O grito das incluĂdas
Nancy Gonçalves Dusilek
O grito das incluídas: AS CINCO MULHERES DA GENEALOGIA DE JESUS
©2012, Nancy Gonçalves Dusilek
Editora Vida Rua Isidro Tinoco, 70 Tatuapé CEP 03316-010 São Paulo, SP Tel.: 0 xx 11 2618 7000 Fax: 0 xx 11 2618 7030 www.editoravida.com.br
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Scripture quotations taken from Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, NVI® Copyright © 1993, 2000 by International Bible Society®. Used by permission IBS-STL U.S. Editor responsável: All rights reserved worldwide. Marcelo Smargiasse Edição publicada por Editora Vida, Editor-assistente: salvo indicação em contrário. Gisele Romão da Cruz Santiago Editor de qualidade e estilo: Sônia Freire Lula Almeida Preparação: Andrea Filatro Revisão de provas: Todas as citações bíblicas e de terceiros Sônia Freire Lula Almeida foram adaptadas segundo o Acordo Diagramação: Claudia Fatel Lino Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado Capa: Arte Peniel em 1990, em vigor desde janeiro de 2009.
1. edição: jul. 2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Dusilek, Nancy Gonçalves O grito das incluídas: as cinco mulheres da genealogia de Jesus / Nancy Gonçalves Dusilek. — São Paulo: Editora Vida, 2012.
ISBN 978-85-383-0257-5 1.
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CDDÍndices para catálogo sistemático: 1.
DDedico às mulheres da minha vida: minha mãe, Adelaide, minha sogra, Any, minha irmã, Glaucia Rachel, minha filha, Heloisa Helena, minha nora, Liliana, minha neta, Letícia.
Todas incluídas na Graça.
Sumário Prefácio............................................................. 9 Introdução........................................................13
Tamar a mulher injustiçada que não se rendeu.....................................25 Raabe a mulher marginalizada, mas com muita fé......................................37 Rute a estrangeira incluída...........................51 Bate-Seba a mulher vítima de abuso .....................65 Maria a mulher que disse “sim” e mudou a história do mundo................................79 Palavra final.....................................................91 Sobre a autora...................................................95
Prefácio
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ão há dúvida de que a leitura e o entendimento da Palavra de Deus são atividades fundamentais e prazerosas para todos os que amam a Deus e o louvam pela salvação que há no seu Filho, Cristo Jesus. O problema é que nem sempre conseguimos aplicar o que a Bíblia diz à situação que vivemos hoje. E quando o texto escolhido para a leitura é uma lista de nomes aparentemente chata? Dá vontade de pular essas genealogias intermináveis! Se já foi tentada a isso, tenho uma boa notícia para você. Depois de ter lido este livro que tenho a honra de prefaciar, duvido que você consiga ler listas bíblicas dessa forma. Este lindo volume com que Nancy presenteia a comunidade cristã nos conduz por trás dos nomes das cinco mulheres que aparecem no capítulo 1 de Mateus, examinando a origem de cada uma, seu contexto de vida e sua cultura. E, naturalmente, a narrativa do Antigo ou do Novo Testamento em que cada uma aparece como protagonista. A mim me parece que aí está a riqueza e a singularidade deste livro, pois, de repente, quando menos esperamos, estamos lendo a respeito de
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nós mesmas! A respeito de brasileiras do século XXI. Tamar continua sendo Tamar, mas a história dela vira uma discussão sobre a injustiça. Raabe continua sendo Raabe, mas a prostituição não cessou. Rute, do relato bíblico emocionante, continua sendo Rute, mas o preconceito e a rejeição para com os estrangeiros permanecem, como também persiste a dificuldade de assimilação de missionários. O relato acerca de Bate-Seba, tão criticada como aquela que “seduziu” o grande rei Davi, vira discussão sobre agressão física e a Lei Maria da Penha. E Maria? Nós nos assustamos com a reflexão apresentada, pois Maria nos leva ao shopping para dar uma olhada nas bolsas de grife — e contabilizar o prejuízo para o orçamento do mês! Quer saber mais destas mulheres cujos gritos dolorosos viraram efusões contagiantes de inclusão? Nada melhor que mergulhar neste livro singular, com “fotos” e tudo. A sua recompensa será poder enxergar-se no espelho, que é a Palavra de Deus; será aprender como aplicar esta mesma Palavra à sua própria situação de vida: será descobrir os motivos de sobra que você tem para louvar a Deus pela inclusão bendita que ele, e somente ele, outorga a todo o que crê no seu único Filho, Jesus Cristo. Por meio de Cristo, gritos desesperados de dor — 10 —
Prefácio
e exclusão da presença de Deus viram gritos alegres de inclusão no povo de Deus! Parabéns, Nancy! E muito obrigada por mais uma joia literária, este belo colar de cinco preciosas mulheres, que sem dúvida enriquecerá a vida espiritual de muitas leitoras. Recife, abril de 2012. Joyce E. W. Every-Clayton — missionária no Brasil por 40 anos, doutora em Teologia na área de História da Igreja e Antigo Testamento e ex-professora no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil e no Seminário Teológico Equatorial, em Recife.
