CATテグ-O-VELHO OU
DA VELHICE
Título original: Cato Maior De Senectute 2.ª edição: Julho de 2005 © Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 1998 ISBN 972-8028-99-7
Marco Túlio Cícero
Catão-o-Velho ou Da Velhice Tradução do latim, introdução e notas de Carlos Humberto Gomes
Cotovia
Índice
Nota
p. 9
Catão-o-Velho ou Da Velhice
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Índice de nomes próprios
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Nota
Esta obra, escrita em 44, é dedicada ao grande amigo de Cícero, Tito Pompónio Ático. Trata-se de um diálogo entre Marco Pórcio Catão, Caio Lélio e Cipião Emiliano. A data dramática é 150 e o lugar onde esta conversa decorre é a casa de Marco Catão. O tema da obra é a velhice. Estabelece Catão os seguintes princípios gerais: a velhice não é para o sábio um mal; devemos seguir o curso natural da vida. Refuta Catão de seguida as quatro objecções feitas à velhice: que afasta homens dos negócios, que enfraquece o corpo, que suprime todos os prazeres da vida, que se encontra perto da morte.
Nota sobre a linguagem do De Senectute Nesta obra abunda um vocabulário com um matiz essencialmente filosófico, estando a ele associados termos técnicos específicos de outros domínios. A tudo isto adiciona Cícero máximas e provérbios, tentando assim aproximar-se da linguagem do tempo de Catão, assim como algumas expressões retóricas que denunciam a arte suprema do orador. Todos estes cambiantes pretendeu a presente tradução transpôr para a língua portuguesa.
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Edições: M. Tullius Cicero, Cato Maior de Senectute, ed. K. Simbeck, Leipzig, Teubner, 1917; Cicero, De Senectute, ed. W. A. Falconer, Cambridge Mass. & London, Loeb / Harvard Un. Press, 1923; Cicéron, Caton l’Ancien (De la Vieillesse), ed. P. Wuilleumier, Paris, Belles Lettres, 1961, texto por nós seguido; Cicero: Cato Maior de Senectute, edited by J. G. F. Powell, Cambridge, Cambridge Un. Press, 1988.
Catão-o-Velho ou Da Velhice
1.1 “Se em alguma coisa, ó Tito, posso ajudar-te ou aliviar-te da aflição, que agora te angustia e te atormenta, como algo crivado no peito, haverá, por ventura, alguma recompensa?”1 É-me permitido, com efeito, dirigir-me a ti, ó Ático, com os mesmos versos com os quais se dirige a Flaminino, “esse homem, pobre, mas, de grande lealdade”.2 E, contudo, tenho a certeza de que tu, como Flaminino, não “te hás-de atormentar, a ti mesmo, ó Tito, dia e noite”.3 Conheço bem a tua moderação de espírito e a tua justeza, estou ciente de não teres trazido apenas o teu cognome de Atenas, mas ainda a humanidade e a prudência. No entanto, suspeito de que sejas seriamente perturbado pelas mesmas coisas que me atormentam, cuja consolação é penosa, devendo ser relegada para outra ocasião. Afigurou-se-me, porém, agora escrever algo para ti sobre a velhice. 1.2 Na verdade, devido a este fardo de uma velhice, que nos é comum e certamente se avizinha e já fustiga, é meu desejo que nós, tu e eu, posÉnio, Anais, 10.335. Id., ibid., 338. 3 Id., ibid., 334. 1 2
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samos encontrar alguma consolação. Por outro lado, sei bem que tu o suportas e ainda hás-de suportá-lo certamente com moderação e sabedoria. Para mim, talvez porque queira escrever alguma coisa acerca da velhice, aparecias tu como digno de um presente que podemos usufruir em comum. Foi realmente para mim tanta a alegria na composição desta obra que, além de ter dissipado todas as moléstias da velhice, tornou esta mesma suave e espirituosa. Logo, jamais a filosofia poderá ser justamente louvada com dignidade: é que para quem a pratica toda a idade da vida pode ser superada. 1.3. Falámos o bastante acerca dessas outras e falaremos mais. Enviamos-te este livro acerca da velhice. Atribuímos, todavia, o tratado não a Titão, como o faz Aristão de Cós (já que numa fábula haveria pouca autoridade), mas, a Marco Pórcio Catão, já idoso, a fim de o discurso ter maior prestígio; junto dele fazemos Lélio e Cipião admirá-lo por suportar tão facilmente a velhice, e a ele fazemo-lo àqueles responder. Se Catão te parecer argumentar com erudição, maior do que aquela que se espera da leitura dos seus livros, tal se atribua às letras gregas das quais consta ter sido, na velhice, estudioso devoto. Que mais há a dizer? Todo o nosso pensamento acerca da velhice estará no próprio discurso de Catão. 2.4 Cipião: — Frequentemente, Marco Catão, costumo, aqui com Caio Lélio, admirar a tua sabedoria completa e perfeita em todos os domínios, e especialmente o facto, do qual tive nítida sensação, de nunca a velhice 12
