Rumo à Gestão Integrada e Participativa de Zonas Costeiras no Brasil

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GESTÃO INTEGRADA PARTICIPATIVA

GESTÃO

RUMO À GESTÃO INTEGRADA E PARTICIPATIVA DE ZONAS COSTEIRAS NO BRASIL: PERCEPÇÕES DA COMUNIDADE CIENTÍFICA E DO TERCEIRO SETOR HEADING FOR AN INTEGRATED AND PARTICIPATIVE COASTAL MANAGEMENT IN BRAZIL: PERCEPTIONS OF THE SCIENTIFIC COMMUNITY AND THE NGOs MARCUS POLETTE; GABRIEL NUNESMAIA REBOUÇAS; ANA CARLA LEÃO FILARDI; PAULO FREIRE VIEIRA RESUMO: O artigo reproduz os resultados preliminares de uma avaliação do sistema de gerenciamento costeiro em funcionamento no Brasil, concentrando-se em dois protagonistas-chave: a comunidade científica e as organizações não-governamentais. A partir de uma caracterização da problemática de pesquisa e da definição dos perfis dos dois setores consultados, os autores colocam em foco as percepções dos entrevistados sobre os pontos fortes e sobre as lacunas do sistema. Na parte final são oferecidas pistas adicionais de reflexão crítica sobre a maneira pela qual as ações de gerenciamento costeiro integrado vêm sendo implementadas em nosso País e sobre opções de enfrentamento sistêmico dos impasses atualmente sentidos. PALAVRAS-CHAVE: gerenciamento costeiro integrado, política ambiental, meio ambiente e desenvolvimento, recursos de uso comum, Agenda 21 local. ABSTRACT: The article reproduces the preliminary results of an evaluation of the system of coastal management in operation in Brazil, concentrating on two protagonis ts-key: the scien tific community a nd the nongovernmental organizations. From the problem characterization of the research and the definition of the profiles of the two different stkeholders, the authors put in focus the interviewers' perceptions on the strong points and on the gaps of the coastal managment system. Additional tracks of critical reflection are offered on the way by the which the actions of integrated coastal management have been implemented in Brazil. KEY-WORDS: integrated coastal management, environmental policies, environmental development, common resources,Agenda 21. I. INTRODUÇÃO A tomada de consciência da crise socioambiental planetária e, mais especificamente, dos riscos de utilização predatória dos ecossistemas costeiros em nosso País remonta ao início da década de 1970 na esteira dos debates travados por ocasião da Conferência de Estocolmo. Em 1973 foi criada a Secretaria Especial do Meio ambiente da Presidência da República (SEMAM), e em 1974 a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM). O trabalho conjunto desenvolvido por essas duas instituições conduziu à formulação da Política Nacional para os Recursos do Mar em 1980 e da Política Nacional do Meio Ambiente em 1981. Em 1987, a CIRM formulou o Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (GERCO), visando balizar as ações de planejamento e gestão integrada, descentralizada e participativa da zona costeira. Mediante a formulação da Lei 7.661/1988 foi instituído o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), que legitima o estatuto de patrimônio do povo brasileiro atribuído à zona costeira pela nova Constituição. Vale a pena ressaltar ainda que o PNGC integra a Política Nacional para os Recursos do Mar e a Política Nacional do Meio Ambiente (ASMUS & KITZMANN, 2004), tendo sido regulamentado pela Resolução CIRM no 01 de 1990. Em sua fase inicial, o processo de implementação do PNGC restringiu-se basicamente à elaboração de material cartográfico. A realização do Zoneamento Costeiro, que permanece sob responsabilidade dos órgãos ambientais estaduais, foi considerado como um pré-requisito para a viabilização dos demais instrumentos de política no nível estadual, a saber: o Sistema Nacional de Informações do Gerenciamento Costeiro (SIGERCO), os Planos de Gestão e os Programas de Monitoramento. Este e outros entraves de cunho metodológico, institucional e operacional (ver MORAES, 1999) foram identificados por ocasião do primeiro processo de avaliação do PNGC, realizado em 1992. O aprendizado obtido favoreceu o aprimoramento das ações e marcou o início de uma fase mais dinâmica e produtiva, que se estendeu até o ano de 1997. Neste segundo período de evolução do PNGC, os avanços mais importantes concentraram-se na elaboração dos zoneamentos costeiros, no treinamento das equipes vinculadas aos órgãos ambientais estaduais, na criação de parcerias e convênios para o desenvolvimento de ações conjuntas no nível intergovernamental e na criação de fóruns interinstitucionais de discussão e formulação de ações de planejamento costeiro a exemplo da Câmara Técnica do Gerenciamento Costeiro no Conselho Nacional de Meio Ambiente. Foi estimulado também o fortalecimento institucional do SIGERCO, mediante a ampliação da infra-

