A poesia andando

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A POESIA ANDANDO: TREZE POETAS NO BRASIL


Título: A poesia andando: treze poetas no Brasil © dos Autores e de Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2008 Todos os direitos reservados. Capa: Livros Cotovia ISBN 978-972-795-248-9


A poesia andando: treze poetas no Brasil Antologia organizada e apresentada por MarĂ­lia Garcia e Valeska de Aguirre

Cotovia



Índice geral

Uma nota a esta antologia

p. 11

CARLITO AZEVEDO Vaca negra sobre fundo rosa Uma tentativa de retratá-la Nova passante Limiar Do livro das viagens Realismo Sob o duplo incêndio Café

17 18 20 22 23 24 25 26

AUGUSTO MASSI Rio Rounds Visão Intermezzo Viagem ao redor do quarto Detalhes Ponto morto Auto-retrato Balada do Don Pasquale

29 33 34 35 36 37 38 39

HEITOR FERRAZ MELLO O coração no bolso Walking the dog Francisco

43 44 45 7


A POESIA ANDANDO: TREZE POETAS NO BRASIL

Álbum de família Oficina mecânica O pescoço da Miss Japão O lago secreto Pré-desperto

46 47 48 49 50

FELIPE NEPOMUCENO As coisas são assim Neste tempo enfermo 2839 Barcelona Laranjópolis Monterrey Buenos Aires número dois Aquário

53 54 55 57 58 59 60 61

ANÍBAL CRISTOBO Os gatos de John Cage Não deverias ter feito isso Ema Filha do capinzal Filha do capinzal (Mangá version) Krill (o noticiário da tarde) Filha do capinzal (Western version) Céu do Siamês

65 66 67 68 69 70 71 72

FABIANO CALIXTO Da cidade Arpejos A canção do vendedor de pipocas Devaneio com canção popular do centro-oeste & outras canções Canto de insônia Uma história de amor Poema n.56 The Ballad of Sid & Nancy

75 76 77 79 81 82 84 86

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ÍNDICE GERAL

MARCOS SISCAR Conheço apenas Dor Ao filho Diante de si estas palavras Reversibilidade de beijos O roubo do silêncio Modo de usar Tigela de ágate

91 92 93 94 95 96 97 98

SIMONE BRANTES Pastilhas brancas Gravura Exercício visual Um acontecimento Mar Fico entranhada Há pessoas cujos Uma menina amuada

101 102 103 104 105 106 107 108

WALTER GAM 12:51 Nosso itinerário IKB

Volver antes Descia pela calçada Mushroom Jazz Com o breve arrepio Pálpebras durante os minutos PM. RICARDO DOMENECK Separatismo Ao ver Adriano Costa atravessar a Augusta Na contingência de suas mãos Seis canções óbvias 9

111 112 114 116 117 118 119 120

123 125 127 129


A POESIA ANDANDO: TREZE POETAS NO BRASIL

Falar hoje exige Poema começando “Quando” Linear

131 132 136

ANGÉLICA FREITAS O que passou pela cabeça do violinista… Dentadura perfeita Sereia a sério Boa constrictor Rilke Shake Sashimi Família vende tudo Na banheira com Gertrude Stein

141 143 144 146 148 149 150 152

VALESKA DE AGUIRRE Minúsculo espaço Assobio você Trabalhar para não fragmentar Ao som do vinil Ajuste o relógio O cabelo rente Semanas vão 1992 (2) Como ela disse?

155 156 158 159 160 161 162 163 164

MARÍLIA GARCIA Svetlana M.A. II. rue de fleurus Um carrossel na cabeça De dentro da caixa verde Aquário O que fazem A e B quando chegam a cidades destruídas Le pays n'est pas la carte

169 171 173 174 176 178 179 181

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Uma nota a esta antologia

Diante da vitalidade crescente da poesia brasileira atual, a primeira pergunta que desponta ao depararmos com esta antologia é a seguinte: o que há nesses textos para figurarem aqui? O que está em jogo? Por que esses poemas e não outros? Por que um recorte abrangendo poetas tão diversos? A resposta começa em uma casa editorial no Rio de Janeiro, em atividade desde a década de 90, chamada 7Letras, onde trabalhamos desde 2000. Fundada por Jorge Viveiros de Castro, a 7Letras desenvolveu um trabalho notável, sobretudo quando surgiu publicando poetas novíssimos em um momento em que o mercado editorial para a poesia no Brasil era bastante restrito. Editando livros bastante simples e com tiragens pequenas, esta casa foi pouco a pouco consolidando um catálogo de poesia que incluía autores já bastante estabelecidos, como Haroldo de Campos, e outros à época estreantes, como Marcos Siscar. Uma outra parte da resposta continua em 1997, quando a 7Letras começou a editar a Inimigo Rumor, revista de poesia que acabou de chegar ao seu vigésimo número e teve até uma breve passagem por Portugal que durou cinco números da revista, em parceria com a Livros Cotovia e a Angelus Novus. Criada por Carlito Azevedo e Júlio Castañon (que foi editor da revista até o número 7), a Inimigo Rumor teve um papel importante ao publicar poetas estreantes, traduções e ensaios, proporcionando um cenário poético bastante generoso para boa parte dos escritores presentes nesta antologia. Em formato de livro, impressa em uma cor e sem ilustrações, a Inimigo Rumor apresentava uma proposta editorial bastante despojada, e espalhava em suas páginas, sem marcas de hierarquia, poemas de autores novos ao lado de outros já canônicos, ensaios sobre poesia e inúmeras traduções das mais diversas línguas, como japonês, polonês, russo, alemão e hebraico, para citar apenas algumas. Além de ter sido das poucas revistas da época, 11


