. — Isso é por ser um bastardo, — disse Roth, e logo puxou o braço para trás.
Uma comprida estrutura espinhosa pendia de sua mão, uma coluna. — E isso Ê por jogar Bambi.
Atordoada demais e fora da realidade para dizer muita coisa, eu assisti Roth deixar a coluna cair no chão. Seu lábio estava enrolado em desgosto quando passou por cima do corpo de Petr e ajoelhou-se diante de mim. — Você está bem? — Ele perguntou, e quando não respondi, ele estendeu uma mão ensanguentada em minha direção. Seu olhar caiu e ele murmurou algo sob sua respiração. Puxando a mão para trás, limpou-a em seu jeans. — Layla? Seu rosto não parecia tão nítido agora, mas os olhos ainda brilhavam amarelados. O barato atingiu um nível máximo e começava a afastar-se como uma brisa ociosa. Rajadas afiadas de dor surgiam em todo o meu corpo. Abri a boca, mas somente o ar saiu. Meu olhar se desviou para o corpo. — Não olhe, — ele disse, colocando a mão na minha perna. Eu me afastei, minha respiração começando a voltar ao normal. — Ok, — Roth disse, olhando para onde Bambi voltava à vida. Ele voltou a olhar para mim, assobiando baixo, e a cobra se levantou e viajou metade do caminho até Roth antes de se transformar em uma nuvem escura. A fumaça viajou até seu braço e estabeleceu-se contra a sua pele, a cauda da tatuagem em torno de seu cotovelo. Roth manteve os olhos fixos em mim. — Layla, diga alguma coisa. Pisquei lentamente. — Obrigada.
Um músculo apareceu em sua mandíbula enquanto seu olhar segurava o meu por mais um momento, e então ele se virou para o corpo. — Eu preciso cuidar do corpo e então vou... eu vou cuidar de você. Roth pegou o corpo e as outras partes, desaparecendo rapidamente por entre as árvores. Rolando para o meu lado, eu consegui me levantar, então eu encostei-me
a
base
de
uma
árvore. Pensamentos
desconexos
passavam
interminavelmente pela minha cabeça. Eu tomara uma alma – uma alma pura. Meu estômago apertou. O brilho suave que me cercara desapareceu e tremi descontroladamente. Eu tomara uma alma. Roth se materializou do nada, a frente de seu jeans úmido e suas mãos sem sangue. Ele deve ter as lavado na água corrente nas proximidades. Sem dizer uma palavra, ele se aproximou de mim lentamente, como se preocupado que eu fosse me assustar. Ele deslizou um braço sob os meus joelhos e me levantou, e ocorreume que provavelmente eu deveria perguntar onde ele estava me levando. Mas eu só queria estar longe daqui, tão longe quanto possível. Seu corpo mudou contra o meu, endureceu, muito parecido como um Guardião faria. O calor irradiava de sua pele e havia o som familiar de separação da pele. Asas tão escuras que quase se misturavam na noite espalharam-se de seu corpo, arqueando graciosamente. Nas pontas tinham chifres, curvos e afiados em pontos finos. As asas deveriam ter pelo menos 3 metros de largura. A maior que eu já vi. Eu me afastei um pouco e respirei. Sua pele era da cor de ônix polido, mais esqueleto do que pele. Ao contrário dos Guardiões, não havia chifres nos crânios. Apenas pele negra e suave. Uma punhalada fria de medo perfurou meu coração. Ver Roth em sua verdadeira forma era uma lembrança nítida do que ele realmente era – um demônio. Mas eu era parte demônio e Petr... Petr foi um Guardião, e ele queria me matar. As coisas já não eram mais tão preto e branco para mim. Levantei meu olhar para o rosto de Roth. Olhos dourados encontraram os meus, e era como se soubesse o que eu estava pensando.
— Engraçado o quanto os demônios e os Guardiões são parecidos, não é? Não respondi, mas um dos lados dos seus lábios levantou, tão Roth. — Feche os olhos, Layla. Isso será rápido. Ele não me deu muita chance de protestar. Com a mão livre, ele colocou a minha cabeça no espaço entre sua garganta e ombro. Ele agachou-se e um tremor poderoso balançou seu corpo um momento antes que ele se lançasse para o céu. Pulso acelerado, eu fechei os olhos e me afundei. Apenas Zayne já havia feito isso... me levado para o céu. Era necessária muita confiança da minha parte. Se Roth decidisse me soltar, não era como se eu fosse abrir minhas asas e me salvar de virar geleia. E mesmo que eu tivesse dúvidas de que isso era parte de seu plano mestre, meu nível de ansiedade disparou e empurrou o meu coração já acelerado em uma corrida. Roth apertou seus braços e murmurou algo que foi perdido no vento. O voo para onde quer que Roth estava me levando era um borrão, mas matou o zumbido restante. Quando finalmente pousou, todo o meu corpo vibrava com a dor. Eu tremia tanto que nem sequer percebi que ele voltou à forma humana até que ele se inclinou para trás e pude ver seu rosto. — Você está aguentando aí? — Ele perguntou. As pupilas de seus olhos cor de mel ainda estavam esticadas verticalmente. Balancei a cabeça, ou pelo menos acho que fiz. Por cima do ombro, eu não conseguia ver nada, exceto edifícios de apartamentos iluminados como um tabuleiro de xadrez. — Onde estamos? — Estremeci quando dor atravessou minha mandíbula. — Minha casa. Sua casa? Roth não entrou em detalhes quando começou a avançar. Levei alguns segundos para perceber que estávamos em um beco estreito atrás de um grande edifício. A porta diante nós se abriu e um homem apareceu na escuridão. Ele parecia estar em seus vinte e poucos anos. Cabelo loiro puxado para trás em um rabo de cavalo baixo, mas as sobrancelhas arqueadas finamente eram escuras. Seus olhos eram como os de Roth, uma cor de mel. Ele era definitivamente um demônio, mas manteve a porta aberta. — Que surpresa, — disse ele. — Cale a boca, Cayman.
Os passos de Cayman combinaram com os de Roth. Estávamos em uma escada, indo para cima. — Devo me preocupar? Porque se isso é o que eu acho que ela é, e ela está assim por causa de algo que você fez, eu realmente preciso saber antes de ter uma frota de Guardiões rasgando meu prédio. Eu me perguntava quão ruim eu parecia e como esse cara sabia quem eu era. — Ele não fez isso. — Isso é um pequeno alívio, mas... Roth subiu um degrau. — Os Guardiões não são nenhuma preocupação neste momento. O outro demônio arqueou uma sobrancelha. — Isso seria a sua opinião... E uma inválida. Os Guardiões... — Já não lhe disse para calar a boca? Cayman sorriu ao deslizar ao nosso redor, abrindo a porta para o décimo quinto andar. — E desde quando eu já o ouvi? Roth resmungou. — Bom ponto. Ele se afastou, a mão ainda na porta. — Posso pegar alguma coisa para vocês? — No momento não. — Mas Roth parou e olhou ao outro demônio. — Vou descer para vê-lo mais tarde. Não se preocupe. Eu vou lhe informar. Humor brilhava nos olhos do demônio. — Ótimo. Estou precisando de uma boa fofoca. E então ele se foi, como se tivesse evaporado no corredor. Roth começou a descer o corredor. — Eu... eu posso... andar. — Prefiro que você não faça agora, e, além disso, já estamos aqui. Aqui era uma porta pintada de preto. Abriu-se sozinha, e assim que atravessamos, uma sobrecarga de luz acendeu e luz brilhante derramou em toda a sala. Pisquei até que meus olhos se adaptassem. Sua casa longe do inferno era bastante agradável. Um grande loft ajustado para um rei, para ser exata. As paredes foram pintadas de branco, e estavam nuas, com exceção de algumas macabras e abstratas pinturas. Havia uma cama no meio, coberta com lençóis pretos e vermelhos. A TV foi pendurada na parede, e abaixo
dela havia várias pilhas de DVDs e livros. Havia um piano no canto ao lado de uma porta fechada. Em qualquer outro momento, eu teria feito o caminho mais curto para os livros e DVDs, mas quando ele gentilmente me colocou na cama, eu fiquei lá, com a sensação de dormência e vazio. — Por que ele fez isso? — A voz de Roth estava estranhamente calma. — É... Bambi está bem? — Perguntei ao invés. Roth fez uma careta. — Bambi está bem. Era estranho sentir alívio por uma serpente demônio. — Ela me ajudou duas vezes. — Levantei meu olhar. — Você me ajudou duas vezes. — Como eu disse, Bambi parece gostar de você. Ela mantém um olho em você... Quando eu não posso parecia ser a parte silenciosa da sentença. Abaixei meu olhar, muito confusa com tudo. Eram todos os demônios realmente maus? Como poderiam ser quando ele me resgatou da única coisa destinada a proteger a todos? — Responda à minha pergunta, Layla. Hesitei. Por que... Por que não sabia se eu poderia dizer o porquê Petr fez o que fez. Eu não estava pronta para falar essas palavras, porque tornava tudo dolorosamente real. E naquele momento, eu acho que não poderia lidar com isso. Ele olhou para mim por um momento e então caminhou até uma cadeira arqueada. Ele puxou um cobertor grosso da parte de trás. — Aqui. — Ele colocouo cuidadosamente sobre meus ombros. — Você está com frio. Lentamente soltei minhas roupas rasgadas, afundando os dedos na suavidade, puxando-a em torno de mim. Não sabia qual era o tipo de material. Caxemira, talvez? Era negro, porém combinava com ele. Roth hesitou novamente, sem dizer nada, e então ele se virou. Observei o jogo intrincado de seus músculos quando ele se abaixou e tirou a camisa suja. Os músculos dos seus braços flexionando ao jogá-la no chão. Havia uma grande tatuagem do lado de seu corpo: quatro linhas eloquentemente escritas em uma língua que eu nunca vi antes.
Mesmo no estado de espírito em que eu estava, não podia deixar de apreciar tudo em Roth. Quando ele se virou para pegar uma camisa de uma pilha de roupas cuidadosamente arrumadas, eu tive um vislumbre da sua frente. Ele era todo músculo, esculpido e magro. Gracioso. Suas calças pendurada baixo, e era como se alguém tivesse pressionado os dedos na pele ao lado de seus quadris, deixando impressões para trás. As depressões e planos de seu estômago pareciam irreais. Bambi estava envolvida em torno de seus bíceps, e lá estava, uma tatuagem circular e estranha sobre seu peito direito. No entanto, outra tatuagem foi esculpida sobre seu estômago. Parecia ser um dragão, com a cabeça para trás e mandíbulas abertas. As asas foram dobradas contra a sua escamosa parte traseira e a cauda desapareceu abaixo da cintura de suas calças. Eu precisava desviar o olhar, mas meus olhos estavam grudados no que deveria ser a cauda. Roth colocou uma camisa limpa, e soltei um suspiro. Ele se moveu para uma pequena cozinha e abriu um armário. Ele voltou para o meu lado, abrindo uma garrafa. — Você deve beber um pouco disso. Vai ajudar. Aceitei-o, tomando um longo gole. O licor queimou meus lábios e o interior da minha boca enquanto ele desaparecia no que assumi ser um banheiro, mas aqueceu meu interior maravilhosamente. Ouvi o barulho da água alguns segundos depois. Quando ele reapareceu, eu encarei a toalha na mão dele. — O que você está fazendo? — Limpando o seu rosto. — Roth se agachou, seus olhos vagando sobre mim. — Dói para conversar? Dói não poder falar. — Um pouco. — Tomei outra bebida, ofegando conforme o líquido avançava sobre a minha pele rasgada. Roth pegou a garrafa de mim, colocando-a fora do meu alcance. Suspirei. — Como é seu processo habitual de cura? — Ele perguntou. — Mais rápido que um ser humano, mas não como os Guardiões ou... Como você, — respondi. Esperançosamente, a maioria das contusões terá desaparecido no meio da semana. Não que meus ferimentos ainda fossem um problema. Eu tinha coisas maiores para me preocupar. Ele limpou debaixo do meu lábio com surpreendente gentileza. — Quero saber por que ele fez isso, Layla. Eu preciso saber.
Olhando para longe, eu apertei meus olhos fechados. Dor primitiva rasgou através do meu peito como uma ferida real. Eu sabia – Deus, eu sabia – que não era apenas Petr que me queria morta. A coisa toda parecia uma grande armação – os Alfas, os membros do clã não estando em nenhum lugar nas proximidades, e até mesmo Zayne não atendendo ao telefone. Traição fez um corte tão profundo que estilhaçou a minha essência. Dedos gentis pressionaram debaixo do meu queixo, virando a minha cabeça para o lado. — Fale comigo, Layla. Abri os olhos e pisquei para conter as lágrimas. — Ele queria... queria me matar. Ele disse que o mundo seria melhor sem mim. Um músculo se contraiu ao longo do queixo de Roth e seus olhos brilharam com uma cor escura, mas seu toque permaneceu tão suave que não parecia segurar meu queixo. — Ele disse por quê? — Ele disse que eu deveria ter sido morta quando os Guardiões me encontraram. Petr sempre me odiou, mas isso... isso foi muito mais. — Eu disse para Roth tudo o que aconteceu, parando a cada poucos minutos para descansar meu queixo dolorido. — Não tive escolha. — Escolha sobre o quê? — Ele perguntou. — Você não o matou. Eu fiz. E gostaria de fazê-lo novamente. Balancei a cabeça e doeu. — Tomei a alma dele, Roth. Não entendo o que aconteceu. Ele não definhou como um humano faria. Ele mudou e seus olhos estavam vermelhos. Ele se acalmou, me olhando bem nos olhos. — Você tomou a alma dele? Lágrimas picaram meus olhos. — Layla, — disse suavemente. — Você tomou completamente a alma dele? — Acho que sim. — Minha voz falhou. — Sim. Sim, eu fiz. A tonalidade de seus olhos escureceu. — Você fez o que precisava fazer. Não há culpa no que aconteceu. Você me entende? Ele estava... te machucando. O bastardo merecia morrer. Eu não disse nada para isso, e Roth alisou o pano sobre minha testa. Ele ficou quieto e meticuloso enquanto trabalhava. Assisti o músculo em sua mandíbula apertar, suas pupilas lentamente voltando ao normal enquanto ele voltava com uma toalha fresca.
— Está muito ruim? — Perguntei quando não pude evitar o silêncio por mais tempo. Roth sorriu pela primeira vez desde que me encontrou. — Não é tão ruim quanto poderia ser. Seu lábio está partido, e terá um inferno de uma contusão na mandíbula... — ele deslizou os dedos sobre minha testa. — E aqui. Você é mais dura do que parece. Deveria ter sentido alívio, mas eu não podia. Tudo o que eu podia sentir eram as mãos de Petr em mim e como ele parecia após eu tomar a alma dele. Roth gentilmente começou a separar a borda do cobertor e meu aperto aumentou. — O que você está fazendo? — Estou me certificando que você está bem. — Não. — Inclinei-me para longe dele, sentindo as paredes começarem a se fechar em torno de mim. — Estou bem. — Não vou te machucar. — Roth colocou a mão no meu ombro com cuidado, mas ainda estremeci com a dor que viajou pelo meu braço. Seus olhos endureceram. — Você me deixará te verificar. Não vou te machucar, ok? Prometo. Olhei para ele pelo o que pareceu uma eternidade, então balancei a cabeça e soltei o cobertor. Roth não esperou que eu mudasse de ideia. Ele deslizou o cobertor de cima dos meus ombros e quando ouvi a sua inalação afiada, eu queria agarrá-lo novamente. Eu o senti mover o pano debaixo do meu pescoço, mergulhar entre as metades desfiadas da minha camiseta. — Ele arranhou você, — Roth explicou após alguns momentos. — Ele estava em sua verdadeira forma quando fez isso? — Não. — Abri os olhos. — Ele começou a mudar quando peguei a alma dele, e então mudou completamente depois. Antes que Roth pudesse responder, eu senti algo escovar, macio e quente, contra meu tornozelo. Olhei para baixo, surpresa. Um minúsculo gatinho branco olhava para mim, os olhos azuis como o céu. — Gatinho? — Sim. É um gatinho. Atordoada que Roth teria algo tão bonito, eu ignorei a onda de tontura e me inclinei, estendendo a mão para a bolinha de pelo. Seu ronronar suave era como um motor em miniatura. Outro saiu de debaixo da cama. Preto, macio e do mesmo tamanho do outro gatinho, o qual deslizou para fora e lançou-se sobre a parte de
trás do branco. Eles rolaram, miando e golpeando um ao outro. Olhei para Roth. — Dois? Ele balançou a cabeça, apontando para a cabeceira da cama. — Três. Um terceiro espreitava ao virar o canto de um travesseiro, uma mistura de preto e branco. Ele trotou até mim, pegando os meus dedos com garras surpreendentemente nítidas. — Eu... não posso acreditar que você tem gatinhos. — Mexi meus dedos e o pequeno se esforçou para alcançá-los. — Quais são os nomes deles? Roth bufou. — Essa é Fúria. O branco é Nitro e o preto é Thor. — O quê? Você chamou a estas coisas fofas com algo assim, mas nomeou uma cobra gigante de Bambi? Ele inclinou, colocando um beijo no meu ombro. Foi tão rápido que não tinha certeza de que ele realmente fez isso. — Não há doçura no mal, — disse. — E se lembre, as aparências podem enganar. Abaixei os dedos, correndo pela cabeça do gatinho. — Eu não faria isso se eu... Fúria afundou as garras e dentes na minha mão. Eu gritei, puxando minha mão de volta. Ele permaneceu grudado, uma bola de Gatinho Vamp se contorcendo. Roth pegou a bola de pelos delicadamente, retirando-o da minha mão. — Gatinho mau, — disse ele, soltando-o ao lado de seus irmãos. Olhei para a bola de pelos demoníaca enquanto ele lambia suas garras sangrentas, e depois mudei o meu olhar para Roth. — Não entendo. — Vamos apenas dizer que eles não são sempre tão bonitinhos e fofinhos. Eles podem ficar muito grandes quando provocados, mas mesmo nesta forma, Cães infernais têm medo deles, — disse Roth. O branco saltou sobre a cama, estendeu um pouco as pernas e bocejou. Ele me olhou como se não tivesse certeza do que eu estava fazendo lá. Roth pegou minha mão, levando o dedo que o gatinho havia ferido aos lábios. Ele apertou um beijo na pele manchada, surpreendendo-me mais uma vez. — Você ficará bem. Eu podia sentir as lágrimas nos meus olhos novamente. — O que... O que eu farei? Tomei uma alma... uma alma pura.
Roth sentou ao meu lado. — Tudo vai dar certo. Um riso estrangulado escapou de mim. — Você não entende. Não tenho permissão... para tomar almas. Em qualquer situação. — Não é algo com o que se preocupar neste momento, — ele disse com firmeza. — Eu cuidarei disso. Queria muito acreditar nele, mas não podia ver como ele poderia cuidar de tudo. O que foi feito não poderia ser revertido. Roth estendeu a mão, colocando-a no lado da minha mandíbula que não parecia pegar fogo. — Tudo isso vai dar certo. Vai. — Houve uma pausa. — Olha. Você tem um pequeno visitante. Olhei para baixo. O gatinho branco esfregou contra o meu lado, olhando para mim com olhos azuis inclinados. Eu queria pegá-lo e segurá-lo perto, mas valorizava meus dedos. Ele voltou a esfregar meu quadril, como se me desafiasse a acariciá-lo. Emoção obstruiu minha garganta quando percebi que não o agradecera corretamente. — Por que você está me ajudando. Quero dizer... obrigada. Eu nunca poderei agradecer o suficiente por ter vindo como você fez. Eu só... Só não entendo como um demônio poderia ser o único a me salvar de um Guardião. Ele deu de ombros, deixando cair a mão. — Sou um monte de coisas, Layla. Mas, até mesmo eu tenho meus limites. O silêncio caiu entre nós, e Roth voltou a limpar o resto das minhas feridas. Ele era bom nisso... Cuidar de alguém. Duvidava que fosse algo que ele aprendeu no Inferno. Quando terminou, ele me deu um par de calças e uma camisa para vestir. Na caminhada para o banheiro, tudo doía e me senti estranha. Em seu banheiro brilhante, eu olhei para o meu reflexo. Meus olhos pareciam maiores do que o normal, um cinza mais claro que beirava um olhar selvagem. O lado direito do meu queixo já se tornava um roxo profundo. Combinava com o hematoma se formando logo abaixo do meu couro cabeludo. A pele foi dividida lá, mas não parecia que eu precisava de pontos. Meu lábio parecia uma injeção de Botox que deu horrivelmente errado.
Tirei a minha roupa, encolhendo-me não apenas pela dor, mas com a visão das manchas azul e violeta cobrindo meus ombros e peito. Marcas das garras de Petr sob minha garganta, três riscos profundos de cerca de 10 cm de comprimento. Eu me troquei rapidamente, incapaz de olhar para mim mesma por mais tempo. Roth estava na janela quando voltei. Ele se virou e tentou dar um sorriso lupino. — Eu sempre soube que você iria ficar ótima nas minhas calças. Não pensei que iria rir de novo, mas eu fiz então. Isso soou fraco. — Isso é muito original. Ele se afastou da parede e fez um gesto para a porta fechada que eu notara antes. — Quero mostrar uma coisa para você. Acha que está pronta para isso? Intrigada, apesar de tudo, eu assenti. Ele abriu a porta e fez sinal para eu me aproximar. Segui-o até a escada estreita. Ele parou em uma porta e olhou por cima do ombro. — Prometa que não cairá da borda. Eu reviraria os olhos se não estivessem feridos. — Eu prometo. Aparentemente ele não acreditou em mim, mas abriu a porta. O ar frio me puxou para frente. Eu manquei, passando por ele. — Não pule da cobertura. Por favor. — Ele seguiu atrás de mim. — Não gostaria de raspar seus restos do pavimento abaixo. Suaves tendas brancas balançavam na brisa perfumada. Sob elas haviam várias cadeiras e pequenas mesas, mas foi o perfeitamente bem cuidado jardim de flores que pegou e prendeu minha atenção. Vasos de todos os tamanhos e formas alinhados no último piso. Eu não conhecia a maioria das flores, mas vi rosas e lírios em todos os lugares. — Isto é seu? — Perguntei. — Tudo isso é meu. Parei perto de um grande vaso, correndo lentamente os dedos sobre as pétalas. No escuro, eu não poderia dizer se a flor era roxa ou vermelha. Mas cheirava doce e picante. — Você faz jardinagem? — Eu fico entediado. — Sua respiração dançou na minha bochecha. — Acho que é uma maneira viável de passar o tempo. Não o ouvi chegar atrás de mim. Virei-me no meio do caminho, inclinando a cabeça. — Um demônio que faz jardins?
Um canto de seus lábios se curvou. — Vi coisas mais loucas. — É mesmo? Roth inclinou a cabeça para o lado. — Você ficaria surpresa. Conheço alguns da minha espécie que mexem com impostos sempre que estão na superfície, alguns que ensinam no colegial. Nós, demônios, amamos um bom jogo de queimada. Fiz uma fraca tentativa de uma risada. — Eu sabia que... havia alguma coisa com o meu professor de ginástica. — Se não soubesse melhor, eu acharia que a Sra. Cleo é um Cão Infernal disfarçado. Eu me afastei dele, com foco na exibição deslumbrante de luzes das centenas de edifícios que nos rodeavam. Ao longe, eu podia ver a torre do Nancy Hanks Center. Eu tremi ao me virar para Roth. Ele estava tão perto, mas não o ouvi se mover. — Você deve se sentar. Ele não me deu muita opção, me guiando até um dos lounges. Acabei de costas dentro de segundos, abraçada pelos travesseiros espessos. O barato foi embora. A adrenalina escoara para longe, e tudo o que foi deixado eram dores ósseas profundas e muitas perguntas. Roth sentou ao meu lado, seu quadril pressionando a minha perna. — Como você se sente? Que pergunta mais ampla. — Tudo está... tão ferrado. — Assim é. Deslocando o olhar para ele, eu quase ri novamente. Sua honestidade brutal era outra coisa. Sob o dossel branco, a luz da lua refletia seu rosto marcante. Nossos olhares se encontraram. — Não sei o que eu preciso fazer a partir daqui. Seu olhar era inabalável. — Você alguma vez já soube o que deveria fazer? Boa pergunta. Quebrei o contato visual. — Você é um demônio estranho. — Tomarei isso como um elogio. Sorri um pouco. — Você realmente não é nada como qualquer demônio que eu conheço. — É mesmo? — Ele correu as pontas dos dedos pelo meu braço, sobre a inclinação da minha clavícula, parando onde a pele foi rasgada. — Acho que isso é
difícil de imaginar. Nós demônios somos todos iguais. Cobiçamos coisas bonitas, corrompemos o que é puro e inteiro, tomamos o que nunca podemos ter. Você deve ter um fã clube inteiro feito de demônios. Seu toque era calmante, reconfortante. Eu bocejei. — Você seria um membro da minha horda de fã clube de demônio? Roth riu suavemente. — Oh, acho que eu seria o presidente. — Ele deitou ao meu lado. — Você gostaria disso? Sabia o que ele estava fazendo. Distraindo-me. E estava funcionando. — Posso ser séria por um momento? Sua mão pulou para o meu outro ombro. — Você pode ser o que quiser. — Você realmente não é de todo ruim... Para um demônio, sabe. — Eu não iria tão longe. — Ele se estendeu ao meu lado, apoiando-se no cotovelo. — Eles não são mais malvados do que eu. — Seja como for, — murmurei. Vários momentos passaram. — Eu... — Eu sei. Entendo. Provavelmente não é uma pergunta que eu não tenha uma resposta. E nós precisamos conversar. O que você sabe agora não é senão uma gota no confuso balde. E o que você descobrir vai virar o seu mundo de cabeça para baixo. — Ele fez uma pausa, e meu coração pulou uma batida. — Mas não precisamos fazer isso agora. Você precisa dormir. Estarei aqui quando você acordar. Ao observá-lo através dos olhos semicerrados, eu percebi que não sabia nada. Não tinha ideia se eu alguma vez seria capaz de ir para casa. Isso se realmente já tive uma casa. Não sabia quão longe ia a traição, se incluía outros que me viram crescer. Nem sequer sei o que o amanhã traria. Mas eu sabia que por mais improvável que fosse, eu estava segura agora, e confiava em Roth – um demônio. Então balancei a cabeça e fechei os olhos. Roth começou a cantarolar Paradise City novamente, e achei que era estranhamente reconfortante. Nos momentos antes de adormecer, eu jurei sentir a mão dele escovar minha bochecha.
Quando acordei, estava perto do amanhecer e o céu celeste suavemente ondulado ainda se agarrava a noite. Os acontecimentos do dia anterior passaram pela minha mente com uma clareza surpreendente. Minha frequência cardíaca aumentou, mas não me mexi. Meu corpo não era o problema, as dores entorpeceram, e até mesmo o latejar do meu rosto não era nada comparado com algumas horas atrás. Eu sabia que os Guardiões teriam percebido que eu estava desaparecida. Já deviam ter começado a procurar por mim e por Petr. Zayne… eu não podia sequer pensar nele agora. Nada mais será o mesmo. O calor do corpo rígido e magro pressionado contra o meu era um lembrete disso. O peito de Roth subia e descia de forma constante contra o meu lado. Nossas pernas estavam entrelaçadas. Seu braço estava por cima da minha cintura. A proximidade, por mais louca que fosse, afastou tudo o que era importante. Nunca acordei nos braços de um menino antes. Quando Zayne e eu éramos crianças havíamos dormido juntos, mas isto… isto era tão diferente. Calor começou lentamente em meus dedos do pé e viajou até o meu corpo a uma velocidade alarmante, queimando firmemente em cada ponto onde os nossos corpos se encontravam. Pensei no beijo que compartilhamos; o meu primeiro beijo. Estava tão sem fôlego como se eu estivesse praticando técnicas evasivas. Considerando tudo o que
estava acontecendo e já havia acontecido, deveria ser a última coisa que eu deveria pensar. Mas era tão automático quanto respirar. Meus lábios formigavam com a memória. Eu duvidada que Roth pensasse duas vezes sobre isso, mas eu pensei algumas vezes desde a sexta-feira. Virei ligeiramente a minha cabeça e suspirei suavemente. Roth estava de lado, como quando estivera antes de eu adormecer. Seu rosto estava relaxado, lábios entreabertos. Queria tocar a linha do queixo, a curva do rosto, e não tinha ideia do porquê. Mas meus dedos vibravam com o desejo de fazer isso. Descansando dessa forma, a dureza da sua beleza estava ausente. Neste momento, ele era o que eu acreditava que os anjos podiam parecer. Então, ele abriu a boca. — Você não deve olhar para mim dessa maneira, — ele murmurou. Um tipo diferente de calor inundou o meu rosto e limpei a minha garganta. — Não estava olhando para você de qualquer maneira. Ele deu seu costumeiro sorriso torto. — Eu sei o que você está pensando. — Sabe? Abriu um olho. A pupila estava esticada na vertical, e tremi, não por medo, mas por algo completamente diferente. Ele estendeu a mão, escovando alguns fios de cabelo do meu rosto. A mão dele permaneceu na minha bochecha, surpreendentemente suave em comparação com o que saiu de sua boca. — Só para você saber, a sua virtude não está segura comigo. Assim, quando você olha para mim como se quisesse que eu devorasse cada polegada de sua boca, eu irei, e sem um pingo de arrependimento. No entanto, duvido que você vá sentir o mesmo depois. — Como você sabe que eu vou me arrepender? No momento em que essas palavras saíram da minha boca, sabia que provavelmente deveria ter mantido esse comentário para mim. Os olhos de Roth se abriram e fixaram em mim. Em seguida, ele se moveu incrivelmente rápido. Pairando acima de mim, ele me olhou com os olhos que eram um mosaico de todos os imagináveis tons dourados. — Eu sei muita coisa. — Você mal me conhece.
— Observei você por um longo tempo, sempre alguns passos atrás de você. Não tentava ser assustador quando lhe disse isso antes. — Ele passou o dedo ao longo da camisa emprestada, os nós dos dedos roçando a ondulação do meu peito. — Sabe o que eu vi? Pisquei lentamente. — O quê? Ele parou de mexer na bainha e deslizou a mão ao longo da curva das minhas costelas enquanto inclinava a cabeça para baixo. Seus lábios se moveram contra a minha orelha. — Vi algo que você tenta esconder desesperadamente de todos. Algo que me fez lembrar a mim mesmo. Puxei uma respiração superficial com a boca seca. Roth apertou os lábios contra a minha têmpora, deslizando a mão sobre a borda da camisa. Pulei quando os seus dedos tocaram a minha barriga. — Você sempre pareceu solitária. Mesmo quando estava com seus amigos, você estava só. Meu peito contraiu. — E você… você está sozinho? — O que acha? — Ele mudou de posição, de modo que uma perna estava entre as minhas. — Mas isso não importa realmente. Não estou sozinho agora. Nem você. Queria continuar a conversa, mas a mão dele viajou até o meu estômago, parando na beira do meu sutiã. Meu corpo tinha uma mente própria e arqueou contra a mão dele, desejando-o ainda que sem saber muito bem porquê. Seus olhos encontraram os meus. Havia algo quente e calculista sobre o seu olhar selvagem e predatório. O olhar de Roth pousou na minha boca, e senti o seu peito subir acentuadamente contra o meu. Uma brisa suave surgiu, agitando as copas das árvores. Elas rolaram sem fazer barulho, revelando o céu. Sabia que ele ia me beijar. A intenção estava em seu olhar, na forma como abaixou a cabeça para a minha e entreabriu os lábios. Eu o alcancei, colocando a minha mão em seu rosto. Sua pele estava quente, mais quente do que a minha. Roth se pressionou contra mim e meu coração bateu mais rápido e loucamente. Nossos corpos estavam quase nivelados, unidos, e seu perfume almiscarado e selvagem me envolveu. Houve um breve momento que a parte inferior do corpo dele tremeu contra o meu corpo, cada nervo que eu tinha estava vivo, mas depois, ele suspirou um som cheio de pesar e rolou para longe.
Afastando-se de mim. De pé ao lado do lounge, ele espreguiçou-se, esticando os braços por cima da cabeça, mostrando uma pequena amostra do seu abdômen e a tatuagem de dragão. — Vou buscar um pouco de café para nós. Precisamos conversar. Não houve chance de responder. Ele desapareceu. Desapareceu como Cayman fizera no salão na noite anterior. Que diabos? Sentando-me, pressionei a palma contra a minha testa e gemi. Usei a sua ausência para reunir o meu bom senso e acalmar o meu pulso caótico. Cinco minutos depois, ele voltou com duas xícaras fumegante de café. Pisquei. — Isso foi rápido. — Ser um demônio tem seus benefícios. Nunca precisar se preocupar com engarrafamentos. — Ele abriu o separador e entregou-o. — Seja cuidadosa. Está quente. Murmurei meus agradecimentos. — Que horas são? — Pouco depois das cinco da manhã, — disse. — Estou pensando em faltar às aulas hoje. Você devia também. Sorri, cansada. — Sim. Nada de escola hoje. — Rebelde. Sem dizer mais nada, tomei um gole de café. Baunilha francesa? Meu favorito. Quão perto Roth esteve observando? Ele se sentou ao meu lado, esticando as pernas longas. — Sério, como se sente? — Melhor. Meu rosto não dói muito. — Olhei para cima, perguntando se ele sentiu alguma coisa antes de sair de cima de mim e desaparecer no ar, ou se estava apenas brincando comigo. — Como se parece? O olhar de Roth vagou sobre mim, e eu tinha a sensação de que ele não estava realmente prestando atenção nas minhas contusões. — Parece melhor. Houve um momento de silêncio, e procurei o meu colar por hábito. Ele não estava lá. — Meu colar? — Desânimo me bateu. — Petr o arrancou. Preciso... — Esqueci. — Roth se inclinou para trás e enfiou a mão no bolso. — Eu o vi no chão e peguei. A corrente está quebrada.
Peguei-o de sua palma. Apertando a minha mão em torno do anel. Queria chorar como um bebê gordo e irritado. — Obrigada, — sussurrei. — Este anel… — Significa muito. Olhei para cima. — Significa. Roth balançou a cabeça. — Você não sabe quão importante ele é realmente. O anel parecia queimar contra a palma da minha mão e olhei para baixo, abrindo lentamente a minha mão. No florescer da luz solar, a pedra parecia estar cheia de líquido negro. Lembrei-me do que Roth disse sobre meu anel, e então pensei no que Petr dissera. Olhei para cima e encontrei Roth me observando. Um minuto inteiro se passou antes dele falar. — Você deve ser tão solitária. — Voltamos nisso novamente? Ele franziu a testa. — Você vive com criaturas que são obrigadas a matá-la. Um deles tentou, e quem sabe quantos mais querem esse mesmo destino para você? Provavelmente, passou toda a vida querendo ser como eles, sabendo que nunca poderia ser. E a única coisa que tem para lembrá-la da sua verdadeira família é um anel que pertence a única parte que você recusa a reivindicar. Nada mais, certo? Não há memórias. Nem mesmo o que sentia quando seu pai a abraçava, ou uma memória de como a voz dele soava. Sentei-me, um caroço seco na minha garganta. O zumbido baixo de tráfego na rua abaixo abafou o suspiro que escapou dos meus lábios firmemente pressionados. Roth acenou a cabeça, sem olhar para mim. — Tentei imaginar como é para você, querer pertencer tão desesperadamente e ainda saber que nunca poderá. — Uau, — sussurrei, desviando o olhar. — Obrigada pela verificação da realidade. Você é o demónio dos infortúnios? Ele olhou para mim. — Porque estava na floresta na noite passada? A mudança de assunto me pegou desprevenida. — Os Alfas estavam na casa. Não é bom eu estar por perto quando eles visitam. — Ah, os Serafins – guerreiros da justiça e blá, blá, blá, besteiras. — Roth balançou a cabeça, sorrindo pesaroso. — Os mais desagradáveis bastardos, se você me perguntar. — Tenho certeza que eles dizem a mesma coisa sobre você.
— Claro que sim. — Ele soltou a minha mão e tomou um gole de café. Passou um momento enquanto ele assistia o balanço das folhas de uma planta na brisa. Parecia uma planta carnívora. — O Seeker, o zumbi, e o possuído… isso soa como o início de uma piada muito ruim, não é? Parecia. — Mas todos eles têm algo em comum. Você. — Acho o máximo, mas não entendo o porquê. O que tem a ver com o anel ou a minha mãe? — O inferno está procurando por você, — ele disse bem casualmente. — Você disse isso antes e eu… — Não acredita em mim? — Quando balancei a cabeça, ele fechou os olhos. — Não estava mentindo. O inferno só procura alguém quando essa pessoa tem algo que lhes interessa. Nós gostamos de cobiçar as coisas. Já lhe disse isso. — Mas não tenho nada que poderiam querer. — Você tem. Mexi-me inquieta no meu lugar, afastando a súbita vontade de me levantar e correr. — E você? É essa a razão pela qual você começou a me procurar? — Sim. — Por quê? — Larguei o copo meio cheio de café e segurei o anel perto do meu peito. Ele me deu outro sorriso rápido. — Eu já te disse. Tenho observado você por meses, anos, na verdade. Anos? Meu cérebro não poderia aceitar essa ideia. Ele voltou a olhar para a planta. — Achei você há muito tempo, muito antes do seu mais recente aniversário, antes de qualquer um dos demônios serem consciente de você. Acho que a verdadeira questão é o que você tem de especial para o Inferno procurá-la? Você é meio-demônio. E daí? Por alguma razão, comecei a sentir-me mais fraca do que normalmente sentia. — Ok. — Mas, — ele ergueu a mão, — meio demônio realmente não tem qualquer poder demoníaco. Eles são apenas loucos. Você sabe, as crianças que tiram as asas das borboletas e queimam suas casas por diversão? Normalmente, enquanto ainda
estão dentro da casa em chamas. Não é o grupo mais inteligente, mas ei, isso acontece. Nem todos são iguais. Franzi os meus lábios. — Não acho que sou especial. Roth olhou para mim novamente. — Mas você é. É uma meia-demônio, que também é meia Guardiã. Você sequer sabe o que eles realmente são? — Bem, as pessoas os chamam de gárgulas, mas... — Não é como eles são chamados, mas como são criados? Corri os meus dedos sobre a curva da corrente. — Eles foram criados para lutar contra Lilin. Isso ficou preso entre riso profundo e risadas divertidas. Constrangimento me inundou. — Então por que eles foram criados, espertinho? — Nunca deixe que eles a façam sentir que são melhores do que você. — Roth balançou a cabeça, ainda sorrindo. — Eles não são. Não são melhores do que qualquer um de nós. — Ele riu novamente, parecendo menos divertido. — Eles são o grande erro Dele, e Ele deu a eles uma alma pura para compensar isso. — Nada disso faz qualquer sentido. — E não é meu papel explicar isso para você. Há muitas regras. Sabe disso. Pergunte ao seu querido pai adotivo idiota. Duvido que ele diga a verdade para você, ou se já falou a verdade para você sobre esse assunto. — Não é como se você estivesse fazendo um bom trabalho me dizendo a verdade. — Não está na minha natureza fazê-lo. — Pousando o copo, ele recostou-se nos cotovelos e olhou para mim através dos cílios escuros. — Acredite ou não, existem regras que até mesmo o chefe segue. Nem todos os filhos do inferno seguem, mas há coisas que não posso e não farei. — Espera. O Chefe... você quer dizer…? — O Chefe? — Repetiu. — Sim. O grande lá embaixo. — Você… você trabalha ara ele? Ele deu outro sorriso recatado. — Bem, sim, eu trabalho. Bom Deus, o que eu fazia quando quis que ele me beijasse mais cedo?
Roth suspirou como se soubesse exatamente o que eu estava pensando. — Digamos que você tem algo que eu queria. Não posso simplesmente tomá-lo de você. Balancei a cabeça confusa. — Porque não? Um súcubo leva a energia sem que a pessoa saiba. — Isso é diferente. O súcubo não mata o ser humano. Apenas degusta a sua essência, na maioria das vezes o ser humano não se importa. — Ele piscou. — Mas sou da velha escola. Assim como o Chefe. Os seres humanos têm o seu livre arbítrio e todo esse absurdo. — Pensei que você não acreditasse no livre arbítrio? — Não acredito, mas isso não significa que o Chefe não acredite, — ele balançou a cabeça. — Olha, tivemos uma longa conversa aqui. Você sabe que eu trabalho para o Chefe e estou aqui em um trabalho, por assim dizer. Embora eu soubesse que deveria haver uma razão para Roth surgir do nada e começar a me seguir, decepção pesou no meu estômago. O que eu pensava? Que ele me viu comendo um Big Mac e ficou simplesmente tentado a me conhecer? — Eu sou o seu trabalho? Seu olhar escuro se virou para o meu e me encarou. — Sim. Assenti lentamente, soltando um suspiro baixo. — Por quê? — Estou aqui para mantê-la a salvo daqueles que procuram por você. E por aqueles, quero dizer, um monte de demônios maiores e mais cruéis do que os que você normalmente lida. Olhei para ele por tanto tempo que meus olhos arderam, e então explodi em gargalhadas. Com tanta força que lágrimas fizeram um rastro pelo meu rosto, obscurecendo a sua carranca. — Por que você está rindo? — Perguntou. — É melhor não ser porque você duvida da minha capacidade de manter a sua bunda – uma bunda muito linda, a propósito – segura. Porque acho que provei que posso. — Não é isso. É que você é um demônio. A expressão dele ficou sem graça. — Sim. Eu sei que sou um demônio. Obrigado pelo esclarecimento. — Demônios não protegem alguém ou alguma coisa. — Acenei com a minha mão em desdém, ainda rindo.
— Bem, obviamente eles fazem, porque eu já te salvei várias vezes. Enxugando algumas lágrimas do meu rosto, me acalmei. — Eu sei. E aprecio isso. Obrigada. Mas isso é tão… tão confuso. Impaciência brilhou nos olhos dele, escurecendo-os até que as manchas marrons quase desapareceram. — Demônios protegeriam qualquer coisa que seja do seu melhor interesse. Ou que seja do melhor interesse do Inferno. — É por isso que está me protegendo, por ser do interesse do Inferno? Os olhos de Roth se estreitaram. — Tentava dizer isso suavemente, mas dane-se. Eu te disse o que sua mãe podia fazer. Até disse o nome dela. Meu humor desapareceu bem ali enquanto olhava para ele. Um pouco de presunção apareceu em seu rosto. — E aposto que você passou por todas as fases de negação e mais algumas, mas Lilith é a sua mãe. — Você fala de um demônio chamado Lilith. — Ainda me recusava a acreditar em qualquer outra coisa. Era apenas algum demônio aleatório com um nome infeliz. — Não. Falo o demônio chamado Lilith, — corrigiu. — Ela é sua mãe. — Isso não é possível. — Balancei a cabeça. — Ela está acorrentada no inferno! Agora foi a vez de Roth rir como uma foca demente. — E quem começou esses rumores? Os Guardiões? Lilith estava no Inferno. Mas ela se soltou há dezessete anos e nove meses, mais ou menos uma ou duas semanas, que por sinal, corresponde diretamente com o quê? Fiz a matemática rapidamente, o que colocou essa data diretamente em torno do meu aniversário. Meu estômago se agitou. — Ela estava na superfície, envolveu-se em um pouco de ação imprópria, engravidou e teve uma pequena e bonita bebê que se parece com ela. — Eu me pareço com ela? — Minha cabeça ficou presa na coisa errada. Roth se aproximou, pegando uma mecha do meu cabelo, torcendo as claras madeixas em torno dos seus longos dedos. — Do que me lembro, ela tem a mesma cor. Só a vi uma vez antes que fosse levada. — Levada? — Sussurrei, já sabendo a resposta. — Quando ela escapou, o Chefe tinha uma boa ideia do que ela fazia. Onde ele a tem agora, ela não conseguirá fugir.
