Assinatura de Jesus | Capitulo 1

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Editora Vida Rua Conde de Sarzedas, 246 – Liberdade CEP 01512-070 – São Paulo, SP Tel.: 0 xx 11 2618 7000 Fax: 0 xx 11 2618 7030 www.editoravida.com.br

© 1996, Brennan Manning © Guia de meditação pessoal, 2012, Brennan Manning Originalmente publicado nos EUA com o título The Signature of Jesus Copyright da edição brasileira © 2014, Editora Vida Edição publicada com permissão da Multnomah Books uma divisão da Random House, Inc. (Colorado Springs, Colorado, EUA)

Todos os direitos desta tradução em língua portuguesa reservados por Editora Vida. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Editor responsável: Marcelo Smargiasse Editor assistente: Gisele Romão da Cruz Santiago Tradução: Juliana Kummel Revisão de tradução: Andrea Filatro Revisão de provas: Sônia Freire Lula Almeida Projeto gráfico: Claudia Fatel Lino Capa: Arte Peniel

Scripture quotations taken from Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, NVI ®. Copyright © 1993, 2000 by International Bible Society ®. Used by permission IBS-STL U.S. All rights reserved worldwide. Edição publicada por Editora Vida, salvo indicação em contrário. Todas as citações bíblicas e de terceiros foram adaptadas segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em 1990, em vigor desde janeiro de 2009.

1. edição:  out. 2014

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Manning, Brennan A assinatura de Jesus : o chamado a uma vida marcada por paixão santa e fé inabalável / Brennan Manning ; [traduzido por Maria Emília de Oliveira]. — 1. ed. — São Paulo : Editora Vida, 2014. Título original: The signature of Jesus : the call to a life marked by holy passion and relentless faith. ISBN 978-85-383-0312-1

1. Jesus Cristo – Pessoa e missão 2. Vida cristã I. Título.

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CDD-248.4 Índice para catálogo sistemático:

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1. Vida Cristã : Cristianismo   248.4

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Sumário Uma palavra de abertura.................................................................... 7 1. De Harã a Canaã......................................................................... 15 2. A assinatura de Jesus.................................................................... 32 3. Poder e sabedoria......................................................................... 47 4. Tolos por Cristo........................................................................... 61 5. O discipulado hoje....................................................................... 77 6. Espiritualidade pascal................................................................... 99 7. Comemore a escuridão................................................................119 8. O amor de Jesus..........................................................................138 9. A disciplina do segredo...............................................................157 10. A coragem de arriscar................................................................167 11. Agarrando-se a Deus.................................................................177 12. Lázaro riu!................................................................................195 Uma palavra de encerramento.........................................................203 Guia de meditação pessoal..............................................................209 Pós-escrito......................................................................................239

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Para Hillery e Ed Moise, com gratidão or Biloxi e Galvton, N’awlins e Houston, pelos peix vermelhos enegridos e o manjar Cajun, mas acima de tudo pela inatura do amor de voc na minha vida.

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este livro entreguei o meu coração e as minhas palavras para ele ser o que é: rude e suave, áspero e compassivo, íntegro e abalado, sincero e provocante, extraído dos recônditos da vida. A palavra profética convoca incessantemente a igreja de volta à pureza do evangelho e ao escândalo da cruz. Em suas numerosas cartas, Paulo reforça que seguir Jesus é percorrer a estrada principal até o Calvário. Espalhados ao longo da estrada, repousam os esqueletos do nosso ego, os cadáveres das nossas fantasias controladoras e os estilhaços da hipocrisia, da espiritualidade autoindulgente e da falta de liberdade. A maior carência da nossa época é por uma igreja que venha a ser o que raramente tem sido: o Corpo de Cristo com a face voltada para o mundo, amando os outros sem levar em conta religião ou cultura, dedicando-se a uma vida de colaboração, oferecendo esperança a um mundo aterrorizado e apresentando-se como alternativa genuína à ordem atual das coisas. “A igreja digna desse nome é um grupo de pessoas no qual o amor de Deus quebrou o 7

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A inatura de Jus feitiço dos demônios e dos falsos deuses que estão hoje produzindo depressão no mundo”.1 Não quero a religião de extrema violência que prefere ter Clint Eastwood, não Jesus, como herói; nem busco uma religião especulativa que aprisiona o evangelho nos salões da erudição, muito menos uma religião barulhenta e acomodada que não passa de apelo à emotividade. Anseio por entusiasmo, inteligência e compaixão em uma igreja sem luxos, que acene carinhosamente para que o mundo venha desfrutar a paz e a união que possuímos pela presença do Espírito Santo no nosso meio. A assinatura de Jesus — a cruz — é a expressão suprema do amor de Deus pelo mundo. A igreja somente é a igreja do Cristo crucificado quando traz a marca de sua assinatura, quando olha para fora de suas paredes e percorre com ele o caminho da cruz. A igreja que se volta para dentro, com disputas e discussões em torno de questões teológicas insignificantes, perde a identidade e a missão. No alvorecer do século XXI, o que separa os cristãos comprometidos dos não comprometidos é a profundidade e a qualidade do nosso amor por Jesus Cristo. Os cristãos superficiais constroem celeiros maiores na euforia do evangelho da prosperidade; a tendência é seguir a última moda e cantarolar baixinho seu caminho até o céu; os derrotados são perseguidos por fantasmas do passado. A minoria vitoriosa, porém, não se deixa intimidar pelos padrões culturais da maioria que sempre caminha no mesmo ritmo, vivendo e comemorando como se Jesus estivesse próximo — próximo no tempo e próximo no espaço —, testemunha das nossas motivações, do nosso discurso e do nosso comportamento. E, de fato, ele está muito próximo. A fidelidade à Palavra nos levará ao caminho da mobilidade descendente (famosa expressão usada por Henry Nouwen) em um 1