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Introdução
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narrativa bíblica me fascina. A forma com que Deus planeja e executa a história, pondo homens e mulheres nos seus devidos lugares, mostra seu amor incondicional e sem preconceitos. Falo isso ao deparar com o primeiro capítulo de Mateus. A genealogia de Jesus é narrada de forma simples, direta, mas rica em detalhes. Refiro-me às cinco mulheres que aparecem no colar dessa história, cada uma com seu brilho próprio. Chamo esta obra de O grito das incluídas porque trata de mulheres comuns, com problemas, sonhos e projetos de vida que se equiparam a nós hoje, em pleno século XXI. Tomei emprestado o tema “O grito dos excluídos”, que é um movimento nacional em busca de melhores condições para os injustiçados na sociedade brasileira. É uma mobilização que busca denunciar a injustiça social pela má distribuição de renda, que empurra milhões para a pobreza enquanto alguns poucos não sabem o que fazer com tanto dinheiro. Daí surgem as vítimas de desemprego, da fome e da miséria. É uma busca pela justiça social que se manifestou em várias partes do país no dia 7 de setembro desde 1995.
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“O grito dos excluídos”, como indica a própria expressão, constitui uma mobilização com três sentidos: a) Denunciar o modelo político e econômico que, ao mesmo tempo, concentra riqueza e renda e condena milhões de pessoas à exclusão social; b) Tornar público, nas ruas e praças, o rosto desfigurado dos grupos excluídos, vítimas do desemprego, da miséria e da fome; c) Propor caminhos alternativos ao modelo econômico neoliberal, de forma que desenvolva uma política de inclusão social, com a participação ampla de todos os cidadãos. Desde 1995 foi escolhido o dia 7 de setembro para as manifestações do Grito dos Excluídos. A ideia era aproveitar o Dia da Pátria para mostrar que não basta uma independência politicamente formal. A verdadeira independência passa pela soberania da nação. Grito é promovido pela Pastoral Social da Igreja católica, mas, desde o início, conta com numerosos parceiros ligados às demais igrejas do CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), aos movimentos sociais, entidades e organizações.1 Esse é o grito de quem está de fora, mas quero pensar com você nas cinco mulheres que, apesar Mais informações em: <http://www.gritodosexclui dos.org/historia/>. Acesso em: 18 jun. 2012.