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SANTA CATARINA - BRASIL

estrutura técnica, da criação de um banco de dados georreferenciados e da capaci tação de recurs os humano s. Finalm ente, passar am a ser implementados os Planos de Gestão e os Programas de Monitoramento, com base em diagnósticos socioeconômicos e ambientais (MORAES, 1999). A experiência acumulada no âmbito do MMA e dos órgãos ambientais estaduais executores do PNGC, associada às novas demandas surgidas no seio da sociedade brasileira, deflagraram uma revisão dos documentos básicos de orientação do Plano. Contribuíram para tanto, dentre outros fatores, a recomposição das instituições democráticas neutralizadas durante o regime militar, a política de descentralização colocada em prática a partir da oficialização da nova Carta Constitucional de 1988 e a realização da Cúpula da Terra em 1992. Conforme os dispositivos previstos na Lei 7.661/88, a atualização do PNGC foi conduzida pelo Grupo de Coordenação do Gerenciamento Costeiro (COGERCO), atuando no âmbito da CIRM. Neste segundo processo de avaliação, o COGERCO consultou as equipes estaduais e preparou uma nova versão do PNGC. Esta última, por sua vez, foi submetida a várias revisões, contando neste sentido com a participação da comunidade científica. Resultou desse processo a Resolução no 05 de 1997, que instituiu o PNGC II. Em linhas gerais, o PNGC II manteve os objetivos e os princípios fundamentais adotados anteriormente, inclusive o modelo institucional estruturado segundo os princípios da descentralização executiva e da ação cooperada entre os três níveis de governo. Mas inovou ao acentuar a responsabilidade das escalas federal e municipal em parceria com a sociedade civil organizada na condução do Programa. Reafirmou também os instrumentos básicos do Programa, salientando a possibilidade de mobilização dos outros instrumentos estipulados pela Política Nacional do Meio Ambiente, especialmente o Relatório de Qualidade Ambiental da Zona Costeira (RQA). Colocou ainda em destaque a necessidade de se promover uma articulação mais efetiva do GERCO com outras ações de rotina dos órgãos ambientais (e.g. licenciamento e fiscalização). Os instrumentos foram desatrelados do pré-requisito de conclusão da proposta de zoneamento, fazendo com que os Planos de Gestão passassem a dispor de maior visibilidade em todos os níveis do sistema de gestão. Vale a pena ressaltar ainda que, no texto oficial do PNGC II, o conceito de zona costeira foi redefinido, tornando-se mais operacional e passando a delimitar o território a ser gerido a partir dos limites políticos dos municípios litorâneos. Finalmente, para facilitar as conexões interinstitucionais foram criados, no âmbito da CIRM, o Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro (GIGERCO) e em seu interior o Subgrupo de Integração dos Programas Estaduais (MORAES, 1999). O grau de estruturação já alcançado e a institucionalização do PNGC em todos os dezessete estados costeiros constituem sem dúvida avanços dignos de registro. Permitiram a ampliação dos espaços de manobra atualmente existentes tendo em vista a maturação de um sistema de gestão ao mesmo tempo integrada, participativa e ecologicamente responsável do patrimônio natural e sociocultural existente no litoral brasileiro. Todavia, após dezesseis anos desde a sua criação, o PNGC ainda não se consolidou como um mecanismo eficaz de gestão participativa dos recursos naturais e dos espaços litorâneos, e tampouco de integração das várias políticas públicas incidentes sobre a zona costeira. Por um lado, os Planos Estaduais de Gerenciamento Costeiro (PEGC) foram legalmente instituídos apenas nos estados do Amapá, Rio Grande do Norte, São Paulo e Paraná; e dos mais de 400 municípios costeiros, até o presente nenhum deles deu início ao processo de elaboração do Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro (PMGC). Por outro, a participação da sociedade no processo de gestão costeira integrada permanece embrionária. Como explicar este desnível entre diretrizes de gestão juridicamente consolidadas e a dinâmica em curso de pilhagem sistemática do patrimônio natural e cultural existente no litoral brasileiro? Levando-se em conta a importância estratégica das zonas costeiras na busca de estratégias alternativas de desenvolvimento para o nosso País, vem se tornando cada vez mais urgente um esforço de avaliação dos principais obstáculos políticos, econômicos, administrativos, técnicos, legais e socioculturais à concretização dos objetivos propostos pelo PNGC. Uma iniciativa pioneira orientada nesse sentido vem sendo executada desde 2004 por pesquisadores vinculados ao Laboratório de Gerenciamento Costeiro Integrado da Universidade do Vale do Itajaí e ao Núcleo Interdisciplinar de


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