KÄsemann, Ernst. Jesus Means Freedom. Philadelphia: Fortress Press. p. 77. 8

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mundo obcecado por ascensão. Não vamos nos encontrar no caminho do poder, mas no caminho da renúncia ao poder; não no caminho do sucesso, mas no caminho do serviço ao próximo; não no caminho largo do elogio e da popularidade, mas no caminho estreito da zombaria e da rejeição. Ser cristão é ser semelhante a Cristo. De algum modo, devemos perder a vida a fim de encontrá-la. O cristianismo não prega apenas um Deus crucificado; prega também homens e mulheres crucificados. “Quanto a mim, que eu jamais me glorie, a não ser na cruz do nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gálatas 6.14). Não há discipulado sem a cruz. Não serei seguidor de Jesus se viver com ele somente em Belém e Nazaré, mas não no Getsêmani ou no Calvário. Você foi chamado a uma vida de discipulado radical? À pobreza de Madre Teresa? À oração dos pais do deserto? Ao martírio de Dietrich Bonhoeffer? À vida celibatária de Jesus e de Paulo? A uma carreira profética? Ao ministério de tempo integral em favor dos oprimidos e desprivilegiados? E eu, fui chamado? Ao meditar nessas questões enquanto ler este livro, você precisará de muita sinceridade e discernimento. Nem todos são chamados, como o jovem rico, a abandonar tudo literalmente (v. Marcos 10.17-30). Jesus nunca disse a Lázaro e a suas irmãs, Marta e Maria, que eles deveriam abandonar tudo o que possuíam. Não disse a Nicodemos ou a José de Arimateia que eles estavam excluídos do Reino. O rico Zaqueu proclamou: “Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos pobres” (Lucas 19.8) — não tudo, apenas a metade. Ainda assim, Jesus lhe disse: “Hoje houve salvação nesta casa!” (v. 9). A reação de Zaqueu foi suficientemente satisfatória para fazê-lo herdar o Reino. Isso reflete a resposta de João 9

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A inatura de Jus Batista às multidões: “Quem tem duas túnicas dê uma a quem não tem nenhuma” (3.11).2

Há diversos graus de discipulado. Logo depois da minha conversão, comecei a invejar secretamente a generosidade de espírito, a intensidade de oração e a presença de dons espirituais dos outros que faziam parte da igreja. Foi uma experiência inesquecível de libertação quando, um dia em oração, os meus olhos pousaram nas palavras de João Batista: “Uma pessoa só pode receber o que lhe é dado dos céus” (João 3.27). Algumas pessoas foram tão traumatizadas pela vida que a simples sobrevivência, um dia de cada vez, passou a ser sua única preocupação. Outras foram tão enlameadas pelas circunstâncias, tão marcadas por deficiências físicas e emocionais, tão machucadas e golpeadas pelos caprichos da vida que mal são capazes de olhar para além das próprias necessidades. Por exemplo, William Barry pensa no homem do qual Jesus expulsou uma legião de demônios e em sua reação após a cura: Quando Jesus estava entrando no barco, o homem que estivera endemoninhado suplicava-lhe que o deixasse ir com ele. Jesus não o permitiu, mas disse: “Vá para casa, para a sua família e anuncie-lhes quanto o Senhor fez por você e como teve misericórdia de você” (Marcos 5.18,19, grifos nossos). Aparentemente, o homem não considerou lamuriosamente injusta essa “rejeição”. Ao contrário, “aquele homem se foi e começou a anunciar em Decápolis quanto Jesus tinha feito por ele. Todos ficavam maravilhados” (v. 20).3 2

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bUrgHardt, Walter J. Still Proclaiming Your Wonders. Ramsey, NJ: Paulist Press, 1984. p. 136. barry, William. Finding God in All Things. Notre Dame, IN: Ave Maria Press, 1991. p. 97-98. 10

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Pelo jeito, aquele homem não fora chamado a um discipulado radical. Ainda assim, ele foi chamado, assim como nós somos chamados, a ouvir com atenção a primeira palavra que Deus nos dirige. Essa palavra é o dom de nós para nós — a nossa existência, a nossa natureza, a nossa história pessoal, a nossa singularidade, a nossa identidade. Tudo o que possuímos e somos representa um modo único, jamais repetido, que Deus escolheu para expressar-se no tempo e no espaço. Cada um de nós, feito à imagem e semelhança de Deus, é mais uma promessa que Deus fez ao Universo de que continuará a amá-lo e a cuidar dele. No entanto, mesmo quando a fé nos convence de que somos uma palavra de Deus, continuamos sem saber o que Deus está tentando dizer por meio de nós. Thomas Merton escreveu: Deus me profere como uma palavra que contém um pensamento parcial de sua divindade. A palavra nunca será capaz de compreender a voz que a profere. No entanto, se eu for fiel ao conceito que Deus profere em mim, se for fiel ao pensamento que ele teve a intenção de incorporar em mim, estarei pleno de sua realidade e o encontrarei em todo lugar em mim mesmo, e a mim mesmo em lugar nenhum. Estarei perdido nele.4

Devemos aguardar, com resistência e perseverança, que Deus esclareça o que ele deseja dizer por meio da nossa vida. Essa espera requer paciência e atenção, bem como a coragem de permitir que fale por nosso intermédio. Essa coragem vem apenas pela fé em Deus, que não profere palavras falsas. Uma das lições mais impressionantes da Bíblia é o livre uso que Deus faz de seres humanos frágeis para executar seu propósito. Nem sempre ele escolhe o santo e o devoto, ou o emocionalmente estável. Seeds of Contemplation. New York: Panthea Books, 1956. p. 62.

