Vivendo na presença de Cristo | Capítulo 1

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D a l l a s Wi l l a r d

VIVENDO NA PRESENÇA DE CRISTO Palavras decisivas sobre o céu e o Reino de Deus


Editora Vida

Rua Conde de Sarzedas, 246 – Liberdade CEP 01512­‑070 – São Paulo, SP Tel.: 0 xx 11 2618 7000 Fax: 0 xx 11 2618 7030 www.editoravida.com.br

©2014, Jane Willard, John Ortberg e Dallas Willard Center Originalmente publicado em inglês com o título Living in Christ’s Presence: Final Words on Heaven and the Kingdom of God. Copyright da edição brasileira © 2016, Editora Vida. Edição traduzida e publicada com permissão de InterVarsity Press, Downers Grove, IL, EUA.

Todos os direitos desta tradução em língua portuguesa reservados por Editora Vida. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Editor responsável: Marcelo Smargiasse Editor assistente: Gisele Romão da Cruz Santiago Tradução: Jurandy Bravo Revisão de tradução: Josemar de Souza Pinto Revisão de provas: Marcelo Smargiasse Projeto gráfico e diagramação: Claudia Fatel Lino Capa: Arte Peniel

Scripture quotations taken from Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, NVI ®. Copyright © 1993, 2000 by International Bible Society ®. Used by permission IBS­‑STL U.S. All rights reserved worldwide. Edição publicada por Editora Vida, salvo indicação em contrário. Todas as citações bíblicas e de terceiros foram adaptadas segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em 1990, em vigor desde janeiro de 2009.

1. edição: jun. 2016

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Willard, Dallas, 1935-2013. Vivendo na presença de Cristo : palavras decisivas sobre o céu e o reino de Deus / Dallas Willard e John Ortberg ; [tradução de Jurandy Bravo]. -- São Paulo : Editora Vida, 2016. Título original: Living in Christ’s Presence : Final Words on Heaven and the Kingdom of God. ISBN 978-85-383-0339-8 1. Conduta de vida 2. Crescimento espiritual 3. Espiritualidade 4. Vida cristã I. Ortberg, John. II. Título. 16-03142

CDD-248.4 Índices para catálogo sistemático: 1. Conduta de vida : Vida cristã   248.4


SUMÁRIO Prefácio — Gary W. Moon.......................................................... 7 1. Como viver bem: a vida eterna começa agora.......................... 9 Dallas Willard Diálogo — Dallas Willard e John Ortberg............................... 23 2. Quem são os especialistas em transformação de vida?............ 40 John Ortberg Perguntas e respostas com John Ortberg..................................... 59 3. Como entrar e viver no Reino............................................... 66 Dallas Willard Diálogo — Dallas Willard e John Ortberg............................... 79 4. Conhecimento empírico da Trindade.................................... 91 John Ortberg Diálogo — Dallas Willard e John Ortberg............................. 107 5. Compreendendo a pessoa: inclusive as partes invisíveis........ 111 Dallas Willard Diálogo — Dallas Willard e John Ortberg............................. 122


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6. A importância das disciplinas cristãs.................................... 131 John Ortberg Diálogo — Dallas Willard e John Ortberg............................. 153 7. Bênção................................................................................ 159 Dallas Willard Diálogo — Dallas Willard e John Ortberg............................. 165


PREFÁCIO Gary W. Moon

Creio que a história da Igreja será muito gentil com Dallas Willard. Ele viveu como um misto raro de acadêmico rigoroso, expositor apaixonado da Bíblia e amigo de Deus. Quem o conheceu bem se maravilhou com sua mente, mas amou-o pelo conhecimento de Deus em primeira mão e pelo desejo de que outros compartilhassem suas experiências de vida no Reino. O livro que você tem em mãos surgiu da transcrição de uma conferência realizada de 21 a 23 de fevereiro de 2013, em Santa Barbara, Califórnia. O projeto nasceu de conversas entre Dallas e John Ortberg, pastor sênior da Igreja Presbiteriana de Menlo Park, em Menlo Park, Califórnia, e autor e palestrante talentoso. A paixão básica da conferência era proporcionar uma visão geral dos escritos e ministério de Dallas — suas ideias mais profundas. A conferência foi construída em torno do tema “Conhecendo a Cristo hoje” e como uma forma de apresentar o fio condutor presente em todos os seus principais escritos: é possível conhecer a Trindade intimamente e participar de seu Reino glorioso. As apresentações de Dallas e John passaram por uma pequena edição a fim de gerar este livro, mas mantiveram a percepção de diálogo existente em uma conferência. No início de cada capítulo do livro, há uma das orações feitas durante os encontros. Cada capítulo 7


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se encerra com um diálogo sobre o conteúdo, com material adicional sendo extraído das perguntas de John e da plateia para Dallas. A conferência foi patrocinada pelo Martin Institute for Christianity and Culture e pelo Dallas Willard Center for Christian Spiritual Formation (MIDWC), onde trabalhei como diretor executivo. O MIDWC existe em razão da visão e generosidade de Eff e Patty Martin. Esperamos que o livro tenha conseguido apreender e preservar a natureza da conferência — e, acima de tudo, os pensamentos de Dallas — de modo tal que sejam de grande proveito para você.

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1 COMO VIVER BEM A vida eterna começa agora

Dallas Willard

Que vocês experimentem a graça — Deus agindo em sua vida, em seus pensamentos, em seus sentimentos, em seu descanso. Que o rosto dele brilhe sobre vocês. Que o rosto resplandecente dele se levante sobre vocês quando se deitarem, quando dormirem, e dê a vocês os pensamentos de que precisam. A bênção da Trindade repouse sobre vocês e sobre tudo que são e fazem. Assim seja. Amém. Dallas Willard

Estamos às portas de uma época em que a Igreja será capaz de tomar algumas decisões. Por longos períodos em sua história, como na história de Israel, não houve decisões importantes que se pudesse tomar. Acho que atravessamos momentos bastante difíceis com a Igreja, e tento nunca criticá-la, pois sei quem está no comando. Às vezes, no entanto, precisamos ter consciência de onde estamos vindo e para onde vamos. Aproximamo-nos de um tempo em que muitas igrejas e cristãos em posição de liderança serão capazes de dizer que a questão 9


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toda se resume ao discipulado e à transformação na semelhança com Cristo. Lendo o Novo Testamento, ou mesmo o Antigo, vocês já podem ter chegado a essa conclusão. É difícil evitar, mas circunstâncias históricas podem nos prender e não nos deixar ver o que de fato acontece. Atravessamos um período em que a teologia dominante simplesmente não tinha nada a ver com discipulado. Tinha a ver com a crença apropriada, com Deus cuidando para que as pessoas não fossem para o lugar ruim, e sim para o bom. Mas isso evoluiu de tal forma que o pensamento predominante é que a pessoa pode ter o pior caráter possível e ainda chegar ao lugar bom se crer na coisa certa. Essa disparidade foi se tornando cada vez mais onerosa para a própria Igreja, até chegarmos ao ponto em que, como tem sido amplamente discutido, não existe uma diferença clara entre quem é e quem não é cristão. Ora, isso se deve em parte ao fato de que o ensinamento cristão penetrou inteiro na sociedade em geral. Muita gente que não faz parte da Igreja nem segue Cristo por vontade própria e consciente acaba vivendo uma espécie de meio-termo. Vivem de um jeito claudicante no que concerne ao que Jesus ensinou e quem ele era. E estamos familiarizados com o fato de que o mundo gosta de bater na Igreja com a vara da própria Igreja e criticá-la em termos do que Jesus mesmo ensinou. Talvez já estejamos cansados disso, e há indícios de que estamos prontos para uma mudança. Essa mudança fará uma diferença espantosa no mundo, dada a intenção de Jesus para seu povo desde o início — na verdade, desde muito antes disso, no relacionamento de aliança de Deus com o povo de Israel — ser a revolução mundial. Se lerem a Grande Comissão, vocês talvez não percebam que ela tem tudo a ver com revolução mundial. Se pensam que ela fala de implantação de igrejas, por mais importante que isso seja, se 10