Uma dor surda perfurou as minhas têmporas. Esfreguei-as, a minha vida nunca esteve tão confusa. Deveria me sentir melhor por Lilith, sendo a minha mãe, não estar morta? Mas estar presa no Inferno pelo próprio Satanás deveria ser uma chatice, e minha mãe… ela era Lilith. Não sabia como me sentir, sabia que estava prestes a ficar muito pior. — Você já ouvir falar da Chave Inferior de Salomão? — Perguntou. Levantando o meu olhar, balancei a cabeça. — Não. — É o negócio real, um livro que cataloga todos os demônios. Ele tem os seus encantamentos, como convocá-los, distingui-los, maneiras de prender um demônio e todos os tipos de coisas divertidas. Lilith não pode ser convocada. — Ele fez uma pausa, me observando atentamente. — Nem pelos seus filhos originais. Minha cabeça parecia prestes a explodir. — Os Lilin? Quando ele assentiu a cabeça, meu estômago caiu como o meu status de popularidade. — Mas tudo tem uma lacuna, e há realmente uma grande em relação aos Lilin, — ele continuou. — Na original Chave Inferior está escrito como se pode fazer nascer um Lilin. É como um selo que precisa ser quebrado, um encantamento. — Meu Deus… Roth estava todo sério neste momento. — O encantamento tem etapas, como a maioria dos feitiços. Nós sabemos que envolvem derramar sangue de um filho de Lilith, e bem – o sangue morto da própria Lilith. Há mais uma terceira ou quarta coisa, mas não sabemos com certeza. O que quer que sejam essas coisas, se elas forem todas concluídas, então os Lilin nascerão novamente sobre a Terra. Minhas mãos caíram no meu colo. Vários minutos se passaram. — E a criança. Essa sou eu? Não há mais ninguém? Ele balançou a cabeça novamente. — E toda essa coisa do derramamento de sangue; bem, bem não que seja um infortúnio, mas desde que o Chefe não sabe se isso significa uma alfinetada no seu sangue ou a sua morte, ele não está disposto a arriscar. — Puxa. O agradeça por mim. Um sorriso agraciou os seus lábios. — O sangue morto… — inclinando-se, seus dedos ágeis percorreram o meu pulso, provocando um arrepio em seu
caminho. Ele abriu a minha mão, e o estranho anel de cor de rubi estava exposto. — Esta não é uma pedra preciosa. Ele contém o sangue morto de Lilith. — O quê? Ew! Como você sabe? — Porque Lilith costumava usar este anel, e só a criança de Lilith pode transportar seu sangue sem experimentar alguns sérios efeitos, — ele disse, fechando suavemente os dedos em torno do anel. — Então nós sabemos onde estão duas das coisas, mas o resto… está na Chave. — E onde está a Chave? — Boa pergunta. — Roth se inclinou para trás, fechando os olhos. — Não sei. E o Chefe não sabe o que é a terceira e a quarta coisa, mas está preocupado que os outros demônios – Duques e príncipes – desde que Lilith era íntima com vários deles, saiam do Inferno com esse propósito. O último grande foda-se aos Céus e Inferno. Uau. Que maravilha para a autoestima de uma menina. — Não entendo, — eu disse. Enrolando as minhas mãos até que minhas unhas estavam pressionadas na carne da minha palma. — Os Lilin são… eles são loucos e assustadores, mas seu Chefe não iria querer isso? Seria basicamente o Inferno na Terra. Roth sufocou uma risada. — Ninguém ganha neste caso. Quando os seres humanos são despojados de suas almas, eles definham e se transformam em fantasmas. Eles não vão para o céu ou o inferno. E o Chefe sabe que não pode controlar os Lilin. Ele mal conseguia controlar Lilith. — Os belos lábios de Roth se torceram em um sorriso irônico. — E confie em mim, você ainda não testemunhou uma competição de mijo11 se ainda não viu Lilith e o Chefe fazendo isso. Tentei fazer minha cabeça compreender tudo isso. — Então…? — A última coisa que o Inferno quer é que os Lilin estejam correndo freneticamente na Terra. — Ele bateu os dedos no joelho, juntando as sobrancelhas. — E aqui estou eu, garantindo que seu sangue não seja derramado, e nem o sangue no anel, enquanto tento descobrir quais os outros passos antes que isso aconteça. Oh, e há toda a questão de tentar descobrir exatamente quem quer que os Lilin renasçam. Eu sou um demônio ocupado. 11 Uma discussão ou disputa de vontades, muitas vezes mal intencionadas e sobre coisas triviais ou insignificantes.
Minha boca abriu, mas as palavras não saíam. Ficamos ali por alguns minutos, o único barulho era o suave toque dos dedos dele e os carros abaixo. Mente. Explodindo. Minha mãe era Lilith. Eu estava tão cansada de negar a verdade disso. A Querida Mamãe aparentemente me concebeu como forma de dar a todos o dedo do meio. Derramamento de sangue não parecia divertido, não importa a direção em que você olhava isso. — Porque agora? — Perguntei. — É o momento do seu nascimento. Supostamente o encantamento só pode funcionar depois de você fazer dezessete anos. — Ele fez uma pausa. — O Chefe não tinha certeza se Lilith foi bem-sucedida no sentido de que você… Olhei para ele, horrorizada quando percebi o que ele queria dizer. — Que eu não estava morta, uma vez… — engoli em seco, pensando no que Petr dissera. — Uma vez que os Guardiões me encontraram? Roth concordou. — Ninguém sabia para onde Lilith foi ou onde você nasceu. O mundo é um lugar bonito e grande. Eu a encontrei antes, mas seu aniversário ainda estava longe. Quando o Chefe soube que estávamos a meses do seu aniversario, ele me mandou novamente, para ver se você ainda estava… oh, bem, sim. — Viva, — sussurrei. Ele assentiu. — Quando relatei, o Chefe me mandou ficar de olho em você. Veja, o Chefe e os demônios que Lilith abandonou não são os únicos que ouviram falar do encantamento. Outros também, e eles a vêm como um risco. Eles sabem que os Alfas destruirão todos os demônios superiores se os Lilin renascerem. Eles querem pegar você – o Seeker, o zumbi e o humano possuído. — Então, alguns demônios me querem para fazer renascer os Lilin e outros querem me matar por que… — e isso me atingiu então, com a força de um tijolo de cimento. Gelo congelou minhas veias, assim como uma onda quente de traição me varreu como uma maré crescente. — Abbot tem que saber disso. Roth não disse nada. Engoli em seco, mas o nó na garganta se recusou a ceder. — Ele deve ter sabido o tempo todo. Quer dizer, não há nenhuma maneira. Os Alfas… e é por isso que Petr tentou me matar. É provavelmente por isso que ele e o pai dele sempre me odiaram, por causa daquilo a quem estou vinculada.
No silêncio iminente, lágrimas queimaram os meus olhos. Cerrei os punhos até que os meus dedos doíam, recusando-me a deixá-las cair. Em momento algum, Abbot acreditou que eu merecia saber a verdade sobre o que eu era, o que eu poderia me tornar parte. E se Zayne soubesse, acho que jamais poderia suportar isso. — Layla… Roth disse o meu nome em voz tão baixa que tive que olhar para ele, e quando o fiz, nossos olhares se encontraram. Parte de mim queria saber naquele momento o que ele via quando olhava para mim assim… como se não estivesse exatamente certo do que eu era ou o que ele estava realmente fazendo aqui. E isso deveria ser confuso para ele. Ele era um demônio, apesar de tudo. Perguntava-me também por que eu mesma me importava, mas a última coisa que eu queria era ser vista como uma menina à beira das lágrimas. O que eu era. Sugando uma respiração aguda, abri meus dedos, relaxando-os, e o anel retornou ao meu punho aberto. Porque não tinha outro lugar para colocá-lo, escorreguei-o no meu dedo anelar direito. Parte de mim esperou que essa ação despertaria o Armageddon, mas nada aconteceu. Nem mesmo uma sensação estranha ou um arrepio. Quão anticlímax. Lentamente, mas seguro, meu cérebro começou a processar tudo. Provavelmente ele levou mais tempo do que o necessário, mas eu estava orgulhosa de saber que os meus olhos secaram, embora a minha garganta estivesse ferida. — Precisamos achar a Chave. — Precisamos. Saber o que é necessário no encantamento nos dá uma chance de lutar. Tenho algumas pistas. — Ele fez uma pausa, e eu podia sentir seu olhar em mim novamente. — Você não pode dizer nada disso aos Guardiões. Soltei uma risada curta. — Nem sei como devo ir para casa. Uma vez que descobrirem o que fiz para Petr… — Eles nunca saberão. — Roth pegou a ponta do meu queixo, obrigandome a olhar para ele. Seus olhos estavam em um tom furioso de âmbar. — Porque você não dirá para eles o que realmente aconteceu. — Mas…
— Você dirá uma parte da verdade, — disse ele. — Petr te atacou. Você se defendeu, mas fui eu quem o matou. Você não mencionará que tomou a alma dele. Atordoada, olhei para ele. — Mas eles virão atrás de você. Roth riu profundamente. — Deixe-os tentar. Eu me afastei e me levantei, incapaz de ficar sentada por mais tempo. Alisando as mãos sobre o que eu tinha certeza que era uma confusão de emaranhados, comecei a andar entre um vaso de macieira e algo que se assemelhava a um arbusto lilás que não florescera. — Não direi aos Guardiões que você matou Petr. Seus lábios caíram em uma carranca. — Posso cuidar de mim. Sou um pouco difícil de encontrar quando não quero ser, e ainda mais difícil de matar. — Entendo isso, mas não. Vou dizer que era um demônio, mas não você. Não darei o seu nome a eles. — Uma vez que essas palavras saíram da minha língua, minha convicção foi cimentada. Roth olhou para mim, obviamente perplexo. — Sei que estou dizendo para você mentir sobre a coisa toda da alma, mas faz sentido. Eles te matariam. Mas está disposta a mentir sobre mim? Percebe o que isso significa? — É claro, — rebati, lançando meu cabelo para trás. Não falar de Roth para eles era uma traição. Poderia até ser visto como eu tomando um lado, e se os Guardiões descobrissem que eu sabia quem matou Petr e escondesse a verdade, eu estava tão boa como morta. — Acho que você gosta de mim, — disse Roth de repente. Parei de andar e meu coração deu um pequeno salto engraçado. — O quê? Não. Ele inclinou a cabeça para o lado, seus lábios se espalhando em um sorriso provocante. — A maneira como você mente para você é bonitinho. — Não estou mentindo. — Humm… — ele se sentou, os olhos brilhando de alegria. — Você queria que eu a beijasse mais cedo. Calor inundou o meu rosto. — Não. Eu não queria. — Você está certa. Queria que eu fizesse muito, muito mais. Agora o calor se espalhava em outros lugares. — Você é louco. Não quero… você. — As palavras soaram fracas até para os meus próprios ouvidos. — Você
salvou a minha vida. Enviar os Guardiões atrás de você não é uma boa maneira de reembolsar isso. — Não. Isso soou melhor. Roth riu. — Ok. — Não fale ok para mim. — Respirei fundo. — Ok. Atirei um olhar furioso para ele. — O quê? — Ele disse inocentemente. Então ele ficou sério novamente. — O que vai fazer? Olhando para o céu nublado, balancei a cabeça. Além do óbvio, que era descobrir onde estava a Chave e ficar longe do demônio que queria me usar como parte de um encantamento bizarro, assumi que ele queria dizer com a situação da casa. — Não sei o que fazer, — admiti; minha voz em um pequeno sussurro. — Não posso me esconder deles para sempre. E enquanto eles não souberem sobre a coisa da alma, devo ficar bem. Zayne… — Zayne? — Roth franzia a testa novamente. — O grande imbecil loiro? — Não acho que ele deva ser classificado como um idiota, — digo secamente. — Como você… não importa. Você me vigiou. Entendi. — Não pode confiar neles. Pode estar perto de Stony12 e o grupo, mas eles têm de saber o que você é. Não está a salvo lá. — Ele correu as pontas dos dedos ao longo da almofada ao lado dele, chamando a minha atenção. Ele não me tocou assim a noite passada? Eu tremi e desviei o olhar. — Se você for para casa, Layla, precisa fingir que não sabe nada de diferente. — Não posso acreditar nisso, — eu disse; e quando ele me lançou um olhar, balancei a cabeça. — Zayne, ele não podia saber. Ele… — Ele é um Guardião, Layla. A lealdade dele… — Não. Não entende. Não sou ingênua ou estúpida, mas sei que Zayne não esconderia algo assim de mim. — Por quê? Porque você se importa com ele? Estava prestes a perguntar como ele sabia disso, mas lembrei de Bambi espiando a casa da árvore. — É claro que me preocupo com Zayne. Ele é o único
12 Stony = Pedregoso. Apelido que o Roth dá para o Zayne.
que realmente me conhece. Posso ser eu mesma perto dele e… — parei, porque a falsidade do que eu dizia afundou. Na verdade, eu não podia ser o que era verdadeiramente com Zayne, ou ninguém. — De qualquer forma, ele teria me dito a verdade. Ele inclinou a cabeça para o lado. — Porque ele se preocupa com você também? — Sim, mas não da maneira que eu tenho a certeza que você está insinuando. — Na verdade, ele gosta de você. — Quando fiz uma careta, ele riu. — E quero dizer gosta de você, gosta de você. Zombei. — Como você saberia? Você… — Não conheço Stony? Você está certa, mas não se esqueça de que eu ainda a vigiei por algum tempo. Vi você perto dele, e vi como ele olha para você. Claro, um relacionamento entre vocês dois é tão impossível quanto o problema da dívida… — Jesus, ok. Eu sei disso. — Suspirei. — Mas isso não impedirá alguém de querer outra pessoa que nunca poderá ter. — Virou o seu olhar intenso. — Mesmo que Stony não saiba a verdade, e você confie nele com a sua vida e blá, blá, não pode dizer nada para ele. Uma bola grande e pesada de medo estabeleceu-se em meu estômago. — Layla? Balancei a cabeça. — Não direi a ele. — Bom, — ele disse, levantando-se. Sorriu, mas não consegui devolver o gesto. Não conseguia afastar a sensação que acabara de selar o meu destino.
Deixar o loft de Roth não foi fácil. Por um segundo ou dois eu não achei que ele me deixaria ir. Ele não manifestou qualquer oposição direta sobre eu ir para casa, mas podia dizer que ele não era grande fã da ideia. Mas se eu ficasse com ele seria apenas uma questão de tempo antes de os Guardiões me encontrarem. Eles matariam Roth, e mesmo que eu não tivesse ideia de como me sentia sobre ele, não queria que ele morresse. Roth queria me levar tão perto de casa quanto ele conseguisse, mas eu não estava disposta a isso. Não sabia onde eu queria ir, mas precisava ficar sozinha. Ele me seguiu na saída do seu loft e descobri que estávamos em um dos novos prédios perto das Palisades13. Ao longo do rio Potomac, era uma das áreas mais ricas de DC. Imaginei que um demônio era bem pago. Comecei a andar e não parei ou olhei para trás para ver se Roth estava me seguindo. Sabia que não o veria, mas também sabia que ele estava lá. E enquanto eu caminhava, meu cérebro repetiu tudo novamente até meu estômago revirar. Café pode não ter sido uma boa ideia. Duas horas depois, sentei em um dos bancos do lado de fora da Instituição Smithsonian. Mesmo nas primeiras horas da manhã, o grande gramado estava
13 Falésias que alinham o lado ocidental do rio de Hudson, em New Jersey e em New York, começando em New York City e New Jersey e estendendo-se para o norte a Newburgh e New York.
cheio de corredores e turistas. As primeiras pessoas a passar por mim deram olhares preocupados em minha direção. Com a minha cara machucada e roupa emprestada eu provavelmente parecia como uma criança daqueles cartazes, do que acontece quando as crianças fogem. Mantive o meu queixo abaixado, deixando o meu cabelo proteger a maior parte do meu rosto, e ninguém se aproximou de mim. Perfeito. Era uma manhã fria e eu aconcheguei-me na camisa de Roth, cansada até a alma. Em questão de horas, tudo mudou. Meus pensamentos estavam dispersos, todo o meu mundo se quebrou. Roth provavelmente se surpreendeu por eu não ter me apavorado depois que ele me contou tudo, mas agora eu estava ficando em modo totalmente louca. Como encontraríamos um livro antigo quando ninguém sabia onde estava? Como eu poderia ficar a salvo de um demônio quando ninguém sabia quem era esse demônio? E melhor ainda, como eu poderia ir para casa? Ir para casa era o plano. Foi por isso que eu saí do loft de Roth. Bem, não era a única razão. Precisava de espaço dele também, porque as coisas estavam diferentes entre nós. Como se um negócio tivesse sido feito – um acordo. Mas era mais do que isso. O que quer que surgiu entre nós esta manhã ainda me fazia sentir como se estivesse saindo da minha pele, e Roth tinha razão. Eu queria que ele me beijasse. Deus, eu não podia pensar nisso agora. O que eu queria era estar com raiva. Queria atirar em alguma coisa – bater em alguém, nomeadamente Abbot – e quebrar alguma coisa valiosa. Muitas coisas valiosas. Queria ficar no banco e gritar até que a minha voz cedesse. Raiva me atravessou como um cão raivoso e eu queria libertá-la, mas sob a fúria, algo amargo e desagradável se agitava. Havia mais na agitação em meu estômago do que apenas o nervosismo. Sabia o que viria em questão de horas. Eu precisava de algo doce, como suco, mas isso exigiria dinheiro. Dentro de duas horas, uma dor profunda se fixaria em meus ossos. Minha pele ficaria gelada, mas as minhas entranhas pegariam fogo. Tão perturbador quanto soou, saudei o mal-estar que veio após a degustação de uma alma. Era uma forma áspera de punição, mas uma que eu merecia. Inalei o ar fresco da manhã e fechei os olhos. Não podia me dar ao luxo de quebrar. O que poderia acontecer era maior do que os meus sentimentos de traição
ou de raiva. Se esse demônio for bem-sucedido, o apocalipse pareceria uma doce festa de dezesseis anos, em comparação. Precisava ser forte, mais força do que poderia ser adquirida com exercícios rigorosos. O baixo ruído de um motor forçou os meus olhos a abrirem. Estranho que em uma cidade movimentada com o zumbido baixo das conversas, o barulho da passagem dos carros e as buzinas, eu reconheceria o som do Chevy Impala 1969 de Zayne em qualquer lugar. Olhei através de uma camada de cabelo branco loiro assim que Zayne saiu do banco do condutor. A aura em torno dele era tão pura que parecia uma auréola. Ele bateu a porta e se virou, seu olhar encontrou de imediato o banco onde eu estava sentada. Minha respiração chiou como se eu tivesse apanhado. Mil pensamentos passaram pela minha mente enquanto Zayne circulava o Impala. Ele parou completamente quando me viu, seu corpo ficou rígido e então ele começou a andar novamente, seu ritmo aumentando até que ele explodiu em uma corrida. Zayne estava ao lado do banco em um instante, indiferente a todos os olhos em nós; e então seus braços me envolveram, apertando tanto que precisei morder o lábio para impedir que o grito de dor saísse. — Oh, meu Deus, — ele disse com a voz rouca no meu ouvido. — Eu não posso… — um pequeno tremor percorreu o seu grande corpo, e sua mão estava pressionada contra a minha, e então a deslizou para cima, enterrando-a no meu cabelo. Acima do ombro de Zayne, finalmente vi Roth. Ele estava perto de uma das árvores nuas de flor de cerejeiras, apenas de pé ali. Nossos olhos se encontraram por um breve momento, e então ele se virou, atravessando o gramado e rumou ao leste na calçada, as mãos enfiadas nos bolsos de suas calças jeans. O fato de Zayne não perceber a presença do demônio era uma prova de seu estado, e eu odiava que ele estivesse tão preocupado. Um estranho impulso me bateu. Eu queria ir atrás de Roth, mas isso não fazia qualquer sentido. Sabia que ele esteve me observando, e isso era tudo o que ele estava fazendo, mas… Zayne me puxou para mais perto, colocando-me na curva do pescoço dele, e me segurou. Lentamente, eu levantei os meus braços, coloquei minhas mãos em
suas costas e punhos na sua camisa. Outro tremor abalou o corpo dele. Não sei quanto tempo nós ficamos assim. Poderiam ter sido segundos ou minutos, mas seu calor me fez relaxar um pouco, e por um momento, eu poderia fingir que isto foi há uma semana e que este era Zayne – meu Zayne – e tudo ficaria bem. Mas então ele se afastou, suas mãos arrastando pelos meus ombros. — Onde você esteve? O que aconteceu? Não tinha nenhuma ideia por onde começar, então mantive meu queixo abaixado. — Layla, — ele disse, colocando as mãos em cada lado do meu rosto. Estremeci quando seus dedos pressionaram contra as minhas têmporas, mas não me afastei. Zayne levantou a cabeça e seus olhos se arregalaram em choque. Uma corrida de emoções selvagens passou pelo seu rosto. Raiva era a mais aparente, transformando seus olhos em um azul elétrico. Tensão formou-se ao redor de sua boca. Um músculo apareceu enquanto sua mandíbula trabalhava. Ele tirou as mãos do meu rosto, colocando o meu cabelo para trás. — Petr fez isso? Meu peito se apartou com medo e consternação. — Como... como você sabia? Seu peito subiu duramente. — Ele não foi visto desde a noite passada. Não desde que Morris disse que o viu ir para a floresta. Encontrei sua mochila na casa da árvore e seu telefone estava caído no chão. Havia... havia sangue nele – seu sangue. Estamos dirigindo pela cidade toda a sua procura. Deus, eu pensei o pior. Pensei... — ele engoliu em seco. — Jesus Cristo, Layla... Abri a boca, mas não saiu nada. O olhar nos olhos de Zayne era assustador. — Você está bem? — Ele perguntou, e então xingou. — Essa é uma pergunta estúpida. Obviamente, você não está bem. Você está muito ferida? Precisa ir ao hospital? Você esteve fora à noite toda? Eu devo... — Estou bem. — Minha voz falhou enquanto eu envolvia meus dedos em torno dos pulsos dele. Nunca o vi assim antes. — Estou bem. Ele olhou para mim, e de repente eu reconheci a emoção agitada em seus olhos. Horror. — Deus, Layla, ele... ele te machucou. Não havia como negar isso, não quando meu rosto parecia que eu havia corrido contra uma parede. — Estou bem.
— Não está bem. Ele bateu em você. — E então seu olhar caiu, e eu sabia que ele viu as marcas dos três golpes raivosos. Ele prendeu a respiração irregular e um violento espasmo passou por ele. Um rosnado baixo retumbou de seu peito. — Qual era a forma dele? — Zayne. — Coloquei a minha mão em seu braço trêmulo. — Você está começando a mudar. — Responda-me! — Ele gritou, me fazendo pular. Algumas pessoas lançavam olhares em nossa direção. Ele xingou e baixou a voz. — Sinto muito. Ele… — Não. — Não demorei a responder. — Ele tentou me matar, mas ele... Zayne, você esta mudando. Zayne estava à beira de perder o controle completamente e entrar em modo gárgula. Sua pele ficara em uma tonalidade cinza. Enquanto os seres humanos estavam acostumados a vê-los por aí à noite, duvidei que esperassem ver um em frente ao Smithsonian em uma manhã de segunda-feira. — Como você me encontrou? — Perguntei, na esperança de distraí-lo. Seu olhar selvagem pousou em mim. — O quê? Apertei seu braço tão forte quanto eu podia. Sua pele já estava endurecendo. — Como você sabia que eu estava aqui? Alguns segundos se passaram. — Foi uma ideia de última hora. Procurei em todos os lugares, e então me lembrei do quanto você gostava de vir aqui. — Ele piscou e seus olhos voltaram ao normal, a pele tornando-se mais dourada com o passar do tempo. — Inferno, Layla-bug, eu estava louco. — Sinto muito. — Enfiei os meus dedos nos dele. — Não podia ir para casa e não tenho um telefone. Eu somente… — Não se desculpe. — Ele estendeu a mão, arrastando os dedos pelo canto do meu lábio e depois esfregando em todo o hematoma no meu queixo. — Vou matar aquele filho da puta. Larguei as mãos em meu colo. — Isso não será necessário. — O inferno que não é! — Fúria intensificou a voz dele. — Isso não está certo. Quebrar a mandíbula dele não deixará isso melhor. O pai dele… — Ele está morto, Zayne. — Torci os meus dedos juntos. — Petr está morto.
Silêncio. Tanto silêncio que eu precisei olhar para ele e meu estômago afundou. Ele tinha aquele olhar selvagem em seus olhos novamente. — Eu não o matei. — Disse rapidamente. — Ele veio atrás de mim enquanto os Alfas estavam aqui. Era como se ele tivesse sido enviado para me matar, Zayne. Ele não estava apenas brincando comigo e ficando fora de controle. — Contei para ele tudo o que Petr disse, mal respirando. — E eu teria morrido, mas… Zayne pegou a minha mão, a com o anel, e eu me encolhi. — Mas o quê, Layla? — Não o matei. — Isso era verdade. — Um demônio apareceu. Ele veio do nada e matou Petr. Ele ficou muito quieto. Mentir para Zayne era horrível. Isso fez com que o meu peito parecesse ferido e dolorido. — Não sei por quê. Não sei quem era. Não sei sequer o que ele fez com o corpo de Petr. — O medo aumentou como uma lufada de ar frio. Muito real, considerando o que os Guardiões fariam se soubessem que eu havia tomado a alma de Petr e o que eles fariam para Roth. — E depois, eu estava tão confusa e sabia que os Guardiões poderiam pensar… o que Abbot pensaria. Eu seria culpada, porque Petr é um Guardião. Então, eu só… — Pare, — disse Zayne, apertando a minha mão suavemente. — Você não será responsabilizada por aquilo que Petr fez. Não deixarei nada acontecer com você. Deveria ter vindo para mim. Não tinha que estar aqui, lidando com isso sozinha. Eu teria… — ele se interrompeu com um baixo gemido. — Me desculpe, — eu disse, porque não sabia o que mais dizer. — Deus, Layla não se desculpe. — O olhar assombrado rastejou em seus olhos bem antes de desviar o olhar. Ele se inclinou, empurrando os dedos pelo cabelo. Ele parecia já ter feito isso muitas vezes. — Você tentou ligar para mim depois? Soube imediatamente onde ele queria chegar e meu coração doeu. — Não. Estava ligando antes… antes de acontecer. Zayne amaldiçoou rapidamente. — Se eu tivesse atendido… — Não, — implorei. Ele balançou a cabeça, franzindo as sobrancelhas como se estivesse com algum tipo de dor. — Se eu tivesse atendido ao telefone isso não teria acontecido.
Sabia que você não tinha nenhum lugar para ir, mas eu ainda estava tão bravo com você. Merda! Saber que você não voltou para casa. Você deve ter estado tão assustada. Layla. Eu… — Você não poderia ter feito nada. — Eu me aproximei. Quem sabia o que teria acontecido se Zayne tivesse atendido ao telefone. Petr poderia não ter conseguido chegar a mim sozinha, mas haveria outras chances. — Isto teria acontecido, não importa o que. Ele queria me matar. Ele precisava me matar. Isso não é culpa sua. Zayne não respondeu imediatamente, e quando falou, sua voz estava rouca. — Vou contar ao meu pai o que você me disse, não tem que passar por isso novamente, mas ele vai querer falar com você. Ele vai querer saber exatamente o que Petr disse para você e qual a aparência desse demônio. Inquietação se transformou em enorme apreensão. — Eu sei. Ele suspirou e olhou para mim. Sombras escuras se espalharam debaixo de seus olhos. — Todo mundo esteve tão preocupado. Meu pai tem estado fora de si, todo o clã. Deixe-me levá-la para casa. — Ele estendeu o braço ao se levantar. — Layla? Levantei-me com as pernas trêmulas e entrei no abraço de seu corpo. Zayne me segurou perto enquanto íamos para o carro. Quando olhei para cima, ele sorriu, mas o olhar assombrado ainda estava lá, e eu sabia que não importa quantas vezes eu o tranquilizasse dizendo que ele não poderia ter evitado isso, não faria diferença. Ainda que Zayne chamasse a casa onde vivi os últimos dez anos de casa, todavia nunca significaria isso para mim novamente. *** A maior parte do clã se movimentava pela casa quando Zayne me trouxe, e seu duro olhar para eles me fez perguntar se alguns deles estavam decepcionados por eu ainda estar viva. Nem precisa dizer que Elijah e os membros de seu clã abandonaram o composto no momento em que Zayne ligou para seu pai e disse que me encontrara e o que havia acontecido. Dois dos clãs estavam atualmente à procura deles, mas
eu duvidava que Elijah fosse encontrado, ou que qualquer coisa iria acontecer com ele. Tentar matar um meio demônio, mesmo sem autorização, provavelmente só ganhou do Guardião um tapa na mão. Além de Morris, que me abraçou até a morte quando eu saí do carro de Zayne, Nicolai foi o primeiro a romper as fileiras. Com um sorriso genuíno de alívio, ele me abraçou. — Estou feliz que você voltou para nós. Acreditei nele. Até mesmo Geoff parecia aliviado, juntamente com Abbot. O resto… eh, nem tanto. Então, mais uma vez, eu não era realmente próxima dos outros. Éramos como navios que passavam na noite. Zayne estava certo sobre o seu pai querer me questionar. A maioria do que aconteceu veio de Zayne, mas Abbot queria ouvir de mim os detalhes da intervenção do demônio. Mentir para Zayne fez a minha pele coçar, mas com Abbot, fez a minha paranoia bater um novo nível. Felizmente, éramos apenas nós três, então não pareceu completamente uma Inquisição. — E você nunca viu esse demônio antes? — Perguntou Abbot. Sentado ao meu lado no sofá, ele não parecia convencido enquanto acariciava a barba. Decidi jogar um pouco mais de verdade. Algumas partes que não causariam problemas. — O demônio não parecia normal. Zayne franziu as sobrancelhas. — O que você quer dizer? — Ele meio que parecia com os Guardiões. — Eu realmente esperava que houvesse algum OJ14 na geladeira. — Um demônio de Nível Superior, — disse Zayne, olhando para o pai. — Talvez o tenha visto antes, mas não nessa forma. Abbot olhou para mim por um momento. — Por que você não vai lá para cima. Enviarei Jasmine para dar uma olhada em você, certificar que está tudo bem. Um doce alívio atravessou por mim, mesmo sabendo que este não era o fim da conversa. Eu estava livre por agora. — Sinto muito por qualquer problema, isso… — Pare de se desculpar, — disse Zayne, seus olhos brilhando um azul profundo novamente. — Nada disto é culpa sua.
14 Suco de laranja.
Abbot colocou a mão no meu ombro e apertou suavemente. Ele não era do tipo de abraçar, portanto isto era a coisa mais próxima de um abraço que eu teria. Emoção obstruiu a minha garganta, uma vil mistura de culpa, raiva e traição. Eu estava mentindo, mas Abbot também estava. Olhando para ele agora, meu olhar passou sobre o seu rosto desgastado, mas ainda bonito, eu deveria me perguntar se ele alguma vez foi honesto comigo. E o que ele tinha a ganhar mantendo a filha de Lilith viva. — Sinto muito por permitir que Petr entrasse nesta casa, — Abbot disse quando eu me levantei; seus claros olhos afiados. — Esta casa é um porto seguro, e ele violou isso. — E o seu clã, — Zayne acrescentou com a voz áspera com raiva. — É muito conveniente eles terem fugido ao perceberem que Layla estava viva. — É. — Abbot ficou quieto. — Nós vamos investigar isso a fundo. Balancei a cabeça e me virei para sair, duvidando que Elijah sofresse quaisquer consequências extremas, se ele ou qualquer um do seu clã soubessem sobre o plano de me matar. Eu sabia que eles deveriam saber, porque enquanto Petr detestava minha própria existência, ele não iria atrás de mim sem o apoio do pai dele. — Layla, — Abbot chamou, e parei na porta. — Só uma última coisa. Meu estômago caiu. — Ok. Abbot sorriu firmemente. — De onde você tirou as roupas que está vestindo? *** Horas mais tarde, meu estômago ainda estava agitado. Entre o mal-estar provocado depois de provar uma alma e o fato de saber que havia fracassado, não me aventurava muito longe do banheiro. A roupa – Santo Deus – como eu poderia ter-me esquecido disso? Como Roth poderia não ter se lembrado disso? O moletom e a camiseta grande demais com uma banda de cabelo dos anos 80 estampada na frente era bastante óbvio que não eram minhas. E o que disse a Abbot? Que eram roupas velhas de ginástica que estava na minha mochila? Que tipo de mentira coxa foi essa? Por que eu teria roupas
masculinas na minha mochila, e por que mudaria de roupa, mas deixei a mochila na casa da árvore? Eu queria me bater. Esperançosamente, Abbot pensaria que eu estava traumatizada, mas duvidava. Ele não era estúpido. A maneira como ele sorriu e o brilho conhecedor em seus olhos me disse que ele sabia. Então, porque não falou? Esperar por ele fazer isso era pior. Dez minutos depois e eu segurava os lados do vaso sanitário, esvaziando o que Jasmine conseguiu me fazer comer depois de me verificar. — Jesus, — engasguei quando outra cãibra passou por mim. Náuseas abalaram meu corpo até que meus olhos lacrimejaram. Então a alma surgiu. Cortando seu caminho até a minha garganta, ela escavou com pequenos ganchos, recusando-se a sair. Meu estômago se apertou, dobrando-me. Finalmente a fumaça branca foi expulsa da minha boca. Assim que a alma de Petr deixou o meu corpo, estremeci, caindo contra a parede do banheiro. A alma de Petr flutuou no ar acima de mim, uma coisa triste e torcida. Como uma nuvem escura antes de uma violenta tempestade, ela rodou e se agitou. Podia ver toalhas amarelas empilhadas ordenadamente por trás dela, e os pequenos cestos onde eu mantinha a minha maquiagem. A simples presença da alma manchava a parede. — Sinto muito, — sussurrei com a voz rouca, puxando meus joelhos para o peito. Por muito que odiasse Petr, não queria ter feito isto com ele. O que ele se transformara após eu tomar a alma dele era algo saído dos pesadelos, e sem a sua alma não havia nenhuma chance para ele alguma vez encontrar paz no Céu. Humanos se transformavam em fantasmas. Não fazia ideia do que acontecia com Guardiões que morriam sem as suas almas. Encharcada de suor, dei descarga e fiquei em pé com as pernas fracas. Inclinando-me, liguei o chuveiro. Vapor encheu o banheiro, desfazendo a massa negra. Ela evaporou na névoa quente, desaparecendo. Tirei as minhas roupas e tomei o meu segundo banho do dia. Olhei de relance para baixo, encarando o anel no meu dedo. Parte de mim ainda queria se livrar da coisa, jogá-lo fora ou escondêlo.
Com os dedos molhados, tentei tirar o anel. Ele não se moveu. Balançá-lo também não funcionou. Segurá-lo no fluxo constante da água não adiantou nada. Nada do que eu fiz tirou o anel do meu dedo. Isso era estranho, porque não era como se estivesse muito apertado. Eu podia movê-lo, mas simplesmente não conseguia tirá-lo. Ótimo. Provavelmente, de alguma forma coloquei o encantamento em movimento ao colocar o maldito anel, e agora meu dedo teria que ser cortado. Fiquei no chuveiro até que a minha pele enrugou, mas a impureza ainda permanecia. Os arrepios seriam os próximos. Havia acabado de colocar o pijama quando houve uma batida na porta do meu quarto. Puxando meu cabelo molhado para fora da minha camisa, sentei na minha cama. — Entre. Zayne entrou, um borrão branco no começo. Quando sua essência desapareceu, vi os fios de cabelo loiro protegendo seu rosto quando ele fechou a porta. Um suéter azul claro esticado sobre o peito quase combinando com a cor de seus olhos. Quando ele olhou para cima e me viu, ele parou. — Você parece uma porcaria. Ri, o som saiu rouco. — Obrigada. — Aqui está o seu telefone. Ele funciona muito bem e eu… limpei-o, — disse, colocando-o na mesa de cabeceira. Ele sentou ao meu lado na cama. Eu me afastei, colocando alguma distância entre nós. Ele pegou o meu movimento, e seus ombros se endureceram. — Layla, — ele suplicou. — Estou apenas cansada depois de tudo. — Me movi, colocando as pernas debaixo do cobertor. — Talvez esteja ficando gripada ou… Zayne agarrou a minha mão. — Layla, você não fez. Por favor, me diga que você não fez. Puxei a minha mão. — Não! Não, só estou ficando doente e estou cansada. Foi uma longa noite e dia.
Ele avançou, prendendo-me entre o seu corpo e na cabeceira da cama. — Você precisa me dizer se você fez, Layla. Se você tomou a alma de alguém na noite passada, mesmo a de Petr, eu preciso saber. — Não, — sussurrei, curvando os meus dedos no cobertor. Seus olhos procuraram os meus atentamente e então ele abaixou a cabeça. Um suspiro escapou dos seus lábios firmemente pressionados. — Você me diria a verdade, não é? Tremi. — Sim. Zayne levantou a cabeça, seu olhar me encarando firme novamente. — E você confia em mim? Sabe que eu nunca a entregaria aos Alfas, que nunca faria isso com você. Então, por favor, não minta para mim agora. Por favor, jure que não está mentindo para mim. — Juro. — A mentira fez minha boca ficar amarga. Desviei o olhar, incapaz de sustentar o olhar dele. Reconheci que havia uma boa chance de que Zayne sabia, assim como ele sabia quando eu fizera isso antes. Ele soltou um suspiro enquanto olhava para sua mão, punhos ao redor do edredom. — Você precisa de alguma coisa? Balançando a cabeça, deitei de costas e estremeci. — Eu ficarei bem. Zayne ficou em silêncio por alguns minutos. Quando ele falou eu podia sentir seus olhos em mim. — Falei com Jasmim. Eu me encolhi. Ele engoliu em seco. — Ela disse que você estava muito machucada. Jasmim havia engasgado e murmurado algo ininteligível após me ajudar a tirar as minhas roupas e ver a confusão de hematomas. — Ela me disse que as marcas de garras não devem deixar cicatrizes, apesar de tudo. — Sua voz carregava uma onda de raiva. — Estou feliz por Petr estar morto. Só desejava ter sido eu a matá-lo. Olhei para ele bruscamente. — Você realmente não quer dizer isso. — Sim. Eu quero. — Seus olhos explodiram em uma surpreendente cor azul-petróleo. — A única coisa que eu desejo mais do que isso, é que você nunca tenha que passar novamente o que você passou. Não tinha nenhuma ideia de uma resposta apropriada para dar, eu me sentei e não disse nada, embora quisesse dizer tudo.
O silêncio se estendeu e então ele disse. — Sinto muito sobre sábado de manhã. — Zayne, você não… — Não, deixe-me terminar. Foi um terrível movimento da minha parte. Eu poderia ter ligado para você, eu deveria ter atendido ao telefone quando você me ligou ontem, e não deveria ter sugerido que você parasse com a Marcação. — Não marcarei mais. — O ser humano possuído praticamente selou o acordo. — Isso não importa. Eu sei o quanto a marcação significava para você. Rolei para o lado, cutucando-o com o cotovelo coberto. — Sim, mas eu estava sendo uma cadela. Você estava apenas preocupado que eu acabasse morta ou algo assim. Zayne passou a mão pelo cabelo, apertando a parte do pescoço. Músculos flexionaram e rolaram sob a camisa dele. Então estendeu a mão, afastando os fios de cabelo úmidos da minha bochecha. — Tem certeza que não precisa de nada? Suco ou fruta? — Não. — Era tarde demais para isso. Aconcheguei-me, estava gelada até os ossos. Não me lembrava de quanto tempo durara na última vez. Dois dias? Mais? Apertei os olhos fechados, orando para ser apenas um dia ou assim. Eu queria falar com ele sobre o Inferno ou Lilith, mas não consegui descobrir uma maneira de fazer isso sem ser o equivalente a me jogar na frente de um ônibus cheio. — Você… você precisa sair? — Perguntei, embora não pudesse dizer nada para ele. Ele sorriu pela primeira vez desde que entrou no quarto. — Estou de folga agora. Movi-me, dando espaço para ele. Zayne manteve espaço suficiente entre nós, mas eu puxei a borda do edredom, escondendo a minha boca. Ele me deu seu sorriso torto e recordei o que Roth dissera. Que Zayne gostava de mim. Por um segundo, não senti que estava queimando ou congelando de uma só vez. — Então, o que os Alfas queriam? Zayne se esticou, apoiando a cabeça com o braço. — Aparentemente houve um aumento de demônios de Nível Superior em DC, e nas cidades vizinhas. — Ele
esfregou a ponta do nariz, franzindo o rosto. — Mais do que os Alfas viram em séculos. Parei de me mexer nos cobertores. Posso ter parado de respirar por alguns segundos. — Não é nada para você realmente se preocupar, — ele me tranquilizou rapidamente, julgando mal a minha reação. — Eles são problema nosso, nós vamos cuidar disso. — Mas… por que eles estão vindo para a superfície? Por que tantos? — Um tipo diferente de frieza infiltrou em minhas veias. Zayne rolou para o lado, de frente para mim. — Os Alfas acham que eles planejam algo. Possivelmente outra rebelião, mas ninguém tem certeza. Todos nós estamos atentos a eles. Como o meu pai pediu após o ser humano possuído atacar você e Morris, nós já fomos avisados a primeiro os interrogarmos antes de enviálos de volta ao inferno. A minha garganta secou. E se eles pegarem Roth? Puxei a minha mão sob o cobertor e a coloquei na minha testa. A umidade se agarrou a minha pele. Abbot me contou sobre a última rebelião, quando eu ainda era uma garotinha. Ocorreu durante a gripe espanhola. Ninguém sabia quantas pessoas morreram da gripe ou da possessão demoníaca. Era isso que alguns dos demônios queriam? Que os Lilin renascessem e outra rebelião ocorresse? — Hey, — Zayne disse, se aproximando. — Está tudo bem. Você não tem nada com que se preocupar. — Hã? — Está pálida, Layla. — Ele estendeu a mão, puxando os cobertores ao redor dos meus ombros. — Oh. Eu disse que estava cansada. — Rolei de lado, alongando a súbita cãibra em minhas pernas. — Talvez você devesse ficar em casa amanhã, — ele sugeriu. Parecia um plano. — Talvez. Ele não respondeu por um tempo. — Layla? Virei a cabeça, encontrando o seu olhar firme. Tentei sorrir, mas saiu mais como uma careta. — Sim? — Eu sei que isso é mais do que você estar cansada ou o que Petr fez.
O ar fugiu dos meus pulmões. Inclinando-se sobre o cotovelo, ele colocou a mão no meu rosto. — Sei que o que você provavelmente fez foi porque estava se defendendo. Ou talvez fosse depois, por causa do que Petr fez. E não posso sequer começar a imaginar quão difícil é para você, mas sei que é mais forte do que isso. E sei que você não quer viver assim. Você não é um demônio, Layla. Você é um Guardião. Você é melhor do que isso. Senti meu lábio inferior começar a tremer. Não chore. Não chore. Minha voz saiu quebrada e baixa. — Sinto muito. Eu não queria. Só queria que ele parasse e… — Shhh… — Zayne fechou os olhos e um músculo tremeu em sua mandíbula. — Eu sei. Está bem. Lágrimas queimaram meus olhos. — Não farei isso de novo. Eu prometo. Estou tão arrependida. Zayne apertou os lábios contra a minha testa. — Eu sei. — Ele se afastou, desligando a lâmpada de cabeceira e voltando a deitar. — Descanse um pouco. Ficarei aqui até eu precisar sair. Virei para o meu lado novamente, pegando a mão dele no escuro. Ele agarrou-a, enfiando os dedos nos meus. — Me desculpe, — sussurrei novamente. Desculpando-me por gritar com ele, arrependida por tomar a alma de Petr e mais do que tudo isso, desculpando-me por todas as mentiras.
Fiquei em casa na terça-feira, passando a maior parte do dia na cama. Quando a escola começou na quarta-feira, o pior dos hematomas no meu rosto havia desaparecido e a parte pior da doença tinha passado. Stacey esperava por mim no meu armário. Sua boca se abriu quando me viu. — Ok. Eu sei que você disse que teve em um acidente de carro na sexta-feira, mas parece que você precisa de um médico. Aparentemente eu ainda parecia uma porcaria. Chutei a porta do meu armário para fechá-la, e a segui até a aula de biologia. Roth não apareceu; a hora do almoço chegou e ele ainda estava sumido. Entre o sentimento de rastejar para fora da minha pele e me perguntar onde Roth estava, tudo o que eu queria fazer era voltar a me esconder na minha cama. Os Guardiões deram ordens para caçar os demônios de Nível Superior invadindo a cidade. E se eles tivessem apanhado Roth? Minha respiração parava cada vez que eu pensava nisso. A causa da minha preocupação só era enraizada pelo fato dele ser o único que sabia que o Inferno estava atrás de mim e o motivo. Eu precisava de Roth vivo e inteiro. Essa era a única razão pela qual eu estava preocupada. Sim. Certo. No almoço, os pensamentos de Stacey espelhavam os meus. — Eu me pergunto onde Roth está. Ele também não veio à escola desde sexta-feira. Eu não disse nada. — No início, pensei que talvez você tivesse cedido à luxúria selvagem entre vocês dois e fugido com ele.
Quase engasguei com a minha pizza gelada. — Você é insana. Stacey deu de ombros. — O quê? Você não pode dizer que se estivesse sozinha com ele não saltaria nos ossos dele. — Estive sozinha com ele, e não fiz isso. — Meus olhos se arregalaram um segundo depois dessas palavras saírem da minha boca. — Merda, — murmurei. Ela agarrou o meu braço. — Oh, meu Deus, detalhes – eu preciso de detalhes agora. Nada menos que um zumbi mordendo a cabeça dela distrairia Stacey agora, e mesmo assim eu não tinha certeza se ela deixaria ir. Inventando uma desculpa rápida, eu disse: — Encontrei-me com ele no fim de semana e nós saímos. — Em público ou na casa dele? — Na casa dele, mas não foi um grande negócio. — Eu me contorci. Inferno, de maneira nenhuma eu diria para ela que ele me beijou. Eu nunca ouviria o fim disso. — Você não vai para Wick esta noite? — Perguntei, na esperança de mudar de conversa. Sentando, Sam revirou os olhos. — Quem iria querer ir? É noite de poesia, o que significa que todo mundo que pensa que pode formar um par estará lá. — Não seja ciumento, — disse Stacey, — Porque não o convidei. E voltando para Layla. — O que tem a Layla? — Sam encarou o resto da minha pizza. Deslizei a minha fatia em direção a ele. — Nada. — Nada, — engasgou Stacey. — Ela passou um tempo sozinha com Roth, um tempo na casa dele. Foi no quarto dele? Viu a cama dele? Espere. Deixe-me começar com a pergunta mais urgente, você finalmente perdeu a sua virgindade? — Jesus, Stacey, por que está tão interessada no estado da virgindade dela? — Perguntou Sam. — Sim, eu me pergunto a mesma coisa. — Prendi meu cabeço para trás. — Mas para responder a sua pergunta, não, eu não a perdi. Não foi nada parecido com isso. — Olha, você é a minha melhor amiga. Sou obrigada a ter um interesse na sua atividade sexual. — Ela faz uma pausa, sorrindo. — Ou a falta dela. Revirei os olhos.