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A inatura de Jus O respeitável Liebermann, influente missionário do século XIX, era um maníaco-depressivo que não conseguia atravessar uma ponte sem o desejo compulsivo de saltar dela! “O Espírito Santo é portador de dádivas, e às vezes essas dádivas são distribuídas em profusão em lugares inesperados”.5 Deus concede sua graça profusamente, mas de modo desigual. E não explica por que alguns são chamados a um discipulado radical e outros não. Somos todos maltrapilhos privilegiados, mas sem nenhum merecimento, às portas da misericórdia de Deus; por isso, aqueles que são chamados a um discipulado radical não têm motivo para vangloriar-se: “Mas Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios, e escolheu o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte” (1Coríntios 1.27). O dom do discipulado radical é pura graça a nós que não temos nenhum direito a ela, porque não podemos controlar os desejos mais profundos do nosso coração. Não fosse assim, simplesmente escolheríamos esses desejos, e tudo estaria resolvido. A coragem de viver como profeta e como alguém que ama está além do alcance humano. Sem a graça de Deus, não podemos sequer desejar Deus. Sem a graça de Deus, não conseguimos viver de acordo com as palavras de Cristo. Toda a nossa boa vontade e determinação implacável não bastam para manter-nos equilibrado. Em todas as reuniões dos Alcoólicos Anônimos do país está pendurado um cartaz com os dizeres: “Prossigo apenas pela graça de Deus”. Esse tema é extraordinariamente ilustrado no romance Franny and Zooey, de J. D. Salinger. Bessie insiste para que o filho Zooey procure ajuda profissional para sua irmã, Franny. Zooey pensa cuidadosamente no assunto e finalmente diz: 5

Jones, Alan. Exploring Spiritual Direction. New York: Winston-Seabury Press, 1982. p. 73-74. 12

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O psicanalista que poderia fazer algum bem a Franny teria de ser um tipo bastante peculiar. Não sei... Em primeiro lugar, teria de acreditar que somente pela graça de Deus ele foi inspirado a estudar psicanálise. Teria de acreditar que somente pela graça de Deus ele não foi atropelado por um... caminhão antes mesmo de obter sua carta de motorista. Teria de acreditar que somente pela graça de Deus ele tem inteligência inata para ajudar, de alguma forma, seus... pacientes. Não conheço nenhum bom psicanalista que pense assim. Mas seria o único que poderia fazer algum bem a Franny.6

Jesus anseia ver em seus discípulos radicais o que ele viu nas criancinhas: um espírito de receptividade pura e simples, dependência completa e confiança radical no poder, na misericórdia e na graça de Deus mediante o Espírito de Cristo. Ele declarou: “Sem mim vocês não podem fazer coisa alguma” (João 15.5). Da mesma forma que em meu livro O evangelho maltrapilho7 abordei o tema da graça radical, este livro aborda o tema do discipulado radical. Seja qual for a medida de graça que tenhamos recebido, seja qual for o grau de discipulado para o qual fomos chamados, todo cristão está debaixo da cruz de Jesus Cristo, em quem encontramos salvação. Por mais oculto e singelo que seja o seu testemunho, oro pedindo que você seja suficientemente ousado para ser diferente, suficientemente humilde para cometer erros, suficientemente corajoso para ser queimado no fogo e suficientemente verdadeiro para ajudar os outros a entender que prosa não é poesia, que New York: Bantam Books, 1964. p. 109. Apud: Barry, William. Finding God in All Things. Notre Dame, IN: Ave Maria Press, 1991. p. 98. 7 São Paulo: Mundo Cristão, 2005. [N. do T.] 6

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A inatura de Jus discurso não é canção, e que coisas tangíveis, visíveis e perecíveis não são adequadas para receber a assinatura com a marca do sangue do Cordeiro.

De Harã

Então o senHor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do

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meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção. Abençoarei os que o abençoarem e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados”. Partiu Abrão, como lhe ordenara o senHor, e Ló foi com ele. Abrão tinha setenta e cinco anos quando saiu de Harã.

Levou sua mulher Sarai, seu sobrinho Ló, todos os bens que haviam acumulado e os seus servos, comprados em Harã; partiram para a terra de Canaã e lá chegaram. Abrão atravessou a terra até o lugar do carvalho de Moré, em Siquém. Naquela época os cananeus habitavam essa terra. O senHor apareceu a Abrão e disse: “À sua descendência darei esta terra”. Abrão construiu ali um altar dedicado ao senHor, que lhe havia aparecido (Gênesis 12.1-7).

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De Harã a Canaã

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o sair de Harã — “da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai” —, Abrão iniciou uma jornada que nunca fizera antes, rumo a uma terra que jamais vira. Ele partiu não porque era capaz de prever o papel que desempenharia na história da salvação, mas simplesmente por causa de sua experiência pessoal, a experiência espiritual de Deus falando com ele. Não havia nenhum programa que ele pudesse seguir; nenhuma experiência semelhante na história que apoiasse sua decisão; nenhum modelo pelo qual pudesse obter uma identidade psicológica. A experiência espiritual se tornou uma intimação: Deus está no comando. E o futuro pertence a Deus. No tempo certo, Deus lhe mostraria a terra. Deus faria dele o pai de uma nação. Somente Deus transformaria a vida dele em bênção para todos os filhos infelizes e desorientados deste mundo. A questão mais decisiva para Abrão naquele momento não era saber como seriam os vinte anos seguintes, mas a qualidade 15