ter constituído para ti um fardo, sendo ela tão detestada por grande maioria dos velhos, que afirmam carregar com um fardo ainda mais pesado do que o Etna. Catão: — Pareceis vós, Cipião e Lélio, admirar algo que não tem realmente grande dificuldade. Para aqueles que não possuem, eles próprios, qualquer recurso para viver bem e com felicidade, para esses toda a idade é penosa. Para aqueles que reclamam para si todos os bens, para esses nenhuma coisa, que a necessidade natural possa trazer, pode ser vista como um mal. Neste género está, em primeiro lugar, a velhice, que todos buscam alcançar e, quando a alcançam, deploram-na: tanta a inconstância, a estultícia e a perversidade! Afirmam insinuar-se ela mais rápido do que se julga. Primeiro, quem os obrigou a julgar de modo errado? Como pode, com efeito, aproximar-se a velhice da adolescência mais rapidamente do que a adolescência da puerícia? Em seguida, como poderia a velhice ser menos penosa, tivessem eles oitocentos ou oitenta anos? De facto, quando um certo período da vida chega ao fim, consolação alguma poderá suavizar uma velhice estulta. 2.5 Por conseguinte, se é hábito vosso admirar a minha sabedoria — que oxalá seja digna da vossa estima e do nosso cognome — nós, que seguimos a natureza, o melhor dos guias, e a ela obedecemos como a um deus, somos realmente sábios. É inverosímil que por ela tenha sido negligenciado o último acto, à maneira de um poeta inábil, devido a terem sido bem definidas as outras fases da vida; todavia, era 13
necessário que existisse algum limite que, tal como acontece com as bagas das árvores e os frutos da terra, quase se tornasse murcho e caduco devido a uma ocasião oportuna. O sábio deve suportar isto com resignação: que outra coisa é enfrentar a natureza senão uma luta de gigantes com deuses? 2.6 Lélio: — E no entanto, ó Catão, terás feito algo que nos é tão grato e asseguro-te de que também para Cipião, se desejamos, conforme esperamos, envelhecer, depois de termos aprendido contigo antecipadamente os argumentos com os quais poderemos suportar mais facilmente o envelhecimento. Catão: — Assim farei, Lélio, sobretudo se, conforme dizes, for gratificante para cada um de vós. Lélio: — Sem dúvida que desejamos, ó Catão, se para ti não constitui incómodo, ver qual o ponto aonde chegaste, tu que percorreste um caminho tão longo como aquele que será também por nós percorrido. 3.7 Catão: — Farei o melhor que puder. Fui, com efeito, testemunha de lamentações dos meus contemporâneos — segundo o antigo provérbio os pares juntam-se aos pares — entre os quais Caio Salinator e Espúrio Albino, consulares, de idade quase igual à minha, costumavam deplorar, então que se encontravam privados dos prazeres, e sem os quais não poderiam gozar a vida, ser desprezados por aqueles que costumavam reverenciá-los. Parece-me que as suas acusações visavam 14
o alvo errado: se a culpa devesse apenas recair sobre a velhice, então verificar-se-ia o mesmo com todos aqueles de idade avançada. De muitos conheci uma velhice que desconheceu as lamentações; esses não só se desvincularam sem dificuldade dos prazeres como também nunca foram desprezados pelos seus. Mas a razão de todas essas recriminações reside na maneira como se vive, e não na própria idade — os velhos que foram com efeito moderados, sem nunca terem sido difíceis ou desumanos, têm uma velhice que pode ser tolerada; por outro lado, a má índole e a desumanidade são dolorosas para qualquer idade. 3.8 Lélio: — Bem o dizes, Catão. Mas, poderá alguém talvez dizer-te que o facto da velhice te parecer menos acerba o deves ao teu poder, à tua riqueza e ao teu prestígio o que não acontece a muitos. Catão: — Essa é, ó Lélio, certamente uma boa razão, mas, de modo nenhum tudo se resume a isso. Temístocles, segundo dizem, terá respondido, em discussão com um tal Serifiano, como este lhe tivesse dito ter aquele alcançado a fama para glória da sua pátria e não de si próprio: “Por Hércules, disse, nem eu, se fosse Serifiano, nem tu tão pouco, se Ateniense, terias sido alguma vez famoso”.4 O mesmo pode dizer-se da velhice: na verdade, nem pode a velhice ser agradável para o sábio no meio da maior indigência, nem para o ignorante, ainda que rodeado da maior riqueza. 4
Id., ibid., 12.370. 15