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acham que tem a ver com evangelização, como costuma ser entendida — nada disso. Ela tem a ver com a revolução mundial prometida através de Abraão, insuflada em Jesus e viva em seu povo até hoje. É disso que nosso coração tem fome, mesmo quando não sabemos como abordar o assunto ou como agir em relação a ele. O conhecimento de Cristo Quero falar sobre o conhecimento de Cristo hoje. O que não tem nada a ver com fé, exceto pelo fato de a fé ser um reflexo do conhecimento. Tem a ver com conhecer a Cristo. Uma das coisas que aconteceram nos últimos cento e poucos anos é que a sociedade, por intermédio de suas instituições, pegou com todo o cuidado os ensinamentos de Cristo e colocou-os fora do domínio do conhecimento, depositando-os em uma área chamada fé. Essa única mudança privou a fé do seu poder, pois nunca se pretendeu que ela existisse à parte do conhecimento, onde o conhecimento é possível. As Escrituras e os atos de Deus na História possibilitam o conhecimento — conhecimento de Deus, conhecimento da vida humana —, e essa dignidade precisa ser restaurada. Assim, nosso foco está no conhecimento para a vida e nos efeitos desastrosos de expulsar os ensinamentos de Jesus Cristo e de seu povo do domínio do conhecimento humano. Existe agora uma coisa estranha chamada conhecimento secular. O que é isso? A realidade pode ser secular? Se não, o conhecimento secular deixa miseravelmente de corresponder ao que os seres humanos necessitam. Conhecimento é o que trazemos para o mundo, o que pastores e outros porta-vozes de Cristo trazem para o mundo. Os porta-vozes de Cristo são todos os homens e as mulheres, onde quer que estejam, que falam por Cristo e trazem o conhecimento de Deus. Trazem o conhecimento da alma humana, sem o qual o mundo não tem nenhuma estrutura. Tudo isso está à 11


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disposição de quem quiser, e tem muita gente querendo. Isso tem a ver com o que vocês são capazes de fazer com o que dispõem, em vez de com a aceitação das realidades de Deus, e de sua natureza, e do seu propósito na criação, e de ele enviar Cristo, e da vinda do Espírito Santo ao mundo. Os porta-vozes apresentam tudo isso como conhecimento, e essa é a primeira coisa que precisamos entender ao analisarmos a questão de conhecer a Cristo. A segunda coisa está intimamente relacionada com essa questão: porta-vozes de Cristo são aqueles que têm um conhecimento que ninguém mais detém. Por isso são as pessoas mais importantes na sociedade. Porque trazem conhecimento do que são o tempo e a eternidade. Trazem conhecimento em cima do qual as pessoas podem fundamentar a vida. Trazem conhecimento capaz de ser transmitido para outros com base na experiência, na razão, nas Escrituras, na graça, no trabalho e tudo o mais que vocês quiserem colocar dentro desse saco. Os porta-vozes de Cristo têm a dignidade de trazer esse conhecimento para todos que os circundam. Uma coisa triste é o que aconteceu com o testemunho em nossa cultura. Não se considera o testemunho como algo que traz conhecimento, mas como tentativas de convencer pessoas a fazerem coisas. Quando se divorcia fé de conhecimento, acaba-se na posição de tentar levar as pessoas a fazerem coisas, não de provê-las de uma base em cima da qual podem, então, decidir como viver e como levar a vida. O testemunho se transformou em um tipo de processo para aborrecer as pessoas, e bem poucas testemunham em função disso. Quando jovem, fui pastor de uma igreja batista no Sul e era capaz de, com grande facilidade, inspirar culpa no meu povo, falando sobre o motivo por que ele não testemunhava. Isso difere um pouco de denominação para denominação, mas essa era a triste verdade, e devo confessar meu pecado; costumava agir assim por achar que a 12


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maneira de influenciar as pessoas era fazendo-as sentir, não suprindo-as de conhecimento. Estamos aqui para tentar restaurar a dignidade dos porta-vozes baseados na dignidade do conhecimento que trazem. Queremos gerar o povo de Cristo e fazer que se posicionem no mundo lado a lado com todos os outros que afirmam saber do que estão falando e capacitar indivíduos a subscreverem a tradição de Cristo e seu povo, que sempre foi uma tradição de conhecimento. Agora, ao falar tanto como estou fazendo agora, é provável que eu diga uma ou duas coisas erradas. Vocês podem se sentir incomodados, e tudo bem. O que eu falo tem o intuito de expor as coisas para que sejam discutidas. Mas o principal ponto que defendo é que precisamos entender a dignidade do conhecimento que possuímos como seguidores de Cristo. A famosa passagem em Oseias não diz: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta a fé”. Diz: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento [...]” (4.6, Almeida Revista e Atualizada). Conhecimento e fé são coisas distintas. No meu livro Knowing Christ Today [Conhecendo a Cristo hoje], descrevo em profundidade a diferença entre fé e conhecimento; e, embora ambos sejam vitais, são diferentes. Formação espiritual Não ousamos deixar a fé de fora da área do conhecimento. Precisamos examinar não o conhecimento como tal, mas um conhecimento particular, aquele que chega até nós pela formação espiritual. “Formação espiritual” é uma expressão antiga. Nova em muitos círculos, na verdade é antiga como o Antigo Testamento. Os primeiros anos da Igreja foram anos em que com assiduidade a formação espiritual foi estudada, desenvolvida e tema de muita coisa que se escreveu. Se possível, leia a Filocalia, uma das primeiras 13


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coletâneas de escritos cristãos, ou as Institutas de João Calvino, que seguem o mesmo gênero. Conheça-as para ver do que se trata a formação espiritual. Então, o que é formação espiritual? É o processo de transformação da pessoa na semelhança com Cristo pela transformação de partes do indivíduo. Embora a transformação da mente seja absolutamente fundamental, as outras partes do eu também precisam ser transformadas. A transformação espiritual nada tem a ver com modificação de comportamento. Tem a ver com a mudança das fontes do comportamento, de modo que ele se acerte por si mesmo. Quando a mente está ajustada, e o coração, o corpo, a alma e os relacionamentos que mantemos em nosso mundo social, a pessoa inteira simplesmente entra no caminho de Cristo e nele vive com alegria e força. Não se trata de uma luta. Uma das mentiras sobre a vida espiritual diz que ela é difícil. Que nada. Ela não é difícil. É o caminho fácil. Difícil é do outro jeito, coisa que se pode ver quando se olha para o mundo. Eis uma pitada de conhecimento que precisamos levar às pessoas; precisamos ajudá-las a entender que a transformação do eu leva à vida de bênção. O jugo suave Considere duas passagens, ambas muito familiares. A primeira é Mateus 11, na qual Jesus diz as seguintes palavras, que costumam ser citadas fora de contexto, sem que se levante qualquer questionamento sobre quem é seu interlocutor: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu darei descanso a vocês. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (v. 28-30). A pessoa com a vida mais fácil, mais feliz e mais forte é aquela que anda debaixo do jugo com Cristo. Só assim começamos a adquirir a 14