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Introdução
de estarem de fora por causa de uma cultura machista e discriminatória, são incluídas na famosa lista dos mais importantes da história mundial. “Grito” porque podemos gritar sem emitir sons, como, por exemplo, o grito da alma, quando alguém está em desespero e não tem em quem buscar alívio. O grito pode ser uma opinião proclamada com voz audível ou por meio impresso. As cinco mulheres da genealogia de Jesus têm espaço para dar o seu “grito”, dizendo: “Nós também somos alcançadas pela graça do Deus Todo-poderoso, que não discrimina ninguém.” Escolho “grito” como forma de manifestação com voz e vez. Excluído é quem foi posto para fora, deixado de lado. Incluído é quem figura ou faz parte de certo grupo, está dentro, junto, inserido, introduzido. Enquanto muitos buscam a inclusão, as cinco mulheres de Mateus 1 estão incluídas, quebrando todos os paradigmas de uma sociedade que não lhes dava valor. É mais uma manifestação da graça e do amor de Deus, que não discrimina ninguém. Algumas considerações: 1. Os textos de Mateus 1.1-17 e Lucas 3.23-38 apresentam a genealogia de Jesus na ordem inversa. Mateus começa com Abraão e termina — 15 —
O grito das incluídas em Maria. Lucas começa com José e termina em Adão e Deus. Mateus cita as cinco mulheres. Lucas não. Mateus estava escrevendo aos judeus, para quem esses detalhes são de grande importância. Já Lucas não se preocupa, pois para outros povos esses detalhes não eram tão significativos. A abordagem dos dois autores mostra a sabedoria divina orientando a narrativa para judeus e gentios de forma que a credibilidade do texto não se perca. Cada autor escreve para um determinado público, com ou sem detalhes, dependendo do objetivo a ser alcançado. Essa é a forma de Deus demonstrar sua graça a todos, sem discriminação de etnia, sexo, posição social ou cor da pele. 2. Para o judeu, a pureza racial era muito importante. Quem se misturava com estrangeiros perdia o direito de ser judeu. Os sacerdotes eram obrigados a apresentar uma linha genealógica íntegra a partir de Arão e, quando se casavam, a esposa precisava ter pureza racial pelo menos por cinco gerações. Esdras 2.61,62 e Neemias 7.63,64 citam sacerdotes que não foram aceitos porque seus nomes não estavam registrados nos livros genealógicos.2 Um caso interessante é o de Herodes, o Grande: 2
Barclay, William. El Nuevo Testamento. Mateo. Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1973. v. 1, p. 18. — 16 —
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desprezado pelos judeus porque parte de sua descendência era edomita, destruiu os registros genealógicos oficiais para que não se pudesse demonstrar que alguém possuía uma linha de antepassados mais pura que a dele. 3. Além disso, para o judeu, a genealogia narrada por Mateus é a prova da descendência abraâmica de Jesus Cristo. O nome DAVI (em hebraico DVD) tinha o valor numérico de 14 (4 + 6 + 4 = 14). A cada letra do alfabeto correspondia um número; assim, a primeira letra era 1, a segunda era 2, e assim sucessivamente. Na descrição de Mateus são três grupos de 14 nomes que mostram que Jesus é da raiz de Davi, linhagem real. Esses três grupos correspondem a três fases da história da Israel: a) até Davi, o maior rei e a fase áurea do povo de Israel; b) até o exílio na Babilônia, onde o povo é envergonhado por não ter sido fiel ao Senhor; c) e até Jesus Cristo, mostrando a libertação da escravidão do pecado.3 4. Em nenhuma genealogia judaica, apareciam nomes de mulheres, embora fossem elas que carregassem a herança no ventre durante nove meses e trouxessem à luz o bebê. Esse direito lhes era negado. Na genealogia de Jesus, contudo, aparecem cinco mulheres das mais variadas Clifton, J. Allen (Ed.). Comentário Bíblico Broadman. Rio de Janeiro: Juerp, 1984. v. 8.
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O grito das incluídas origens. Além disso, a mulher era possessão do pai e depois do marido, a ponto de uma oração diária do judeu incluir: “Graças te dou por não ter nascido, gentio, escravo ou mulher”. 5. Das cinco mulheres que aparecem no texto, segundo Robert Mounce em Novo comentário da Bíblia, apenas Maria era judia. Tamar e Raabe eram cananeias; Rute era moabita; e Bate-Seba, hitita. Não é maravilhoso? Já pensou se todas fossem judias? Onde ficariam as demais mulheres, incluindo a nós? Deus é sábio e detalhista para não excluir ninguém de sua graça. Ele admitiu na genealogia de Cristo mulheres de diferentes povos para mostrar seu perfeito amor para com todos, sem preferências ou discriminação.4 6. Outro dado que chama a atenção é que nessa lista não temos mulheres como Sara, Débora, Ester, Rebeca, Hulda e tantas outras que participaram ativamente da história bíblica. Embora sejam todas elas mulheres famosas, que desempenharam papéis importantes na família e na sociedade hebreia, não aparecem tão claramente como as cinco que elegemos aqui. Creio que Deus tem suas estratégias ao fazer uso de gente simples, do povo, para representar as inúmeras mulheres ao longo Mounce, Robert. Novo comentário bíblico contemporâneo sobre Mateus. São Paulo: Vida, 1996.