— Isso é um pouco perturbador. — Sam deu uma cotovelada em Stacey quando ele pegou um punhado de seus Tater Tots. — Espere, não é assim quando falamos do cara mais gostoso que anda por estes corredores? — Stacey inclinou para trás, jogando as mãos para cima. — Você é irreal. — Outro olhar assustado cruzou o seu rosto antes que eu pudesse responder. — Você viu a cama dele? Santa Maria, mãe de Jesus, você estava realmente na cama dele? Fiquei mil tons de vermelho. — Stacey… — Seu rosto me diz que você viu a cama dele, provavelmente até se sentou nela. Como foi? — Ela se debruçou para frente, seus olhos ansiosos. — Ela tem o cheiro dele? De sexo? Ele tem lençóis de seda? Vamos lá, ele tem que ter cetim ou seda. — Sério? — Sam pousou sua bebida, franzindo o cenho para ela. — Você acabou de perguntar para ela se a cama dele cheirava a sexo? Quem se importa com o cheiro da cama? — Eu me importo. — Stacey exclamou com os olhos arregalados. — Ela não cheira a sexo, — murmurei, coçando o meu rosto de lado. Stacey zombou. — Você nem sabe como é o cheiro do sexo. Eu meio que queria estrangulá-la. — Podemos só… — Sabe o quê? Você está agindo como o resto das garotas estúpidas daqui. — Sam pegou sua mochila, levantou e a atirou por cima do ombro. — Ele é de boa aparência. Impressionante. Você não precisa dar uma de perseguidora dele. A boca de Stacey se abriu. Olhei para Sam, de repente me sentindo muito triste por ele. Comecei a ficar de pé. — Sam... Com as faces coradas, ele sacudiu a cabeça. — Vejo vocês na aula de Inglês. Paz. Nós o vimos jogar fora seu almoço, e se dirigir para as portas duplas. Vireime para Stacey, mordendo o meu lábio. Ela observou as portas como se esperasse que ele voltasse e gritasse: Só estou brincando! E riria. Quando ele não fez, ela caiu contra sua cadeira, arrastando os dedos pelos cabelos. — Que diabos foi isso? — Stacey, Sam gosta de você desde que éramos calouros. É óbvio.
Ela bufou. — Como algo assim pode ser óbvio para você e não para mim? Antes de Roth, você não sabia que os rapazes tinham pulso. — Isto não é sobre mim, sua idiota. — Você deve estar errada. — Ela balançou a cabeça, jogando uma Tater Tot em sua bandeja. — Sam não pensa em mim dessa forma. Ele não pode. Nós somos amigos há anos. Eu pensei sobre Zayne. — Só porque você é amigo de alguém não significa que eles não pensam em você como algo mais. Sam é bonito, Stacey. E ele é inteligente. — Sim, — ela disse lentamente. — Mas é Sam. — Tanto faz. Ela arqueou uma sobrancelha. — Esqueça a coisa sobre Sam por um momento. Você gosta de Roth? Quero dizer, você não sai com nenhum cara além de Sam ou Zayne. Isto é meio que épico. — Não é épico. — Engoli o resto da minha bebida, ainda com sede. — Então, você gosta dele? Olhei para a bebida dela. —Não, eu não sei. Você vai beber isso? Stacey me entregou a garrafa de água. — O que quer dizer com não sabe? — É difícil de explicar. — Limpei a minha boca com a palma da mão. — Roth não é como os outros caras. — Não me diga, — disse ela secamente. Eu ri, mas rapidamente isso desapareceu. Eu queria dizer a Stacey sobre Roth, sobre tudo. O que ele era. O que eu era. Não seria difícil para ela acreditar, não depois dos Guardiões terem aparecido. As pessoas provavelmente já esperavam a verdade. A necessidade de apenas falar, ser honesta, por uma vez, me atingiu forte. — Layla? Está se sentindo bem? — A preocupação a fez franzir a testa. — Sei que foi apenas um acidente de carro, mas você parece doente. — Sim, eu acho que peguei alguma coisa. — Forcei um sorriso. — Nada demais. O sinal tocou, forçando a nossa conversa e a minha necessidade de dizer a verdade terminar. Recolhi o nosso lixo, e quando saímos, Stacey me parou do lado de fora do refeitório. Engoli em seco. Almas... almas estavam por toda parte.
Então observei o rubor rastejando no rosto de Stacey. Ela nunca corava. Nunca. — O que foi? — Perguntei. Ela brincou com alça da bolsa, exalando. O sopro de ar levantou sua franja por um momento. — Você realmente acha que Sam gosta de mim? Apesar de tudo, eu sorri. — Sim. Stacey assentiu, com foco no fluxo dos estudantes. — Ele não é feio. — Não. — E ele não é um idiota, — ela continuou. — Ele não é como Gareth ou qualquer outro cara que só quer entrar nas calças de uma garota. — Ele é muito melhor do que Gareth, — concordei. — Ele é, — ela disse, fazendo uma pausa. Um olhar perturbado apareceu em suas feições. — Layla, você acha que eu machuquei os sentimentos dele? Eu não queria. Agarrei a mão dela, apertando. — Eu sei. E acho que Sam sabe disso também. Ela apertou a minha mão e depois soltou. Virando, ela sorriu enquanto se dirigia pelo corredor. — Bem. Este é um desenvolvimento interessante. Eu sorri. — É. O que você fará sobre isso? Stacey deu de ombros, mas seus olhos brilhavam. — Quem sabe? Eu te ligo mais tarde, ok? Nós nos separamos depois disso, fomos em direções diferentes. Passei o resto do dia olhando por cima do meu ombro, esperando que Roth aparecesse. Ele não apareceu, e a dor no meu estômago aumentou até que eu mal podia me concentrar na aula, ou mais tarde, na conversa da mesa de jantar. Nenhum dos Guardiões falou sobre pegar alguns demônios de Nível Superior, mas normalmente não me deixam entrar nesse tipo de conversa. Abbot não abordou a questão das roupas, ou até mesmo o tema do ataque e o posterior envolvimento demoníaco. Esperar por ele vir falar sobre isso e confrontar as minhas mentiras estava me deixando louca. Na minha própria casa, com todos estes segredos construídos entre todos, eu me senti como uma estranha e desconfortável na minha própria pele. Para não falar que eu tentava me impedir de entrar em pânico. Saber que havia demônios lá fora que queriam me usar em algum tipo de encantamento
bizarro ou me matar, me deixava nervosa. O fato de Elijah ainda estar lá fora também não ajudava. Quando estava tranquila, a minha imaginação levava a melhor sobre mim. *** Na quinta de manhã, eu decidi oficialmente que a coisa mais louca que aconteceu ao longo das últimas duas semanas não tinha nada a ver com o conhecimento de eu ser a filha de Lilith ou que eu poderia de algum modo, ascender uma horda de demônios comedores de almas. Ou que havia mais de uma tonelada de demônios que queriam me ver morta. Não. A coisa mais louca era Stacey. Ela estava agindo de forma estranha e surpreendentemente suave. Ela não falou sobre sexo ou meninos nos primeiros cinco segundos de uma conversa. Na aula de Inglês na quarta-feira, após o almoço com Sam, ela riu de tudo o que ele disse, o que era estranho de se ver. Sam continuava me enviando olhares, e tentei ignorá-los. Tinha a sensação que tinha a ver com seu novo conhecimento da paixão dele por ela. Não que ela admitiria isso. Agarrando seu texto de biologia, ela chutou a porta do armário, fechandoa. — Você ainda parece doente. Deve ir ver um médico, Layla. Revirei os olhos. — Não mude de assunto. Você está agindo de forma estranha desde o almoço ontem. Stacey virou, encostando-se ao armário quando olhou para mim com as sobrancelhas levantadas. — Você é estranha todos os dias. Desaparece quando supostamente precisa se encontrar conosco. Sai com o cara mais quente no planeta e diz não é assim. Olá. Você é a amiga estranha aqui. Eu estremeci. Tudo isso era verdade. — Que seja. Ela se afastou do armário, entrelaçando o braço no meu. — Só não quero que Sam pense que sou... mais uma daquelas meninas. — Mas você é uma daquelas garotas, — eu disse lentamente. O fluxo constante de almas cintilantes exigia a minha atenção, mas eu me concentrei. — E Sam gosta de você por quem você é. — Obviamente, ele não gosta.
Bati meu quadril com o dela. — Você está sendo louca. Ela abriu a boca, mas parou quando um corpo alto cruzou nosso caminho. Eu sabia antes de olhar que era Roth. Aquele doce cheiro almiscarado não poderia pertencer a mais ninguém. — Ei, — Stacey disse, recuperando-se. — Pensamos que você havia morrido ou algo assim. Ergui a cabeça, sentindo-me desorientada quando os nossos olhos se encontraram. Seu olhar viajou sobre mim. Eu parecia muito desalinhada hoje, usando jeans largo e um moletom que já viu dias melhores. Um leve franzido apareceu em seus lábios cheios. — Vocês duas sentiram tanta falta assim do meu rosto? — Roth provocou com os olhos fixos em mim. — Onde você estava? — As palavras saíram antes que eu pudesse detê-las, e Deus, eu me senti uma idiota. Roth deu de ombros. — Eu tinha algumas coisas para cuidar. Falando nisso… — ele se virou para Stacey, — Eu gostaria de roubá-la de você, se não se importar. — Tento dizer para a minha mãe o tempo todo que eu tenho coisas para fazer, mas ainda preciso vir à escola. — Stacey deslizou seu braço do meu, apertando os lábios. — Eu gostaria de ter os seus pais. Apenas me deixarem ir para a escola quando eu sentir que gosto disso. Mas, de qualquer maneira, você não está pensando em ir para biologia? — Não. — Ele piscou enquanto abaixava a voz. — Eu vou ser um rebelde e matar aula novamente. — Ooh. — Stacey balbuciou. — E você quer corromper a minha saudável e pura amiga? Com os braços pendurados ao meu lado, eu suspirei. Seu olhar dourado aqueceu. — Corrupção é meu nome do meio. — Bem, você só pode roubar e corromper a minha amiga se ela quiser ser roubada e corrompida. Já era o suficiente. — Ei, pessoal, estou aqui, lembra? Eu não deveria ter uma palavra a dizer nesta decisão?
Ele arqueou uma sobrancelha para mim. — Você quer ser roubada e corrompida? Tive uma sensação que eu já estava corrompida apenas pela presença dele. — Por que não. — Boa! — Stacey cantarolou, recuando e gesticulando atrás de Roth. Ela estava fazendo algo com a mão e a boca que eu sabia que Roth estaria disposto a fazer. Tentei ignorá-la. — Mas prometa que a devolverá para mim, ok? — Não sei. — Roth virou, deixando cair o braço sobre meus ombros. — Eu posso roubá-la de você permanentemente. Não consegui impedir o tremor que passou por mim. A maneira que Roth apertou os meus ombros me disse que ele também não perdeu isso. — Que seja. — Stacey deu-nos um curto aceno e foi em direção a aula de biologia. A mão de Roth deslizou do meu ombro, segurando minha mão. — Você parece terrível. Eu não poderia dizer se minhas bochechas estavam queimando. Já me sentia anormalmente quente por uma enorme quantidade de razões erradas. — Obrigada. Todo mundo fica me dizendo isso. Ele puxou o meu rabo de cavalo bagunçado com a mão livre. — Você tomou banho esta manhã? — Sim. Jesus. Onde você esteve, Roth? — Por que você está doente? — Ele perguntou. — Parece que não dormiu desde que a vi pela última vez. Você não poderia ter sentido tanto assim a minha falta. — Cara, você é um egocêntrico. Não tem nada a ver com você. Fico assim depois... — Depois do quê? — Ele se inclinou, esperando. Desviei o olhar, baixando a minha voz. — Se eu experimento uma alma, fico doente depois. Apenas por um dia ou algo assim, mas tomar uma alma parece durar mais tempo. Roth soltou a minha mão. — Por quê?
— É como uma retratação ou algo assim, — eu disse. Roth estava estranhamente quieto enquanto me observava, com uma expressão pensativa. — O quê? Ele piscou. — Nada. Eu realmente não estou pensando em ir para biologia. — Acho o máximo. — Respirando, decidindo me corromper. — Onde você está pensando em ir? Ele esboçou um sorriso rápido, o que me fez pensar que ele estava prestes a dizer algo pervertido, mas ele me surpreendeu. — Vamos descobrir. O que eu estava fazendo nos últimos dois dias tem a ver com você. — Adorável. Roth pegou minha mão, sua pele agradavelmente quente contra a minha, e eu não queria surtar sobre a coisa de segurar as mãos. Ele me levou para uma escadaria nas proximidades e, em seguida, para baixo de uma escadaria, na parte antiga da escola, onde havia um par de escritórios vazios e um ginásio decrépito que cheirava a mofo. Felizmente, a sala das caldeiras estava do outro lado da escola. Com todos os cubículos na parte de baixo da escola, era um notório ponto de encontro para os maconheiros. Não me surpreende que Roth saiba para onde ir se você não quer ser encontrado. Ele parou na escada de baixo. Rasgando a fita de segurança laranja pendurada nas portas duplas do ginásio, suspensas contra o metal cinza fosco. Uma das janelas estava coberta com tanta lama que parecia matizada. As paredes da escada não estavam muito melhor. Faltavam seções inteiras de tinta, expondo o cimento das paredes. Roth parou e pegou minhas mãos. — Senti saudade de você. Meu coração deu um pequeno salto estranho. Coração estúpido. Eu precisava me concentrar. Com todo o descanso que tive na cama nos últimos três dias, deu-me tempo para pensar sobre o que ele revelara. — Roth, precisamos falar sobre o que você me disse. — Nós estamos falando. — Ele abaixou a cabeça, esfregando sua bochecha contra a minha. — Isso não é falar. — Não que eu não goste. — E eu realmente tenho perguntas.
— Então, pergunte. Sou multifacetado. — Ele me puxou para frente, circulando o braço em volta da minha cintura. Mergulhou a cabeça onde o meu pescoço estava inclinado, respirando fundo. — Vá em frente? Eu tremia contra ele, meus dedos enrolando na frente de sua camisa. Eu não penso assim, mas estava disposta a tentar. — Onde você esteve? — Onde você estava? — Suas mãos caíram para os meus quadris, apertando deliciosamente. — Você não esteve na escola na terça-feira. — Como você sabe? — Eu sei um monte de coisas. Suspirei. — Fiquei em casa. Estava doente e com... contusões, era melhor tirar outra folga. — Boa ideia. — Um leve franzido apareceu em seus lábios quando levantou uma mão, arrastando um dedo ao longo da minha têmpora. — Está quase imperceptível. — Seu olhar caiu para a minha boca, e senti meus lábios se abrirem. — E o seu lábio parece... — O quê? A carranca se transformou em um sorriso lento e sedutor. — Bem, parece bom o suficiente para morder. Suguei uma respiração instável, tentando acalmar a batida selvagem em meu peito. — Roth, vamos lá. — O quê? — Ele me deu um olhar inocente. — Só estou dizendo que eu poderia fazer todo o tipo de… — Entendi. Enfim, voltando à minha pergunta. — Hmm... — Roth moveu suas mãos na minha cintura. O calor queimando a partir de onde seus dedos pressionavam através do moletom. — Como foi quando você voltou? Distraída novamente, eu respondi a pergunta dele. — Foi... ok, mas eu esqueci de trocar as minhas roupas antes de sair da sua casa. — Suas sobrancelhas se levantaram, eu o lembrei das roupas emprestadas e de como Abbot perguntara sobre elas. — Não acho que ele acreditou no que lhe disse, mas ele não insistiu. Roth não pareceu muito preocupado. — Estou certo de que ele sabe a verdade sobre tudo. Mas o que pode dizer sem expor todas as mentiras que ele te
alimentou? — Suas mãos deslizaram uma polegada, descansando apenas sob as minhas costelas. — E além disso, ele não vai matá-la ou qualquer coisa. Enruguei o meu nariz. — Espero que não. Ele riu suavemente. — Não acho que o seu líder destemido fará algo para perturbar Stony. Falando nisso, Stony parecia aliviado ao vê-la na segunda-feira. — Ele estava... — balancei a cabeça. — Eu te disse. Conheço Zayne a maior parte da minha vida. Somos próximos. — Ele parecia realmente aliviado ao vê-la na segunda-feira. — Seus polegares moviam-se em círculos lentos e ociosos, o que tornou difícil me concentrar. — Acho que só vi um Guardião correr tão rápido assim quando ele está seriamente perseguindo um demônio. Senti um rastejar de calor voltar ao meu rosto enquanto eu agarrava seus pulsos. — Roth, eu não quero falar sobre Zayne. — Por que você não quer falar sobre Stony? Irritação explodiu. — Não sei, porque há coisas mais importantes para falar? Roth abaixou a cabeça novamente, e quando falou, sua respiração era quente contra a minha orelha. — Mas eu quero falar sobre Stony. Lembra quando eu disse que ele gostava de você Layla? Meu aperto em seus pulsos aumentou. — Sim. Como eu disse… — Você o conhece a vida toda. Entendo isso. — Seus lábios roçaram o espaço abaixo do meu ouvido e ofeguei. — Mas ele foi sempre... assim? Antes que eu pudesse perguntar assim como, os lábios de Roth viajaram por toda a minha bochecha. Minúsculos arrepios quentes correram ao longo dos meus nervos. Seus lábios roçaram o canto dos meus, e meu pulso se agitou freneticamente. Estava tão fora de mim com ele que não era engraçado. — É assim, Layla? Assim? Ah, o toque... O quase me beijar. — Não. — Mal reconheci minha própria voz. — Não posso... — Não pode o quê? — As bordas de seus dentes desceram sobre meu lábio inferior. Uma pequena mordida, como ele mencionara antes, e todo o meu corpo arqueou contra o dele. — Não pode o que, Layla? — Não posso estar tão perto dele, — admiti em voz ofegante.
Os lábios de Roth se curvaram em um sorriso contra o meu. — Que pena. A falta de sinceridade foi épica. — Tenho certeza que você realmente se sente mal. Ele riu, e desta vez, quando se afastou e inclinou a cabeça de novo, seus lábios estavam contra o meu pulso. Isto era ridículo. Precisávamos falar sobre coisas. Coisas importantes. Eu não estava matando aula para fazer... Bem, o que quer que isso fosse com Roth. Mas, caramba, o que estava fazendo era tão puro e novo para mim. E parecia tão incrivelmente boa essa antecipação selvagem que estava construindo, uma promessa que poderia verdadeiramente ir a algum lugar. O anseio feroz era como uma tempestade dentro de mim, rodando e me girando tão alto que eu sabia que a queda quebraria algo valioso. Porque isto era diferente, isto não foi construído em fantasias sem esperança. Percebi que isso era tão emocionante quanto era aterrorizante. Com um esforço que eu não sabia que tinha, eu me afastei. Roth levantou uma sobrancelha quando deixou cair as mãos para seus lados. Seus olhos eram de um amarelo quente, consumindo em sua intensidade e assustadora capacidade de me convencer, de me fazer esquecer tudo o que realmente é importante. Limpando a garganta, eu desviei o olhar. — Ok. Voltamos para a minha pergunta. — O que você quer saber? — Diversão se agarrou em suas palavras. — Eu esqueci. — Tenho certeza que você esqueceu. — Suspirei, me perguntando se eu conseguiria alguma resposta de Roth. — Onde você esteve? Ele encostou-se à parede, cruzando os braços. — Precisei ir para casa. — Casa como em...? — Abaixei a voz, embora não houvesse ninguém por perto. — Inferno? Roth concordou. — Precisava fazer check-in e pensei que seria uma boa oportunidade para perguntar ao redor, ver se alguém sabia se algum demônio está puxando as cordas. Troquei minha mochila para o meu outro braço. — Você descobriu alguma coisa?
— Todo mundo está muito silencioso sobre isso. Ninguém está disposto a dizer quem é, o que me diz que é alguém importante. — Obviamente, um demônio Nível Superior como você? — Mas definitivamente não é tão impressionante como eu. — Ele piscou, e Deus me ajude, ele realmente parecia bem fazendo isso. — Mas não voltei de mãos vazias. Eu estava certo sobre a coisa toda da Chave Inferior. O encantamento exato para criar Lilins está nessa Chave, e um monte de demônios está procurando por ela, em ambos os lados. Isso clicou. — É por isso que há tantos demônios Nível Superior por aqui. — Do que você está falando? Balancei a cabeça. — Foi o que ouvi. — E onde ouviu isso? — Quando eu não disse nada, Roth se afastou da parede. Seus passos precisos e lentos me obrigaram a andar para trás, até que eu estava alinhada com a parede. Manchas pequenas de tinta flutuaram pelo ar. — Compartilhar é cuidar, Layla. Dizer a Roth o que os Guardiões sabiam não era fácil. A culpa estabeleceuse no meu estômago como blocos de cimento, mas eu confiava nele. Além de me salvar de Petr, e só Deus sabe quantas outras vezes, ele nunca me pediu para confiar nele. Nem uma única vez. Talvez por essa razão, eu confiava nele. — Estamos nisso juntos, certo? — Eu disse, olhando para ele. — Quero dizer, nós vamos descobrir o demônio por trás disso e pará-lo? Os olhos de Roth encontraram os meus. — Você e eu somos como manteiga de amendoim e geleia quando se trata disto tudo. Meus lábios tremeram. — Tudo bem, porque não me sinto bem em dizer isso para você, mas eu... eu confio em você. — Fazendo uma pausa, dei um grande suspiro. — Os Alfas disseram que tem havido um monte de movimentos de demônios de Nível Superior. Os Guardiões estão tentando capturar e deter. Pensei... bem, de qualquer maneira, o que está acontecendo está nos radares dos Alfas. Ele virou a cabeça, um sorriso torto brincando em seus lábios. — Você pensou que eles me pegaram? A mim? — Ele soltou uma gargalhada. — Estou lisonjeado por sua preocupação, mas não precisa se preocupar com isso.
Tinha certeza que meu rosto estava queimando, então me concentrei na folha de haxixe que alguém esculpiu na parede atrás dele. — Eu não estava preocupada com você, seu babaca. — Uh-huh. Continue dizendo isso. Minha paciência começou a desaparecer. — Então, é óbvio que os demônios estão procurando a Chave, certo? Roth estava em meu espaço pessoal mais uma vez. Por que ele sempre tem que ficar tão bem perto? E eu deveria estar reclamando? — Certo, — ele murmurou. Sua mão se curvou em torno do meu ombro e respirei profundamente. Um segundo se passou e meu corpo ficou tenso. — Essa não foi a única coisa que eu soube. — Sério? Ele assentiu. — Temos de encontrar a Chave antes de outra pessoa. E encontrar um livro antigo, que está provavelmente bem protegido, não será fácil. Mas tenho uma vantagem. — Ok? Qual é a vantagem? Estendendo a mão, ele pegou uma mecha do meu cabelo que escapara e torceu-o em torno de seu dedo. A palidez destacou-se em contraste com o tom mais escuro de sua pele. — Há um vidente nas proximidades. Peguei meu cabelo de volta. — Um vidente? Roth bufou. — Não é um psíquico – do tipo linha direta psíquica. Um vidente que tem uma conexão unidirecional lá em cima e lá em baixo. Se alguém sabe quem é o demônio ou onde a Chave está localizada, é o vidente. Eu ainda duvidava. — Os videntes são protegidos pelos Alfas. Como um demônio sabe onde ele está localizado? — Eu disse que tenho uma pista. Não disse que seria fácil. — Roth recuou, enfiando as mãos nos bolsos. Abri a boca, mas ele me cortou. — E antes que pergunte, você não quer saber até onde eu tive que ir para conseguir essa vantagem. Droga. Eu queria perguntar. — Então, onde está o vidente? — Na saída de Manassas15, — ele respondeu.
15 Manassas é uma cidade independente localizada no Estado americano de Virgínia.
— Portanto, não muito longe. — Uma bolha de excitação se formou. — Nós podemos ir agora. — Whoa. — Roth levantou as mãos. — Sou totalmente a favor de você faltar à escola e cometer atos de desordem em geral. Eu sou um demônio, afinal de contas, mas nós não estamos fazendo nada. — Nós não estamos? — Eu não podia acreditar. — Por quê? O olhar no rosto dele disse que queria me dar tapinhas no topo da cabeça. — Porque eu provavelmente não sou o único demônio que fez coisas inconfessáveis para ganhar a localização do vidente. Pode ser perigoso. Cruzei os braços, contrariada. — Tudo pode ser potencialmente perigoso agora. Ir para a escola? Um zumbi poderia aparecer de novo e tentar me levar para o seu líder malvado. Um demônio poderia possuir um professor. Um demônio poderia me apanhar no caminho da escola para casa hoje. Uma ruga apareceu. — Bem, isso leva a muitas emoções. Revirei os olhos. — Olha, eu não ficarei de fora e deixarei qualquer um arriscar a vida por mim, e fazer todo o trabalho duro enquanto fico sentada na aula de história. — Bem, se você está contra se sentar na escola, você pode sempre ir para o meu apartamento e fazer companhia à minha cama até eu voltar. Havia uma boa chance de que eu iria bater nele. — Isso tem a ver comigo, minha vida. Estamos nisto juntos. Isso significa que nós vamos ver o vidente juntos. — Layla... — Sinto muito, mas não aceitarei um não como resposta. Vou com você. Então, lide com isso. Roth olhou para mim, parecendo atordoado. — Eu não sabia que tinha isso em você. — O quê? Ele bateu na ponta do meu nariz. — Você é mal-humorada por baixo de todo esse ar fofo. — Não sei se eu deveria estar ofendida ou não, — resmunguei. — Não. — Ele disse algo sob a respiração em um idioma diferente e, em seguida, estendeu a mão. — Então vamos lá. Vamos fazer isso. Juntos.
Faltar à escola pela primeira vez para, bem, ver um vidente, tinha problemas escrito nisso. Assim como o jeito que Roth dirigia seu Porsche, como se ele fosse a única pessoa com o direito de estar na estrada. Naturalmente, Paradise City tocava nos alto-falantes. — Você pode ser um demônio imortal, — eu disse, segurando a cinta peitoral do cinto de segurança, — Mas eu não sou. Ele deu um sorriso do tipo selvagem que me fez pensar em coisas realmente estúpidas. — Você ficará bem. A possibilidade de morrer em um massivo acidente de carro era muito melhor do que sentar e fingir que nada estava acontecendo. Eu estava sendo proativa. De certa forma, eu cuidaria disso sozinha, e a ajuda de Roth aliviou a inquietação e o pânico que vinham crescendo dentro de mim. Quando entramos em Manassas, Roth fez o inesperado e entrou no primeiro estacionamento de supermercado que nos deparamos. Olhei para ele quando ele desligou o motor. — Você precisa fazer compras, tipo agora? Roth me deu um olhar, mas não respondeu. Suspirando, eu saí do carro e o segui até o mercado. Eu meio que esperava que alguém pulasse em cima de nós e exigisse saber por que não estávamos na escola, mas uma vez dentro da loja, vi cerca de seis outros adolescentes e descobri que nos misturamos bem. Ele parou na seção de aves, franzindo a testa. — O que você está procurando? — Perguntei curiosa.
— Uma galinha, — ele disse, olhando as prateleiras. — De preferência, uma galinha viva, mas parece que não vou encontrar. Inclinei-me mais perto dele. — Quero saber por que você quer uma galinha viva agora? — Pensei que seria um bom companheiro de viagem. — Ele sorriu quando os meus olhos se estreitaram. — Você sempre deve levar um sinal de agradecimento quando visita um vidente. Ouvi dizer que as galinhas dão um bom presente. — Ele pegou um frango inteiro, com a etiqueta que alegava que era criado em uma fazenda. — Todo mundo adora Perdue, certo? — Isto é tão estranho. Um sorriso torto apareceu. — Você ainda não viu nada. Dez minutos depois, estávamos de volta na estrada, indo em direção a Manassas com o nosso frango Perdue. Não sabia o que esperar, mas quando passamos as antigas cercas de madeira e paredes de pedra e entramos na garagem de uma casa que parecia, provavelmente, ter buracos de bala nela, da batalha da guerra civil, eu tentei me preparar para a bizarrice que estava prestes a surgir. Roth se dirigiu à minha frente, seus olhos esquadrinhando os arbustos bem aparados que estavam no caminho de entrada como se esperasse que um gnomo de jardim nos atacasse. Nós subimos a varanda. Um balanço do lado esquerdo se moveu na ligeira brisa. Havia um espantalho de madeira sentado em uma abóbora pendurada na porta. A porta se abriu antes que Roth pudesse até mesmo levantar a mão para bater. Uma mulher apareceu. Assim que a fraca tonalidade azul de sua alma desapareceu, eu dei uma boa olhada nela. Seu cabelo loiro foi puxado para cima em um coque elegante. Linhas finas rodeavam os olhos cinzentos afiados. Sua maquiagem estava impecável. Seu casaco de lã rosa e calças de linho estavam livres de rugas. Ela usava até mesmo um colar de pérolas. Totalmente o que eu não esperava. Ela correu um olhar frio sobre nós, e então parou em Roth. Seus lábios se apertaram. — Não estou feliz com isso. Ele arqueou uma sobrancelha escura. — Eu diria que sinto muito, mas não seria verdadeiro.
Abri a boca para pedir desculpas, porque esse tipo de atitude não nos levaria a lugar nenhum, mas a mulher se afastou, no entanto. — Para a sala, — disse ela, apontando para a direita. Levando o frango em um saco plástico, Roth passou por um corredor estreito primeiro. A casa cheirava bem, como torta de maçã assada. Sons de um jogo de vídeo barulhento irradiavam da sala, e quando pisamos nos degraus dentro da grande sala, meu olhar foi direto para a TV. Assassin’s Creed. Sam apreciaria este lugar. — Eu aprecio o frango, mas não é bem o que você traria a um vidente. Meu queixo caiu no chão. No início, era apenas um borrão de bondade branca perolada – uma alma pura. Ver um ser humano com uma alma pura era como ganhar na loteria; isso era quão raramente eles eram avistados fora da raça dos Guardiões. Minha boca secou e minha garganta se contraiu. Um anseio me chutou bem no estômago, o qual não foi embora quando a alma desapareceu, revelando o vidente. Roth colocou a mão na parte inferior das minhas costas, e não percebi que avancei até então. O olhar no rosto dele disse: não coma a alma do vidente, mas honestamente, a única coisa que aliviou o desejo era o choque que me percorreu quando me virei para o vidente. Sentado de pernas cruzadas na frente da TV, estava um menino de cerca de nove ou dez anos de idade, controle de jogo na mão. Não podia ser... Roth mudou seu peso. — Desculpe, mas você ficaria surpreso com o quão difícil é achar uma galinha viva em tão pouco tempo. O jogo na TV fez uma pausa, e o menino se virou para nós. Vários cachos dourados caíram sobre a testa. Ele tinha um rosto de querubim. Covinha no queixo e tudo. — É uma coisa boa que desejo um frango assado, de qualquer maneira. — Você é o vidente? — Perguntei; pasma. — Por que não está na escola? — Sou um vidente. Você acha que eu realmente preciso ir à escola? — Não, — murmurei. — Acho que não. — Você parece chocada. — Olhos azuis brilhantes pousaram em mim, e dei um passo atrás, batendo no braço do sofá xadrez. O centro de suas pupilas era
branco. — Você não deveria estar, filha de Lilith. Se alguma coisa é verdadeiramente chocante nesta sala, é o fato de você estar aqui. Com um demônio. Minha boca estava aberta como um peixe fora de água. Eu não fazia ideia do que dizer. O vidente era uma criança. Sua mãe limpou a garganta ao andar atrás de nós e pegou o frango de Roth. — Eu ofereceria bebidas, mas não espero que vocês dois fiquem aqui por muito tempo. — Ela fez uma pausa. — Tony, o que eu te disse sobre estar tão perto da tela? Você vai arruinar seus olhos. Virei-me para Roth lentamente, e seus lábios tremeram. O rostinho de Tony contorceu. — Meus olhos ficarão bem. Eu já vi isso. Bem, isso terminou essa parte da conversa. Sua mãe nos deixou a sós com o vidente, e quando ele se levantou, ele só dava até o quadril de Roth. Isto era além de estranho. — Eu sei por que você está aqui, — ele disse, cruzando os braços gordinhos. — Você quer saber quem quer ascender os Lilin. Isso, eu não sei. E se soubesse, não diria a você. Eu gostaria de chegar até a idade em que cresce pelo facial. Os olhos de Roth se estreitaram. — Como um vidente não sabe quem quer ascender os Lilin? — Como um demônio de sua estatura não sabe? Se você não sabe, por que espera que eu saiba? Olho para coisas que eu quero olhar e para coisas que me afetam. Como eu sabia que você viria aqui hoje com um frango Perdue, então eu disse a minha mãe para não se preocupar em trazer algo. Também sei que se eu der uma olhada para o demônio por trás disso, meus olhos estariam em um frasco no manto de alguém como um troféu. E prefiro mantê-los intactos. Isso era meio que perturbador, ouvir um sermão de uma criança assim. Tony inclinou a cabeça para o lado quando olhou para mim. — E você deve ter muito cuidado. Todo o cabelo do meu corpo congelou. — Por quê? — Além do óbvio? — Ele perguntou. — Todo o tempo você lutou contra o que você realmente é. Deve ser cansativo. Tanto é assim que quando chegar a hora de lutar realmente, você estará muito desgastada para fazer muita coisa. Tomei uma respiração suave. — Eu...
— Não veio aqui pelo meu conselho? Eu sei. Você quer saber onde A Chave Inferior de Salomão está. — Tony deu um suspiro cansado do mundo, o qual soou demasiadamente estranho vindo de uma criança. — Você sabia que um Guardião e um demônio esconderam a chave? Foi a única vez que os dois já trabalharam juntos. As duas raças trabalharão juntos no futuro novamente. Impaciência irradiava de Roth e isso deu a sua voz uma borda de aço. — Sabe onde está a chave, vidente? As pupilas de Tony brilharam. — Deixe-me fazer uma pergunta. Quem você acha que ganha com a ascensão dos Lilin? Olhei para Roth e disse: — Não vejo como alguém tem alguma coisa a ganhar. Os Lilin não podem ser controlados. — Não é exatamente verdade, — o vidente respondeu. — Os Lilin podem ser controlados por Lilith, mas isto não vem ao caso. Se os Lilin estão soltos, ninguém vai pará-los. E você está certa. Ninguém será capaz de detê-los, uma vez desencadeado. — Então? — Roth cruzou os braços. — Você já sabe a resposta a essa pergunta. Por que pergunta? O menino sorriu, exibindo dentes pequenos retos. — Porque eu fiz a pergunta para levá-lo a pensar, mas, aparentemente, tentar fazer um demônio pensar é pedir demais. Os olhos de Roth se estreitaram e ele deu um passo adiante. Sabia que ele estava perto de pegar o vidente e jogá-lo pela sala. Pulei na frente. — Por que você acha que um demônio está tentando fazer isso? O vidente não tirava os olhos de Roth. — Só uma coisa pode resultar disso, e isso é o início do apocalipse. — Ele soou como se discutisse um desenho animado. Nada demais. — Se os Lilin andarem na Terra novamente, os Alfas vão intervir. Eles tentarão tirar todos os demônios superiores, o que começará uma guerra. E uma guerra entre Alfas e demônios soa familiar, não é? Armageddon não está programado para começar por mais algumas centenas de anos, mas os Lilin acelerarão essa festinha com os Quatro Cavaleiros. Meu estômago se apertou. — O demônio quer começar o apocalipse? — Isso é o que eu disse. — O garoto virou as costas e pegou o controle do jogo. — Desculpe, colegas, mas os demônios não comandam as coisas lá em cima,
e a única maneira que eles podem, é começar o apocalipse e torcer para ganhar. É uma aposta arriscada para tomar, mas... — ele olhou por cima do ombro, para Roth. — Você sabe quão ruim o Inferno é. Os demônios querem sair. E alguns estão dispostos a destruir o mundo inteiro para sair. Você não pode me dizer que não pensou sobre como seria ser capaz de chegar à superfície sempre que quisesse e não precisar se preocupar com os Guardiões caçando-os. Liberdade... isso é tudo que qualquer criatura viva quer. Os nós em meu estômago triplicaram, ampliada pelo fato de que Roth não negou o que o vidente disse. Será que ele realmente arriscaria o mundo? Quem eu estava enganando? Roth iria, porque ele era um demônio e demônios operavam em uma espécie de autosserviço. Mas o inferno deveria ser um lugar horrível, então quem era eu para julgar? — Tudo o que tenho a dizer é que se esse demônio for bem-sucedido, a melhor esperança da humanidade é de que Deus esteja mais para Novo Testamento do que Antigo Testamento, porque a merda está prestes a ficar séria. — Tony! — A voz de sua mãe soou de algum lugar na casa. — Cuidado com a língua! Roth sorriu. — Sim, cuidado com a boca, garoto. O rosto dele corou, e eu tinha a sensação de que ele estava prestes a nos expulsar antes de termos qualquer informação. — Você pode nos dizer onde está a Chave Inferior? Tony respirou fundo e exalou alto através de seu nariz. — Por que eu deveria dizer alguma coisa para vocês? Ele não foi muito legal. — Eu não sou bom para ninguém, — Roth respondeu casualmente. — Você é bom para ela, — o menino apontou. Roth baixou a voz. — Isso é porque ela é bonita. Um dia, quando você crescer, você entenderá o porquê. — Um dia, você se encontrará acorrentado no fundo do poço ardente do inferno, e eu estarei rindo, — Tony atirou de volta. Em vez de rir ou tentar ironizar o menino de dez anos de idade, Roth empalideceu e se endireitou como se alguém tivesse colocado aço em sua espinha. Uma emoção cintilou em seu rosto, algo como terror, e minha inquietação
se multiplicou. Foi breve, sumiu antes que eu pudesse realmente dizer que ele teve aquele momento de vulnerabilidade. Um sorriso tenso apareceu no rosto de Tony. — Encontre onde o monólito16 é empurrado para trás durante a lua cheia e você encontrará a entrada de onde está a verdadeira Chave Inferior. Agora, como você pode ver, eu tenho alguns traseiros para chutar... — Espere. Isso não faz sentido algum, — interrompi. Eu não fazia ideia do que era um monólito. Tanto por todo o tempo que passei na biblioteca. — Faz todo o sentido. — Ele acenou com o controle de jogos. — E estou ocupado. Em que planeta essa charada tem algum significado? — Você não pode simplesmente nos dizer onde ele está localizado? — E desenhar um mapa, também? — Isso seria ótimo, — respondi secamente. Tony fez um som exasperado e apertou o controle de jogo. — Não posso te dizer exatamente onde a Chave está localizada. — Porque isso seria muito fácil, — Roth murmurou sob sua respiração. — Não, porque essas são as regras, — disse o vidente. — Se eu disser a vocês exatamente onde a Chave está localizada, então eu preciso dar a mesma informação para o próximo demônio que atravessar as portas. Não posso escolher lados até mesmo me desviar deles. Já disse o suficiente para você descobrir isso. — Ele se sentou em frente à porta. — Então vá descobrir isso. Tipo agora. — Mas há uma boa chance do outro demônio saber o que é preciso para criar os Lilin, — protestei. — Então é melhor você começar a correr. — Tony reiniciou o jogo. Uma seta ampliada em todo o widescreen batendo no espaço entre a armadura de um cavaleiro. — Não deixe a porta bater na sua bunda. ***
16 Um grande bloco único de pedra na posição vertical, especialmente moldado ou servindo como um pilar ou monumento.
— Bem, isso foi cerca de sete diferentes tipos de estranho, — eu disse, olhando pela janela. Paredes cinza que separavam o anel viário das subdivisões vizinhas. — Você tem alguma ideia do que ele falava? O monólito? — Olhei para o meu telefone, com os resultados da minha pesquisa na Web para monólito. — Um monólito é uma rocha maciça. Alguma ideia de onde estaria uma rocha maciça? — Não. Olhei para ele. Desde que deixou a casa do vidente, ele não disse muita coisa. — Você está bem? Seu olhar vagou para o espelho retrovisor. — Tão bem como eu poderia estar. Mordendo o lábio, endireitei-me. — Você acredita nele? — Que parte? — A parte onde ele disse que você estaria acorrentado no fundo do poço ardente do inferno? — Senti frio ao dizer aquelas palavras. — Não. — Roth riu, mas algo no som me fez ficar com ainda mais frio. — De qualquer forma, temos de descobrir o que ele quis dizer sobre o monólito. Nós precisamos da Chave. Balancei a cabeça, voltando minha atenção para a estrada quando Roth cortou um táxi. Um rápido olhar no relógio no painel me disse que se nós voltássemos para a escola agora, chegaríamos lá pouco antes do almoço. Voltar para a aula como se eu não tivesse acabado de conhecer um vidente de dez anos de idade, o qual me deu uma charada que eu não tinha esperança de descobrir. E nós não fizemos nenhum progresso na descoberta de qual demônio estava por trás disso. — Você quer voltar para a aula? — Roth perguntou. — Tem certeza que não pode ler mentes? — Angulou o Porsche em torno de um carro a nossa frente, e meus olhos se arregalaram à medida que evitava desviar de um vindo de frente. — Ou dirigir, — acrescentei sob a minha respiração. Roth sorriu. — Tenho certeza. Embora eu estivesse curioso para saber o que se passa na sua cabeça. Agora eu queria saber se nós voltaremos vivos à cidade. — Não, eu não quero voltar para a escola, — admiti.
— Olha como os poderosos caem. — Sua voz baixou, provocativa por natureza. — Eu estava totalmente pensando em aparecer a tempo para a aula de matemática. — Claro que você estava. Chegamos à saída em uma velocidade vertiginosa e ele riu suavemente. — Podemos voltar para a minha casa. Meu estômago contraiu, e não porque ele pisou no freio. — Não sei sobre isso. Roth me lançou um olhar de soslaio. — O quê? Você está preocupada que eu a levarei para a minha casa para tentar entrar nas suas calças? Calor floresceu em todo meu rosto. — Não. — Droga. Esse era o meu plano mestre. — Ele virou à direita. — Vagar pela cidade não é muito inteligente, considerando que há um demônio atrás de você. Então, é um dos dois, escola ou minha casa. Sentindo-me como uma pré-adolescente inepta, encolhi os ombros rigidamente. — Sua casa está bem. — Pensei que nós poderíamos usar o tempo para descobrir o que o vidente disse sobre onde está a Chave. Soou como um bom plano, mas excitação nervosa zumbia através de mim como um beija-flor por todas as razões erradas. Roth parou o Porsche em uma garagem escura. Curiosa, eu olhei para ele. — Esta não é sua casa. — Eu sei, mas é a apenas a alguns quarteirões de distância. — Ele desligou o motor. — Este bebê não será estacionado na rua. Alguém pode tocá-lo. Seu amor por seu carro o fez tão humano naquele momento que era difícil não sorrir. Ele saiu do carro e abriu a porta antes que eu pudesse piscar. Curvando-se na cintura, ele estendeu o braço. — Posso acompanhá-la? Não consegui esconder meu sorriso. Colocando minha mão na dele, eu o deixei me puxar para fora do carro. Ele entrelaçou os dedos nos meus e senti como se estivesse em uma montanha russa. — Então, o que você faz com o seu carro quando está... uh, lá embaixo? — Lembra de Cayman? Ele é um bom amigo. Mantém um olho nele.
Olhando para nossas mãos unidas, eu quase tropeço em uma rachadura no pavimento. — Você tem amigos? — Ow. Abri um sorriso. — O quê? É uma pergunta honesta. — Há alguns, como eu, que vivem no meu prédio. Eu confio neles. — Sério? Ele balançou a cabeça, puxando-me para baixo, para a inclinação que conduz aos níveis mais baixos da garagem. Luzes de teto espaçadas a cada poucos metros emitiam manchas de luz ao longo dos corredores, refletindo nos capôs dos carros. — Então, sim, Cayman cuida do meu bebê enquanto estou lá embaixo. — Cayman parece um nome estranho para um demônio. Ele riu profundamente. — Cayman é um administrador infernal que permanece na superfície. Ele, como a maioria dos administradores infernais, é um gerenciador de demônio. Ele os mantém em observação e manda relatórios com atualizações semanais e mensais. Ele também é como um assistente para mim. Então, gerência existe até mesmo no inferno. Balancei a cabeça enquanto alcançávamos o segundo nível e, como que por acordo tácito, nós dois paramos completamente. Um pavor estabeleceu-se em meu estômago como pedras. Meus pés pareciam presos ao cimento. Roth soltou minha mão e deu um passo a frente, seus olhos se estreitaram. Antes que eu pudesse perguntar o que estava acontecendo, as luzes do teto começaram a piscar. Em seguida, em rápida sucessão, elas estouraram uma após a outra, e tomamos um banho de faíscas como gotas de chuva. Cada explosão foi como um tiro. Apenas uma luz permaneceu, oscilando rapidamente. Sombras grossas infiltraram por entre os carros, atirando-se nas paredes. Um ruído de clique encheu o ar quando as sombras se arrastaram, engolindo o sinal de saída vermelho e cobrindo metade do teto. As sombras ondularam e pulsaram, e por um bater de coração incharam como uma baga madura e depois pararam. Roth amaldiçoou. Como se uma corda fosse cortada, a forma das sombras caiu, cobrindo o chão embaixo de nós como uma fervente e espessa mancha de óleo. Fora da confusão, colunas dispararam para o ar, mais de uma dúzia delas tomando forma
em um nanossegundo. Seus corpos curvados, nódulos salientes na sua pele e costas ósseas. Dedos curvados e afiados como garras. Orelhas pontudas e chifres romperam do couro cabeludo calvo. Sua pele era cinza claro e enrugada em camadas pesadas, quase sobrepondo os olhos redondos e vermelhos. Grossas caudas bateram no chão. Demônios Rack17 eram das entranhas do Inferno – o tipo que passava uma eternidade torturando almas. E nós estávamos completamente cercados.