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força e a orientação capazes de endireitar tudo que está errado na existência humana. Às vezes isso leva ao embate contra um mundo que deu errado à nossa volta, mas o mundo necessita dessa batalha, e que permaneçamos firmes sob o jugo suave com Cristo. Qual é o jugo de Cristo? Bem, o termo se referia a bois na época de Jesus, e pode ser empregado em relação a cavalos ou outros animais. Fala de dois animais que são colocados debaixo do mesmo jugo para puxar uma carga. Estar sob o mesmo jugo com Cristo é puxar um fardo com ele. Qual é o fardo dele? Trazer o Reino de Deus à vida humana comum. Por isso ele veio como veio, viveu como viveu e morreu como morreu. No meio de um mundo de vida humana comum, ele carregou o fardo de trazer o Reino de Deus à vida humana comum. Essa era sua mensagem. E sua mensagem era para todo o mundo. Repensem seu modo de pensar. Arrependam-se, como Jesus ordenou em Mateus 4.17. Arrepender-se quer dizer nada mais, nada menos do que parar de pensar do jeito que você tem pensado sobre as coisas e reconsiderar. Arrependam-se, pois o Reino dos céus agora está disponível para vocês. Essa era sua mensagem, e, se pretendemos dividir o jugo suave com Jesus e assumir o fardo que ele dá — suave não por ser essa a sua característica intrínseca, mas por causa daquele com quem partilhamos o jugo —, precisamos entender que estamos trabalhando com o Reino de Deus. Estamos trabalhando com o Reino dos céus. A quem vocês acham que Jesus se dirige aqui? Talvez digam “Bem, a qualquer um que esteja cansado e sobrecarregado”. Mas precisamos analisar a passagem em seu contexto. Jesus enfrentava um período de grande oposição, de grande rejeição. Quando você volta e lê o capítulo 11 inteiro de Mateus, consegue ver o problema vindo à tona. Até João questiona a Jesus, pois ele não está correspondendo a suas expectativas. Certa vez ouvi alguém dizer, muito 15


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profundamente, que se alguém seguir Jesus tempo suficiente, ele o decepcionará. É o que está acontecendo aqui. Jesus fora expulso de sua cidade natal, Nazaré, mudando-se para Cafarnaum e várias pequenas cidades das redondezas — Corazim, Betsaida e algumas outras. Rejeitaram-no, embora fizesse obras maravilhosas em suas ruas. Rejeitaram-no em razão da visão dominante da religião e de Deus naquela sociedade. Assim, lançando suas palavras “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados” está a declaração de Jesus “[...] Eu te louvo, Pai [...] porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos” (Mateus 11.28,25). Na verdade, ele se dirige às pessoas que carregam um fardo religioso terrível. É o que a religião faz com você. Ela o exaure. Se tem algo que precisamos fazer é aprender a deixar de lado, de maneira terna e inteligente, os fardos da religião. Permitam-me contar algo surpreendente: em se tratando de formação espiritual, sua posição religiosa faz bem pouca diferença. Não importa para que denominação ou grupo cristão vocês se voltem, verão que eles não compartilham da mesma teologia. Ora, têm de acreditar em determinadas coisas sobre Jesus, mas a formação espiritual não acompanha a ortodoxia de determinada posição. Jesus está dizendo: “Tomem sobre vocês o meu jugo”. Tirem de cima dos ombros o jugo da religião oficial. Podem, então, voltar e se redimir disso, mas primeiro precisam aprender dele como viver sob o jugo do Reino de Deus. Não sou do tipo que pensa que temos a obrigação de criticar muito a Igreja. Não há nada errado com a Igreja que o discipulado não cure. Nada. Quando vocês encontram problemas na Igreja — e isso é discutido constantemente, vezes sem conta, nos melhores periódicos, seculares e sagrados —, sempre foi a falta de discipulado que levou a eles. Não importa muito a estrutura oficial — 16


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seja grande ou pequena, ou seja como for. Importa, sim, saber: você é um discípulo? Levando pessoas ao discipulado É a um grupo de discípulos que nos voltamos agora, na segunda passagem, bem no fim do evangelho de Mateus (28.18-20). A passagem costuma ser chamada de a Grande Comissão, mas, olhando bem de perto, às vezes dá vontade de chamá-la de a Grande Omissão, pois raramente se pratica o que Jesus diz ali. Vejam o que ele fala: foi-me dado poder no céu e na terra. À medida que avançarem, façam discípulos. Mergulhem-nos juntos na presença da Trindade –– do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Sim, batizem-nos no nome, mas, amigos queridos, isso não significa apenas molhá-los enquanto vocês repetem esses nomes. Significa mergulhá-los na Realidade. Feito isso, ensinem-nos de modo tal que façam de verdade o que Jesus disse. Esse é o processo da formação espiritual. E o resultado no fim é a alegria de viver sob o jugo suave, pois vocês descobrem que fazer o que Jesus disse é o jeito fácil e eficaz de viver para sempre e cada momento. Olhe para essas passagens outra vez. Antes de mais nada, Jesus disse “[...] Foi-me dada toda a autoridade [...]” (Mateus 28.18). Em outras palavras, “foi-me concedido poder sobre tudo”. Não somos enviados de mãos abanando. Somos enviados munidos de todo equipamento que podemos utilizar, e, à medida que avançamos, fazemos discípulos. Creio que a melhor maneira de traduzir isso é “À medida que avançarem, façam discípulos”. Assim, fazer discípulos é uma espécie de efeito colateral, e é imprescindível entender isso, em relação a fazer discípulos. Na vida, há coisas que se pode puxar, mas não empurrar, e coisas que se pode empurrar, mas não puxar. Fazer discípulos é questão de puxar pessoas, de atraí-las pelo que somos e dizemos. 17


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Discípulos são aqueles que ficam de tal forma extasiados com Cristo que outros querem ser como eles. Olham para a vida deles no Reino de Deus e dizem: “É a melhor coisa que já vi na vida. Quero para mim também.”. O melhor lugar para fazer discípulos é dentro de uma igreja, porque sempre há gente faminta de discipulado. As pessoas querem mesmo isso. Muitos dos que se identificam como cristãos nunca foram convidados a se tornarem discípulos de Jesus. Não temos evangelismo de discipulado, mas precisamos, por causa das multidões que estão prontas para ir; elas só precisam entender, e ver, e receber o convite para se tornarem discípulos de Jesus. Esse é o caminho que temos para avançar. Até passarmos pelo discipulado, não podemos trazer as pessoas à comunhão trinitária porque um compromisso com Deus, com Cristo e com o Espírito Santo não é adequado para permitir que as pessoas se ajuntem na forma íntima de relacionamento que transforma a vida. A Igreja como reunião de discípulos é o caminho ideal de Deus para levar as pessoas à plenitude de Cristo. Lembre-se do que Jesus disse: “Pois onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mateus 18.20). Bem, o Pai está nesse meio. O Espírito está nesse meio. Onde há três ou quatro mil reunidos em seu nome, ele está no meio. Às vezes esse versículo só é citado quando duas ou três pessoas comparecem, mas o importante é perceber que Cristo está no meio, o Pai está no meio, o Espírito está no meio; e a partir daí eles edificam a Igreja. Agora, se vocês passaram pelo discipulado e estão reunindo discípulos na presença trinitária, estão em posição de lhes ensinar a fazer tudo que Jesus disse. Mais uma vez, não será empurrando, mas atraindo. É assim que se leva as pessoas a verem a bondade e a retidão dos ensinamentos de Cristo e a adotá-los. 18