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A inatura de Jus de experiência religiosa, a influência presente de Deus. Isso mexe com o âmago da fé: crer em um Deus pessoal que nos chama e nos conduz. Abrão obedeceu ao chamado. Por enquanto, o chamado era suficiente. Se ele tivesse exigido mais detalhes e elementos práticos do plano em jogo, teria demonstrado a antítese da fé, porque a fé nunca se baseia em garantias humanas. No Novo Testamento, Zacarias, que buscava certezas, insistiu em receber uma garantia divina antes de render-se à palavra de Deus (v. Lucas 1.18). Isso não é fé. A jornada do homem que passaria a ser conhecido como Abraão é um paradigma da fé autêntica. Ele se moveu em direção à obscuridade, ao indefinido, à ambiguidade, e não em direção a um plano predeterminado e claramente delineado para o futuro. Cada determinação futura, cada passo seguinte revelava apenas um discernimento da influência de Deus no momento presente. “Pela fé Abraão, quando chamado, obedeceu e dirigiu-se a um lugar que mais tarde receberia como herança, embora não soubesse para onde estava indo” (Hebreus 11.8, grifos nossos). A realidade da vida para homens e mulheres cristãos exige que saiam de onde estão enraizados, daquilo que é óbvio e seguro, e entrem no deserto sem explicações racionais que justifiquem suas decisões ou deem garantias para o futuro. Por quê? Porque Deus sinaliza esse movimento e oferece sua promessa. Só isso. Convém considerar que, antes de seu encontro com o Deus único e verdadeiro, Abraão tinha muitas crenças religiosas, como tinham todos os de sua tribo e da região de Harã. (Até um ateu tem suas convicções, porque o próprio fato de não acreditar em Deus é, em si, uma crença religiosa.1) O que aconteceu a Abraão 1

breemen, Peter Van. Called by Name. Denville, NJ: Dimension Books, 1976. p. 8. 16

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é que Deus o convocou para livrá-lo dessas crenças religiosas e lhe concedeu fé — um passo gigantesco. Para os cristãos de hoje, há uma diferença essencial entre crença e fé. As nossas crenças religiosas são a expressão visível da nossa fé e do nosso compromisso individual com a pessoa de Jesus. No entanto, se as crenças cristãs herdadas da nossa família e transmitidas a nós pela tradição da igreja local não estiverem fundamentadas em uma experiência radical e transformadora de Jesus como o Cristo, então o abismo entre as nossas afirmações de credo e a nossa experiência de fé aumentará, e o nosso testemunho não terá nenhum valor. O evangelho não convencerá ninguém, a não ser que convença a nós mesmos de que somos transformados por ele. Depois de dois mil anos de história da Igreja, por que só um terço da população mundial aceitou a Cristo? Por que a personalidade de muitos cristãos piedosos é tão opaca? Por que Friedrich Nietzsche repreende os cristãos por “aparentarem não estar salvos”? Por que raramente ouvimos aquilo que o antigo advogado disse a respeito de John Vianney: “Hoje me aconteceu algo extraordinário. Vi Cristo em um homem”? Por que a nossa alegria, o nosso entusiasmo e a nossa gratidão não contagiam os outros com o anseio por Cristo? Por que o fogo e o espírito de Pedro e Paulo estão tão claramente ausentes na nossa pálida existência? Talvez porque poucos de nós tenhamos empreendido a jornada de fé para atravessar o abismo entre o conhecimento e a experiência. Preferimos ver o mapa a visitar o lugar. O fantasma da realidade da nossa falta de fé convence-nos de que a experiência não é real; real é a explicação que damos à experiência. As nossas crenças — que William Blake chamou de “algemas forjadas na mente” — distanciam-nos do domínio da nossa experiência pessoal. 17

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A inatura de Jus Daniel Taylor escreve: A mentalidade secular faz o jogo da dúvida quase exclusivamente e, em geral, zomba de quem não a segue. Ironicamente, no entanto, a Igreja também faz esse jogo em alguma medida. O mistério do evangelho, o paradoxo da encarnação e o maravilhoso enigma da graça permanecem congelados em um sistema altamente racionalizado e/ou autoritário de teologias, códigos, regras, prescrições, ordens de serviço e formas de governar a Igreja. Tudo é anotado, tudo é organizado, a fim de que tudo possa estar definido e os transgressores possam ser detectados.2

O movimento de Harã a Canaã é a jornada em meio ao abismo. Temos de passar definitivamente das crenças para a fé. Sim, somos chamados a crer em Jesus. Mas a nossa crença nos convida a algo maior: a ter fé nele. A fé é o que nos forçará a buscar a mente de Cristo, a adotar uma vida de oração, abnegação, bondade e envolvimento para edificar o Reino de Deus, não o nosso. Quando chamou Abraão para abandonar a segurança do mundo em que ele habitava, Deus lhe pediu também que abandonasse as crenças religiosas politeístas. Todos os conceitos anteriores que Abraão tinha de Deus desapareceram. O mesmo processo é necessário para nós. Quando encontramos o Deus revelado por, e em, Jesus Cristo, precisamos rever todas as nossas ideias anteriores acerca de Deus. Jesus, o revelador da divindade, define Deus como amor. Com base nessa revelação, precisamos abandonar a estrutura corrosiva e corroída pelos vermes do legalismo, 2

taylor, Daniel. The Myth of Certainty. Waco, TX: Jarrell, 1986. p. 134. 18

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moralismo e perfeccionismo que corrompe a boa-nova, transformando-a em um código ético, em vez de um caso de amor. Jesus lancetou o tumor da crença religiosa que perdera sua alma e nem sequer a conhecia. Os fariseus haviam distorcido a imagem de Deus em um distante guarda-livros que está sempre à procura de pecadores (e um dia nos desmascarará se as nossas contas não estiverem em ordem). Os fariseus estavam tão ocupados refinando e aperfeiçoando as fórmulas religiosas e eram tão dedicados a estudar aquilo em que acreditavam, que se esqueceram do verdadeiro significado de suas crenças. Haviam acreditado por muito tempo, mas sua fé se entorpecera. Aguardaram o Messias por tanto tempo, que suas expectativas enfraqueceram. E, ainda assim, apesar de Jesus ter condenado a religião farisaica, o espírito do legalismo, “tal como a semente mais desprezível germinada no Jardim, havia florescido na treliça dos séculos”.3 Muitos cristãos continuam temerosos, porque ainda se apegam a uma ideia de Deus muito diferente daquela pregada por Jesus. Continuam em Harã, mantendo intacto seu velho sistema de crenças. Acreditam que podem salvar a si mesmos se permanecerem imóveis e sem respirar, ou se embarcarem em aventuras heroicas de jejuns ou vigílias, na esperança de conseguir a aprovação de Deus à força. Jesus declarou repetidas vezes que o medo é o inimigo da vida: “Não tenha medo; tão somente creia” (Lucas 8.50). “Não tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar-lhes o Reino” (12.32). “Coragem! Sou eu. Não tenham medo!” (Mateus 14.27). 3

