DUELO
Título: Duelo © Luís Quintais e Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2004 Concepção gráfica de João Botelho ISBN: 972-795-100-7
LuĂs Quintais
Duelo
Cotovia
Índice
I Nuvens Eco Mundo O Mapa e o território Lugar Cidade A demonstração da beleza Sopro
p. 15 16 17 18 19 20 21 23
II Nietzsche e Coltrane Mudar Firmamento O sonho de Santa Úrsula Ontologia Campo de Batalha O sonho da linguagem Blues para um gato azul Blue Wallace Stevens Como fazer um poema A insuspeita casa da poesia O dia claro A restante vigília Rua Castilho Il faut être absolument moderne
27 28 30 32 33 34 35 36 38 39 40 41 42 43 45 46
Um animal com penas Mudez
49 50
III
7
Queda de água Lição de infância Revisitação Náufragos Perpendiculares, paralelas Casa Adágio
51 52 53 54 55 57 58
Crematório Jardim Parto
61 62 64
Voz, vento, ferrugem Voz Roubar o fogo Irmão Caos Ordem Cena Abandonado numa cópia de The Sound and the Fury
69 70 71 72 73 74 75 76
Medo Fotograma O mundo como representação Descrição A inútil poesia Odd job word Horror Monróvia Nina Cassian (uma ficção)
79 80 81 82 83 85 86 87 88
IV
V
VI
VII Duelo Animais
91 92 8
Nietzsche em Turim Algum rigor P贸neis For Animals
93 94 95 96
VIII Mr. Hopper Klee, o peixe Istambul Chumbo Da natureza Viagem Flotsam
99 100 101 102 103 104 105
9
There is no wing like meaning. STEVENS
I
Nuvens
A metafísica será talvez uma indisposição que se quer passageira. Porém, eu continuo a inquietar-me com as nuvens que são arrastadas, violentamente arrastadas, na direcção sudeste, filtrando a luz do sol em obsessiva correria.
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Eco
Os dias (funâmbulos), sobre a corda que atravessa o abismo, perfilam-se como a linha do horizonte. Os dias são pontos que convergem para um lugar onde eu não estou ainda (indefinido intervalo, indefinida fronteira). Escurecerá e eu entrarei em cena depois. Como o cego e a vara se conduzem livremente, assim me conduzem os dias. Corpo a corpo com a terra, os dias hão-de definir-me, hão-de tocar-me com a sua pele áspera, hão-de sossegar o meu medo, alimentar o meu escrúpulo.
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Mundo
Não serei o fabbro, o oficiante de uma linguagem que todos reconhecem. Abandonei o palácio do consenso, e quero o ar que ninguém respirou, o impossível certamente. Peço a paisagem do que não há. Do que está morto e indesiste. Os frutos serão chamas que devoram, instante a instante, o fotograma do medo, o mapa dos erros, troncos, ramos, pequenos ramos, ínfimos ramos.
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O mapa e o território
O tédio era o espaço em que arriscávamos a batalha das nossas vidas. O professor falava e nós não escutávamos presos que estávamos à presença de um tempo em quadrícula, às adivinhas e arremessos cruzados. Sabemos hoje (por hábito ou fuga) que a metáfora é esta: cega tentativa em acertar nos objectos que flutuam na esquadria, vasos de guerra que irão naufragar, assim tenhamos êxito no desenho das formas. A maior parte de nós descobre, porém, a diferença maior: o mapa não é a realidade, e esta enovela-se num largo território para o qual não há métrica senão, e apenas, sonho de métrica. A densa sombra cobre a pouca verdade que recuperamos, e, móvel, destrói o seu legado. Nada sabes porque nada lembras.
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