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O outro modo leva ao legalismo, que vem derrotando repetidas vezes as melhores intenções dos melhores seguidores de Cristo ao longo dos tempos, pelo simples fato de não lidar com a vida do indivíduo, mas com o comportamento. Vezes e mais vezes vocês têm situações que podem ser sanadas pela transformação da pessoa, mas ela não é transformada porque é empurrada, em vez de atraída, pelos encantos de Cristo. Talvez vocês digam: “Oh, não se deve sentir raiva do irmão.”. Então o que pretendem fazer? Bater-lhe na cabeça, caso ele esteja com raiva do irmão? Não, precisam mostrar a ele por que a raiva não é uma coisa boa. Que há um jeito melhor de lidar com as situações que provocam raiva e ódio e criam uma espiral de ofensas e sofrimentos. Discípulo é alguém que aprende ao passar pelo processo da transformação. Tudo de que nos queixamos e sobre o que falamos sem parar, como pornografia, divórcio e drogas, são coisas que só podem ser tratadas com eficácia introduzindo-se a transformação na mente e no espírito, e na vontade, no corpo e na comunhão do indivíduo. Então as pessoas saem dizendo: “Quem é que precisa disso? Tenho coisa muito melhor.”. Quando vocês olham para algo como a pornografia e percebem a disposição mental de quem é viciado nela, dizem: “Que condição terrível de se estar.”. Sabem que a pessoa pode ter um modo melhor de pensar capaz de fazer a compulsão simplesmente ceder. Acontece o mesmo com o ódio, o desdém e tudo que causa os problemas mais profundos em nossa família, em nossa comunidade e no nosso mundo. Todos provêm de um interior perturbado, e Jesus vem e diz: “Aqui está a saída.”. Trazendo o Reino O que fazem os pastores e outros porta-vozes de Cristo? Trazem a vida do Reino às outras pessoas. Carregam essa vida. Foi o 19


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que disse o próprio Jesus, e foi o que fez. Quando veio, anunciou: “Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo.”. O que estava próximo? O Reino que havia dentro dele. Olhando para ele e ouvindo-o, as pessoas constatavam que o Reino de Deus estava ali, disponível para elas, e se tornavam discípulas de Jesus por isso. Pastores e porta-vozes de Cristo exemplificam a vida eterna e tornam-na presente em tudo à sua volta. A vida eterna é a vida que temos agora, porque nossa vida está inserida na vida de Deus. Não é para depois. O que Jesus está fazendo é parte do que estamos fazendo, e o que estamos fazendo é uma parte do que ele está fazendo. João 17.3 é uma das passagens mais importantes que necessitam de compreensão: “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.”. Ora, saber isso não é deter conhecimento doutrinário; é uma interação viva com Deus, com seu Filho e com seu Espírito. Vida eterna é a presença trinitária em comunhão um com o outro. É isso que um dia virá à terra. É isso que já veio à terra, e podemos fazer disso parte da nossa vida. Ao fazê-lo, convertemos nossa vida em parte da vida de Deus. E então, o que Jesus pregava? Qual era seu evangelho? Seu evangelho era a disponibilidade da vida no Reino dos céus, ou do Reino de Deus, agora mesmo. Permitam-me perguntar a mim mesmo algo que considero muito sério, e talvez também seja para vocês. Qual é o meu evangelho? Qual é minha mensagem central? Essa é a essência do nosso problema e da nossa promessa. Ouça a si mesmo ao falar e questione: “Qual é a minha mensagem?”. Ela atrai as pessoas ao discipulado? De novo, não quero ser crítico, mas, sinceramente, a maioria das pessoas não se propõe essa pergunta. Em vez disso, fala de um esquema criado por Deus através de Cristo que envolveu sua morte na cruz. Fato muito importante de compreender, mas pergunte-se: “Evangelho é isso?”. 20


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Evangelho não é isso: quando outros não só ouvem seu conteúdo, mas também veem como o vivemos e apresentamos, dizem: “Quero isso para mim. Quero ser discípulo de Jesus. Quero ser um de seus alunos, aprendendo a viver no Reino de Deus agora como ele vive no Reino de Deus.”? Quando apresentamos o evangelho por meio de nossa vida e do nosso ensinamento do que Jesus pregou, como a vida agora disponível no Reino de Deus, vemos as pessoas responderem. Observo isso há anos e ouço o testemunho de pessoas que de repente se dão conta de que o evangelho é isso. É com isso que Jesus tem a ver. Ele tem a ver com trazer a vida do Reino de Deus para dentro da minha vida agora e me tornar um cidadão desse Reino. E depois não acaba, porque passamos a vida buscando o Reino de Deus. Como Jesus disse, busquem primeiro o Reino de Deus. Agora preciso me perguntar: “Faço isso? Como? Estou mesmo buscando primeiro o Reino de Deus e o reino da justiça que caracteriza esse Reino?”. Agindo assim, podemos ter certeza de que faremos discípulos. Se pregarmos outra mensagem e vivermos outra mensagem, não podemos contar com isso. Esse é o motivo pelo qual o trabalho de líderes e pastores costuma ser tão difícil e tão cheio de decepções. A vida deles está vazia, e um dia acabam estourando. Acontece porque não ouviram a mensagem que Jesus divulgou. Ouviram outra mensagem e, talvez com a melhor das intenções, sentiram-se atraídos por uma vida em que, segundo imaginaram, seu trabalho seria fazer as coisas acontecerem. Mas essa é a pior posição em que podem estar. Claro, os líderes precisam agir, mas nosso trabalho não é fazer as coisas acontecerem. Vivemos no Reino de Deus, onde Deus está ativo. Seu Espírito está presente. Seu Filho vive. É onde vivemos também. Se fizermos acontecer, o resultado será nossos convertidos, e teremos de continuar a levá-los a fazer coisas, porque dependerão 21


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de nós para que “peguem no tranco” e sigam em frente. Em vez disso, precisamos colocá-los no Reino vivo de Deus e do Cristo vivo e permitir que interajam, um com o outro e com Deus e que transformem o mundo em que vivem. Discipulado não é para a igreja. Na verdade, a igreja é para o discipulado. Discipulado é para o mundo, o mundo que Deus tanto amou, para o qual tem grandes esperanças e de que extrairá grandes coisas. A ele pertence o discipulado. Se o limitarmos ao trabalho da igreja, jamais veremos seu poder para nos transformar ou transformar o mundo à nossa volta. Todavia, ao nos submetermos ao discipulado de Cristo no grande Reino de Deus, no mundo lá fora tanto quanto na igreja, começamos a enxergar uma base sobre a qual os discípulos podem se reunir. Unidade no discipulado Uma das coisas mais impressionantes hoje em dia é que estamos divididos em tradições diversas, e que não existe nenhuma comunhão; os pastores não se importam uns com os outros porque pensam ser diferentes. Quando entramos em discipulado, descobrimos a única base para a união cristã, o único modo pelo qual conseguimos ir além de todas as tradições, de todas as doutrinas, de todos os hábitos, de coisas como os bens que possuímos e quem pode controlá-los e assim por diante. Somos capazes de nos reunirmos em nossas comunidades como pastores de Cristo e lidar com esse mundo trazendo o Reino de Deus por meio do nosso povo à textura refinada do viver diário. Discipulado não é coisa complicada. Tudo já foi delineado. Só temos de começar pelo começo, ou seja, pela autoridade de Cristo sobre todas as coisas no céu e na terra, e fazer discípulos. Não fazemos luteranos. Não fazemos batistas. Não fazemos católicos. Não fazemos protestantes. Fazemos discípulos dos batistas, dos luteranos, 22