17 Tortura, destruição
Havia uma razão pela qual esse tipo de demônio nunca estava na superfície, e não era pela sua boa aparência. Racks se alimentavam da dor dos outros, e se eles não tinham almas para torturar, eles não sentavam e esperavam. Roth gemeu. — Ok. Qual de vocês foi alimentado após a meia-noite? Porque vocês estão piores do que um mogwai18. — Mogwais são bonitos, — eu não poderia deixar de protestar. — Essas coisas não são. — Mas mogwais se transformam em gremlins de moicanos, então... Atirei um olhar para ele quando dei um passo atrás, quase engasgando com o cheiro de enxofre. — Uh, você acha que eles querem me capturar ou me matar? — Sabe, neste momento, não sei se isso é importante. — A voz de Roth era sombria. Um dos Racks abriu a boca, revelando uma boca cheia de dentes serrilhados, como tubarões. Ele fez uma série de cliques, e qualquer linguagem que ele falasse foi completamente perdida por mim, mas as sobrancelhas de Roth dispararam.
18 Mogwai é o nome dado a pequenas criaturas peludas ficcionais, criadas para o filme Gremlins, de 1984. Estas criaturas acompanham três regras que nunca podem ser esquecidas: ele não pode entrar em contato com a água; mantenha-o longe da luz forte; e, não importa o quanto ele chore, o quanto ele suplique, nunca, nunca o alimente após a meia-noite (nos filmes, esta regra é considerada a mais importante de todas).
— Acho que eles querem levá-la para algum lugar. Talvez em uma viagem de lua de mel? — Ele balançou as mãos. — Sim, eu não penso assim. Vamos fazer isso. E isso era como tocar o sino do jantar para alguns cães realmente famintos. Como um, os demônios lançaram-se em Roth. Comecei a avançar, mas a voz áspera de Roth disse: — Fique fora disso, Layla! Então, ele se abaixou e chutou, pegando o primeiro demônio e batendo diretamente nas pernas dele. Movendo-se rápido como um relâmpago, ele surgiu quando o demônio cambaleou aos seus pés. Roth estendeu a mão, evitando as mandíbulas da coisa, e colocou a mão na testa dele. Um flash de luz vermelha veio da palma da mão de Roth encharcando a cabeça do Rack. O que quer que estivesse na palma de Roth ou naquela luz, era como gasolina. Fogo iluminou o demônio, brilhando de suas órbitas e boca aberta. Meio segundo depois, o Rack era uma pilha de cinzas. — Eita, — sussurrei. Jogando uma piscadela por cima do ombro para mim, Roth disparou para frente, pegando três demônios Rack com um golpe de seu braço. Fogo os invadiu, incinerando seus corpos. Mais três vieram para frente, abaixando e sibilando. Eles avançaram em Roth. Ele ficou ali, a cabeça inclinada para o lado, e então, ele levantou o braço direito. Da manga da blusa, uma entidade sinuosa e escura derramou no espaço na sua frente. A sombra quebrou em mil pontos pequenos de mármore e, em seguida, eles atingiram o chão, se unindo mais rápido do que o olho poderia seguir. — Bambi, — sussurrei. Num piscar de olhos, a enorme cobra estava enrolada entre os demônios Rack e Roth, elevando sua cabeça em forma de diamante, até que estava bem acima dos demônios Rack. Os Racks se aproximando recuaram um passo. — É hora do jantar, baby, — disse Roth. — E papai trouxe um buffet tudoque-você-conseguir-comer. Bambi disparou para frente, atingindo o demônio Rack mais próximo. A coisa gritou quando as presas de Bambi rasgaram a pele e alcançaram a
carne. Engoli em seco, querendo desviar o olhar da visão perturbadora, mas incapaz. Meu estômago se agitou quando uma substância tipo tinta-preta voou pelo ar, espirrando pelo pavimento. Perseguindo os demônios restantes, Roth soltou uma risada baixa que trouxe arrepios à minha pele. Ele brincou com eles, atraindo os dois Racks para ele, e então os golpeando, claramente se divertindo. O enorme corpo de Bambi deslizou pelo pavimento desgastado quando ela conseguiu localizar outro Rack que se atreveu a avançar. Mas Roth – oh, Deus – ele estava cercado agora. Não havia como ele derrubar seis Racks sozinho, não importa quão impressionante era seu toque ardente da morte. Sugando uma respiração, eu ignorei a ordem de Roth e afastei o medo. De maneira nenhuma eu poderia ficar aqui sem fazer nada. — Hey, — chamei. — E quanto a mim? Três dos Racks se voltaram para mim, suas bocas caindo aberta num grito silencioso. — Não! — Roth gritou. Eles avançaram. — Merda, — murmurei coração caindo sobre si mesmo. Músculos apertaram o meu estômago e pernas enquanto eu tentava me lembrar de todas as lições chatas de autodefesa de Zayne. Ele costumava pregar sobre ficar no círculo ou algo coxo assim, e antecipar o próximo movimento do inimigo. Que eu tinha certeza que envolvia um ou mais demônios Rack comendo a minha perna. O primeiro me alcançou e o instinto, finalmente, assumiu. Eu pulei para trás, torcendo enquanto dava um chute, o qual pegou o Rack no estômago. Ele caiu sobre um joelho. Sem tempo para comemorar essa pequena vitória. Girando, eu joguei meu braço em uma curva limpa, pegando o próximo demônio Rack na garganta. O osso frágil triturado, enquanto ele recuava um passo e depois se atirava em minha direção. Jogando o meu braço para trás, eu fechei minha mão e acertei o bastardo feio na mandíbula. O demônio Rack caiu frio como um mofo. Olhei para cima, encontrando o olhar atônito de Roth. — O quê? Eu posso dar um soco.
Orgulho e outra coisa encheram seus olhos – algo como atração agitava nas profundezas amareladas. Como se me vê dar um soco em um demônio fosse equivalente a me ver em um biquíni, o que era meio estranho. Mas, então, aquele olhar desapareceu e medo se infiltrou, expandindo suas pupilas. — Layla! Uma respiração quente e lamentável soprou do lado da minha bochecha. Virando, eu me vi face a face com um demônio Rack. Fazendo um barulho com as orelhas, ele se atirou em minha direção, estendendo a mão com garras. Oh, inferno não. Girando, eu comecei a mergulhar como Zayne me ensinara. Senti o Rack agarrar ao ar livre acima de mim. Apoiando sob seu braço, comecei a trazer o meu joelho para cima, mas o demônio se moveu de lado. Antes que as palavras oh, merda pudessem se formar, alfinetadas e agulhadas de dor explodiram ao longo da minha espinha. Fogo atingiu minhas mãos e minha calça rasgou nos meus joelhos quando bati no cimento frio. Um grito saiu um segundo antes do peso me atingir novamente. Jogando a cabeça para trás, acabei um segundo longe de comer pavimento. Raiva e pânico desenfreado arranharam a minha garganta enquanto o Rack segurava mechas do meu cabelo e agarrou a mão que continha o anel de Lilith. E então soltou tão rápido que minha cabeça foi para frente. Ele voou pelo ar e bateu em alguma coisa atrás de mim – talvez um carro? Virando-me, vi Bambi do outro lado da calçada, batendo em um Rack antes que ele pudesse recuperar o seu equilíbrio. Olhei para o estacionamento, vendo algumas pilhas de cinzas e alguns lamaçais de aparência nojenta, mas não mais demônios. Roth se ajoelhou na minha frente, agarrando meus pulsos. — O que diabos você estava pensando, Layla? — O quê? — Tentei me soltar, mas ele virou minhas mãos, inspecionando as palmas arranhadas. — Eu não ficaria apenas parada. Eu sei como lutar. Seus olhos se estreitaram na pele rosada e ele se virou para mim. — Quem te ensinou tudo isso? Stony, a gárgula? Fiz uma careta. — O nome dele é Zayne, e sim.
Roth balançou a cabeça enquanto seu polegar alisava minhas palmas. — Observar
você
chutar
o
traseiro
foi
incrivelmente
sexy
–
como
realmente, realmente sexy. Mas se você alguma vez fizer algo assim novamente, vou jogá-la sobre meus ombros e bater em sua... — Termine a frase e eu apresentarei o meu joelho para certa parte de sua anatomia. Seu olhar caiu e ele fez uma careta. — Ok. Você venceu. Eu vi seus pontapés. Comecei a responder, mas Bambi deslizou para cima e colocou a sua cabeça do tamanho de um cavalo no meu ombro. Cada músculo do meu corpo ficou tenso e apertei meus olhos fechados. Houve um sopro de ar, agitando o cabelo ao longo da minha testa. A língua bifurcada de Bambi disparou, fazendo cócegas ao lado do meu pescoço. — Ei, olhe, Bambi gosta de você. Abri um olho. — E se ela não gostar? — Oh, você saberia, porque ela teria comido você agora. *** Minhas mãos ardiam um pouco, mas apesar de tudo, poderia ter sido pior. Ambos estávamos vivos e Bambi estava de volta aonde ela pertencia, na pele de Roth. Alguém estava aumentando os seus esforços ao trazer demônios Rack à mistura, as coisas só piorariam a partir daqui. — Você acha que a sua casa é segura? — Nenhum demônio se atreveria a chegar mais perto da minha casa. E antes que você me acuse de ter um ego desnecessário, há também muitos demônios aqui que ficariam irritados se seu território fosse invadido. Eu com certeza esperava que fosse o caso. Realmente não queria uma segunda rodada com os Racks. A adrenalina ainda corria em minhas veias, acelerando meu coração contra minhas costelas. Se eu estivesse sozinha marcando demônios
e
trombasse
com
eles...
Eu
nem
sequer
quero
pensar
nisso. Normalmente, demônios eram noturnos, porque era mais fácil para eles se
misturarem entre os seres humanos quando o sol começava a se pôr. Para os Racks estarem fora assim? Então, não é bom. Meus olhos estavam amplamente abertos quando passamos pela porta da frente do prédio, num hall de entrada bem iluminado. A última vez que estive aqui, eu saíra pela entrada lateral, então tudo isso era novo para mim. Um enorme lustre de ouro estava pendurado no centro do teto coberto com um mural. A pintura era... uh, interessante? Anjos cobriam o vasto teto, retratados em cenas de batalha hardcore. Eles lutavam entre si com espadas de fogo. Alguns caíam através das nuvens brancas espumantes. Muito tempo foi gasto em suas expressões. As caretas de dor e o brilho em seus olhos pareciam muito reais. Caramba. Sofás antigos de couro e cadeiras foram espaçados sob a luminária. O ar carregava um fraco cheiro desagradável e não de café e tabaco, e parecia que havia uma loja de café ou algo atrás das portas escurecidas em frente ao lobby. Tudo tinha um ar de hotel muito Hollywoodiano nisso. Eu quase esperava que o fantasma de Marilyn Monroe aparecesse no ar. O lobby não estava vazio, mas eu tinha certeza de que ninguém aqui tinha qualquer DNA humano. Demônios estavam por toda parte, esparramados ao longo dos sofás, falando em telefones celulares, enrolados em cadeiras, lendo livros, e alguns estavam agrupados em pequenos grupos. Roth colocou uma mão nas minhas costas, dirigindo-me para a escada. — Sem elevador? — Perguntei. — Nenhum que você gostaria de entrar. — Ao olhar no meu rosto, ele sorriu. — Os elevadores daqui apenas descem. Uau. Eu sabia que havia... portas por toda a cidade e pelo mundo. O senso comum dizia que deveria ter, porque de que outra forma os demônios iam e voltavam? Mas ninguém, e especialmente não os Guardiões, sabiam onde elas estavam, e eu definitivamente nunca vi uma. O fato de que Roth me trouxe aqui e me disse que havia um portal era astronomicamente estúpido. Na escada, ele deslizou um olhar compreensivo para mim. — Eu acredito que você não contará a Stony sobre o nosso sistema de elevador. A coisa era, eu não planejava. Eu ficava pensando nos Demônios e aqueles no átrio. Todos pareciam tão... tão normais.
— Layla? — Ele questionou. — Não vou. — E falei sério. — Além disso, eu tenho mantido minha boca fechada sobre todo o resto, e eu deveria estar na escola agora. Ele concordou e fomos para o andar de cima. Ver seu loft novamente – sua cama – me deixou de mau humor. Enquanto Roth foi até o piano, eu murmurei algo sobre ir ao banheiro e me enfiei dentro dele. Meu rosto estava impiedosamente quente, meu pulso descontrolado. Seu banheiro era bom, surpreendentemente arrumado e espaçoso. Não notei isso da última vez. Correspondentes toalhas pretas penduradas ao lado da banheira e chuveiro. As torneiras eram douradas. Eu tinha a sensação que era de ouro real, também. Eu tomei meu tempo, tentando acalmar o bater no meu peito. Estou aqui para falar sobre onde a Chave Inferior poderia estar. Isso é tudo. O fato de que eu quero que ele me beije não tem absolutamente nada a ver com esta visita. De qualquer modo – na verdade, eu não quero que ele me beije. Deus, meu monólogo interno soou louco. Quando abri a porta, ele estava sentado ao piano, de braços cruzados, provocando o gatinho preto com uma mão e um copo de – aquilo era vinho? – em outra. Raios de luz solar da manhã saíam das janelas próximas, lançando um halo em torno dele. Nenhum garoto deveria parecer tão bom como ele, e, especialmente, nenhum demônio. Eu me ocupei olhando ao redor de seu quarto, repentinamente tímida. Havia algo íntimo sobre estar em seu loft novamente. Roth olhou para cima, olhando-me por cima da borda do copo. — Há um copo aqui para você, se quiser. Aproximei-me mais dele. — Não, obrigada. Sua... casa é bacana. Não sei se eu lhe disse isso da última vez. Ele riu e se levantou. — Acho que não. — Ele parou na minha frente, puxando minha mão do meu cabelo. — Pare de se remexer. Não vou violentá-la. Sentindo-me ficando três tons de vermelho, eu me aproximei das fileiras de livros empilhados em prateleiras. Um segundo depois, ele estava ao meu lado. Desta vez, eu só pulei um pouco. O meio sorriso de Roth foi um tanto presunçoso e pernicioso. Cantarolando baixinho, ele correu um dedo sobre as lombadas de vários livros de uma forma lânguida, me fazendo pensar nele me tocando dessa maneira. Deixei escapar uma respiração tranquila, agradecida por
ele não estar olhando para mim. Quando Roth parou em um, ele tirou o volume fino. Enquanto passava por mim, ele piscou. — O que você tem aí? — Perguntei, sentando em sua cadeira. Sem olhar para mim, Roth trouxe o livro para a cama, onde ele deitou de lado. O livro fino pendia de dois dedos. — Esta é uma cópia comercial de A Chave Inferior de Salomão. Quer dar uma olhada? Andei para mais perto da cama. — Uma cópia comercial? Ele assentiu. — Sim, para todos aqueles que querem ser pequenos satanistas lá fora. Está incompleta, obviamente. Mas lista todos os principais jogadores. Eu o li uma dúzia de vezes. Talvez eu esteja deixando passar alguma coisa. Chegando ao pé da cama, eu estendi minha mão. — Deixe-me ver. — Junte-se a mim. Olhei para ele por um momento, então revirei os olhos. De pé, cautelosamente me aproximei de onde ele estava. — Ok? — Uh-uh. — Ele puxou o livro de volta. — Sente-se comigo. Fiz uma careta para ele. — Por quê? — Porque estou solitário. — Isso é ridículo. Estou bem aqui. Suas pestanas baixaram. — Mas isso é muito longe, Layla. Minhas mãos se fecharam em punhos quando um sorriso brincalhão apareceu nos lábios dele. Ele não ia ceder. Murmurando sob a minha respiração, eu me sentei ao lado dele. — Obrigado. — Que seja. Posso ver o livro agora? Roth o entregou. O livro era fino, e não poderia ter mais de uma centena de páginas. Um círculo e uma estrela foram desenhados na capa. — O verdadeiro tem o símbolo gravado e a capa parece charque, — explicou. — Ligado em pele humana. Era tudo que eu podia fazer para não deixar cair a réplica da minha mão. — Ai credo. — Sim. É assim que eles imprimiam antigamente.
Abri o livro e soltei um assobio. — Agradável. Eu estudava uma imagem desenhada à mão de um meio humano, meio pássaro preto. A legenda abaixo proclamava o seu nome como Caym, o grande presidente do Inferno, soberano de trinta legiões. — Master de lógica e trocadilho, — eu li. — Ele parece uma aberração. — Você deveria vê-lo em pessoa. A página ao lado continha um encantamento meio completo para invocar e banir um demônio para o inferno. Fiquei quieta quando Roth se aproximou e folheou as páginas, ouvindo quando ele fazia um comentário aqui e ali. Parei em um demônio chamado Paimon. — Como primeiro e principal Rei do Inferno, ele governa o Ocidente. Ele comanda duzentas legiões. Uau, — eu disse. — Ele faz isso, mas ele é – ou era – do alto escalão. Basicamente, o assistente do Chefe. Ele era o mais leal ao chefe. — Era? — Eu não conseguia parar de olhar para o desenho. Era um homem com uma espécie de touca escura, montado em um camelo. Ou um cavalo com problemas nas costas. Um ou outro. — Ele e o Chefe tiveram um desentendimento séculos atrás. Minhas pequenas orelhas se animaram. — Um desentendimento grande o suficiente para que ele pudesse estar por trás disso? — Metade dos demônios tiveram desentendimentos com o Chefe, uma vez ou duas. — Roth sentou com fluidez, o ombro contra o meu. — Veja o feitiço de banimento na página ao lado, que foi, sem dúvida, roubado de um episódio de Supernatural? Eu sorri. — O livro de verdade tem um encanto real, o que inclui – você pode adivinhar? – uma verdadeira armadilha para demônio. É por isso que este livro é tão poderoso. Se a horda pedra fria – seus Guardiões – pegassem isso, eles poderiam realmente se livrar dos demônios. O suspiro saiu antes que eu pudesse impedi-lo. — E sobre... — Eu? — Roth deu um encolher de ombros desequilibrado. — Eles poderiam tentar. Coloquei meu cabelo para trás. — E você está bem com isso?
Ele soltou uma gargalhada. — Eu sou difícil de pegar. Observando-o por um momento, eu me virei para o livro e mudei de assunto. Pensar em Roth sendo banido me incomodou mais do que deveria. — Ainda me surpreende que o inferno até mesmo siga as regras, sabe? Parece apenas contra intuitivo. — Seja qual for o acordo que o Chefe tem com Ele, ficou por mais de dois mil anos. Tentamos jogar pelas regras, e os Alfas não nos limpa do planeta. — Ele virou a página e olhamos uma lista de demônios menores que poderiam ser convocados para favores. — Tem que ter o bom e ruim no mundo. Tem que haver uma escolha. E você também é meio-demônio. Acredite ou não, o Chefe não gosta de nós lutando entre nós mesmos. Considera que é um desperdício de tempo e propósito. Mas quando um de sua espécie começa a quebrar as regras, ele não é uma pessoa feliz. Eu ri. — Sim, porque você deveria estar gastando tempo corrompendo almas humanas em vez disso. — Você está certa, — Roth respondeu, continuamente folheando as páginas. — Como se sente? Está machucada de incorporar um mestre de kung-fu sobre os demônios? Balancei a cabeça. — Não. Tudo está curado de... bem, você sabe o que. E minhas mãos estão bem. Roth balançou a cabeça ao virar para a próxima página, mas eu não olhava mais para o livro. Eu olhava para ele, estudando-o realmente. — Eu te devo desculpas. Ele olhou para cima, a mão pairando sobre o livro. — Não preciso de desculpas. Acho que elas são dadas demasiadas vezes para significar qualquer coisa. — Sinto muito, — eu disse, de qualquer maneira. — Eu não deveria ter falado tanta porcaria para você no início. Roth ficou em silêncio e assumi o processo de folhear as páginas. Demônios e mais demônios, e em seguida, um chamou minha atenção. — Ei! — Gritei quando Roth tentou agarrar o livro fino. — Não! Não! — Plantei minhas mãos sobre o livro. Roth puxou a borda. — Layla.
— Se continuar puxando-o, você vai destruí-lo. — Pressionei com mais força. — Deixe-me ver isso. Ele olhou para mim pelo o que pareceu uma eternidade, seus olhos queimando. — Está bem. — Ele soltou o livro, afastando-se. Fiz uma careta, virando o livro. O desenho era de um jovem vestindo uma coroa de prata normal. Ele tinha asas que eram quase tão longas quanto o seu corpo. Asas tão dramáticas como as que eu vi em Roth. Em um braço, uma cobra preta enrolada, e havia um Cão Infernal a seus pés. Ele também estava nu e anatomicamente desenhado. Minhas bochechas coraram. — Astaroth, o Herdeiro... Príncipe do inferno? Roth não disse nada. — Astaroth é um poderoso demônio da Primeira Hierarquia, que seduz por meio da preguiça, da vaidade e filosofias racionalizadas. — Bufei. — Parece com você. Ele também tem o poder de fazer os mortais invisíveis e pode dar poder sobre serpentes aos mortais. Roth suspirou. — Você terminou? — Não. — Eu ri, lendo sobre o encantamento parcial para convocálo. Tratava-se de ficar nu e o sangue de uma virgem. Não havia surpresa nisso. Não havia magia de banimento. Embora houvesse um selo que parecia uma confusa bússola. — Como faço para me livrar de você? — Todos os demônios da Primeira Hierarquia não tem magias conhecidas de banimento. Você teria que usar uma armadilha do diabo em uma lua cheia, que é explicado na Chave Inferior. Mas uma armadilha do diabo não apenas bane um demônio. Ele os envia para os abismos de fogo. Isso é como a morte para nós. Eu olhei para ele, minha diversão enfraquecendo lentamente. Um músculo saltou ao longo de sua mandíbula enquanto olhava através do quarto, para fora das janelas. — O quê? — Dei uma risada curta. — Este não é realmente você. Não pode ser. Ele virou a cabeça para mim, as sobrancelhas franzidas. — Como você acha que é o meu nome completo? — Tanto faz. Você tem apenas dezoito anos e... — e eu fui parando de falar quando olhei para a imagem novamente. O Roth sentado a minha frente não
poderia ser o príncipe do inferno. Então, isso me ocorreu e eu queria dar uma de kung fu com o livro e acertar bem no rosto dele. — Você mentiu para mim. — Não. Eu nasci há dezoito anos. — Roth balançou a cabeça. — Você não entende. — Você está certo. Não entendo. Isso pode ser um livro falso, mas a Chave Inferior é mais velha do que a poeira. Como você poderia estar nele? — Sou apenas um dos muitos, — disse ele com a voz monótona e fria. — Aqueles que vieram antes de mim conheceram extremidades intempestivas ou já não serviam ao seu propósito. — Ele sorriu, mas faltava tudo o que o tornava humano. — Eu sou o mais recente Príncipe Herdeiro. Sentei-me novamente. — Então... você é como um substituto? — Uma substituição idêntica. — Ele riu sem graça. — Cada Roth anterior se parecia comigo, falava como eu e era, provavelmente, quase tão encantador. Então, sim, eu sou um substituto. — É assim com os outros demônios? Roth passou os dedos pelo cabelo. — Não, Demônios não podem realmente morrer, mas os abismos de fogo são o nosso equivalente a morte. Todos os exPríncipes estão lá, sofrendo de uma maneira que eu não poderia sequer imaginar. Posso ouvir seus gritos. Meio que serve como um bom lembrete para me comportar. — Ele deu de ombros casualmente, mas eu sabia que essa coisa toda o incomodava. — Então você vê, eu menti um pouco. Eu praticamente nem sou real de verdade. Fechei o livro, querendo empurrá-lo da cama. Roth ainda estava sentado ao meu lado, duro como pedra. Ele era um substituto, criado porque o anterior a ele havia falhado em algo ou caíra preso em uma armadilha do diabo. Eu não poderia começar a imaginar como me sentia. Ele era sequer sua própria pessoa ou uma acumulação das dezenas, se não centenas, que vieram antes dele? Eu me senti terrível por ele. Enquanto eu mal arranhara a superfície da minha herança, Roth sabia demais sobre a sua. O silêncio se estendeu. Eu podia ouvir os gatinhos debaixo da cama, ronronando como pequenos trens de carga. Lancei um olhar para ele e o encontrei me observando atentamente. Nossos olhares se encontraram. Ele respirou fundo. — O quê?
— Eu... eu apenas sinto muito. Roth abriu a boca e depois fechou. Vários segundos se passaram antes que ele falasse. — Você não deve sentir pena de mim. Eu não sinto. Eu não acreditava nele. De repente, tantas coisas faziam sentido. — Isso é besteira. Seus olhos se arregalaram. — É por isso que você gosta tanto daqui. Você não quer estar lá. Quer estar aqui em cima, onde tudo é real. — Eu me inclinei, segurando seu olhar. — Porque você é real e não apenas outro Roth quando está aqui. Ele piscou e depois riu. — Talvez esse fosse o caso se eu realmente me preocupasse com esse tipo de coisa. Sou o que sou. Eu... — Você é um demônio. Eu sei. — Fiquei de joelhos, de frente para ele. — Você sempre diz isso. Como se tentasse se convencer de que é a única coisa que você é, e sei que não é o caso. Você é mais do que isso, mais do que apenas outro Roth. — Oh, aqui vamos nós. — Roth se jogou de costas, sorrindo para o teto. — Em seguida, você me dirá que tenho uma consciência. Revirei os olhos. — Eu não iria tão longe, mas... Sua risada me cortou. — Você não tem nenhuma pista. Só porque eu gosto da superfície, não significa outra coisa senão que eu gosto de lugares que não cheiram a ovo podre e não estão fervendo. — Você é um mentiroso. Levantou-se nos cotovelos, sua risada diminuindo em um sorriso. — E você é tão incrivelmente ingênua. Não posso acreditar que você sente pena de mim. Eu nem sequer tenho um coração. Empurrei seus ombros. Ele caiu de costas, não porque eu exerci qualquer poder real, mas principalmente de surpresa. Isso estava refletido em todo o seu rosto. — Você é um estúpido. Estou pronta para ir. Roth inclinou e pegou meus braços, me pressionando na cama em meio segundo. Ele pairou sobre mim. — Por que você fica brava quando eu digo a verdade para você? — Não é a verdade! — Tentei levantar novamente, mas ele me prendeu. — Não entendo por que você tem que mentir. Você não é de todo ruim.
— Tenho razões para fazer o que eu faço. — Seu olhar se desviou do meu rosto para o meu corpo. — Nenhuma delas é angelical. Todas são egoístas. — Não, — sussurrei. Eu sabia que não era verdade. — Você é mais do que apenas o próximo Príncipe. Ele se inclinou e estávamos peito a peito. Seu rosto estava a uma mera polegada ou duas do meu rosto. Ar engatou na minha garganta. — Eu sou apenas o próximo Príncipe Herdeiro. Isso é o que eu sou. Tudo o que eu sou. — Não é. Roth não respondeu; ele suavizou seu aperto e arrastou os dedos pelo meu braço. Sua mão ignorou a minha cintura e foi para o meu quadril. Calor seguindo seu toque, provocando uma pontada aguda de saudade, e até mesmo medo. Ele trouxe seu olhar para cima, e a intensidade em seu olhar tinha uma atração magnética. Essa tensão inebriante estava aqui, puxando-nos juntos. Eu estava cansada de ignorar isso, cansada de acreditar que era errado quando era o que eu queria – o que eu precisava. Porque Roth era mais do que apenas um demônio e eu era mais do que apenas uma menina presa entre duas raças. Lentamente, eu levantei minha mão e a coloquei contra o rosto dele. Apenas o seu peito se moveu, subindo instável. Foi então que eu percebi que ele estava tão afetado como eu por tudo o que estava entre nós. Não era apenas um jogo ou um emprego. Era mais do que brincar e flertar. — Você é mais do que apenas outro Roth. Você é mais do que isso. Você é... Os lábios de Roth escovaram os meus. Puxei uma respiração assustada, congelando debaixo dele. Não era muito bem um beijo, mas apenas uma carícia provisória, surpreendentemente suave e gentil. Ele não empurrou ou aprofundou o contato. Apenas pairou lá, o beijo suave me afetando mais do que qualquer coisa que já tivemos. E eu queria mais, muito mais.
Roth levantou a cabeça e olhou para mim. Havia tanto uma pergunta em seu olhar como uma promessa feral de coisas que eu provavelmente não poderia nem começar a compreender. Coloquei minhas mãos trêmulas em seu peito. Para afastá-lo ou puxá-lo para mais perto, eu não sabia. Tantos pensamentos misturados. Eu queria isso, mas não sabia o que isso era. Naquele dia no parque com Roth, foi meu primeiro beijo, e eu nem tinha certeza se isso contava como um beijo real. Oh, foi bom – muito bom – mas foi por paixão? Não penso assim. De qualquer forma, ele me beijou apenas para provar que ele podia. Mas agora, ele realmente me beijou. Eu sabia isso em meus ossos. Movi minhas mãos trêmulas até seus ombros. Não o empurrei com força, mas Roth me libertou imediatamente, os músculos em seus braços tencionando enquanto respirava irregularmente. — O quê? — Sua voz era profunda e contínua. Com o coração batendo forte, eu tirei minhas mãos, dobrando-as em meu peito. Minha camisa estava amontoada, nossas pernas ainda entrelaçadas. Seus olhos... eles pareciam brilhar como ouro. — Eu acho... Não sei sobre isso. Roth ficou muito quieto por um momento, e então ele concordou. Mordi meu lábio quando ele rolou para o lado. Esperava que ele se levantasse ou ficasse chateado por eu puxar o freio antes que qualquer coisa começasse. Inferno, uma grande parte de mim estava chateada. Por que o parei?
— Sinto muito, — sussurrei quando me sentei e puxei a minha blusa. — É só que eu nunca... — Está tudo bem. — A cama afundou quando Roth me pegou em seus braços e me puxou para a cama novamente. Ele se esticou, mantendo-me pressionada no seu lado. — Sério, está tudo bem. Os gatinhos preto e branco pularam na borda da cama, esfregando contra o pé de Roth e o meu, chamando a nossa atenção. A distração era uma coisa boa, porque me sentia como se um enxame de borboletas irrompesse no meu estômago. O gatinho acalmou, olhando para mim com olhos azuis brilhantes. Esperei que ele mordesse o meu pé ou afundasse a garra na minha pele, mas parecia apenas entediado comigo. Se enrolou em uma pequena bola no pé da cama, rapidamente, os outros dois gatinhos se juntaram a ele. Alguns momentos passaram em silêncio enquanto eu tentava controlar o meu coração e dar sentido a situação de luta entre a decepção e o alívio. Então Roth começou a falar, coisas mundanas e aleatórias. Como a televisão mostrando o que ele perdeu enquanto esteve lá embaixo. — Nós não temos TV a cabo lá em baixo, — disse. — Só por satélite, e assim que alguém envia uma bola de fogo, o que é todo o maldito tempo, isso sai ar. Ele me contou como ele e Cayman acabaram sendo amigos. Cayman aparentemente supervisionava o portal e o prédio de apartamentos. Ele deu em cima de Roth, e Roth acabou com um loft acima do bar depois de explicar que ele gostava de meninas. Não sei como isso funcionava, mas nem sequer questionei isso. E então ele me contou sobre a mãe dele. — Você tem uma mãe? — Perguntei, rindo, porque me pareceu engraçado. Até imaginei que ele saiu de um ovo totalmente crescido. — Sim, eu tenho uma mãe e um pai. Você sabe como os bebês são feitos? Eu meio que queria mostrar a ele que eu sabia exatamente como os bebês eram feitos. — Qual é o nome dela? — Oh, ela tem muitos nomes, e tem estado ao redor por um longo, longo tempo. Fiz uma careta. Por que isso soa familiar? — Mas eu a chamo de Lucy, — acrescentou.
— Não mãe? — Inferno, não. Se você sequer conhecesse essa mulher – e acredite em mim, você não precisa e nem quer conhecê-la – você compreenderia o porquê. Ela é muito... velha escola e controladora. — Como Abbot? — Estava muito relaxada por tirar o meu cabelo do meu rosto. Tentei soprá-lo, mas isso não funcionou. — Sim, como Abbot. — Ele afastou meu cabelo, seus dedos demorando em minha bochecha. — Mas eu acho que Abbot realmente se preocupa com você. Fiz uma careta contra seu peito. — Se me amasse, ele não teria mentido para mim. — Ele mente para protegê-la. — Um suspiro suave passou por ele. — Isso é diferente. Parte de mim queria questionar por que, de repente, ele estava no Time Abbot, mas deixei isso. — Como ela é? Roth inclinou a cabeça para cima, arrastando o polegar sobre meu lábio inferior. — Ela é... alguma coisa. Ficamos em silêncio por alguns minutos. — Preciso voltar em breve. — Stony virá te pegar na escola? — Não é seguro para Morris me pegar mais. — Não sei por que, mas senti que eu precisava dar uma razão – uma razão válida. — Então, sim, Zayne vem me pegar. Seu braço apertou em volta da minha cintura. — Talvez eu deva me apresentar. — Sim, acho que não é uma boa ideia. Ele sorriu. — Eu acho que é uma ideia brilhante. Desembaraçando-me, sentei e endireitei minha blusa. Uma fração de segundo depois, a mão de Roth estava curvada em volta do meu rosto. Eu ainda não o vi se mover. — Você é linda com este... seu rosto corado e os olhos arregalados. Meu coração fez uma dancinha. — Falar suave comigo só para ter um encontro com Zayne não vai funcionar. Ele deixou cair a mão e se afastou. — Droga. Preciso de um novo plano. Saí da cama e me levantei. — Nós realmente precisamos voltar.
Roth deu um suspiro profundo, arfando, e então se levantou, esticando os braços acima da cabeça. Suas calças penduradas baixo, revelando mais da cauda do dragão e as largas garras ao lado de seus quadris. Ele me pegou olhando. — Vê algo que gosta? Atirei um olhar sem graça para ele, e então nós, bem, nós encaramos um ao outro sem jeito. Tudo mudara entre nós, mesmo que eu não conseguisse identificar o momento exato ou ter certeza do que isso realmente significava. Mas, mais tarde, quando eu fingia sair da escola e ia em direção ao Impala de Zayne, percebi duas coisas. O estranho espasmo no meu peito que acontece sempre que eu pensava em Roth provavelmente não ia embora tão cedo. E toda a razão para ir ao loft de Roth foi perdida no momento em que seus lábios tão cuidadosamente tocaram os meus. Se continuarmos desta forma, estaríamos tão ferrados. *** As coisas foram quase normais durante a próxima semana. Se normal agora significava ter um demônio na sala de aula e passar qualquer tempo livre que eu tinha tentando descobrir onde um livro demoníaco estava. Ambos, Roth e eu, procurávamos algo óbvio ou não éramos as estrelas mais brilhantes no céu, porque estávamos de mãos vazias. Apesar de todo o problema demoníaco, era uma coisa boa Zayne me levar e buscar na escola. Ninguém encontrou ou ouviu sobre Elijah e os membros do seu clã. Eles não retornaram ao distrito deles, e Zayne acreditava que eles ainda estavam em algum lugar perto da cidade. No fundo, eu sabia que não vi Elijah pela última vez, mas ele não era o maior problema. A cada dia que se passava, eu sentia como se estivéssemos correndo contra o tempo. Não demoraria muito antes de outro demônio aparecer. Eu estava constantemente olhando por cima do meu ombro. Na hora do almoço na quinta-feira, Sam virou um jornal na minha frente. A manchete dizia GUARDIÕES? ELES DEVEM FICAR OU DEVEM IR EMBORA? Igreja dos Filhos de Deus pondera.
Peguei o jornal com um suspiro de desgosto e olhei a página. De vez em quando, a Igreja dos Filhos de Deus realizava um comício contra os Guardiões e faziam manchetes. Eles faziam isso desde que o público descobriu a existência dos Guardiões. Roth praticamente irradiava alegria quando olhava por cima do ombro. Ele almoçava com a gente quando nós não matávamos aula para fazer algumas buscas sobre o que o vidente falara ou quem era o demônio. — Eles precisam começar a dar entrevistas, — disse Sam. — Ou idiotas como estes vão tê-los queimados na cruz. — O que há de errado com uma boa fogueira? — Roth perguntou, me cutucando com o joelho debaixo da mesa. Dei um soco na perna dele. Alcançando o outro lado da mesa, Sam pegou um punhado das minhas batatas. — Você leu essa porcaria? — Eu realmente não dou muita atenção. — Coloquei o jornal sobre a mesa. Stacey se inclinou, olhando para o jornal entre nós. — Que inferno? Ele diz, e cito: Os Guardiões se assemelham as criaturas que foram banidas do Céu e enviadas ao Inferno. Eles são pecadores, se disfarçando como santos. Ok. Quais são as drogas que essas pessoas estão tomando, e onde posso conseguir um pouco? — Veja. — Roth apontou para o terceiro parágrafo enquanto passava o braço em volta da minha cintura. Por causa de todo o toque, metade da escola pensava que Roth e eu estávamos juntos. Eu não sabia o que éramos. Não dávamos rótulos. — A Igreja diz que os Guardiões são um sinal do apocalipse. Legal. Sam bufou. — Eu ficarei puto se houver um apocalipse e não houver um único zumbi. Roth abriu a boca e tirou o braço da minha cintura, mas o interrompi. — Fanáticos são loucos. Sam olhou para Stacey. — Você vai comer essas batatas? — Desde quando você pergunta antes de pegar? — Agarrei a mão de Roth, que estava na minha perna. — Você acabou de se servir do meu prato. Rosa tingiu o rosto de Sam. — Sabia que um adulto médio queima duzentas calorias durante trinta minutos de sexo? — O rosa aumentou para vermelho
quando seus olhos se arregalaram atrás dos óculos. — Não sei por que eu disse isso. Tentei abafar meu riso com a mão, mas não consegui. A mandíbula de Stacey bateu no chão. As sobrancelhas de Roth se levantaram. — Sexo no cérebro, parceiro? Sam murmurou alguma coisa e limpou a garganta. — De qualquer forma, você sabia que bananas são radioativas? — Uau. — Stacey sacudiu a cabeça, mas ela estava sorrindo. — Está cheio de coisas aleatórias. — Sim, a coisa banana é realmente... — endireitei-me, a coluna rígida. Roth me deu um olhar estranho, mas ignorei. Sam era realmente uma fonte de conhecimento aleatório. Como não pensei nisso antes? Excitação passou por mim como uma flecha. — Hey, eu ouvi esse enigma no rádio outro dia e ele está me incomodando desde então. Interesse brilhou nos olhos de Sam. — Fale. — Ok. Eu acho que ele se refere a algum lugar da cidade, um lugar onde um monólito é empurrado para trás. — Eu praticamente estaria pulando no meu lugar se Roth não me segurasse. — Alguma ideia do que poderia ser? Sam olhou para mim por um momento, e então ele riu, batendo as mãos sobre a mesa branca. — Você está falando sério? Não entendi o que era tão engraçado. — Sim, estou falando sério. Roth pegou um garfo de plástico. — Suponho que você sabe que lugar é esse? — Claro! Como você pode não saber? É tão óbvio. Apenas um... — Sam parou ao perceber que Roth estava transformando o garfo em um projétil. — Tudo bem, talvez não seja tão óbvio. — Sam, — eu disse, ficando impaciente. Ele empurrou os óculos no nariz. — Olha, o enigma está redigido obliquamente para tirá-los da pista. Então, claramente, a chave está em decifrar os significados mais comuns para algumas das suas pistas. Por exemplo, qual é a outra palavra para um monólito? Um monumento. E um sinônimo para empurrado para trás? Refletido. Então, o que você realmente está perguntando é onde
encontrar um lugar onde um monumento está refletido. E todos nós sabemos onde é. — Cara. — Stacey olhou-o irritada. — Nem todos nós. Sam suspirou. — Preciso soletrar tudo? É o monumento de Washington. E seu reflexo está no... espelho d'água. Veja? Meio óbvio, certo? Roth murmurou: — Obviamente que não. Eu queria abraçar Sam. — Você é incrível! Muito obrigada. — Eu sou incrível. — Sam sorriu. — Eu sei. Olhando para Roth, peguei minha bandeja. — Ei, pessoal, os vejo na aula de Inglês? — Claro, — Stacey murmurou, ainda olhando para Sam. Aposto vinte dólares que ela estava pensando novamente sobre queimar duzentas calorias. Roth e eu largamos a nossa comida e fomos furtivamente para a nossa escada pelo antigo ginásio. Manchas de pintura descascada em torno dos corrimãos enferrujados. — Estou tão esperançoso que você queira testar essa coisa de duzentas calorias. Atirei um olhar sem graça para ele. — Não, Roth. Boa tentativa. — Ah, um demônio pode ter esperanças, não pode? — Nós sabemos onde a Chave Inferior está agora. — Coloquei meu cabelo para trás. — Deus, eu não posso acreditar que não descobrimos isso. Olá! Esta é uma boa notícia. — Eu sei. — Ele pegou a mecha de cabelo que se movimentava e a envolveu em seu dedo. — Mas estou realmente preso na ideia de duzentas calorias. Bati na mão dele. — Roth! — Está bem, — Roth pegou o fio de cabelo rebelde novamente. — Quem diria que todas essas informações inúteis que Sam tem na cabeça seriam realmente... útil. — Eu sei. — Eu ri. — Agora, só precisamos de uma lua cheia. — Estamos com sorte. Há uma no sábado à noite. Meus lábios viraram para baixo. — Como no mundo você sabe disso? Roth me puxou para frente. — Demônios e luas cheias combinam, como ervilhas e cenouras.
Coloquei minhas mãos em seu peito para manter algum espaço entre nós. — Essa é a coisa mais estúpida que já ouvi. Ele sorriu. — Quer ouvir a melhor coisa? Só Deus sabe o que ia sair da boca dele. Levantei meus olhos e encontrei os dele. — O quê? — Hmm? — Ele deu um passo à frente e avancei para longe. — Lembra-se do que você tentava me convencer naquele dia na minha casa? Minhas costas bateram na parede de cimento velho. — Sobre você não ser apenas mais um Roth? Roth soltou meu cabelo apenas para colocar as pontas dos dedos no meu queixo. Uma
faísca
de
eletricidade
caminhou
até
os
dedos
dos
meus
pés. Inclinando a cabeça para trás, ele olhou para mim com um sorriso travesso. — Quando eu disse que não era realmente um garoto? — Sim. Ele sorriu ao se inclinar para frente. Tentei apertar minhas pernas, mas a coxa dele deslizou entre as minhas. — Acho que estou definitivamente me tornando um garoto de verdade. Oh, Jesus... O sinal tocou, sinalizando o fim do almoço. Parecia tão longe. — Roth... — O quê? — Ele abaixou a cabeça, esfregando o nariz contra o meu. Seus lábios pairaram apenas a polegadas da minha boca. Nossos corpos estavam colados em todos os pontos que fritavam meus sentidos. Ele abaixou a cabeça, esfregando os lábios em minha bochecha, sobre a minha orelha. Ele mordeu, pegando a pele sensível. Engoli em seco, os dedos enrolando na frente da camisa dele. Roth soltou e deu um passo atrás. — Pare de me distrair. Fiquei boquiaberta. — O quê? Eu não estou fazendo nada. É você... — Você é muito irresistível. — Seu sorriso aumentou. — Mas voltando para as coisas importantes. Estava tão tentada a bater nele. Eu cruzei os braços. — Sim, voltando para as coisas importantes. — Posso ir pegar a Chave no sábado.
— Eu vou com você, — soltei. Roth suspirou. — Eu sabia que você ia dizer isso, mas há um pequeno problema com você querendo fazer isso. Como você sairá de um reduto de Guardiões no meio da noite para fazer isso? — Posso fugir. — Em seu olhar afiado, eu gemi. — Ok. Eu provavelmente não posso fugir, mas eu poderia tentar fazer com que eles me deixem passar a noite com Stacey. — E eles vão realmente permitir isso? — Não sei. — Reajustei a alça da minha mochila. — Mas eu quero pelo menos tentar. Roth exalou alto. — Ok. Tente isso. Mande uma mensagem e me deixe saber. — Ele inclinou a cabeça, segurando a porta aberta. — Você acha que pode andar para a aula, ou seus joelhos estão muito bambos? Apertei os olhos, passando por ele. — Meus joelhos não estão bambos. E você tem um ego grande. — Essa não é a única coisa que é gran... — Cala a boca! Muita informação, Roth, muita informação. — Levantei minha mão. — Eu vou deixar você saber. Roth se perdeu na multidão de estudantes enquanto eu caminhava para a aula. Eu menti. Meus joelhos estavam totalmente bambos.