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da história. Como se ele quisesse dizer que todas são preciosas, independentemente de sua origem ou história de vida. 7. Observe também que, especificamente na versão Almeida Revista e Atualizada, a narrativa de Mateus, ao se referir às figuras masculinas, usa a expressão “gerou a” e, ao referir-se às figuras femininas, “gerou de”. O “a” transmite a ideia de sequência, sucessão e o “de” de procedência, de origem. 8. Na genealogia de Jesus, são derrubadas as barreiras que separam homens e mulheres. As cinco mulheres mencionadas representam todas nós espalhadas pelo mundo afora. Quero conversar com você durante esta caminhada de leitura, mostrando que as cinco mulheres que aparecem neste lindo colar foram obra propositada de Deus para que todas fôssemos incluídas no projeto maior de salvação para toda a humanidade. A graça de Deus é para todas, não importa quem você seja ou esteja. Veremos as cinco mulheres com suas características, preocupações, estratégias e maneiras bem próprias de ser mulher, como qualquer uma de nós.
Quero confessar aqui que apenas consultei algumas obras publicadas para dar respaldo às informações de caráter histórico, mas o restante do texto foi um abrir do coração de mulher. — 19 —
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Fiz uma foto de cada uma das cinco mulheres e do que elas dizem a mim, a você — a nós —, hoje. Dessa forma, apresento cinco heroínas selecionadas pelo Deus da História para inseri-las nesta preciosa e importante lista ou, melhor, neste colar mais valioso que qualquer outro. Com elas, estamos todas representadas como mulheres amadas do Pai. A primeira delas é Tamar, a mulher injustiçada e humilhada, que, todavia, não se rendeu. Sua história está narrada em Gênesis 38. Quantas e quantas mulheres são injustiçadas e humilhadas por maridos, pais, irmãos, chefes e patrões. No entanto, quando entendem que a graça de Deus é maior que todas as injustiças, elas reagem e deixam Deus agir. Se Tamar tivesse ficado chorando pelos cantos por causa da injustiça que o sogro cometeu contra ela, jamais teria sido premiada nessa lista. Com certeza, ela primeiro sofreu sua dor, mas depois reagiu e elaborou um plano para se redimir. Como era justa e sincera em suas ambições, o plano deu certo. Deus protege aos sinceros de coração porque ele nos conhece no íntimo. Depois vem Raabe, a mulher marginalizada pela sociedade, pois era prostituta. Sua história é registrada no segundo capítulo de Josué. Raabe representa os milhões de mulheres que vivem à margem da sociedade não só por causa — 20 —
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de sua condição social, mas também pelas injustiças sociais, da fome e da pobreza, e que morando em cubículos sem nenhum conforto. Quantas mulheres cheias de talentos são deixadas de lado simplesmente porque a vida não lhes deu oportunidade de morar numa boa casa, num bom bairro, de estudar, ter uma família estruturada! Mesmo nas igrejas, muitas vezes tomamos a atitude de marginalizar os que não se conformam aos nossos padrões. Mas Raabe era uma mulher de fé e já ouvira falar da história do Deus dos judeus. Quando alguém lhe explicou melhor quem era esse Deus, Raabe tornou-se uma aliada incontestável. Uma mulher que a sociedade marginalizou, mas que, por ter o coração justo, Deus honrou com sua inclusão na lista. Uma prova do amor abrangente de Deus. Rute é a mulher desamparada cuja linda história está imortalizada no livro que leva o seu nome. Naquele contexto de vida, Rute tinha tudo para dar errado. Era mulher, viúva e estrangeira, três fortes marcas para jamais entrar numa lista dessas. Contudo, por seu desprendimento em acompanhar a sogra depois de ter perdido tudo, e com ajuda de Noemi, acaba casando-se com um homem de bem e entra para a famosa lista. Além de Rute, só Ester, a rainha, tem um livro com seu nome. Podemos imaginar — 21 —