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dos católicos — de todos os grupos. E eles se unirão para formar o Corpo de Cristo onde estiverem. Ministros podem ministrar um ao outro, e sustentar um ao outro, e conhecer um o outro sem serem ameaçados ou competir, porque seu negócio é cuidar da comunidade e fazer discípulos, reunindo-os e ensinando-lhes a fazer tudo que Jesus disse. DIÁLOGO Dallas Willard e John Ortberg John: Conversamos diversas vezes sobre a ideia de pastores serem mestres das nações e como isso é importante. No entanto, quando lemos outro pessoal, gente que não é cristã — Richard Dawkins, ou Daniel Dennett, ou seja quem for —, a grande maioria de nós sabe que não conseguiríamos derrotá-los em uma discussão, e que não somos mais inteligentes do que eles. Como apresentamos com confiança esse conhecimento tendo consciência de que talvez não sejamos capazes de vencê-los na posição que defendem? Dallas: Uma das coisas que ajuda nessa situação é começar a reconhecer o objetivo em prol do qual trabalham, e não demorará muito para você perceber que grande parte do objetivo deles é fazê-lo se calar. Eles sabem trabalhar os simbolismos fornecidos pelas instituições do conhecimento da nossa cultura que têm definido o conhecimento de Cristo com base no domínio do conhecimento oficialmente. Muitas vezes, no entanto, alguém que não é um estudioso nessa área particular precisa conhecer a História bem o suficiente para reconhecer que a posição que defendem não é representada pelos pensamentos da humanidade ao longo dos tempos. Nesse aspecto, só recentemente acostumamo-nos a achar que fé é uma coisa e conhecimento, outra. 23


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Temos pessoas muito próximas a Richard Dawkins capazes de o acuar e fazê-lo se calar. Desse modo, isso se torna uma espécie de competição que precisamos ser muito cuidadosos ou acabaremos desprezando-o. O que ele mais necessita ouvir é o efeito do amor e da vida da verdade nos seres humanos, e então olhar para o que alega conhecer e constatar quão pouco isso tem a dizer sobre o que de fato importa para a maioria dos seres humanos. A inadequação do que é apresentado pelo conhecimento no mundo secular, para lidar com a vida das pessoas que ocupam o mundo secular, é a revelação das limitações que esse ponto de vista, o qual deixa de lado o conhecimento de Cristo e diz que ele não é conhecimento, é algo revelado. Ora, isso é algo em que a comunidade precisa trabalhar o tempo todo. Você está bem no meio da comunidade lá na Universidade de Stanford, e essa é uma ocasião em que pode misturar essa ideia. Eu acalentaria a esperança de que você trouxesse algumas das pessoas incrédulas de Stanford, e deixasse outras da comunhão ouvir e falar, pois só no diálogo as deficiências são reveladas. Agora o diálogo cessou, e necessitamos de pessoas — escritores, professores, palestrantes e todo tipo de gente — que simplesmente se levantem e iniciem o diálogo. John: Mas, então, você está dizendo que a questão fundamental não é tanto as provas da existência de Deus ou esse tipo de coisa, mas a adequação do que está sendo dito como fundamento para a vida. Dallas: Essa é a questão crucial, porque depois que você expressa sua opinião de um jeito ou de outro sobre as provas da existência de Deus — o que acho extremamente importante —, ela é atacada por críticas baratas e ilógicas na mente dos estudantes, muitos dos quais cristãos. Eles, então, saem e, muitas vezes, acabam indo parar no seminário e tendo um ministério baseado em quê? 24


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Nas próprias tradições? Quem assume o comando quando o conhecimento desaparece é a tradição. Jesus falou sobre isso diversas vezes em Mateus 15. Põem-se as tradições dos homens no lugar dos mandamentos de Deus. Bem, se os mandamentos de Deus não constituem conhecimento, por que não pôr outra coisa no lugar deles? É assim que acontece na vida humana. John: Alguém poderia dizer que o nome de um capítulo do seu livro Knowing Christ Today, “Pastores como mestres das nações”, soa pretensioso. Quando perguntaram a você sobre isso, sua resposta imediata — você não esperou nem meio segundo para dá-la — foi: “É isso mesmo. Jesus é a pessoa mais pretensiosa que já viveu.”. Fale alguma coisa sobre o que significa para todos nós, se fazemos parte de uma igreja e tentamos nos comunicar com nosso mundo hoje, o fato de a pretensão ser uma exigência. Dallas: Bem, essa é uma questão de extrema importância. Você sabe que o efeito de Jesus sobre as pessoas era diferente do exercido sobre escribas e fariseus. Porque ele falava como quem tem autoridade, e as pessoas percebiam isso. Escribas e fariseus precisavam conferir as próprias anotações ou descobrir qual rabino disse tal coisa sobre o quê. O povo que ouvia compreendia que aquelas pessoas não sabiam do que estavam falando. Escribas e fariseus extraíam autoridade de suas conexões e as impunham sobre o povo, mas Jesus falava sobre a vida real. O que impressionava em Jesus — e espero que você analise com cuidado a lógica das palavras dele — era sua capacidade de se referir à realidade e fazer que o povo a compreendesse de um modo diferente. Em geral, acontecia de forma que ultrapassava as tradições endurecidas das pessoas que se consideravam encarregadas da vida religiosa. O teste da vida religiosa é a vida, e é onde Jesus 25


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a vivia. Por isso ele faz menção às crianças e diz que, se pretende entrar no Reino de Deus, você precisa vir como uma criança. Agora, fora Jesus, não há ninguém mais pretensioso no mundo do que a criança pequena. Ela simplesmente segue em frente, você sabe. O principal é: ao ouvir Jesus, faça o que ele diz. Não elabore uma teoria. Apenas faça o que ele diz, e a realidade o ensinará. Em última análise, aí reside a autoridade. Portanto, o teste do secularista e do porta-voz cristão é a realidade com que põem as pessoas em contato. Em nosso passado recente, a maior ilustração isolada disso é C. S. Lewis. Ele nunca impõe a autoridade sobre você. Limita-se a discorrer sobre as coisas e a ajudar você a enxergá-las. Multidões de pessoas têm posto em prática o que ele diz e descoberto que é verdade. Esse é o apelo supremo do porta-voz em favor de Cristo. John: Uma questão relacionada com a anterior tem a ver com o conhecimento e sua natureza: como você distinguiria o conhecimento da certeza de que está certo? Dallas: Deve-se partir do seguinte ponto: todo mundo tem certeza e está errado. A certeza é um estado psicológico que se pode elaborar. Você vê muito disso em grupos religiosos. Eles tentam elaborar a certeza, mas esse é um erro terrível. Quando transmite conhecimento, você está dando coisas às pessoas que elas podem testar e descobrir serem verdadeiras na realidade. John: O que você quer dizer quando fala em “elaborar a certeza”? Refere-se às pessoas tentarem se forçar a experimentar mais certeza do que de fato acontece? Dallas: Claro. Isso mesmo. Quero dizer, essa é a função da líder de torcida. Estamos perdendo por quatrocentos pontos e restam três minutos de jogo, mas ela ainda diz que vamos ganhar. Se observar 26