Caminhei pela décima vez na frente da sala fechada de Abbot. Fazê-lo concordar em deixar-me ficar com Stacey no sábado precisaria de um pequeno milagre. Mesmo que não tivesse havido quaisquer ataques demoníacos desde os demônios Rack, e os Guardiões nem sabiam disso, eu seriamente duvidava que ele fosse permitir isso. Mas eu precisava tentar. Zayne virou uma esquina e parou quando me viu. Voltando do trabalho, sua camisa cinza estava úmida e se agarrava a sua cintura estreita. Ele sorriu. — O que você está fazendo, Layla-bug? — Esperando Abbot terminar de falar com Nicolai e Geoff. — Olhei para a porta de carvalho, esperando que ela se abrisse. Quando nada aconteceu, eu sentei no último degrau. — Ele está lá para sempre. — Quanto tempo eles estão lá? — Desde que o jantar terminou. — Eu deslizei mais, abrindo espaço para o seu corpo maciço. — Seu pai tem tido uma série de reuniões a portas fechadas recentemente. Zayne sentou, deixando cair os cotovelos sobre os joelhos dobrados. — Sim. — Você não sabe nada sobre isso? — Olhei para ele. — Não. — Ele riu baixinho. — Meu pai planeja alguma coisa, mas não sei o quê. Um calafrio me percorreu. Esperemos que o que quer seja que seu pai esteja planejando não tenha nada a ver comigo.
— Você está bem? — Ele perguntou, cutucando minha perna com a dele. — Ótima. — Sorrindo, tirei meu cabelo do meu rosto e torci-o por cima do ombro. — Você? Suas sobrancelhas franzidas. — Estou bem. Encontrando seus olhos por um momento, eu concordei e voltei a focar na porta do pai dele. Desde o ataque de Petr, as coisas estão diferentes entre Zayne e eu. Ele parecia estar sempre me observando, esperando uma histérica e inevitável quebra da minha parte... Ou que eu enlouquecesse e começasse a sugar almas pelo caminho. Talvez isso não fosse justo. Zayne só estava preocupado. — Você está diferente. Meu estômago deu um nó com o comentário inesperado. — Hã? A cabeça de Zayne inclinou para o lado. — Você parece diferente... para mim. Frios nós se apertaram e senti como se alguém tivesse jogado uma corda em volta do meu peito. — O que você quer dizer? — É difícil de explicar. — Ele riu novamente, o som inseguro. — E não posso nomear isso. — Sua mão encontrou o coque de cabelo no meu ombro. Ele não puxou ou envolveu os dedos ao redor dos fios como ele faria normalmente. Ele enfiou os dedos pelo cabelo, sentindo-o, e fiquei muito quieta. — Talvez seja eu. De repente, as imagens de Roth passaram pela minha cabeça – do beijo no parque e todos aqueles quase beijos que vieram depois. Porque, além dos segredos que eu guardava, a única coisa diferente em mim era o fato de que eu... Eu fui beijada. Mas não podia ser isso. Não havia como Zayne saber disso. Não era como se tivesse escrito na minha testa. Oh, meu Deus, e se ele sabe, de alguma forma? Zayne parecia saber tudo. Balancei a cabeça, o que fez a mão dele cair para o meu ombro. — Eu sou a mesma imperfeita... — Você não é imperfeita. — Sua mão curvou sobre meu ombro. — Você nunca foi imperfeita. Sorri, tentando aliviar o clima. — Bem, na verdade eu sou meia que imperfeita como um...
— Não faça isso. — Zayne sacudiu a cabeça para trás e para frente. — Odeio quando você diz coisas assim. E o que eu odeio mais é que você realmente acredita nisso. Abri a boca, mas minhas negativas secaram como uma flor morta. Havia tantas coisas que fazia Zayne diferente de mim. Às vezes, parecia que éramos totalmente opostos. Inseguranças ressurgiram como velhos amigos que você não quer ver. Eu não era como Zayne. Nunca poderia ser como ele, não importa quão duro eu tentasse. Izzy e Drake poderiam se transformar, mesmo com dois anos, e eu estava aqui, com dezessete, e não poderia fazer isso. Eu desviei o olhar, a compilação de uma lista mental de meus defeitos mais altos do que a Torre Eiffel. O estranho era que quando estava com Roth eu não caminhava por essa estrada preocupante. Zayne murmurou alguma coisa e seu braço deslizou em volta dos meus ombros curvados. Puxando-me mais perto, ele me dobrou contra ele e apoiou o queixo no topo da minha cabeça. Fechei os olhos, inalando o cheiro de inverno e menta dele. Ficamos assim até que ouvi passos pesados aproximando-se da porta fechada. Afastando-me de Zayne, eu ignorei o súbito choque que passou pelo meu corpo e me levantei. Nicolai e Geoff saíram primeiro, piscando para mim enquanto se dirigiam para a porta sob a escada que levava aos níveis subterrâneos. Abbot olhou para seu filho e para mim. — Suponho que um ou ambos esperam por mim? — Eu. — Dei um passo à frente, torcendo os dedos atrás das costas, mais nervosa do que um peru no Natal. — Eu queria te pedir um favor. Ele cruzou os braços. — Bem, na verdade, não é um favor. Mais como um pedido. — Calor se espalhou pelas minhas bochechas. Havia algo nesse homem que sempre me transformava em uma idiota tagarela. Olhando por cima do meu ombro, eu vi que Zayne ouvia com interesse de sua posição reclinada nos degraus. Suspirei. — Há uma grande prova de biologia na segunda-feira. — Mentira. — E uma vez que não houve nenhum ataque de demônio ultimamente... — Mentira. — Estava esperando que eu pudesse passar a noite na casa de Stacey no sábado, para estudar. Mentira. Mentira. Mentira.
Antes de Abbot pudesse sequer responder, a voz de Zayne mergulhou dentro da sala. — Não houve nenhum ataque porque você não foi a lugar nenhum que eles conseguissem chegar até você. Bem... Mandei a Zayne um olhar de cale-se ou morra. — Se Zayne me levar até a casa dela e me deixar lá, ele pode totalmente vigiar o bairro... — Oh, espere um segundo. — Zayne estava de pé em um nanossegundo. — Não me voluntario nesta loucura. De maneira nenhuma você ficará hospedada fora de casa durante a noite depois de tudo o que aconteceu. Fiz uma careta. — Não sabia que eu estava pedindo a sua permissão. Seu olhar encontrou com o meu. — Você não deveria sequer sugerir algo parecido com isso agora. Respirando fundo, eu me virei para Abbot. — Por favor. Eu realmente preciso estudar e... — Posso ajudá-la a estudar, — disse Zayne, plantando as mãos nos quadris. — Não, você não pode. Você não está na minha classe. Zayne inclinou a cabeça. — Mas tenho biologia, e é provavelmente muito mais difícil do que o que você está estudando na escola. Minha posição imitou a dele. — Bem, obrigada pela atualização, mas preciso estudar o que os pobres da escola pública estão me ensinando, com Stacey. — Dando meus melhores olhos de cachorrinho, eu estava a segundos da mendicância. — Prometo que no momento que algo parecer sombrio ou suspeito, eu chamarei todo o clã. Eu não... — Você não está preocupada em colocar sua amiga em perigo? — Zayne perguntou, e maldição, eu queria pular nas costas dele como um macaco. — Layla, seja razoável. — Que tal você ser razoável? Não posso ficar para sempre em casa e apenas ir para a escola! Você quer que eu reprove? — Sim, isso foi meio que um golpe baixo, mas estava desesperada. — Porque eu o farei se não estudar. — Ninguém quer que você reprove, — Abbot disse com um suspiro. Ele beliscou a ponte do nariz, um gesto que sempre fez quando Zayne e eu entrávamos em brigas mesquinhas na frente dele, mas havia uma astúcia em seu olhar. — Não acho que ir à casa de sua amiga no sábado seja uma ideia tão ruim.
— Sério? — Gritei mais ou menos ao mesmo tempo em que Zayne gritou: — O quê? Abbot franziu a testa para o filho. — Sim. Eu acho que ficará tudo bem. Você precisa ser capaz de estudar e provavelmente gostaria de algum tempo a sós com a sua amiga. — Seu olhar ficou penetrante. — Especialmente depois de tudo o que aconteceu. Surpresa passou por mim. Abbot foi abduzido por alienígenas. Isso foi muito fácil, mas eu sabia que a cavalo dado não se olha os dentes. — Obrigada, — disse rapidamente, impedindo-me de correr e abraçar Abbot. — Eu não acho que isso é uma boa ideia. — Choque aprofundou a voz de Zayne. — Bem, eu acho que seria uma boa ideia você levá-la para Stacey e buscála, já que é tão vigilante quando se trata de Layla. — Abbot sacudiu um fiapo das calças. — Se alguma coisa acontecer, Layla sabe que precisa nos contatar imediatamente. Balancei a cabeça ansiosamente, mas uma grande parte de mim sentia-se mal por ter mentido, especialmente desde que a preocupação estava escrita em todo o rosto de Zayne enquanto empurrava os ombros contra as paredes amarelas. Meu único consolo foi o fato de que eu estava mentindo para o bem maior. Isso deveria compensar. Abbot deixou-nos no corredor, e eu me virei para fazer uma fuga rápida. Zayne pegou meu braço antes que eu pudesse dar o primeiro passo. — Ainda acho que este é um movimento muito ruim, — disse ele. — Ficará tudo bem. Eu prometo. — Não gosto disso. — Mas você vai me levar e buscar. — Me soltei. — E você garantirá que tudo fique bem. Os olhos de Zayne se estreitaram. — Você está tramando alguma coisa. Meu estômago despencou enquanto eu me movia um passo. — Eu queria estar tramando algo. Infelizmente, a minha vida não é tão emocionante. — Não é? — Ele deu um passo para frente e elevou-se sobre mim. — Stacey alguma vez realmente estudou para um exame?
Droga. Todas as vezes que eu contei histórias sobre Stacey e da escola para ele voltavam para me assombrar, mas me mantive firme. — Bem, é por isso que estou estudando com ela. Ao ajudá-la, eu ajudo a mim mesma. Zayne bufou. — Você é tão cheia de si. — Não sou! — Cutuquei-o no peito. — O que mais eu faria além de estudar com Stacey? Não é como eu fosse convidada para uma festa. — Jogar com a simpatia de Zayne era uma coisa muito infeliz a fazer. — E, obviamente, não estou escapando para encontrar um cara. — Layla... — Vou apenas estudar com Stacey. Isso é tudo. — Um olhar de aborrecimento passou pelo rosto dele, como já estivesse pensando que se lamentaria por isso. — Você é uma pirralha. Atirando um sorriso para ele, eu corri até as escadas para mandar uma mensagem para Roth para que ele soubesse que sábado à noite estava certo. *** Stacey estava mais do que ok comigo usando-a para sair com Roth, e eu meio que me senti mal depois. Não porque eu a usava como um chamariz, mas porque ela estava muito animada com a ideia de eu ir a um encontro durante a noite com Roth. Desde que não era um encontro e eu realmente não tinha planos disso ser uma coisa de passar a noite, a ideia de passar a noite com Roth me fez querer rir e entrar em pânico. Às vezes, eu pensava que Stacey estava mais animada com a perspectiva de eu ter um namorado, do que eu. Quando Zayne me deixou na casa de Stacey era um pouco antes das sete no sábado à noite, eu o assisti dar mais um par de passos da janela da sala de estar de Stacey. Após o quinto, eu revirei os olhos. — Tem certeza que ele não sabe o que está fazendo? — Stacey perguntou, apoiando seu irmão pequeno no quadril. A mãe dela saiu com o namorado, noite de encontro, aparentemente funcionava perfeitamente. — Ou ele trabalha como um perseguidor? — Ele é apenas superprotetor. — E realmente, realmente irritante. — Mas acho que ele acabou agora.
Stacey arqueou uma sobrancelha quando colocou seu irmão no sofá estofado. — Então... Você vestirá isso? Deixando a janela, eu me virei e olhei para mim. — O que há de errado com jeans e um suéter? — Sério? — Ela suspirou, pegando um pequeno elefante. — Se fosse você, eu usaria a menor quantidade de roupa que fosse legalmente permitido. — Está tudo bem. — Eu não acho que usar uma saia e ter meus seios pulando para fora, para ir para Deus sabe onde, para recuperar a Chave, fosse uma coisa boa. Então, novamente, Roth provavelmente pensaria que era uma ótima ideia. — É fofo. — É entediante. — Ela acenou com o brinquedo no rosto de seu irmão, fazendo-o rir. — Muito entediante. Era? Puxei a barra do meu suéter e revirei os olhos. Entediante ou não, isso não importa. Caminhando até onde deixei minha mochila, eu procurei o meu telefone. Em algum momento, Roth pegou o meu celular e substituiu o nome de Zayne por Stony e listou seu próprio número como Besta Sexy. Que cretino. Sorri. Enviando uma mensagem curta para ele, dizendo que estava pronta, eu virei para Stacey. Ela segurava o brinquedo fora do alcance do bebê. Ela finalmente o entregou. — Estou realmente orgulhosa de você. Saindo com um garoto como uma garota adolescente normal faria. Fiz uma careta. — Só você ficaria orgulhosa de algo assim. Stacey veio até mim e alisou os lados do meu cabelo para baixo. As ondas estavam um desastre hoje. — É como um rito de passagem. Prometa que vai me ligar de manhã e me contar tudo. Todos os detalhes, e é melhor que tenha uma tonelada de detalhes sensuais. — Voltarei hoje à noite. — Afastei as mãos dela. — Claro que você voltará, — ela disse. A buzina tocou lá fora, e seus olhos se arregalaram. Ela puxou a barra do meu suéter, expondo uma seção estreita da minha barriga, e depois me empurrou para a porta. Eu deixaria minha mochila aqui com ela. Não é como se eu realmente fosse estudar alguma coisa. — Não esperarei acordada.
Puxando meu suéter para baixo, mandei-lhe um olhar. — É melhor você me deixar entrar mais tarde esta noite. Ela piscou ao abrir a porta. O Porsche prata de Roth ronronou ao longo do meio-fio. Quando a janela matizada rolou para baixo e Roth apareceu, Stacey deulhe um aceno. — Agora vá. Faça mamãe orgulhosa. — Orgulhosa como? — Peguei a mochila. Stacey arqueou uma sobrancelha. — Use sua imaginação. Basta lembrar, você só pode ser jovem e idiota uma vez. E aquilo é um belo exemplar para ser jovem e idiota. — Você é uma pervertida. — Dei um abraço nela e saí antes que ela começasse a falar com Roth sobre fazê-la orgulhosa também. Apressando pelos degraus da frente, parei na calçada e me certifiquei que não sentia a presença de quaisquer Guardiões. Quando não senti, eu soltei um suspiro de alívio. A última coisa que eu precisava era que Zayne me verificasse agora. Roth sorriu quando deslizei para o banco da frente. — Por que o seu rosto está tão vermelho? Eu odiava Stacey às vezes. — Nenhuma razão, — murmurei. — Aonde vamos? Para que parecesse que Roth e eu estávamos realmente fazendo a coisa do encontro, nós tínhamos várias horas antes da lua estar no céu e tarde o suficiente para verificar o espelho d'água. — Pensei em voltar para minha casa depois de pegar algo para comer. Isso deve matar um par de horas. Segurando as bordas do assento de couro, eu concordei e meu estômago revirou. Acabamos em Chan, um par de quadras do apartamento de Roth. Vi alguns Demônios, e até mesmo um Poser. Esforcei-me para não marcar o demônio Poser. Se o fizesse, chamaria a atenção para mim de ambos, os demônios e os Guardiões. Uma vez de volta ao loft de Roth, ele colocou as pequenas caixas de restos de arroz na geladeira e tirou os sapatos. Sem saber o que fazer, eu estava sentada na beira da cama. Os gatinhos estavam amontoados em uma pequena bola em cima do piano.
Roth encostou-se à parede, um pequeno sorriso no rosto. — Você está nervosa. — Não, eu não estou. Ele riu. — Posso cheirar seu nervosismo, Layla. Você não pode mentir sobre isso. Bem, então. Puxei meus joelhos até meu peito e enrolei meus braços em torno de minhas pernas. — Você não está todo nervoso? E se a Chave não estiver lá? E se estiver e for vigiada? Duvido que nós apenas seremos capaz de entrar e pegá-la. — Eu não falava sobre isso. — Ele se afastou da parede e rondou até onde eu estava sentada. Sentando ao meu lado, ele colocou as mãos em cada lado dos meus pés descalços. — Mas para responder a sua pergunta, não, eu não estou nervoso. Não importa o que seja projetado para nós, eu serei capaz de lidar com isso. — Bem, se você não é especial. Muito arrogante? — Eu sou todos os tipos de especial, mas você sabe disso. — Inclinando-se, ele colocou o queixo em um dos joelhos. — Você está nervosa porque está aqui comigo. Com ele tão perto, era difícil pensar em uma boa mentira. — Você me deixa nervosa. Aquele sorriso lento se disseminou em seus lábios cheios quando se levantou, deixando pouca distância entre as nossas bocas. — Você deveria estar nervosa. — Isso é reconfortante. — Eu queria inclinar para trás, mas me mantive no lugar. Roth riu baixinho e depois se levantou. Passeando pelas prateleiras, ele puxou um DVD e olhou por cima do ombro. — Filme? Perturbada, eu assenti. Após colocar o filme, ele deitou na cama ao meu lado, estirado como um gato preguiçoso se banhando no sol. Após cerca de um minuto de filme, eu o reconheci. — Advogado do diabo? Ele sorriu.
— Boa escolha. — Suspirei, balançando a cabeça. — Basta assisti e desfrutar. Por mais que tentasse, eu mal podia me concentrar no filme. Entre olhar para o relógio ao lado da cama e tentar ignorar Roth, eu estava tensa. Meu cérebro ficava voltando ao que Stacey havia dito. Material realmente útil ali, mas ela meio que tinha um ponto. Eu só podia ser jovem e idiota uma vez. E havia uma piscina realmente limitada com aqueles que eu poderia ser jovem e idiota. Esgueirando um olhar para Roth, meu olhar ficou preso a esses incrivelmente longos cílios. Com os olhos abertos como fendas finas, seus cílios acariciavam a pele sob os olhos. A vasta extensão de suas bochechas implorava para eu tocá-las. Seus lábios estavam entreabertos. Apenas um pequeno brilho do piercing em sua língua. Recordando a frieza do piercing, eu fechei os olhos. Ele realmente era um belo espécime, também. Uma pontada de nervosismo me atingiu, e minha frequência cardíaca subiu. Sem ter ideia do que estava pensando ou prestes a fazer, eu respirei fundo e me mexi até que estava deitada de lado, ao lado de Roth. Havia algum espaço entre nós, mas toda a frente do meu corpo formigava como se estivéssemos nos tocando. Abrindo os olhos, me concentrei na TV. Keanu acabara de comprar um novo apartamento em New York City. As coisas estavam prestes a ir pelos ares rapidamente. Minha capacidade de prestar atenção ao filme durou cerca de um minuto, abrindo caminho para a ansiedade se construindo dentro de mim. Mexi mais perto, para que a minha coxa o tocasse. Roth esteve respirando normalmente até aquele momento, mas agora ele pareceu parar de respirar completamente. Uma única sobrancelha escura se levantou. Eu ainda realmente não sabia o que estava fazendo ou por quê. Era porque eu só queria ser como uma adolescente normal pelo menos uma vez? Ser jovem e idiota? Ou eu procurava uma maneira de esquecer o que estávamos prestes a fazer e um futuro muito incerto? Ou era porque eu simplesmente queria Roth? No momento em que essa pergunta se formou em meus pensamentos, não havia como negar a verdade por trás disso. Um frio começou no meio das minhas
costas e se espalhou para as minhas pernas e braços. Era mais do que apenas ser capaz de beijá-lo. Havia algo em Roth que falava comigo, tudo em mim. Algo que eu não tinha certeza se havia sentido antes. Minha mão estava em movimento antes mesmo de eu saber o que fazia. Coloquei-a no estômago dele, logo abaixo do peito. E fiquei parada. Roth ainda estava parado. Nós dois olhávamos para o filme, e eu sabia que ele estava como eu, naquele momento, não realmente prestando atenção. — Layla... O rosnado baixo na voz dele enviou calafrios através de mim. Comecei a puxar a minha mão, mas ele a pegou em um aperto firme, mas suave. — O que você está fazendo? — Ele perguntou. O ar ficou preso na minha garganta e eu não podia responder, não poderia colocar em palavras, explicar o que eu fazia, o que eu queria. Outro som profundo veio de Roth e ele se moveu rápido como um relâmpago. Um segundo depois, eu estava de costas e ele estava em cima de mim, flexionando seus músculos sob a camisa que usava enquanto se segurava. Seus olhos se chocaram com os meus, e eles eram como dois citrinos. Ele leu algo em meu olhar. Ele fez, porque um tremor rolou pelo seu corpo. — Eu sou um demônio, Layla. O que vejo em seus olhos e o que eu sinto do seu corpo é algo que aceitarei. Não se engane. Eu darei uma chance para você. Feche os olhos, e eu deixarei isto ir. Eu me senti fraca sob o olhar demorado, mas não fechei os olhos. — Layla. — Ele disse o meu nome como se isso o machucasse. E então ele me beijou. Não como a primeira vez no parque. Não como da outra vez nesta mesma cama. Ele capturou meus lábios em um beijo. Eu gemi no primeiro gosto dele, doce como chocolate. Pequenos arrepios de prazer e de pânico passaram por mim quando ele aprofundou o beijo e senti a frieza do piercing em sua língua. Meu corpo despertou para a vida; meu coração inchou e trovejou. A corrida de sensações que rastejou através de meu corpo era de enlouquecer, bonita e assustadora. Cavei minhas mãos em seu cabelo, não de todo surpresa ao encontrá-lo suave ao toque. Roth pressionou para baixo, e enganchei a perna em torno de sua cintura. Engoli em seco contra a boca dele. Sua mão deslizou sob minha blusa, os
dedos deslizando sobre a minha pele, enviando uma corrida de sangue para cada parte de mim. Eu queria tocá-lo do jeito que ele me tocava. Roth gemeu quando eu mexi, deslizando minhas mãos sob a camisa. Seu estômago era duro, suave e ondulado em todos os lugares certos. Ele parou tempo suficiente para puxar a camisa sobre a cabeça. Ele pairava sobre mim por um momento, poderoso e forte. Não era a primeira vez que o vi sem camisa, mas ainda me maravilhava com sua beleza. Até mesmo Bambi cobrindo seu braço, e o dragão em todo o seu estômago eram bonitos para mim. Eu me perguntei o que ele achava de mim, mas nós estávamos nos beijando de novo enquanto ele me pressionava para baixo novamente, dando um beijo na minha bochecha, então minhas pálpebras conforme eu tentava controlar o meu coração. Roth embalou meu rosto, e nossos lábios se tocaram novamente e novamente. Meu suéter saiu em um puxão. Corri meus dedos pelo seu peito para o botão em seus jeans. Ele tinha a mesma coisa em mente, porque ele estava entre as minhas pernas, e eu nadava em sensações. Prazer e incerteza juntos. Eu não tinha experiência em nada disso. Por um breve momento, Roth congelou acima de mim. Seus olhos apertados e sua cabeça empurrada em direção ao teto. Não percebi que ele segurava qualquer controle até que isso se quebrou. Seus braços se apertaram ao meu redor, me esmagando contra seu peito enquanto seus quadris avançavam contra o meu. Estávamos pele a pele em algumas áreas, entrelaçados, e cada respiração que tomava, o outro parecia inalar. Nossos peitos subindo; nosso coração batendo. Sua pele era dura e lisa sob meus dedos cerrados. Ele agarrou meus quadris, inclinando-me e trazendo-nos mais próximos. Quando ele me beijou novamente, isso foi profundo e quente, o tipo de beijo que me empurrou para a borda do penhasco. Eu estava pronta para pular de cabeça, para finalmente sentir tudo que eu sempre acreditei ser negado a mim. Meus dedos escavavam na pele suave de seus bíceps enquanto sua mão livre arrastava pelo meu estômago, os dedos circulando meu umbigo e, em seguida, mais baixo, sob a borda do meu jeans. Cada músculo do meu corpo apertado de uma forma estranha. Não de um jeito ruim, mas era intenso, muito e não o suficiente.
— Roth, eu... eu não sei... — Está tudo bem, — ele sussurrou contra o canto do meu lábio. — Isto é sobre você. Sim, isso é totalmente sobre você. — Ele parecia surpreso com suas próprias palavras, e quando falou de novo, sua voz estava rouca enquanto pressionava sua testa contra a minha. — Você me desfaz. Você não tem ideia de como me desfaz. Antes que eu pudesse processar o que isso significava, sua mão começou a se mover e seu pulso virou, e as células do meu corpo apertaram a um ponto de quase ser doloroso. Eu não podia controlar isso. Meu corpo se moveu com sua própria vontade, minhas costas arqueando. Uma onda de sensações me acertou de uma vez. Essa borda em que eu oscilava? Eu me lancei diretamente sobre ela quando essas células pareciam ir para todas as direções. Roth sabia o momento de me beijar, seus lábios silenciando os sons que eu teria vergonha mais tarde. Ele me segurou através disso. Horas se passaram enquanto eu lentamente me remendava. Talvez fosse apenas alguns minutos. Não importava. Meu coração trovejou. Senti-me gloriosa. Viva. Melhor do que depois de provar uma alma. Nossos olhos se encontraram, e sorri um pouco. Algo fraturou em seu olhar enquanto seus dedos se arrastavam sobre minha bochecha. — O que eu daria... Roth não terminou o pensamento, e meu cérebro ainda estava muito confuso para descobrir o significado. Ele pressionou os lábios na minha testa corada e rolou lentamente sobre suas costas. Segui-o, não tão graciosa. Minha perna acabou enroscada com a dele. Roth levantou uma mão, o peito subindo e descendo rapidamente. — Preciso de um minuto. Abri a boca e depois a fechei. Levantei-me, comecei a recuar, mas seu braço serpenteou em volta da minha cintura, me segurando no lugar. — Ok. Talvez eu precise de mais do que um minuto. — Sua voz estava tensa e espessa. Posso ser inexperiente, mas não era completamente ingênua. — Por que... por que você parou? — Não sei. — Ele deu uma risada curta. — Realmente não sei, mas está tudo bem. É, ficará tudo bem.
Apertei os olhos fechados por um momento e então me deixei relaxar contra ele, tendo conforto na subida constante e decida do seu peito. Senti sua mão suave sobre minha bochecha, colocando meu cabelo atrás da minha orelha. Minha respiração engatou na minha garganta, e quando abri os olhos, ele olhava para mim de uma forma que eu não entendia. Incapaz de sustentar seu olhar, o meu esvoaçou sobre o peito nu e estômago. Os detalhes sobre o dragão eram tão incríveis como Bambi. Iridescentes escamas azuis e verdes brilhavam na luz natural através da janela, o corpo ondulando sobre as depressões e duros planos de seu estômago. Quando Roth respirava, parecia que o dragão respirava. Os olhos do dragão combinavam com os de Roth, um belo tom dourado que brilhava. — Se continuar olhando assim, isso não ficará bem. Corei e rapidamente desviei o olhar, mas não fiquei longe por muito tempo. Erguendo-me no meu cotovelo, esforcei-me para não tocá-lo. — A tatuagem, ela sai de você assim como Bambi? — Só quando estou muito, muito zangado. — Roth levantou os braços acima da cabeça e inclinou as costas, fazendo a tatuagem de dragão se esticar junto com ele. — E mesmo assim, eu não o deixo sair, a menos que não haja outra opção. — Ele tem um nome? Roth arqueou uma sobrancelha. — Tambor19. Eu ri alto. — O que há com você e nomes da Disney? — Gosto do nome. — Ele sentou rapidamente e deu um beijo na parte de trás do meu ombro, e então se acomodou, curvando um braço em volta da minha cintura. Sua mão pousou no meu quadril com surpreendente facilidade. — Você pode tocá-lo, se quiser. Eu toquei. Seguindo o contorno da asa, eu pensei que seria áspera ou, pelo menos, elevada em relação à pele, mas era tão suave como o resto de Roth. Deslizei sobre a barriga do dragão e fui para onde a cauda desaparecia sob a cintura das calças jeans de Roth.
19 Coelho que fica amigo de Bambi.
Ele respirou profundamente. — Tudo bem, talvez a coisa de tocar seja uma má ideia. Puxei minha mão e olhei para ele. Ele olhava para o teto, um músculo tencionando ao longo de sua mandíbula. — Desculpa. Um lado de seus lábios se inclinou. — Você... você me surpreendeu. Achei que você usaria branco. — O quê? — Então isso me atingiu. Meu sutiã era vermelho. Bati no peito dele. — Não sou uma princesa da pureza, pelo amor de Deus. — Não, você definitivamente não é. — Ele rolou para o lado, de frente para mim. Um sorriso engraçado brincando em seus lábios. Roth, de repente parecia jovem e... completamente à vontade. — Você é realmente uma coisinha selvagem. Balancei a cabeça. — Não tenho certeza sobre isso. — Você não tem ideia. — Sua voz era áspera e ele me puxou, assim eu estava deitada na metade de seu peito. Ele passou os dedos pelo meu queixo e trouxe meus lábios nos dele. A resposta estava em um beijo profundo, lentamente quente que fez meu coração tropeçar. Sua mão deslizou do meu queixo até a minha nuca, me segurando para ele conforme os beijos me deixavam sem fôlego e atordoada. Então, ele levantou e toda a preguiça sensual desapareceu de seu rosto bonito. Meu pulso saltou e um calafrio serpenteou pela minha espinha. Roth respirou fundo. — Está na hora.
Nós saímos um pouco antes da meia noite, estacionamos há várias quadras do monumento. Um Porsche como o de Roth chamaria muita atenção, e já estava preocupada que nós tropeçaríamos em um Guardião. Eles estariam fora caçando os demônios... demônios como Roth. Começando na Constitution Avenue, eu não estava surpresa com a quantidade de tráfego de pedestre a esta hora da noite. A maioria eram seres humanos indo para bares, mas misturados entre eles estavam alguns sem almas. Um Fiend, os cabelos cor de vinho presos em um rabo de cavalo alto, foi chamar um táxi, o que me pareceu estranho. Ao lado dele estava um homem humano, e me perguntei se ele sabia o que estava ao seu lado. Quando chegamos mais perto do National Mall, a lua cheia estava alta no céu, grande e redonda. Roth pegou minha mão e eu olhei para ele. — O quê? Você está com medo de novo? — Ha. Na verdade, estou fazendo-nos invisíveis. — O quê? — Olhei para mim, à espera de ver através da minha perna. — Não me sinto invisível. — E como é se sentir invisível, Layla? — Diversão coloria seu tom. Fiz uma careta para ele. Roth sorriu. — O National Mall fechou a cerca de meia hora atrás. A última coisa que precisamos é de um guarda florestal se metendo em nosso negócio. Ele tinha um bom ponto.
— Estamos invisíveis agora? Enviando-me um sorriso rápido, ele me puxou bem na frente de dois jovens que estavam à toa ao lado da rua. Sob as lâmpadas de rua, as extremidades de seus cigarros queimaram vermelhas quando eles inalaram. Nós andamos bem em frente a eles, tão perto que eu podia ver a pequena abertura no nariz de um dos homens. Eles nem sequer piscaram quando passamos por eles. Nenhuma reação. Para eles, nós não estávamos lá. Mais abaixo na rua, eu finalmente encontrei a minha voz. — Isso é tão legal. — Isto é. Atravessamos a rua larga e os topos dos museus de arenito espiavam o céu estrelado. — Você faz a coisa invisível muitas vezes? — Você usaria se pudesse fazer isso? — Ele perguntou. — Provavelmente, — admiti, tentando ignorar quão quente sentia sua mão na minha. Ansiedade apertou o meu estômago quando o Monumento de Washington veio à tona. Não tendo nenhuma ideia do que aconteceria, eu esperava algum tipo de armadilha Indiana Jones à espreita. Quando chegamos ao Memorial Lincoln, a lua estava atrás de uma espessa nuvem e o espelho d'água era vasto e escuro, pacífico como sempre. Árvores alinhavam o espelho, e o molhado cheiro de mofo do rio Potomac atingia meu nariz. Esperei um guarda do parque se mover antes de falar. — E agora? Roth olhou para cima. — Vamos esperar até a lua voltar a aparecer. Uma hora e dez mil anos depois, a nuvem rolou e a luz prateada da lua foi se revelando polegada por polegada. Engolindo em seco, eu observei a água, me perguntando se nós realmente estávamos no lugar certo. Na pálida luz da lua cheia, o reflexo do Monumento a Washington começou no centro mais distante do espelho de onde estávamos, em frente ao Memorial Lincoln. O pilar apareceu do outro lado do espelho quando o reflexo aumentou, até que a extremidade pontiaguda chegasse à beira de onde estávamos. Prendi a respiração. E nada aconteceu. Nenhuma porta apareceu de repente. Chifres não saíram. Indiana Jones não saiu do ar. Nada.
Olhei para Roth. — Ok. Isto é realmente um anticlímax. Ele franziu a testa, examinando a área. — Devemos estar perdendo alguma coisa. — Talvez Sam estivesse errado ou o vidente estava apenas brincando com a gente. — O nível de decepção que eu sentia era uma droga. — Porque tudo parece o mesmo... espere. — Dei um passo à frente, ainda segurando a mão de Roth conforme eu me ajoelhava na beira do espelho. — É apenas eu ou a água onde o monumento se reflete parece meio que... brilhante? — Brilhante? — Sim, — respondi. Era fraco, mas parecia que alguém havia jogado baldes de brilho na água. — Você não vê isso? — Olhei para ele. Seus olhos se estreitaram. — Eu vejo, mas isso pode ser apenas a água. Com a mão livre, me abaixei e mergulhei os dedos na água e puxei minha mão. — Que inferno? — O quê? — Roth estava ajoelhado em um segundo, os olhos brilhando na escuridão. — O quê? Era muito difícil de explicar. A água... Não havia água. Meus dedos a atravessaram completamente e voltaram secos como o deserto. — Coloque seus dedos nisso. O olhar na cara dele disse que ele tinha um comentário realmente nojento para isso, mas ele sabiamente manteve a boca fechada. Usando a outra mão, ele colocou os dedos na piscina. Roth riu. — Caramba, a água... — Não está aí! — Espantada, balancei a cabeça. — Você acha que a coisa toda é uma ilusão de ótica? — Não pode ser. Há idiotas que saltam nesta coisa o tempo todo. Tem que haver algum tipo de encantamento reagindo a nós. — Ele moveu a mão ao longo da água falsa, cobrindo cerca de um espaço de um metro, até que deve ter atingido o verdadeiro negócio, porque uma pequena ondulação atravessou o espelho. — É neste espaço. — Seu olhar seguiu o centro do espelho e se acendeu. — Está em todo o comprimento do reflexo. Esperava que sim, porque eu tinha certeza que o espelho tinha pelo menos 5 metros de profundidade e afogar não soava divertido.
— Você está pronta para fazer isso? Na verdade, não, mas assenti como se estivesse. Roth foi primeiro, testar a teoria de que a água não era realmente água. Sua bota e, em seguida, a perna vestida de jeans desapareceu. Não havia ondulação ou movimento. Ele sorriu. — Há um degrau, e não está molhado. — Ele se desceu mais, até que a escuridão engoliu sua coxa e nossos braços estavam esticados na medida em que ele ia. — Está tudo bem. Seja o que for isso, não está realmente aqui. Respirando fundo, eu dei o primeiro passo. Água não mergulhou através da minha sapatilha ou meu jeans, e então dei mais um passo e estava a polegadas de Roth. — Isso é tão malditamente estranho. — Eu vi coisas mais estranhas. Parte de mim queria mais explicação do que isso, mas então eu estava adiando o inevitável, que era a minha cabeça indo sob o que quer que fosse esse material. Quando a escuridão chegou aos meus ombros, eu estremeci. Foi como entrar através da névoa espessa que tinha substância, você podia sentir, mas não conseguia agarrar. Levantei meu olhar, encontrando Roth, e ele deu um sorriso tranquilizador. Por força do hábito, eu prendi a respiração ao mergulhar. O peso do cair de milhares de litros de água não veio em cima de mim. Meu cabelo ainda estava uma bagunça seca e ondulada caindo sobre meus ombros e pelas minhas costas. Inalei pelo nariz e não engasguei com água. Houve um cheiro molhado de mofo que fez cócegas no fundo da minha garganta. — Abra seus olhos, Layla. — A voz de Roth estava perto do meu ouvido. Abri um olho e meu queixo caiu. — Merda... Ele riu, soltando a minha mão. — Elegantemente colocado. Estávamos dentro do espelho d'água, ou pelo menos era o que eu assumi, mas era como se estivesse em um mundo diferente. Tochas acesas alinhadas no túnel a cada poucos centímetros de ambos os lados, lançando tremeluzentes sombras sobre a via úmida. O telhado acima de nós não era realmente um telhado, apenas a parte inferior do que quer que fosse a substância pela qual passamos.
— Vou arriscar um palpite e dizer que estamos no caminho certo, — eu disse, alisando as palmas das mãos úmidas ao longo dos meus jeans. — Ou nós nos afogamos e estamos tendo alucinações. A risada de Roth estava sombria como o túnel. — Vamos lá. Vamos acabar com isso. Começamos a descer o túnel, nossos passos ecoando nas paredes de cimento. Roth cantarolava o que eu agora pensava como sua canção. Caminhando pelo que parecia uma eternidade, nós deveríamos estar nos aproximando dos museus quando chegamos a um ponto onde o túnel ramificou-se em duas seções. — Pena não ter um mapa para podermos usar, — Roth brincou quando ele começou a ir para a direita. Cerca de seis metros para baixo, ele parou e virou. — Esta porta está cimentada. Então eu vou esperar que não fosse para onde vamos. Sem outra opção, escolhemos o túnel à direita. Passando os braços em volta do meu peito, eu tremi com o ar frio e úmido. Outra quadra e então descendo pelo corredor, ele virou para a direita. Mais à frente havia uma velha porta de madeira. Com suas largas tábuas de madeira e juntas de aço, parecia algo saído dos tempos medievais. — A qualquer segundo, um cavaleiro templário virá gritando por aquela porta, — eu disse. Os lábios de Roth se curvaram no canto. — Isso seria realmente um tipo de entretenimento. — Não seria? E então ele nos pedirá para escolher... Uma rajada de vento chicoteou pelo túnel, levantando meu cabelo e fazendo com que as tochas piscassem em uma dança louca. Todos os finos cabelos em meu corpo subiram quando virei ao redor. — Roth... O som de algo clicando sobre o cimento subiu em um crescente, como uma onda super-rápida de dançarinos de sapateado. Dei um passo atrás, meu estômago revirando. O clique aumentou, abafando o som do meu coração batendo. — LUDs, — Roth disse com mãos enrolando em punhos. — O quê? — Pequenos demônios feios, — explicou. — Você já viu A princesa prometida, certo? — Uh, sim.
Roth fez uma careta. — Lembra-se daqueles realmente grandes ratos na floresta escura? Meus olhos se arregalaram. — Oh céus. — Sim, então tente abrir essa porta. Tipo, muito rápido. Girando, eu corri para a porta e soltei um xingamento. A coisa não estava trancada, mas tinha uma barra de aço na frente. Segurando-a, tentei levantála. Mesmo com a força demônio e Guardião em mim, a coisa não se moveu. — Uh, Roth, isto não... — as palavras desapareceram quando o clique deu lugar a um tagarelar. Virei-me, vendo formas correndo no túnel. Um grito ficou preso na minha garganta enquanto Roth xingava. Subindo cerca de um metro no ar, LUDs eram como ratos que andavam sobre duas pernas. Seus longos focinhos escancarados amplamente, revelando uma boca cheia de dentes de tubarão. Redondos olhos vermelhos brilhavam nas sombras. Mãos com garras estendidas enquanto suas caudas batiam no chão. — Meu Deus, — sussurrei, recuando. — Isso está prestes a ficar muito feio, — disse Roth, todos os tipos de Capitão Óbvio. Um LUD saltou no ar, lançando-se diretamente para Roth. Ele correu para a direita e a criatura peluda se chocou contra a parede. Ele bateu no chão, as suas perninhas e braços falhando quando tentou ficar de pé. Ok. Obviamente eles não eram as criaturas mais inteligentes, mas o que eu não entendia era por que eles estavam nos atacando. Eles eram do inferno, e o inferno não queria que a gente encontrasse a Chave Inferior? E mesmo se fossem controlados pelo demônio responsável, por que ele iria querer nos parar neste momento? Se ele não sabia qual era o encantamento, a informação estava na Chave Inferior. Não fazia sentido, mas não era como se eu pudesse pressionar Pausa e perguntar tudo. Roth enviou um LUD voando para a parede mais próxima com um soco forte. Outro pousou em suas costas. Ele se inclinou, jogando-o contra um conjunto de outros LUDs. Havia dezenas deles, agarrando nas pernas e braços de Roth enquanto ele girava, chutando-os. Um rasgou um buraco irregular em seu jeans. Não havia como podermos afastar todos. Não com as costas para um beco sem saída na forma da porta mais pesada do mundo. Estávamos presos.
Meu olhar se voltou para as tochas. Afastando-me da porta, eu corri até a parede e estiquei, agarrando a base viscosa da tocha. Um LUD menor agarrou minha perna, subindo. Soltando um grito agudo, eu balancei minha perna até a maldita coisa perder seu controle e cair sobre a sua barriga. Ele levantou e se virou para mim, sibilando como uma cobra. Balancei a tocha ao redor, encolhendo-me quando a primeira das chamas lambeu o corpo peludo da criatura. Era como segurar um fósforo para a gasolina. Chamas cobriram o LUD. O cheiro amargo de pelo queimado aumentou rapidamente. O LUD soltou um grito igual de porco e correu em pequenos círculos até bater na parede e cair no chão, caindo em cinzas-avermelhadas. Roth pegou o LUD pulando em direção a sua garganta e bateu com ele em outro saltando no ar. Eles fervilhavam, mordendo e agarrando as roupas dele com as suas garras. Dois estavam nas costas dele. Apressando-me para o lado dele, eu segurava a tocha enquanto pegava uma das aberrações peludas pela nuca e o puxava. A coisa se contorceu e se virou para o ar. Joguei-o de lado e peguei o outro antes que ele fosse para a cabeça dele. Lançando-o no chão, eu estremeci e necessitava desesperadamente de alguma solução antibacteriana e terapia intensa. Roth enviou-me um sorriso agradecido quando pegou a tocha de mim. — Obrigado. Abaixando, ele empurrou a tocha. As chamas saltaram para o LUD mais próximo. Guinchando, o LUD se debateu e bateu em outro. De lá, foi uma reação em cadeia. Eles continuaram correndo um para o outro, espalhando as chamas como um vírus. Roth virou para a porta. — Segure isto e os mantenha afastados enquanto eu tento abri-la. — Entendi. — Segui-o até a porta, mantendo um olho na massa guinchando de corpos peludos e cinzas. O meu olhar saltou para Roth, verificando rapidamente os ferimentos. Sangue pontilhava sua camisa branca. Meu estômago revirou. — Você está ferido.
— Eu ficarei bem. — Ele agarrou a barra de aço. Os músculos das costas agrupados conforme levantava a barra. — Basta manter esses pequenos bastardos para trás. Balançando para trás, eu fiz uma careta. — Acho que eles não serão um problema. Estão todos mortos. — Até mais vir. — Ele grunhiu quando conseguiu puxar a barra do trinco. — Jesus. Do que isso é feito? Dei um passo atrás, dando-lhe espaço quando ele deixou cair a barra no chão. O impacto ressoou através do túnel, quebrando o silêncio. Um momento depois, os sons de cliques começaram novamente. — Ugh, — murmurei. — Vamos. — Roth agarrou a minha mão livre quando abriu a porta. Uma onda de ar frio nos acertou quando entramos. Soltando-me, ele bateu a porta um segundo antes de corpos baterem no outro lado. — Deus, eles continuam chegando. Engolindo em seco, me virei para ver outro fodido túnel. No final havia outra porta. Corremos em direção a ela, e eu ficava olhando por cima do ombro, esperando que os LUDs derrubassem a porta atrás de nós. Roth levantou outra barra de aço maciço e deixou-a cair, fazendo-me saltar quando o som perfurou o túnel. Ele abriu a porta. Sombras surgiram da porta. Não – não sombras. Asas batendo no ar. Roth girou e agarrou meu braço. Assustada, eu deixei cair a tocha quando ele me puxou para um pequeno enclave, me pressionando contra a parede com seu corpo. — Morcegos, — sussurrei contra seu peito, segurando seus lados. Ele assentiu. — Muitos morcegos. Eles guincharam e suas asas bateram como um coro perturbador que causou arrepios na minha espinha. Os sons prosseguiram pelo o que pareceu uma eternidade, mas finalmente me dei conta de outra coisa. O corpo de Roth estava pressionado contra o meu com tanta força que eu não poderia dizer onde ele acabava e eu começava. Suas mãos caíram para os meus quadris, os dedos deslizando-se sob a barra do meu suéter. Seu polegar traçou círculos ociosos contra a minha pele enquanto a agitação continuava na sala e no meu peito.