Kennedy, Eugene. The Choice to Be Human: Jesus Alive in Matthew’s Gospel. New York: Doubleday, 1988. p. 211-212. 19

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A inatura de Jus O medo produz uma cautela mortífera, um recuo, uma espera paralisante, até que a pessoa não consiga mais identificar o que está esperando ou para que está se salvando. Quando tememos o fracasso mais do que amamos a vida; quando somos dominados por pensamentos a respeito do que poderíamos ter sido; quando somos perseguidos pela disparidade entre o nosso “eu” ideal e o nosso “eu” verdadeiro; quando somos atormentados pela culpa, pela vergonha, pelo remorso e pela autocondenação, negamos a fé no Deus de amor. Deus nos chama a sair do lugar, a abandonar o conforto e a segurança do status quo, e a embarcar na arriscada liberdade da viagem rumo à nova Canaã. Quando, porém, adiamos a viagem por medo, isso representa não apenas uma decisão de permanecer em Harã, mas também falta de confiança. A minha fé hesitante me fez adiar o chamado de Deus para me casar com Roslyn. Adiei a decisão por três anos (o que foi, em si, uma decisão), na esperança de que Deus se cansasse de aguardar a minha tomada de decisão e que a voz interior da verdade fosse acometida de laringite. Antes de deixar o conhecido ambiente da vida franciscana, eu queria que Deus esboçasse as linhas exatas, para que eu soubesse explicitamente para onde estava indo. A fé autêntica esquiva-se, é claro, dessa certeza. Ela significa que não temos nada a que nos apegar. Devemos sempre abandonar alguma coisa e não olhar para trás (v. Lucas 9.62). Se recusarmos a prosseguir e insistirmos em sinais e provas tangíveis, a nossa fé diminuirá, e isso significa incredulidade. Ironicamente, ao longo do processo inteiro, as minhas crenças religiosas permaneceram firmes e inabaláveis. O Deus de Abraão — o Deus e Pai de Jesus Cristo — não é uma ameaça. A certeza de que ele deseja que vivamos, cresçamos, desabrochemos e experimentemos a plenitude da vida é a premissa básica da fé autêntica. No entanto, a minha relutância em fazer 20

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a oração de abandono criada por Charles de Foucauld — “Pai, faz comigo o que quiseres” — revela que ainda estou preso ao grilhão do ceticismo e do medo: Permitir que Deus tenha controle sobre mim poderá prejudicar a minha saúde, a minha reputação e a minha segurança. Ele poderá tirar os meus suspensórios vermelhos, o meu relógio de marca, e me enviar à Tanzânia como missionário. Se ele me deixasse permanecer no templo da rotina, eu me entregaria inteiramente a ele. A fé bíblica é uma atitude que se adquire gradualmente ao longo de muitas crises e provações. Por meio da provação agonizante com seu filho Isaque (v. Gênesis 22.1-19), Abraão aprendeu que Deus deseja que vivamos e não morramos, que cresçamos e não murchemos. Ele sabia que o Deus que o chamara à esperança inabalável era digno de confiança. “Talvez seja esta a essência da fé: estar convencido de que Deus é digno de confiança.”4 Louis Evely relatou a história de uma senhora idosa que lia a Vida de Jesus, de Renan, e muitos outros “breviários do ceticismo”. Ela declarou: “Simplesmente não consigo acreditar que Cristo seja Deus. Se fosse, teria me dado uma prova, porque quero acreditar nele sinceramente”. Ela não queria acreditar; queria conhecer, descobrir algum fato que satisfizesse seu intelecto. Mas a fé verdadeira não reside apenas no intelecto. A Verdade que é Cristo não é algo puramente racional. Quando amamos alguém, mil argumentos não constituem uma prova, nem mil objeções constituem uma dúvida.5 Se aprendi algo na neblina acumulada durante uma vida longa, é que a jornada de Harã a Canaã é uma jornada pessoal. Cada um de nós tem a responsabilidade de responder individualmente ao chamado de Cristo e de se comprometer com ele de modo pessoal. Breemen, Peter Van. Called by Name. Denville, NJ: Dimension Books, 1976. p. 16. 5 Evely, Louis. That Man Is You. Ramsey/Toronto: Paulist Press, 1967. p. 114. 4