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uma mulher na situação de Rute acabar fazendo parte dos livros sagrados? Só a graça de Deus agindo de forma maravilhosa para com alguém que tinha tudo para não ser incluída. Bate-Seba, seduzida em sua própria casa, acabou sendo vítima do abuso de poder de gênero e político, como narrado em 2Samuel 11. Ela não teve escolha, pois, afinal, era o rei que mandava. Nesse caso, tratava-se de um rei atraído pela beleza da vizinha cujo marido estava na guerra lutando a serviço do rei desocupado. Em Bate-Seba projetamos a enorme quantidade de mulheres que são abusadas pelos mais variados tipos de violência. De crianças a adultas, muitas sofrem caladas; outras revoltadas. Mas a graça de Deus também alcança essas mulheres, e uma nova vida pode ressurgir. E, finalmente, Maria, a mulher temente a Deus que quebra paradigmas e aceita o desafio de mudar a história do mundo. Tinha de ser uma mulher a vanguardista da paz. Para isso, ela não se acovardou diante das dificuldades. Uma mulher de boa família, que tinha todos os direitos da época, mas que se arriscou ao aceitar o desafio do anjo. Ela correu altos riscos numa sociedade puritana e fechada como a que vivia. No entanto, entendendo o desafio, aceitou e não temeu. Admiro Maria por sua coragem. — 22 —
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A graça de Deus atinge todos os tipos de homens e mulheres, sem discriminação. Esse é o Deus de quem sou totalmente dependente e não há coisa melhor. Apesar das dificuldades e dos problemas normais por sermos humanos, é esse Deus da graça que junta na mesma lista mulheres como essas cinco e todas as demais espalhadas pelo mundo. Sintam-se incluídas no grande amor de Deus, por meio da maior logomarca já existente — a cruz. É sobre essas cinco mulheres maravilhosas que vamos conversar um pouco, enxergando-nos nelas ao mesmo tempo que reconhecemos que a graça de Jesus Cristo alcança a todas e as põe em lugar de honra. Pensando na oportunidade concedida pelo Senhor a todas as mulheres do passado, do presente e do futuro, convido você a navegar comigo nas páginas seguintes e a se identificar com nossas personagens de acordo com a sua realidade pessoal. Ao acompanhar cada uma delas, a minha “máquina fotográfica mental ou virtual” faz um flash descritivo partindo de seus nomes, apenas uma forma de sintetizar como eu as vejo individualmente. Você é livre para tirar uma “foto” com a sua “câmera”. Mas nunca se esqueça de que, apesar de todos os nossos defeitos, limitações, revoltas, acertos e — 23 —
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desacertos, Deus é o Deus da graça e nos ama como mulheres do jeito que somos. Algumas mais complicadas que outras, mas todas amadas. E, então, podemos começar?
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Tamar A MULHER INJUSTIÇADA QUE NÃO SE RENDEU O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que outros fizeram de nós. Jean Paul Sartre
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nome Tamar significa “palmeira”. Na Bíblia, há três mulheres chamadas Tamar. A primeira aparece em Gênesis 38. É a mãe de Perez que entra na genealogia de Jesus. A segunda Tamar, cujo relato está em 2Samuel 13.1-22, era filha do rei Davi e irmã de Absalão, e foi estuprada por Amnom (seu meio-irmão), que fingiu estar doente. Para apagar a vergonha, Tamar pediu que ele se casasse com ela. A grande paixão de Amnom por Tamar se transformou em ódio mortal. O texto de 2Samuel 13.15 diz que “Amnom sentiu uma forte aversão por ela, mais forte que a paixão que sentira”. Tamar contou o problema a seu irmão Absalão, que em momento oportuno assassinou Amnom durante uma festa. A terceira Tamar era muito bonita, filha de Absalão, e o texto relacionado é encontrado em 2Samuel 14.27. Talvez ela tenha recebido esse nome como homenagem do pai à irmã. Aliás, um costume comum também nos dias atuais.