Ele fez um som profundo em sua garganta. — Esqueça a Chave. Vamos ficar onde estamos. — Você é tão mau, — eu disse. Sua profunda risada retumbou através de mim. — Você ainda não viu nada. Inclinei a cabeça para cima e sua boca pousou na minha. Eu não estava preparada para a intensidade do beijo, mas acompanhei rapidamente. Meus lábios se separaram quando o piercing deslizou para dentro, arrastando pelo meu lábio inferior. Um som estrangulado de necessidade se levantou para quebrar o silêncio. Isso significava... Roth
levantou
a
cabeça,
respirando
profundamente. A
sala
havia
acalmado. Quando ele deu um passo para trás, eu tentei fazer meu coração se acalmar e o segui para fora da alcova. Demorou alguns segundos para eu formar as palavras. — Onde foram os morcegos? Roth levantou o queixo. — Meu palpite é que eles passaram pela rachadura no teto. — Pegando a tocha esquecida, se moveu para a porta aberta. Segui-o através da abertura. Era uma pequena câmara circular, mal iluminada por tochas. Em direção à parte de trás da câmara estava um arco levando a outro túnel. Roth segurou a tocha perto da parede, lançando luz sobre esculturas estranhas gravadas no cimento. — O que é isso? — Perguntei. — Uma linguagem antiga, — disse, movendo a tocha mais adiante. — Latim? — As palavras cobriam toda a câmara, do teto ao chão. Roth bufou. — Não. Isto antecede a Latim. A Chave tem que estar aqui. — Ele se virou para o centro da sala e se ajoelhou. — O que temos aqui? Olhei por cima do ombro. Um quadrado de cerca de um metro de largura de diâmetro estava cortado no chão. No centro estavam duas impressões de mãos. Ambas aproximadamente do mesmo tamanho, e algo sobre as impressões lembrou-me das mãos de um Guardião. Os dedos eram longos e finos, com as palmas largas. Assim como as mãos de Roth em sua verdadeira forma. Roth colocou a tocha no chão e olhou para mim. — Coloque sua mão em uma das impressões.
Caí de joelhos ao lado dele e o observei se esticar e colocar a mão na outra, à esquerda. Pensei no que o vidente dissera sobre um Guardião e um Demônio trabalhando juntos para esconder a chave. Coloquei a mão na impressão. A minha era muito menor. Um baixo rumor começou debaixo da câmara, e comecei a mover-me para trás, mas Roth disse: — Não. Está funcionando. Pequenas pedras caíram no chão da câmara. Uma rachadura irrompeu através do teto. Poeira emplumada pegas nas chamas, transformando-se em pequenas faíscas que deslizavam através do ar. Cara, eu esperava que esta câmara não desabasse sobre nós. O quadrado tremeu e começou a subir. Puxei minha mão, então assim fez Roth. De pé, juntos, demos um passo para trás quando o pedaço de cimento irrompeu no chão em um som de raspagem de cimento. — Bingo, — disse Roth. No meio do bloco de cimento estava um cubículo, e naquele cubículo estava o que só poderia ser a original Chave Inferior de Salomão. Roth pegou a tocha e segurou-a perto. A capa era exatamente como ele dissera antes. Parecia charque velho. Encadernado em pele humana – pele humana realmente velha. Eu já queria vomitar. Esculpido na capa estava o mesmo símbolo que estava na réplica que Roth possuía. Um círculo com uma estrela no meio foi esboçado em dourado. A estrela estava ligeiramente curvada para a direita, ficando fora do centro. Pequenos números e letras foram esculpidos perto dos quatro pontos. Roth me entregou a tocha, e peguei de bom grado. De jeito nenhum que eu queria tocar nessa coisa. Eu o vi se aproximar dentro e cuidadosamente colocar as mãos em ambos os lados do livro. Seria totalmente fodido se a coisa implodisse em pó, e quase ri com a imagem, exceto que na realidade não seria tão engraçado. Roth recuou com a Chave Inferior na mão. A rachadura no teto de repente explodiu. Pedaços do teto caíram no chão. Roth saltou para frente, agarrando o meu braço e me puxando para fora do caminho de uma grande parte. Isso bateu onde eu acabara de estar em pé.
Outra parte caiu, bloqueando o caminho que entramos. Horror entrou, tão espesso quanto o pó enchendo a caverna. — Roth! Ele agarrou minha mão e me puxou ao redor do quadrado elevado. Nós corremos sob o arco. — Você sabe aonde isso vai? — Gritei. Havia uma espécie de risada selvagem. — Não. Mas precisa ir a algum lugar. Qualquer lugar era melhor do que onde estávamos. Alcançamos o túnel em uma corrida mortal. A câmara inteira desabou atrás de nós, provocando algum tipo de junção defeituosa nas paredes. Ou talvez fosse concebido desta forma. Que uma vez que a Chave Inferior fosse movida, a coisa toda entraria em colapso, prendendo a chave e quem a pegou. Com os corações batendo, corremos pelo túnel, virando à direita quando chegamos a um cruzamento. Uma nuvem de poeira e rochas nos perseguiu através do labirinto de túneis, estalando em nossos calcanhares. Tropecei uma vez, quase caindo de cara no chão, mas Roth me pegou no último minuto, me endireitando. Quando finalmente passamos sob um arco maior, havia uma queda. Nós pousamos próximos, tropeçando no caminho. Ganhando o meu equilíbrio, virei-me assim que a última seção do túnel desabou, selando-o. Deixei escapar uma respiração carregada. — Bem, nós não íamos devolver o livro, não é? — Não. — Roth deu um passo para fora do trilho e colocou o livro em uma borda. Ele agarrou minha cintura e me levantou. — Aí está. Indo para a borda, eu estava de pé e percebemos que estávamos no sistema de metrô. Ao longe, havia uma luz intermitente. — Meu Deus, nós devemos estar à milhas do Monumento. Roth estava ao meu lado em uma quantidade indecente de tempo com a Chave Inferior na mão. Olhei para ele. Alegria iluminou seus olhos. — Isso foi meio que divertido, certo? — Ele disse. — Fez o coração a bater. — Isso não foi divertido! Havia ratos andando sobre duas pernas. Morcegos! E então a coisa toda vei... Ele se moveu tão rápido que não havia chance de me preparar. Um segundo ele estava lá, e então ele curvava a mão ao redor da minha nuca. — Você precisa de alguma coisa, — disse, e quando o olhei, ele acrescentou: — Seu rosto. — Meu rosto?
— Precisa dos meus beijos. Comecei a rir, mas seus lábios encontraram os meus como se fossem feitos especificamente para fazer isso. Minha boca se abriu em um grito e o beijo se aprofundou, roubando o fôlego. Seus dedos cavaram em meu pescoço em um firme aperto. O tempo abrandou para um rastejar e sua boca nunca deixou a minha, seus lábios absorvendo minhas respostas como se estivesse carente de água. O beijo era bom – muito bom – e isso me fez pensar no que fizemos em seu loft. Mas a realidade ficou no caminho. Quando recuou um pouco, ele descansou a testa contra a minha. Aqueles lindos olhos estavam fechados. — Precisamos sair daqui e desvendar o livro. — Boo, — murmurei, mas me desembaracei e caminhei em frente, dando tempo ao meu coração para abrandar o seu ritmo, juntamente com o meu corpo. Havia
coisas
muito
mais
importantes
em
que
deveríamos
nos
concentrar. Não fiquei surpresa quando Roth facilmente me alcançou. — Não posso acreditar que realmente temos o livro, hein? — Eu não duvido por um segundo. — Ele deu um passo a minha frente quando entramos em um túnel estreito que se abria em uma paragem da estação de metrô. — Fazemos uma boa equipe. Havia aquela vibração estúpida no meu peito novamente. Uma equipe... Como se estivéssemos juntos. E, querido Senhor, a parte menininha em mim estava fazendo uma dança muito feliz, o que era ridículo, porque um futuro juntos estava cheio de problemas. Havia o problema que eu era parte Guardião e toda a coisa meu tipo matava o seu tipo, mas era mais do que isso. Roth não poderia ficar aqui para sempre. Ele estava apenas fazendo um trabalho. E nós chegávamos mais perto de ter o seu trabalho concluído. Assim que saímos da estação de metrô, eu percebi que estávamos a duas quadras da Union Station. O cheiro almiscarado do túnel permanecia em nós, e respirei fundo o ar um tanto fresco enquanto olhava para as estrelas espreitando atrás das nuvens. Eu olhava. Uma das estrelas estava caindo. Temor se formou como uma bala de canhão no estômago e explodiu um segundo tarde demais. Não era uma estrela cadente.
Era um GuardiĂŁo.
Ele caiu do céu, caindo graciosamente na nossa frente. O impacto sacudiu os carros estacionados nas proximidades, acrescentou outro buraco na rua e fez com que os poucos seres humanos que estavam na rua corressem para se esconder. Suas asas estavam desfraldadas, abrangendo 2 metros e meio ou mais. O peito largo e a cor de granito eram fortemente marcados, mas o rosto era liso e bonito. Nicolai. Seus olhos amarelos, as pupilas inclinadas como a de um gato deslizou em direção Roth. Ele soltou um rugido que sacudiu dentro do meu peito. — Demônio. — Parabéns, — Roth disse firmemente. — Você conhece as espécies. Quer um biscoito? Os olhos do Guardião se estreitaram e uma voz que nunca ouvi de Nicolai saiu. — Como você ousa falar comigo, demônio submisso? A mudança para o Estoniano, a língua nativa de Nicolai, me pegou de surpresa. E honestamente, fora de tudo, não tinha ideia do motivo. Meu cérebro estava lento para processar o que acontecia, e antes que pudesse alcançar isso, outra sombra caiu. — Layla, — ele disse, levantando-se do chão e pairando como um anjo. Suas asas não fizeram nenhum som enquanto se moviam através do ar. Tudo o que ele disse foi o meu nome, mas havia tanto peso por trás dessa única palavra que ele deveria saber. Tudo. O medo me atingiu no estômago, mas não por mim.
Nicolai se virou para Roth, mostrando as presas. Houve um segundo, um pedaço de tempo, quando meus olhos se encontraram com Roth e o ar foi perfurado de meus pulmões. Roth olhou para mim como se não pudesse acreditar. Traição correu profundamente em seu olhar, cortando através de mim. — Não. — Sussurrei com a voz rouca. Roth virou no último segundo, desviando do ataque de Nicolai com um único golpe de seu braço. — Você realmente não quer fazer isso, — ele rosnou. Suas pupilas dilatadas quando empurrou Nicolai para trás. — Sério. — Você não tem ideia de com quem você está mexendo, — o Guardião rosnou. Roth riu friamente. — Ah, odeio dizer isso para você, mas você não é um floco de neve especial. Só ele poderia ser um espertinho em uma situação tão terrível. Os dois foram para ele. Eu não tinha ideia de como Roth manteve a Chave Inferior enquanto ia de igual para igual com Nicolai. A luta foi brutal. Socos voaram. Garras rasgaram a roupa e a pele. Sangue – o mesmo tom e textura – voaram de ambos. Eu não podia deixar isso acontecer. — Pare, por favor! — Fui para frente, mas do nada, Abbot me agarrou por trás. Ele deve ter chegado quando eu não estava olhando. — Você precisa parar. Ele é não... — Um demônio? — Abbot raspou no meu ouvido. — Você esqueceu que sangue corre em você? Enfiei os dedos nos braços de Abbot, o que não fez nada. Sua pele era como pedra. Bati meu pé no chão e ele xingou em voz alta. Seu aperto afrouxou e eu me soltei, correndo para onde Demônio e Guardião lutavam. Eu não consegui. Abbot estava em mim em um segundo. Pegando-me pelo braço, atirou-me para longe dos dois. Despreparada para o poder, eu perdi o equilíbrio e bati na calçada com um crack. Dor irradiou sobre os meus joelhos e deixei escapar um suspiro afiado. Roth girou com um rugido. Seus olhos brilhavam amarelo iridescente. A distração lhe custou. Outro Guardião caiu ao lado dele, arrancando a Chave Inferior de suas mãos. Roth não parecia se importar. Vindo para frente, ele bateu
em Abbot em sua forma humana, levando o Guardião para baixo em uma onda de garras e asas. Cambaleei
para
os
meus
pés,
coração
apertando. Roth
estava
cercado. Mesmo tão poderoso como ele era, não havia como ele poder derrotar todos os Guardiões diante dele. A não ser que ele desencadeasse Bambi ou o dragão, mas então eu não podia suportar ver qualquer um deles machucar minha família, também. Ar agitou ao meu redor e calor soprou atrás de mim. Eu sabia sem olhar que Zayne havia chegado. — Tire-a daqui, — Abbot ordenou, sem tirar os olhos de Roth. Roth ficou de pé e recuou, respirando pesadamente enquanto três Guardiões o circulavam. O sangue escorria do nariz e da boca. Vai, falei sem que o som saísse quando Zayne jogou um braço em volta da minha cintura, e implorei silenciosamente para ele ouvir. Atrás de mim, Zayne tencionou e se lançou para o ar. Logo antes da noite engolir tudo abaixo, vi Roth piscar para fora da existência. *** Zayne não falou comigo. Nem uma única vez desde que desembarcamos na sacada do meu quarto. Nem mesmo quando me deixou no meu quarto e trancou a porta do quarto pelo lado de fora. Com as mãos tremendo, eu as empurrei debaixo dos meus braços e andei pelo meu quarto. Como eles sabiam onde estaríamos? Era muito conveniente todos aparecerem de uma vez, especialmente Abbot. Nós não poderíamos ter sido seguidos. Eu teria os percebido. Deus, eu estava ferrada. O único alívio que senti foi que Roth havia fugido, mas vi o olhar nos olhos dele. Ele acreditava que eu o traíra. O que não era uma conclusão difícil de ter. Apertando os olhos fechados quando uma porta bateu em algum lugar da casa, eu sabia que não era com ele que eu precisava me preocupar agora. Poderia dizer a eles que Roth estava lá para me ajudar – nos ajudar. Eu poderia convencêlos.
Mas eu? Oh, senhor, isso não seria bom. Menti para eles. Protegi um demônio. Não haveria limites para a raiva deles. E Zayne... Meu peito se contraiu quando pensei nele, na maneira rígida que ele me trouxe aqui e me colocou no chão, a rigidez natural da sua espinha enquanto saía do quarto. Sentando-me na beirada da cama, eu deixei cair a minha cabeça em minhas mãos. Eu nunca quis machucar Zayne ou que ele ficasse desapontado comigo. Mesmo com toda a história, eu sabia que isso não mudaria muito. Nunca guardei segredos dele antes. Mas ele esteve guardando segredos de mim? Meu coração doía ao pensar que ele sabia o tempo todo quem era minha mãe e o que isso significava. Havia tantas mentiras entre todos nós que a verdade estava coberta por uma teia. Quando bateram na minha porta, meu coração saltou. Fiquei com as pernas trêmulas e fui até ela. Nicolai esperava do outro lado em sua forma humana. Um fraco hematoma vermelho sombreava sua mandíbula. Seu olho esquerdo estava inchado e doloroso de olhar. — Nicolai... Ele levantou a mão. — Não há nada que você possa dizer agora, pequena. Fiquei parada quieta, cheia de vergonha, apesar do fato de que não estive conspirando contra eles. O que acontecia não era nada disso. Levada à sala de Abbot em silêncio, eu achei que odiava como ele me olhava, como se eu fosse uma estranha ao lado dele. Pior ainda, um inimigo com quem ser cauteloso. Abbot apareceu alguns minutos depois, e ele não estava sozinho. Zayne estava com ele, e pelo olhar pálido, ferido no rosto, eu sabia que o que quer Abbot suspeitasse, ele o encheu com isso. Zayne nem sequer olhou para mim. Nem uma única vez desde que Abbot bateu a porta e atravessou a sala, parando na minha frente. Zayne nem sequer piscou quando pulei. Tudo o que ele fez foi ficar atrás da mesa, com o olhar fixo à parede em algum lugar atrás de mim. Além de tudo o que aconteceu naquela noite, eu tenho certeza que isso era pior. — Tudo o que eu posso dizer agora é que você teve muita sorte, fomos capazes de recuperar A Chave Inferior de Salomão. — Abbot pairava sobre mim,
sua mera presença sufocante. Ele estava machucado também. Não tanto quanto Nicolai, mas vermelhidão marcava a sua testa. — Se não tivéssemos, não haveria nenhuma maneira de prevenir que os Alfas se envolvessem. Meus dedos ainda tremiam enquanto eu prendia meu cabelo para trás. — Você não entende. — Você está certa. Não entendo. Não posso imaginar o que você estava pensando, auxiliando um demônio a recuperar A Chave Inferior de Salomão. — Ele estava me ajudando. Ele não é como... — Nem sequer termine a frase. — Raiva aprofundou sua voz. — Porque se você disser que ele não é como os outros demônios, eu não serei capaz de me controlar. — Mas ele não é. Você não entende. Deixe-me explic... Abbot disparou para frente, agarrando os braços da cadeira que eu me sentava. Encolhi-me da raiva manchada em seu rosto. Por cima do ombro, eu vi tanto Nicolai quanto Zayne dar um passo à frente, e não sabia se eles vinham em minha ajuda ou estavam prestes a ajudar a Abbot a me sufocar. — Estou tão decepcionado, estou enojado com isso, — ele fervia. — Como você pode, Layla? Eu a criei melhor do que isso, como se fosse uma criança do meu próprio sangue, e é assim que me paga? Eu vacilei. — Por favor, deixe-me explicar, Abbot. Não é o que você pensa. — Meu olhar correu para Zayne, mas ele desviou o olhar. — Por favor. Abbot me olhou por um momento e depois se afastou, cruzando os braços. Aceitei o seu silêncio como um relutante sim. — Eu não estava trabalhando com um demônio para conspirar contra você. Eu sou parte demônio, certo? Mas não sou como outros demônios. — Isso é o que eu sempre acreditei, — ele respondeu friamente. Tomei uma respiração afiada. Isso doía. — Ele me ajudou, me salvando do Seeker que eu encontrei. — Respirando fundo, eu disse quase tudo para ele, deixando de fora o material mais pessoal, que certamente enviaria os Guardiões ao telhado. — Ele foi enviado do inferno para garantir que um demônio não le... — Criar os Lilin? — Ele disse. — E ele te disse o que você é? Quão importante é o encantamento da Chave Inferior é? Ele disse que é por isso que a
chave foi escondida todo esse tempo atrás? Para garantir que ninguém jamais fosse capaz de trazer os Lilin de volta a Terra? — Sim. Ele me contou tudo. Precisávamos da Chave para ver o que estava no encantamento. Ele não o usaria para criar os Lilin. — E você acreditou nele? — Abbot se ajoelhou na minha frente, forçando o olhar para o meu. — Por que você confiou em um demônio, Layla? Um nó se formou na minha garganta. — Porque ele não mentiu para mim, e ele veio ao meu aux... — Foi ele o demônio que matou Petr? O quarto ficou tão silencioso que você podia ouvir um espirro gafanhoto. — Sim. — Petr sequer a atacou ou era uma mentira? Engoli em seco em indignação. — Sim! Petr me atacou. Por que eu mentiria sobre isso? Os olhos de Abbot deflagraram em um azul brilhante. — Você não tem feito nada, exceto mentir, desde que conheceu esse demônio! Por que eu acreditaria que havia uma verdade misturada entre as mentiras? Não sei o que ele disse que causou isso, e talvez fosse uma combinação de medo e frustração, porque eu não poderia ter uma única frase, mas meu controle estalou. Atirei-me de pé tão rápido que Abbot se levantou e foi para trás... ele realmente se afastou de mim. Raiva correu pela minha pele como estática. — Você me acusa quando você tem mentido para mim desde o começo! As narinas de Abbot queimaram. — O quê? Você não tem nada a dizer sobre isso? — Dei um passo para frente, impulsionada pela raiva. Havia tanta fúria, que era como uma segunda alma dentro de mim. — Você sempre soube quem era a minha mãe e o que poderia acontecer! Você disse exatamente tantas mentiras como eu! — Lancei um olhar escuro ao redor da sala. A dor era insuportável quando meus olhos pousaram em Zayne. — Todos vocês mentiram para mim! — Nós tentávamos protegê-la, — disse Nicolai. — Como me manter no escuro me protegeria? Há demônios lá fora, procurando por mim! E não o que você atacou hoje à noite! Se não fosse por ele,
nós provavelmente teríamos os Lilin correndo por todo o mundo agora, ou eu estaria morta. — Pensei que mantê-la longe da verdade era melhor do que você saber a mancha que carrega em seu sangue, — disse Abbot. Eu vacilei. — A mancha no meu sangue? — Você é filha de Lilith. — E também sou uma Guardiã! Raiva estalou dos olhos de Abbot. — Um Guardião nunca teria trabalhado com um demônio! — Pai, — Zayne rosnou. Estava muito presa na minha ira para reconhecer que Zayne agora falava. — Obviamente, um Guardião fez mais do que apenas trabalhar com um demônio antes! Olá? De que outra forma eu estou aqui? — Você dormiu com o demônio? — Abbot exigiu. Fui apanhada tão desprevenida por essa pergunta que a maioria da raiva foi eletrocutada para fora de mim. — O quê? — Você ainda é virgem? Uau. O nível de constrangimento na sala espelhava a tensão e raiva. — O que isso tem a ver com alguma coisa? — Me responda! — Abbot rugiu. Empalideci e depois falei. — Não dormi com ele ou ninguém. Jesus. — Os ombros de Abbot caíram com alívio, tanto que a minha suspeita atravessou o telhado. — Por quê? Qual é o problema? O corpo de Zayne estava tenso. — Sim, eu gostaria de saber como isso é um grande negócio. O pai dele zombou. — Por que mais um demônio da idade dela oscilaria em torno dela? A inocência dela ou a perda de tal é uma parte do encantamento. — O quê? — Minha voz atingiu um tom alto. — Preciso permanecer virgem? — E, em seguida, uma imagem maior se formou. — Você sabe o que está no encantamento? Os três homens na sala estavam agora definitivamente não olhando para mim quando Abbot falou. — Sim. Precisávamos saber para que pudéssemos evitar que seja levada a cabo.
Gostaria de saber como no mundo esperavam fazer isso quando eles nunca sentiram a necessidade de me dizer alguma coisa. — Qual é? Abbot arqueou uma sobrancelha. — O seu demônio não te disse? Irritação
me
picou. —
Meu demônio não
sabia
o
que
estava
no
encantamento. É por isso que procurávamos o livro, então nós saberíamos como impedi-lo. — E eu tinha certeza que se Roth conhecesse essa parte, ele teria dito alguma coisa. Houve uma pausa. — O encantamento requer o sangue morto de Lilith, e a perda de sua inocência. Não apenas o status do seu... bem, nós não temos certeza disso, mas sua inocência também está ligada à sua capacidade demoníaca. Isso estará totalmente perdido se você tomar uma alma. Minha boca secou. — Uma alma? Abbot assentiu. — Além das implicações morais de você tomar uma alma, é por isso que é tão importante que você nunca faça. Não tinha certeza se ele falava sobre a coisa do sexo ou a parte de tomar uma alma. Atirei-me na cadeira, dormente. Oh, meu Deus, eu havia tomado uma alma, o que significava que três das quatro coisas necessárias para o encantamento funcionar já foram postas em movimento. — Acho que nós precisamos de alguns segundos, — disse Zayne, concentrando-se em seu pai. — Layla nunca teria feito nada disso se não fosse por esse demônio. Ela é uma Guardiã, mas é jovem e... — Ingênua? — Abbot atirou de volta, com as mãos enroladas em punhos. — Ela sabe melhor do que permitir que um demônio a use. Ela não é inocente. — Ela não é completamente culpada, também — Zayne argumentou, e ainda que eu desejasse salientar que não era ingênua, mantive minha boca fechada. — Ela nunca... — ele não olhou para mim, mas o vi engolir. — Ela nunca teve... Ocorreu-me então o que ele tentava dizer. — Nunca tive ninguém prestando atenção em mim antes? Zayne não respondeu, mas eu sabia que era o que ele tentava dizer, e meu peito apertou dolorosamente. Droga, isso foi um insulto, e não intencionalmente prejudicial.
— Independentemente disso, ela sabe melhor. — Abbot soltou um suspiro de desgosto. — Você deveria ter vindo a nós no início. Olhei para cima. — Você deveria ter me contado a verdade. Estávamos
num
impasse. Ambos
mentimos. Ambos
deveríamos
ter
chegado um ao outro. Um monte de deveria, poderia, seria. O silêncio se estendeu, e eu não sabia mais o que dizer. Eu disse tudo para Abbot... bem, quase tudo... e ele não acreditou em mim. Minha convicção anterior de que eu poderia convencêlo era como poeira no vento. — Como você sabia? — Perguntei calmamente. Ele inclinou a cabeça para o lado. — Eu sabia que você estava aprontando algo no momento em que chegou em casa naquela manhã com aquelas roupas. Não sabia o que exatamente, mas sabia que era só uma questão de tempo antes que isto acontecesse, — disse. — É por isso que a deixei ir para casa de Stacey esta noite. Droga. Eu sabia que Abbot havia cedido muito facilmente sobre isso. — Se você sabia que eu planejava isso, então por que deixou acontecer? — Deixei acontecer? — A risada de Abbot foi dura. — Temos a Chave Inferior, e está segura agora. Nós queríamos o demônio também, mas vamos encontrá-lo. Olhei para Zayne. De pé estoicamente no canto, ele poderia tentar me defender, mas ainda não olhava para mim. — Qual é o nome dele, Layla? — Abbot perguntou. Meu olhar correu de volta para ele e engoli em seco. — Por quê? Você não acredita em mim. Você não acha que ele está lá fora para... — Ele é um demônio! Ele usou você, Layla, como um demônio faria. Você não entende? Só um demônio e um Guardião trabalhando juntos podem recuperar a Chave Inferior. Ele precisava de um Guardião e você estava muito feliz em se voluntariar. — O grande corpo do Abbot balançou com a próxima vez que ele respirou. — Há sangue suficiente em você para que isso funcionasse. — Eu sei disso, — atirei. — Mas ele... — Você não pode ser tão ingênua, Layla. Como sabe que ele não trabalhava contra nós? Que ele não era o demônio tentando recuperar a chave? Talvez ele precisasse saber o encantamento e usou você para conseguir.
Eu queria parar as palavras dele, porque no momento em que atingiu o ar entre nós, o estrago estava feito. O que não ajudou foi o fato de que eu nunca vi esse outro demônio. A única vez que eu vi outro Demônio de Nível Superior foi um breve vislumbre enquanto esperava que Morris me pegasse. — Ele usou você. Era apenas uma questão de tempo para ele manipular você a tomar uma alma e perder a sua inocência. — Você não sabe disso. — Fechei os olhos. — Ele tinha... — balancei a cabeça. Roth tivera muitas oportunidades para pressionar a questão do sexo. Inferno, veja o que aconteceu logo antes de sairmos para conseguir a Chave. Considerando quão bela e surpreendente eu me sentia, eu provavelmente teria dado a ele o sinal verde para percorrer todo o caminho. — Ele tivera o quê? — Abbot perguntou. — Nada. — Inclinei meus ombros. Havia poder em saber o nome de um demônio. Com algumas velas pretas e más intenções, pode-se convocar um demônio pelo nome. De maneira nenhuma eu correria esse risco. — Não direi o nome dele. Isso foi como esperado. Vozes se elevaram. Abbot parecia estrangular a porcaria para fora de mim. Mas me segurei. Eu não trairia Roth, embora parecesse que eu estava traindo os Guardiões. — Não importa, — eu disse, exausta. Era quase 4:00 e parecia não ter fim à vista para isso. — O que importa é o demônio que quer criar os Lilin. O que nós faremos com ele? — Nós? — Abbot zombou. — Não há nenhum nós em nada disso. E não há necessidade de preocupação. Temos a Chave Inferior, e enquanto você é muito incrivelmente ingênua para acreditar que não estava com o demônio responsável, sabemos melhor. Olhei para ele, estupefata. — Ele não é Ele. Deus! Por que nenhum de vocês me ouve? Não é ele, e o verdadeiro culpado já poderia saber o que é necessário. Abbot balançou a cabeça, seus olhos se estreitando. — Você me dirá o nome dele. Talvez não esta noite, mas você irá. —Agarrando meus pulsos, ele me tirou da cadeira.
Zayne disparou para frente, vindo para o nosso lado. — Pai, você está machucando-a. Ele estava. Quando seu olhar foi para suas mãos, suas sobrancelhas se juntaram, e então ele me soltou. Ele recuou, tomando uma respiração profunda. — Não preciso nem dizer que você está de castigo. Por alguma razão, eu meio que queria rir com isso. Ainda bem que não fiz, porque eu duvidava que Abbot encontrasse humor no fato de que ele me colocara de castigo. — Para sempre, — acrescentou. Oh. Zayne envolveu a mão ao redor do meu braço em um aperto muito mais suave. Haveria hematomas nos meus pulsos mais tarde. — Leve-a para o quarto dela, — Abbot disse, enviando-me um último olhar sombrio. — E reze para eu não mudar de ideia e fazer uso das celas na cidade. Estremeci. Tão irritado como Abbot estava, eu esperava que fosse apenas uma ameaça vazia. Entregue a Zayne, eu o deixei me tirar da sala. No corredor, me atrevi uma olhada para ele. As coisas não estavam com boa aparência. — Ele teria realmente me colocado em uma das celas? Ele não respondeu até estarmos no meio da escada de carpete borgonha. — Não sei. Não foi muito tranquilizador. Diminuí meus passos. Eu estava cansada, mas não estava ansiosa para ser trancada no meu quarto até que tivesse noventa anos. — Zayne... — Eu sei o que você está pensando, — ele disse. Um músculo apareceu em sua mandíbula. — Que eu sabia sobre a droga da coisa com a Lilith. Eu não sabia. Se soubesse eu já teria dito para você, assim você poderia ter compreendido o que significava. Tropecei em meus pés, em parte de alívio por que ele não sabia. E a outra parte? Uma onda de culpa me atingiu como uma bala, indo direto para o coração. Naquele momento, eu acreditava que Zayne teria me dito se ele soubesse. Ele teria confiado em mim e teria me escolhido a seu pai. Eu não o escolhi antes Roth.
Zayne parou na minha porta. Ele fechou os olhos por um momento e, em seguida, se virou para mim. — Parte de mim pode compreender porque você não foi para o meu pai, mas você poderia ter vindo para mim. Eu teria... — Você teria o que? — Mantive minha voz baixa. — Você teria acreditado em mim? Ou você diria a Abbot? Seu claro olhar encontrou os meus. — Não sei. Acho que nunca saberei. Pressionei meus lábios juntos quando o pesar aumentou, ameaçando me sufocar. Zayne realmente nunca me decepcionou no passado. Sim, ele se intrometia quando eu não queria às vezes, e lá estava a situação com Danika, mas nunca fez nada que me fizesse pensar que eu não podia confiar nele. Apertando os olhos contra a queimação das lágrimas, eu tomei uma respiração instável. — Estraguei tudo, Zayne. Estraguei tudo tão ruim com você. Sinto muito. — Sim, — ele disse em voz baixa e rouca. — Sim, você estragou.
Todas as refeições foram servidas no meu quarto no domingo. Minha mochila foi trazida da casa da Stacey por Zayne. Meu telefone foi confiscado, mas não antes que eu pudesse apagar Roth dos meus contatos. Também o meu laptop e TV. Esperava que Nicolai removesse os meus livros, mas ele deve ter tido pena de mim, porque os deixou para trás. Tentei falar com ele, mas não estava tendo muito sucesso. Além dos breves momentos que ele estivera lá, o único visitante que tive foi quando Danika trouxe minha comida. Ela não falou comigo, e eu me perguntava se foi ordenado a ela a não fazê-lo. Abbot apareceu para mais uma rodada de qual é nome dele. Quando não disse, ele bateu a porta com tanta força que as janelas do meu quarto sacudiram. Não vi Zayne novamente até segunda-feira de manhã. Ele batia uma vez antes de abrir a porta. Era assim que eu sabia que era ele. — Prepare-se para a escola, — disse, olhando para o chão. — Abbot me deixou ir à escola? — Atordoada, eu olhava para ele. — Acredito que ele está analisando a opção de educá-la em casa, mas por agora, ele entende que a escola é punição suficiente. Graças a Deus, eu não disse a eles sobre Roth estando lá. Lutando para sair da cama, eu estabeleci um recorde para tomar banho e me vestir. Esperança acendeu, e tentei manter minha excitação no mínimo. Zayne
não falou comigo no caminho para a escola, exceto por um último comentário na despedida. — Nem sequer pense em esgueirar-se da escola. Abbot estará te observando durante todo o dia. Ele foi embora antes que eu pudesse dizer uma palavra. Suspirando, me virei e corri para o edifício. Stacey estava no meu armário quando cheguei lá. — Ok. Você tem que me contar tudo. Começando com o porquê Zayne apareceu para pegar sua mochila e por que não me ligou ontem. — Me pegaram, — peguei meu livro de biologia. — E estou de castigo para sempre. — Como? — Ela engasgou. — Um dos Guardiões nos viu. — Fechei meu armário, odiando que eu dizia outra mentira depois de tudo o que aconteceu nesse final de semana. — O resto é história. — Isso é tão injusto. Você nunca fez nada de ruim e na única vez que faz, você é castigada. — Ela balançou a cabeça. — Deus, é horrível ser você. — Não me diga. Enlaçando seu braço no meu, ela amuou. — Então, vamos para as coisas boas. Você, pelo menos, teve a oportunidade de sair com Roth um pouco? — Um pouco, mas nada... nada aconteceu. Fomos surpreendidos muito rapidamente. — Mudei de assunto rapidamente, muito nervosa para falar sobre Roth quando deveria vê-lo em um minuto ou algo assim. Exceto que assim que eu sentei na aula de biologia e o sino tocou, Roth não apareceu. Ansiedade caiu sobre mim como uma segunda pele, piorando quando o almoço chegou e ainda não havia sinal de Roth. — Espero que Abbot não o tenha matado e escondido o corpo, — comentou Stacey. — Porque os Guardiões podem ser um pouco assustadores, sabe. Meu apetite oficialmente sumiu. — O que aconteceu? — Perguntou Sam, endireitando os óculos. Quando Stacey lançou-se em uma rápida recapitulação de como eu ficara presa no fim de semana, eu fiquei olhando para as portas duplas abertas na frente
da cafeteria. Com as palmas das mãos suadas e o estômago retorcido em nós, eu esperei. Esperei por Roth, mas ele não apareceu. *** À medida que os dias se tornaram uma semana e ainda não havia nenhum sinal de Roth e nenhuma mudança em casa, eu não sabia no que acreditar. As próprias palavras de Roth voltaram para me assombrar outra vez. Eu sou um demônio. Tudo que eu faço é mentir. Ele poderia ter mentido para mim desde o princípio, me usando para conseguir a chave e assim ele poderia criar os Lilin? Era por isso que não vi nem ouvi nada dele? Não, de jeito nenhum. Roth não me manipulou. Não havia como tudo ser um estratagema. Eu não podia acreditar nisso. Ou talvez só não pudesse me deixar acreditar nisso. Doía demais sequer considerar. Mas em momentos sombrios, essas perguntas tinham seu melhor em mim. Alguns dias, eu pensava ter pegado aquela única e selvagem essência dele. Nos corredores entre as aulas, ou fora, enquanto eu me dirigia para onde Zayne estava estacionado. Olhei em todos os lugares, procurando-o, mas nunca o vi. Nunca o ouvi cantarolando Paradise City. As coisas não melhoraram entre Zayne e eu. Diferente de quando eu basicamente forçava a resposta dele, ele não estava entusiasmado com toda ideia de falar comigo. Eu ainda estava trancada no meu quarto, mas as poucas vezes em que tinha permissão para sair, ele estava com Danika ou com os outros Guardiões. A ansiedade golpeava-me fortemente durante a noite. Provavelmente tinha a ver com a ansiedade e o estresse de tudo, mas minha porta estava sempre trancada. Assim como a sacada, e as janelas foram fechadas pelo lado de fora, como se eles tivessem medo que eu pudesse pular da janela ou alguma coisa. Sem acesso a suco ou algo doce, as noites eram um saco. Estranhamente, a necessidade do meu lado demônio quase não era um motivo de preocupação quando Roth estava por perto. O anseio sempre esteve ali,
mas era fraco e facilmente administrável. Como se a presença dele ajudasse a controlá-lo. Ou talvez fosse outra coisa. Eu realmente não sabia. Após uma noite particularmente extenuante, quando acabei caminhando até a exaustão, Zayne violou o silêncio entre nós no caminho para a escola. — Você parece uma merda. Dei de ombros, escolhendo um fiapo no meu jeans. — Longa noite. Ele não disse nada de imediato, mas eu podia sentir seus olhos em mim quando chegamos à frente dos grandes tijolos da escola. — Está tendo um monte de longas noites? — Quando não respondi, ele respirou fundo. — O que é tão ruim, Layla? — Não é nada. — Abri a porta e saí, apertando os olhos para o brilho luminoso da manhã de sol de novembro. — Te verei mais tarde. Só porque a minha sorte estava excelente, a primeira pessoa que eu vi foi Eva, com seu cabelo perfeitamente penteado. O conhecimento de que eu nem me dera ao trabalho de lavar meu cabelo esta manhã, juntamente com o fato de que a alma dela parecia mais escura, mais vermelha do que rosa, significava que ela era a última pessoa que eu precisava estar por perto. — Saia do meu caminho, aberração. Meus pés foram cimentados no chão. Tudo o que eu podia ver era sua alma e as trevas. A queimação pegou na minha garganta e estômago, como ácido. Eva olhou ao redor e, em seguida, estalou os dedos na minha cara. — Sério? Você está aqui por algum motivo? Espesso e perigoso, o desejo sombrio inchou por dentro. Virei-me, contando minha respiração até que o pior de tudo desapareceu, e então eu coloquei um pé na frente do outro. O dia arrastou-se e eu ia arrastando-me. Oitavo dia sem Roth. Mais tarde, naquela noite, quando a necessidade me golpeou em meu sono e me acordou, eu me virei para o lado, mantendo os olhos fechados. De novo não. Por favor, outra vez não. Meu interior se apertou em nós. O fogo começou na minha pele. Um arrepio estourou. Abri os olhos e pisquei para conter as lágrimas. Saltar da janela começava a soar melhor a cada dia. Sentando-me, olhei ao redor do quarto. O meu olhar passou sobre uma forma estranha na minha mesa e voltou. Fiz uma careta, não reconhecendo o que
quer que esteja lá. Jogando o lençol para o lado, eu me levantei e cambaleei em direção a mesa. Assim que meus olhos reconheceram o que era, eu apertei a mão sobre a minha boca. Havia uma jarra de suco de laranja pousada ao lado de um copo e um pacote de biscoitos fechado. Zayne esteve aqui enquanto eu dormia. Era a única explicação. Não havia como parar as lágrimas. Elas corriam pelo meu rosto, encharcando a bainha da minha camisa. Não sei por que eu chorava tanto, mas era o tipo feio de soluços. Talvez fosse por causa deste pequeno ato de bondade de Zayne, afinal dizia que ele não me odeia. Não completamente. E talvez fosse mais do que isso. Algumas das lágrimas eram por Abbot, o único pai que eu já conheci. Agora, eu tinha certeza que ele se arrependia de me trazer para casa naquele dia, há tantos anos. Talvez algumas dessas lágrimas fossem para Roth, porque quanto mais tempo eu passava sem ele, maior peso era adicionado às palavras de Abbot. Se realmente houvesse outro demônio lá fora querendo criar os Lilin, Roth não estaria por perto, se certificando que eu não acabasse pendurada em uma cruz de cabeça para baixo? Mas ele não estava por perto. Ele foi embora. *** Na terça-feira, parecia como se um baterista drogado tivesse morando na minha cabeça. Todo meu rosto doía. Mal podia prestar atenção em nada do que Stacey dizia em biologia. Por algum pequeno milagre, ela não perguntou sobre Roth hoje. Stacey podia ser uma louca com os meninos, mas não era estúpida. Ela pensou que era estranho que após ter sido pega com ele, ele houvesse desaparecido. Aposto que ela não achava que seu comentário sobre os Guardiões matando Roth fosse tão engraçado agora. Eu não conseguia me concentrar nas notas sobre o retroprojetor. Em vez disso, desenhei um Pé Grande ao longo da margem no meu caderno. Na metade da
aula, eu peguei aquele cheiro de novo, o cheiro de Roth, o sabor doce e selvagem que me fez lembrar os seus beijos. Largando meu lápis, eu olhei em volta da classe. Não havia nenhum Roth, mas o perfume ainda estava lá. Que ótimo. No topo de tudo isso, eu estava oficialmente ficando louca. Sra. Cleo virou outra tela no projetor e caminhou para seu banquinho. Acabei olhando sem rumo no quadro-negro até que a campainha tocou. Entre as aulas, eu fui para o banheiro. Não sei por que me sentei no banheiro até que todos saíram e o sino tocou. Só não podia sentar-me em outra aula. Uma vez que eu tinha certeza de que o banheiro estava vazio, abri a porta do box. Soltando a minha mochila no chão, agarrei a borda da pia e olhei para os meus próprios olhos muito grandes no espelho. Os fios de cabelo loiro enrolados estavam em volta das minhas excessivamente pálidas bochechas, e pensei que eu parecia um pouco perturbada, estando lá como uma idiota. Virei a torneira, mergulhando minhas mãos sob a pressão da água fria. Lavei o rosto, esperando esfriar o fogo queimando dentro de mim. Isso ajudou um pouco. A porta do banheiro se abriu enquanto eu pegava várias toalhas de papel marrom. Eu me virei, mas ninguém estava na frente da porta que estava fechada. Franzindo a testa para a sensação de déjà vu, meu olhar se afastou da porta para os cubículos vazios do banheiro. Um suspiro surpreso ficou preso na minha garganta. Repousado em cima da segunda porta do banheiro havia um corvo muito grande e preto. Seu bico amarelo deveria ser a metade do tamanho da minha mão. Minha escola tinha um tipo de política de segurança, uma vez que não tinha muitos problemas, mas não poderia imaginar um corvo tão grande entrando no prédio... Ou como ele foi capaz de abrir a porta do banheiro. — Mas o que...? — Dei um passo atrás, atingindo a borda da pia. O corvo grasnou alto, o som tão perturbador quanto fascinante. Lançandose para o ar, suas asas negras se espalharam quando ele deslizou para o espaço entre mim e o cubículo do banheiro. Meus olhos se arregalaram quando o corvo pairou diante de mim por um segundo e então... se expandiu.
Realmente, realmente se expandiu. A barriga escura alongada e as asas tomaram a forma de braços. O bico afundou e os dedos substituíram as garras afiadas. Roth? Cheia de esperança, dei um passo a frente, pronta para correr e abraçá-lo. Parei quando o homem apareceu vestido com calças de couro e uma camisa branca fluida. Misturadas entre os ombros cobertos de cabelos negros, estavam penas. Pisquei lentamente. Então não era Roth. O homem sorriu. — Meu nome é Caym. Eu governo trinta demônios, leais apenas ao Inferno. — Ah, merda, — sussurrei. O que no inferno acontecia entre demônios e banheiros femininos? Os olhos opacos de Caym estavam fixos nos meus. — Não tenha medo. Isso só doerá por alguns momentos. — Então ele estendeu a mão para mim. Reagindo por instinto, eu joguei meu braço para trás, pegando-o na garganta. O demônio fez um som estrangulado, mas não esperei para ver se eu fizera qualquer dano real. Pela milionésima vez na minha vida, amaldiçoei minha incapacidade conforme eu corria para a porta. Ele pegou mechas do meu cabelo, torcendo os fios em torno de seu grosso punho enquanto me puxava. Um grito construiu em minha garganta, poderoso e que certamente chamaria a atenção. Abri a boca, preparando-me para soltá-lo quando a mão de Caym veio ao redor do meu pescoço, cortando o grito. — Não lute contra isso, — ele sussurrou, soltando meu cabelo. — Será mais fácil dessa maneira. Agarrei
a
mão
em
minha
garganta,
afundando
minhas
unhas
profundamente em sua pele quando Caym levantou-me até meus pés estarem balançando no ar. Segurei suas mãos, tentando arrancá-las da minha garganta. Sem ar! Eu não conseguia respirar, não poderia tirar os dedos do meu pescoço. — Agora, — ele disse, movendo a mão livre para minha testa. Sinos de advertência dispararam. — Apenas relaxe e... Chutei-lhe violentamente, acertando o estômago do demônio, forte o suficiente para surpreendê-lo. Ele me soltou e caí para trás. Meu quadril colidiu com a borda da pia e o lado da minha cabeça bateu na cerâmica. Uma explosão
fresca de dor me queimou, levando o pouco do precioso ar que eu tinha fora de meus pulmões. Bati duramente no azulejo sujo do chão do banheiro. Lutando em busca de ar, levantei-me para o meu cotovelo e estendi uma mão até a lateral da minha latejante cabeça atordoada. Minha mão voltou vermelha. Vermelho? Empurrei a dor e confusão, lutando sob a pia antes que Caym pudesse me pegar novamente. Não era o melhor esconderijo, mas era tudo que havia. — Você não deveria ter feito isso, — ele fervilhava, ajoelhando-se e agarrando minhas pernas agitadas. — Agora você me irritou. — Você não estava chateado quando tentou me estrangular? — Peguei o metal sob a pia. A porta do banheiro se abriu antes que Caym pudesse responder a isso, e imediatamente senti um familiar cheiro doce almiscarado. Meu coração tropeçou. Esperança, junto com algo muito mais poderoso, se levantou como uma maré. Roth estava na porta, seus olhos dourados movendo-se lentamente de mim para o demônio. — Caym, eu não esperava encontrá-lo no banheiro das garotas.