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bem, verá que todos acreditam mesmo nisso. A certeza é algo de que nos apropriamos a partir dos arredores. Isso vale para a crença, por falar nisso. Pegamos nossas crenças como um casaco pega fiapos. Crianças pequenas também pegam crenças. Têm de passar pelo processo de refinamento disso e transformá-las em conhecimento. Deveria ser essa a função da comunhão dos crentes, propiciar contexto em que elas pudessem fazer isso. John: Você falou em doutrina e sobre como podemos substituir ser discípulos de Jesus pela insistência de que as pessoas adotem certas afirmações doutrinárias corretas. Mas qual é o papel apropriado da doutrina para o discípulo? Dallas: Bem, o papel apropriado da doutrina é ensinar abertamente visando levar as pessoas a entenderem coisas, não a que acabem adotando os pontos de vista certos. Não nos cabe controlar esse tipo de coisa. Cabe a elas, ao Espírito Santo e à realidade solucionarem isso — ter os pontos de vista corretos. O problema é o ensino da doutrina de forma a dizer que você deve crer nisso, quer você creia, quer não. Isso não funciona bem. Eis a razão de vermos esse êxodo constante de jovens das igrejas. Mas Jesus não era assim. Ele nunca faz esse tipo de coisa. A qualquer um capaz de achar melhor caminho do que Jesus, ele seria o primeiro a dizer para segui-lo. John: Pode repetir o que disse? Não tenho ouvido isso com frequência nas igrejas. Dallas: Jesus era um homem da verdade. O Espírito Santo é o Espírito da verdade, não da doutrina correta. Só estou afirmando que precisamos dizer a nossos jovens: “Siga Jesus, e, se você conseguir achar um caminho melhor do que ele, o próprio Jesus seria o primeiro a aconselhá-lo a enveredar por ele.”. 27


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John: Isso não é perigoso? Dallas: Perigoso é deixar de fazê-lo. Você acaba tendo pessoas que não creem no que afirmam crer. Gente — como a citada por Isaías e depois por Jesus — cuja língua está perto da de Jesus, mas que mantém o coração longe dele. Veja bem, sua língua segue o que é correto; seu coração, o que é verdadeiro. John: Poderia repetir? Dallas: Trata-se de um exercício de conformidade social. Ora, às vezes isso é maravilhoso, se acontecer de ser verdade, mas, se você pensa estar certo, pergunte só a alguém que discorda da sua opinião. John: A língua segue o que é correto, mas o coração, o que é verdadeiro. Dallas: Certo. Ora, esse é o ensino de Jesus, não meu. Confira Mateus 15: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (v. 8). Como porta-vozes de Cristo, nosso objetivo é atingir o coração. Atingir o coração de Richard Dawkins, o coração de toda essa gente. Mas uma das coisas mais difíceis de vencer é que vezes demais as pessoas não se importaram com isso. John: Só querem saber de ganhar a discussão. Dallas: Isso mesmo, você está coberto de razão. Têm a sensação de que seriam capazes de qualquer coisa para vencer a discussão. O que é necessário para se ganhar a discussão? Que o outro se cale. Se assistir aos debates universitários ou públicos de vários tipos entre pessoas como Richard e outras, você verá que a questão é quem se cala. Esse é o perdedor. Funciona como um round de boxe, e por 28


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esse motivo nós, na condição de cristãos, de seguidores de Cristo, precisamos aprender a dar ouvidos a Richard Dawkins. John: Você deve receber convites para debater com incrédulos de vez em quando. Faz isso? Como reage a esses convites? Dallas: Ao longo dos anos, quando me convidaram para fazer isso, sempre respondi que ficaria feliz em participar de uma investigação conjunta com fulano e sicrano, mas que não debateria. Buscaremos a verdade juntos. Isso muda a situação, porque a primeira tarefa para alguém como Richard — que não é um mau sujeito em muitos sentidos, mas formado por sua experiência — é que, se você os colocar no campo deles e disser “E agora, o que é a verdade?”, em menos de cinco lances do jogo começarão a perceber que não sabem. São bons em sua especialidade. Isso é importante. As especialidades são importantes. No fim do século XIX, a especialização assumiu o controle em nossas instituições educacionais. Mas a especialização jamais respondeu às questões básicas da vida. Antes dessa época, o papel fundamental da educação era dar resposta a essas questões. Infelizmente, as respostas com frequência não eram boas, o que pôs as pessoas em posição de dizer: “Bem, nem sequer discutimos isso.”. Costumo perguntar na USC e em outros locais públicos: “Alguém já demonstrou que a realidade é secular? Vocês poderiam me indicar quem foi a pessoa e onde isso foi feito? Se nunca aconteceu, não é questionável, de certa forma, anunciar que somos uma universidade secular?”. Ora, sei que existe um sentido administrativo nisso, mas não é essa a ideia captada pela maioria. Querem dizer que não incluímos Deus no conhecimento. Bom, se existe um Deus, seria de pensar que essa é uma omissão séria, sabe como é. E então, quando olha para as disciplinas e como são todas limitadas sem um fundamento, você percebe que esse é um trabalho intelectual sério. 29


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A tradição do cristianismo sempre foi a de estabelecer o fundamento para todas as disciplinas em Deus, e qualquer um de fato interessado nessa questão deveria começar com o melhor, São Tomás de Aquino — Summa theologica e Summa contra gentiles —, e ver como ele faz isso. Mas você constata que ele só estava fazendo o que todo mundo presumia que precisava ser feito. Hoje não existe fundamento algum. No fim das contas, o que manda em uma disciplina hoje é a pressão social da melhor opinião profissional, e ela muda. John: Você afirma que o discipulado não é complicado, mas as pessoas diriam que encontrar sentido na vida e em Deus é incrivelmente complicado. Como você concilia as duas coisas? Dallas: Quando você pratica o discipulado na comunidade dos crentes sob a direção de — por favor, Deus — pastores e porta-vozes que de fato vivem e ensinam a verdade que Deus disponibilizou na História, nas Escrituras e através da experiência, então a vida começa a fazer sentido. Para muitos dos nossos cristãos — professos, talvez sérios —, a vida não faz sentido porque não compreenderam a si próprios. Isso os põe na posição que ocupam, e, assim, precisam de ensino que lhes dê esse sentido. Esse deveria ser o resultado do nosso trabalho como porta-vozes de Cristo. De novo recorro a C. S. Lewis, com quem a maioria dos cristãos está familiarizada. Ele dá sentido a coisas em que as pessoas nunca tinham visto sentido antes. Após ler algumas de suas palavras, dizem: “Ah, entendi!”. Ora, esse efeito de luz que se acende deveria ser o processo constante para aqueles dentre nós que somos seguidores de Cristo à medida que passamos pelo mundo e fazemos discípulos, atraindo-os à verdade de Cristo. John: Quando as pessoas dizem: “Creio em Deus, e quero crer em Deus, mas tenho dúvidas às vezes; quero seguir Cristo, mas falho 30


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às vezes; não tenho tanta certeza como gostaria”, podem afirmar com confiança ou integridade que conhecem Cristo? O que precisa ser verdadeiro na vida delas, na vida e na mente delas, a fim de que sejam capazes de dizer que conhecem Cristo? Dallas: Pôr as palavras de Cristo em prática e descobrir que são verdadeiras. John: É possível alguém conhecer Cristo, mas não se dar conta de que o conhece? Dallas: Oh, é sim. Muita gente conhece coisas, mas não sabe que as conhece. É da natureza do conhecimento. Como no caso das crianças, por exemplo, ou de pessoas de vários tipos sem sofisticação alguma — elas nem sabem o que é conhecimento. Mas nossa vida é repleta de conhecimento. Você conhece algo quando é capaz de lidar com ele, que está sobre uma base adequada de pensamento e experiência. John: Diga isso mais uma vez. Você conhece... Dallas: Você conhece algo quando é capaz de lidar com ele, que está sobre uma base adequada de pensamento e experiência. Ora, nossa vida está repleta de conhecimento. O conhecimento não é esotérico, nem raro. Ele é muito comum. Está em toda parte. Gosto de visitar ambientes da universidade em que você tem pessoas treinadas para dizer que não conhecem nada e dizer: “Bem, como seu professor dá nota ao seu trabalho se ele não conhece nada?”. Esse não conhecer é um jogo de irresponsabilidade. Um modo de dizer que não sou responsável. Sou agnóstico. Ora, você sabe que nunca dizemos isso quando algo realmente importa. Nunca digo isso se estou em um aeroporto e alguém anuncia de que portão parte meu voo. Nunca digo: “Bem, sabe como é, sou agnóstico!”. 31