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Mas vamos falar de Tamar, a nora de Judá. É interessante que o texto bíblico narra a vida de José até dar uma pausa no capítulo 37, para narrar a história de Tamar, no capítulo 38, e depois continuar falando sobre José, no capítulo 39. Tamar era a viúva do filho mais velho de Judá e deveria casar-se com o segundo filho, que se chamava Onã, segundo a lei do levirato. Caso tivesse um filho desse segundo casamento, o herdeiro seria creditado ao falecido. Onã não aceitou a situação e faleceu mais adiante por não ter obedecido a Deus. Uma vez que não queria gerar um filho que seria do irmão, já falecido, evitava a concepção com o método anticonceptivo mais antigo, o coito interrompido. Como o terceiro filho de Judá, Selá, ainda era muito novo, o sogro pediu à nora que voltasse à casa de seu pai e aguardasse até que o menino estivesse em idade para casamento. Acontece que Judá, propositadamente ou não, acabou não dando à nora o prometido. Quando ficou viúvo, foi para a cidade de Timna distrair-se e curtir seu luto, enquanto vigiava seu grande rebanho de ovelhas com um amigo. No caminho, encontra uma prostituta e se deita com ela. Ela engravida. O que Judá não sabe é que essa mulher é a própria nora reivindicando seus direitos. Veja a narrativa do texto bíblico, abaixo. — 26 —
Tamar
[...] dirigiu-se a ela, à beira da estrada, e disse: “Venha cá, quero deitar-me com você”. Ela lhe perguntou: “O que você me dará para deitar-se comigo?” Disse ele: “Eu lhe mandarei um cabritinho do meu rebanho”. E ela perguntou: “Você me deixará alguma coisa como garantia até que o mande?” Disse Judá: “Que garantia devo dar-lhe?” Respondeu ela: “O seu selo com o cordão, e o cajado que você tem na mão”. Ele os entregou e a possuiu, e Tamar engravidou dele. Ela se foi, tirou o véu e tornou a vestir as roupas de viúva. Judá mandou o cabritinho por meio de seu amigo adulamita, a fim de reaver da mulher sua garantia, mas ele não a encontrou, e perguntou aos homens do lugar: “Onde está a prostituta cultual que costuma ficar à beira do caminho de Enaim?” Eles responderam: “Aqui não há nenhuma prostituta cultual”. Assim ele voltou a Judá e disse: “Não a encontrei. Além disso, os homens do lugar disseram que lá não há nenhuma prostituta cultual”. Disse Judá: “Fique ela com o que lhe dei. Não quero que nos tornemos objeto de zombaria. Afinal de contas, mandei a ela este cabritinho, mas você não a encontrou”. Cerca de três meses mais tarde, disseram a Judá: “Sua nora Tamar prostituiu-se, e na sua prostituição ficou grávida”. Disse Judá: “Tragam-na para fora e queimem-na viva!” — 27 —
O grito das incluídas Quando ela estava sendo levada para fora, mandou o seguinte recado ao sogro: “Estou grávida do homem que é dono destas coisas”. E acrescentou: “Veja se o senhor reconhece a quem pertencem este selo, este cordão e este cajado”. Judá os reconheceu e disse: “Ela é mais justa do que eu, pois eu devia tê-la entregue a meu filho Selá”. E não voltou a ter relações com ela (Gênesis 38.16-26).