Quase não podia acreditar no que eu estava vendo. — Às vezes, momentos extremos requerem medidas extremas, — Caym respondeu com um sorriso estranho quando puxou minha perna novamente e me puxou outro centímetro de debaixo da pia. Eu levantei minha perna livre, acertando o joelho dele. Caym me soltou, cambaleou para trás e se endireitou. A raiva explodiu em ondas de calor. — Parece que isso não está funcionando, — Roth comentou, levantando as sobrancelhas. Caym suspirou. — Tem sido um daqueles séculos, irmão. Não posso ter um maldito descanso. — Roth, — eu disse, o seu nome saindo como um coaxar. Ele não tirava os olhos do outro demônio. Estava muito ocupado conversando com ele. Qualquer esperança que eu possuía se esvaziou como um balão. — Posso ver isso. — Seu olhar baixou e cílios grossos espalharam em suas bochechas. Um pequeno sorriso repuxou seus lábios, e quando ele falou, sua voz era suave, mas profunda e poderosa. — Você sabe que não posso deixar você levála. — O quê? — Perguntou Caym. — Você sabe qual é o risco! Ela deve morrer, ou todos nós morreremos se os Lilin forem criados. Você não pode me impedir. Roth deu de ombros. — Eu posso.
Suas sobrancelhas franziram enquanto olhava para ele, e então a compreensão apareceu em seu rosto. O ar ao redor dele começou a brilhar, mas já era tarde demais. Roth disparou para frente, e foi tão malditamente rápido. Suas mãos estavam em volta do pescoço do outro demônio em um segundo. Ele torceu. O crack foi ensurdecedor, engolindo o grito de Caym. Uma espessa névoa preta explodiu, picando meus olhos. E fedia, realmente fedia. Cobri minha boca, engasgando com os vapores expelidos do demônio, e o que restava do demônio soprava pela janela nos fundos do banheiro. Cacos de vidro bateram no chão e os alarmes de incêndio dispararam um barulho ensurdecedor. Fumaça encheu o banheiro, deixando tudo escuro. Além da escuridão, eu senti mãos quentes tocarem meu rosto. Eu me afastei, incapaz de ver além do fogo em seus olhos. — Está tudo bem. Sou eu, — disse Roth, deslizando as mãos nos meus ombros. — Você está bem? Tossi. — Não consigo ver nada. Roth se inclinou, pegando algo do chão, e então deslizou um braço em volta da minha cintura. — Você está sangrando. — Bati a cabeça. Ele me colocou de pé. — Na pia em que você estava se escondendo? — Sim, bem, as coisas não estavam muito bem aqui. — Deixei ele me guiar para fora da pesada fumaça e para o corredor. Puxei uma respiração profunda com o máximo de ar limpo, mas a fumaça se elevava no corredor. Eu estava tendo problemas para compreender as formas a minha frente. — Roth, onde você estava? Estive tão preocupada. — Estive por aí, — foi tudo o que disse. As crianças saíam correndo das salas de aula, meio histéricas. Pensei ouvir alguém gritar Bomba! no caos mal controlado. Senti Roth me soltar e minhas mãos tatearam cegamente. — Roth...? Não posso ver. — Estou aqui. — Roth passou um braço pela minha cintura, me levando pela metade do corredor.
Tropecei ao lado dele, estupefata por seu súbito reaparecimento e ainda me recuperando do meu encontro com o demônio. O martelar na minha cabeça diminuía, mas a ardência em meus olhos tornava impossível ver. Seu aperto aumentou. — Aguente. Estamos quase fora. Uma explosão de luz brilhante me fez estremecer quando as portas duplas se abriram. Os professores gritaram, ordenando aos alunos a atravessar a rua e ficar no parque. Ar frio acariciou minhas bochechas e acalmou um pouco do queimar. Roth me guiou até o chão. — Como você se sente? Tudo ao meu redor, eu podia ouvir as crianças tossindo, alguns ligando para seus pais e outras pessoas chorando. Imaginei que eu saíra melhor do que eles. — Os meus olhos estão queimando. Como você ainda pode ver? — Eu fechei meus olhos. — Deus, — murmurei, esfregando as palmas das minhas mãos contra meus olhos. — Acho que você foi mais inteligente do que eu. — Não. Eu simplesmente sabia o que aconteceria. Você não. Basta continuar piscando. — Roth ordenou suavemente, abaixando minhas mãos e segurando meus pulsos em uma mão. — Devem melhorar em alguns minutos, se você conseguir manter seus dedos longe deles durante três segundos. Meus olhos ainda ardiam. — Roth... — Não quero falar disso agora, — disse ele. Engoli em seco. — Não te traí. Juro. Eu não tinha ideia de que eles estariam lá. Houve uma pausa. — Você é parte Guardiã. Não esperaria nada menos de você. Pressão apertou o cerco contra o meu peito. — Também sou parte demônio. — O quê? Esse seu lado agora é tão importante quanto o lado Guardião? Não respondi, porque eu não tinha certeza. — Você disse o meu nome para eles? — Ele perguntou; sua voz surpreendentemente suave. — Ao menos gostaria de um aviso antes de ser surpreendido com um exército de invocação.
— Não, eu não disse seu nome para eles. — Mantendo minha cabeça baixa para evitar o clarão luminoso do sol, eu respirei fundo e obriguei a dor a ir embora. — Você já saberia se eu tivesse dito. — Verdade. — Ele mudou de posição para que eu pudesse senti-lo atrás de mim. Ele ainda segurava meus pulsos, como se esperasse que eu fosse começar imediatamente a esfregar meus olhos. — Pena que você está perdendo isso. Todo mundo está enlouquecendo. A polícia e os bombeiros estão lá dentro. Eu gostaria de poder ver alguma coisa. — Alguém parece machucado? Stacey e Sam estavam lá dentro. Roth suspirou. — Todo mundo está bem. Juro para você. Foi só fumaça. Ela não matará ninguém. E eu também peguei sua mochila do banheiro. Está bem ao seu lado. Minha visão começava a clarear. Girando ao redor, eu olhei para Roth, e em vez de ver um borrão, vi os olhos cor de mel e cílios escuros. Ocorreu-me então. Todas as vezes que eu pensei captar seu cheiro, não era minha imaginação. — Você esteve aqui esse tempo todo. Roth não respondeu. — Simplesmente estivera invisível. — Mantive a voz baixa. — Mas você já estava aqui. Um sorrisinho divertido levantou seus lábios, e comecei a empurrar o assunto, porque queria que ele admitisse, eu precisava que admitisse, mas seus dedos deslizaram sobre a minha bochecha. Seu toque provocou uma centena de deliciosos formigamentos que começaram na minha barriga e se espalharam. Nossos olhos se encontraram, e de repente, eu achei difícil respirar ou até mesmo lembrar sobre o que falávamos. Seu olhar cintilou longe do meu e ele suspirou. — Aí vem a cavalaria, uma centena de anos depois. Perdida em Roth, eu não percebi a presença de outro Guardião, até que ele estava bem em cima de nós. — Solte-a, — veio a voz de Zayne. Não houve chance de me surpreender sobre Zayne estar lá, porque o aperto de Roth se intensificou.
— Ou o quê? — Disse ele. — Você ficará todo de pedra em cima de mim e me forçará a ficar demônio em sua bunda? Onde isso nos deixa? Tenho certeza que os Alfas não irão apreciar um confronto na frente de um monte de jovens impressionáveis. Zayne rosnou baixo em sua garganta. — Estou disposto arriscar. — Tenho certeza que você está. Mas Roth soltou meus pulsos e fortes mãos agarraram meus braços, me colocando de pé. Gritei de surpresa e um pouco de dor, seus dedos cavando fundo. Peguei o cheiro de menta fresca justo antes de Zayne me girar em seus braços. Ele parecia furioso e a emoção foi a um nível superior ao dar uma olhada no galo crescendo na minha cabeça. Roth nos olhou debaixo da sombra das árvores, seus lábios se torceram em um sorriso quando Zayne alisou meu cabelo para trás e checou o galo. — A cabeça dela ficará bem, — Roth disse. — O braço que você quase torceu fora é outra história. O aperto de Zayne relaxou. — Cale a boca. Roth ficou de pé com fluidez. — Acho que não gosto do seu tom de voz. — E eu não gosto da sua cara, — Zayne retornou. — Minha cabeça... meu braço está bem. Eu estou bem. — Me contorci para me libertar, ignorando a onda de tontura. — Meus olhos ainda queimam um pouco, mas agora eu posso ver. Zayne agarrou meus ombros. — Por que você não podia ver? O que aconteceu? — O enxofre, — respondeu Roth, pisando mais perto e falando baixo. Ele não tinha medo de Zayne. Absolutamente nenhum, e não sabia se eu deveria me orgulhar dele por isso ou ficar com raiva. — Havia um demônio dentro da escola. E não, não era eu. Ele queria matá-la, assim deveriam manter uma melhor vigilância sobre ela. Então eu não teria de entrar em cena. Zayne rosnou, dando um passo em direção a ele. O meio sorriso no rosto de Roth aumentou quando eles ficaram cara a cara. Eram da mesma altura, mas Roth era poucos centímetros mais alto, enquanto Zayne era mais amplo. Olhei em volta, percebendo que algumas crianças começavam a olhar fixamente.
A quantidade de testosterona que os dois exalavam era ridícula. Apertei-me entre eles. — Ao contrário da crença popular, vocês dois não são os inimigos aqui. Roth riu. — E ele, obviamente, não pode mantê-la longe de problemas. Havia uma boa chance de Zayne sufocar Roth com um golpe. — Vou desfrutar rasgar a sua garganta. — Sim, sim. — Roth deu um passo para trás, seu olhar à deriva para mim. — Você precisa protegê-la ou fantasmas não vão sequer ter a chance de rasgar sua garganta. Entende o que eu estou dizendo? Abri a boca para dizer que eu não precisava deles para me proteger, mas Roth girou e desapareceu na multidão de estudantes. Eu olhei para o local onde ele estivera até Zayne me puxar contra ele. Deixei sair um grito abafado. — Merda. Tem certeza que está bem? — Sim. — Empurrei contra seu peito para tomar um pouco de ar, mas não houve movimento da parte dele. Raciocinando que ele só poderia me sufocar por algum tempo, eu deixei cair os braços e esperei ele me soltar. Quando ele finalmente me soltou, Zayne agarrou minha mochila do chão e pegou a minha mão. Um músculo tremeu ao longo de sua mandíbula enquanto olhava fixamente para frente. — Vou levá-la para casa. — Ele não me machucou, Zayne. Não foi ele. — Quando não houve resposta, eu apertei a mão dele. — Zayne... — Não importa agora, — disse. — O que importa é que o filho da puta estava certo. Nós não estivemos mantendo-a a salvo. E se ele é realmente o único que esteve, então há algo confuso nisso. *** Jasmine manteve um pano que cheirava a antisséptico a uma polegada do meu rosto. — Isso pode doer um pouco. Achei que não poderia arder mais do que meus olhos. Mesmo agora, eles ainda estavam sensíveis enquanto eu seguia os movimentos incessantes de Abbot na cozinha de onde eu estava sentada na marquise. Ela colocou o pano contra a minha têmpora e estremeci.
— Desculpe, — ela sussurrou com um sorriso simpático. Balançando a cabeça, eu me mantive quieta conforme ela pressionava o material sobre o corte. As coisas poderiam ser piores, considerando que Caym queria me matar. Zayne estava ali com os braços cruzados. — Pai, dizer isso vai contra tudo o que sei, mas temos de levar em consideração o que Layla está nos dizendo. Este demônio... — Eu sei. — Abbot estalou. Tentei esconder meu sorriso e não consegui. Jasmine estreitou os olhos para mim. Qualquer satisfação foi breve. — Ela não pode voltar à escola ou ir a qualquer lugar sem um Guardião que a acompanhe até chegarmos ao fundo disso. — Abbot me encarou, esfregando a barba. — E nem sequer pense em discutir comigo sobre isso. Murchei sob seu olhar. — Mas o que você dirá na escola? — Que você teve um resfriado ou alguma outra doença humana. Realmente, isso não importa. O seu trabalho escolar será enviado nesse meio tempo. — Ele se virou para onde Geoff estava. — Você ouviu alguma coisa do chefe de polícia? Geoff assentiu. — Ninguém sabe o que verdadeiramente aconteceu na escola. Eles apresentaram um relatório dizendo que foi uma brincadeira que deu errado... uma bomba de fumaça. Mas foi por um triz. Se o demônio que a tinha tivesse... — Ou se meu amigo não tivesse aparecido, — joguei isso apenas por diversão. O olhar de Abbot bateu em mim. — Mesmo que por alguma chance bizarra esse demônio não está tentando criar os Lilin, ele não é e nunca será seu amigo. — De qualquer maneira, — disse Geoff secamente. — A exposição já teria sido além de prejudicial. Jasmine escovou meu cabelo para trás e continuou afagando a minha cabeça e olhou para a porta. Danika entrou, carregando Izzy, cuja cabecinha descansava no ombro dela. — Drake? — Jasmine perguntou. — Ainda dormindo. — Danika ergueu Izzy um pouco mais. — Esta não vai dormir a menos que seja carregada, e não quero perder esta conversa.
Esforcei-me para não revirar meus olhos. Ela se posicionou ao lado de Zayne, e não pude deixar de pensar que eles já pareciam uma família, especialmente com Izzy nos braços de Danika. Eu meio que gostaria que houvesse fumaça demônio nos meus olhos novamente. — O que não entendo é como fomos incapazes de capturar qualquer demônio de Nível Superior, — ela disse, alisando a mão sobre os cachos da criança. — Os demônios sabem como se esconder, — Abbot resmungou. — Faz sentido. — Zayne olhou para mim e desviou o olhar rapidamente. — Todo esse movimento de Nível Superior ao redor da cidade. Um demônio tentando criar os Lilin é obrigado a trazer outros. — É verdade, mas insensato deles. Eles estão mais seguros no inferno, onde os Guardiões não podem atrapalhá-los. — Geoff sentou em uma das cadeiras e esticou as pernas compridas. Ouvi-los discutir isso seriamente era estranho para mim, mas intervi. — Eles querem iniciar o apocalipse. Abbot murmurou baixinho. — Criança, o apocalipse... — Não é suposto acontecer agora, ou só Deus sabe quando será. Sim, eu sei. Mas aqui está o negócio. Nada se beneficia da criação de um Lilin, certo? — Com todos os olhos em mim agora, eu me senti exposta sentada lá, tendo Jasmine se preocupando com a minha cabeça como se eu fosse uma inválida. Esquivando-se do alcance dela, levantei-me e fui para trás da cadeira de vime na qual eu estava sentada. — Quando um Lilin toma uma alma, o ser humano se transforma em um fantasma. Nem o céu, nem o Inferno recebe o humano. E é por isso que o inferno não quer que os Lilin renasçam. — Tentei explicar isso antes, mas todos estavam tão zangados comigo que eu tinha certeza que nenhum deles teria escutado. — Mas alguns demônios querem sair do inferno. Querem chegar à parte superior e não precisar seguir as regras ou se preocupar com os Guardiões. Eles sabem que se os Lilin renascerem, os Alfas irão entrar em cena e ir atrás de todos os demônios. Eles não cairão sem uma luta. A humanidade descobrirá sobre os demônios. Haverá uma guerra, o que provavelmente desencadeará o apocalipse antes do previsto. Ninguém falou por alguns momentos. Então Geoff quebrou o silêncio. — É arriscado, mas demônios nunca estiveram preocupados com isso antes.
Danika entregou o bebê dormindo para Jasmine. — Assim como um namorado louco, certo? Se não posso ter a Terra, então ninguém pode. Quase sorri com essa comparação. — Quando o encantamento pode ser completo? — Perguntou Zayne. — Não há tempo definido. — Abbot recolheu uma flor frondosa de uma das plantas próximas. — Isso só pode ocorrer quando Layla completar dezessete anos. Ou pelo menos é assim que o texto foi traduzido. — Não posso ficar escondida para sempre. Ficarei louca. — Você não tem outra escolha, — respondeu Abbot. Irritação cobriu minha pele e rebati: — Agora você acredita em mim? — Não sei em que acreditar neste momento. — Apanhou uma folha morta e fechou o punho em torno dela. — Tudo isso é apenas teorias. Nada disso está respaldado por evidências ou a verdade. Joguei minhas mãos para cima. — É a verdade. É o que eu venho dizendo desde o início. — Há outra maneira, — Zayne disse antes que seu pai pudesse desencadear o que, sem dúvida, era um ataque verbal do tipo que eu nunca vi antes. — Nós encontramos o demônio responsável e o enviamos ao inferno. — Gosto dessa ideia. — Cruzei os braços para evitar golpear algo. — Essa é uma boa ideia, mas o problema é que há hordas de demônios lá fora. — Geoff beliscou a ponte de seu nariz. — Poderíamos começar convocandoos com a Chave Inferior, mas isso levaria anos. — O demônio... — Zayne respirou fundo. — Seu amigo não sabe quem é o demônio? Eu sabia o quanto deve ter custado a Zayne chamar Roth de meu amigo, e apreciei isso. — Não. Isso é algo que ele tentava descobrir, mas ninguém está falando. Ou há um monte de demônios que apoia isto, ou estão com medo de quem está por trás disso. — Isso não é tranquilizador, — disse Danika. As sobrancelhas de Zayne arquearam em acordo. — Poderíamos ver se ele fez algum progresso desde... — Absolutamente não! — Seu pai trovejou. — Não vamos trabalhar com um demônio.
— Pai... — Não, Zayne. — Abbot rondava a porta e parou. A ira manchava suas bochechas. — Esse é um caminho que não estou disposto a seguir por nenhuma razão. A história demonstrou que fazer isso termina em traição. Eu sabia que não importa o que Roth poderia fazer, ou qualquer demônio, para esse assunto, a opinião de Abbot nunca mudaria. Estavam muito profundamente enraizadas nele, a ponto do fanatismo cego. Nada menos que um milagre
mudaria
suas
crenças.
A
maioria
dos
Guardiões
eram
assim,
especialmente os mais antigos. O meu olhar caiu para Zayne. Ele não estava pronto para deixar ir. — A vida de Layla está em perigo. Portanto, é a vida de milhares, se não milhões, de seres humanos. — Como se eu não soubesse disso? — Abbot cruzou o quarto em um flash, parando na frente do filho. — Tempos desesperados exigem medidas desesperadas? Nós já estivemos aqui antes, na beira do mundo cair aos pedaços. Isso não é nada novo. E confiar em um demônio só ajudará nessa destruição. — Isso não acontecerá. — Geoff ficou de pé, colocando as mãos nos quadris. — Temos visto em primeira mão no que confiar em um demônio causa. — Isso nós sabemos. — Abbot olhou para mim por cima de seu ombro, sua expressão ilegível. — Afinal de contas, Elijah confiou totalmente em um demônio uma vez antes. — O quê? — Eu ri. — Elijah se mataria antes de confiar em um demônio. Abbot me encarou plenamente. — Agora ele iria, e tem um bom motivo para sua cautela. Um pouco mais de 17 anos atrás ele cometeu o erro de confiar em um demônio que afirmava que preferia morrer a ser o que era. Ninguém mais que Elijah conhece toda a história, mas uma coisa é certa. Ele se deitou com ela, e, no final, o demônio conseguiu o que queria. Abri a boca, então a fechei. Um vento frio varreu a minha espinha. Negações formadas na ponta da minha língua, mas nenhuma palavra saiu. — O demônio em quem ele confiava era Lilith. — Abbot disse. — E porque Elijah confiava nela, ele ajudou a criar a única coisa que poderia destruir o mundo. Você.
Nunca fui do tipo de desmaiar antes, mas quase beijei o chão após aquela pequena bomba ser lançada. Abalada e muito perturbada, sentei-me novamente. — Elijah é o pai dela? — Choque coloriu o tom de Zayne. — Você tem que estar brincando comigo. — Não estou. — Abbot respirou, cansado. — Ele não sabia que o demônio era Lilith até que encontramos Layla na entrada da casa anos depois. Pisquei lentamente, mas o quarto não entrava em foco. — Ele sabia que eu era filha dele? — Ele sabe. — Mas ele... ele me odeia. — Afundei nas almofadas florais. — Ele sempre me odiou. — No momento em que as palavras saíram da minha boca, eu finalmente entendi o porquê. — Deus, eu devo lembrá-lo... — Do seu lapso de julgamento? — Abbot veio para o meu lado, com a voz baixa. — Ele nunca pode conciliar a parte de você que era ele. Minha cabeça girava. — Ele não quis me matar quando todos vocês me encontraram? Abbot desviou o olhar. Puxei uma respiração instável. — Ele quis. Wow. Eu nem mesmo... — meus olhos procuraram o rosto de Abbot por uma resposta. — Você o impediu de me matar e sabia que ele era meu pai?
Mais uma vez, Abbot não disse nada. Foi Geoff que se adiantou. — A cicatriz que Elijah carrega não é de um demônio. Abbot o deteve naquela noite e trouxe você. Afinal, você carrega o sangue de um Guardião em você. — Oh, meu Deus... — balancei a cabeça. — Isto é... Demais. Os olhos de todos estavam em mim, uma mistura de surpresa e pena. Era demais, saber de tudo isso e não ter um momento para realmente deixá-lo se afundar sem uma audiência. Levantei-me e cegamente contornei Abbot. Alguém chamou meu nome, mas não parei até que eu estava no meu quarto. Sentando-me na cama, eu olhava para um local na minha parede. Nada mais parecia importar nesse momento. Elijah era meu pai... o Guardião que me odiava com o poder de mil sóis; o mesmo Guardião que me queria morta. Ele provavelmente ordenou que Petr me matasse. Meu Deus... Náuseas subiram acentuadamente. Petr era o meu meio-irmão. Aquele filho repugnante de um... Eu tomei a alma do meu próprio irmão. Deitada de lado, eu me enrolei em uma bola e apertei os olhos fechados contra a ardência que não tinha nada a ver com o que aconteceu na escola. Um tremor começou em minha perna, trabalhando o seu caminho até os dedos. Enfieios contra o meu peito. Como alguém lida com algo assim? Duvidava que houvesse habilidades de enfrentamento que eu ainda não aprendi. Não sabia o que me enojava mais. Que o meu próprio pai queria me matar, ou que eu tomara a alma do meu irmão. *** Durante os próximos dois dias, eu realmente não cheguei a nenhuma grande compreensão de tudo o que foi revelado a mim. Não havia como compreendê-lo. A única coisa que eu podia fazer era não pensar nisso. Isso não funcionou tão facilmente. Era como tentar não respirar. Nos momentos mais estranhos, isso estalava na minha cabeça e não conseguia tirá-lo.
Meu próprio pai me queria morta. O conhecimento ofuscou tudo, deixando-me entorpecida por dentro. Parte de mim poderia compreender o ódio de Elijah por causa do que eu o lembrava, mas eu ainda era filha dele. Todos esses anos, eu construí essa fantasia em torno do meu pai, me convencendo de que mesmo que eu fosse parte demônio, meu pai ainda me amava. Que algo infeliz aconteceu com ele e eu me perdi na tragédia. Agora esse sonho foi despedaçado. A coisa toda com Petr também pesou sobre mim. O fato dele ser meu meioirmão não mudou minha opinião sobre o monstro, mas eu me perguntava se, se eu soubesse quem ele era para mim, eu teria feito a mesma coisa? Não sabia. Zayne furtivamente me deu meu laptop no dia após tudo despencar na marquise. Imaginei que eu ainda estava de castigo, mas ele se sentiu mal por mim. Após enviar um e-mail rápido para Stacey e deixá-la saber que eu estava doente e não sabia quando voltaria para a escola, perdi todo o interesse na internet. Queria ser mais forte do que tudo isso, mas nunca na minha vida, eu desejara tão forte quanto desejei que eu pudesse ser algo ou alguém diferente. Não sei o que me deu na sexta-feira. Estava em pé na frente da maldita casa de bonecas e eu odiava isso. Passando os dedos ao longo do andar de cima, puxei com força suficiente para rasgar a casa. Não foi o suficiente. Minha nuca formigava enquanto eu pegava o telhado e o arrancava. Segurando-o, brevemente considerei balançá-lo e bater em tudo, destruindo as paredes. — O que você está fazendo? Eu chiei e girei. Zayne estava na porta, as sobrancelhas levantadas. Seu cabelo estava molhado do banho. Eu corei. — Hum, não estou fazendo nada. — Olhei para o teto do brinquedo. — Bem... Seu olhar mudou-se para trás de mim. — Se não queria mais a casa de bonecas em seu quarto, eu poderia ter a removido para você. Gentilmente, coloquei o telhado no chão. — Não sei. Ele inclinou a cabeça para o lado. Suspirei. — Não sei o que estou fazendo. Zayne olhou para mim pelo que pareceu uma eternidade. — Bom.
— Bom? — O fato de me flagrar dando uma de louca na minha casa de bonecas não parecia ser uma coisa boa. — Eu tenho algo para você fazer. Isso envolve sorvete. Meus olhos se arregalaram. — Sorvete? Um pequeno sorriso apareceu. — Sim, eu pensei que nós poderíamos pegar um pouco. Excitação correu por mim como uma tempestade de verão. Era como o dia de Natal. Eu poderia sair da casa e envolvia sorvete. Mas a alegria desapareceu rapidamente. — Abbot nunca deixará. — Ele está bem com isso, desde que eu esteja com você. — Você acha que isso será bom? — Perguntei, com muito medo de ficar feliz novamente. — E se acontecer alguma coisa? — Um demônio não virá atrás de você enquanto eu estou com você. — A confiança em sua voz apagou quaisquer preocupações. Zayne estava certo. Seria suicídio. — Parece ser uma espécie de noite do sorvete. Você está dentro? — Ele perguntou. Quando se tratava de sorvete, eu estava sempre dentro. *** Eu amava andar no Impala vintage de Zayne. O barulho que fazia, a aparência que tinha. Em um mar de Mercedes e BMWs, nada se destacava mais do que um Impala vermelho-cereja 1969. Ele me deixou dirigi-lo uma vez, no meu décimo sexto aniversário. Condução provou ser demais com todas as almas cintilantes que serviam como uma distração épica. Acabei com um carro da polícia atrás de mim. Não fiquei atrás de um volante outra uma vez. Paramos em uma loja de conveniência para pegar um pacote de Twizzlers. Coloquei um pouco na minha boca quando Zayne os trouxe para a sorveteria. — Isso é tão nojento, — murmurei. Ele me deu um olhar inocente. — Não fale isso até você experimentar. — Eu nunca vou mergulhar Twizzlers em sorvete de chocolate.
Zayne me empurrou de brincadeira e roubou meu lugar na fila. O empurrei de volta, mas ele não se moveu um centímetro. As almas ao nosso redor eram vários graus de cores pastel, suave e, felizmente, desinteressantes para mim. E não havia demônios à vista. Ponto. Ele pediu uma tigela de sorvete de chocolate e eu uma banana Split, a mesma coisa que eu sempre pedia. As temperaturas agradáveis para novembro conduziram as pessoas em massa para a sorveteria. Verão indiano, ou seja lá como Zayne chamava isso. Tivemos a sorte de encontrar uma mesinha para nos espremer. Esta loja era um dos meus lugares favoritos para ir à cidade, um negócio pequeno enfiado no meio de um centro moderno, e era bom estar aqui. Os pisos eram quadriculados em preto e branco, as cabines e mesas eram vermelhas, e fotos de família adornavam as paredes. Como não amar? Isso se sentia como em casa. Assisti Zayne mergulhar alegremente o canudinho em seu chocolate. Ele chamou minha atenção e piscou. — Certeza que não quer provar? Fiz uma careta. — Não, obrigada. Ele ofereceu o doce para mim, um canudo grosso, pingando calda de chocolate da ponta. Isso espirrou contra a mesa. — Você pode simplesmente gostar. Saboreei minha banana Split, em vez disso. Dando de ombros, Zayne colocou-o na boca e suspirou. Estudei-o. — Você acha que eu estarei praticamente em prisão domiciliar até completar dezoito anos? — Receio que sim, — ele respondeu. — Papai não mudará de opinião. — Isso é o que eu temia. Ele pegou minha mão com um Twizzler que ainda não havia mergulhado. — Vou te liberar o mais rápido que eu puder. — Obrigada. — Forcei um sorriso. — Então... como vão as coisas com você e Danika? Suas sobrancelhas se juntaram enquanto se concentrava em sua tigela de sorvete, como se ela tivesse as respostas para a vida. — Bem. Ela é uma ótima garota... — Ela é muito sexy. Eu mataria para ter o corpo dela. — Olhei para a minha comida. — Pensando nisso, quantas calorias tem nessa coisa?
Os olhos de Zayne se acenderam. Eles pareciam mais brilhantes do que o habitual. — Você é... Perfeita do jeito que é. Revirei os olhos. — Você assistiu o Diário de Bridget Jones? Ele
estudou-me
mais
alguns
segundos
e
voltou
para
a
sua
sobremesa. Havia uma rigidez em seus ombros que não estava lá antes, como se de repente, ele carregasse algum peso invisível. Como uma idiota, eu continuei falando. — Ouvi Jasmine e Danika conversando. Ela disse que vocês dois não falaram sobre um futuro... juntos. Seus ombros pareceram ficar ainda mais tensos. — Não, nós não falamos. Coloquei uma cereja de lado. — Então, você ainda planeja contrariar o sistema? Zayne passou a mão sobre a cabeça, apertando os olhos. — Eu não olho para isso dessa forma, se eu vou me emp... Se vou me casar, eu quero fazer isso em meus próprios termos. — E o que Abbot tem a dizer sobre isso? — Ofereci a cereja para ele, a qual ele pegou. — Ou você tem adiado? Ele deu de ombros, estudando o caule da cereja. — Tenho apenas evitado isso. — Mas você não tem evitado a Danika, — apontei. — Você gosta dela. Então, qual é o problema? — Não é sobre eu gostar dela ou não. — Ele reclinou-se na cadeira, com as mãos descansando sobre a mesa, olhando para os sorvetes atrás do vidro. — Ela é uma ótima garota. Eu me divirto com ela, mas realmente não quero falar dela agora. — Oh. — Meio que sabia aonde isso ia. Ele me lançou um olhar compreensivo. — Eu ia perguntar como você está segurando-se, mas acho que a casa de bonecas responde a isso. Suspirei. — Tento não pensar nisso. Não está funcionando. Quero dizer... — É um material pesado? Abri um sorriso. — Sim, é muito pesado. — Pegando uma fatia de banana split, eu balancei a cabeça. — Zayne, eu... — O quê? — Ele perguntou depois de alguns segundos.
Olhando para cima, encontrei o seu olhar antes que eu perdesse o controle. — Não tenho sido completamente honesta. — Sério? — Ele disse secamente. — Não percebi. Eu corei. — Eu sinto muito, Zayne. Não porque fui pega, mas porque eu sei que o machucou e que era errado. Eu deveria ter confiado em você. — Eu sei. — Sua mão pousou sobre a minha e apertou suavemente. — Eu estava chateado – parte de mim ainda está chateado – mas é o que é. Esperando que ele ainda queira respirar o mesmo ar que eu após saber o que eu fiz, eu puxei minha mão e lancei os olhos para meu sorvete, o qual agora parecia uma sopa. E decidi abordar isso como arrancar um Band-Aid. — Tomei a alma de Petr. Zayne se inclinou para frente, as sobrancelhas franzindo como se não entendesse muito bem o que eu disse, e então ele se reclinou novamente. Suas mãos deslizando para fora da mesa enquanto sua garganta trabalhava. Silêncio caiu como uma bomba. — Sei que você meio que adivinhou isso quando cheguei em casa e eu estava doente. — Meus dedos torceram em torno da colher. — Estava me defendendo. Ele ia me matar. Não queria. Deus, era a última coisa que eu queria fazer, mas ele continuou me alcançando e não sabia mais o que fazer. Isso fez alguma coisa para ele, Zayne. Ele não se transformou em um fantasma como um humano faria. Ele se transformou, mas seus olhos estavam vermelhos. Sinto muito. Por favor, não... — Layla, — disse calmamente. Ele agarrou a minha mão apertando a colher e suavizou os dedos em torno do punho. — Eu sei que você fez isso para se defender e não algo que pretendia fazer. — Mas o olhar em seu rosto, — sussurrei. Ele sorriu, mas foi tenso. — Fiquei chocado. Como você disse, eu suspeitava de alguma coisa, mas achei que poderia ter provado a alma. Não sabia que ele passou... todo o caminho. A vergonha era como engolir um balde de pregos enferrujados. Eu não poderia evitar, mas sinto que mesmo sabendo que eu provavelmente estaria morta se não tivesse levado a alma dele, dando-me uma prorrogação até Roth aparecer. — Você está desapontado, não é?
— Oh, Layla, não tem nada a ver comigo estar decepcionado. Você se defendeu, e queria que você não precisasse. Não por causa do que você é. — Ele manteve a voz baixa. — Mas porque eu sei quão doente isso te deixa. Eu odeio vêla assim. Eu odeio vê-la assim. Usando a mão livre, limpei debaixo do meu olho. Deus, eu estava chorando. — Veja, você se culpa pelo que fez. E odeio você fazer isso com você. — Mas você disse que eu era melhor do que isso. Ele se encolheu. — Deus, eu gostaria de nunca ter dito isso a você. E sabe, a maneira como você olha para você... é em parte nossa culpa. Fiz uma careta. — O que você quer dizer? Reclinando, ele levantou as mãos. — Nós criamos você para odiar essa parte de você. Talvez essa não fosse a coisa certa a fazer. Não tenho mais certeza. Não tenho certeza de nada. — Ele enfiou os dedos nos cabelos. — Eu sei que não estou decepcionado com você. Não odeio você. Eu nunca poderia odiá-la. Mesmo você não vendo o verdadeiro prazer de Twizzlers mergulhado no chocolate. Sufoquei uma risada enquanto piscava mais lágrimas. — Engraçadinho. Seu sorriso era um pouco mais verdadeiro. — Você está pronta para sair daqui? Fungando, eu assenti. Recolhi nosso lixo, e uma vez fora, Zayne passou o braço sobre meus ombros enquanto caminhávamos para onde ele estacionara. Era bom estar assim com ele, ter essa conexão novamente. Isso fez maravilhas, aquecendo esse ponto gelado no meu peito. Zayne se certificou que eu estava sentada em segurança no lado do passageiro antes de dar a volta em frente do carro e entrar. Isso me fez sorrir. Ouvindo música no caminho de casa, eu ri quando Zayne cantou junto com uma música pop no rádio. Ele era um monte de coisas, mas cantor não era uma delas. Quando chegamos ao trecho privado da estrada que conduz ao composto, ele olhou para mim. Algo estranho se refletiu nos olhos dele – uma característica que eu vi antes, mas nunca compreendi o que significava até... Até Roth aparecer. Havia uma sensação de inchaço no estômago quando ele voltou a olhar para a estrada. — Jesus! — Ele gritou, batendo nos freios. Ago pousou sobre o capô do Impala de Zayne, quebrando o para-brisa.
No começo, pensei que um gorila muito grande escapara do zoológico e se atirou de uma das muitas árvores próximas. Então, eu vi os dentes serrilhados e o cheiro de enxofre. Eu gritei – realmente gritei. Era um Hellion. Um grande, peludo e fedido Hellion, que acabara de fazer alguns grandes danos ao precioso Impala de Zayne. Emaranhados pelos grossos cobriam seu corpo maciço. Os enormes chifres de carneiro eram o que havia quebrado o parabrisa. Mas eu deveria estar vendo coisas. Hellions não eram autorizados na superfície, por razões óbvias. Zayne estendeu o braço, me pressionando contra o assento quando o Hellion tentou entrar no carro. Seus chifres estavam presos no metal e parecia muito estúpido ele descobrir que só precisava abaixar a cabeça para passar. O Hellion rugiu. Era como ter um T-rex gritando na sua cara. — Zayne! — Gritei quando suas grossas garras dianteiras bateram a centímetros do meu rosto. — Zayne! — Layla, eu preciso que você me ouça. — Ele soltou o cinto de segurança com uma mão. — Preciso que fique calma. As garras do Hellion desfiaram o antebraço de Zayne, tirando sangue. Zayne nem sequer pestanejou. — Oh, meu Deus,— sussurrei, observando os filetes de sangue pingar de seu braço no meu colo. — Zayne, o seu braço. — Layla, você terá que correr por ele quando eu disser para fazer. Ok? — Ele disse com urgência. Ele estendeu a mão para o botão no meu cinto de segurança, liberando-me. — Quando eu disser para correr, você corre e não olha para trás e não tenta lutar. Você não pode lutar contra isto. Eu não queria deixá-lo, não com aquela coisa atacando. Hellions eram notórios assassinos. Poderiam rasgar um Guardião membro a membro usando sua força bruta. — Mas posso aju... Outra grande passada de dedos com garras quase me pegou. Zayne me puxou para ele e para baixo, pressionando meu rosto contra sua coxa. — Fique abaixada — ele ordenou. — Basta ouvir meu comando. Você conhece essa floresta. Chegue em casa e chame o meu pai. Não pare. É assim que você pode me ajudar. Meu coração batia forte no peito. Balancei a cabeça o melhor que pude.
A mão de Zayne escorregou sobre meu rosto e pelo meu cabelo. Apertei meus olhos fechados quando o Hellion uivou novamente. Então Zayne abriu a porta e eu caí no assento dele. O carro balançou quando o Hellion mudou de rumo, seguindo Zayne para fora do carro. Ele riu, um som gutural. Eu sabia que deveria ter ficado abaixada no assento, mas sentei quando o Hellion saltou do carro. Pensei que Zayne hesitaria, sabendo que eu estava por perto. Mas ele não o fez. Zayne mudou. As asas foram as primeiras a brotar, arqueando alto no céu atrás dele e desdobrando em torno de seu corpo. Eu só conseguia ver um lado de seu rosto, mas apenas isso foi dramático o suficiente. Sua pele ficou cinza escuro e sua mandíbula aumentou quando seu nariz achatou. Dois chifres cresceram, iguais aos chifres do Hellion, mas os de Zayne eram negros como a noite e bonitos de uma forma estranha. Eles se curvaram para trás de sua cabeça, uma visão feroz. Como se para me lembrar que ele ainda era Zayne, uma brisa brincava com seu cabelo loiro, soprando em torno dos chifres. Puxei o ar, um suspiro que não deveria ter sido ouvido, mas Zayne virou uma fração de uma polegada em direção a mim. Dor riscava seu rosto quando nossos olhos se encontraram por apenas um segundo. Com o canto dos meus olhos, vi o movimento do Hellion. — Zayne! — Gritei, agarrando o painel. Ele chicoteou para o Hellion, pegando a mão carnuda antes que pudesse ter um controle sobre isso. Ainda segurando a besta, Zayne se inclinou para trás e plantou o pé na barriga do Hellion. O Hellion voou vários metros, grunhindo. Ele se levantou e correu para Zayne. Eles colidiram com força suficiente para sacudir o chão e o carro. Dobrando os joelhos, Zayne empurrou-se para o ar, levando o Hellion com ele. Do alto dos enormes carvalhos, Zayne formou um arco no céu e voltou ao chão. Eles se chocaram contra o solo, seu impacto corroendo vários metros de estrada. Zayne se levantou, envolvendo um braço musculoso em volta do pescoço da besta. — Vá, — ele gritou em uma voz que era dele, mas não era. — Corra! Vai!
Abri a porta, meio caindo fora do carro. Girando, eu olhei para Zayne. Havia algo escuro. Sangue? Vazando de seu nariz, uma área irregular da pele em seu rosto parecia um cinza mais escuro. O Hellion lutou contra o seu agarre, a mandíbula aberta. — Vá, — Zayne ordenou. — Por favor. O Hellion se agarrou ao braço de Zayne. A última coisa que vi foi Zayne lançando-se pelo ar. Com um grito preso na garganta, virei e corri. Tentei dizer a mim mesma que não estava fugindo e que ia conseguir ajuda, mas cada passo que me levava mais longe de Zayne sentia como um soco no peito. E se ele ficasse gravemente ferido? E se morresse? Não podia me deixar pensar nisso. Eu corri, sabendo que a melhor coisa que eu podia fazer era alertar o clã. Ramos virou em meu rosto, puxou a minha roupa. Várias vezes eu tropecei em uma pedra ou uma raiz levantada, me firmando com as mãos, e me forçando a levantar. Era como um filme de terror, exceto o que estava atrás de mim não era um cara morto em uma máscara de hóquei. Realmente prefiro aquele cara a um Hellion, faca e elevada contagem de cadáveres e tudo. Eu continuei, garganta apertada e músculos queimando. Parte de mim percebeu que eu deveria ter aceitado a oferta de Zayne para correr com ele. Estava terrivelmente fora de forma. O vento quente chutou para cima, espalhando as folhas caídas no ar. Elas caíram, um coro de vermelhos escuros e marrons. Um estalo durante a noite, seguido por outra e outra. Senti algo chicotear no ar um segundo antes disso envolver minha perna, me arrastando para baixo. Bati os cotovelos no solo duro primeiro. Estremecendo, eu rolei. Raízes de árvores grossas subiam nas duas pernas, espremendo até que eu tinha certeza que quebraria os ossos no meio. Freneticamente, peguei o fim de uma raiz grossa e comecei a desenrolá-la com as mãos trêmulas. Isso me puxou para frente, batendo-me no chão. Pequenas pedras escavavam nas minhas costas enquanto era arrastada sobre o solo. Agitando os braços, tentei agarrar um dos pequenos arbustos. Quando finalmente chegou a um impasse, o cheiro de enxofre foi sufocante.
Ele ficou em cima de mim um segundo depois, ocupando um espaço que estivera vazio. Não havia nenhuma alma – nada ao seu redor – e sabia que ele era um demônio de Nível Superior. Seu cabelo escuro estava em um moicano, as pontas coloridas vermelho-sangue. Ele parecia estar em seus vinte e poucos anos e usava um terno risca de giz, que além do fato disso parecer ridículo nas florestas escuras, era algo saído dos filmes antigos de gângster. Ele até tinha um acetinado lenço vermelho no bolso. Uma risada histérica me escapou. E percebi que eu o vi brevemente antes. No dia que esperei Morris me pegar... Era ele o demônio me observando. — Meu nome é Paimon. Eu sou o grande e poderoso rei, governante de duzentas legiões, — disse com um sotaque distintamente do Sul. Encontrei-me perguntando as coisas mais estranhas. Será que o inferno tem um norte e sul? Porque esse cara era do Sul. Ele se curvou, uma paródia de elegância. — E você é Layla, filha do Guardião Elijah e o demônio Lilith. Finalmente, após todo esse tempo, tenho o prazer de conhecê-la. Paimon – o reconheci da Chave Inferior, aquele sobre o camelo/cavalo. Não foi preciso esforço de imaginação para concluir que agora eu estava cara a cara com o demônio que procurava criar os Lilin. — Merda. — Puxei para cima, tentando desesperadamente desembaraçar minhas pernas. Ele levantou a mão e eu estava presa, olhando para o céu noturno sem nuvens. — Não vamos dificultar isso, querida. Engoli em seco no ar, movendo minhas mãos sobre o chão. Peguei uma pedra, apertando até que a afiada aresta cortou minha palma. — Estou me sentindo um pouco gracioso, então darei uma oportunidade para você que nunca dei a ninguém. Você vem comigo sem ser um inconveniente... — ele mostrou um conjunto perfeito de dentes brancos — E não farei uma coroa de ossos de todos que você ama. Posso prometer riquezas além de sua imaginação, a liberdade de ser o que quiser ser e uma vida invejada por todos. A pedra estava pesada na minha mão e quase ri novamente. — Você quer criar os Lilin?
— Ah, fico feliz por não ter que explicar o meu desejo. Embora eu tivesse todo esse discurso planejado. — Ele piscou um olho vermelho. — Há sempre uma hora mais tarde, querida. Medo apertou meu estômago, mas forcei tanta bravata em minha voz quanto possível. — E depois de me usar para criar os Lilin, você realmente me deixará viver? — Talvez, — respondeu. — Depende de quão feliz você me fizer. — Sim, você pode ir para o inferno. Paimon virou a cabeça e depois me encarou novamente. Sua pele derreteu, revelando um crânio e olhos vermelhos cheios de chamas. Sua boca estava aberta, longa e distorcida. O som do uivo que veio dele fez minha alma esfriar. Gritei até minha voz me deixar, incapaz de me mover mais do que uma polegada para trás. Em seguida, ele era o homem bonito novamente, sorrindo. — Querida, você é um meio para um fim. Um fim que funciona maravilhosamente em meu favor, — Paimon agachou ao meu lado, inclinando a cabeça para o lado. — Agora, você pode fazer isso fácil ou muito, muito difícil. Tomei uma respiração profunda, mas não conseguia ter ar suficiente nos meus pulmões. Estava preocupada com Zayne e sabia que se eu deixasse Paimon me capturar, eu nunca teria uma chance de obter ajuda para ele. — Ok. Você pode tirar essas raízes assustadoras das minhas pernas? Outro breve sorriso e Paimon acenou com a mão. As raízes tremeram, secaram e tornaram-se nada mais do que cinzas dentro de segundos. — Estou tão feliz por você fazer... Balancei meu braço para trás com toda a força, batendo a pedra na têmpora dele. A cabeça dele foi para outra direção, mas um segundo depois, ele olhava para mim e ria. Ria. As chamas lamberam a ferida onde o sangue deveria fluir. Paimon agarrou meu braço em um aperto de morte. — Agora, isso não foi muito bom, querida. Olhei para a cabeça pegando fogo. — Jesus. — Não é bem assim. — Ele me levantou com um puxão. — Diga boa noite. Abri a boca, mas antes que eu pudesse fazer um som, o meu mundo ficou escuro.