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A inatura de Jus Será que creio em Jesus ou nos pregadores, mestres e nuvens de testemunhas que me falam dele? Será que o Cristo no qual eu creio é realmente meu, ou é aquele dos teólogos, pastores, progenitores e de Oswald Chambers? Ninguém — pais, amigos ou igreja — pode nos absolver dessa decisão pessoal e fundamental a respeito da natureza e da identidade do filho de Maria e José. A pergunta de Jesus a Pedro — Quem vocês dizem que eu sou? — é dirigida a todo aquele que deseja ser discípulo. Vamos dedicar um tempo para refletir sobre a credibilidade daquele que nos chama. Ele me pede que arrisque tudo, alegando ser o caminho, a verdade e a vida. Ao contrário de Buda, Maomé e outros fundadores das grandes religiões do mundo, Jesus me convida não apenas a acreditar em seus ensinamentos, mas a depositar toda a minha fé nele. Quem é esse carpinteiro de Nazaré que ousa exigir que eu me submeta a ele? Não há nada impressionante na árvore genealógica desse homem. Na genealogia de Jesus — o filho de Davi, o filho de Abraão —, Mateus inclui o nome de algumas mulheres de reputação duvidosa: Tamar, a nora de Judá, disfarça-se de prostituta a fim de engravidar dele (v. Gênesis 38.12-30); Raabe é a famosa prostituta de Jericó (v. Josué 2.1); e Bate-Seba é aquela que deu à luz um filho depois de cometer adultério com o rei Davi, o qual, por não conseguir negar que era o pai da criança, assassinou Urias, o marido da adúltera (v. 2Samuel 11). Por certo, Deus não elege necessariamente aqueles que possuem uma linhagem impecável para realizar sua obra neste mundo.6 Em seu livro Toxic Faith [Fé tóxica], Steve Arterburn e Jack 6

maCKey, James. Jesus: The Man and the Myth. New York/Ramsey: Paulist Press, 1979. p. 274-275. Neste ponto, confiei totalmente na erudição cuidadosa de Mackey para o tratamento da genealogia de Jesus. 22

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Felton relacionam 21 crenças de fé tóxica. “Deus usa somente gigantes espirituais” destaca-se na lista: Muitos deixam de receber as bênçãos de ministrar aos outros porque acreditam que Deus usa somente os perfeitos ou quase perfeitos. [...] Na minha vida, e também nas Escrituras, tenho observado que o oposto é verdadeiro. Deus quase sempre usa pessoas com grandes imperfeições ou que passaram por grandes sofrimentos, para realizar muitas tarefas importantes em seu Reino. [...] Ninguém é imperfeito demais para ser usado por Deus.7

Sim, a genealogia de Jesus não inspira confiança messiânica. E quanto a seu nascimento? Obscuro? Sim, totalmente obscuro. Impressionantemente obscuro. As circunstâncias de sua concepção são chocantes, para dizer o mínimo. (“Imagine você tentando contar a alguém que o seu filho, que, como todos sabem, nasceu sete meses depois do seu casamento, e que todos consideram ser uma ameaça à lei e à ordem civis e eclesiásticas, foi concebido pelo Espírito Santo!”)8 Trinta anos depois, esse galileu relativamente inculto vai ao rio Jordão para ser batizado por João e receber o batismo de arrependimento pelo perdão de pecados. Sua carreira deslancha. Ele não se torna nem estadista nem economista, nem general nem autor famoso, embora fosse certamente um contador de histórias com veia poética. Enquanto ele caminhava a esmo pela região onde nasceu, sua família decidiu que ele precisava ser colocado Nashville, TN: Oliver Nelson Books, 1991. p. 72-73. Mackey, James. Jesus: The Man and the Myth. New York/Ramsey: Paulist Press, 1979. p. 278.

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A inatura de Jus sob custódia preventiva (v. Marcos 3.21). Os líderes religiosos de sua época desconfiaram de possessão demoníaca (v. Marcos 3.22) e os espectadores o insultaram com palavrões. Finalmente, ele foi executado como herege, blasfemador, falso profeta e instigador do povo depois de ser submetido a um julgamento perante as mais altas cortes do país. É esse o Filho de Deus? É esse o homem que me chama para dedicar a vida inteira a ele? Que me diz que a vida não tem nenhum significado sem ele? Que a origem da nossa fé poderia ser encontrada em um homem de nascimento obscuro e, portanto, vulnerável a desconfiança, e que morreu como um criminoso; que a substância da nossa fé deveria consistir na convicção de que pessoas ilegítimas, pecadoras e criminosas podem dizer “Aba” a Deus; que prostitutas podem entrar no Reino de Deus antes dos religiosamente respeitáveis — que não se trata de uma visão de fé acessível à especulação e ao bom senso! A leitura da Bíblia não pode, em si, produzir um compromisso de fé cristã. Nem as crenças dos meus pais, professores ou da igreja, nem o testemunho dos meus amigos, nem culto ou credo, nem código ou instituição, nem livros como este ou mil sermões de Billy Graham, Tony Compolo e Chuck Swindoll podem, sozinhos, produzir o compromisso da fé cristã. A possibilidade de alguém reconhecer na fragilidade humana de Jesus a plenitude do poder de Deus para salvar somente se concretiza após uma intervenção milagrosa de Deus. “Fé radical não é uma conquista, porque, se fosse uma conquista, nós haveríamos de desejá-la e alcançá-la. Ao contrário, é um dom, e cabe a nós reagir, observar e orar”.9 Paulo, ao 9

brUeggemann, Walter. The Prophetic Imagination. Philadelphia: Fortress Press, 1978. p. 112. 24

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escrever aos coríntios, reconhece que o Espírito, outorgado por Jesus, torna possível o ato mais básico da vida cristã: “Ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’, a não ser pelo Espírito Santo” (1Coríntios 12.3). A fé que Jesus inspirou em seus discípulos causou um impacto tão profundo que aqueles homens acharam impossível acreditar que alguém pudesse ser igual a ele ou maior, nem mesmo Moisés ou Elias, nem mesmo Abraão. Seria inconcebível um profeta, juiz ou Messias vir depois de Jesus. Não era necessário aguardar ninguém mais. Jesus era tudo. Era tudo o que os judeus esperaram e pelo qual oraram. Jesus cumprira, ou estava prestes a cumprir, toda promessa e toda profecia. Se alguém iria julgar o mundo no final, esse alguém seria ele. Se alguém iria ser apontado como o Messias, Rei, Senhor, Filho de Deus, como poderia ser outro senão Jesus? Jesus foi considerado a reviravolta na história da humanidade. Transcendeu tudo o que já havia sido dito ou que tinha vindo. Foi, em todos os sentidos, a última e a suprema palavra. Estava em condições de igualdade com Deus. Sua palavra era a palavra de Deus. Seu Espírito era o Espírito de Deus. Seus sentimentos eram os sentimentos de Deus. O que ele representava era exatamente o que Deus representava. Não era possível nenhuma avaliação mais elevada.10

