VIDA: VARIAÇÕES II
Título: vida: variações II © Bénédicte Houart e Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2011 ISBN: 978-972-795-325-7
Bénédicte Houart
vida: variações II
Cotovia
Índice
vida: variações II
p. 11
infância aluimentos que atraso de vida cochicham elas deus existe pouco são as mulheres que eu não sou isto nem aquilo corpo ante corpo com os meus sapatos de vinte anos beijo: coisa pouca se ainda ontem foi hoje envelheço cresço ao colo embalo o meu filho morto nós os inconsoláveis que emocionei-me o dia todo os sonhos que tive, tive-os sou introvertido quando quero morrer pinto há um gosto a morte 7
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de modo que sim um espelho de corpo inteiro a velha prostituta conta vi da vida o verso e mal entro numa loja emília mouca deu à luz uma garrafa depende dos dias dizem suor: sal de uma vida baltazar meu cão cada vez condigo mais raparigas endiabradas no dia internacional do orgasmo um sorriso aberto como nenhuma oração farto-me de gemer, diz penélope onde há gatos à janela há é o pacote da penúltima viagem tenho saudade das suas gargalhadas with my body I worship Thee de modo que pisei fundo celebrava-se o corpo de cristo seis vezes fui ao inferno, amor raparigas impossíveis daquelas conduzi para vale de canas o cavalo no quintal dizes que as pessoas não mudam a criança bate à porta 8
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o que eu queria da vida o vento rouba o chapéu gosto de areia de como se começassem a gerar ainda meninas amoleceram-me o palato sou só uma menina no passeio do sol nascente mulheres como gaivotas lágrimas: corpo fotografo candeeiros sei de cor as suas cartas, menina, e crianças acocoradas no cascalho gosto dos comboios pus a mão na boca para dizem os meus pretendentes que sou linda a sombra de uma gaivota atirei-me de uma montanha mão na mão lá vão elas assim pois ela recolhia a mulher bebeu 4 finos e despiu-se o gato à janela o coração, disse o relojoeiro a mesma história de sempre, dizem eles na praia de mira li a praia de chesil o coração rastreava hoje tive uma ideia na banheira, mas portanto por vezes os afogados 9
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há as boas para casar e gosto de encher a boca fiéis defuntos que olho para o céu maria da apresentação da cruz Lda na primavera as papoilas sentada na varanda
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vida: variações II
a meus pais
infância aluimentos pequenos disparates quantos desapontamentos calhou-nos a vida em sorte andamos a brincar à morte, mas não a fintaremos infância aluimentos
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que atraso de vida cochicham elas queixando-se por a vida quantas vezes marcar passo, ignorando porém como nesse aparente vagar outra bem mais profunda se antecipar já se instalar e portanto quer queiram quer não e muito provavelmente não contudo já se inicia ou até por hipótese simplesmente continua sucedendo surpreendendo-as certo dia desprevenidas belas embevecidas
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deus existe pouco por vezes, muito por vezes, nada eu acredito nas frases que me devolve mais desejo porĂŠm aquelas que me denega
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são as mulheres que fazem chorar as cebolas como se descascassem a própria vida e, arredondando-se então, descobrissem um corpo, o seu uma vida, a sua mas, no entanto, nada que de verdade pudessem seu chamar ou talvez sim, mas só aquela gota de água salpicando um canto do avental onde desponta uma flor de pano colorida que ainda ontem ali não ardia
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eu n達o sou isto nem aquilo sou outra coisa que tal apenas um pouco diferente apenas um pouco igual
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corpo ante corpo a criança percorre o negro calcário da calçada compenetrando-se de que qualquer caminho é bom para a lugar nenhum regressar
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com os meus sapatos de vinte anos ainda hei-de galgar montanhas dizem que faço figuras tristes pois bem, dobro-me de tanto rir claro que sinto vergonha, mas é das figuras dos outros estes sapatos, menina calcei-os a vida toda é porque são vermelhos e eu tenho os pés delgados hei-de morrer, sim, mas de maioridade a mais bom dia, vizinha havemos de voltar a cruzar-nos
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