As coisas começaram a fazer sentido novamente. Sensações lideravam o caminho, o que foi a primeira indicação de que algo estava muito errado. Eu não podia mover meus braços ou pernas. Eles estavam presos ao piso frio, a corda apertada e cortando os pulsos quando tencionei para frente. Oh droga. O cheiro veio em seguida. O cheiro mofado era familiar, bisbilhotando na minha cabeça, mas não podia puxar uma memória exata. Quando fui capaz de erguer os olhos, eu olhava para vigas metálicas expostas. Velas não lançaram muita luz, mas na dança tremeluzente de sombras eu poderia fazer uma adivinhação. Meu olhar desceu e seguiu as marcas visíveis no chão até que desapareceram em uma linha branca, com giz – um círculo. As linhas retas em estrias encontrando o círculo. Virei a cabeça, estremecendo com a dor surda nas têmporas. Mais linhas do meu outro lado. Um pentagrama ligeiramente torto. Oh, isso era ruim. Eu estava no antigo ginásio, no nível mais baixo da minha escola, amarrada no meio de um pentagrama, e isso era um encantamento? Deus. Esticando meu pescoço, tentei ver além das centenas de velas brancas após a circunferência do círculo. Nas sombras, havia coisas em movimento. Suas tagarelices e gritos iguais aos de um porco reviraram meu interior. Demônios Rack. — Você está acordada. Bom. — Um profundo sotaque sulista saiu das sombras. — Vamos levar este show para a estrada.
Meu queixo caiu bruscamente. Paimon retirou o casaco e desabotoou a camisa vermelha. Ele veio para a borda do círculo, parou e olhou para baixo. Ele deu um passo para trás, e minha suspeita disparou. — Você não virá aqui? — Perguntei. Paimon inclinou a cabeça para trás e riu. — Esse pequeno pentagrama torto pode ser facilmente convertido em uma armadilha do diabo, e meus sapatos Hermès não vão a uma polegada além do giz. Minhas mãos se fecharam em punhos e eu podia sentir o anel morder a pele. — Isso tornará esse encantamento meio difícil, não é? — Nem um pouco, querida, — disse, ajoelhando-se. Aquele moicano deveria ter, pelo menos, 30 cm de altura. — É para isso que lacaios servem. Oh, lacaio! À minha esquerda, outra forma se libertou das sombras. Não o vi antes, mas seu sorriso estava além de assustador. Engoli em seco quando meus olhos corriam entre os dois demônios. Ninguém apareceria e salvaria o dia. Eu não sabia se Zayne sobrevivera ao Hellion. Roth provavelmente nem sabia que eu havia sido levada. E a menos que eu pudesse dar uma de Houdini e sair dessas cordas, eu não seria capaz de fazer muito para me defender. Naquele momento, eu sabia três coisas. Eu estava ferrada. A humanidade estava ferrada. O universo inteiro estava ferrado. — Confesso que fiquei decepcionado com Naberius. Ele deveria ter sido capaz de pegá-la sem me fazer pisar na superfície. Mostrei a ele quão descontente eu estava. O lacaio acenou com a mão esquerda. Quatro de seus dedos estavam faltando. Apenas o do meio permaneceu. — Eles voltarão a crescer. Lentamente. — Dolorosamente, — Paimon acrescentou com um sorriso alegre. Levantouse com fluidez. — De qualquer forma, Naberius, derrame o sangue de Lilith. Não tenho a noite toda. Como uma ferramenta pouco obediente, Naberius passou cuidadosamente sobre o círculo e se ajoelhou. Meu coração parou. — Espere. — Naberius agarrou minha mão com aquele dedo. Metal brilhou em sua outra mão. — Eu disse para esperar!
Paimon suspirou. — Você vai implorar agora? Virá para o lado negro? Já teve sua chance, querida. Quando terminar, eu vou matá-la. Bem, provavelmente terei um pouco de diversão com você primeiro, mas eu vou te matar. Pânico arranhou seu caminho até a minha garganta, mas eu sabia que se cedesse a ele, seria o fim. Com o coração batendo forte, tentei afastar o braço de Naberius, mas a corda não deu folga. — Por quê? — Por quê? — Ele imitou minha voz. — Por que você quer fazer isso? — Minha boca estava seca. — Você realmente quer começar o apocalipse? Realmente acha que isso funcionará? Paimon inclinou a cabeça para o lado. — O apocalipse? — Sua risada era profunda e ecoou pelo ginásio. — Oh, querida, é isso que os Guardiões acham? — É o que o Inferno pensa, também. — O Chefe pensa isso? Fabuloso. Enquanto o apocalipse soa como um bom tempo, eu não poderia dar a mínima sobre isso. Surpresa passou por mim. — Você... você não quer sair do Inferno? — Oh, que demônio não quer sair do Inferno? Use-me, como exemplo. Servi ao Chefe por mais de dois mil anos. Não há nada mais que eu gostaria do que dizer au revoir para essa vida, mas não estou aqui por causa do que eu quero. Estou aqui porque preciso. Assim como você, outro meio para um fim. — Eu... eu não entendo. — Eu realmente entendia. Seus lábios grandes e expressivos torceram em um sorriso. — É um pouco irônico que você não entenda. Meio triste, também. — É? — Naberius mexia com a minha mão, tentando virar o anel. — Então me explique? Se eu vou morrer, gostaria de saber a verdadeira razão por trás disso. Paimon olhou por cima do ombro e, em seguida, seu olhar deslizou de volta para mim. — Alguma vez já esteve apaixonada? — O quê? — Eu não esperava essa pergunta. — Eu disse, você já se apaixonou? — Eu... — eu não sabia. Amava Zayne, mas não sabia que tipo de amor que era, e Roth... Achei que eu poderia me apaixonar por ele, se fosse dado tempo. Ou talvez eu já estivesse, nesse curto caminho. — Não sei. — Interessante, — o demônio respondeu. — Quando está apaixonado, você arriscaria tudo para garantir a felicidade do seu ente querido. Até o fim do mundo.
— Ele encolheu os ombros. — Quando está separado da pessoa que ama, você faria qualquer coisa para estar com essa pessoa. Qualquer coisa. O quê? Você parece tão chocada. Achou que demônios não poderiam se apaixonar? Podemos. Nosso amor é um pouco sombrio e torcido. Nós amamos até a morte. A maioria não gostaria de estar na outra ponta dos nossos afetos, mas sentimos a mesma coisa. Eu não fazia ideia do porque ele estar apaixonado se relacionava com a criação dos Lilin, a menos que ele pensasse que seu amante seria reencarnado em um. Seus olhos reviraram. — Posso dizer que você ainda não adivinhou. É a sua mãe, querida. É por isso que é irônico. — Lilith? — Eu rangi. — Você não pode chamá-la de mãe? Tenho certeza de que aqueceria seu coração frio. — Não, eu não posso. Ele andou ao longo do círculo de giz. — Sua mãe está sendo mantida nos abismos de fogo. Exatamente onde uma armadilha do diabo envia um demônio. Com o Chefe no Inferno, ninguém se aproxima dos abismos ou sai. E a única maneira que eu posso tirá-la é atrair o Chefe para a superfície. Apocalipse agora ou depois, o Chefe se aventurará para a superfície se os Lilin estiverem lá. E um minuto com a minha amada vale a pena o risco de uma eternidade sem ela. — O que deixa os abismos desguardados, — terminei. Quando Paimon aplaudiu a aprovação dele, eu estava atordoada. Tudo isso era para libertar Lilith, porque ele a amava? Isso era tão retorcido e... — Naberius? — Espere! — Terror começava a superar o pânico, o que era muito pior. — Como você sabe que o encantamento funcionará? Você não tem sequer a Chave Inferior. Paimon franziu a testa. — Como se eu precisasse da Chave Inferior. Eu tinha Lilith... eu a ajudei a ficar livre para que ela pudesse ter você. — Você a ama, mas a ajudou a ficar grávida de outra pessoa? — É a única maneira que podíamos realmente estar juntos.
— Ele
encolheu os ombros. — E você está pronta. Posso ver a mancha de sua alma.
Eu não sabia o que me surpreendeu mais: que o demônio pudesse ver minha
alma, que
eu
tinha
uma
alma, ou
que
ele
pensou
que
estava
contaminada. Apenas olhava para ele enquanto continuava torcendo o pulso da mão esquerda, na esperança de libertá-la. — Quando eu soube que o Chefe estava enviando Astaroth para a superfície, eu tinha certeza que era meu aniversário. Obviamente, o Chefe pensou que eu precisava da Chave Inferior, e o mandou para me ajudar a conseguir. —Ele jogou a cabeça para trás e riu alto. — Poderia ser mais fácil para mim? Tudo que eu precisava era esperar a hora que Roth entrasse em suas calças. E realmente era apenas uma questão de tempo. Ele é um demônio, depois de tudo. Posso cheirar seu pecado carnal, Layla. Eu não sabia qual pecado carnal que ele estava cheirando, mas não era isso. Comecei a apontar isso, porque isso colocava uma grande torção em seus planos. Meu status estava intacto, e se ele entendesse isto, não haveria impedimento para ele reparar o problema sozinho. Eu estava ferrada, mas a humanidade e a Terra não estavam se eu o deixasse
acreditar
nisso. O
encantamento
não
funcionaria. Os
Lilin
não
renasceriam e ele não libertaria Lilith. Dormência se estabeleceu em meus ossos enquanto eu olhava para o demônio. Provavelmente eu iria morrer, mas não havia uma perspectiva melhor. Talvez fosse o sangue Guardião em mim que fez o meu destino mais fácil de aceitar, porque eu não estava pronta para morrer. Havia tanto da vida que não experimentei. Não era justo. Ou talvez fosse a humanidade que peguei de Stacey e Sam. Deixando minha cabeça cair contra o chão frio, eu olhei para o teto escuro. Ao meu lado, Naberius finalmente conseguiu virar a joia para cima. Ele trouxe a ponta chanfrada da faca para baixo, quebrando sua superfície. Mordi quando dor explodiu ao longo da minha mão e, em seguida, fresca e pegajosa umidade derramou em meus dedos. No momento em que o líquido escorreu para o chão dentro do círculo, as velas piscaram. A vibração e o cantar pararam. — O sangue morto de Lilith, — disse Paimon. — O sangue vivo da filha de Lilith.
Com um rápido movimento da mão de Naberius, uma picada cortou sobre o meu pulso. O corte não foi profundo. Realmente apenas uma alfinetada para que pequenas gotas de sangue fluíssem. Uma fina corrente correu pelo meu braço, reunindo na parte carnuda do meu cotovelo. — Agora, — disse Paimon. — Apenas a questão de você tomar uma alma. Ele não sabia que já havia acontecido? Abri os olhos quando uma nova ansiedade irrompeu através de mim. Paimon gritou algo em uma linguagem grosseira, profunda. Movimentos em seguida, e tencionei para ver atrás de mim. Sombras se soltaram, e quando eles chegaram mais perto da luz de vela, eu gritei. Não. Não. Não. Isso não poderia estar acontecendo. Lutei freneticamente contra as cordas. Quatro demônios Rack se aproximaram, cada dois carregava um corpo curvado. Uma dupla mantinha Zayne e a outra dupla mantinha Roth. Ambos os rapazes pareciam ter brincado cara a cara com um moedor de carne. Suas roupas estavam rasgadas. Sangue riscando seus pescoços e peitos. Paimon sorriu como um pai satisfeito. — Você quer saber como eu tenho os demônios Rack sob o meu comando? — Não, — eu disse com voz rouca. — Pense sobre todo o sofrimento que eles serão capazes de se alimentar uma vez que os Lilin transformarem a Terra em um campo de batalha, — disse, de qualquer maneira. — Naberius? De pé, o demônio saiu do círculo, tomando cuidado para não perturbar o giz ou velas. Em sua mão, a faca... As velas piscaram novamente, e meu olhar correu para o meu braço. Uma gota do meu sangue atingiu o chão e o queimava como ácido. Não havia tempo para perguntar por quê. — Vamos voltar à minha pergunta sobre o amor, — disse Paimon, se posicionando atrás dos demônios Rack que seguravam Roth e Zayne. — Você os ama? E se eu quisesse tirar a alma do Guardião? Um zumbido baixo capturou meus ouvidos quando reconheci a crueldade flagrante nos olhos de Paimon. — Não.
— Não achei que você concordaria tão facilmente. — Paimon assistiu Naberius passar Roth. Sua cabeça escura estava abaixada e os ombros mal se movendo. Não havia sequer uma reação quando Naberius deslizou a faca sob o queixo de Roth. — Eles o pegaram vindo em socorro do Guardião. Quão ridículo é isso? Um demônio ajudando um Guardião? Então, novamente, ele provavelmente vinha para salvá-la. Puxei as cordas até minha pele e os músculos queimarem. — Solte-os. — Oh, eu pretendo. — Paimon sorriu. — Se você não tomar a alma do Guardião, Naberius aqui terá o prazer de cortar a cabeça do príncipe herdeiro. — E eu realmente, realmente quero fazer isso, — acrescentou Naberius. Meu coração batendo juntou-se ao zumbido nos ouvidos. Horror me inundou. — Não, você não pode... você não pode fazer isso. Paimon riu. — Eu posso e vou. Ou você toma a alma do Guardião ou eu mato Roth. Agora, eu sei quão incrivelmente ingênuo e estúpido são os adolescentes. Mas, certamente, você não vai querer ver o seu preferido decapitado, não é? Roth não era meu preferido – ninguém era meu preferido, mas isso não significava que eu poderia permitir que isso acontecesse. Poderosa e impotente fúria rolou através de mim, esticando minha pele apertada. — E ele não vai apenas morrer, — Paimon continuou. — Oh, ele sentirá isso. — Movendo rápido como um relâmpago, ele pegou uma mecha de cabelo de Roth e puxou a cabeça dele para trás. — Não é mesmo, Sua Alteza? Um tremor rolou pelo corpo de Roth e seus olhos se abriram. — Foda-se, — ele cuspiu. — Tão terrivelmente chato. — Paimon soltou a cabeça de Roth, mas ela não caiu. Seus olhos encontraram os meus. Eles estavam surpreendentemente alertas para alguém que parecia estar em tão mau estado. Paimon olhou para Zayne. — Roth acabará nos abismos de fogo, o que é pior que a morte. Terror formou nós dolorosos no meu estômago. Eu não conseguiria tirar a alma de Zayne e vê-lo se transformar no monstro que Petr se transformara. E não podia deixá-lo matar Roth. — Qual é a sua resposta, Layla? Um terrível ruído veio do peito de Roth. — Layla...
Meu olhar se voltou para ele. Seus olhos estavam dilatados, brilhante. — Não posso. — Não, — ele rosnou. — Não faça... — a faca se mexeu, pressionando o pescoço dele até que o sangue fresco brotou. — Pare! — Gritei. Minhas mãos tentaram se enrolar em punhos, mas não poderia fazê-las passar pela corda. — Apenas pare! Paimon levantou a mão e Naberius recuou. — Sim? — Layla, não diga outra palavra! Você... — o punho de Naberius silenciou Roth. — Não preciso tomar a alma dele, — eu disse ofegante. — Já tomei uma alma... uma alma pura. Paimon olhou para mim por um momento e soltou uma gargalhada. — Bem, bem. Este é um desenvolvimento interessante. — Sim. Sim! Era um Guardião. Tomei a alma dele. — Minha respiração saía muito rápida e em um padrão estranho. Uma respiração. Duas respirações. — Huh. Não vi isso vindo. — Ele parecia perplexo, e me perguntei se isso era a mancha que ele sentiu e confundiu com a coisa toda de atividade carnal. Não importava, entretanto. Ele estalou os dedos. Os demônios Rack soltaram Zayne no chão e ele ficou lá, um pedaço imóvel de carne e osso. Um segundo depois, Naberius foi atrás dele e agarrou um pouco de cabelo loiro e puxou a cabeça de Zayne para trás, expondo a garganta dele. — Bem, mesmo com tudo o que foi dito e feito, você sabe o que eles dizem sobre Guardiões? — O sorriso lento de Paimon se esticou em seu rosto. — Um bom Guardião... Naberius balançou a adaga, colocando a borda afiada e mortal na garganta de Zayne. — É um Guardião morto, — o outro demônio terminou. — Não! — Eu gritei, e minhas costas arquearam. Os olhos injetados de Zayne se abriram em fendas finas. Joguei minha cabeça para trás e meu próprio grito me ensurdeceu. Tantas imagens piscaram em minha mente como um álbum de fotos, juntando-se e batendo gloriosamente em um momento de dor primal, maior do que qualquer outra que eu conheci. A raiva desbloqueou o demônio dentro de mim.
Quando empurrei para frente, as cordas ao redor dos meus braços se esticaram. O fio da trama se tencionou e o fio se rompeu. Minhas pernas foram libertadas em seguida. Segundos depois, eu estava de pé. Ar não passou pela minha garganta. Fogo fez, queimando minhas entranhas e derramando através das minhas veias. Eu queimava de dentro para fora. Músculos apertados. Mãos se curvaram
em
garras. Minha
visão
do
mundo
aguçada
e
matizada
em
vermelho. Ossos quebraram em uma explosão de dor e, em seguida, fundiram juntos novamente. Força se agarrou a pele que parecia muito fina e esticada. Peças de roupa rasgaram enquanto o meu corpo mudava; músculos filamentosos crescendo e expandindo. Minúsculos fios de cabelo rosa ao redor da minha cabeça. Dor explodiu em minhas costas, mas era o tipo bom de dor – o tipo que trouxe alívio doce quando minhas asas desfraldaram, arqueando alto no ar, acima de mim. Quando levantei minhas mãos, choque vibrou por mim. Minha pele era preto e cinza, marmorizado em uma mistura de ambas as espécies. Uma mistura bonita de Guardião e demônio há muito enterrada dentro de mim. — Pegue-a! — Gritou Paimon. Os demônios Rack que seguravam Zayne se atiraram em minha direção, assim como Roth recuou, se libertando dos demônios que o seguravam. No piloto automático, controlada por algo inato e vinculativo, eu nem sequer pensei. Levantando minha cabeça, eu mostrei os dentes e rosnei. Peguei o primeiro demônio Rack pelo pescoço, cavando minhas garras. Houve um barulho de quebra e o deixei cair. O segundo demônio Rack eu brinquei, pegando-o pelo pescoço e levantando-o no ar. O rouco guinchado igual ao de um porco trouxe um sorriso cheio de dentes ao meu rosto. Rodando ao redor, eu o atirei para a parede acima das arquibancadas. Pisando fora sobre as velas, eu estendi as minhas asas. Ensanguentadas e batendo como se não houvesse amanhã, Roth sorriu para mim quando deixou cair um dos demônios Rack. — Você ainda está sexy como uma aberração de pedra. — Seu olhar caiu. — Talvez ainda mais quente. Droga. — Pegue-os! — Paimon rugiu. — Mate-os! Façam alguma coisa!
Minha cabeça se voltou para onde ele estava ao lado de Zayne. Voando, eu aterrissei na frente do demônio. Balançando o meu braço ao redor, eu o acertei, jogando-o no ar e girando em torno dele. Ajoelhei-me ao lado Zayne, cautelosamente rolando-o de costas. — Zayne? Seus olhos estavam abertos, piscando furiosamente. — Estou bem. O corte não é profundo. — Ele dobrou a mão ao redor da minha – a mão humana sobre a minha. O contraste foi ainda mais surpreendente por causa da nossa inversão de papéis. Seu olhar viajou até meu braço, onde as mangas da minha blusa se dividiram pelas costuras. Seus lábios se separaram quando ele deu uma boa olhada. — Você é... — Layla! — Roth gritou. Torcendo a cintura, escapei do demônio Rack se projetando para mim. A coisa tombou, mas havia dezenas, se não centenas, mais. Todo o ginásio estava cheio deles. E atrás deles, criaturas maiores e mais peludas rugiram. Hellions. — Estou bem. — Zayne cambaleou. — Posso lutar. — Eu certamente espero que sim. — Roth levantou o braço e Bambi saiu de sua pele, enrolando no chão entre nós. — Porque se ficar apenas sentado aí sangrando, você é uma merda. Então Roth mudou. Sua pele ficou da cor de obsidiana, lustrosa e brilhante. Ele era maior do que nós, Zayne que estava agora no modo de gárgula, e eu. O tom de pele era diferente e ele não estava com quaisquer chifres, mas a semelhança entre nós ainda era estranha. Nós três viramos um. Além de Paimon e Naberius, toda uma horda de demônios esperava. Eles vieram para frente. Uma confusão caótica de corpos, e não havia tempo para pensar quando corpos colidiram um com outro. Derrubando um demônio Rack, eu saí do caminho de um Hellion, abrindo caminho para Bambi, que disparou pelo ar e afundou as presas no pescoço do animal. A cobra enrolou-se em torno do Hellion, apertando até que o Hellion arqueou as costas e rugiu. Fumaça negra se derramou da boca escancarada e depois o Hellion implodiu. Roth foi atrás de Paimon enquanto Zayne teve uma óbvia escolha, escolhendo Naberius após todo o incidente da faca na garganta. Isso era uma
droga, porque eu teria realmente gostado de bater nesse idiota em vez de nos demônios Rack. — Você tem sido uma dor na minha bunda, — disse Roth, circulando Paimon. — O Chefe terá muito divertimento empurrando atiçadores quentes onde o sol nunca brilha. — Bem, se não é o cachorro inofensivo da família, — Paimon fervia. — O príncipe favorito e animalzinho de estimação do Chefe. — Não seja um inimigo. — Roth se abaixou para o chão. Ele tremeu sob seu peso. — Você está apenas com ciúmes porque não tem permissão para retornar para a superfície desde a Inquisição concedida. Você sempre bagunça as coisas. — Enquanto você é apenas um bom menino. — Paimon sacudiu os ombros. Rasgando o material. Escuras asas retorcidas se projetaram de suas costas. O fogo se espalhou sobre a pele de Paimon até que ele era nada mais do que uma chama em um terno Armani. — Eu desfrutarei de quebrá-la. Queimá-la de dentro para fora. Você ouvirá os gritos dela das entranhas do inferno. Roth rugiu, desafiando Paimon. Ele se encontrou com Roth no meio do caminho, a colisão resultando em uma explosão de chamas e depois escuridão. Dei um passo para trás quando Paimon lançou Roth no ar e ele acertou uma fileira de Hellions. Roth voou de volta, atingindo as chamas e pegando Paimon. Roth se virou, jogando o rei em um bando de demônios Rack. As portas do ginásio se abriram. Guardiões invadiram o local, rasgando os demônios Rack como se eles não fossem nada mais do que papel. Reconheci Abbot e Nicolai liderando o ataque. Eles se dirigiram diretamente para onde Bambi tinha um Hellion encurralado. O monstro enorme caiu para frente, agarrando Bambi antes que ela pudesse envolver o corpo poderoso em torno da besta. Bambi foi arremessada para a arquibancada, colidindo nelas. A preocupação pela cobra me alimentou quando encestei um Rack no aro de basquete e comecei a avançar. — Layla? — A voz de Abbot tocou alto pela sala. Parei e me virei para ele. O choque em sua voz espelhando sua expressão seria engraçado em qualquer outro momento. — Acho que não sou uma mula... não realmente.
Ele poderia ter respondido, mas havia toneladas de demônios para matar, e pela primeira vez na minha vida, eu me joguei na batalha. A força de um Guardião em mim, tão inebriante e poderosa quanto provar uma alma. Garras do demônio Rack nem sequer perfuravam a minha pele. Eu era mais forte e mais rápida do que jamais poderia ter imaginado. Alcancei
Zayne,
agarrando
Naberius
por
trás. O
demônio
lutou
selvagemente, mas o segurei no lugar enquanto Zayne girava, arrancando a cabeça do demônio. Não houve tempo para comemorar a vitória. Roth lutava com Paimon, que sem dúvida viu os seus sonhos queimarem agora e tentava fugir. Eu me dirigi a eles, mas Zayne me parou. — Não. Devo a ele isso. Isso ia contra meus instintos, mas me segurei quando Zayne mergulhou debaixo do braço de Paimon e o agarrou por trás. Os três cambalearam para trás. Percebi que eles o arrastavam para o pentagrama. — Pai, — Zayne gritou, e Abbot virou. Eles iriam prender Paimon! Enquanto os Guardiões acabavam com o resto dos demônios, Zayne e Roth prenderam Paimon no pentagrama, segurando seu rosto para baixo. Juntos, eles amarraram Paimon, assim como eu estivera minutos antes. — Diga ao chefe que eu disse oi, — Roth disse, forçando o joelho nas costas de Paimon enquanto apertava a última corda. — Oh, espere. Você não falará muito. Será mais como um monte de gritos. Roth se levantou, e tanto ele como Zayne se viraram para sair da armadilha quando Abbot se
aproximou do pentagrama. Terminou,
eu
percebi, tudo
finalmente acabou. Meus olhos se moveram de Zayne para Roth. Ambos em suas formas reais, que eram tão assustadoras quanto estranhamente bonitas. Em sua forma de demônio, Roth piscou. Meus lábios se contraíram em um sorriso. Soltei um suspiro e foi como derramar uma pele. Músculos se abriram e encolheram. Alguns segundos depois, eu era eu novamente, de pé em desfiadas roupas e descalça. E então, tudo foi para o inferno.
Paimon soltou um rugido desumano e seu corpo contraiu. Cordas queimaram e se partiram. O demônio pulou e agarrou o alvo mais próximo, arrastando Zayne para o círculo. Meu coração despencou e um grito ficou preso na minha garganta. — Faça-o, — Zayne gritou, arregalando os olhos para o pai dele. — Faça isso agora! Gelo encharcou minhas veias. Qualquer coisa na armadilha do diabo ficava presa... humano, Guardião ou demônio. Zayne iria para os abismos juntamente com Paimon. Horror me prendeu. — Não! Roth voltou, e em um turbilhão de movimento, ele agarrou Zayne e o libertou das garras de Paimon. Empurrando-o para fora do círculo, Roth então passou os braços em torno de Paimon. Uma nova compreensão afundou em mim. De maneira nenhuma Paimon apenas
sentaria
docilmente
e
ficaria
na
armadilha. As
cordas
não
o
segurariam. Alguém precisava segurá-lo, e Roth acabara de fazer essa escolha. — Segure-a! — Roth gritou, segurando Paimon na armadilha. — Zayne, faça-o! — Não, não! — Corri para frente, os pés descalços deslizando através do sangue e gosma, assim quando Abbot jogou o sal negro para a armadilha. — Roth! Não! Nesse momento minúsculo de tempo, apenas um lampejo de um segundo, seus olhos dourados encontraram os meus. — O livre arbítrio, hein? Porra. Ele é uma cadela. — E então ele sorriu... ele sorriu... para mim, um sorriso verdadeiro, revelando aquelas covinhas profundas. — Eu me perdi no momento em que te encontrei. Minha voz se quebrou, e meu coração... Os braços de Zayne me envolveram e ele se virou, me forçando a ficar de joelhos. Suas asas esticadas e depois enroladas ao meu redor quando seu corpo curvou, me protegendo. Luz vermelha brilhou, tão brilhante e intensa que me cegou debaixo Zayne. Um vento uivando rugiu pelo ginásio. Eu gritei. Eu gritei porque sabia que Roth não faria qualquer som quando os abismos de fogo os acolhessem. E não
parei de gritar. Não quando o cheiro de enxofre me sufocou. Não quando o calor escaldante nos atingiu, provocando pontinhos de suor por toda a minha pele. Não até que o vento, o calor e o cheiro de enxofre recuou. Então houve um silêncio. — Sinto muito, — Zayne sussurrou, e então ele afrouxou o aperto. Eu me libertei, dando alguns passos em direção ao círculo queimado, antes das minhas pernas cederem. Caí de joelhos. O espaço onde Roth ficara com Paimon estava queimado, o chão completamente carbonizado. Alguém disse alguma coisa para mim. Talvez Abbot ou Nicolai. Não importava. Não havia nada que pudessem dizer agora. Roth se sacrificou por mim... por Zayne. Um demônio escolheu uma eternidade de sofrimento por alguém. Eu não poderia suportar isso. Lágrimas escorreram pelo meu rosto, misturando com sangue e fuligem. Baixei a cabeça até que minha testa descansou contra o chão e fiz algo que eu nunca fiz. Eu rezei. Rezei por Roth. Rezei para os Alfas intervirem. O que ele fez deveria ter lhe rendido uma intervenção divina. Rezei para que os anjos descessem ao inferno e o levassem. Rezei até que eu queria gritar novamente. Mas orações como esta não eram respondidas. Algo gelado e liso cutucou meu lado, e lentamente levantei minha cabeça. Pisquei uma vez e depois duas vezes antes de acreditar no que eu estava vendo. — Bambi? A grande serpente enrolou no meu braço, levantando a cabeça até que ela descansou no meu ombro. Uma nova onda de lágrimas nublou meus olhos, mas não o suficiente para me impedir de ver um Guardião vindo em nossa direção com um olhar assassino em seus olhos quando eles pousaram em Bambi. — Faça e será a última coisa que você fará, — avisei em uma voz que eu mal reconheci. O Guardião parou e depois recuou. Ninguém mais chegou perto de nós. O meu olhar voltou para o círculo. Próximo à direita, um pequeno furo queimara até o chão. Provavelmente uma ligação com o inferno, e nada mais além
desse ponto carbonizado no centro em que Astaroth, o príncipe herdeiro do Inferno, fizera uma escolha muito não demoníaca. Eu me perdi no momento em que te encontrei. Olhei para aquele local. Roth se foi.
Prendendo as frias mechas loiras do cabelo em um coque bagunçado na minha nuca, eu peguei minha blusa. O material parecia pesado nos meus dedos. Às vezes, eu me sentia sem peso. Em poucos dias, eu voltaria para a escola, tendo uma recuperação milagrosa de mono, para a alegria de Stacey e Sam. Aulas foram canceladas por três dias após aquele pequeno pedaço do inferno ter visitado a escola. Abbot e o comissário de polícia convenceram os funcionários da escola de que frustraram algum tipo de tentativa de terrorismo doméstico. A população em geral permaneceu sem saber que demônios andavam entre eles e do verdadeiro propósito dos Guardiões. A ameaça dos Lilin terminara... Mais ou menos. Pelo menos enquanto não houvesse mais nenhum demônio apaixonado por Lilith ou que quisesse começar o fim do mundo. As coisas estavam prestes a voltar ao normal. Como se outubro e novembro nunca tivessem acontecido. Então tudo estava bem, pelo menos para os Alfas e os Guardiões. Eu não mudei desde aquela noite. Talvez eu nunca fizesse isso novamente, e Abbot não empurrou a questão. Eu não era uma mula mais, mas não era como os outros Guardiões, também. De qualquer forma, agora que eu sabia como parecia, eu me senti mais diferente do que me sentia antes.
Também tentei não pensar em Petr e meu pai, sabendo que Elijah ainda estava lá fora e provavelmente tramando a minha morte prematura. Nenhum dos dois realmente importava agora. Lidarei com ele quando chegar o dia. Mas, por enquanto, havia coisas mais importantes para tratar. Meus olhos se moveram para o espelho, e como todos os dias desde o confronto no antigo ginásio, eu fiquei surpreendida. Anos provavelmente passariam até me acostumar com o que eu via. Virei na frente do espelho, estranhamente aliviada e confortada com o que vi no meu reflexo. Minha tatuagem nova e inesperada servia como um lembrete amargo. Abaixando o meu olhar, eu soltei um suspiro instável enquanto lágrimas picavam
meus
olhos. Bambi
se
fundiu
com
o
único
demônio
de
pé
sobrando. Eu. Ela era grande demais para o meu corpo, mas nós tentávamos fazer isso funcionar. Agora, seu corpo estava enrolado no meu tronco; seu espesso e brilhante pescoço ônix esticado entre os meus seios e inclinado sobre o meu pescoço. A cabeça em forma de diamante descansava na parte de trás do meu ombro. De alguma forma, os detalhes ainda me surpreendiam. Cada escala perfeitamente replicada; uma linha mais escura correndo pelo centro de seu corpo, ficando mais suave no ventre. Passei a mão sobre minha barriga e sua cauda se contraiu. O movimento me assustou, até fazendo um pouco de cócegas. — Você tem que parar com isso, — eu disse a ela. Bambi deslocou a cabeça e estremeci, a sensação me dando arrepios. A cobra compartilhava um pouco da personalidade de Roth. No pouco tempo que esteve comigo, eu realmente pensei que Bambi viveu para encontrar novas maneiras de me atormentar. Como no meio da noite, quando queria sair e ir caçar. O que ela caçava? Eu estava com medo até de descobrir. Esperava apenas que não fossem pequenos animais... ou crianças. Ou quando ela se movia na minha pele para ficar visível quando Zayne estava por perto, assim como eu imaginava que Roth faria se ele... Puxando minha blusa, eu cortei esse pensamento, mas a parte de trás da minha garganta queimou. Fechei os olhos e respirei fundo várias vezes, focando novamente em Bambi.
Ontem ela caminhou para o lado do meu rosto enquanto Zayne assistia a um filme comigo, e não ia embora, não importava o que eu fizesse. Zayne tentou ignorá-la, mas tudo o que fez foi provocar Bambi a sair da minha pele e jogar a cabeça diretamente em sua coxa. Então, sim, a serpente era como Roth. Houve uma batida na porta, chamando minha atenção. — Sim? Zayne entrou, seu cabelo preso em um rabo de cavalo baixo. Eu esperava por ele hoje, e não apenas porque ele estava passando muito tempo comigo. Nós realmente não falamos sobre o que aconteceu ou o que Roth fez por ele... Por nós. Mas sabia que isso o incomodava, e ele não sabia a coisa certa a dizer. Eu não sabia, também. Então, nós apenas passamos muito tempo juntos desde então, e não havia palavras suficientes neste mundo que poderia mostrar minha gratidão. A presença de Zayne fez o que Roth sabia que faria. Isso manteve os lados mais sombrios, mais escuros da dor na borda. Nosso vínculo desde a infância foi como um tampão, bloqueando a dura realidade de que eu havia perdido uma parte de mim antes de ter a chance de perceber isso. — Tem certeza de que quer ir comigo? — Perguntei. — Sim. — Seu olhar mergulhou ao longo da barra da parte superior da minha blusa. — Cara, eu odeio como essa coisa apenas se move por todo o seu... — Corpo? Rosa rastejou sobre suas bochechas. — Sim, é. Eu ri baixinho. — Ei, Bambi é uma menina. — O que não melhora isso, — ele resmungou, pegando meu casaco e entregando-o para mim. Eu peguei dele. — Acho que ela gosta de você. — Coloquei-o e fechei o zíper na frente. — Acho que é por isso que ela mexe com você. — Eu acho que ela me odeia, e é por isso. — Ele estendeu a mão e endireitou o casaco. — A cobra... A cauda de Bambi deslizou de repente até minha cintura, e empurrei para o lado, rindo. Zayne baixou as mãos. — O quê?
— Bambi, — engoli em seco. — Ela está se movimentando... isso faz cócegas. Seus olhos se estreitaram enquanto seus lábios caíam nos cantos. — Isso significa que encarar não ajuda. Provoca-a. — Sorri enquanto Zayne revirava os olhos, mas o sorriso desvaneceu-se rapidamente quando pensei no que estava por vir. — Você está pronto? — Você está? — Não, — sussurrei, e depois balancei a cabeça. — Sim. Zayne esperou. — Está tudo bem. Leve o tempo que precisar. Estou aqui com você. Assim como Roth sabia que ele estaria. *** Nós estacionamos várias quadras do apartamento de Roth, e Zayne esperou em um pequeno parque um quarteirão abaixo. Acho que os demônios não estariam emocionados com a presença de um Guardião, embora Zayne não fosse tentar nada hoje. Não tinha certeza de quão bem-vinda eu seria com o meu sangue Guardião, mas isso não me pararia. Respirando fundo, abri as portas e entrei no átrio opulento, olhando ao redor. Demônios estavam muito escassos. Havia um Fiend sentado em um sofá, bebendo uma xícara de café enquanto mexia no seu telefone. Ele olhou para cima, me viu e voltou para a sua tela. Ok. Fui para as escadas, alcançando o meu destino sem interrupção. Cheguei à porta da escada, mas meu olhar foi para o elevador mais próximo – o portal para o inferno. — Eu sei o que você está pensando. Virei-me. — Cayman. O administrador infernal inclinou a cabeça em reconhecimento. — Não há nenhuma maneira de você descer e encontrar Roth. Abri a boca, mas ele continuou. — Se você não for comida pela primeira dúzia de demônios que aparecer na sua frente e realmente conseguir ir para os abismos, o Chefe ainda não a deixará entrar.
Exalando, eu olhei para as portas do elevador. — Não sou estúpida o suficiente para tentar. — Não. Você não é. Mas um momento de desespero poderia ter levado você a tomar uma decisão muito imprudente. Não é o que Roth teria desejado. Apertei meus olhos fechados. — Eu odeio que você fale dele como se ele estivesse morto. — Não é assim que você pensa nele? A fatia afiada de agonia que iluminava meu peito me disse que sim. — Quero apenas ir ao apartamento dele. Isso é tudo. Ele tinha estes gatinhos... — Oh, os três pequenos monstros? — Ele perguntou. — Eles eram tatuagens. Meus olhos se arregalaram. — Eram? Nunca os vi nele. Cayman pisou em torno de mim e abriu a porta da escada. — Ele raramente os tinha na pele. Não sei se estavam naquela noite. Não pensei em verificar o quarto dele. — Você me deixará entrar? Ele fez um gesto em direção à escada. — Depois de você. Em silêncio, nos dirigimos para o nível superior, os músculos em minhas pernas queimando quando ele destrancou a porta de Roth. Quando entrei, Cayman permaneceu do lado de fora. Não sei o que eu esperava sentir vindo aqui, mas nada poderia me preparar para o doloroso vazio que se abriu em meu coração ao sentir o cheiro almiscarado. As coisas estavam como Roth deixara, eu imaginei. Havia um livro na mesa, virado para baixo. Eu o peguei e vi que era Contos de Poe. Sorrindo discretamente, coloquei-o do jeito que eu encontrara. Não sei por que, mas não queria perturbar as coisas dele. Sentei-me na cama e esperei que as pequenas bolas de pelos se materializassem e se juntassem a toda pele exposta, mas nunca fizeram. E eu ainda fiquei ali; meu olhar entre as paredes, os livros, a TV e todas as pequenas coisas que fizeram Roth real – tornava-o mais do que apenas outro príncipe. Engolindo
em
seco,
ajoelhei-me
e
levantei
as
cobertas. Nenhum
gatinho. Verifiquei atrás do piano. Nada. Mesmo no banheiro. O armário estava
surpreendentemente
vazio.
Perguntei-me
onde
Roth
colocava
suas
roupas. Chequei todos os cantos e recantos no loft. Os gatinhos foram embora. Olhei para o corredor além da porta aberta. Cayman esperou. — Ele deve ter ido com eles na pele. Balancei a cabeça. Não sabia se eu deveria estar aliviada ou não. Pelo menos, eles não foram deixados aqui para morrer de fome. Então, novamente, eu não fazia ideia do que eles comiam. Provavelmente sangue. — Preciso apenas de mais um segundo, — eu disse. Cayman sorriu levemente, e me virei, abrindo a porta para o telhado. Subi as escadas uma última vez. O jardim floresceu e o nó na minha garganta cresceu. Um demônio que fazia jardinagem? Roth... Deus, Roth era nada, exceto surpresas. Passando pelo lounge e suavemente movendo pela copa, suspirei e caminhei até a borda do telhado. A dor dentro de mim era muito real, e eu realmente não poderia imaginar isso indo embora. Lógica me disse que desapareceria um dia, mas... O doce cheiro almiscarado saiu do nada, oprimindo os aromas das flores que me cercavam. Minúsculos pelos subiram no meu corpo quando um tremor de consciência dançou sobre a minha pele. Virei-me, coração batendo contra minhas costelas. — Roth? Ninguém estava lá, mas seu cheiro permaneceu quando o meu olhar voltou para a espreguiçadeira. Algo metálico chamou minha atenção. Movendo-me em direção a isso, encontrei uma corrente de prata enrolada sobre a pequena mesa ao lado do lounge. Não estava lá segundos antes. Apanhei-a, surpresa roubou meu fôlego. Era minha corrente... Petr havia quebrado. Mas os fechos foram reparados, o metal limpo até parecia brilhante e novo. Eu sabia que era minha, porque nunca vi uma cadeia tão intricadamente atada antes, como se combinasse com o anel. De certa forma, eu imaginei que combinava. Lágrimas
obstruíram
minha
garganta
conforme
eu
me
virava
lentamente. Ele não poderia ter estado... Mas de onde viera o colar? — Roth? — Sussurrei; minha voz embargada na metade do seu nome. — Você está aqui?
Não sei o que eu esperava. Que ele saltasse do nada na minha frente como normalmente fazia? Ele não o fez. Olhei para o colar. Ele não estivera lá. Uma brisa quente, mais como uma respiração suave do ar, acariciou minha bochecha, fazendo o meu coração saltar, e então... então o cheiro almiscarado desapareceu, como se nunca tivesse existido. Fechando os dedos em torno do colar, eu apertei contra o meu peito e fechei os olhos. A dor aumentou até que pensei que certamente me puxaria para baixo. Deus, tanto quanto eu odiava chorar, eu respeitava as lágrimas que saíam furtivamente de minhas pálpebras bem fechadas. Elas queriam dizer alguma coisa. Elas significavam tudo. Elas eram a única maneira que eu poderia pagar Roth pelo o que ele havia sacrificado. Cayman ainda esperava no corredor quando voltei. — Eu cuidarei do jardim. Pisquei lentamente. — Obrigada. Não falamos enquanto descíamos, e comecei a ir em direção à porta, meu coração e pensamentos irrevogavelmente carregados. Eu não sabia o que o colar realmente queria dizer, se não o vi antes ou se o cheiro dele era simplesmente um produto da minha imaginação movida pela esperança. Eu não sabia, mas a mão que segurava o colar balançou. — Layla? Voltei-me para Cayman. — Sim? Ele sorriu um pouco. Mais uma careta, mas acho que para um demônio, contava. — Sabe, os demônios não morrem quando eles vão para os abismos. Roth fez o seu trabalho, Layla. Ele veio aqui para parar a criação dos Lilin. — Seu olhar fixo no meu. — Os abismos de fogo são apenas uma espécie de caminho, mas o Chefe é velha escola, e Roth ainda é o príncipe herdeiro favorito do Chefe. Respirei fundo, tão perto de deixar aquela pequena centelha de esperança crescer. — O que você está dizendo? — Com minha mão ainda tremendo eu estendi o colar para ele ver. — Achei isso no telhado. Não estava lá quando fui pela primeira vez, e então isso estava. O sorriso de Cayman aumentou um pouco e depois ele deu de ombros, enfiando as mãos nos bolsos. Ele virou, se dirigindo para frente do lobby. A meio
caminho entre os sofás e as cadeiras, ele olhou por cima do ombro para mim e piscou. Então, ele piscou fora de existência. Esperança e descrença guerrearam dentro de mim. Eu queria – precisava – acreditar que Roth não estava naqueles abismos. Que estava bem, que era ele quem deixara o colar para mim. Isso fazia com que encarar o amanhã fosse um pouco mais fácil, pensando que poderia haver uma chance de vê-lo novamente. Um dia. Não sei quanto tempo eu fiquei ali, mas finalmente me forcei a me mover. Zayne deveria estar impaciente lá fora. Saindo do prédio, eu inalei o ar vivo. Zayne esperava onde eu o deixara e como ele havia dito que faria. Sentindo-me, ele levantou a cabeça dourada. Ele não sorriu. Dando ou não voz ao que ele suspeitava que fossem meus sentimentos por Roth, e concordando ou não com isso, ele ainda sabia como eu me sentia. No calor do momento, eu senti o meu anel. Isso vinha com facilidade, a superfície rachada captando a luz. Sem o sangue de Lilith, o anel mais parecia uma pedra normal. Realmente não havia qualquer necessidade de mantê-lo, mas não conseguia me livrar dele. Ainda não. Quando entreguei a corrente e o anel para Zayne, ele parecia saber o que fazer com eles. O local onde Bambi havia estado no meu braço coçava loucamente. Resisti à vontade de arranhar-me enquanto Zayne deslizava o colar através do anel. — Será que... você cuidou do que precisava? — Ele perguntou, escovando um fio de cabelo loiro que escapara do rabo de cavalo. Limpei a garganta, mas o caroço ainda estava lá. — Acho que sim. Zayne mexeu os dedos e eu me virei, me forçando a tomar outra respiração profunda. Enquanto ele fechava o colar atrás do meu pescoço, meu olhar viajou até o loft de Roth. As janelas estavam muito escuras para ver. Não que alguém pudesse estar lá, mas eu nunca seria capaz de dizer. — Você está pronta? — Zayne perguntou. A dor em meu peito diminuiu um pouco quando olhei para os olhos azuis de Zayne. Tentei sorrir para ele, e acho que o pequeno esforço o aliviou. Ele sabia que eu não me enrolaria em posição fetal e definharia por ter perdido Roth. No entanto, houve momentos em que era a única coisa que eu queria fazer.
Deixei cair o colar sob a minha blusa, descansando entre os meus seios. Ele me ofereceu sua mão. E aceitei, enfiando os dedos nos dele. Andando pela rua calmamente. Meu coração disparou com cada etapa que me levava para mais longe de tudo o que fazia eu me lembrar de Roth. Eu não podia parar, ainda que eu quisesse virar e voltar correndo para o apartamento dele e acampar lá, até... Até que o para sempre passasse. De vez em quando, eu olhava por cima do ombro, em busca de uma cabeça cheia de cabelos escuros e um sorriso que me enfurecia e me animava. Esforcei-me para ouvir o zumbido de Paradise City. Dentre todos os rostos que se aglomeravam na rua, não vi o que eu procurava. Mas pensei no colar e na piscadela de Cayman, e me perguntava se um dia eu o encontraria novamente. Fim...