Essa foi a experiência dos seguidores de Jesus. A fé cristã contemporânea ressoa a avaliação da igreja primitiva. Em um sentido real, Jesus é a nossa fé. Conforme escrevi antes: “Não somos Nolan, Albert. Jesus Before Christianity. Maryknoll, NY: Orbis Books, 1978. p. 136. [Jesus antes do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 1988.]

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A inatura de Jus agentes de viagem entregando folhetos de lugares que nunca visitamos”. Somos investigadores de fé em um país sem fronteiras, um país que descobrimos, pouco a pouco, não ser um lugar, mas uma pessoa. A nossa fé inclui as nossas crenças, mas também as transcende, porque a realidade de Jesus Cristo não pode ser confinada a formulações doutrinárias. A pergunta daqui em diante não é mais Jesus é semelhante a Deus?, mas Deus é semelhante a Jesus? Esse é o significado tradicional da afirmação de que Jesus é a Palavra de Deus. “Não é Deus que nos revela Jesus: É Jesus que nos revela Deus.”11 Não podemos deduzir nada a respeito de Jesus a partir do que imaginamos saber a respeito de Deus; precisamos deduzir tudo a respeito de Deus a partir do que sabemos a respeito de Jesus. Como aconteceu com Abraão, todas as nossas imagens anteriores de Deus desapareceram. *** O dom da minha fé em Jesus Cristo não está na dependência ou sob o domínio de nenhum poder fora da minha experiência da graça de Deus. Quando as crenças substituem a experiência verdadeira; quando passamos a confiar na autoridade dos livros, instituições ou líderes sem que o conheçamos; quando permitimos que a religião se interponha entre nós e a experiência primária de Jesus como o Cristo, perdemos a realidade que a própria religião descreve como suprema. A propósito, aqui se encontra a origem de todas as guerras santas, bem como do fanatismo, da intolerância e da divisão dentro do Corpo de Cristo. Nada prejudicou tanto o cristianismo 11

Ibid. p. 137. 26

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quanto as cruzadas. Qualquer um ficaria zonzo apenas de enumerar as batalhas que, segundo alegam, foram travadas em nome da fé “verdadeira”. Choques de crenças encontram-se sob o terrorismo que aparece todos os dias nas manchetes, “e [sob] a intimidação exercida mais anonimamente, porém com sentimento de justiça, para exortar pessoas comuns a práticas e seitas que alegam deter a combinação secreta do favor de Deus”.12 Depois de vinte e dois anos vivendo uma fé de segunda mão, encontrei Jesus em 8 de fevereiro de 1956 e me mudei de Harã para Canaã — da crença para a fé. Era meio-dia. O sino do ângelus do recluso monastério carmelita soava ao longe. Eu estava ajoelhado em uma pequena capela em Loretto, Pensilvânia. Às 15h15, levantei-me trêmulo do chão, sabendo que a maior aventura da minha vida havia apenas começado. Entrei na nova perspectiva descrita com esmero por Paulo em Colossenses 3.11: “Cristo é tudo e está em todos”. Durante aquelas três horas de joelhos, tive a sensação de ser um menino ajoelhado na praia. Ondas pequenas molhavam-me os joelhos. Aos poucos, as ondas ficaram maiores e mais fortes até alcançarem a minha cintura. De repente, uma onda enorme de grande força jogou-me para trás e arrastou-me da praia, fazendo-me girar no espaço com o corpo em arco. Eu mal sabia que estava sendo carregado para um lugar onde nunca estive antes — o coração de Jesus Cristo... Naquela primeira experiência na minha vida de ser amado incondicionalmente, eu movia o corpo para trás e para a Kennedy, Eugene. The Choice to be Human: Jesus Alive in Matthew’s Gospel. New York: Doubleday, 1988. p. 213-214.

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A inatura de Jus frente entre o êxtase e o medo. [...] O momento prolongouse em um agora interminável até que, sem nenhum aviso, sua mão agarrou o meu coração. Eu mal conseguia respirar. A conscientização de ser amado não era mais gentil, terna e confortável. O amor de Cristo, o Filho de Deus crucificado, assumiu a violência, a fúria e a paixão de uma repentina tempestade de primavera. Jesus morreu na cruz por mim! Eu já sabia disso, mas não da maneira que John Henry Newman descreve como “conhecimento conceitual” — abstrato, longínquo, grandemente irrelevante para as questões intrínsecas da vida, como se fosse mais uma quinquilharia na empoeirada casa de penhores das crenças doutrinárias. No entanto, em um momento ofuscante de verdade salvadora da vida, aquele foi um conhecimento real me chamando para um compromisso pessoal de mente e coração. Cristianismo significava ser amado e apaixonar-se por Jesus Cristo. Mais tarde, as palavras da primeira carta de Pedro iluminariam e confirmariam a minha experiência: “Mesmo não o tendo visto, vocês o amam; e apesar de não o verem agora, creem nele e exultam com alegria indizível e gloriosa, pois vocês estão alcançando o alvo da sua fé, a salvação das suas almas” (1.8,9). Por fim, exausto, sem forças, sentindo-me fraco e perdido em uma humilhação indizível, eu estava novamente ajoelhado na praia enquanto ondas calmas e serenas de amor me envolviam carinhosamente, como se uma suave maré estivesse saturando a minha mente e o meu coração em uma condição tranquila de profunda adoração.13