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Isso é verdade em relação a tudo que é importante, porque o conhecimento é muito importante. Quando conhece algo, você é capaz de lidar com ele como ele é, e de se comunicar com outras pessoas acerca desse algo. E assim toda profissão, prática e teórica, se organiza em torno do conhecimento. Imagine se os eletricistas não conhecessem nada. Ora, até há bem pouco tempo não conhecíamos nada sobre eletricidade, e isso é típico do progresso da humanidade debaixo de Deus. Passamos a conhecer mais e mais e mais. Mas, então, a humanidade e a rebeldia contra Deus rejeitam o conhecimento de Deus, e isso é, claro, uma parte da tentação original, certo? Foi isso mesmo que Deus disse...? Bem, mas é assim que acontece na vida, e deveríamos dar as boas-vindas às oportunidades de aprender. A última coisa que queremos é ser arrogantes e pretensiosos em relação ao que conhecemos. Queremos ser humildes, aprender. Fazer perguntas, não só afirmações. Agindo assim, ajudamos os outros e a nós mesmos. O mais importante que podemos fazer pelos jovens é auxiliá-los a aprender a perguntar. John: Eu diria que para a maioria de nós, nas igrejas, tem a tendência de achar que o mais importante é fornecer-lhes as respostas certas. Dallas: Bem, pensamos mesmo assim, mas esse é o erro. Impomos uma tradição e acreditamos ser muito importante que a conheçam bem. Senão, podem ir para o inferno. Bem, claro, essas questões são sérias, mas o simples fato de conseguir que Deus inspecione nossa mente e descubra que temos declarado as coisas certas provavelmente não é onde se supõe que estejamos. Por isso eu disse que a visão da salvação mais comum nas mensagens hoje é que você poderia ir para o céu e ter o pior tipo de caráter imaginável, mas viveu o momento mágico da anuência mental, da qual Deus tomou nota e registrou no computador. Agora, de acordo com alguns grupos, 32


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você precisa refazer isso e, de acordo com outros grupos, isso deve ser feito logo antes de você morrer. John: Duas perguntas em consequência do que você acaba de dizer. Uma delas é: ao expor o evangelho, o evangelho simples da disponibilidade da vida no Reino de Deus, ele não inclui, como você estabelece, a expressão “perdão de pecados”. Onde o perdão de pecados se encaixa no evangelho? Você entende que o conceito é menos central do que outras formulações do evangelho o consideram? Dallas: Eu não diria que seja menos central. Ele é essencial. Você não entrará no Reino de Deus sem o perdão dos pecados. É como a história de Abraão, entende? Ele creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça. Quando você deposita seu peso sobre Jesus e o Reino, tudo isso se resolve. Uma das coisas que deixou as pessoas mais loucas por Cristo foi sua conversa sobre como é fácil perdoar pecados. Bem, se me permitem dizê-lo, e espero não desencaminhar ninguém, perdoar seus pecados é um fardo que se tira da mente de Deus. Ele fica feliz em fazê-lo. John: Nunca ouvi você dizer isso antes. Não que faça qualquer diferença, em absoluto. Dallas: Veja bem, isso faz parte do conjunto de imagens mentais que acompanha a tradição: Deus está bravo o tempo todo. Ouve-se as pessoas dizerem que Deus é bom o tempo todo. Não, ele está bravo o tempo todo. John: Deus está bravo o tempo todo; o tempo todo Deus está bravo. Dallas: Bravo e bom. Esse não é Deus, simples assim. O milagre não é que Deus me ama; seria um milagre se não me amasse, porque ele é amor. Essa é a natureza básica de Deus — uma inclinação para o bem. 33


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John: O que leva a outra pergunta, difícil de traduzir em palavras. Quando muitos de nós ouvem você falar sobre como Deus é bom, isso é extremamente comovente. Porque descobrimos que determinadas coisas nós achamos que se supõe que creiamos acerca de Deus, e então esperamos que o mundo acabe se revelando ser de determinada maneira. O que me surpreendo pensando: Deus é melhor do que eu mais esperava que o mundo pudesse se tornar. Então, quando você fala sobre coisas como buscar o Reino de Deus, sei que a ideia está presente em sua mente, mas para a maioria de nós, quando ouvimos palavras como “buscar o Reino de Deus”, elas se tornaram um papo tão de igreja, e tão superficial, e tão estupidamente religioso, que não entendemos. O mesmo acontece com discípulo e tantas outras coisas. Como você escapa da armadilha em que, me parece, tantos de nós se sentem presos? Adoraríamos amar a Deus, mas não sabemos como fazer isso. Dallas: Bem, eu preciso dizer que é um dom, mas você tem de se dispor a dar esse passo. Muita gente está de tal forma ligada a uma imagem horrível de Deus que quando lê “Busque primeiro o Reino de Deus” enxerga “Trate de se endireitar, ou eu pego você”. Deixamos de levar em consideração toda a questão do passado, que é a bondade transbordante de Deus. Insistimos em pensar em termos humanos: se Deus não é mau, não é capaz de administrar o mundo. Só se consegue administrar as coisas sendo mau. Essa é a razão do nosso conjunto de imagens. Penso que existe ao menos uma resposta simples para a pergunta: comece a pôr em prática o que Jesus disse. Comece a pô-lo em prática, mais nada — algo simples como fazer que seu “sim” seja um “sim” e seu “não”, um “não”. Em todos os ensinamentos de Jesus, passa-se por um processo. Por isso o discipulado é tão importante. É um processo de aprendizado e de fazer que seu “sim” seja um “sim” e seu “não”, um “não”. 34


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Jesus põe as coisas desse modo. Mais que isso vem do que é mau. Nossos tradutores evangélicos não conseguem evitar dizer “do maligno”. Mas trata-se do que é mau em seu coração, entende? Você se pergunta: “Por que não digo simplesmente que é deste ou daquele jeito? Por que os longos números de cântico e dança pelos quais tenho de passar para transformar um ‘sim’ em ‘não’ e um ‘não’ em ‘sim’?”. Bem, isso acontece por causa da nossa vontade de manipular as pessoas. É esse o mal do qual a prática provém. Se nos dispusermos a deixar as pessoas em paz, a lhe dizer como é e como não é e pronto, então podemos dizer apenas “Sim, é desse jeito” ou “Não, não é assim”. John: Posso dar sequência à questão do discipulado? Se o principal gesto do discípulo é tentar aprender de Jesus como viver e pôr as coisas em prática, acho que muita gente luta com a seguinte questão: se você pensar no cristão como “A questão do céu está resolvida para mim, porque tenho declarado a doutrina correta e tive a experiência certa”, ao menos isso dá a impressão de uma decisão bastante clara de fato. A alternativa é tentar agradar a Deus com a justiça das minhas obras, o que rejeito para receber perdão e salvação pela graça por meio da fé. Isso parece muito claro. Quando Jesus viveu na terra, isso parecia muito claro, porque ele caminhava por aí. De modo que ou você caminhava por aí com ele, ou não. Então, na igreja de Atos 2, a comunidade era tão radicalmente diferente das outras que de novo tinha-se a impressão de haver uma presença concreta que o ajudava a saber: É, sou discípulo porque estou vivendo com esses caras, coisa que, de outro modo, jamais aconteceria. Em uma sociedade como a nossa, existem igrejas por toda parte; é meio cristão, mas meio não cristão. Se afirmo que discípulo é alguém que busca fazer o que Jesus diz, a sensação é meio confusa. Se faço isso uma vez a cada hora, posso ser chamado de discípulo? Ou o certo é uma a cada cinco minutos? 35


