Projeto Socioambiental

PROJETO TEÓRICO-PRÁTICO SOCIOAMBIENTAL EM ARRAIAL DO CABO:

Ordenamento territorial e fortalecimento das relações socioambientais

João Outeiral e Lorena Freitas

Vila Industrial e Praia do Pontal Arraial do Cabo - RJ

A antiga Vila Industrial, ou Vila Residencial da Álcalis, foi construída a fim de abrigar parte dos trabalhadores das fábricas na época que a empresa ainda funcionava. Com a falência da mesma, essa área residual permaneceu sem planejamento e cuidado, servindo hoje de espaço para um concomínio residencial e alguns campings.

Logo atrás da Vila, se encontra a Praia do Pontal, trecho da orla que se estende até a Praia do Forte, em Cabo Frio, sendo o Pontal, a parcela dentro do território de Arraial. Esses dois locais estão imersos em um cenário de áreas protegidas ambientalmente, e com importantes elementos da cultura local, tendo a necessidade de preservação e proteção.

Figura 01: Vista da orla da Praia do Pontal

Problemáticas Uma primeira análise realizada a partir de dados fornecidos pelo poder público e das impressões retiradas das visitas a campo permite concluir o caráter particular da área quando comparada a outras zonas de Arraial do Cabo, em especial quando comparamos a Praia do Pontal com as demais praias da região. Enquanto estas apresentam um grande volume de visitantes e oferecem fácil acesso pela proximidade do centro urbano, aquela se destaca pela relativa boa conservação ao longo da faixa mais próxima ao mar, estando as edificações modernas fora do ângulo de visão, com exceção dos paióis dos pescadores tradicionais, que parecem se misturar à paisagem.

Figura 02: Localização do recorte

Figura 04: Paiol dos Pescadores

1km

Figura 03: Situação do recorte

100m

Essas características corroboram para a manutenção de uma beleza cênica que remete aos antigos cenários de Arraial do Cabo, especialmente antes da chegada da Companhia Nacional de Álcalis.

Uma análise mais aprofundada, baseada em relatos de moradores locais, artigos acadêmicos, pesquisa em veículos de imprensa, legislação específica, bases cartográficas e dados de geoprocessamento permite compreender que todas as características que tornam a área particular quando comparada às demais da cidade estão sofrendo há anos pressões de diversos movimentos que colocam em risco sua integridade.

PRAIA DO PONTAL PAIOL MORRO DO MIRANDA CAMPINGS FAETEC VILA RESIDENCIAL

Figura 05: Locais relevantes

300m

Legislação e conceitos importantes No recorte da Vila da Álcalis e da Praia do Pontal, a especulação imobiliária é a principal ameaça, incentivando o avanço dos loteamentos (legais e ilegais), cada vez mais próximos de áreas de preservação ambiental e gerando danos imediatos pela remoção das formações vegetais para a edificação e posteriores com impermeabilização do solo, instalação de iluminação, despejo de esgoto, tráfego de veículos, entre outros. As leis de proteção ambiental não impedem, de fato, que as atividades nocivas ao meio ambiente continuem ocorrendo.

Somado a esse fator, a legislação ambiental nega o acesso de populações tradicionais à restinga, que junto à fiscalização deficiente, torna a área de preservação frágil diante das pressões sofridas.

Uma possível solução para este problema está indicada dentro do próprio aparato legal na forma de instrumentos: - Lei federal nº 11.284/ 2006: Equipara comunidades locais a populações tradicionais e outros grupos humanos, conceituandoos como grupos “organizados por gerações sucessivas, com estilo de vida relevante à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica” - art. 3º, inc. X (MITIDIERI, 2013);

sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental” -art.

3º, inc. II (MITIDIERI, 2013);

- Lei federal nº 11.428/ 2006: Define população tradicional como “população vivendo em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução

- Lei municipal nº 1.804/ 2013: Considera a pesca artesanal um patrimônio cultural de natureza imaterial de Arraial do Cabo, embora esta não determine dispositivos de proteção à cultura da pesca artesanal.

- Portaria do IPHAN nº 127/ 2009: Versa sobre a Paisagem Cultural Brasileira, definindo-a como uma porção peculiar do território nacional representativa do processo de interação do homem com o meio natural à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores (BARRETO, 2015);

Objetivos As propostas de projeto, portanto, partem do entendimento que há uma relação indissociável entre populações tradicionais e preservação do meio ambiente, visão que vem ganhando força em contraposição ao conservacionismo que aparta as populações tradicionais de seu território, como exposto por Mitidieri (2013, p. 27): Figura 06: Comércio e ocupação na praia

“A compatibilidade entre comunidades tradicionais e meio ambiente já foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Foi consignada a compatibilidade seja no caso de área de conservação (uso sustentável), seja no de preservação ambiental (proteção integral), pugnando-se pela dupla afetação(...)”