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manning, Brennan. Lion and Lamb: The Relentless Tenderness of Jesus. Old Tappan, NJ: Revell, 1986. p. 33-34. 28

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Naquele dia, conheci o amor e o poder de Deus — a essência da fé cristã. Precisamos conhecer o amor e o poder de Deus com um entendimento maior que o nosso, porque o amor e o poder de Deus ultrapassam o simples conhecimento humano. Precisamos conhecê-los com a mente do próprio Cristo. Essa é a forma mais básica do encontro cristão redentor. Esse é o movimento que parte da crença e leva à experiência por meio da fé. Se quisermos nos comprometer com o discipulado radical, se quisermos viver com a assinatura de Jesus escrita nas páginas da nossa vida, necessitamos da força e do encorajamento de outros cristãos. A nossa maior necessidade, porém, é do poder inesgotável do amor de Cristo. O milagre do cristianismo é que essa necessidade já foi atendida. Por meio de uma vida de oração levada a sério, conscientizamo-nos de que já temos o que procuramos. Pela fé, chegamos a entender o que já está lá (falaremos disso mais adiante). O poder habita dentro de nós e excede de tal forma a nossa necessidade, que o contato consciente com ele nos arrebata para fora de nós, além de qualquer coisa que poderíamos ter imaginado ou desejado, e nos leva para dentro da realidade que é Cristo. Recentemente, recebi a cópia de uma carta encontrada no escritório de um jovem pastor em Zimbábue, África, logo após ele ser torturado por causa de sua fé em Jesus Cristo. Reproduzo a carta textualmente: Faço parte da comunidade dos que não se envergonham. Tenho o poder do Espírito Santo. A sorte foi lançada. Ultrapassei a linha divisória. A decisão foi tomada — sou discípulo dele. Não olharei para trás, não esmorecerei, não afrouxarei o passo, não retrocederei nem permanecerei parado. O meu passado está redimido, o meu presente faz sentido, o meu futuro está garantido. Não quero mais saber de vida humilhante, 29

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A inatura de Jus de andar por onde enxergo, de joelhos lisos, de sonhos sem cor, de visões domesticadas, de conversas mundanas, de doações baratas e de objetivos medíocres. Não necessito mais de destaque, prosperidade, posição, promoções, aplausos ou popularidade. Não preciso ser o certo, o primeiro, o maioral, o reconhecido, o elogiado, o considerado ou o recompensado. Agora vivo pela fé, curvo-me na presença dele, ando com paciência e sou motivado pela oração; e esforço-me com poder. O meu rosto está firme, o meu passo é ligeiro, o meu objetivo é o céu, a minha estrada é estreita, o meu caminho é acidentado, os meus companheiros são poucos, o meu Guia é confiável, a minha missão é clara. Não posso ser comprado, comprometido, desviado, tentado, mudado de rumo, iludido ou atrasado. Não recuarei diante do sacrifício, não hesitarei na presença do inimigo, não me prostituirei na poça da popularidade nem me perderei no labirinto da mediocridade. Não desistirei, não me calarei, não esmorecerei até estar em pé e abastecido, até ter orado, ter liquidado a dívida e ter pregado para a causa de Cristo. Sou discípulo de Jesus. Preciso seguir em frente até que ele venha, preciso doar-me até ter as forças esgotadas, e preciso pregar tudo o que sei até que ele me impeça de continuar trabalhando. E, quando ele decidir voltar, não terá problema algum em me reconhecer… o meu estandarte estará claro!

Talvez a única medida sincera da fé autêntica seja a minha disposição para o martírio. Não apenas a minha disposição para morrer por Jesus Cristo e pelo evangelho, mas para viver por ele um dia de cada vez. 30

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A cruz é a assinatura permanente do Cristo ressurreto. O modo de vida assinado pela cruz exige uma fé desprovida de sentimento, êxtase e visão. “Porque vivemos por fé, e não pelo que vemos” (2Coríntios 5.7). Embora seja um dom de Deus, a fé exige esforço vigoroso da nossa parte, se quisermos produzir fruto. O eremita contemporâneo Carlo Caretto escreveu: “Deus nos fornece o barco e os remos, mas diz: ‘Cabe a você remar’. Executar atos positivos de fé é como treinar essa habilidade; ela é desenvolvida com treinamento para que os músculos sejam desenvolvidos pela ginástica”. Este livro não é uma obra pastoral refinada, nem uma série de meditações bem-comportadas para pessoas piedosas. É um livro sobre ser herói para a causa de Jesus Cristo — para a causa de ninguém mais a não ser Cristo, e de tal maneira que somente os olhos de Jesus necessitem ver. É um convite à fé autêntica e a um discipulado radical, à pureza do evangelho, à estrada íngreme para o Calvário e ao escândalo da cruz, a uma vida de liberdade sob a assinatura de Jesus. Em última análise, a fé não é a soma das nossas crenças nem um modo de falar ou pensar; é um modo de viver que só pode ser articulado adequadamente mediante a prática. Reconhecer Jesus como Salvador e Senhor é importante, desde que tentemos viver como ele viveu e organizar a nossa vida de acordo com os valores dele. Não precisamos teorizar acerca de Jesus; precisamos fazê-lo presente no nosso tempo, na nossa cultura e nas nossas circunstâncias. Somente uma prática verdadeira da fé cristã pode comprovar aquilo em que acreditamos. O filósofo francês Maurice Blondel gostava de dizer: “Se você quiser realmente entender aquilo em que o homem crê, não preste atenção no que ele diz, mas observe o que ele faz”. Permita-me dar-lhe uma sugestão simples. Cada vez que você virar uma página deste livro, sussurre estas palavras: “Senhor, aumenta a minha fé”. 31

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