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Dallas: Você está buscando aprender a fazer o que Jesus dizia. Buscando aprender. Faço esta pergunta para mim mesmo algumas vezes na semana: Sou discípulo hoje? Ora, se sou discípulo, estou aprendendo dele. Sou seu aluno. John: Então, você às vezes diz para si mesmo que hoje não é discípulo? Dallas: Sim, há ocasiões em que constato que não aprendi nada, nem busquei aprender. John: Não tem problema dizer “Não, meu destino eterno não corre nenhum risco agora”? Dallas: Não tem. Deus não está bafejando ameaçadoramente na sua nuca. Pergunte-se por que ele não permanecia no jardim simplesmente. Ele se aproximava. Na verdade, nos primeiros capítulos de Gênesis, Deus é bem falante. Não é verdade? Quero dizer, tudo bem, Caim está com um problema, então vou até lá conversar com ele. Deus lhe dá uma pequena lição e não parece ajudá-lo, mas estava presente. Lembro-me de certa vez ter perguntado a James Bryan Smith sobre a tribuna: “O senhor acha que alguma vez Deus já o deixou se safar de alguma coisa?”. A resposta é sim, de todos os tipos de coisas. Isso é uma vida de graça. Não tenho medo de dizê-lo porque, de certa forma, é o que você anda procurando. Não, não, não — é o que você vem aprendendo. Você não está à procura disso. Não está querendo se safar de alguma coisa. Por outro lado, no entanto, esta é uma vida em que Deus está trazendo a você a plenitude da semelhança com o Filho, e para isso ele nos dá uma vida, e dar-nos uma vida significa que fazemos escolhas, e elas são importantes. Não precisam ser sempre certas; Deus não está contando os pontos que marcamos. Isso é chocante para muita gente, mas ele não faz isso. Não é algo com que 36


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se importe. Ele se importa com quem nos tornamos, e sabe que, à medida que nos tornamos mais como Cristo, não haverá nada pelo que marcar pontos, porque tampouco se preocupa em marcar os pontos das coisas boas. Normalmente as pessoas pensam que ele só toma nota das coisas ruins. Essa é uma visão terrível de Deus. John: O que significa, então, falar sobre o juízo de Deus? Dallas: Bem, no fim ele tem de lidar com como as coisas se revelam, e será apenas uma questão de declarar a verdade. Algo além de todas as nossas racionalizações e explicações. Olharemos e diremos: “É verdade. Fui isso mesmo. Foi isso mesmo que fiz”. Agora, não pense que a questão de ir para o céu ou para o inferno está fundamentada sobre essa base. Mas ela é importante. Não pretendo sugerir que não seja. Mas creio que só não estarão no céu as pessoas que não quiserem estar lá. Pensando bem, se na verdade você não gosta de Deus, não há de querer ir para o céu. John: As igrejas devem enviar missionários? Dallas: Oh, sim, absolutamente sim. John: Por quê? Dallas: Para ajudar pessoas a saberem sobre Cristo. Quero dizer, esse é o conhecimento mais importante da terra. Estivemos nas faculdades Claremont da Califórnia outra noite, e vi uma das pedras fundamentais do sistema universitário dos Estados Unidos. Adivinha o que era? Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito. Essa foi a pedra fundamental do sistema educacional dos Estados Unidos desde 1636, com a fundação de Harvard, até este último século. Isso era aceito como verdade, como conhecimento, como algo que se podia investigar e aprender, caso se desconhecesse. O que seria mais importante do que saber que Deus ama tanto assim o mundo? 37


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Portanto, precisamos enviar gente. Em geral as pessoas não sabem disso. Não sabem disso bem aqui onde moramos, e é preciso que lhes digam. Fazemos discípulos aqui. Não sei quantos anos levei para entender que a Grande Comissão não tem a ver com missões estrangeiras. Em meu contexto eclesiástico, é o que ela sempre quis dizer. John: Ir para algum outro país? Dallas: Algum outro país. Porque, claro, estamos muito bem aqui. John: Mais uma pergunta, Dallas. Você escreveu um bocado sobre o jugo de Jesus ser suave. Quando converso com pastores, penso cada vez mais que eles só sentem pressão. Dallas: Oh, é isso mesmo. John: Pressão para que a igreja vá bem, pressão para que se saiam bem. Além disso, quem não é pastor se sente pressionado a ser o tipo certo de cristão. Assim, será que você pode falar um pouco sobre o jugo suave para os pastores e as demais pessoas na igreja? Dallas: Sim, claro. Jugo suave é deixar de lado os seus e os meus projetos e assumir os projetos de Deus. Vou repetir. Tomar o jugo suave é deixar de lado os seus e os meus projetos, que nos esmagam — e é aqui que os líderes se põem debaixo de uma pressão intolerável. Porque estão levando seus projetos adiante; pressupõem ter assumido os projetos de Deus e convertido em projetos próprios. John: Bem, quando você fala em “deixar de lado meu projeto”, suponho que se um jovem ou uma jovem sonha em ser escritor ou escritora, você não quer dizer que ele ou ela não deveria sonhar com esse tipo de coisa — ou quer? Dallas: Quero dizer que ele ou ela não deveria pôr sobre si o fardo de tentar ser escritor ou escritora. Se é isso que deseja, ele ou ela deve escrever. 38


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John: Mas não carregar o peso do resultado? Não carregar sobre si a pressão? Dallas: Exato. Exato. Veja alguém jogando boliche. A pessoa solta a bola, e ela sai rolando. Enquanto isso, a pessoa fica torcendo: “Vai, vai, vai”. A questão é — sei disso muito bem pela experiência que tive como pastor durante alguns anos, muitos anos atrás —: a grande tentação é tentar fazer acontecer, seja o que for. Esse é o ponto em que precisamos abandonar nosso jugo, tomar o jugo de Jesus e deixar que ele carregue o fardo. Isso vale em relação a nossos filhos. Temos a sensação de que precisamos fazer acontecer, e é justamente o que precisamos deixar de lado. Não fazemos acontecer. Abrimos mão de seja o que for. O que quer que estejamos fazendo para o Senhor, deixamos que ele dê continuidade. Damos o nosso melhor, mas não confiamos no nosso melhor. Quando começa a confiar no seu melhor, você acha que a solução é se esforçar ainda mais, e essa nunca é a solução, especialmente no caso de quem acaba assumindo uma liderança para Cristo. Eu raras vezes... Não consigo nem me lembrar de ter encontrado alguém que, na minha opinião, devia se esforçar mais. Os líderes trabalham em excesso. Portanto, precisam dar o seu melhor em alguma coisa e depois deixar com Deus. Claro, esse é o ensino constante das Escrituras e das pessoas piedosas ao longo das gerações. Lendo aqueles que foram considerados grandes, qualquer que seja a tradição a que pertençam, verá que eles deixavam tudo com Deus. Hoje, Madre Teresa de Calcutá é uma ilustração brilhante do que estou dizendo — um jeito muito diferente, um espírito muito diferente. E Teresa de Ávila — pessoa maravilhosa. Mas elas aprenderam a entregar-se a Deus.

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