A partir deste entendimento são identificados fatores de risco que afetam os elementos considerados essenciais para a manutenção de uma paisagem resiliente que beneficie tanto o ecossistema nativo quanto o território do pescador artesanal. O mais evidente deles devido ao grande impacto visual causado é a abertura de novas áreas de ocupação como ocorrido no lo-

teamento Miguel Couto, decorrente da ocupação vêm outros riscos supracitados, como a impermeabilização do solo para a criação de ruas, o despejo de esgoto, a produção de lixo, a introdução de animais domésticos e plantas exóticas, a instalação de iluminação pública, dentro outros que têm em comum o impacto negativo gerado em áreas que são zonas de amorte-

Objetivos cimento do Parque Estadual Costa do Sol (PECS). Além do impacto gerado por residentes, há o impacto gerado pelo turismo, que em alta temporada, aumenta a circulação de veículos, o comércio irregular, a produção de resíduos sólidos e a poluição sonora, além de atividades danosas como a circulação excessiva de embarcações ou os passeios de bugre e quadriciclo que avançam sobre áreas protegidas. As ações propostas são uma tentativa de criar um perímetro de proteção ao redor da praia através de uma série de ações que que possibilitem a criação de uma faixa coesa de restinga preservada que se conecte diretamente à praia e às áreas do PECS, preservando tanto o bioma quanto o território do pescador e o paiol.

Figura 07: Parte da restinga existente praia

Figura 08: Bosque de casuarinas na Praia do Pontal

Análises Figura 09: Uso e Cobertura

Figura 10: Limites do PECS

100m

Água

Rest. Arbust. Fechada Pós-Praia

Área Inundável

Rest. Herb. Aberta Inundável

Área úmida

Rest. Herb. Pasmófila-Reptante

Costão Rochoso

Área Antrópica

Casuarinas

Veg. Est. Decidual Arbustiva

Rest. Arbust. Aberta Inundável

Veg. Est. Decidual Herbácea

Rest. Arbust. Aberta Não-Inundável

Corpos Hídricos

Figura 11: Áreas Prioritárias

100m

100m

Zona de Preservação

Zona de Sobreposição Teritorial

Zona de Conservação

Zona de Conservação

Zona Transitória

Zona de Preservação

Área mais conveniente para criar uma conexão entre os dois recortes do PECS

Água

Áreas da Vila Industrial onde haverá restauração das formações vegetais da restinga

Área passível de restauração a criação de uma passagem para a fauna e flora

Uma das metodologias utilizadas se dá a partir da análise cartográfica nos âmbitos sociais, ambientais e urbanos, a fim de se extrair conclusões a respeito dos problemas e potencialidades da área.

A partir disso, estão inicialmente três mapas biofísicos importantes para a problemática em questão.

Analisando as características de cada um, é possível supor os locais mais adequados para propostas,

como reconstrução de parte da restinga, locais a serem preservados e protegidos ou não, etc. Os polígonos pontilhados indicam essas áreas.

Análises Figura 12: Plano Diretor

Figura 13: Ocupação do solo

Figura 14: Inquéritos MP

1

2 3

100m

100m

ZOC - Zona de Ocupação Controlada

Residencial

ZEU - Zona de Expansão Urbana

Habitação Transitória

ZPVS - Zona de Preservação da Vida Silvestre

Comercial

ZCVS - Zona de Conservação da Vida Silvestre

Institucional

ZI - Zona Industrial

Industrial

100m

1. Nº 201700511183 - Ocupação Irregular; - ZCVS Praia do Pontal 2. Nº 201501222079 - Colocação de iluminação pública na ponte de entrada da Praia do Pontal 3. Nº 201800092443 - Saneamento básico; - Prolagos; - Esgoto no Bairro do Pontal

Aqui, são apresentados e analisados,

Nesses outros mapas, sobresaltam

meio-ambiente

e

à

respectivamente, o mapa do Plano Diretor vigente, o mapa de ocupação do solo, com os diferentes tipos de lotes, e o mapa de inquéritos do Ministério Público (Com a devida localização de cada um).

as áreas visadas de interesse da especulaçã imobiliária, assim como os inquéritos do Ministério Público.