Tamar foi bastante mulher. Aproveitou uma de suas características femininas e, sem muito alarde, planejou os detalhes para que não continuasse sendo injustiçada. Observe que, quando Judá promete um cabrito, ela pede um penhor de que a promessa será cumprida. Ele lhe passa um selo, um cordão e o cajado. É claro que isso representava uma segurança para Tamar, pois Judá poderia esquecer-se da promessa, ou o cabrito poderia morrer, e ela ficaria sem provas. Os três elementos, contudo, valiam muito, e Judá jamais se esqueceria deles. Tamar armou a situação com detalhes. Você já reparou que, quando um homem quer uma mulher e ela não o quer, raramente a consegue? Mas, quando uma mulher quer um homem, casado ou solteiro, ela consegue, pois tem mil esquemas de sedução. Faz parte da nossa feminilidade. — 28 —
Tamar
Um exemplo claro é Eva. Ela comeu a fruta, mas Adão não resistiu ao convite. E se fosse o contrário? Teria ela resistido ao convite, conhecendo a ordem dada por Deus de que não comessem do fruto daquela árvore? Bom, só na eternidade poderemos ter a resposta. Entendo, porém, que essa nossa capacidade deve ser usada para abençoar as pessoas, jamais para prejudicar. Tamar a usou para ser abençoada e abençoar Judá, que havia sido escolhido para participar da raiz de Jesus. A culpa de não ter filhos não era dela, e isso ela provou. Tanto é que, com uma única relação, engravidou de Judá e logo vieram gêmeos: Perez e Zerá. Perez significa “rotura”; e Zerá, “rubor”. Talvez representassem os filhos dos dois maridos que tivera. Ela sabia, como qualquer mulher, que estava no período fértil e usou desse conhecimento para suscitar o descendente de Judá. Isso fazia parte do plano divino. Tamar deu o grito da exclusão e foi incluída. A fertilidade naquela época era o principal trunfo na vida de uma mulher. Elas não podiam recorrer à inseminação artificial, como podemos fazer hoje. Se não engravidassem pelas vias naturais, eram desprezadas pela família e pela sociedade. Hoje, as mulheres podem optar por ter filhos ou não, e continuam sendo admiradas e consideradas. São outros tempos. — 29 —
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O exemplo de Tamar foi seguido por outras mulheres na Bíblia quando se viram injustiçadas. Em Números 27.1-11, as filhas de Zelofeade reivindicaram a herança, já que seu pai só tivera filhas. E o costume continuou para outras como direito adquirido. Hoje não temos esse tipo de discussão. A herança do pai é dividida igualmente entre filhos e filhas. Tamar não estava procurando casamento, honra ou vingança, mas filhos para a descendência de Judá e, é claro, para sua segurança financeira. Fico pensando na cara de Judá ao saber do “adultério” da nora, que deveria ser apedrejada, e ela se apresenta dizendo: “Estou grávida do homem que é dono destes pertences”. Ah! Como eu gostaria de ver a cara dele! Nós temos facilidade em julgar sem conhecer os fatos. Em seguida, Judá reconhece que Tamar foi mais digna que ele. Ela procurou os direitos que lhe haviam sido negados. Nesse acontecimento, quem dita as normas é a mulher. A prostituta nunca existiu. Existira, sim, uma mulher ultrajada diversas vezes e que descobriu ter uma missão a cumprir: perpetuar a vida.5 Ferreira, Joel Antonio. Genealogia mateana: por que Tamar, Raab, Rute e Betsabeia? Não eram mulheres? Não eram “anormais”? Disponível em: <http://
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Tamar
Era costume na época que as prostitutas comuns não usassem véu, mas as cultuais cananeias usavam. Eram obrigadas a fazê-lo mesmo durante o ato sexual, pois os homens acreditavam que estavam tendo relações com a própria deusa. Assim, não se tratava de sexo, mas um ato que fazia parte do culto.6 Por isso, Judá não percebe que está deitado com a nora. Já pensou se ele retira o véu e a vê? Tamar usou o véu não porque era uma prostituta cultual, mas para não ser reconhecida pelo sogro. Um detalhe importante do qual ela não abriu mão. Aliás, nós, mulheres, somos peritas em detalhes. O problema, a meu ver, é quando usamos essa capacidade para prejudicar o outro. Não foi o caso de Tamar. Ela estava atrás da justiça que lhe fora negada. Tamar foi a mulher injustiçada que não se rendeu. Montou uma estratégia para provar sua inocência e foi contemplada com o nome na mais famosa lista (muito melhor que a Lista do Oscar ou do Guinness Book) da história da humanidade. Conhecimento, sabedoria e dependência www.cpgss.ucg.br/ArquivosUpload/7/file/Artigo %20Joel%20Ant%C3%B4nio%20Ferreira-II.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2012. 6 Higgs, Liz Curtis. Mais meninas más da Bíblia: o que mais podemos aprender com elas. Belo Horizonte: Atos, 2002. — 31 —