A POESIA ANDANDO: TREZE POETAS NO BRASIL

ela acabou servindo de modelo para as publicações que surgiriam na década seguinte. Em 2001, há outro dado importante para a presente selecção de poemas: durante dois anos a 7Letras editou os livros da colecção-em-miniatura Moby Dick. Semi-artesanal, esta colecção, com tiragens de 100 exemplares, reuniu boa parte dos poetas desta antologia e serviu para muitos deles como uma espécie de oficina de escrita, onde havia espaço para experimentação e o diálogo com outros poetas. Reunindo essas circunstâncias que serviram de base para a nossa seleção, faltava apenas um recorte temporal para ajudar a restringir as escolhas. Nosso critério foi o de reunir autores que tivessem publicado seu primeiro livro a partir de 1990. Esta década trazia uma inegável heterogeneidade poética que nos despertou o interesse. Se por um lado os poetas que se lançaram ali apresentavam livros bastante diversos entre si, por outro eles não se enquadravam rigidamente em nenhuma das tendências poéticas que haviam marcado as últimas décadas no Brasil e apontavam para novas opções de escrita. Eles mantinham seu interesse por um aspecto formal da linguagem, mas traziam um novo campo de possibilidades, remodelados por circunstâncias novas, tais como superação de querelas locais, desierarquização de meios como referentes e leitura de poetas das mais diversas línguas, ampliando suas possibilidades. Esses aspectos se intensificariam nos anos 2000, reforçando não apenas a diversidade da escrita desses poetas como também novas perspectivas. Selecionamos treze poetas que estrearam entre 1991 e 2007: alguns que já são agora estabelecidos no cenário da poesia brasileira, como Carlito Azevedo, Augusto Massi, Marcos Siscar e Heitor Ferraz; outros, como Felipe Nepomuceno, Simone Brantes, Aníbal Cristobo e Fabiano Calixto, que publicaram na segunda metade da década de 90 e já têm dois ou três livros. E por último, os que tiveram seus primeiros livros publicados a partir de 2000: Ricardo Domeneck, Walter Gam, Angélica Freitas, Valeska de Aguirre e Marília Garcia. 12


UMA NOTA A ESTA ANTOLOGIA

Para finalizar, há mais uma circunstância a ser esclarecida. Ao recebermos o convite do editor para a realização deste livro, ele gentilmente requisitou que nossos poemas também estivessem aqui presentes. A poesia andando: treze poetas no Brasil apresenta uma seleção de poemas bastante heterogêneos entre si mas que ajudam a confirmar, através deste aspecto, o momento de diversidade que vive a poesia neste país, momento mais propício a abrir caminhos, percursos e questões. Se de algum modo pudéssemos traçar uma linha ligando esses poemas e esse poetas, gostaríamos que fosse através do título da antologia, emprestado de um ensaio da crítica Flora Süssekind — em que cita, por sua vez, um poema de João Cabral de Melo Neto —, que aponta não somente para rotas sendo percorridas e para as formas narrativas nestes poemas, mas para uma poesia do chão e do prosaico, uma poesia no meio do caminho.

As organizadoras

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Carlito Azevedo


CARLITO AZEVEDO nasceu no Rio de Janeiro, em 1961, onde ainda vive. Publicou os livros Collapsus Linguae (1991), As Banhistas (1993), Sob a Noite Física (1996), Versos de Circunstância (2001) e Sublunar (2001). É editor da revista de poesia Inimigo Rumor desde 1997. Em Portugal publicou Sob a Noite Física, editado pela Livros Cotovia em 2001. Tem mantido uma intensa atividade no campo da tradução de poesia, tendo vertido para português poemas dos argentinos Tamara Kamenszain, Arturo Carrera e Aníbal Cristobo, do peruano Antonio Cisneros, dos chilenos Gonzalo Rojas e Nicanor Parra, dos franceses C. Tarkos, Jean Follain, Leslie Kaplan, Jacques Prévert, René Char, Pierre Reverdy, entre outros.


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VACA NEGRA SOBRE FUNDO ROSA

Até os cinco anos de idade jamais havia visto um trem de carga; e até os oito jamais um meteorologista. A garota com sombrinha chinesa foi um dia a minha garota com sombrinha chinesa, e a este que brinca na areia da praia chamamos nosso filho, pois é o que é, como a bola azul em suas mãos é a bola azul em suas mãos e o verão é outra bola azul em suas mãos. As coisas são o que são e sei que antes de precisar outra vez barbear-me já terão voltado para o frio de seu novo país. E talvez em meus sonhos voltem a fazer falta as três dimensões desse mundo espesso, sublunar, como uma vaca negra sobre fundo rosa.

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CARLITO AZEVEDO

UMA TENTATIVA DE RETRATÁ-LA

Num dancing é mais difícil pela chuva de ouro dos cabelos, íris hipnótica e sentidos desfolhados na viagem circular absoluta pela pista. Mas o século 21 preservou ainda as bibliotecas, sistema de sistemas que nos permite pressupor que em sua bolsa convivam, como dois faunos se encarando, Lancôme e La Celestina. Mas bibliotecas são também esforços infinitos, fluxos imparáveis, luminescentes, olhos em zig-zag, vibração de mãos pousando em páginas antigas, com mandíbulas de bolor, e todos os relâmpagos que há nisso. Um derradeiro “motivo” seria o da Jovem Em Um Carro Veloz Falando Ao Celular; clausura móvel onde soletrar palavras de amor e perder tudo, manipular as intermitências do desejo (e perder tudo), imolar violetas retardatárias. O planeta também imola seus retardatários. Entre operários na calçada, no frio, aguardando a sirene da mudança de turno? Talvez, talvez. De 18


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