Com isso, traçam-se estratégias a fim de tentar frear a ocupação humana e seus efeitos danosos ao

tradicional que ali reside.

população

Diretrizes Objetivamente, três pontos resumem as ações propostas, são eles (1) ordenamento da paisagem com auxílio de barreiras físicas multifuncionais e de baixo impacto ambiental e visual que delimitam áreas protegidas, direcionando o fluxo de pessoas e impedindo o acesso e a circulação de veículos, (2) disponibilização de informação para o público através do uso de estruturas de baixo impacto ambiental e visual instalados em forma de totens nos acessos principais e de QR Codes ao longo da praia que informam sobre regras para utilização do espaço e características ambientais e culturais do local, (3) proteção do território da pesca tradicional e da restinga com ações que desincentivam o turismo predatório

e limitam a expansão das ocupações da Vila Residencial e do loteamento Miguel Couto através da sugestão de alteração do Plano Diretor, além da recuperação de trechos da restinga em áreas estratégicas que unam áreas submetidas às leis de proteção do PECS com áreas onde hoje são permitidas ocupações controladas. Essas três linhas de ação disseminam informação sobre a relevância ambiental dos biomas típicos e sobre a riqueza cultural que envolve a atividade da pesca artesanal, destacando sua relação intrínseca com a paisagem através da instalação de marcos nas áreas de pesca e pontos de vigia com a disponibilização de acesso fácil a informações sobre suas histórias e lendas. Também desincentivam o turismo predatório criando dificul-

dade no acesso da área, obrigando que grande parte do trajeto seja feita à pé ou de bicicleta através do bloqueio do acesso de veículos automotores o que colabora para que se evite a montagem de estruturas como barracas ou churrasqueiras na beira da praia. Com relação às ocupações, proíbem a expansão de loteamentos e limitam as atividades da área de campings já existente no caso da mudança do Plano Diretor que também cria condições propícias para o manejo de espécies exóticas e a reconstituição de trechos da restinga tanto na área de conexão entre os recortes de PECS quanto nas bordas Vila, visando integra-la à paisagem através do uso da vegetação.

Propostas Totens Informativos:

Marcos com QR Code:

Barreiras físicas:

Totens em todos os acessos principais (em laranja) com informações sobre as regras que devem ser respeitadas (limites de áreas protegidas e não protegidas, o que pode ou não ser feito, etc), e a relevância cultural e ambiental da área.

QR Codes nos marcos relevantes da paisagem da pesca (paiol, pontos de pesca e vigia e formações vegetais) que redireciona a uma página com informações aprofundadas sobre cada local. A medida visa evitar a interferência visual no cenário que seria gerada por placas.

Estruturas multifuncionais e de baixo impacto ambiental e visual que delimitam áreas protegidas, direcionando o fluxo de pessoas e impedindo a circulação de veículos.

Atualmente o fluxo de carros ocorre até a beira da praia. As barreiras físicas visam restringir esse fluxo às áreas da FAETEC e do Camping.

Figura 15: Totens informativos

Figura 16: Marcos com QR Codes

Figura 17: Barreiras físicas

100m

100m

100m

Todas as ações propostas buscam favorecer a restinga e o pescador através da aplicação de soluções de baixo impacto ambiental e visual através da utilização de pouco material físico, com todas as estruturas biodegradáveis em escala e material compatíveis com a paisagem do entorno, além de baixo custo de implantação. A limitação do acesso de veículos à área também

é importante para a redução do número de turistas na alta temporada e consequentemente do comércio o que reduz impactos negativos e permite que o pescador exerça seu ofício sem os contratempos causados pela atual configuração.

A viabilidade foi um fator importante na definição da proposta, portanto foram indicadas ações simples e de baixo custo que abram espaço para

a criação de uma futura reserva extrativista que contemple trechos da restinga, um desdobramento natural da atual Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo.

QR Codes em pontos de interesse Totens informativos Barreiras físicas para veículos

Figura 18: Corte ilustrativo

Propostas Reconstituição restinga:

de

trecho

de

- Remoção de casuarinas no trecho destacado.

Remoção da área de estacionamento e limitação para circulação de veículos Implantação de espécies característica da restinga de acordo com a formação apresentada no seu entorno preservado (principalmente as formações arbustiva aberta e arbustiva fechada)

100m

100m

Introdução de formações vegetais nativas nas bordas da Vila:

100m

100m

- Remoção de cercas e espécies exóticas - Implantação de espécies da formação arbustiva fechada da restinga: a massa vegetal faz o papel de barreira física e visual, integra o vila ao restante da área e reduzir a poluição sonora e a movimentação de areia.