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de Deus foram as armas que Tamar usou. Ela não se entregou nem ficou lamentando as perdas, mas reagiu e foi premiada. Quer mais? Volta e meia enfrentamos situações de injustiça na família, no trabalho e até na igreja, pasmem. Muitas mulheres usam as mesmas armas de Tamar para descontar no outro todo o mal feito. Tamar, porém, nos dá uma lição de que, mesmo na injustiça, podemos, com muita sabedoria, reverter as coisas em algo positivo e abençoador. Depende da nossa reação. Se buscarmos vingança, ela se vira contra nós. Tamar não se vingou, apenas montou um esquema para ter de volta a promessa que lhe fora feita. Ela não se rendeu. Repensando à luz da experiência de Tamar Janete nasceu e cresceu numa família de classe média. Estudou em bons colégios e, quando se formou, conseguiu um bom emprego. Estava trabalhando muito feliz, quando viu tudo ruir à sua frente. As promessas de salário e benefícios não foram cumpridas, mas o trabalho a cada dia crescia mais, assim como a responsabilidade. O que fazer? Deixar o emprego e arranjar outro? Permanecer onde estava apesar das injustiças? Acabou ficando. Cada dia era como “matar um leão”. Fazia tudo com o maior cuidado, mas, ao final de — 32 —
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cada mês, quando recebia o salário, a decepção aumentava. Mesmo assim não desanimava. Um belo dia, o chefe a chamou para dizer que Janete estava demitida (sem dar muitas explicações) e contratou nova funcionária. Janete lamentou muito, mas não desanimou. Orou intensamente ao Senhor, mas não ficou parada. Foi à luta e conseguiu novo emprego, no qual os chefes reconheciam seu valor e a honravam com um salário e benefícios à altura. Janete foi injustiçada, mas não desistiu. Chorou, ficou brava, mas não permaneceu prostrada, lamentando a má sorte. Viveu o luto pela perda do emprego, mas ergueu a cabeça e foi em frente. Tamar foi uma mulher injustiçada, mas não se rendeu. Quando viu a oportunidade de demonstrar a injustiça sofrida, não perdeu tempo. Ela se expôs, mas não se entregou. Janete, mulher dos nossos dias e com experiência idêntica à vivência de muitas de nós, também o foi e permaneceu firme. Como você reage diante das injustiças que outros cometem contra você? Lembre-se de que ficar lamentando e chorando pelos cantos só aumentará a sua dor. Enquanto isso, a vida continua. Reserve um tempo para curtir o seu luto interno por causa do aborrecimento, mas não por muito tempo. Cada pessoa tem a sua maneira — 33 —
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de fazer isso, seja chorando, seja ficando calada, seja escrevendo o que está sentindo, e por aí vai. O importante é não se imobilizar, mas firmar-se no Deus que pode todas as coisas e desfrutar dos momentos bons que ele tem para nós. As experiências de vida, boas ou ruins, servem para nos fortalecer. Se Tamar ficasse lamentando o tempo todo, não estaria incluída nesta famosa lista. Não faria parte deste quinteto de mulheres especiais. Lembre-se que injustiça faz parte da vida, mas o mais importante é como reagimos a ela.
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T — enaz : agia com persistência e não se entregava A — mbic fácil. iosa: queri a alcançar seus o bjetivos, e ntão foi à luta. M — eiga : tratava a s pessoas com delic adeza, ma s com firmeza. A — udac iosa: enfre ntou riscos e se guiu semp re adiante. R — esist ente: plan ejou e foi até o fim resistindo às acusações do sog ro.
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