Propostas Corte ilustrativo mostando o antes e o depois da proposta ZPVS

VIA

BORDA DA VILA

ZOC

Alteração do Plano Diretor

Plano Diretor atual

- Atual configuração permite a ocupação de áreas muito próximas à praia - O círculo preto destaca a área com potencial para reconstituição ambiental: possibilidade de ligar dois fragmentos do PECS, além de salvaguardar o território da restinga e da pesca tradicional ao afastar possíveis ocupações e limitar as atuais atividades como o Camping

200m

Plano Diretor sugerido

200m

Referências Bibliográficas BARRETO, P. Relatório sobre o Patrimônio Cultural e a Chancela da Paisagem Cultural no território da pesca tradicional da Praia do Pontal, na Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo – RJ. Rio de Janeiro: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, 2015 CARVALHO, A. S. R. (Coord.). ANDRADE, A. C. S. (Coord.). SÁ, C. F. C. (Coord.). ARAUJO, D. S. D. (Coord.). TIERNO, L. R. (Coord.). KRUEL, V. S. F. (Coord.). Restinga de Massambaba: vegetação, flora, propagação e usos. Rio de Janeiro: Vertente edições, 2018.

INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE - INEA. Plano de Manejo do Parque Estadual da Costa do Sol - Anita Mureb (PECS). Rio de Janeiro: 2019 LOPES, R. S. (Org.). ABRAHÃO, J. (Org.). Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Arraial do Cabo. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado do Ambiente, 2017.

MITIDIERI, especialmente

Leandro.

Populações

protegidos

com

tradicionais dupla

e

afetação.

meio-ambiente: Disponível

espaços em:

territoriais

http://www.mpf.

mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/documentos/trabalhos-cientificos/ CAPTULO1populacoestradicionaisemeioambienteespacosterritoriaisespecialmenteprotegidoscomduplaafetacao. pdf. Acessado em: 28/11/2019.

TARDIN, R.; ALMEIDA, I. Paisagem da Pesca em Arraial do Cabo: conflitos e potencialidades. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/336530684_Paisagem_da_Pesca_em_Arraial_do_Cabo_conflitos_e_ potencialidades/link/5da49cc992851c6b4bd6a0ef/download. Acesso em: 25 de novembro de 2019.

ARRAIAL DO CABO. Prefeitura Municipal. Lei nº 602-A de 23 de abril de 1992. Dispõe sobre o uso e a ocupação do solo no Município de Arraial do Cabo, em consonância com o disposto na Lei do Plano Diretor. Disponível em: https://sogi8.sogi.com.br/Arquivo/Modulo113.MRID109/Registro63783/lei%20n%C2%BA%20602-a,%20de%202304-1992.pdf. Acessado em: 25/11/2019.

ARRAIAL DO CABO. Prefeitura Municipal. Lei nº 1.715 de 04 de julho de 2011. Altera dispositívos da lei nº 1512 de 30 de março de 2007 - Lei de uso e ocupação do solo do município. Disponível em: https://www.arraial.rj.gov.br/ publicos/75b270be17-baab-4f7e-8675-76186168f634.pdf. Acessado em: 26/11/19.

ARRAIAL DO CABO. Prefeitura Municipal. Lei n° 1.804 de 07 de maio de 2013. Considera patrimônio cultural de natureza imaterial a pesca artesanal de Arraial do Cabo. Disponível em: https://www.arraial.rj.gov.br/ publicos/19dddd205f-a4d1-4b34-95b5-e611a07a7019.pdf. Acessado em: 26/11/19.

RIO DE JANEIRO. Governo do Estado. Decreto n° 42.929 de 18 de abril de 2011. Cria o Parque Estadual da Costa do Sol e dá outras providências. Disponível em: http://www.inea.rj.gov.br/cs/groups/public/documents/document/ zwew/mde3/~edisp/inea0017431.pdf. Acessado em: 27/11/19.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.284 de 02 de março de 2006. Dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/ Lei/L11284.htm. Acessado em: 28/11/2019.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.428 de 22 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica. Disponível em: planalto.gov.br. Acessado em: 29/11/2019.

Projeto desenvolvido na disciplina do Mestrado Profissional em Arquitetura Paisagística, do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ. 2019.